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ANDRÉ BUENO · CARLOS EDUARDO CAMPOS · AIRAN BORGES

ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA


Reitor:
Prof. Dr. Marcelo Augusto Santos Turine - UFMS
Vice-Reitora:
Profa. Dra. Camila Celeste Brandão Ferreira Ítavo
Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Esporte:
Prof. Dr. Marcelo Fernandes.
Direção da Faculdade de Ciências Humanas:
2 Profa. Dra. Vivina Dias Sol Queiroz
Coordenação do Curso de História:
Prof. Dr. Cleverson Rodrigues

Edições Especiais Sobre Ontens


Comissão Editorial & Científica
Dulceli Tonet Estacheski [UFMS]
Everton Crema [UNESPAR]
Carla Fernanda da Silva [UFPR]
Carlos Eduardo Costa Campos [UFMS]
Gustavo Durão [UFPI]
José Maria Neto [UPE]
Leandro Hecko [UFMS]
Luis Filipe Bantim [UFRJ]
Maria Elizabeth Bueno de Godoy [UEAP]
Maytê R. Vieira [UFPR]
Nathália Junqueira [UFMS]
Rodrigo Otávio dos Santos [UNINTER]
Thiago Zardini [Saberes]
Vanessa Cristina Chucailo [UNIRIO]
Washington Santos Nascimento [UERJ]

Rede:
www.revistasobreontes.site

Coordenador do ATRIVM / UFMS:


Prof. Dr. Carlos Eduardo da Costa Campos

Rede: https://www.atrivmufms.com/

Ficha Catalográfica

Bueno, André; Campos, Carlos Eduardo; Borges, Airan (org.)


Ensino de História Antiga. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Sobre
Ontens/UFMS, 2020. ISBN: 978-65-00-02134-9 160pp.

Ensino de História; História Antiga; Antiguidade Clássica.


Sumário
POR UM ENSINO DOS ESTUDOS DA ANTIGUIDADE - REFLEXÕES ................................................. 5
O USO DA ARTE NO ENSINO DA ANTIGUIDADE TARDIA por Ana Lucia Santos Coelho e Ygor
Klain Belchior................................................................................................................................. 8 3

PHYSIS EN LA ANTIGUA GRECIA por Arturo S. Sanz .................................................................... 17


ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA E AS POTENCIALIDADES DA CULTURA MATERIAL: EXPERIÊNCIAS
E REFLEXÕES por Airan dos Santos Borges e Carlos Eduardo da Costa Campos ........................ 23
REFLEXÕES SOBRE O DIÁLOGO PARA OS ESTUDOS DA ANTIGUIDADE por Cristina de Souza
Agostini........................................................................................................................................ 36
A BNCC E O ESTUDO DA ÁFRICA E DO EXTREMO ORIENTE ANTIGOS NOS ANOS FINAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL: RETROCEDEMOS? por Leandro Mendonça Barbosa .......................... 44
A HQ “OS 300 DE ESPARTA” E O ENSINO DE HISTÓRIA – CONSIDERAÇÕES, IDEIAS E
ALTERNATIVAS por Luis Filipe Bantim de Assumpção ................................................................ 50
POR UM MUNDO ANTIGO DE CONTATOS: UMA PROPOSTA DE USO DO FILME ALEXANDRIA EM
SALA DE AULA por Thiago de Almeida Lourenço Cardoso Pires ................................................. 62
O LUGAR DA ANTIGUIDADE NOS PROGRAMAS DE HISTÓRIA: DA DISSOLUÇÃO DO CURRÍCULO
HUMANÍSTICO AOS DEABATES SOBRE A BNCC por Alessandro Mortaio Gregori ...................... 67
REVISTA EM QUADRINHOS COMO RECURSO DIDÁTICO À DISCIPLINA DE HISTÓRIA ANTIGA por
Allef Gustavo Silva dos Santos .................................................................................................... 75
HELENISMO E AS SOCIEDADES CLÁSSICAS OCIDENTAIS: UMA BREVE REFLEXÃO por Avelino
Gambim Júnior ............................................................................................................................ 81
UMA PONTE PARA A ANTIGUIDADE: O PENSAMENTO FILOSÓFICO GREGO NA LITERATURA
INFANTOJUVENIL por Benigna Ingred Aurelia Bezerril e Krishna Luchetti ................................. 86
O ENSINO DAS LETRAS CLÁSSICAS PARA O ESTUDO DA ANTIGUIDADE – UMA PROPOSTA
METODOLÓGICA por Carlos Eduardo Schmitt ............................................................................ 93
A HISTÓRIA ANTIGA PRESENTE NO LIVRO DIDÁTICO por Carolina Lima Costa .......................... 98
PIBID EM PRÁTICA: METODOLOGIA PARA TRABALHAR A CULTURA DO EGITO ANTIGO NO
ENSINO FUNDAMENTAL por Cibeli Grochoski e Milliann Carla Strona..................................... 104
O ENSINO DA ANTIGUIDADE ROMANA: UMA REVISÃO HISTORIOGRÁFICA DE REPRESENTAÇÕES
EM LIVROS DIDÁTICOS por Daniel Roberto Duarte Granetto ................................................... 111
A RIQUEZA DO CONTINENTE AFRICANO: UMA EXPERIÊNCIA EM SALA DE AULA por Isabele
Fogaça de Almeida .................................................................................................................... 118
UM PASSEIO PELA ANTIGUIDADE CLÁSSICA: RECONSTRUINDO O PASSADO COM O ASSASSIN’S
CREED ODYSSEY DISCOVERY TOUR por Isaias Luis dos Santos Junior....................................... 126
RELATO DE EXPERIÊNCIIA: 0,50 CENTAVOS DE GRÉCIA ANTIGA, A APRENDIZAGEM
SIGNIFICATIVA E OS USOS DO PASSADO por Jacquelyne Taís Farias Queiroz .......................... 133
NÓS E OS ANTIGOS: USOS DA LITERATURA CLÁSSICA EM MANUAIS DE ENSINO DE HISTÓRIA
OITOCENTISTAS por José Petrúcio de Farias Júnior e Gizeli da Conceição Lima ...................... 137
POSSIBILIDADE DE DIÁLOGO ENTRE HISTORIOGRAFIA E ENSINO DE HISTÓRIA A PARTIR DO
4 LIVRO DIDÁTICO: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O EGITO ANTIGO por Raimundo Nonato Santos
de Sousa e Ruan David Santos Almeida .................................................................................... 146
ENTENDENDO E REFLETINDO: EDUCAÇÃO NA CHINA ANTIGA E SEUS POSSÍVEIS
ENSINAMENTOS PARA O AMBIENTE ESCOLAR BRASILEIRO por Ruan David Santos Almeida.153
POR UM ENSINO DOS ESTUDOS DA ANTIGUIDADE - REFLEXÕES

A coletânea, intitulada Ensino de História Antiga, demonstra a importância


da cooperatividade entre pessoas e instituições. Nesse sentido, o diálogo
entre a UERJ, UFMS, UNESPAR e UPE, que sediaram o evento e a publicação
com participação de mais de mil comunicadores e dois mil leitores
reafirmam o nosso compromisso com o conhecimento científico em tempos 5
tão obscuros. Logo, os textos contidos nessa obra devem ser
compreendidos como o resultado de um processo educativo, cultural e
científico. Acreditamos que uma atividade dessa natureza viabiliza a relação
ativa e transformadora entre a Universidade e a sociedade ao promover a
democratização do saber, tornando-o disponível para todos.

Em um período instável e nebuloso quanto ao nosso presente e futuro,


notamos que muitas justificativas são utilizadas para explicar nossa
atualidade. Em algumas delas, o Mundo Antigo é acessado como um lugar
de autoridade, detentor de exemplos que podem inspirar o tempo presente.
A presente proposta não tem como objetivo defender a canonicidade da
História Antiga. Para nós os estudos sobre a Antiguidade figuram como um
poderoso instrumento de reflexão para os pesquisadores e discentes
contemporâneos ao possibilitar o alargamento das distintas visões de
mundo que compõem a contemporaneidade. Desta feita, compreendemos
que o ensino e a pesquisa desse vasto Mundo Antigo contribuem de modo
ímpar para a construção de uma consciência histórica plural e diversificada.

Como foi evidenciado entre os anos de 2015 e 2017 nos debates [e


embates] que contextualizaram a seleção dos conteúdos históricos que
integrariam a BNCC dos Ensinos Fundamental e Médio, é urgente a
necessidade de se rever tanto a forma quanto o conteúdo que integram os
Estudos Clássicos ensinados nas escolas contemporâneas. O primeiro passo
em direção à isso consiste no rompimento com a falsa oposição entre a
academia e as instituições escolares, materializada na metáfora que
observa a Universidade como um “castelo de marfim”, isto é, como um
lugar inacessível aos “não iniciados”.

Neste evento, defendemos a necessidade de ir além das interpretações


historiográficas. Acreditamos na importância de um movimento conjunto
entre as pesquisas e o ensino do Mundo Antigo, com a finalidade de
desenvolver ações práticas e direcionadas para a comunidade escolar.
Assim, esperamos que as experiências aqui compartilhadas sirvam de
inspiração para a promoção de outras práticas pedagógicas entre os
professores do magistério superior e da rede básica, bem como discentes
em formação. Frente a isso, nas conferências e comunicações enviadas, é
possível observar um Ensino de História Antiga problematizador e conectado
com a nossa realidade. As experiências aqui agrupadas evidenciam
abordagens dinâmicas e criativas que reafirmam a viabilidade das ações
conjuntas entre os grupos de pesquisa dedicados à Antiguidade nas IES e
as Instituições Escolares, destacando, assim, as contribuições dos
especialistas em Antiguidade tanto para os cursos de licenciatura, como
para o aperfeiçoamento de professores.
A mesa Ensino de História Antiga foi organizada em local ideal, a saber, a
rede de internet; garantindo, assim, o longo alcance das discussões.
Ademais, foi possível integrar professores e pesquisadores de áreas como
História, Arqueologia, Educação, Literatura, Filosofia, Artes, que tem como
interesse comum os Estudos Clássicos. A partir deste “encontro”, foram
criadas as condições para realização de discussões e debates relativos ao
6
estado atual das pesquisas e práticas de ensino, além de permitir a difusão
de seus resultados. Com esse intento, são previstas as realizações de
conferências e comunicações com professores e especialistas nacionais e
internacionais, atrelados a temática do simpósio.

As conferências e as comunicações asseguram o compromisso com a


cientificidade, com a sociedade acadêmica, bem como com os que estão
fora do meio acadêmico. Abrindo a seção das conferências, destacamos o
texto dos professores Ana Lucia Santos Coelho e Ygor Klain Belchior,
intitulado O Uso da Arte no Ensino da Antiguidade Tardia Ressaltamos, no
qual os autores fornecem instigantes análises sobre as imagens que
contribuem para a contextualização e conhecimento de práticas
socioculturais da Antiguidade Tardia.

Airan dos Santos Borges e Carlos Eduardo da Costa Campos


problematizaram as articulações entre a cultura material e o ensino da
Antiguidade no texto O Ensino de História Antiga e as Potencialidades da
Cultura Material: experiências e reflexões. Nele, os autores analisaram o
emprego da cultura material para o Ensino de História, bem com
apresentaram duas experiências desenvolvidas com as comunidades
universitária e escolar de Caicó – RN e Coxim – MS.

Arturo Sánchez Sanz, nosso convidado internacional, contribui com os


debates através do texto Physis en la Antigua Grecia, no qual problematiza
as questões de gênero e propõe outros olhares para esse tema, auxiliando
no alargamento dos debates para o Ensino.

O texto Reflexões sobre o Diálogo para os Estudos da Antiguidade de


Cristina de Souza Agostini é um convite para pensarmos tanto o diálogo em
sala de aula como a vida cotidiana, sobretudo, por realizar importantes
reflexões no campo filosófico que contribuem diretamente para a
compreensão do papel do diálogo, na Antiguidade e atualmente.

Já Leandro Mendonça Barbosa dedicou-se à análise do texto da BNCC


destacando diversos pontos sobre os estudos da África Antiga e do Extremo
Oriente Antigo. Logo, o artigo A BNCC e o Estudo da África e do Extremo
Oriente Antigos nos Anos Finais do Ensino Fundamental: Retrocedemos?
provoca e propõe um convite para a comunidade escolar e universitária
debater e produzir medidas de ação.

Luis Filipe Bantim de Assumpção nos introduz ao estudo das mídias no


artigo A HQ “Os 300 de Esparta” e o Ensino de História – considerações,
ideias e alternativas. Neste texto o autor fornece um estudo valioso e que
pode ser empregado com os alunos, especialmente por possibilitar a
construção do ensino com uma linguagem que é aproximada dos
educandos. Além disso, o estudo de Assumpção possibilita outra perspectiva
ao tradicional ensino atenocêntrico realizado nas escolas.

Encerramos os textos dos conferencistas com a proposta de Thiago de


Almeida Lourenço Cardoso Pires intitulada Por um Mundo Antigo de
Contatos: uma proposta de uso do filme Alexandria em sala de aula. Neste 7
estudo, Pires analisa o filme Alexandria como instrumento de Ensino de
História Antiga e destaca elementos para o leitor pensar nas redes de
contatos que havia na Antiguidade.

Ressaltamos que a presente obra também conta com textos oriundos das
comunicações da Mesa de Ensino de História Antiga, o que proporciona ao
leitor conhecer algumas ações de projetos desenvolvidos no contexto do
PIBID; dos Estágios Supervisionados; de Projetos de Extensão e
Pedagógicos; bem como reflexões teóricas para Antiguidade. Em linhas
gerais, as produções revelam inquietações e são propositivas no que diz
respeito a defesa de novas práticas para o ensino da História Antiga nos
diversos níveis do ensino brasileiro. Desta feita, as análises comungam de
um objetivo comum, a saber: reconhecer as contribuições do Mundo Antigo
para a compreensão de conceitos e produções culturais presentes nas
experiências sociopolíticas atuais.

Frente a isso, a presente proposta dialoga com outras experiências desse


tipo e que foram desenvolvidas em diversas universidades federais e
estaduais do Brasil. Para citar alguns exemplos, recordamos os projetos da
UNESP – Assis, coordenados pela Profª Drª Andréa Rossi e as Oficinas
Pedagógicas em História Antiga. No caso da Antiguidade Clássica e Egípcia
na UFRJ, salientamos as atividades promovidas pela Profª Drª Regina Maria
da Cunha Bustamante. No âmbito da USP, tivemos os projetos educativos
em História Antiga coordenados pela Profª Drª Maria Beatriz Borba
Florenzano e pela Profª Drª Maria Isabel Fleming junto ao Museu de
Arqueologia e Etnologia. Em todas essas experiências, a História Antiga foi
vista como um espaço de reflexão crítica de temas caros ao mundo
contemporâneo, um locus de identificação e problematização de inúmeras
Referências culturais – vistas, então, de modo mais amplo. Esta produção
pretende, portanto, unir-se a elas.

Profa. Dra. Airan dos Santos Borges – UFRN / Ceres


Prof. Dr. Carlos Eduardo da Costa Campos – UFMS / FACH
O USO DA ARTE NO ENSINO DA ANTIGUIDADE TARDIA
Ana Lucia Santos Coelho e Ygor Klain Belchior

Não há consenso, entre os historiadores, sobre os marcos do fim da


Antiguidade e do início da Idade Média. Cândido da Silva [2010], inclusive,
defende que a problemática da transição é um dos questionamentos mais
8
importantes da História, existindo cerca de 210 hipóteses para determinar
esses marcos.

Tal situação ocorre porque, segundo Guarinello [2003], a História Antiga e a


História Medieval são “formas” criadas – de forma artificial e posteriormente
a esses períodos – com o intuito de dividir e ordenar uma memória social
específica: a ocidental. E justamente, por serem criações, são passíveis de
crítica.

Se repensarmos as “formas” poderemos repensar, por conseguinte, o modo


como as fronteiras são criadas. Barros [2009] afirma que, há muito tempo,
existem historiadores que criam delimitações cronológicas distintas para
esses marcos: Antiguidade Tardia, Baixo Império Romano, Primeira Idade
Média e/ou Alta Idade Média. Para cada delimitação há, ainda, noções de
queda, declínio, decadência, desagregação, construção, adaptação e
inovação.

Nosso objetivo, nesse artigo, é apresentar duas questões: 1] como a


literatura sobre o Ensino de História lida com a problemática da linearidade
temporal; 2] como a Historiografia da transição critica a cronologia
tradicional; e 3] como essas críticas podem ser trabalhadas em sala de
aula. Para tanto, apresentaremos a utilização da Antiguidade Tardia no
questionamento da linearidade e da sequencialidade da divisão quadripartite
do tempo. Acreditamos que contabilizar as múltiplas visões a respeito de
um período permite desvendar a abundância de tempos e narrativas, bem
como compreender que as transformações temporais não tão abruptas.

O Ensino de História no Ensino Fundamental


Elegemos a reflexão acerca da divisão do tempo, porque, de acordo com
Bezerra [2007, p. 44], “a dimensão da temporalidade é considerada uma
das categorias centrais do conhecimento histórico”. E ela detém essa
centralidade porque a temporalidade é um produto cultural forjado pelas
sociedades, historicamente situadas. Em suas palavras:

“O conceito de tempo supõe [...] relações entre continuidade e ruptura,


permanências e mudanças/transformações, sucessão e simultaneidade, o
antes-agora-depois. Leva-nos a estar atentos e fazer ver a importância [...]
[d]os diversificados ritmos do tempo histórico [...] na duração dos
fenômenos sociais e naturais. E justamente [tal] compreensão [...] que
permite o exercício explicativo das periodizações, que são frutos de
concepções de mundo, de metodologias e [...] de ideologias diferenciadas
[idem, p. 45].
Nadai e Bittencourt [2012, p. 73] concordam com Bezerra. Todavia,
consideram que ensinar o tempo histórico é em um grande desafio aos
professores. Aos que pretendem enfrentar tal dificuldade, recomendam que
o trabalho seja feito para além da localização nos séculos e da periodização
quadripartide, ou seja, afastando-se da noção quantitativa que as datas nos
passam, adotando, assim, o método qualitativo (o significado), na medida
em que é um produto cultural de certas sociedades. 9

Tais questões são evidentes na legislação acerca do Ensino de História. Ao


observarmos, por exemplo, a BNCC [2017], notamos que o documento traz
a orientação de que o conhecimento histórico deve ser construído a partir
de reflexões sobre “a forma como os indivíduos construíram, com diferentes
linguagens, suas narrações sobre o mundo em que viveram e vivem, suas
instituições e organizações sociais” [p. 397]. E o mesmo vale para as
periodizações. Demonstrar, assim, como elas são produtos das sociedades
no tempo é produzir conhecimento histórico. Mas como podemos fazer isso?
A partir do uso de fontes pelos alunos. Pois,

“é fundamental considerar a utilização de diferentes fontes e tipos de


documento [escritos, iconográficos, materiais, imateriais] capazes de
facilitar a compreensão da relação tempo e espaço e das relações sociais
que os geraram. Os registros e vestígios das mais diversas naturezas
[mobiliário, instrumentos de trabalho, música etc.] deixados pelos
indivíduos carregam em si mesmos a experiência humana, as formas
específicas de produção, consumo e circulação, tanto de objetos quanto de
saberes. Nessa dimensão, o objeto histórico transforma-se em exercício, em
laboratório da memória voltado para a produção de um saber próprio da
história” [p. 398].

Vimos, portanto, que problematizar os significados das lógicas de


organização cronológica é uma das competências do Ensino de História.
Pensando, então, em fornecer aos professores do ensino básico uma
ferramenta para abordarem essa questão é que apresentamos a
Antiguidade Tardia como um exemplo de produção do conhecimento
histórico em sala de aula. Ao final deste texto, apresentaremos como as
fontes materiais, no caso específico, as artísticas, são fundamentais para
que os discentes percebam como as transformações no tempo são muito
mais lentas do que a história eventual dos livros didáticos costuma
apresentar.

A Historiografia sobre a transição


De acordo com Cândido da Silva [2019], as fontes contemporâneas ao
período da transição deram pouca importância à queda de Roma. Nada
parece indicar que houve uma conquista bárbara da antiga capital do
Império, como sempre afirmam os livros didáticos, por exemplo. O que
houve foram apenas saques muito pontuais. Por que, então, tal contexto
tornou-se sinônimo de hecatombe? Segundo o autor, porque as principais
fontes do período foram redigidas por cristãos, os quais elegeram os
bárbaros como os culpados pela decadência moral do Império.
Essa visão prolongou-se até o Renascimento, cujos indivíduos, além de não
entenderem o topos retórico presente nas fontes cristãs, aceitaram-no
como verdadeiro para a economia, a cultura e os costumes. O problema
disso, alega Guarinello [2013], é que o Renascimento foi o momento onde
surgiram os vocábulos Antiguidade e Idade Média. O grande responsável foi
o humanista Petrarca, que, ao avaliar a literatura Antiga e Medieval, notou
10
a existência de uma diferença estética entre elas, cunhando as noções de
lux, para a Antiquitas, e de tenebrae, para a Media Aetas. Flávio Biondo,
outro humanista, foi além: cunhou o termo “declínio” para se referir à
queda de Roma e da civilização antiga.

Essas marcações começaram a fazer parte da cronologia dos historiadores a


partir do século XV, devido aos trabalhos de Giovanni Andrea, um
bibliotecário pontifical e escritor de breviários. Em vista disso, a Idade
Média, até o final do século XVII, não existia como “forma” ou periodização,
pois era denominada pelos adjetivos “idade das trevas” ou “feudalidade” [Le
Goff, 2015, p. 70-78].

Nos séculos XVIII e XIX, surgiu, na Europa, a ambição de transformar a


História Antiga e a História Medieval em Histórias Universais. Leite [2017]
esclarece que a História Universal se tornou uma ambição dos Estados
Nacionais, como a ciência das suas origens. Tal movimento impôs uma
visão eurocêntrica aos tesouros literários e artísticos, ao patrimônio das
nações ocidentais civilizadas em detrimento dos não civilizados (bárbaros).
Nessa lógica, o tempo passou a ser entendido como linear e evolutivo, indo
do mais simples ao mais complexo. Por consequência, o período medieval,
consolidou-se como o “meio”, sendo lido como o período de interrupção da
linha crescente da civilização.

Ainda assim, houve quem defendesse a civilização feudal como a época


europeia mais elevada. Jules Michelet, por exemplo, afirmou: “a Idade
Média é aquilo que amamos, aquilo que nos amamentou quando pequenos,
aquilo que foi nosso pai e nossa mãe, aquilo que nos cantava tão
docemente no berço” [Franco Júnior, 2006. p. 16].

