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Mestranda no programa associado de Pós-graduação em Artes Visuais da UFPE/UFPB. Trabalho
realizado para a disciplina Artes visuais nos espaços públicos, ministrada pela Prof.ª Dra. Flora Romanelli
Assumpção
Através dos exemplos mencionados na história da arte, percebe-se que a ideia do
percurso fora trabalhada em nível literário, escultórico e arquitetônico. Neste último,
porém, ganhou contornos de antiarquitetura radical no nomadismo e não encontrou
desenvolvimento positivo. A partir das reflexões de Tim Ingold (2015) e Paola Berenstein
Jaques (2011), debruçamo-nos sobre a arquitetura das favelas do Rio de Janeiro, em
especial a Mangueira, para pensar em como seus labirintos específicos foram influentes
na obra do artista Hélio Oiticica. Tanto Jaques quanto Ingold fazem uma referência
metafórica à mitologia grega do labirinto de Cnossos: de acordo com o mito, o palácio de
Cnossos escondia um labirinto com um monstro conhecido como Minotauro. A
construção teria sido feita pelo arquiteto Dédalo, o único a deter o mapa da obra e,
portanto, o único que conhecia seus caminhos. Posteriormente e por ironia do destino,
Dédalo vai parar em seu próprio labirinto a mando do rei Mino, de modo que, sem seu
plano de construção, viu-se incapaz de achar uma saída.
É a partir deste mito que Ingold constrói sua metáfora para pensar a educação: seu
dédalo detém o conhecimento, porém, ao reproduzi-lo, é possível que se cerceie de ser
inventivo. Para o autor, aquele que caminha não em uma série de escolhas pré-
determinadas mas erráticas precisa de uma atenção redobrada que pode, em alguns casos,
ser positivas, pois exigem criatividade destes: o caminhante fica apto à sabedoria da
experiência. Fazendo um paralelo com Jaques, quando ela menciona que “os favelados
nunca se perdem numa favela” (2011, p. 69) certamente é dessa vulnerabilidade da
experiência que os moradores precisarem aprender a manejar na vida. O tempo da
arquitetura da favela é diferente dos chamados espaços urbanos: é um tempo do abrigo
imediato. A autora menciona a roupa como esse primeiro abrigo protetor de um indivíduo.
Daí parto para Oiticica e para pensar no Parangolé como um grande divisor da
influência do artista na Mangueira e na escola de samba. O uso de corpos-obra, que
também eram corpos-espectadores, vestidos de tecidos coloridos e necessariamente em
movimento e/ou dança, evidenciavam novas relações de obra que dialogam com essa
noção do caminhar enquanto expansão de campo da arte. O ritmo também se faz presente.
E é interessante lembrar da arquitetura da Mangueira nesse sentido:
À medida que se vai passando pelas primeiras “quebradas”, vai-se descobrindo um ritmo
de caminhar diferente, imposto pelo próprio percurso das vielas. É o que chamam de
ginga. Perambulando pelos meandros das favelas, compreendemos como as crianças do
morro sabem dançar o samba antes mesmo de saber andar direito. Ora, nunca andamos
em linha reta numa favela de morro, na qual, além dos meandros do caminho, sempre
estamos num plano inclinado. (JAQUES, 2011, p. 70)
É bem verdade que os labirintos sempre foram quase que como uma obsessão para
Oiticica, que mesmo em sua fase neoconcreta apresentava indícios nos Metaesquemas
(1957-1958) até os últimos Penetráveis (1971-1980). Também pouco antes de sua morte,
Oiticica propõe o delirium ambulatorium como expressão mais radical do Parangolé de
emancipação do espectador, em que o artista realiza performances no evento Mitos
vadios, em São Paulo, com intuito de protestar contra a realização da I Bienal Latino-
Americana de São Paulo, cujo tema era Mitos e magia. Antes da ocasião, lançou um
pequeno release em jornal adiantando, porém “sua ação ficou quase inteiramente
circunscrita ao terreno vazio onde se concentrava o evento, pouco explorando a sua
‘periferia’ e contrariando, assim, o que anunciara” (DOS ANJOS, 2012).
Seria talvez necessário dizer também que fazer amor é sentir o corpo refluir sobre si, é
existir, enfim, fora de toda utopia, com toda densidade, entre as mãos do outro. Sob os
dedos do outro que nos percorrem, todas as partes invisíveis do nosso corpo põem-se a
existir. (...) O amor, também ele, como o espelho e como a morte, sereniza a utopia do
nosso corpo, silencia-a, acalma-a, fecha-a como se numa caixa, tranca-a e sela-a. É por
isso que ele é parente tão próximo da ilusão do espelho e da ameaça da morte (...) no
amor o corpo está aqui. (ibid, 2013, p. 16)
Referências bibliográficas:
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DOS ANJOS, Moacir. As ruas e as bobagens: anotações sobre o delirium ambulatorium
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jan. 2012.
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http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832015000200002
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