Nesse ínterim, houve também quem tentasse repensar a própria transição


da Antiguidade para a Idade Média. Em 1688, o historiador Christoph
Cellarius definiu a Idade Média como o período que vai do imperador
Constantino até a tomada de Constantinopla, pelos turcos. Tese
interessante que dava uma espécie de sobrevida à Antiguidade [Le Goff,
2015]. Por sua vez, Alois Riegl, em 1893, percebeu que o período da
transição não era o resultado da decadência artística provocada pelos
bárbaros, mas sim um período testemunhador do surgimento de um novo
tipo de produção, com uma lógica própria: os artistas da época buscavam
atingir a transcendência, e não mais os padrões clássicos. Como resultado,
Riegl cunhou o termo Spätantike, “Antiguidade Tardia” [Guarinello, 2003].

No século XX, o foco de análise mudou. O que antes estava centrado na


política, nas artes e na moral, passou a ser visto sob o prisma cultural e
econômico. Karl Marx, inclusive, foi o precursor desse último. Em seu livro,
Formações econômicas pré-capitalistas, observou que a passagem da
Antiguidade à Idade Média se deu com a substituição do modo de produção
escravista pelo modo de produção feudal, ou seja, com a substituição da
posse da terra antiga pela posse da terra germânica, calcada na exploração
campesina.

O axioma marxiano influenciou uma vasta gama de intelectuais posteriores, 11


dentre eles, Rostovtzeff [1926], Ste. Croix [1981] e Wickham [1984]. O
primeiro construiu um modelo social e econômico para o fim do Império
Romano semelhante à Revolução Russa, argumentando que a queda
ocorreu graças às revoltas campesinas e militares do século III, as quais
inauguraram um Estado militar burocrático que suprimia a liberdade
individual e eliminava a burguesia. Por sua vez, Ste. Croix construiu um
modelo econômico pautado no fim da pax Augusta, sustentando que ela
diminuiu o número de escravos e levou os produtores a gerarem a sua
própria mão-de-obra [coloni]. À tal realidade, somaram-se as cobranças de
impostos e a expansão da Igreja, o que resultou no apoio da população
pobre à liquidação do Império pelos invasores bárbaros. Finalmente,
Wickham construiu um modelo econômico que estudava a coexistência dos
modos de produção antigo e medieval, entre os anos de 300 a 700. Para
ele, o sistema feudal começou quando os ricos proprietários passaram a ter
um status social identificável pela posse da terra.

Nas últimas décadas, as pesquisas sobre a transição mudaram de maneira


significativa. As recentes escavações arqueológicas trouxeram novidades na
análise de manuscritos, túmulos, utensílios e construções. Nesse âmbito,
Magalhães de Oliveira [2015] defende que, para estudarmos a transição,
precisamos, inicialmente, atentarmos para qual parte do Império Romano
estamos a falar quando pensamos em decadência. Se olharmos somente
para a economia, as evidências arqueológicas revelam uma decadência, do
século III ao V, na parte ocidental do Império. A parte oriental continuou
em resplendor econômico até o século XV. Já o Norte da África, manteve
um intenso e fervoroso crescimento nas áreas da urbanização e do comércio
até o século VII.

A literatura também ajudou na revisão do tema. Os historiadores passaram


a contestar a opinião recorrente de que os últimos séculos do Império
teriam sido desprovidos de qualquer traço de inovação, em razão de uma
suposta perda da qualidade cultural. Marrou [1949], por exemplo, reavalia
os séculos IV ao VI, enxergando-os não como temporalidades marcadas por
retrocessos ou pela “germanização” da cultura antiga, mas pelo o
surgimento de uma “nova e vigorosa civilização”. E ainda acrescenta: é
outra Antiguidade, outra civilização com originalidade.

Essa nova ideia popularizou-se com a obra A criação da Antiguidade Tardia,


de Brown [1971]. O autor observou que as expressões “declínio” e “queda”
só podem ser aplicadas às estruturas políticas das províncias ocidentais. A
transição, para ele, é a passagem de uma mentalidade identitária cívica
[mundo clássico] a uma mentalidade identitária religiosa [mundo medieval],
ocorrida do século II ao VIII.
Por fim, Carrié e Rousselle [1999] nos estimulam a refletir sobre a transição
a partir da perspectiva de mutação e não de ruína. Os autores enfatizam
que a representação catastrófica associada ao fim da Civilização Clássica é
um legado mal interpretado dos escritores antigos. Tais testemunhos, na
visão dos autores, não podem ser lidos de forma literal, devido à intensa
carga moral que carregavam. Logo, defendem que os séculos III, IV e V não
12
configuram o fim de um mundo nem o começo de outro, mas ambas
as possibilidades simultaneamente.

Até aqui, vimos, então, algumas interpretações da transição da Antiguidade


para a Idade Média. Em resumo, podemos dividi-las em três grupos: 1]
Queda ou Declínio, composta por autores que analisam o momento em que
ocorreu a falência do Império Romano; 2] Decadência, formada pelos
autores que entendem a Idade Média a partir de conceitos depreciativos; 3]
Desagregação, constituída pelos autores que observam as transformações
como construções, adaptações e inovações. A partir desse ponto,
debateremos sobre as possibilidades de usarmos tais discussões no Ensino
de História Antiga e Medieval.

A Arte e o Ensino da Antiguidade Tardia


Começaremos dizendo o que é Arte. Para Coli [1995], Arte é um “objeto”
histórico com suas próprias funções e seu próprio contexto, o qual sofreu
diversas interpretações ao longo do tempo. Dito isso, analisaremos dois
objetos artísticos. O primeiro é uma ânfora, produzida entre os séculos IV e
V d.C., e encontrada no século XVII na costa de Baratti, no noroeste da
Toscana. Ela é feita de prata e possui 7 linhas, com 134 medalhões.
Vejamos três imagens:

Fonte: http://www.toscanacostaetrusca.it/en/from-shipwreck-to-a-new-life-
the-story-of-baratti-silver-amphora/
13

Fonte:https://commons.wikimedia.org/wiki/File:MAP_-
_Amphora_Baratti_8_Athene.jpg

A ânfora é importante para demonstrar que os anos finais do Império


Romano não foram marcados pelo fim repentino da cultura antiga. Isso por
dois motivos: 1] o formato da ânfora evidencia que o seu modo de
fabricação permaneceu o mesmo por muito tempo, pois ela se assemelha às
ânforas de séculos anteriores; 2] a presença de imagens de deuses antigos
o zodíaco, das quatro estações do ano, de dançarinos, de músicos e de
deuses antigos, como Atena, Cibele, Zeus, Hera, Afrodite, Atena, Apolo,
Ares, Dionísio, revela que os temas pagãos sobreviveram à origem do
cristianismo.

O segundo objeto é um sarcófago do século IV d.C. pertencente a um


senador romano chamado Júnio Basso. Ele é feito de mármore e possui
temas bíblicos, do Antigo e Novo Testamentos, destacados em relevo. É
considerado um dos primeiros exemplares da Arte Paleocristã. Observemos:
14

Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Sarc%C3%B3fago_de_J%C3%BAnio_Basso#/
media/Ficheiro:Tesoro_di_san_pietro,_sarcofago_di_giunio_basso.JPG

Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Sarc%C3%B3fago_de_J%C3%BAnio_Basso#/
media/Ficheiro:1058_-_Roma,_Museo_d._civilt%C3%A0_Romana_-
_Calco_sarcofago_Giunio_Basso_-_Foto_Giovanni_Dall'Orto,_12-Apr-
2008.jpg

O sarcófago é um excelente exemplo da apropriação estilística clássica por


parte dos primeiros cristãos do período que chamamos de Idade Média. As
figuras dispostas como se fossem um filme desenrolando aos olhos dos
expectadores lembram as histórias narradas na Coluna de Trajano e nos
Arcos do Triunfo erigidos pelos imperadores romanos. Ademais, na segunda
figura bidimensional, a qual retrata Jesus e dois dos seus Apóstolos,
percebemos que ela foi esculpida dentro dos padrões do estilo artístico
clássico, sendo o Messias representado como um filósofo antigo [Gombrich,
2000].

Considerações Finais
Uma das tarefas mais importantes no Ensino de História é a crítica às
cronologias, à ideia do tempo linear e evolutivo. Um dos períodos que mais
possibilita esse exercício é a transição da Idade Antiga para a Idade Média.
O breve debate historiográfico que realizamos nesse artigo mostrou que a
“forma” Antiguidade Tardia foi criada para mostrar que a transição entre
dois períodos distintos não é tão repentina como a História eventual nos
revela. Ademais, ela ajuda a demonstrar que no meio do medieval ainda
vivia algo do antigo, ou seja, que a tradição clássica ainda estava viva nos
anos do cristianismo. Tal concepção é tão rica e profícua que, a nosso ver,
precisa ser levada para a sala de aula, para os livros didáticos, a fim de 15
fazer os alunos refletirem sobre o fato de as transições não serem
estanques.

Referências
Ana Lucia Santos Coelho é doutoranda em História Antiga na Universidade
Federal de Ouro Preto [UFOP]. Atualmente, trabalha como professora de
Metodologia Científica e de Estágio Supervisionado em História na
Universidade Estadual de Feira de Santana [UEFS]. E-mail:
ana.scoelho@hotmail.com
Ygor Klain Belchior é doutor em História Antiga pela Universidade de São
Paulo [USP]. Atualmente, é professor de História Antiga, História Medieval e
História da Arte da Universidade do Estado de Minas Gerais [UEMG –
Campanha]. Email: ygorklain@gmail.com

BARROS, J. D'Assunção. Fronteiras da Antiguidade: algumas leituras e


discussões historiográficas sobre o período que medeia a Antiguidade e a
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PHYSIS EN LA ANTIGUA GRECIA
Arturo S. Sanz

En la mentalidad griega lo masculino se eleva sobre lo femenino en todos


los ámbitos sociales, políticos, religiosos, etc., incluso en lo ético, físico y
fisiológico. Para los helenos fueron varones los que inventaron la agricultura
[Triptólemo], las leyes, la navegación, el alfabeto [Cadmo], la política, las 17
armas para la guerra [Perses, las flechas o los etolios las lanzas] y otros
inventos necesarios para el desarrollo cultural [Dédalo]. Su fijación social se
realizó a través de la mitología y fue utilizado para delimitar las esferas de
actuación por género. Las de la mujer sabemos que eran limitadas, y en
ellas quedaba poco margen para la virtud fuera de las atribuciones
asignadas por roles y relacionadas con el oikos, el cuidado de la prole y
labores aceptadas como adecuadas a su condición [tejido, cestería, etc.
pues incluso la introducción de cultivos como el olivo se asocian a diosas,
como Atenea, y no a mujeres mortales].

Sin embargo, no son pocos los autores clásicos que, ya entonces, pusieron
de manifiesto la contradicción de restringir la actuación de un género al que
también se asocia la posibilidad de desarrollo intelectual, al margen de esa
esfera de actuación demarcada. La mujer, defendían, es capaz de alcanzar
el conocimiento y la verdad a través de la curiosidad por el saber, del
mismo modo que el filósofo aglutina conocimientos hasta “dar a luz”
elevadas conclusiones que acercan a la verdad que había alcanzado su
psyche. Nos encontramos ante opiniones muy minoritarias, y los casos
conocidos sobre mujeres que alcanzaron fama en este sentido son escasos.
Probablemente ello se encuentre estrechamente relacionado con la
posibilidad que tenían de alimentar ese ansia de saber, no solo a través de
una educación al margen de la familia, sino accediendo a enseñanzas
filosóficas que solo alcanzarían mujeres pertenecientes a las clases altas y
asociadas a familias donde no reprobaran tales inclinaciones para una
mujer. Al margen de dicha esfera del pensamiento, pocas opciones se les
permitía más para demostrar sus capacidades o entendían que no existían
en otras esferas [política, guerra, etc.].

En contra de la opinión de Aristóteles, y otros autores para quienes la mujer


era físicamente inferior, relatos como los mitos amazónicos niegan tal
opinión, es más, las hacen dignas enemigas de sus más afamados héroes,
pues considerarlas de otro modo habría desvirtuado las hazañas de aquellos
[su philotimía]. En este sentido, y aun tratándose de una visión que se
entendía como utópica en cuanto a una sociedad de la que formaba parte y
no por ello exenta de la estratificación por clases, ya Platón señalaba que el
potencial físico de la mujer era parejo al del hombre, si lo entrenaba como
hacía aquel. Es más, ese potencial bélico estaba siendo desperdiciado y por
ello debía ser aprovechado por la polis, que gracias a lo cual vería duplicado
el suyo aun cuando mantuviera la preeminencia física masculina. De hecho,
reducía la diferencia femenina solo en cuanto a lo físico, equiparando su
capacidad mental. Era capaz de desempañar las mismas funciones, si se
fomentaba adecuadamente a través de la educación para ambos sexos y la
liberación de sus tareas maternas.
Incluso propugnaba una sociedad de mujeres como viable y deseable,
aunque en su caso estaría reservada solo a la clase de los “guardianes”
dentro de su visión utópica, así como la sexualidad libre únicamente dentro
de cada clase social y en una estructura que no excluía al varón. En dicha
utopía. la desaparición de la propiedad privada eliminaría la necesidad del
18
matrimonio monógamo, al menos entre dicho rango social, y de la filiación
patrilineal. No haría falta conocer la descendencia directa para asegurar el
traspaso de los bienes familiares, acabándose así, también, con las causas
originarias para la inferior condición femenina en aquellas sociedades y con
las disputas entre los hombres por las mujeres. La descendencia seria
propiedad del Estado en común. Elementos todos ellos, quizá relacionados
con lo que el propio Platón señala acerca del origen del hombre y la mujer,
que entendía surgidos ambos de un ser primordial andrógino que albergaba
todos los atributos que después conformarían la personalidad de cada uno
de sus elementos resultantes. La perfección que se asocia a ese ser será la
aspiración a la que, consciente e inconscientemente, ambos sexos
pretenden alcanzar a través de su unión. Mientras tanto son seres
incompletos sin la parte que les fue arrebatada, algo inevitable por cuanto
ambos antes fueron uno, y cuyo proceso servirá para originar un nuevo ser.

Hipócrates ya señalaba la menor “potencia” de lo femenino con respecto a


lo masculino acerca de la inherencia andrógina e inicial del ser humano,
previa a la distinción por géneros. Filón explica el primer hombre y la
primera mujer a partir de una noción originaria de ánthropos, por tanto la
mujer procede del hombre y no al revés. Se genera, así, la necesidad de
unión para recuperar el ser primigenio y volver a unir lo que antes fue uno,
a través del deseo y el amor, para producir un nuevo ser por el bien de la
supervivencia de la especie. Para Platón, el genos femenino apareció como
el genos masculino, dos entidades diferentes pero asociadas a la manera de
Filón, aunque mejor entendido como “mitades” [eide] que parten de un
mismo gene para crear dos partes de un todo, sin que Platón indique
preeminencia al respecto.

Platón incluye el concepto de “lo social”, entendido como parte esencial del
desarrollo cultural y político, al señalar que no existe diferenciación esencial
que limite un genos con respecto al otro. No obstante, existen ciertas
contradicciones en sus ideas referidas a lo femenino, pues en la Republica
matiza esta definición tan contradictoria entre sus pares. Para ello indica
que, por su diferencia/oposición surgida de su propia naturaleza, deben
asignárseles ocupaciones diferenciadas. Finalmente, en el Timeo, añade que
el genos anthrópinon no presentaba una diferenciación sexual originaria, ni
siquiera una diferenciación entre especies animales, sino que esta surgiría a
través de una reencarnación degenerativa de aquellos seres originarios y
perfectos, y a pesar de lo dicho, masculinos. El “castigo” de la feminidad se
originaría cuando, tras cumplir el ciclo vital, aquellos que se hubieran
comportado dignamente volverían a reencarnarse en hombres, mientras
que, según el grado de sus faltas, pasarían a hacerlo en mujeres o en toda
suerte de animales que pueblan el mundo. Esta teoría será muy similar a la
defendida por Aristóteles y Hesíodo. Este último sostenía la existencia
primigenia del ánthropos que cohabitaba con los dioses en perfecta
harmonía, hasta que el episodio protagonizado por Prometeo y Zeus hace
recaer sus consecuencias en aquellos a través de la creación del genos
femenino [aunque otra versión sitúa aquí la aparición de Pandora] como
castigo. La propia Pandora será convertida en arquetipo de los “males”
asociados a lo femenino, los cuales afectaron a los hombres desde su
mismo origen, acabando con ese momento idílico vivido hasta entonces 19
para siempre.

Curiosamente, aun existiendo el carácter de lo femenino previo a este


episodio [por ej. entre las diosas], vemos aquí de nuevo esa diferenciación
entre lo humano y lo divino, pues entre las deidades su existencia no
supuso castigo o mal alguno que afectara a la armonía y paz reinantes. No
solo eso, entendemos que para Hesíodo, antes de este suceso el genos
anthrópinon era capaz de reproducirse de manera autónoma. De forma que,
desde ese momento, el genos femenino no solo supondría un mal, sino una
necesidad vital, un castigo imposible de eludir sin que peligrara la
supervivencia de la especie. Se trata, esta, de una idea que Aristóteles
explicará señalando que la posibilidad cierta de reproducción de un único
genos no implica necesariamente la división sexual ni la perpetuación en
base a una situación monosexuada. Muy al contrario, en sí mismo ya
incluiría dos formas opuestas, algo que más allá de la mera explicación, no
hace sino retrotraer la esencia femenina a un estado aún más primigenio y,
por extensión, previo a su existencia diferenciada como castigo divino.

Sócrates quiso aportar claridad a este asunto mucho antes, defendiendo


que la base para alcanzar una explicación adecuada se halla en la forma en
que planteamos tal división, mediante la identificación de las diferencias
específicas inherentes a la naturaleza de cada uno de los géneros, y no en
base a las tradiciones, normas y leyes culturales que rigen lo político y, con
ello, lo relativo a la estructuración de la ciudad a la que alude Platón. Sin
embargo, aunque defienden que el género sexual solo permite dividir y
diferenciar al ser humano en cuanto al ámbito biológico, pues en lo social la
capacidad de ambos géneros es idéntica potencialmente, ello siempre
genera la paradoja de la defensa de esos mismos autores en cuanto a la
superioridad masculina, aun a pesar de ello, y así bellamente matizada pero
claramente expresada. El propio Aristóteles se oponía a su mentor
reseñando, hasta la saciedad, la inferioridad femenina en todos los ámbitos
físicos, filosóficos, naturales, metafísicos, etc. En tanto parte indisoluble del
género humano entendía que la mujer alberga la capacidad pero no la
emplea por su misma condición o, mejor dicho, no le es posible emplearla.

Distingue entre la diferencia “especifica” esencial que opone elementos en


base a su forma [sustancia], y la “accidental” que se origina como variación
producida en una misma sustancia y que no afecta a la ousía [identidad].
No obstante, Aristóteles complica así innecesariamente su explicación de la
diferenciación por géneros, ya que él mismo se aprecia que entiende lo
femenino como demasiado importante para ser un “accidente”, y no tan
diferente como para afectar a la sustancia. Cree haber encontrado la
solución a través de identificar, en el genos mismo [cada especie animal
constituye un genos], dos sexos como diferencia “accidental” y condición
indispensable para la reproducción [eidos]. El resultante es una única forma
[la masculina], un eidos único para reducir así las diferencias entre los
sexos. Matizará también al señalar la existencia de “diferencias accidentales
transitorias” [como las que existen entre el niño y el adulto que
desaparecen cuando se produce al paso de una a otra condición], y las
20
“permanentes”, como sucede entre un hombre de tez pálida y otro de tez
oscura, o entre un hombre y una mujer. Sin embargo, para otros autores
clásicos las diferencias no se encuentran solo en el cuerpo, sino también en
el alma como resultado de su miedo ante el dolor y la falta de autocontrol
en el amor, lo cual sitúa a la mujer en un punto diferenciador mayor que en
el caso de una mera diferencia “accidental”, pero menor que el que existe
entre dos genos diferentes.

En tanto el varón tiene la capacidad [potencia] de engendrar en otro ser


vivo y la hembra la de engendrar en si misma [acción], necesitan de las
características físicas necesarias para ello y, por supuesto, distintas pero
también asociadas para permitir la unión. Así explica Aristóteles las
diferencias físicas en ambos sexos, lo que no impide en su visión evaluar
cuál de ellos es más “perfecto” y/o más “desarrollado”. Desde la fragilidad
de su pelo, pasando por su voz menos grave, hasta la debilidad de su
musculatura, siempre en comparación, las mujeres salen perdiendo a sus
ojos, pues su propia naturaleza es el mayor de los defectos posibles. Los
senos representan para el filósofo otro elemento de diferenciación, pues son
esponjosos frente al firme pectoral masculino.

Terminará indicando, al igual que lo hicieron los presocráticos, que el


nacimiento de una hembra, y no un varón, aunque pueda parecerlo no es
culpa de la propia hembra en la que se gestó, sino por una insuficiencia en
la potencia masculina de su progenitor. Esa “impotencia primigenia” dará
como resultado un ser “imperfecto” que se ha gestado dentro de otro ser
“imperfecto” al no conseguir generar el “calor vital” necesario que
propiciaría una “cocción adecuada”. Solo si la potencia masculina portadora
del principio generador es lo suficientemente fuerte como para
sobreponerse a los peligros de la gestación en un cuerpo femenino y “frio”
[prueba de lo cual creían era el proceso menstrual] que alberga el principio
material [por ende carente ella en si misma del principio generador es
pasiva] nacerá varón. Ello suponía la derrota de todos los obstáculos
existentes y, por ello, el valor y fortaleza del recién nacido, aunque en esta
explicación Aristóteles omite la alusión a la posibilidad del nacimiento de
varones con algún tipo de discapacidad o malformación que propiciara su
exposición.

A esta concepción filosófica se opone, aun a pesar de su ya anterior


desarrollo, la medina de la escuela de Cnido y la escuela hipocrática. La
primera entendía también que la mujer colabora en este proceso de manera
activa. A través de la unión, en esencia esta aporta los componentes
complementarios a los que proporciona la masculina, pero donde el sexo de
la progenie viene determinado por el individuo que destine mayor cantidad
a la mezcla. Se espera que la superioridad masculina decante la balanza de
manera natural, entendiendo que vence en la “lucha” biológica interna
sostenida entre ambos progenitores. No se aprecia, pues, este proceso
como una unión consensuada y colaborativa, sino más bien como un
combate por oposición necesaria y determinante, cuyo resultado lo decide el
vencedor. Lo interesante radica en que en ese “combate” ambos
contendientes tienen similares opciones de historia, algo inconcebible para
Aristóteles, donde el resultado de tal batalla, de suceder, estaba 21
predestinado y solo mutable a expensas de la debilidad [dynamis]
manifiesta del progenitor masculino. En el caso amazónico, los mitos que
refieren aspectos relativos al método procreativo que empleaban señalan, al
contrario de lo que podría entenderse como “natural” en base a la areté
demostrada por las amazonas, que de ellas nacían tanto hijos como hijas
[lo que es natural y solo encontraría explicación en Aristóteles quizá al
considerarlas más cercanas a su condición femenina que a su actitud].

Independientemente del tema a tratar [religioso, histórico, poético, teatral,


filosófico, etc.] y salvo los casos mencionados en que distintos autores
clásicos tratan de matizar esta visión generalizada, sabemos que la
historiografía clásica muestra no solo esa concepción sino que la defiende,
la perpetua y la justifica con ánimo de preservación cultural, al considerar el
modelo no solo adecuado sino el mejor de los posibles. ¿Por qué ese
empeño? ¿Por qué muchas veces adaptar el discurso o hacerlo partidista y
falso deliberadamente con tal de defender lo indefendible? Muchos autores
contemporáneos han tratado de analizarlo, otros simplemente alegan la
misoginia inherente a la cultura griega antigua sin tratar de ir más allá,
disculpando esta concepción en base a un desarrollo cultural que, aunque
elevado, aún tenía mucho camino por recorrer. Sin embargo, lejos de
buscar respuestas en el ámbito religioso que utilizaron los griegos para
justificar la situación de la mujer en su sociedad, y a pesar de que relatos
como el de la elección de Atenea frente a Poseidón como deidad tutelar
ateniense y las represalias que los hombres habrían tomado contra las
mujeres tras la derrota en las urnas negándoles el voto en los asuntos
públicos que habían detentado hasta entonces, no podemos sino advertir
que ese tipo de análisis superficiales parecen obviar que no hablamos de
una cultura cualquiera. Se trata de aquella sobre la que se asentaría el
desarrollo intelectual, político, etc. de occidente. Una cultura que destacó
por preguntarse acerca de todo a todos los niveles y que, como muestra de
ello, desarrolló una conciencia filosófica, metafísica, etc. que aún nos
asombra y de la que somos herederos. Es por todo ello que sorprende esa
concepción acerca de algo tan básico e importante a la vez como es lo
femenino, tamizado desde una superioridad autocomplaciente del todo
innecesaria para alcanzar el mismo fin tanto del desarrollo cultural como de
la parte asociada a asegurar la continuidad generacional.

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Prof. Dr. Arturo Sánchez Sanz - Departamento de Historia Antigua de la
Facultad de Geografía e Historia. Universidad Complutense de Madrid.

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ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA E AS POTENCIALIDADES DA
CULTURA MATERIAL: EXPERIÊNCIAS E REFLEXÕES
Airan dos Santos Borges e Carlos Eduardo da Costa Campos

Nessa exposição, analisaremos as potencialidades da cultura material para


o ensino de História Antiga. Para tanto, nos debruçaremos sobre o relato de
duas experiências desenvolvidas com a comunidade universitária e escolar. 23
Assim, destacamos o projeto de extensão “A História através dos artefatos”:
potencialidades da cultura material para o ensino de História [coordenado
pelos Professores Doutores Airan dos Santos Borges de Oliveira e Abrahão
Sanderson] integrado às ações do Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência – PIBID, no Departamento de História da UFRN,
campus Ceres. No município de Caicó, Rio Grande do Norte, as atividades
foram desenvolvidas ao longo do primeiro semestre de 2019 na Escola
Estadual Monsenhor Walfredo Gurgel. A outra atividade foi desenvolvida na
disciplina de Arqueologia [ministrada pelo Professor Doutor Carlos Eduardo
da Costa Campos] e vinculada ao projeto de ensino de graduação – Ensino
e Pesquisa em Antiguidade: Estudos Interdisciplinares [2018-2019], no
curso de História da UFMS, campus Coxim, no município de Coxim, no
primeiro semestre de 2019.

Ambas as propostas se basearam nas interlocuções entre o Ensino de


História e a Educação Patrimonial. Nesses termos, foi colocado em reflexão
o ensino de História a partir de uma questão-problema cara a todos: como
a cultura material aliada a ferramentas didáticas alternativas [como os
jogos didáticos, por exemplo] pode auxiliar a revisitar as estratégias de
ensino? As propostas em tela contemplaram, igualmente, a necessidade
dessa discussão na formação do futuro professor. Frente a isso,
questionamo-nos: Como os alunos que estão em formação podem lançar
mão de elementos da cultura material para montar uma aula de história?
Museus, Arquivos e outros lugares de memória possibilitam um contato
direto com um dado tipo de cultura material, todavia, qual seria a relação
dos materiais didáticos pedagógicos escolhidos pelo docente com os estudos
dos contextos históricos que produziram os objetos? Como essa redefinição
documental contribui para o processo de ensino-aprendizagem?

O trabalho com a cultura material no ensino de História: diálogos


possíveis
Abriremos esse tópico com os apontamentos de E. Hobsbawn, pois segundo
o autor:

A destruição do passado, ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam


nossa experiência pessoal à das gerações passadas, é um dos fenômenos
mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens
de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação
orgânica com o passado público da época em que vivem [Hobsbawn, 1995,
p.13-70].

As reflexões do historiador Eric Hobsbawn nos chamam atenção para uma


questão crucial que envolve os docentes da disciplina História em nossos
dias, a saber, os rumos do conhecimento histórico e de seu ensino, e,
sobretudo, o seu real impacto nas gerações mais novas. Se o ofício do
historiador também pode ser lembrar-se do que os outros esquecem, vale
destacar que se exige dele ser mais do que um memorialista, cronista ou
compilador de documentos antigos. Não basta simplesmente lembrar-se do
passado, mas refletir, problematizá-lo a partir de questões formuladas no
24
presente, nos dilemas dos indivíduos atuais. Afinal, toda História produzida
é o resultado das demandas e inquietações de nosso contexto social
[Guarinello, 2003, p.43]. Ademais, como indicou Maria de Lourdes M.
Janotti [1997, p. 43], o perigo de ignorar o passado público pode também
acarretar a perda da visão dialética da História e da vontade política que
leva à crítica e à construção de projetos futuros. Tais visões se encontram
em consonância com a BNCC, pois no texto vemos que: Todo conhecimento
sobre o passado é também um conhecimento do presente elaborado por
distintos sujeitos [BNCC, 2017, p. 397].

Nesta linha de pensamento, mais do que uma sucessão interessada de fatos


políticos, militares e econômicos, o estudo da História ganha uma dimensão
ativa, caracterizada pelo combate a destruição do passado e de sua
consequente alienação coletiva. É fundamental compreender que as
matérias-primas dos estudos históricos não são aquelas que formavam a já
conhecida massa amorfa de datas e fatos congelados nas enciclopédias. De
outro modo, consideramos que são as experiências humanas no tempo e no
espaço, experiências estas que constroem o que chamamos de passado e
presente, que devem ser o material de análise das investigações.

Nesses termos, pode-se compreender que analisar uma sociedade apenas


pela sua produção textual equivaleria a conhecer a ‘realidade’ romana
apenas considerando os textos oficiais – as legislações imperiais, por
exemplo. Toda a produção material decorrente da vivência dos espaços, dos
embates ordinários, das releituras das normatizações pelo cotidiano e que
define as múltiplas formas de ser em diferentes tempos e espaços, seria
obliterada ou engessada pela produção textual. Esse exemplo, em nada
banal, serve à compreensão de que somente os textos não dão conta das
possibilidades de interpretação de uma dada realidade. Assim, torna-se
inviável uma investigação ou um processo de ensino-aprendizagem nos
mais diferentes níveis que desconsidere a interpretação do mundo material
e da imagética.

Em nossa visão, o emprego da cultura material para o ensino-


aprendizagem, tanto no Ensino de História Antiga [como de outras
disciplinas] em nível Superior ou Básico, propicia a interação e produção
conjunta do saber histórico, diante dos temas abordados. A BNCC do Ensino
Fundamental aponta que os processos de identificação, comparação,
contextualização, interpretação e análise de um objeto são fatores
essenciais para estimular o pensamento [BNCC, 2017, p. 398]. Assim,
acreditamos que os vestígios materiais viabilizam questionamentos únicos
sobre o passado e abrem novas agendas de estudos: relações de poder,
conflitos, tensões sociais, dentre outros [Garraffonni, 2013]. Quando
aplicada ao ensino de História, tais noções servem como lócus de reflexão
sobre diferentes espaços, tempos e práticas sociais, contribuindo para a
construção de outras formas de ver, relacionar, conviver e agir no mundo.
Esta perspectiva abre um leque de possibilidades ao considerar que tanto os
textos clássicos, por exemplo, quanto os elementos materiais provenientes
dos sítios arqueológicos, das coleções museológicas e de suas relações com
os espaços contemporâneos, oferecem subsídios para a construção da
construção sociopolítica do mundo Greco-romano enquanto fenômeno 25
histórico. Ou seja, a partir da cultura material, da compreensão dos
processos culturais e sociais, dos debates sobre as fronteiras e etnicidades e
das reflexões sobre a memória e identidade emergem como eixos de
reflexão férteis e pulsantes.

Dialogando com tais ponderações, em um mundo em constante


transformação e cada vez mais globalizado e integrado, observa-se o
ensino-aprendizagem da História passa a exigir a construção de um
conhecimento vivo, compreensível, que faça sentido para as gerações
recentes, que estabeleça pontes com as demandas atuais e, por que não,
com outras áreas do conhecimento. Deste modo, acreditamos que em todos
os níveis educacionais, o trabalho interdisciplinar, praticado através de um
diálogo constante entre várias áreas de saber, consiste em um caminho
válido e possível para revisitar o ensino de História. Nas atividades
planejadas colocamos em reflexão o ensino de História a partir de uma
questão-problema: como a cultura material aliada a ferramentas didáticas
alternativas [como os jogos didáticos, por exemplo] pode auxiliar a revisitar
as estratégias de ensino?

Ademais isso, a proposta em tela contemplou, igualmente, a necessidade


dessa discussão na formação do futuro professor. Defendemos que o
diálogo com os pressupostos da História da Cultura Material, da Arqueologia
e do Ensino de História abre uma janela de oportunidade para a criação de
novas estratégias de ensino-aprendizagem, mais dinâmicos e atrativos para
a comunidade escolar como um todo [docentes e discentes]. Mais do que
uma estratégia de divulgação histórica, consideramos que essa integração
contribui para o desenvolvimento de habilidades e competências que vão
além da aquisição progressiva do conhecimento histórico. Como indicou
Jacques Le Goff [1985, vol.1, p. 105-106],

Enquanto conhecimento do passado, a História não teria sido possível se


este último não tivesse deixado traços, monumentos, suportes da memória
coletiva. Dantes, o historiador operava uma escolha entre vestígios,
privilegiando, em detrimento de outros, certos monumentos, em particular
os escritos, nos quais, submetendo-os à crítica histórica, se baseava. Hoje o
método seguido pelos historiadores sofreu uma mudança. Já não se trata de
fazer uma seleção de monumentos, mas sim de considerar os documentos
como monumentos, ou seja, colocá-los em série e tratá-los de modo
quantitativo; e, para além disso, inseri-los nos conjuntos formados por
outros monumentos: vestígios da cultura material, os objetos de coleção, os
tipos de habitação, a paisagem, os fósseis e, em particular, os restos ósseos
dos animais e dos homens. Enfim, tendo em conta o fato de que todo o
documento é ao mesmo tempo verdadeiro e falso, trata-se de pôr à luz as
condições de produção e de mostrar em que medida o documento é
instrumento de um poder.

De fato, essa noção de documento alargada é um tema constante no


discurso historiográfico, sobretudo a partir da década de 1960. Todavia,
destacamos que no campo dos Estudos da Antiguidade, a
26
interdisciplinaridade e diversidade documental é parte constitutiva de sua
forma de operacionalização do conhecimento, desde sua formação. Logo,
em se tratando do estudo da História Antiga, é possível considerar que esse
cotejamento entre a diversidade da cultura material e os documentos
escritos, além de fundamental, aumenta a carga informativa sobre o mundo
antigo. Vale ressaltar que o conceito de cultura material, apesar de toda a
sua aplicabilidade, é um termo polissêmico pelo próprio uso da conceituação
de cultura ou de categorização em elementos materiais e imateriais, como
ressaltou o historiador Marcelo Rede [1996, p. 273]. O referido historiador
também argumenta que devemos estar atentos para a constituição da
sociedade na qual o nosso objeto de análise encontrava-se inserido. Nessa
leitura, a cultura material se apresenta como uma promissora ‘porta de
entrada’ para os estudos ao trazer para o centro analítico uma perspectiva
única e rica das diversas práticas cotidianas.

Aqui, dialogamos diretamente com a importante definição de cultura


material proposta pelo Prof. Dr. Ulpiano Bezerra de Menezes [1983, p. 112-
113]:

Por cultura material poderíamos entender aquele segmento do meio físico


que é socialmente apropriado pelo homem. Por apropriação social convém
pressupor que o homem intervém, modela, dá forma a elementos do meio
físico, segundo propósitos e normas culturais. Essa ação, portanto, não é
aleatória, casual, individual, mas se alinha conforme padrões, entre os
quais se incluem os objetivos e projetos. Assim, o conceito pode tanto
abranger artefatos, estruturas, modificações da paisagem, como coisas
animadas [uma sebe, um animal doméstico], e, também, o próprio corpo,
na medida em que ele é passível desse tipo de manipulação [deformações,
mutilações, sinalações] ou, ainda, os seus arranjos espaciais [um desfile
militar, uma cerimônia litúrgica]. Para analisar, portanto, a cultura material,
é preciso situá-la como suporte material, físico, imediatamente concreto, da
produção e reprodução da vida social. Conforme esse enquadramento, os
artefatos — que constituem, como já foi afirmado, o principal contingente
da cultura material — têm que ser considerados sob duplo aspecto: como
produtos e como vetores de relações sociais. De um lado, eles são o
resultado de certas formas específicas e historicamente determináveis de
organização dos homens em sociedade [e este nível de realidade está em
grande parte presente, como informação, na própria materialidade do
artefato]. De outro lado, eles canalizam e dão condições a que se produzam
e efetivem, em certas direções, as relações sociais.

Isto posto, consideramos que o olhar investigativo atento à cultura material


local pode trazer à tona questões de análise antes obliteradas pela História
dos grandes feitos e personagens. Para nós, o processo de construção de
uma consciência histórica deve compreender o entendimento dos diferentes
níveis de escala para a análise histórica, o reconhecimento das
especificidades locais [em diferentes tempos e espaços] para a construção
do conhecimento histórico, além de salientar a inexistência de fronteiras
entre os estudos históricos e as investigações arqueológicas, sociológicas,
antropológicas, etc.
É aqui que os pressupostos da Educação Patrimonial contribuem para o 27
debate.

A Educação Patrimonial assim como o termo/conceito patrimônio, nas


palavras de Chagas, constitui um campo de trabalho, de reflexão e ação e,
como tal, pode abrigar tendências e orientações educacionais diversas,
divergentes e até conflitantes [...] [Chagas, 2004, p. 143]. Contudo, ainda
que em linhas gerais, diversos autores comungam do fato de tratar-se de
uma metodologia, a qual tem como lócus preferencial o patrimônio cultural,
abordando-se os bens culturais de maneira a proporcionar
discussões/aprendizados acerca das identidades, das sociedades pretéritas
ou contemporâneas e da pluralidade cultural [Chagas, 2004; Horta,
Grunberg & Monteiro, 1999; Viana, 2009; Maltêz et al., 2010; Oliveira &
Soares, 2009].

Apesar de não ser recente, essa metodologia ainda ocorre de forma tímida
nas escolas de ensino fundamental e médio das cidades brasileiras e, indo
além, ela não aparece ou pouco aparece em nível de Ensino Superior, tanto
na formação de professores quanto na inserção curricular dos conteúdos
ligados ao Patrimônio Cultural. Neste sentido, os processos ou
procedimentos que envolvem a Educação Patrimonial no caso do ambiente
escolar, independente da área disciplinar e apesar de possuírem como meta
desenvolver as capacidades intelectuais para aquisição e uso de habilidades,
na prática cotidiana e no processo educacional, relacionadas a conhecer,
preservar e gerir o patrimônio cultural, não são postos em prática.

O exercício da educação patrimonial deve ocorrer, de acordo com o Guia


Básico de Educação Patrimonial, a partir da experiência e do contato direto
com as evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos
aspectos, sentidos e significados, o trabalho da Educação Patrimonial busca
levar as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento,
apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando-os para um
melhor usufruto destes bens, e propiciando a geração e a produção de
novos conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural [Horta,
Grunberg & Monteiro, 1999, p. 6].

As práticas educativas podem ser aplicadas de formas variadas, como por


exemplo: oficinas, palestras informativas, debates, minicursos, atividades
lúdicas, aulas-passeio, dentre outras. A utilização de objetos durante ações
de educação patrimonial é recurso pedagógico que oportuniza uma melhor
apreensão dos conteúdos. Essa apreensão é, pois, ato de experiência,
entendida neste sentido como algo que ‘nos toca’ e que pressupõe pensar a
educação, ou o processo pedagógico a partir da relação
‘experiência/sentido’ [Bondía, 2002, p. 21 – Grifo nosso]. Neste sentido,
entende-se que:

[...] a experiência, para ser educativa, deve conduzir a um mundo


expansivo de matérias de estudo, constituídas por fatos ou informações, e
de ideias. Esta condição somente é satisfeita quando o educador considera
28
o ensino e a aprendizagem como um processo contínuo de reconstrução da
experiência [Dewey, 1958 apud Santos, 2011, p. 5].

De fato, não é incomum o uso de documentos históricos como ferramenta


didática no planejamento e no tratamento de um determinado tema em sala
de aula. Rememorando as nossas próprias experiências na Educação Básica,
recordamos que a utilização de letras de canções populares, a experiência
das visitas de campo a exposições de Museus, o uso problematizado das
documentações imagéticas e textuais permeavam toda a nossa prática
docente nos mais diversos níveis: de gatilhos iniciais ao fio condutor de
todo o processo de ensino e aprendizagem. É importante destacar que o
contexto que abrigou [e ainda abriga] essas diferentes estratégias didáticas
consistiu em um olhar interessado dos docentes sobre os produtos culturais
que tratam do passado e interligá-los ao mundo social que está a nossa
volta.

Sobre o que foi apontado acima e dialogando com Helenice Rocha [2014, p.
33], consideramos que o movimento em direção a produtos culturais que
remetem ao passado parece indicar que os professores tentam conectar a
história escolar à avalanche de informações e formas contemporâneas de
comunicação social. Essa iniciativa propicia tanto uma divulgação dos temas
históricos de modo geral, como contribui para a construção de uma cultura
histórica nas gerações atuais e futuras.

“Simulando o trabalho arqueológico”: experiências didáticas para o


ensino de História Antiga.
“– Professor[a], por que temos que estudar isso? Essa História aí é nossa?”
Não foram raras as vezes em que indagações como estas abriram as aulas
sobre o Mundo Antigo na Educação Básica [e, por vezes, no primeiro
período da licenciatura em História das Universidades em que trabalhamos].
Como historiadores da Antiguidade, a investigação do Mundo Antigo, a nós
tão cara e afetuosa, para nossas alunas e alunos não estava ancorada nos
mesmos interesses.

Entre as turmas do sexto ano do Ensino Fundamental, o questionamento


era ampliado para o estudo da História como um todo e, não raras as
vezes, nos deparamos com uma turma dividida entre os amantes da
história [em geral, estudantes que foram introduzidos no universo das
letras por algum membro da família, de seus cuidadores ou por docentes
inspiradores] e aquelas/aqueles que odiavam a disciplina. Para a/o docente,
restava a tarefa de, ora atuando como malabarista, ora agindo como um
trapezista na corda bamba, construir pontes entre o tão longínquo ontem e
o incerto hoje, numa tentativa utópica de construção da consciência
histórica com as/os jovens estudantes.
Já no Ensino Superior, a mesma provocação abria um intenso debate e
contextualizava a busca por sentido, pela necessidade de se compreender e
relativizar os nexos que conectariam a compreensão de um “nós” x a
definição de um “eles”. O ápice do debate acontecia quando a
impossibilidade de conexão cedia lugar a construção de pontes reflexivas
entre passado e presente, quando a visão utilitária do conhecimento 29
histórico era trocada pelo interesse em expandir as Referências culturais
que viabilizavam e ampliavam a nossa compreensão sobre nós mesmos e
sobre o mundo multifacetado que herdamos e construímos.

Diante das limitações das páginas que constituem esta conferência,


escolhemos compartilhar com você, leitora/leitor interessada/interessado, o
relato de uma estratégia didática testada em dois ambientes acadêmicos:
nas intervenções do PIBID de História na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte e da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.

Na UFRN, as discussões supracitadas embasaram o desenvolvimento de um


projeto de ensino dedicado às reflexões sobre as potencialidades da cultura
material para o ensino de História. Neste, buscou-se integrar atividades
teórico-práticas a serem desenvolvidas pela equipe do PIBID tanto no
Laboratório de Ensino de História e Educação Patrimonial do CERES – UFRN,
como nas turmas de 6º ano das escolas-campo vinculadas ao projeto. As
atividades ocorreram ao longo do primeiro bimestre 2019 e, para além da
discussão de conceitos caros às especificidades dos trabalhos histórico-
arqueológicos, optou-se pela realização de uma mostra artístico-cultural,
seguida de uma simulação de escavação arqueológica a fim de integralizar
as discussões e viabilizar a construção de um ambiente de experimentação
prática. O desenvolvimento das propostas nas escolas parceiras seguiu as
etapas abaixo:
30

O projeto foi executado ao longo de três meses, fevereiro, abril e maio.


Neste período foram desenvolvidas as aulas expositivas pelos professores-
regentes, acompanhadas pelas atividades de fixação orientadas pelos
bolsistas ID do PIBID. Paralelamente às aulas, os bolsistas realizaram duas
oficinas com as turmas: uma dedicada à análise das tipologias dos
documentos históricos e outra, de caráter prático, na qual os estudantes
puderam desenvolver réplicas de objetos históricos cotidianos em argila
inspirados nos modelos encontrados nos sítios arqueológicos pré-históricos,
clássicos e indígenas [fotos 1, 2, 3].
31

Legenda: Fotos 1, 2 e 3, da direita para a esquerda, de cima para baixo,


respectivamente, Turma de 6º ano da E. E. Monsenhor Walfredo Gurgel
confeccionando reproduções de cerâmica com pinturas rupestres. Fonte:
Mara Macêdo [bolsista PIBID].

A finalização do projeto consistiu em uma mostra das réplicas dos artefatos


desenvolvidas para a comunidade escolar, e na realização de uma
“Simulação de Escavação Arqueológica” montada pelos bolsistas de História.
Para o desenvolvimento desta etapa, foi criada a réplica de um conjunto de
quadriculas nas quais foram enterrados uma parte dos artefatos criados
pelas turmas. As turmas foram divididas em equipes e cada equipe teve um
tempo específico para praticar as etapas de uma escavação: análise da área
a ser escavada, desenvolvimento de hipóteses, exploração do campo etc.

A avaliação da proposta se deu em duas etapas: [1] na avaliação realizada


pelos bolsistas com as turmas que participaram, na aula seguinte à
execução da etapa prática e [2] na apresentação do projeto no X SEPE –
Seminário de Pesquisa, Ensino e Extensão, que aconteceu de 27 a 30 de
maio de 2019 na UFRN – Campus CERES /Caicó.

Nossa atividade de simulação da escavação, na UFMS / CPCX, ocorreu no


primeiro semestre de 2019 e contando com discentes da disciplina de
32
Arqueologia e do Projeto de Ensino de Graduação [PEG] que foi intitulado:
Ensino e Pesquisa sobre Antiguidade – Estudos Interdisciplinares [2018 –
2019], sob coordenação do Prof. Dr. Carlos Eduardo da Costa Campos.
Destacamos que nossa atividade foi realizada na quadra de vôlei da UFMS,
onde criamos uma quadra de escavação dividida em seis áreas. A intenção
inicial era de produzir um simulador de MDF que tivesse três camadas com
solos e sedimentos distintos, assim visando gerar percepções
estratigráficas, porém devido aos cortes de investimentos que ocorreram
nas Universidade Públicas Federais – em 2019, tivemos de adequar ao que
dispúnhamos de espaço e recursos. Como materiais complementares,
utilizamos pás, baldes, peneiras, trenas, pranchetas, papel, pincel, sacos
plásticos, paquímetros, lápis e borrachas.

Frisamos que os discentes foram preparados para essa atividade, assim


retomando os debates sobre o que é cultura material e suas possibilidades
de uso no Ensino de História; o que era um sítio arqueológico e sua
organização nas quadras de escavação; os instrumentos para essa ação e
os cuidados que deveríamos ter ao escavar; como coletar, limpar,
armazenar e analisar os objetos.

No que tange ao material arqueológico, enterramos na camada superior, de


nosso simulador, o pretenso material de Antiguidade: réplica de uma moeda
de grega [dracma], réplica de um lécito e uma cílix, réplica de três moedas
[dupôndio, denário e áureo]. Vale mencionar que ao longo da disciplina de
Arqueologia e com maior ênfase no PEG, os alunos tiveram aulas sobre
numismática grega e romana, bem como de ceramologia. Assim,
escolhemos objetos que eles haviam estudado em sala, assim facilitando o
processo de identificação, comparação e análise.

Em nossa simulação de uma atividade de campo, dividimos os dezoito


discentes em três para cada quadra. Dessa forma, os licenciandos foram se
alternando nas atividades de escavar, coletar, limpar, registrar os dados
[objeto, local, datação, quadra, nível etc.] e armazenamento [com etiqueta
de identificação]. Após o registro dos dados das peças, em uma ficha
genérica que formulamos, os discentes foram para sala de aula e lá
efetuaram uma pesquisa em bases de dados e livros para identificar e
comparar os objetos com outras recorrências disponíveis, bem como o peso
e as medidas. Houve um estímulo ao desenvolvimento do desenho do
objeto, o qual a equipe preferiu não realizar. A ficha de análise foi
preenchida em sua totalidade de dados e apresentada para os demais
colegas.

Dessa maneira, pontuamos que ao colocarmos os alunos em uma postura


ativa do conhecimento foi possível analisar os objetos, bem como
contextualizar sua historicidade através da História Antiga Grega e Romana.
Tal experiência vivenciada com os licenciandos foi apontada como uma
possibilidade de utilização junto ao Ensino Fundamental, no sexto ano, no
que tange ao estudo de Antiguidade. Além disso, realizamos uma consulta a
BNCC, em sala, assim atrelando essa atividade com as competências do
Ensino Fundamental para o Ensino de História.
33
Considerações Finais:
Partilhamos da premissa de Dewey [1959], quanto ao valor da experiência
no processo de formação discente com o uso da cultura material. Afinal, o
desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem apenas se torna
eficaz quando nos colocamos em posição reflexiva e dispostos em
compreender os resultados obtidos em uma ação. Dessa maneira, os
projetos apresentados vivenciaram diversas situações em seu planejamento
e execução, os quais serviram de base para a produção do saber histórico,
através da simulação de sítio arqueológico, tanto para os coordenadores
quanto para os discentes e a comunidade envolvidos nesse processo.
Cientes das propostas da BNCC, buscamos colocar nossos discentes de
graduação e a comunidade escolar em posição autônoma no processo de
ensino-aprendizagem.

Referências
Airan dos Santos Borges de Oliveira é graduada, mestre e doutora em
História pela UFRJ e especialista em Estudos Clássicos pela UNB. Professora
de História Antiga no Centro de Ensino Superior do Seridó da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte [CERES-UFRN] e membro titular do
Programa de Pós-Graduação em História dos Sertões da mesma instituição.
Atualmente, é coordenadora adjunta do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência e Vice coordenadora da Licenciatura em História,
ambos vinculados ao Departamento de História da UFRN – CERES.
Carlos Eduardo da Costa Campos é graduado, mestre e doutor em História
pela UERJ. Professor de História Antiga, Medieval e Pré-História da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul. Coordenador do Grupo de Pesquisa ATRIVM e membro do
Museu de Arqueologia da UFMS.

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REFLEXÕES SOBRE O DIÁLOGO PARA OS ESTUDOS DA
ANTIGUIDADE
Cristina de Souza Agostini

Estamos em um momento em que “a conversação já está quase morta” tal


como dizia Guy Debord, no clássico A sociedade do espetáculo; enquanto a
36
retórica, o discurso que visa a persuasão, pertencente ao campo
deliberativo, há muito tempo se extinguiu, pois, impossível é atribuir o
nome de retórica ao palavreado que se fragmenta dispersamente em
dispositivos tecnológicos que, via de regra, não se estrutura nem por
exempla nem por entimema. Além disso, a ausência de seres humanos
eloquentes e ao mesmo tempo capazes de suscitar empatia e confiança do
público, elementos essenciais para os quais Aristóteles apontava em seu
tratado sobre o tema, é emblemática. Assim, ao longo dessa nossa história,
viemos desenhando o cenário que de modo fugidio e disperso mostra-se
praticamente acabado e finalizado hoje, graças à nossa estrondosa vontade
de inovação. Construímos o insondável nada para nos deleitarmos no prazer
da sensação da fugacidade dispersa e que tem impactado no processo de
ensino-aprendizagem. Velozmente, com a desconcentração necessária à
ampliação do divertimento sem memória, alimentamos nosso nada que
dispersamente se identifica às imagens de um outro que se faz interessante
e digno de culto graças à sua onipresença.

Esta, cuja patente estava sob os auspícios divinos, fora quebrada com o
auxílio dos dispositivos tecnológicos e, democraticamente, disseminada.
Pouco a pouco, temos conseguido eliminar o diálogo e a retórica da
contemporaneidade com a pílula da crença de que estamos ganhando
tempo com a possibilidade de enviar mensagens ou memes ao invés de
conversar, mostrarmo-nos ao público e interagir no espaço da sala de aula.
Tais expedientes arcaicos tinham alguma utilidade quando ainda não havia
dispositivos capazes de falar por nós. Agora, na medida em que nossos
representantes digitais nos resguardam da dura tarefa da comunicação
discursiva que se faz por meio de um logos, conquistamos mais tempo para
distrair nossa mente com o nada que rápido e dispersamente estamos
construindo em nós, para nós.

Entretanto, a presença que se configura por estar ausente não é uma


conquista moderna ou contemporânea. Infelizmente, não somos tão
inovadores assim. Mas, talvez, a noção de que por meio da ausência-
presente temos o controle do que queremos e fazemos, bem como das
consequências que nossas “escolhas” implicam seja uma marca bastante
distintiva do hoje sem moiras, sem destino, sem Deus, sem intimidade
discursiva do eu que se interroga a si mesmo lentamente. Mas, somente
talvez, pois ainda é assaz temerária tal afirmação sem nenhum tipo de
pesquisa ou reflexão efetivamente profunda e inquiridora a esse respeito.
Para este feito, é preciso tempo.

Ora, se por um lado, o diálogo, prática humana que dá vazão à genuína


curiosidade que deseja conhecer pessoas por meio de suas experiências
sobre o mundo e a vida, alternando-se entre a fala e a escuta, há muito
tem sido sobrepujado pelos comentários sobre as imagens do
entretenimento que saúdam nossos sentidos, por outro lado, em nossa
história recente, a eloquência de Cícero diante do senado romano
instrumentalizou-se, em 2015, como alcunha de uma operação da Polícia
Federal: a Operação Catilinárias.

De fato, conseguirmos nos apropriar de Aristóteles ou de Cícero certamente 37


não é um problema, muito ao contrário, pode ser essencial para que
consigamos romper com o acúmulo caótico de informações vazias que
saturam nossas mentes e adoecem o raciocínio com a multiplicidade de
palavras desprovidas de qualquer referencial exterior ao signo do próprio
grafema, sem, portanto, constituir verdadeiro logos para o ato de ensinar.
No entanto, o uso apenas instrumental de nomes e de pensamentos da
cultura Clássica, invariavelmente, não é capaz de fazer nada além daquilo a
que se propõe, a saber, borrifar spray de verniz no pensar que, apodrecido
pelos cupins da barbárie e da tutela, não conseguem mais identificar em si
a potência de legislar a própria razão. De fato, usar os clássicos como
instrumentos para alguma coisa como se fossem meros alicates ou
martelos, ou ainda, defender a utilidade fugazmente prática deles constitui
a própria lógica de um momento em que o vocabulário, mesmo aquele que
se destina a explicar conceitos do âmbito educacional, está impregnado da
nomenclatura empresarial cuja eficácia, competência, habilidade,
flexibilização, gestão, governabilidade e a tão sonhada inovação repetem-se
como mantras para almas que se exasperam por avaliação e qualidade.
Assim, chegamos ao cúmulo da eficácia de Cícero para nomear uma
operação da PF e, ao mesmo tempo, não termos ideia do que motivou o
orador a colocar em público sua ira contra Catilina, até porque além de não
sabermos quem foi Cícero, não sabemos o que foi Roma porque não
reconhecemos em nós o poder discursivo. Qual a utilidade de Roma, Cícero,
Homero, Ricoeur, Parmênides, Sófocles, Eurípides ou Sêneca? Nesse âmbito
da eficácia puramente instrumental: nenhuma. Mas porque estamos
dispersos na utilidade porosa da multiplicidade dispersa, enganamo-nos
com a crença de que essas pessoas servem apenas para nomear uma
bolacha [Calipso], um automóvel [Clio], um filme [Uma Odisseia no Espaço,
Troia], uma novela [Mandala] e, assim, a erudição torna-se útil para que
sejamos competentes, talvez, em responder a um quiz on line que distraia
nossa fragmentação de ser dispersa.

Contudo, se a inutilidade de Cícero, Homero e Platão nos toca e podem ser


utilizados no Ensino de Antiguidade é porque temos apreço por aquilo que,
efetivamente, é capaz de ressuscitar os mortos do passado atualizando
nosso presente discursivo e, na medida em que nos apropriamos dos
mortos ressuscitados, invariavelmente, abraçamo-los enquanto vivos.
Homero vivo, Platão vivo, Cícero vivo não servem para nada, assim como a
minha vida, a vida de meus amigos, a vida de meus genitores e a vida de
meus descendentes não servem para nada: a vida não é meio, mas fim em
si mesmo.

Assim, vamos ressuscitar esse modo arcaico de comunicação, que caiu em


desuso, a saber, o diálogo. De antemão, perdoem-me por abrir os porões
dialógicos, mas para quem concebe a vida como fonte de perscrutação
constante, não se pode esperar algo que toque o progresso.

Nesse sentido, o que proponho é, na primeira parte desse artigo, discutir a


diferença entre o diálogo e aquilo a que chamo ‘comentário’ e, na segunda
parte, argumentar em favor da necessidade do diálogo para com a escrita.
38
Afinal, a cultura letrada constitui-se como autoridade para o Ensino de
Antiguidade e, faz-se mister discutir o modo pelo qual essa autoridade
grafada precisa articular-se com o diálogo. Assim, pretendo refletir nesse
espaço sobre a maneira como Platão, de um lado, aborda o verdadeiro
diálogo oposto ao falso diálogo e, por outro, a desgraça que se instaura com
a leitura inquestionada, para que nos apropriemos de nosso hoje que de
modo inventivo instaura dispositivos tecnológicos símiles aos “arcaicos” por
meio dos quais nós, similarmente às ações de dispersão discursiva que
Platão retrata, recorremos atualmente, embora arroguemo-nos ser
excessivamente pós-modernos.

Detenhamo-nos no início da República. Ali, vemos Sócrates prestes a


retornar para casa, quando é retido por Polemarco, Adimanto e outros.
Sócrates, a contragosto retarda sua volta e decide permanecer com Glauco,
no Pireu, hospedado na casa do meteco Céfalo para acompanhar com os
jovens o espetáculo que cavaleiros encenarão à noite. Munidos de tochas,
estes irão passar um para o outro os pequenos focos de luz. E Sócrates,
coagido por seus amigos, ficará a madrugada em claro para assistir a tal
performance.

-Será que não sabeis que hoje, ao entardecer, haverá uma corrida com
tochas, dedicada à deusa? Elas serão levadas por cavaleiros...
-Por cavaleiros? Disse eu. Isso é novidade! Disputarão a cavalo, com as
tochas nas mãos, passando-as uns aos outros? É isso que dizes?
-Isso mesmo, disse Polemarco. Além disso, farão uma vigília a que valerá a
pena assistir. Sairemos após o jantar e assistiremos à vigília. Lá
encontraremos muitos jovens e ficaremos dialogando. Vamos! Ficai
conosco e desisti de ir embora!
E Glauco disse:
-Ao que vejo, temos de ficar.
-Mas, se assim pensas, disse eu, assim temos de fazer. [328 a 1- b 5]

Que fadiga o filósofo descalço prevê pela frente! Terá de ficar sentado em
local pouco iluminado, ouvindo os comentários dos rapazes sobre o
desempenho dos cavaleiros. Quando não, será interpelado acerca de sua
opinião sobre a acurácia ou debilidade dos homens que disputam! E pensar
que ali ao seu lado estarão aqueles com quem Sócrates mais gosta de
compartilhar momentos! No entanto, daí não se segue que ele goste de
compartilhar todos os momentos. E este, certamente, não é um deles.

Voltemos à fala de Polemarco:


“Além disso, farão uma vigília a que valerá a pena assistir. Sairemos após o
jantar e assistiremos à vigília. Lá encontraremos muitos jovens e ficaremos
dialogando”.[καὶ συνεσόμεθά τε πολλοῖς τῶν νέων αὐτόθι καὶ διαλεξόμεθα].
Ora, o que Polemarco chama de diálogo, na verdade, muito longe está
daquilo a que estamos habituados ver Sócrates fazer nos Diálogos
platônicos dos quais é personagem. De fato, o diálogo empreendido por
Sócrates delineia-se pela alternância de perguntas e repostas. Estas
últimas, de maneira socrática, devem ser compreendidas como condição
essencial para a continuidade da conversa que ocorre com a formulação da
pergunta seguinte que, necessariamente, requer a resposta anterior do 39
interlocutor. Desse modo, o diálogo não pressupõe conteúdos definidos para
ser empreendido, pois que depende da fala anterior para o
desenvolvimento. Portanto, é como processo que é preciso pensarmos
acerca do diálogo socrático, processo este que se constrói aos poucos e
exige a participação dos interlocutores na elaboração do saber. Além disso,
o verdadeiro diálogo é paciente, uma vez que, a cadência que instaura
expurga interrupções. A fala seguinte só é possível após a fala precedente
concluir-se e, assim, sucessivamente, o que gera entre os participantes do
diálogo a igualdade de fala e de escuta. Assim, a concentração é
indissociável do método dialógico. Para que as falas se alternem com
completo comprometimento pela busca do saber, a atenção cuidadosa ao
pensamento do outro manifesto pelo discurso que emite é a própria
condição de possibilidade para que ocorra um diálogo efetivo. Interlocutores
dispersos com coisas além da própria construção dialógica não dialogam.
Podem até achar que estão dialogando, mas na verdade não efetivam a
elaboração discursiva que requer falas atentas para a composição do
conhecimento.

Sócrates deseja voltar para sua casa porque não quer passar a noite toda
sentado comentando o desfile, tal qual os narradores que adentram a
madrugada comentando entre si as apresentações de escolas de samba.
Ora, aquilo que Polemarco chama de diálogo, na verdade, não passa do que
chamamos de comentário. Como poderão dialogar com outros jovens, já
que estarão entretidos com o que se passará diante de seus olhos? Para
que Polemarco dialogue com outros rapazes, é preciso prestar atenção a
eles e isso significa entregar-se ao momento dialógico. Além disso, o
diálogo enquanto método essencial para o conhecimento de si busca trazer
à tona o que somos e não aquilo que está fora de nós, como o desfile. Daí,
então, a impossibilidade do diálogo sobre as muitas coisas que integram o
sensível. Em outras palavras, como nos ensina o Fedro: o diálogo dá à luz a
logoi e estes são discursos gerados não a partir daquilo que vemos,
ouvimos, tocamos, degustamos ou cheiramos, mas têm como origem nossa
razão. Logo, mesmo que se refiram às nossas experiências sensíveis, eles
não decorrem delas, mas são concebidos pela razão e, assim, têm como
origem o próprio indivíduo que dialoga. O diálogo marca a responsabilidade
que o agente tem em relação ao seu discurso, assumindo-se como pai-
originário do filho que nasce com o parto dialógico. E o comentário ou
opinião? De onde vem? Ao que se refere? O que ensina de si mesmo aquele
que o profere?

Ao descrever nossa natureza em relação à educação e ausência desta,


Sócrates, no livro VII da República, lança a hipótese de que os prisioneiros
da caverna mesmo sendo capazes de dialogar, iriam dedicar seu tempo a
nomear [nomizei] as coisas.

-Então, se fossem capazes de conversar entre si, não achas que eles
pensariam que, ao dar nome ao que estavam vendo, estariam nomeando
coisas realmente existentes? [515 b-6-8]
40
εἰ οὖν διαλέγεσθαι οἷοί τ᾽ εἶεν πρὸς ἀλλήλους, οὐταῦτα ἡγῇ ἂν τὰ ὄντα αὐτοὺς
νομίζειν ἅπερὁρῷεν;

E mais à frente:

-Se, naquele tempo entre eles havia honras, louvores e também prêmios
concedidos a quem observasse com um olhar mais aguçado os objetos que
desfilassem diante deles e se lembrasse melhor do que costumava vir
antes, depois ou simultaneamente e, a partir disso, tivesse mais capacidade
para adivinhar o que estivesse por vir, na tua opinião, não achas que ele
cobiçaria essas recompensas e invejaria os que, entre eles, fossem
honrados e tivessem poder? [516 c 8- d 4]

Ora, sabemos que os prisioneiros da caverna observam sentados as


imagens que passam à sua frente e discutem sobre elas. No entanto, uma
vez que a fala empreendida por eles remete-se apenas ao conteúdo sensível
que passa diante de seus olhos, embora sejam capazes, eles não dialogam
efetivamente, mas somente nomeiam o que, na verdade, são sombras, em
busca das recompensas pela vitória na disputa.

Com efeito, nada há mais contrário ao verdadeiro diálogo que a competição,


uma vez que esta pressupõe perdedores e ganhadores. Nas disputas,
alguém perde para que outro ganhe; no diálogo os interlocutores sempre
ganharão porque ambos avançam na construção do saber. Há inviabilidade
para que a dialogia seja competitiva, pois ela se exerce no exame das falas
que vão se lapidando ao longo do processo. Assim, aquele que inicia o
diálogo com uma posição errônea, não perde por causa disso, precisamente
porque a abertura em relação à mudança de posição que se fundamenta no
conhecimento e produção de um logos, significa a passagem da ignorância
ao saber e isso não pode ser caracterizado como perda, senão a Educação
consistiria em um imenso fracasso [algo que, aliás, faz bastante sentido
para a sociedade das imagens, basta pensarmos na reação dos detentos da
caverna em relação àquele que, tendo sido liberto, volta para dialogar;
basta pensarmos nas últimas declarações de alguns de nossos
representantes democraticamente eleitos sobre a corrupção das mentes que
a filosofia provoca, atualizada com o termo balbúrdia].

Certamente, perder, no âmbito educacional, só pode ser o contrário da


saída da ignorância, uma vez que é sua manutenção, quando, a despeito da
evidência dos discursos, o interlocutor insiste em conservar convicções, tal
como o diálogo Górgias nos apresenta o comportamento de Cálicles,
arraigado que está a concepções que não se sustentam à profundidade que
o exame dialógico imprime.
Portanto, nem Polemarco, nem os prisioneiros da caverna, nem nós
dialogamos enquanto fixamos o olhar no desfile de imagens que passam na
televisão, na tela do computador, do cinema, do smartphone, ou nos palcos
do teatro comercial e do sambódromo. A fala que desenvolvemos referente
a tais imagens é o comentário: nomeamos o que vemos, de maneira
desvinculada de nós mesmos, pois não pensamos sobre o que somos, sobre
o que o outro que comenta comigo é para mim e para si. Nesse momento, 41
ele e eu nos coisificamos e essa é a condição essencial para que a distração,
ou seja, o não pensar, proporcione o prazer divertido que tanto almejamos.
Pensar sobre si sempre é pensar sobre limitações e sobre uma dimensão
acerca da qual não temos controle. Isso não diverte, mas nos converte para
a unidade de uma identidade não dispersa. Para o conhecimento de si, a
concentração no que o outro diz é fundamental porque revela algo do outro
que pensa e não algo de uma coisa. Assim, se o que o outro diz, diz algo
sobre uma coisa, não diz algo sobre ele, mas sobre uma coisa. E assim, o
comentário cresce divertindo-nos e dispersando-nos na multiplicidade
imagética. Essa reificação discursiva não é nada, ou melhor, é um acúmulo
de efêmeras divertidas/tediosas pílulas que alimentam o vício da
despreocupação.

Deixemos, agora, o diálogo hibernando para que não morra e, passemos, a


algumas considerações sobre a escrita. Embora, o título desse artigo não
contenha o termo escrita ou escrever, tenho certeza de que todos a
pressupõe para a leitura. Com efeito, escrita e leitura formam um par
indissociável: escreve-se para que alguém leia. No Fedro, Sócrates diz ao
personagem homônimo:

-É que a escrita, Fedro, é muito perigosa e, nesse ponto parecidíssima com


a pintura, pois esta, em verdade, apresenta seus produtos como vivos;
mas, se alguém lhe formula alguma pergunta, cala-se cheia de dignidade. O
mesmo passa com os escritos. És inclinado a pensar que conversas com
seres inteligentes; mas se, com o teu desejo de aprender, os interpelares
acerca do que eles dizem, só respondem de um único modo e sempre a
mesma coisa. Uma vez definitivamente fixados na escrita, rolam daqui dali
os discursos, sem o menor discrime, tanto por entre os conhecedores da
matéria como os que nada têm que ver com o assunto de que tratam, sem
saberem a quem devam dirigir-se e a quem não. E no caso de serem
agredidos ou menoscabados injustamente, nunca prescindirão da ajuda
paterna, pois por si mesmos são tão incapazes de se defenderem como de
socorrer alguém. [275 d 4- e 8]

Sócrates nos explica o porquê a escrita precisa ser tomada com cautela. O
âmbito da leitura não é o mesmo do diálogo. Se, por um lado, o diálogo
confere a possibilidade do questionamento constante e reformulação de
respostas, por outro lado, a escrita sempre se repete. E, precisamente, por
isso, ela é perigosa, e deve ser manejada com cuidado. Com efeito, o fato
de que algo esteja escrito não implica na verdade do que se lê. A escrita
também precisa ser interrogada, mas, diferentemente, do diálogo que pode
se reformular, ela responderá sempre do mesmo modo e, precisamente por
isso, não pode ser lida como se fosse autônoma, como se tivesse brotado
no papel ou nas plataformas digitais tais quais Twitter, Facebook ou
WhatsApp, por vontade própria. A escrita, assim como o discurso do
diálogo, tem um pai, no entanto, este encontra-se ausente dos grammata.
Desse modo, como podemos nos fiar aos escritos cuja fonte é
desconhecida? Ou mesmo, como acreditar em textos escritos cuja origem é
notória? Simplesmente, não podemos acreditar. A crença ou, de modo mais
42
elaborado, o alcance do conhecimento pela leitura é impossível porque
identifica o ato de conhecer ao preenchimento de vasilhas mentais com um
conteúdo exterior ao próprio indivíduo. Desse modo, Sócrates, em certo
sentido, chama-nos a atenção para o problema que a leitura passiva
implica: ela não gera logoi e, portanto, não passa de uma coisa. Por isso, é
preciso agir durante a leitura e isso implica interrogar aquilo que estamos
lendo a fim de fazer vir à tona questões acerca de nós mesmos. Em outros
termos, é preciso que um campo da não compreensão total e da dúvida
sempre esteja presente no ato de ler para que a leitura esteja em
movimento, desvinculando-se da noção de “memorização”, noção esta que,
aliás, Fedro pensa ser uma virtude. Desse modo, à escrita também cabe a
possibilidade de revisão de ideias e posições e, assim, escrever pode ser um
ato que fomenta o diálogo para aquele que escreve.

Por fim, termino com a breve menção à tragédia pela qual tenho apreço
imenso, tragédia essa que, no final das contas, despertou em mim o gosto
pelo gênero trágico.

Na tragédia Hipólito, de Eurípides, Teseu acredita nos grammata que


incriminam seu filho e no corpo morto de sua esposa [a responsável pelos
escritos], como provas de que o jovem tivesse cometido o estupro da
madrasta. Hipólito não fora, efetivamente, ouvido pelo pai e, assim, não
conseguira defender-se porque a morta, enquanto morta, teve mais
dignidade que seu discurso vivo. Aliás, antes mesmo de ouvir o filho, Teseu
toma a decisão de enviar a praga que destruiria Hipólito a fim de vingar-se
do crime que pseudo sofrera a falecida esposa. Teseu, sem tecnologia,
precisava poupar seu tempo. Muito atarefado que era, não podia se dar ao
luxo de interrogar o filho sobre algo que já sabia, por ter lido. Agora, tudo o
que Hipólito disser não importa porque Teseu não está aberto ao diálogo.
Assim como o pai mítico da democracia ateniense, nos acomodamos melhor
à estática que à dinâmica. É mais cômodo tomar decisões sem ouvir o
outro, é mais prazeroso ficar sentado que em movimento, é mais fácil ler e
reproduzir. É mais fácil, mais cômodo e menos custoso ser coisa que ser
alguém que gera e dá à luz a discursos permanentemente inacabados.

Assim, o ensino da Antiguidade quando visto como germe vivo, e não


apenas como belos textos de autoridade erudita, desmembra a interlocução
e o questionamento. Estes são os pré-requisitos fundamentais para que o
pensamento que se torna capaz de pensar por si, elabore o conceito, ou
seja, o discurso que o pensamento concebe a partir de si e da alteridade,
cujo resultado não é nem uma subjetividade, nem a inércia de dados
superpostos, mas a universalidade do processo autônomo e vivamente
aberto ao diálogo na medida em que é um logos.
Referências
Cristina de Souza Agostini é professora de Filosofia Antiga na Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul. Possui doutorado sanduíche na EHESS-Paris
e pós-doutorado em Letras Clássicas-Grego, pela Universidade de São
Paulo. Como docente, além do Ensino Universitário, já lecionou Filosofia no
Ensino Médio e no Ensino Fundamental de escolas particulares de São 43
Paulo.

PLATÃO. Fedro. Tradução: Carlos Alberto Nunes. Belém: Editora da


Universidade Federal do Pará.
______. República. Tradução: Anna Lia de Amaral Almeida Prado. São
Paulo: Editora Martins Fontes, 2006.
DÉBORD, G. A sociedade do espetáculo. Tradução: Estela dos Santos Abreu.
Rio de Janeiro: Contraponto, 2007
A BNCC E O ESTUDO DA ÁFRICA E DO EXTREMO ORIENTE ANTIGOS
NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: RETROCEDEMOS?
Leandro Mendonça Barbosa

Norberto Guarinello, na obra História Antiga, publicada em 2013, apontou


que olhar o crescimento dos estudos em Antiguidade no Ocidente ao longo
44
do século XX, no que tange a ampliação dos objetos, pode ser uma
armadilha. De fato, o número de estudos, publicações e especialistas na
área se multiplicou nos novecentos, e adentramos ao novo milênio munidos
de uma vasta gama de discussões acerca do Mundo Antigo.

Destarte, o ensino de História Antiga ao longo do século XX, continua o


autor, teria se cristalizado nos padrões estabelecidos no século XIX
[Guarinello, 2013, p. 29], durante o auge do positivismo. Temos como
exemplo a continuidade da divisão tradicional da Antiguidade em três
partes, o estudo da História Antiga como uma História Ocidental e até
padrões estéticos que associam a Antiguidade Clássica com um padrão
social a ser alcançado.

Se no ambiente acadêmico e científico as novas discussões acerca dos


paradigmas dos estudos históricos, a transdisciplinaridade e a inserção de
novos objetos e fontes concederam outro olhar aos estudos da Antiguidade,
o reflexo em sala de aula foi sentido de forma menos intensa, apesar de,
por força de leis, ou mesmo de mudanças trazidas pela mundialização,
terem se alargado os estudos acerca da Antiguidade.

Após a lei nº 11.645, de 10 de Março de 2008, que estabelece para os


currículos de História a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-
Brasileira e Indígena”, a África antiga, com temas que contemplem o Reino
da Núbia, por exemplo, passa a ser inserida, levando o continente para
além do Egito – que dentro do contexto da História Antiga Ocidental nunca
foi incluído na realidade africana, da mesma forma que há dificuldade em
ver a Mesopotâmia dentro do mundo Oriental.

A Novo Ordem Mundial e a ascensão de novas potências também não


passaram incólumes pelos estudos da Antiguidade. Hoje seria inconcebível a
tentativa de compreensão de um mundo global e de uma sociedade
interconectada sem se debruçar nos estudos sobre as realidades chinesas. A
China antiga passou a vigorar, mesmo sem efeito de lei, nos currículos do
6º ano do Ensino Fundamental, e o estudo da Índia antiga veio neste esteio
em algumas coletâneas de livros didáticos.

Contudo, se em um primeiro momento podemos dizer que estas inserções


apontam para um caminho a alargar as visões da História Antiga, elas não
foram capazes de quebrar com a visão tradicional que aponta para o
modelo “Mesopotâmia – Egito – Grécia – Roma. Sendo o cerne central de
nossa proposta, com a nova BNCC a deficiência ficou ainda maior.

Como primeira parte deste estudo, consultamos os dois Livros Didáticos de


6º ANO/EF que possuem um grande número de adeptos nas escolas
Municipais de Campo Grande-MS anteriores a atual BNCC, e que foram
inscritos no PNLD – Programa Nacional do Livro e do Material Didático –
2017-2019, e seguiram os PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais:
Projeto Araribá e História, Cidadania & Sociedade.

Como antes da BNCC atual não havia nenhum documento que


homogeneizasse um currículo mínimo, decidimos metodologicamente por 45
exemplificar o antes da BNCC por meio de ambos os livros didáticos, de
grande circulação nacional. Nestes livros percebemos que a visão tradicional
ocorre, todavia foram inseridos conteúdos específicos dentro do currículo
para se trabalhar a África e o Extremo Oriente antigo.

No Projeto Araribá, coletânea organizada pela Editora Moderna, além da


divisão em Capítulos – chamados Temas – há a divisão em Unidades. A
Unidade três, “Mesopotâmia, Egito e eino da Núbia”, conta com um Tema
dedicado a este reino, exaltando a pujança de uma grande sociedade de
população negra e tratando de Napata e Meróe, as duas capitais do império
cuxita.

No livro do 7º ANO/EF a discussão continua, com a África medieval


islamizada, o reino ioruba e também uma África cristã. Ou seja, a discussão
não finda na Antiguidade, mas é sim um ponto de partida para se pensar a
África em diferentes temporalidades e realidades sociais. Para China e Índia
antigas existe uma Unidade inteira, com cinco Temas, onde são trabalhados
as dinastias chinesas Chang, Chou e Han, a cultura harapense na Índia e
seu período védico.

Já no livro História, Sociedade & Cidadania, de autoria de Alfredo Boulos


Júnior e editado pela FTD, são dispensados dois capítulos para discutir o
tema da África e do Extremo Oriente antigos. O “Capítulo 7 – O Egito Antigo
e o eino de Kush” possui dois tópicos para o estudo a Civilização Núbia e
das Características do Reino de Kush, além de promover uma reflexão
acerca da integração entre as cidades ao sul do Egito com esta civilização.

Já o “Capítulo 9 – China” se dedica exclusivamente ao estudo da China


antiga. Embora não tão longo, aborda a formação da sociedade chinesa,
suas principais cidades e as contribuições que a China, que desde a
Antiguidade, legou à humanidade, como a medicina e o confucionismo.
Toda este especulo se faz essencial, já que a China é apresentada pelo livro
em sua parte Medieval, no 7º ANO/EF e Contemporânea no 9º ANO/EF.

Entretanto, estes currículos foram elaborados antes da implantação na Base


Nacional Comum Curricular, que em sua trajetória expôs várias fragilidades.
No texto inicial da BNCC, apresentado em 2015 sem a possibilidade de
discussão por parte de especialistas em História Antiga, os estudos da
Antiguidade para o Ensino Fundamental contaram com apenas três
menções, todas no 6º ANO/EF. A saber: a forma dos Egípcios contarem o
tempo, no conteúdo das maneiras de contagem e registro do tempo, na
crítica ao modelo quadripartite de divisão da História e no conteúdo de
identificação através dos períodos históricos, sendo “Idade Antiga” um deles
[BRASIL, 2017, p. 250-251].

Ocorreram severas críticas por parte de entidades como o Grupo de


Trabalho em História Antiga – e de seus diversos GTs regionais – da
Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos e da Associação Nacional de
46
História, além de núcleos de estudo em Antiguidade, que não foram
consultados e viram que notoriamente a BNCC se esquecia do Mundo
Antigo.

Críticas específicas ocorreram, como o fato de que a elite jamais deixaria de


estudar História Antiga, já que a BNCC propõe um currículo mínimo, não
máximo, e a população mais carente não seria contemplada com este
repertório diverso; em um mundo globalizado e em um Brasil multiétnico,
estudar as sociedades antigas é introduzir no sistema educacional do país
comparativos de diversidade e igualdade [Funari, 2016, p. 02]. Em suma,
com a supressão dos estudos em História Antiga – além de outros períodos
– tivemos um currículo em História brasilcêntrico e presentista [Santos,
2019, p. 145], beirando a um ufanismo que remonta à narrativa de
construção de uma visão de nação que beira o início do século passado.

Percebe-se que esta BNCC tem uma preocupação exacerbada com o estudo
da História do Brasil, das Américas e da África [Coelho; Belchior, 2017, p.
65]. Todavia, na questão africana, vê-se a centralidade na temática da
escravidão. Nos demais períodos da História africana além da Antiguidade,
dos vinte sete Conhecimentos Específicos a serem trabalhados, metade,
treze, são referentes à escravidão.

Para a outra metade tenta-se reunir todo o conhecimento restante sobre


África a partir da Idade Média [comércio transaariano, reinos islamizados,
resistência à colonização, neocolonialismo, pan-africanismo, apartheid,
independências etc.]. A proposta acerca da reflexão sobre o escravismo é
enriquecedora, sem dúvidas, e que jamais poderemos negar, mas sua
proeminência acabou por suprimir a África antiga – e outros aspectos
históricos africanos como um todo – e, consequentemente, as brilhantes
civilizações africanas ao sul do Egito, por exemplo, o que contribui para
uma visão estereotipada do continente.

Com a versão final da BNCC a História Antiga volta a ser inserida no Ensino
Fundamental, não sem críticas por parte dos estudiosos e dos grupos.
Apresentar toda a Idade Antiga e toda a Idade Média no 6º ANO/EF é algo
que chamou a atenção negativamente de antiquistas e medievalistas,
entretanto este não será o foco de nossa análise; bons trabalhos dão conta
desta discussão.

As Unidades Temáticas do 6º ANO/EF que tratam da História Antiga são: “A


invenção do Mundo Clássico e o contraponto com outras sociedades” –
sendo que este conceito “outras sociedades” [B ASIL, 2017, p. 416] por si
só já é algo complicado, pois centraliza o olhar no chamado Mundo Clássico:
Grécia e Roma – e “Lógicas e organização política” [B ASIL, 2017, p. 416].
Estas duas Unidades reúnem trinta e seis Conhecimentos Específicos a
serem trabalhados com os alunos; destes, somente cinco mencionam a
África Antiga.

A primeira Unidade reúne três destes conhecimentos, e um deles já possui


uma especificidade gritante. No Conhecimento “Aspectos econômicos,
culturais e sociais dos povos da antiguidade na África [Egito], e no Oriente 47
Médio [Mesopotâmia] e nas Américas” está especificado que o único povo
africano o qual se estudará os aspectos socioeconômicos e culturais será o
Egito, corroborando com uma tradição ultrapassada.

Isto remonta a uma reminiscência do século XIX, na qual existiriam duas


Áfricas separadas pelo Deserto do Saara: uma ao Norte, mais
ocidentalizada – sintetizada no Egito – e outra ao Sul, e que o deserto
impedia a comunicação [Hernandez, 2008, p.18], sendo que a parte Norte,
e particularmente o Egito, em contato com o continente Europeu, se
“desenvolveu” mais que a parte Sul e, deste modo, seria mais importante
saber sobre a História do Egito do que das civilizações da parte Sul.

O estudo destas características em outras civilizações africanas antigas é


exatamente a forma de entender que comunidades que não se
relacionavam com o Mediterrâneo e a Europa – o caso da egípcia – também
construíram promissoras sociedades, e que mesmo o Egito só se
desenvolveu desta maneira também devido ao contato comercial e cultural
com Meroé ou com o Reino de Axum, por exemplo. Não se restringir ao
Egito e analisar estes povos, em sua maioria constituídos de população
negra, demonstrará toda a pujança e criatividade dos reinos africanos.

Os outros Conhecimentos Específicos não dão conta desta questão. No “As


fontes históricas relativas às sociedades antigas na África, no Oriente Médio
ou nas Américas” deixa o Professor livre para escolher e trabalhar com
qualquer um dos três contextos – vide a conjunção “ou” – não prevendo
uma realidade mais específica para explanar de que forma se estudar os
povos africanos na Antiguidade.

O último Conhecimento Específico desta Unidade é: “As relações culturais


entre gregos e romanos e os povos do Oriente Médio e África”. Aqui
percebemos que o foco central não seria o estudo nem do Oriente Próximo
e nem da África, e sim dos greco-romanos. Estudar estas relações seria
para entender o Mundo Clássico – como a unidade propõe – e não o mundo
afro-asiático, que aqui serviria como um contraponto.

Entretanto, a Habilidade Relacionada EF06HI09.s [BRASIL, 2017, p. 417]


aponta para discutir o conceito de Antiguidade Clássica e seu impacto em
outras sociedades e culturas, abrindo espaço para o professor priorizar esta
competência, bem como para problematizar o termo trazido pela própria
BNCC de “Mundo Clássico”. Apesar de o conhecimento ser em relação ao
mundo greco-romano, a habilidade permite uma maior reflexão dos povos
africanos antigos, e é efetivamente a única que possibilita a
problematização da África antiga em uma amplitude.
Já na segunda Unidade Temática temos o único Conhecimento Específico
que claramente propõem uma reflexão acerca da antiguidade africana,
apesar da maneira limitada. Em “As múltiplas formas de organização
política da África antiga e do Oriente Antigo” é dada ao professor a
oportunidade de trabalhar com as diversas sociedades africanas e como
48
estas se organizavam politicamente.

A única questão é a restrição que foi dada ao tema “político”. Claro que uma
parte imprescindível da compreensão em História são os aspectos políticos,
porém afastar perspectivas econômicas e culturais pode dar uma visão
parcial destas sociedades. Não seria importante falar de religião na África
antes do advento do islamismo? Isto não ajudaria a combater estereótipos
e preconceitos acerca das religiões de matriz africana existentes hoje no
Brasil? A BNCC peca exatamente por restringir mais um conhecimento onde
a África aparece de forma protagonista, desta vez centrando as análises na
questão política.

Ainda há um último Conhecimento Específico onde a África aparece, mesmo


que de forma breve: “O Mediterrâneo como local de interação entre os
povos da Europa, África e Oriente Médio”. A importância do Mediterrâneo
renascida nas últimas décadas no Brasil com o advento de Grupos de
Pesquisa como o LEIR-MA – Laboratório de Estudos do Império Romano –
Mediterrâneo Antigo – e o NEMED – Núcleo de Estudos Mediterrânicos – foi
considerada pela BNCC, e é neste contexto maior que surge a África.
Embora a interação seja louvada, também aparece de forma deveras breve.

Se em África antiga analisamos os cinco Conhecimentos Específicos que


citam o tema, em Extremo Oriente antigo sequer somos capazes disso. O
único conhecimento que de forma vaga cita algo que poderia enquadrar
China, ndia, Japão ou ússia antigos é: “As múltiplas formas de
organização política da África antiga e do Oriente Antigo”.

Este é o único ponto que diz “Oriente Antigo” e não “Oriente Médio”, sendo
que o segundo denota o estudo, sobretudo, da Mesopotâmia, e quem sabe
Fenícios, Hebreus e Persas – outros povos que foram renegados na versão
final. De forma vaga, o termo “Oriente Antigo” dá a noção de se estudar
sociedades do Extremo Oriente. Como se imaginar uma educação que não
estude a China, nos dias de hoje? Que não compreenda a construção da
sociedade chinesa e todas as especificidades de organização sociopolítica e
econômica deste povo?

Deste modo, vemos com preocupação esta nova versão da BNCC para
História Antiga como um todo, mas principalmente no que tange a estas
especificidades da Antiguidade. Claro que os livros continuarão tendo
liberdade de inserirem em seus temas estudos afro-asiáticos antigos,
entretanto julgamos ser um retrocesso, em um momento no qual o Brasil
necessita de tolerância e respeito, renegarmos a História Antiga Africana e
Extremo-Oriental a planos tão secundários como vistos na versão final.
Referências
Leandro Mendonça Barbosa é Doutor em História Antiga pela Universidade
de Lisboa. Atualmente é Presidente do Grupo de Trabalho em História
Antiga da ANPUH-MS e Professor da UNIDERP e SEMED-MS.

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A HQ “OS 300 DE ESPARTA” E O ENSINO DE HISTÓRIA –
CONSIDERAÇÕES, IDEIAS E ALTERNATIVAS
Luis Filipe Bantim de Assumpção

Assim como a sociedade, o ensino se encontra em constante transformação


e desenvolvimento. Isso ocorre em virtude das mudanças pelas quais
50
estamos sujeitos, tanto pelas variações espaciais quanto temporais. De
forma resumida, o contexto histórico em que vivemos estabelece aquilo
com o qual devemos lidar para que nos tornemos aptos a sobreviver, diante
das intempéries da vida. Embora esse argumento pareça alinhado com
alguma vertente do “darwinismo social”, o nosso intuito com esse
posicionamento é somente destacar a necessidade da adaptação pessoal
frente ao cenário mundial em que nos encontramos, ou seja, a pandemia
ocasionada pelo COVID-19.

Por trabalharmos com ensino, pesquisa e extensão, muitas de nossas


atividades se viram ameaçadas, em um primeiro momento, pela
necessidade do isolamento social estabelecido pelo o governo da maioria
dos estados brasileiros. É justamente esse cenário que nos leva a refletir
sobre a nossa capacidade de adaptação perante as transformações do
contexto histórico. No entanto, em que medida essas considerações se
adequam ao tema do congresso e aos aspectos associados ao Ensino de
História?

Uma vez que a pandemia alterou a nossa rotina de vida e trabalho,


devemos pensar as alternativas diante desta mudança inevitável. Essa
postura nos permitirá dar continuidade ao processo de ensino dos alunos.
Nesse sentido, aproveito para compartilhar uma situação bastante particular
com o intuito de ilustrar tal circunstância. Pouco antes do isolamento social
ser estabelecido, dois alunos do ensino médio me perguntaram, em
momentos distintos: 1] Quais os melhores filmes que se poderia assistir
para aprender a História da Segunda Guerra Mundial? 2] Quais os melhores
HQs que podemos ler para aprender sobre História Antiga? A resposta foi
enfática, para ambas as perguntas, pois, dissemos “nenhum”.

Diante deste posicionamento, uma questão pode ser levantada, afinal, o


que levaria um professor-pesquisador que não acredita que existam filmes e
HQs capazes de ensinar História a escrever um texto sobre Ensino de
História e o uso de Quadrinhos?

É comum, em nossa atualidade, verificarmos que o senso comum


menospreza o trabalho do historiador, bem como do professor de História,
pois basta assistir um filme ou ler um livro para que qualquer pessoa se
torne um “quase especialista” em assuntos históricos. Possivelmente, isso
se deve ao pouco valor atribuído ao conhecimento e a consciência histórica
em nossa sociedade, na qual do ofício do[a] historiador[a] não se constitui
em uma profissão. Do mesmo modo, a maioria das pessoas ainda
confundem o conhecimento historiográfico com aquilo que passou, ao invés
de conceberem que todos os escritos históricos são análises sobre o
passado que se fundamentam em questões científicas contemporâneas.
Logo, nos cabe destacar que nenhum assunto de cunho histórico exposto
por mídias diversas será suficientemente apreendido sem o devido
embasamento didático, teórico, conceitual e temático. Dessa maneira,
afirmamos que existem ótimos filmes e belíssimas HQs que nos ajudam no
Ensino de História, mas, sozinhos e sem a devida fundamentação, não
passam de entretenimento. Portanto, a sociedade precisa perceber que 51
filmes, desenhos, HQs, obras de literatura etc., são ótimos mecanismos
para se aprimorar o Ensino de História, porém, algumas ressalvas são
necessárias.

Como nos advertiu Vera Candau [2013, p. 9-10] as maiores transformações


vivenciadas pelo o ensino se deram com a globalização. Esta passou a
influenciar as reformas curriculares para que os profissionais formados, a
partir de então, estivessem inseridos em um capitalismo global. Candau
afirmou que a globalização preza pela uniformização e a padronização dos
valores, levando diversos grupos sociais a se entrelaçarem em função dos
pressupostos político-sociais dos segmentos hegemônicos em um dado
território. A supremacia de grupos interessados com o capitalismo global e o
fomento de uma educação mecanicista reforça os pressupostos da pós-
modernidade.

Carmen Teresa Gabriel e Ana Maria Monteiro [2014, p. 23] definem a pós-
modernidade como um momento caracterizado pela multiplicidade, a
instabilidade, além da velocidade das notícias e da sua provisoriedade. Em
certa medida, Gabriel e Monteiro nos permite afirmar que uma das marcas
fundamentais da pós-modernidade é a efemeridade de informações e
valores, sobretudo, pela brevidade como estes se produzem e,
consequentemente, se esvaem. Do mesmo modo, afirmamos que a
globalização reforça esse processo de promoção e difusão de dados
informativos que, na sua maioria, tendem a favorecer o consumo e a
banalidade.

É justamente nesse entroncamento que nós, professores e/ou


pesquisadores de História temos um papel determinante, afinal, nos cabe
promover a percepção crítica de nossos discentes perante os eventos e
processos históricos, os quais são considerados a partir do tempo presente.
Logo, lançamos perguntas e hipóteses em nossas leituras sobre o passado,
em virtude da expectativa de que essas aprimorem as nossas percepções
do presente. Longe de fomentarmos uma “História Mestra da Vida”,
reforçamos que o lugar social do sujeito influencia na sua escolha, análise e
considerações sobre temáticas históricas. Sendo assim, a presente ocasião
expressa a importância das HQs como mídia alternativa junto ao Ensino de
História, haja vista a possibilidade que esta nos fornece para
pensarmos/problematizarmos questões atuais por meio de referenciais
históricos.

Mediante o comentado, dialogamos com Circe Bittencourt [2018, p. 93] ao


pontuar que o Ensino de História deve estar articulado com às novas
tecnologias, empregando mídias diversificadas em seu processo
educacional. Bittencourt [2018, p. 95] também destaca que em uma
sociedade globalizante e globalizada, as mídias tendem a adotar um caráter
alienante, levando a sua audiência a naturalizar diferenças sociais e
econômicas. O posicionamento de Bittencourt nos permite fundamentar a
resposta que demos aos alunos do ensino médio, citados acima. Afinal, a
maioria das mídias alternativas empregadas nas salas de aula, em virtude
52
da disponibilidade de acesso, ainda provém do cenário mainstream. Nesse
caso, o consumo desse tipo de material sem o devido embasamento
educacional, apenas estimulará o desenvolvimento e a disseminação de um
olhar simplista e/ou hegemônico diante do passado e do Ensino de História.

Feitos os devidos esclarecimentos, iremos direcionar as nossas análises à


HQ “Os 300 de Esparta” da autoria de Frank Miller e a maneira como esta
pode ser empregada como um instrumento profícuo para o Ensino de
História. Com isso, Ana Paula Soares [2014, p. 212] reitera que a maioria
das HQs são direcionadas ao público jovem, fazendo com que o seu uso em
sala de aula aproxime os alunos da disciplina e do conhecimento. Soares
destaca que a relação dos professores com mídias e linguagens inerentes ao
universo jovem, permite que o docente se aproxime dos discentes,
promovendo uma educação ativa que valorize a contribuição destes no
processo de ensino-aprendizagem.

No que concerne à HQ “Os 300 de Esparta”, o nosso enfoque recairá nas


representações presentes no discurso escrito e imagético da obra, os quais
tendem a corroborar uma perspectiva hegemônica de ensino, na qual
Esparta e os seus cidadãos são referenciais de uma cultura militar e
austera. Em virtude dessa singularidade, mobilizamos o arcabouço
conceitual da Análise do Discurso francesa pela perspectiva de Dominique
Maingueneau. Segundo o autor, a Análise do Discurso nos permite
relacionar os textos com as instituições, espaços e interesses que
restringem, ou favorecem, a sua enunciação. Com isso, Maingueneau
[1997, p. 11-15] afirmou que o discurso cristaliza os conflitos históricos,
sociais e culturais nos quais, e para os quais, foi produzido.

Diante do comentado, Maingueneau [1997, p. 20] destacou que o conceito


de discurso define o que pode e o que deve ser dito em virtude da posição
que o sujeito ocupa em um dado contexto histórico. Tal afirmação
demonstra a necessidade de considerarmos o discurso e a representação
engendrados por Frank Miller em “Os 300 de Esparta”, para tentarmos
entender as suas possíveis motivações ao caracterizar à cultura espartana
de uma maneira demasiadamente convencional e típica da “miragem
espartana”. Para tanto, pequenas considerações devem ser feitas em
relação à trajetória de Miller.

O lugar social de Frank Miller

A produção de Miller se tornou marcante pelo seu trabalho com “Demolidor:


o homem sem medo”, “Elektra vive” – ambos pela Marvel Comics, “Batman:
The Dark Knight eturns” e “ onin” da DC Comics. Não somente o seu traço
estilizado como o seu roteiro direcionado ao público mais adulto foram
merecedores de reconhecimento e admiração por toda uma geração de
consumidores de quadrinhos. Entretanto, com a série “Sin City” e “Os 300
de Esparta” Miller ficou reconhecido para além do cenário quadrinístico,
afinal, estas obras foram transformadas em filmes. Estas duas últimas
obras, somadas a “ onin”, garantiram a Miller grande relevância na
indústria de quadrinhos por serem dotadas de personagens autorais.
Contudo, o grande diferencial do trabalho de Frank Miller foi a maneira 53
como as suas personagens manifestavam sentimentos humanos. Com um
alto teor emocional, Miller fez com que a sua audiência se identificasse com
os heróis ali representados, pois, os anseios destes eram facilmente
identificáveis pela audiência de leitores [Goidanich; Kleinert, 2014, p. 322-
323].

O fato das HQs de Miller terem sido adaptadas para o cinema reforçam a
maneira como estas obras foram consumidas pelo o público em geral. Tal
informação destaca a importância de um aparato teórico-metodológico para
lidar com as representações nas HQs de Miller. Portanto, cabe aos
professores demonstrarem que o conhecimento oriundo dessas mídias e
suportes não pode ser apreendido de forma natural e imediata, havendo a
necessidade de leituras e análises críticas acerca dos discursos presentes
nos quadrinhos. Para tanto, é fundamental que consideremos o lugar social
de Miller, enquanto autor, para problematizarmos as suas possíveis
motivações ao elaborar “Os 300 de Esparta”.

Se considerarmos o contexto histórico imediato ao lançamento da obra, em


1998, não conseguimos identificar razões que motivassem Miller a
desenvolver o enredo de “Os 300 de Esparta” enaltecendo os feitos dos
guerreiros espartanos. Entretanto, a relação dos Estados Unidos da América
e outras potências Ocidentais com o Iraque, vinha se desestruturando com
o final da Guerra do Golfo, em 1991 [Hobsbawm, 1995, p. 540-541;
Huntington, 1996, p. 251-252]. No entanto, qual a relação deste contexto
com o enredo da HQ “Os 300 de Esparta”?

Em uma entrevista realizada como extra da versão especial do filme “300”,


Miller [2007] afirmou que a sua HQ foi inspirada no filme de Rudolph Maté,
intitulado “Os 300 Espartanos” de 1962. No decorrer desta entrevista, Miller
complementou que os espartanos de sua HQ representavam aqueles que
estavam dispostos a morrer pelo o que é certo. O discurso de Miller
estabelece um posicionamento parcial acerca daquilo que o autor considera
“certo” e, consequentemente, a sua contrapartida. Ao retomarmos a
conjuntura relativa ao pós-Guerra do Golfo e o empenho norte-americano
com o desarmamento do Iraque, os seus efeitos serão sentidos com o envio
de tropas estadunidenses ao território iraquiano por ordens do presidente
George W. Bush, em 2003.

Como nos chamou a atenção Lynn Fotheringham [2012, p. 416], a questão


do treinamento militar espartano, representado na HQ “Os 300 de Esparta”,
faz uma analogia aos exercícios físicos desempenhados pelo o Corpo de
Fuzileiros Navais dos Estados Unidos da América [marines]. Em certa
medida, Gideon Nisbet [2008, p. 70-76] havia apontado para esses
aspectos ao afirmar que os espartanos de Miller foram representados como
um protótipo da conduta norte-americana frente aos seus inimigos
considerados como “injustos”. Não podemos negar a influência de Maté
sobre o jovem Frank Miller, porém, o diretor era polonês e desenvolveu “Os
300 Espartanos” em plena Guerra Fria. Somado a isso, Miller é norte-
americano e cresceu neste período de enfrentamento entre os blocos
54
capitalista e socialista. Com isso, o quadrinista teria se utilizado da
representação de Leônidas e dos espartanos nas Termópilas produzida por
Maté para criar o enredo de sua HQ “Os 300 de Esparta”. Levantamos a
hipótese de que, nesta ocasião, Miller promoveu um discurso a favor dos
esforços norte-americanos, em sua autopromoção de nação democrática
que lutava pela liberdade dos demais países, contra as tiranias do Oriente.

Embora não possamos afirmar com precisão, o discurso de Miller em “Os


300 de Esparta” pretendia enaltecer os esforços dos soldados norte-
americanos que, desde a Guerra Fria, vinham se esforçando por impedir
governos orientais e “despóticos” de se tornarem hegemônicos no mundo.
Corroboramos Nisbet e Fotheringham, pois Miller caracterizou os espartanos
como sujeitos dotados de um “ideal nacional” inabalável, dispostos a
morrerem em prol de sua pólis. Essa imagem serviria, facilmente, de
propaganda para jovens norte-americanos em idade militar, ou prestes a
entrarem neste estágio de suas vidas, empenhados em subjugar os
“desvarios da opressão oriental”.

Essa introdução apenas reforça a necessidade de o professor/pesquisador


estabelecer análises mais aprofundadas com os seus alunos e/ou
orientandos ao trabalhar com quadrinhos. Afinal, nenhum discurso é
imparcial e, em associação ao lugar social de seu locutor, pode manifestar
as variáveis inerentes ao contexto histórico em que foi produzido. Logo,
uma HQ e um filme não servem como instrumento de ensino, a menos que
saibamos identificar as características que os tornam mídias de consumo
em uma sociedade globalizada como a nossa.

Ensinando História com “Os 300 de Esparta” – algumas


possibilidades
Com o intuito de auxiliarmos na utilização da HQ “Os 300 de Esparta” para
o Ensino de História, selecionamos alguns trechos que podem ajudar no
processo de ensino-aprendizagem. Para além do que apresentamos, cabe
ao professor estabelecer um roteiro que abarque não somente a trajetória
do autor da obra, com ênfase ao seu lugar social, como também uma
“alfabetização” dos discentes no que concerne à leitura dos quadrinhos.
Nesse caso, os elementos presentes no discurso imagético devem ser
considerados em sua totalidade, englobando o discurso escrito. Via de
exemplo, selecionamos a imagem abaixo:
55

Figura 1 – Espartanos rumo às Termópilas ao som do aulós [Miller; Varley,


2006, cap. 1, p. 5].

Nesta imagem, temos alguns elementos que podem ser discutidos em sala
de aula. O primeiro deles diz respeito à maneira como os espartanos estão
marchando de forma ordenada. De fato, Plutarco [Vida de Licurgo, 22.2-3]
afirmou que os espartanos marchavam em ordem ao som do aulós. A
distinção é que Plutarco comenta sobre a marcha dos guerreiros espartanos
diante dos inimigos e não no trajeto para o campo de batalha. Reparem que
no rodapé da imagem acima [seta azul], temos um guerreiro marchando à
frente tocando o aulós enquanto os demais se deslocam.

No que concerne à vestimenta dos espartanos da imagem, verificamos que


estes portam somente uma capa vermelha, o escudo e o elmo, além de
proteções para os antebraços e as pernas abaixo dos joelhos. De fato,
nenhum guerreiro hoplita iria para um confronto armado sem a sua
armadura completa [panóplia], o que incluía a couraça, além das
grevas/cnêmides, o elmo, o seu escudo [hóplon], a sua lança e a sua
espada. Entretanto, Xenofonte [Constituição dos Lacedemônios, 11.3]
parece ter sido o indício literário de Miller para caracterizar os guerreiros de
Esparta dessa maneira. No trecho citado, Xenofonte afirma que o mítico
legislador Licurgo estabeleceu que os espartanos deveriam levar para a
batalha um manto vermelho púrpura e um escudo de bronze. Contudo,
notamos que o autor ateniense enfatizou os elementos acima em virtude da
sua singularidade, se comparada a outros helenos, mas, não negou a
necessidade dos demais instrumentos de batalha.

Ao cotejarmos as informações presentes na HQ “Os 300 de Esparta” com os


indícios documentais da Antiguidade clássica, verificamos que não fazia
sentido um guerreiro hoplita marchar sem a sua armadura completa, tida
como equipamento necessário para todos os guerreiros espartanos.
Portanto, Miller parece ter se interessado em desenvolver esse equívoco
propositadamente, com o intuito de exaltar a compleição física dos
espartanos de sua HQ. Todavia, os indícios materiais reiteram a perspectiva
literária e nos ajuda a refutar a representação estereotipada dos guerreiros
de Miller, pois, já no período Arcaico, os homens de Esparta faziam
oferendas votivas em bronze com hoplitas trajando a panóplia.

56

Figura 2 – figura votiva em bronze dedicada por um espartano no


santuário de Apolo Corinto na Messênia, de aproximadamente 540 e 525
a.C. [Museu Nacional de Atenas, nº 14789] [Rusch, 2011].

Se retomarmos o posicionamento de Lynn Fotheringham [2012], Miller


elaborou um discurso de exaltação dos “marines” norte-americanos, cujo
treinamento foi emulado em outra cena da referida HQ [figura 3]. Dessa
forma, podemos entender as motivações do quadrinista ao destacar os
atributos físicos dos guerreiros espartanos, uma vez que estes serviriam de
exemplo para um ideal de “combatente perfeito”, esperado dos norte-
americanos contemporâneos.
57

Figura 3 – Jovens espartanos submetidos a duros treinamentos físicos,


mesmo durante as campanhas militares [Miller; Varley, 2006, cap. 3, p. 3].

Nesta figura Miller representa os jovens guerreiros espartanos treinando


durante as expedições militares, nas quais os veteranos permanecem de pé
sobre as costas dos mais jovens, sem que estes pudessem reclamar. Nessa
cena, o jovem em posição de flexão na direção da seta azul chega a afirmar
“eu estou amando, senhor”. Existem grandes possibilidades de que Miller
tenha se baseado, mais uma vez, no discurso de Plutarco [Vida de Licurgo,
9.3]. O referido autor clássico ajudou a difundir a ideia de que os
espartanos negligenciavam o conhecimento retórico e literário para se
dedicarem unicamente ao treinamento físico-militar. A tradição literária
manifestada por Plutarco já havia sido exposta por Tucídides [II, 39], no
século V a.C., em sua “oração fúnebre de Péricles”.

Outro elemento que merece destaque é a representação dos jovens em


processo de formação, o qual é caracterizado como extenuante e brutal.
Essa foi reforçada por Miller em sua obra, onde podemos verificar um bebê
sendo inspecionado e “descartado” do monte Taigeto, bem como um jovem
em sendo açoitado e agredindo parceiros de formação. Tal perspectiva se
tornou amplamente reconhecida no Ocidente Moderno e Contemporâneo
pelo discurso de Plutarco [Vida de Licurgo, 16.1, 16.5, 17.3].
Diferentemente de Plutarco, Xenofonte [Constituição dos Lacedemônios,
2.2-11] projetou uma imagem idealizada da educação espartana com a
intenção de enfatizar os prejuízos da formação dos jovens na democracia
ateniense. No entanto, em Xenofonte as punições tinham um caráter
pedagógico e não eram excessivas como em Plutarco. Por sua vez, Miller
seguiu a ótica plutarqueana, de tal maneira que a sua representação dos
espartanos adquirisse um tom dramático, no qual todo o esforço acabava
selecionando os melhores para servirem à pólis.

58

Figura 4 – Infante sendo inspecionado e descartado do monte Taigeto,


seguido por um jovem em processo de formação, cuja ênfase recai em todo
o sofrimento deste período de passagem [Miller; Varley, 2006, cap. 3, p. 3].

Na figura acima [4], Miller apenas reforçou a brutalidade espartana para


com os seus jovens que, em uma perspectiva de causa e efeito, estaria
preparando o sujeito para uma vida militarizada em função do governo e
das leis de sua pólis. Ao cotejarmos as informações presentes em “Os 300
de Esparta” de Frank Miller e os indícios documentais da Antiguidade,
verificamos que o quadrinista selecionou os vestígios que melhor se
adequavam aos seus interesses político-sociais. Com isso, a perspectiva de
Miller endossou a tradição literária difundida por Plutarco, na qual Esparta
foi uma sociedade militarizada e pouco inclinada à qualquer atividade de
cunho intelectual. Por outro lado, Plutarco apenas seguiu a tendência de
autores como Tucídides, Eurípides e Aristóteles, cujo lugar social influenciou
na maneira como esses observavam a conduta e as práticas culturais
espartanas. Todos esses autores clássicos citados viam em Esparta uma
sociedade de excessos, o verdadeiro contraponto de uma Atenas
democrática e amante da liberdade.

Em vias de conclusão – o papel do professor/pesquisador


Todavia, qual o verdadeiro valor desse tipo de análise? Recentemente, em
três turmas de primeiro ano do Ensino Médio, em três escolas particulares
do estado do Rio de Janeiro, tivemos a oportunidade de ministrar o
conteúdo de História Antiga. Todas essas instituições se utilizam do material
didático da rede de ensino Somos Educação. A diferença é que em duas
temos o sistema de ensino Anglo, com a apostila Bienal, e a última se utiliza 59
do sistema de ensino pH.
Para a nossa surpresa, o livro texto que serve de referencial para a apostila
Bienal 1 – material direcionado ao primeiro bimestre do primeiro ano do
Ensino Médio – chegou a apresentar características da sociedade espartana,
em sua análise da “Antiguidade grega”. Esparta foi definida, de imediato,
como uma sociedade militarizada, escravista, restritiva e opressora, que em
virtude do excesso de práticas militares dos homens permitia que as
mulheres exercessem grandes atividades administrativas [Silva; Dorigo;
Miranda, 2016, p. 30-31]. Já a apostila pH, nem mesmo chegou a citar
Esparta, fazendo com que o aluno considerasse somente Atenas como
referencial de cultura helênica na Antiguidade [Vieira et al, 2017, p. 187-
188].

O exemplo que demos acima apenas reforça o problema de visões


estereotipadas para o Ensino de História. Não estamos querendo fazer
proselitismo e defender que os livros didáticos caracterizem Esparta de
forma mais acadêmica. Defendemos, sim, que o Ensino de História e o
posicionamento dos autores dos materiais didáticos sejam explícitos quanto
as suas escolhas. Isso porque, a “Antiguidade grega” como uma herança
cultural do Ocidente foi uma construção europeia e Atenas como modelo
político, militar e cultural uma marca das escolhas inglesas, francesas,
alemães e soviéticas, entre os séculos XIX e XX. Portanto, longe de
demonstrar que a História é composta por “grandes fatos” e que “contra
fatos não há argumentos”, os profissionais da História devem instigar os
seus discentes e orientandos a questionarem e a se indagaram do motivo
pelo o qual estudam determinados temas.

Falar da Antiguidade Ocidental direcionando a atenção somente para


Atenas, Esparta e Roma – na melhor das circunstâncias – ignora toda à
contribuição do Oriente Próximo e Médio, além da África e da Índia, para o
desenvolvimento da cultura mediterrânica. Portanto, um capítulo sobre o
Mundo Antigo Mediterrânico que direciona as suas atenções e interesses
somente para a Ática e o Lácio, nos impede de perceber a amplitude das
interações e dos contatos político-sociais que engendraram aquilo que,
futuramente, ficou reconhecido como Europa. Sendo assim, o discurso de
Frank Miller pode ser um diferencial em turmas do Ensino Médio que, em
virtude da faixa etária, nos permitirá discorrer sobre os interesses inerentes
àquela representação que esta HQ acabou por fomentar, além de enfatizar
que todo o posicionamento presente no material didático das instituições de
ensino brasileiras se alinham com interesses que superam as escolas.
Referências
Luis Filipe Bantim de Assumpção é Doutor pelo o Programa de Pós-
graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Assumpção é especialista em Grécia Antiga com ênfase à sociedade
de Esparta no período Clássico, mas, também desenvolve pesquisa em
Ensino de História, sobretudo, no que concerne ao uso de Histórias em
60
Quadrinhos em sala de aula. Atualmente, realiza o pós-doutorado no
Departamento de Letras Clássicas da UFRJ, sob a orientação do Prof. Rainer
Guggenberger. O referido pesquisador é Professor-tutor presencial do curso
de graduação em História da UNIRIO, por meio do consórcio CEDERJ,
atuando no polo de Cantagalo nas disciplinas de História Antiga, História
Medieval e História e Sociologia.

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Califórnia: Warner Bros. Entertainment Inc., 2007/2012.
POR UM MUNDO ANTIGO DE CONTATOS: UMA PROPOSTA DE USO DO
FILME ALEXANDRIA EM SALA DE AULA
Thiago de Almeida Lourenço Cardoso Pires

Os desafios impostos ao professor de história antiga nas universidades são


diferentes dos enfrentados pelos professores de História Contemporânea,
62
História do Brasil ou qualquer outra disciplina histórica. Talvez a que mais
se aproxime dos nossos desafios seja História Medieval. Quando afirmo essa
‘obviedade’, não me refiro às especificidades contextuais, às poucas fontes
ou à existência de um mundo exótico que pode parecer distante do aluno
[mas que não é]. Quando faço essa declaração me refiro ao percurso
acadêmico que o discente executa dentro da própria faculdade. Em geral, o
aluno tem História Antiga e Medieval logo no primeiro ou segundo semestre
e, ao se deparar com o mundo antigo, sua mentalidade ainda é de ensino
médio. Entrando na faculdade com muita frequência afirmam: “Agora vou
aprender história de verdade!” ou “De agora em diante, vou aprender a
história toda!” Ou seja, a pretensão e ambição do aluno, ao entrar em uma
sala de História Antiga, é aprender todos os impérios mesopotâmicos, todo
o percurso político do Egito [da unificação, períodos intermediários,
helenístico e romano], da formação da Grécia ao período pós Alexandre e o
Império romano de Rômulo a antiguidade tardia. Enumerei todos esses
pontos propositalmente, pois são muitos e todo professor sabe que não irá
dar conta. Mas o mais impactante disso tudo é: o recém ingresso na
faculdade de história concebe a história como factual, pensa que o que ele
vai aprender é uma mera sucessão de eventos e de episódios. Os
professores de História Contemporânea, Brasil e outras matérias talvez
também enfrentem esse mesmo problema, mas com certeza de maneira
suavizada, pois o discente já aprendeu o que é história-ciência em
‘Introdução aos estudos históricos’ ou em matéria similar.

Portanto, o desafio do professor de Antiga é duplo: ensinar Antiguidade e


concomitantemente explicar [ou introduzir] conceitos chaves da operação
científica do conhecimento histórico [fontes, metodologia, teoria, relativizar
o conceito de verdade, local de fala, dentre outros temas] sem os quais
suas explanações podem ficar confusas ou incompletas. Três tópicos
imprescindíveis para os estudos antigos, anacronismo, etnocentrismo e
interdisciplinaridade, talvez nem sejam suficientemente analisados pelo
professor de ‘Introdução aos estudos históricos’. Em suma: enquanto as
disciplinas mais próximas da contemporaneidade recebem um aluno que já
sabe como ocorrem os procedimentos de operação científica em história,
aos professores de Antiga e Medieval cabem ministrar seus conteúdos
sempre se atentando para essas especificidades dos períodos iniciais.

Como ensinar com qualidade e profundidade mesmo sabendo que esse


aluno pode não saber os preceitos básicos da história científica? Em geral, a
resposta dos professores é jogar muitos textos para leitura, textos que não
dialogam com a mentalidade deles, pois são científicos demais, ‘pós-
graduandos’ demais ou em quantidade excessiva. Mestres, doutores e pós-
doutores são tão imersos em seus mundos acadêmicos que esquecem que o
aluno recém-ingresso não está acostumado com as linguagens, padrões e
vocabulários específicos de humanidades. Qual o resultado? Um ‘trauma’ na
cabeça do aluno. O discente estuda para passar e quando se safa da
matéria, passa a odiar e a difamar História Antiga. Professores formados
que trabalham em escolas públicas e privadas já encontraram colegas
professores de história que ficam assombrados quando dizemos que
estudamos antiguidade. Para os não-antiquistas, nos assemelhamos a um
culto de mistério com linguagem própria: somente os iniciados 63
compreendem nossas práticas e intenções.

Pretendo aqui expor uma prática semestral que executo em minhas salas de
aula. Não pretendo dar uma resposta definitiva para os problemas expostos
acima, apenas demonstrar uma estratégia que elaborei para suavizar esses
percalços. Não acredito que uma das respostas seja cortar leituras,
amenizar discussões ou pular eventuais problemas, mas meu intento
sincero é tornar esse aprendizado menos traumático, instigar a curiosidade
e enfatizar as características particularidades de estudar a antiguidade para
que, futuramente, o aluno possa desenvolver certa autonomia para explorar
temas não tratados em sala de aula.

O primeiro passo, do meu percurso proposto, é a leitura de um texto


profundo, mas com linguagem acessível a esse aluno recém ingresso: “Uma
Morfologia da História: As Formas da História Antiga” do prof. Dr. Norberto
Luiz Guarinello. Um dos méritos desse artigo [dentre outros] é apontar a
defasagem entre a pesquisa histórica feita em diversas faculdades e os
livros didáticos usados no fundamental e no ensino médio:

“[...] História Antiga é ensinada e pesquisada dentro de três divisões


principais: o Antigo Oriente Próximo [principalmente Egito e Mesopotâmia],
Grécia e Roma. É deste modo que a História Antiga aparece nos livros
didáticos, e assim é estruturada uma grande parcela da pesquisa acadêmica
[...]. Essa divisão tripartite é apresentada ao público em geral na forma de
uma sucessão cronológica, como se a tocha da História, na corrida de
revezamento que é o progresso da humanidade, tivesse sido transmitida
progressivamente de Leste a Oeste. Como se a História se apagasse
progressivamente a Leste, para reacender a Oeste, à medida que o foco da
civilização se deslocava.” [Guarinello, 2010, p. 52]

Ressalto esse trecho por um motivo especial: a história ensinada pelos


livros didáticos, com poucas exceções, é uma história factual e ‘em blocos’,
vai da Mesopotâmia ao ‘fim’ do Império romano em uma marcha contínua e
sem diálogo entre essas civilizações. Sociedades celtas, África subsaariana,
os persas e povos do Levante são esquecidos ou tratados como
coadjuvantes das civilizações principais. A lógica que é formada na cabeça
do aluno é de que o Egito ‘acabou’ para dar lugar a Grécia, essa só
terminou porque a malvada Roma a destruiu e que os romanos foram
derrotados pelos bárbaros e pelo cristianismo. Os livros não tratam de
contatos e, quando o fazem, são de contatos bélicos, de conflito e de
expansão militar. Poucos são os livros que trabalham as questões de trocas
culturais, religiosas ou de mercadorias e, quando tratam de trocas
religiosas, reproduzem a carcomida tabela de ‘igualdade’ entre deuses
gregos e romanos, subentendo o discurso “os romanos roubaram os deuses
gregos.” Essa Antiguidade não é apresentada de modo integrado, não há
concomitância de civilizações e nem migrações. Onde estão os contatos, as
redes e as viagens nesse mundo antigo? Essas pessoas não transitavam de
uma região para a outra? Recorro assim, aos parâmetros da História global:

64
“A história global [...] não significa contar a história de tudo no mundo todo.
Podemos partir do entendimento de que “global” não é o objeto de estudo,
qualquer que seja, mas uma ênfase nas conexões, na escala e, acima de
tudo, na integração. Não é difícil imaginar uma história de mercados
mundiais ou bolsas de valores numa economia global; uma história de
disseminação de tecnologias como o telégrafo, o cabo marítimo ou a
internet, conectando diferentes regiões do mundo; uma história de
migrações e diásporas de populações sobre o globo; [...].” [Malerba, 2019,
p. 462]

Não desejo me estender nas contribuições, implicações e críticas ao uso da


História Global para os estudos da Antiguidade, para tanto, o leitor pode
explorar o instigante artigo do prof. Dr. Uiran Gebara da Silva “Outra
história global é possível? Desocidentalizando a história da historiografia e a
história antiga”. Meu intento é utilizar a História global para enfatizar a ideia
de uma antiguidade conectada, com diversas migrações, contatos e trocas
culturais. Para ressaltar essa ideia, apresento superficialmente aos alunos a
figura do deus Hermanúbis na forma de uma estátua de mármore branco do
primeiro ou segundo século antes da era comum, hoje presente no Museu
do Vaticano. A figura combina o deus egípcio Anúbis com Hermes, duas
divindades ligadas à transição entre o mundo dos vivos e o mundo dos
mortos. Essa fusão só foi possível graças às migrações e contatos entre
gregos e egípcios, ia portanto em uma direção mais profunda do que o
simples contato momentâneo.

Após a discussão e debate do supracitado artigo de Guarinello, os alunos


foram reunidos em sala para a exibição do filme ‘Alexandria’ [Ágora] de
Alexandre Almenábar. O filme trata especialmente da filósofa Hipatia e de
suas descobertas matemáticas sobre astronomia que tornaram seu nome
célebre. No entanto, o filme também é rico por se passar em uma
Alexandria multicultural: arquitetura egípcia, deuses gregos, cultura
judaica, governo romano e cristãos em ascensão são apenas alguns dos
muitos elementos. A despeito de alguns cuidados que o professor deve ter
[Hipatia não era ateia, por exemplo], o filme possibilita uma discussão
sobre essa antiguidade fecunda culturalmente, em que diversos povos,
identidades e religiões transitavam pelos mesmos espaços, comercializavam
e se amavam. Em geral, a resposta dos alunos é muito positiva, pois poucos
deles já tinham visto o filme e alguns se deslumbram com esse mundo
antigo diverso.

O passo seguinte fica por conta dos próprios alunos. Separados em grupos,
os alunos devem escolher um dos eixos abaixo:
a] Os egípcios e a conquista por Alexandre.
b] Os gregos e Alexandria.
c] Os judeus e a sua história com o Egito antigo.
d] Os romanos e a sua presença no Egito antigo.
e] O cristianismo primitivo no Egito antigo.

Escolhidos os temas, os alunos pesquisam, em plataformas de pesquisa, 65


artigos e livros que tratem das questões pertinentes a sua escolha ou que
pelo menos as tangenciem. O objetivo é construir uma bibliografia com no
mínimo dez itens que os ajudem a compreender o período. Este é um dos
pontos mais importantes para o aluno recém-ingresso, pois, com muita
frequência, para pesquisas acadêmicas, eles chegam com conteúdo dos
sites ‘minha escola’, ‘minhapesquisa.com’ ou até mesmo livros esotéricos
[já recebi bibliografia com livros da Rosa Cruz]. A elaboração da bibliografia
em grupo ajuda ao recém-ingresso a compreender que a pesquisa histórica
acadêmica é séria e científica, possui fontes, teorias e metodologia e, ao
mesmo tempo, fornece subsídios para que ele futuramente desenvolva suas
próprias pesquisas. Em contrapartida, o discente toma consciência que nem
todos os sites ditos históricos são científicos, que há muita informação
errônea na internet e que o material rasteiro e superficial desses sites só
ajudam a alimentar a homogeneização dos períodos históricos e para
perpetuar o senso comum, muitas vezes elitista, preconceituoso, machista,
homofóbico, avesso aos direitos das minorias etc. Ou seja, quanto mais se
privilegia as visões panorâmicas e rasantes no nível macro, mais são
negligenciadas as particularidades locais e as trocas. A elaboração de uma
bibliografia mínima de dez itens pode parecer algo simples para um
formado ou pós-graduando, mas para um recém ingresso se demonstra um
desafio, ainda mais quando é exigido a formatação seguindo as normas da
ABNT. É importante frisar que a elaboração da bibliografia não ocorre em
sala de aula, mas fora dela com acesso ao Google Acadêmico, ao Scielo e a
própria biblioteca da faculdade. Informo igualmente que o professor está
disponível ao final da aula para ajudar no processo de elaboração. Em geral,
os alunos recebem uma semana para terminar essa etapa.

Concluída a bibliografia, o grupo escolhe dois artigos da lista para ler e


explorar. A ideia é que esses dois itens comunguem uma temática em
comum. Depois de lidos, o grupo apresenta o tema para o restante da sala
enfatizando a problemática levantada pelos especialistas, as teorias e,
sobretudo, as fontes utilizadas nos textos. Nesse ponto, costumo ser bem
rigoroso com os discentes a fim de que percebam o processo de pesquisa
feito pelo especialista. Outro ponto bastante discutido aqui é a insistente
confusão entre bibliografia e fonte. Há uma persistência de alguns por fazer
essa exposição em powerpoint, digo que não é obrigatório, mas uma
parcela deles optam por esse caminho. Em geral, os alunos colocam sobre
si muita pressão nessa última etapa, pois costuma ser sua primeira
apresentação na faculdade. Ressalto que é apenas um debate, em que eu,
como professor, ajudo a dinamizar as ideias e conversas. Em geral, apesar
da pressão, a resposta dos alunos a dinâmica é bastante positiva, pois
exploram artigos cujas temáticas tem afinidade com eles e foram
descobertos ‘sem querer’ durante a pesquisa: mumificação com
características romanas, Serapís como um deus greco-egípcio, conflitos e
acomodações entre cristãos e judeus, Alexandria e sua urbanização,
sexualidade no mundo helenístico... São variados os temas que lhes
chamam a atenção. Esse é um dos meus objetivos com a proposta
apresentada aqui: estimular a curiosidade do aluno sobre assuntos diversos
da antiguidade e fornecer as ferramentas para que ele mesmo futuramente
66
faça suas buscas.

Em síntese, não posso dar uma conclusão. Essa prática docente não se
conclui aqui, a cada semestre a mudo, aprimoro e dou outros tons. O que
apresentei aqui é o coração dela. Cada turma se comporta e reage de modo
muito diferente a ela. Em geral, tenho obtido sucesso, mas cabe a cada
professor adaptá-la ao seu próprio contexto. A História global e o filme
Alexandria, até o momento, me forneceram excelentes subsídios para
pensar o mundo antigo com seus diferentes contatos, culturas e espaços.
Mas não só o mundo antigo. Os alunos quase sempre criam um diálogo
intenso com o Brasil: a mistura de religiosidades e o extremismo religioso
atuais e a misoginia em discursos conservadores. Nunca começo esse
estímulo, são eles que fazem essas associações. É muito instigante para a
minha prática docente perceber que os alunos concluem que a Antiguidade
ainda é atual para pensarmos e repensarmos a nossa sociedade hoje, não
porque eu tenha dito isso, mas porque eles mesmo chegaram a essa
conclusão.

Referências
Thiago de Almeida Lourenço Cardoso Pires é Doutor em História pela
UNIRIO. Atua como professor de História antiga no Centro Universitário
Celso Lisboa, professor do Estado do Rio de Janeiro e mediador a distância
do consórcio CEDERJ.

ALEXANDRIA. Direção: Alexandre Almenábar. Produção: Fernando Bovaira e


Álvaro Augustin. Espanha: Focus Features, 2009.
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História Antiga.” in Politéia - História e Sociedade, [S.l.], v. 3, n. 1, maio
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SILVA, Uiran. “Outra história global é possível? Desocidentalizando a
história da historiografia e a história antiga.” in Esboços, Florianópolis, v.
26, n. 43, p. 473-485, set./dez. 2019.
O LUGAR DA ANTIGUIDADE NOS PROGRAMAS DE HISTÓRIA: DA
DISSOLUÇÃO DO CURRÍCULO HUMANÍSTICO AOS DEABATES
SOBRE A BNCC
Alessandro Mortaio Gregori

A presente comunicação é parte integrante do ensaio teórico da pesquisa de


doutorado Ensino de História, Consciência Histórica e Representações da 67
Antiguidade: Interpretando o Tempo Presente em Sala de Aula em
desenvolvimento no Programa de Pós Graduação em Educação da
Universidade de São Paulo.

Procura-se aqui realizar um breve percurso histórico das orientações


curriculares oficiais para o ensino de história e compreender, a partir das
mesmas, qual o lugar do conteúdo relacionado à História Antiga na
aprendizagem básica dos estudantes. O enfoque será dado nos debates
ocorridos durante a elaboração da Base Nacional Comum Curricular [BNCC]
e sua posterior homologação para o Ensino Fundamental [2017]. Espera-se
que a pesquisa contribua para a reflexão crítica sobre currículos e
programas produzidos no país e o significado simbólico da inclusão e
exclusão de conteúdos.

As disciplinas escolares e os estudos históricos sobre o currículo


Decorrentes das pesquisas de especialistas como Michael Young e Ivor
Goodson, os estudos sobre currículo, voltados para a história das disciplinas
escolares, remontam à primeira fase da Nova Sociologia da Educação
inglesa [NSE]. A “Nova Sociologia” empenhou-se nas reformas educacionais
dos anos de 1960 e 1970 na Inglaterra. A NSE procurava abandonar a
“antiga” sociologia da educação britânica, a qual “seguia uma tradição de
pesquisa empírica sobre os resultados desiguais produzidos pelo sistema
educacional, preocupando-se, sobretudo, com o fracasso escolar das
crianças e de jovens da classe operária” [Silva, 1995, p.65]. No entanto, a
NSE interessou-se essencialmente pela organização dos saberes escolares
em relação às interrogações “acerca do modo de existência [epistemológica,
institucional, cultural] dos saberes ensinados e sobre os mecanismos sociais
de seleção, organização, legitimação e distribuição desses saberes” [Valle,
2014, p.32-33].

A pesquisa histórica sobre o currículo orientada pela NSE busca


compreendê-lo não como documento enumerativo de determinados
arranjos disciplinares, mas como um objeto dinâmico, resultado de longa
construção social. Trazidos ao presente, os currículos antigos influenciariam
concepções sobre os saberes disciplinares, as condutas sobre práticas de
ensino e reflexões sobre a inclusão e exclusão de determinados conteúdos.
Segundo Goodson, o currículo escrito é “prova viva, pública e autêntica da
luta constante que envolve as aspirações e objetivos de escolarização”
[Goodson, 1997, p. 17]. Nesse sentido, é um “artefato social”, um descritor
das práticas sociais que o moldaram.

Segue-se na presente comunicação as orientações teórico-metodológicas da


NSE. Guiando-se pelo currículo escrito, investiga-se o documento oficial,
historicamente, por meio de duas perspectivas interligadas [Goodson, 1995,
p.26]: o significado simbólico do currículo, ou seja, suas intenções
educativas e legitimadoras em relação à sociedade para qual foi produzido e
seu significado prático, relacionado às convenções escritas que se traduzem
na distribuição de recursos para a prática escolar.

68
A dissolução do currículo humanístico pela Lei nº5692/1971 e o
lugar da Antiguidade
Apontamentos críticos decorrentes da visão homogeneizadora, humanística
e enciclopédica dos programas escolares de histórica emergiram no final
dos anos 1950. A desaprovação do ensino de história estabelecido durante
a Era Vargas centrava-se na erudição excessiva dos programas e sua
desvinculação dos interesses econômicos da época, que visavam o
crescimento industrial e tecnológico do país [Bittencourt, 2010, p.82]. Não
se questionava no âmbito da história escolar a ideia de “formação da nação”
ou o valor do político na concepção de cidadão ideal, mas sim a distância do
ensino da vida cotidiana dos alunos e da percepção da realidade social para
o entendimento do progresso econômico.

É a partir desse contexto de crítica ao ensino humanístico e enciclopédico


que se deve compreender a opção do regime ditatorial militar, por meio da
Lei nº5692/1971, de transformar a História e a Geografia em Estudos
Sociais no 1º Grau. Apesar de subsistir no 2º Grau, a História, como
conteúdo autônomo, sofreu uma expressiva redução de carga horária.

No Estado de São Paulo, a título de exemplo, a Secretaria de Educação


publicou em 1974 o Guia Curricular proposto para as matérias do núcleo
comum do ensino do 1ºGrau. Na área de Estudos Sociais, o Guia atentava-
se para seu objetivo “integrador” e a ordenação das proposições
curriculares a partir de uma linha de “currículo concêntrico [da comunidade
mais próxima para o mundo]”. Seguindo a proposta, esperava-se
“instrumentar o aluno gradativamente em situações da experiência
cotidiana para se chegar a caracterizações da cultura em níveis cada vez
mais complexos de organização humana” [São Paulo, 1974, p.65].

Os conteúdos sobre Mundo Antigo aparecem no Guia inclusos no tema “A


sociedade atual: análise do processo de formação”, dedicada
especificamente à 7ª série do 1ºGrau. Estudam-se as “grandes civilizações”
por meio de seus aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais, com
destaque as “contribuições dos povos antigos para a formação do mundo
atual”, sob uma perspectiva eminentemente evolucionista e tecnológica.
Procurava-se fornecer aos alunos “uma configuração geral do mundo em
termos físico-culturais [...] que sirva de suporte para uma análise mais
profunda das diferenças culturais [...]” [São Paulo, 1974, p.111]. Nos
Estudos Sociais, as concepções da História, da Geografia e da Sociologia
diluíam-se numa pretensa “integração”. Sustentava-se o programa por meio
de habilidades escalonadas de maneira progressiva, a fim de situar o sujeito
na evolução da sociedade.
Percebe-se que a dissolução do currículo humanístico na proposta de
Estudos Sociais do Estado de São Paulo, delegava às disciplinas de Ciências
Humanas um papel de ajuste à ordem social e política estabelecida.
Enquanto as orientações da Era Vargas pecavam pelo excesso de conteúdos
e uma proposta para o ensino de história essencialmente ufanista, nos
Estudos Sociais o aluno não era levado a refletir criticamente sobre a
realidade. Esperava-se sua adequação à ordem estabelecida, em uma 69
sociedade que ansiava direcionar-se rumo ao progresso econômico
industrial [Abud, 2014, p.69]. Em certo sentido, é possível afirmar que a
tradição humanística e enciclopédica dos programas mais antigos é
dissolvida nos “Estudos Sociais”, porém estes não se desvencilhavam de
uma postura conformista, entendendo a história como “listagens de
conteúdo”, acrescidos da cronologia tradicional e da enumeração de fatos
sobre os “grandes Estados” do passado.

Discussões sobre a Base Nacional Comum Curricular: Qual o papel


do Mundo Antigo nas configurações curriculares?
Com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional [Lei
nº9394/1996], o Ministério da Educação [MEC] comprometeu-se em realizar
uma reformulação curricular. Para os currículos do Ensino Fundamental
foram elaborados, em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais [PCN]
sob uma proposta de orientação ancorada nos pressupostos da psicologia
da aprendizagem piagetiana [Bittencourt, 2010, p.103]. A função dos PCN
era constituir um referencial comum ao país, mas não um currículo fechado
e inflexível. Seu intuito foi oferecer aos estados e municípios uma proposta
aberta adequada à diversidade cultural e política nacionais, assegurando a
autonomia dos sistemas de ensino, das escolas e dos professores. No
campo específico do ensino de História os PCN refletiram as demandas
apontadas pelos especialistas e professores da área desde a reabertura
democrática. No lugar da “perniciosa tradição” sustentada pela sucessão
cronológica dos grandes fatos políticos vinculados à história patriótica,
enciclopédica e etapista, buscou-se centralizar a problemática do ensino de
história na constituição dos “sujeitos históricos”. Estes, entendidos não
apenas como os “grandes personagens e heróis”, mas constituídos
principalmente por “agentes de ação social, que se tornaram significativos
para os estudos históricos escolhidos com fins didáticos, sendo eles
indivíduos, grupos ou classes sociais” [MEC, 1997, p. 32].

Ainda que os PCN trouxessem notável inovação às propostas curriculares


produzidas após sua implantação, a LDB de 1996 previa, em seu artigo 26,
o estabelecimento e a adoção de uma Base Curricular Comum para a
Educação Básica. Isso significava a produção de um documento oficial que
estipulasse e garantisse as aprendizagens mínimas a todos estudantes
brasileiros. Entretanto, é apenas com a Lei nº 13.005/2014, que se
regulamenta o Plano Nacional de Educação [PNE], com vigência de 10 anos
e composto por 20 metas, dentre elas a produção de uma base curricular
para o país. A partir de então, uma ampla discussão inicia-se para a
produção da Base Nacional Curricular Comum [BNCC].
A elaboração, publicação e debates sobre a BNCC entre os anos de 2015 e
2016 suscitaram reações acaloradas entre especialistas e interessados no
ensino de história. A primeira versão da Base [MEC, 2016] desencadeou,
quase que de imediato, uma reação em cadeia contra as orientações
propostas para o ensino de história. A não opção pela organização dos
conteúdos de maneira cronológica e a exclusão de alguns temas
70
relacionados à história europeia valeram à BNCC considerações inflamadas,
como a do sociólogo Demétrio Magnoli e da historiadora Elaine Senise
Barbosa. Para esses intelectuais, emergia da proposta uma “uma sociologia
do multiculturalismo destinada a apagar a lousa na qual gerações de
professores ensinaram o processo histórico que conduziu à formação das
modernas sociedades ocidentais, fundadas no princípio da igualdade dos
indivíduos perante a lei” [Magnoli & Senise, 2016]. Ainda no calor das
reações contra a proposta inicial do MEC, a historiadora e escritora de livros
didáticos Joelza Esther Domingues previa um cenário catastrófico em
aproximação: “se aprovado esse absurdo, não será estranho, no futuro
próximo, vermos jovens brasileiros aplaudindo a explosão de sítios
arqueológicos, afinal são velhacarias que não interessam a ninguém. Não se
ama nem se respeita o que não se conhece” [Domingues, 2016].

Visitando de maneira geral o documento [MEC, 2016], a proposta inicial


trazia ao campo curricular uma reorganização da maneira de se dispor os
conteúdos históricos escolares, especialmente no Ensino Fundamental II e
Médio. Primeiramente, rompia-se com o quadripartismo temporal [Idade
Antiga, Média, Moderna e Contemporânea], propondo em seu lugar a
exploração dos conteúdos por meio de eixos tais como “representações”,
“lugares e vivências”, “processos” e “mundos”. Em seguida, os conteúdos
históricos concentram-se na História do Brasil e em suas relações com a
América e a África. Temas relativos à história europeia e asiática são
tratados de maneira discreta e concentraram-se majoritariamente em
problemáticas dos séculos XIX e XX, desparecendo muitos dos conteúdos
ligados à Antiguidade e à Europa Medieval. Percebe-se, portanto, que a
cronologia e a dinâmica da história integrada [temas da história do Brasil
dispostos cronologicamente em relação aos temas da história ocidental] são
abandonadas em favor de diferentes procedimentos de arranjo de
conteúdos.

Devido à reação, a primeira versão da Base foi abandonada. O documento


homologado em dezembro de 2017 recupera discussões já presentes nos
PCN e as integra às demandas oriundas das inúmeras críticas recebidas na
versão inicial. A multiplicidade dos sujeitos históricos, as variadas
concepções de tempo e de cultura, assim como a preocupação com a
alteridade e as variadas linguagem para a apropriação do mundo pretendem
construir um “sujeito coletivo mais desenraizado” [MEC, 2017, p. 355]. No
entanto, ainda que as orientações para história apresentem inovações em
relação ao modo de se conceber os fundamentos da disciplina na BNCC,
nota-se, especialmente nos “anos finais” do Ensino Fundamental uma
organização dos “objetos de conhecimento” pautada novamente pela ordem
cronológica e pela sucessão dos eventos históricos em conformidade com a
tradição da história quadripartida.
O que justificaria, a partir de então, a permanência do Mundo Antigo nas
propostas para a BNCC? Acompanhemos o posicionamento do historiador
Marco Antônio Vila em relação à primeira versão da Base:

“[...] não teremos mais nenhuma aula que trata da Mesopotâmia ou do


Egito. Da herança greco-latina os nossos alunos nada saberão. A filosofia 71
grega para que serve? E a democracia ateniense? E a cultura grega? E a
herança romana? E o nascimento do cristianismo? E o Império Romano?
Isto só para lembrar temas que são essenciais à nossa cultura, à nossa
história, à nossa tradição” [Villa, 2016].

O inconformismo de Villa liga a Antiguidade ensinada na escola a uma


herança a ser transmitida. Seriam temas caros à cultura, à história e à
tradição brasileiras. Mesopotâmia, Egito, Grécia e Roma Antigas são
compreendidos como “essenciais”. A resposta oficial da ANPUH contra a
supressão da História Antiga na primeira versão da BNCC baseou-se no
seguinte argumento: “Não há justificativa plausível para a omissão da
História de povos da Antiguidade de diferentes partes do mundo que
legaram um patrimônio material e imaterial reverenciado até os dias atuais”
[ANPUH, 2016]. Ou seja, a inclusão dos povos antigos ao conteúdo escolar
justifica-se por seu patrimônio reverenciado, possivelmente pela ideia de
história e patrimônio que se possui no Ocidente. Torna-se claro que a
questão curricular geral e, em especial, os conteúdos de história,
extrapolam questões puramente didáticas e abrem espaço para debates
políticos e ideológicos. A perda da História Antiga nas orientações
curriculares passa a ser compreendida como a perda de uma tradição, de
um legado e, em sentido amplo, de um patrimônio.

Pesquisadores brasileiros sobre Antiguidade, no entanto, de longa data


sinalizam que o Mundo Antigo raramente é apresentado em sua
especificidade nos livros didáticos e orientações curriculares. Geralmente,
justifica-se sua importância no saber escolar por um raciocínio puramente
teleológico:

“[...] buscando aproximar o mundo contemporâneo do passado, remete-se


o aluno a uma procura de origens de certas instituições atuais, ressaltando-
se o valor das civilizações grega e romana; e veem-se as origens do teatro
na Grécia, do direito em Roma, da democracia no mundo grego Clássico, da
reforma agrária na República Romana, como se o que existisse hoje fosse
um mero prolongamento do que houve no passado” [Silva & Gonçalves,
2001, p. 128].

Ainda que os autores acima tenham feito tal consideração em 2001,


percebe-se que muito pouco desse pensamento se alterou nas produções
didáticas na segunda década do século XXI:

“Algumas obras mantêm uma abordagem tradicional da História Antiga, que


em alguns momentos compromete por não acompanhar inovações dos
debates da academia, enquanto que outras, em detalhes pontuais, avançam
em reflexões que problematizam as sociedades antigas para além de
esquemas simplificadores estanques, interna e externamente [...]”
[Barnabé, 2015, p.34].

A renovação historiográfica no campo da História Antiga passou por intenso


desenvolvimento nos últimos 20 anos. Laboratórios e grupos de estudos
72
ligados a universidades públicas, produzem inúmeras pesquisas, as quais
pretendem “inovar” os estudos sobre Antiguidade no país [Silva, 2011]. No
entanto, é possível afirmar que a maioria dos autores de manuais escolares
ainda estaria presa na concepção teleológica e etapista da história, oriunda
da própria tradição dos livros didáticos e dos documentos curriculares. A
visão da Antiguidade como origem do Contemporâneo mostra-se ainda
externamente forte as escolas.

Analisando a versão final da BNCC para o Ensino Fundamental [MEC, 2017],


o Mundo Antigo aparece inicialmente no 5º ano de escolaridade e na
unidade temática: “Povos e culturas: meu lugar no mundo e meu grupo
social”. Elencam-se alguns temas como a “a formação do Estado”, as
“religiões” e a “cidadania” como objetos de conhecimento ligados aos povos
antigos. É nítida a preocupação em apontar no passado elementos
formadores da sociedade contemporânea. A partir de uma “reflexão sobre a
história e suas formas de registro”, o 6ºano abordará a Antiguidade nas
unidades temáticas “A invenção do mundo clássico e o contraponto com
outras sociedades”, “Lógicas de organização política” e “Trabalho e formas
de organização social e cultural”. O estímulo a comparação entre povos
Antigos move os objetos de conhecimento escolhidos pela BNCC para o 6º
ano. Algumas inovações podem ser apontadas: “O Mediterrâneo como
espaço de interação”, “Discutir o conceito de Antiguidade Clássica, seu
alcance e limite na tradição ocidental, assim como os impactos sobre outras
sociedades e culturas” e “identificar e analisar diferentes formas de contato,
adaptação ou exclusão de populações”.

Nota-se, enfim, o esforço dos elaboradores da BNCC em aproximar as


discussões contemporâneas sobre o Antigo em âmbito universitário do
cotidiano escolar. Entretanto, não se pretende no documento perder de
vista o papel da Antiguidade como lugar da tradição e do legado, já que
toda crítica desencadeada publicamente pela exclusão da História Antiga na
primeira versão da BNCC centralizou-se em seu papel relevante como
“herança” a ser transmitida.

Considerações Finais
Pelo percurso apresentado, tentou-se demonstrar que a tradição
humanística, enciclopédica e ufanista para do ensino de história, dissolveu-
se na elaboração dos currículos em prol da inserção dos Estudos Sociais nos
anos de 1970. Como opção modernizadora e adequada para o aprendizado
de Humanidades, os Estudos Sociais integrariam História, Geografia e
Sociologia em propostas de currículos concêntricos supressores do
enciclopedismo. No entanto, a perda de especificidade do conhecimento das
disciplinas de Ciências Humanas promoveu a diluição, quando não, a
supressão das ferramentas intelectuais das mesmas, em prol de uma visão
histórica evolucionista e teleológica.

A LDB de 1996 abriu espaço para que se concebessem propostas


curriculares inovadoras, calcadas nas orientações dos PCN. A história
ganhava novos contornos na redemocratização do país, estabelecendo
fundamentos para se pensar a realidade social. É somente com o PNE 73
[2010] e o posterior debate em torno da BNCC que as determinações
curriculares comuns nacionais propostas pela LDB puderam vir à luz. No
campo da história, um amplo debate se formou quando da tentativa de
exclusão da História Antiga das disposições oficiais. A mobilização da
opinião pública incidiu diretamente pela reformulação da primeira proposta
e o retorno do conteúdo sobre o Mundo Antigo à BNCC.

Evidenciada a tradição escolar em se apresentar a Antiguidade por meio de


raciocínios teleológicos, diversas mudanças de paradigma ocorreram no
campo da pesquisa universitária, os quais produzem um conhecimento
histórico dinâmico por meio de novas problemáticas. No entanto,
evidenciou-se que as manifestações públicas em prol dos conteúdos sobre
Antiguidade justificavam sua presença no documento oficial explicitamente
por seu papel de “herança”, com pouca preocupação em conceber o Antigo
como espaço da inovação e do debate.

É importante salientar que a BNCC homologada pretendeu equilibrar


tradição e inovação naquilo que concerne à Antiguidade. No entanto, o
documento deve servir de esteio para que os sistemas educacionais
regionais concebam seus próprios currículos. Secretarias de educação
estaduais, sistemas de ensino privados e autores de livros didáticos
produzirão novos documentos até o ano de 2020. Portanto, deve-se
aguardar as repostas desses atores para se compreender o real significado
das dicotomias “tradição/inclusão” e “inovação/exclusão” a respeito da
Antiguidade a ser ensinada nas escolas.

Referências
Alessandro Mortaio Gregori é bacharel e licenciado em História pela
Universidade de São Paulo, mestre em Arqueologia pelo Museu de
Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo e doutorando do
Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo, sob orientação da Profa. Dra. Katia Maria Abud.

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74
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REVISTA EM QUADRINHOS COMO RECURSO DIDÁTICO À
DISCIPLINA DE HISTÓRIA ANTIGA
Allef Gustavo Silva dos Santos

O que foi a Idade Antiga?


De acordo com Fernad Braudel “[...] os historiadores começam a tomar
consciência, de uma nova história [...]” [Braudel, 1978, p.26], e desta 75
maneira não se poderá expor aqui um modelo de repartição da História
humana. Tomando como exemplo a chamada Idade Antiga, a sua
conjuntura básica de observação na historiografia tradicional aponta desde
as primeiras formas de escrita entre 3100 a.C ou 3500 a.C e enfraquece
como o declínio do império romano, tendo seu fim em 476 d.C. com a
tomada da capital romana. No entanto como já foi explicitada, esta forma
de cronologia está dentro da historiografia tradicional e já foi revista e
problematizada pelos historiadores de escolas novistas. Braudel é um deles.
Desta forma a história antiga tende-se a se esticar para trás e para frente.
A forma de escrita não mais defina o princípio, pois problematizou-se o que
pode ser enquadrado como escrita na antiguidade. A queda do império
romano não significa pura e simplesmente o fim de um período como a
antiguidade, pois ele permanece por certo tempo no imaginário das
pessoas, compreendido dentro da “longa duração” [Braudel, 1978, p.41].
Não se discute também entre os pares da academia uma História linear,
mas uma História em ciclos, pela complexidade da ação humana no seu
meio. Isto não significa somente uma análise da transformação física no
conjunto social, mas uma transformação invisível compreendida no
imaginário, assim salienta Braudel:

“A dificuldade, por um paradoxo só aparente, é discernir a longa duração


no domínio onde a pesquisa histórica acaba de obter seus inegáveis
sucessos: o domínio econômico. Ciclos, interciclos, crises estruturais
ocultam aqui as regularidades, as permanências de sistemas, alguns
disseram de civilizações14— isto é, velhos hábitos de pensar e de agir,
quadros resistentes, duros de morrer, por vezes contra toda lógica, de uma
história pesada cujo tempo não mais se harmoniza com nossas antigas
medidas”. [Braudel, 1978, p.49].

Podemos então discorrer sobre alguns aspectos desse período como forma
de demonstrar o que foi a Idade antiga. Esta fase da história humana
compreende o desenvolvimento de mecanismos de longa duração na área
do conhecimento que subsistem até hoje como norteadores da práxis
moderna. Vemos o conhecimento antigo nas construções que se utilizam da
matemática geométrica. A ideia de sistemas de irrigação para a agricultura
surgiu ainda na antiguidade egípcia. O desenvolvimento das artes
astronômicas pelas quais desenvolvemos estudos e pesquisas sobre os
lugares mais longínquos de nosso universo. O desenvolvimento da ideia de
democracia e cidadania na polis grega, bem como as concepções de
liberdade que balizaram tanto esta cultura quanto a romana. A cidade
organizada com leis e determinações para a conduta social, saindo do
antigo código de Hamurabi às leis das doze tábuas. Isto para não mencionar
a literatura de narrativa mitológica, a literatura poética, a filosofia, entre
outras. Constata-se aqui um período rico do desenvolvimento humano
evidenciado pelos seus feitos e a duração dos mesmos:

“Mesmo em nosso dia-a-dia, é difícil escapar de coisas, palavras e ideias


provenientes do passado. Prédios públicos e privados em nosso país ainda
são construídos com elementos arquitetônicos inspirados nos prédios
76
antigos. Nos filmes de Hollywood, vemos a Guerra de Tróia, os gladiadores
romanos, heróis cristãos e outros personagens do passado nos trazendo
imagens e interpretações do mundo antigo. “Cleópatras”, “Césares” e
“Alexandres” fazem parte do repertório do cinema desde a sua origem. O
mundo antigo faz parte do imaginário da modernidade. Vejamos mais
alguns exemplos” [Beltrão; Davidson, 2009, p.13].

Todos estes aspectos e mais são exemplos de objetos que se transformam


em estudos feitos hoje dentro da área de várias ciências com suas
respectivas metodologias e contribuem, no caso da História, para uma
escrita historiográfica de um passado distante, historicizando cada um
destes exemplos da vivência humana, compreendida por este período.
Dentro de seus contextos a humanidade tem as mais variantes formas de
lhe dar com o seu meio, e estas formas materializam-se dando forma à
história viva. Então a fim de produzir uma conexão com o processo ou os
processos históricos que vivenciaram. Uma herança comum são as
palavras, que condicionam talvez em si conceitos sociais complexo, mas
que utilizamos dentro e fora da academia, ou seja, estão acessíveis a quase
toda a sociedade.

Os processos históricos pelos quais sociedades antigas assaram originaram


práticas, conceitos e instituições “liberdade” e “democracia” são duas destas
“palavras mágicas”. Nos jornais e em nossa vida quotidiana, vemos que
homens e mulheres aspiram, promovem, celebram, defendem, matam e
morrem por palavras e conceitos que não surgiram agora [Beltrão;
Davidson, 2009, p.11]. A história antiga neste sentido, mais que um
simples processo da humanidade em sua articulação com o meio é fonte.
Fonte de pesquisa, de estudo e de ensino. Desenvolver então, forma ou
metodologia, pelas quais parte deste conhecimento distante possa chegar
aos nossos jovens por um meio eficaz e acessível poderá contribuir para a
formação dos mesmos e sua cidadania.

Uma análise das hqs como recurso didático


A HQ apesar de ser muitas vezes confundida com outros gêneros de escrita
apresenta especificidades. Tais especificidades ajudam na distinção da
mesma em meio outros materiais produzidos com o mesmo intuito, passar
uma mensagem de forma didática e rápida, no entanto ela distingue-se da
charge no que tange à sua estrutura destinada à crítica e de cunho
jornalístico [Vilela, 2012, p.47-48]. E ela também se distingue do livro
didático na função que ocupa uma imagem. No livro a função é meramente
ilustrativa enquanto na HQ ela é visual, substituindo muitas vezes o próprio
texto [Vilela, 2012, p.50].
No que tange à sua trajetória, este gênero literário “é fruto do jornalismo
moderno” [Goida apud Xavier, 2017, p.03], mas alguns de seus aspectos
como o desenho e as expressões já eram evidenciadas na “pré-história” e
na antiguidade [Vergueiro; Feijó apud Xavier, 2017, p. 03]. Depois deste
breve apanhado histórico da HQ pode-se delinear alguns aspectos do
presente pelos quais se faz necessário uma atualização das metodologias
pedagógicas e renovação dos recursos didáticos pelos professores. 77

Comecemos pela extensão de cunho nacional da educação brasileira. A


institucionalização por parte do estado brasileiro a respeito de uma
educação de cunho nacional, onde as diretrizes partiriam do centro de poder
veio ainda no fim da primeira metade da república com Getúlio Vargas
[Ribeiro, 1993, p.07] e diante de um lento processo de adequação por meio
das leis que definiam o que deveria ser ensinado nas escolas, à educação
brasileira sofreu influências de grupos, de regime de governo
[Ribeiro,1993], de maneira que o agravante hoje em sala de aula responde
pelo nome genérico de tecnologia. Num mundo ainda mais globalizado,
onde o diálogo educacional perde espaço para as tecnologias massificantes,
constata-se, o trabalho do professor torna-se mais difícil. Pierre Nora atesta
que nossa sociedade é carente de memória, pois tem necessidade de
arquivar tudo o que produz. Arquivar e esquecê-lo [Nora, 1993]. As escolas
seguem normas e diretrizes muitas vezes incompatíveis com seu contexto
educacional local, é em meio a este emaranhado de discrepâncias que a
práxis docente precisa se modificar no intuído de resguardar uma educação
para aqueles que serão o futuro.

Partindo destes pressupostos podemos conjecturar que a sala de aula


enquanto ambiente da práxis pedagógica oferece ao professor o laboratório
onde ele irá colocar em circulação o que foi apreendido na academia. Fica a
pergunta: como colocar em sala de aula [ensino fundamental ou médio] os
conhecimentos discutidos e absorvidos no ambiente científico do mundo da
pesquisa acadêmica? É evidente que as metodologias de acessibilidade do
conhecimento devem ser desenvolvidas e colocadas em prática. Um dos
recursos, o qual busca-se discorrer sobre sua utilização em sala de aula é a
História em Quadrinhos a fim de aliar tanto a prática docente quanto a
compreensão por parte do aluno do conteúdo abordado, neste caso
específico a disciplina de História Antiga. Evidenciadas todas estas diretrizes
do estudo salienta-se a popularidade de um recurso acessível e que deixou
de ser exclusivo de um grupo para pertencer aos mais variados nichos
sociais “os quadrinhos deixaram de ser compreendidos como leitura
exclusiva de crianças para serem entendidos como forma de entretenimento
de diversos públicos” [Lima, 2017, p.148].

Para Santos e Vergueiro “o ano de 1996 é marco importante para a


trajetória da aceitação das histórias em quadrinhos como ferramenta
pedagógica no Brasil”, e os autores argumentam em torno da promulgação
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional [LDB], [Santos;
Vergueiro, 2012, p.82]. É importante este diálogo pelo fato de trazer uma
abertura tanto da educação em geral como do processo pedagógico em sala
de aula, motivados ambos, sobretudo pelo governo. Podemos conjecturar
que antes da promulgação destas diretrizes alguns professores já utilizavam
este recurso como ferramenta, mas a normatização confere notoriedade e
abrange todos os contextos educacionais do país. Assim a HQ sai de um
panorama mais recluso para se tornar recurso didático para o ensino, em
suas mais variadas vertentes. Seja de língua portuguesa ou de História.
Porém este sucesso encontra alguns obstáculos de cunho analítico e
78
discussões teóricas sobre sua utilização [Santos; Vergueiro, 2012, p.84].

Um dos primeiros desafios é a linguagem, que muitas vezes pode ser


acessível ao aluno, mas que não faz parte do vocabulário do professor ou
então a falta de compreensão do mesmo sobre os recursos linguísticos
presentes neste material:

“[…] ler quadrinhos é ler sua linguagem, tanto em seu aspecto verbal
quanto visual (ou não verbal)”, ressaltando, ainda, que dominar essa
linguagem, “[…] mesmo que em seus conceitos mais básicos, é condição
para a plena compreensão da história e para a aplicação dos quadrinhos em
sala de aula e em pesquisas científicas sobre o assunto.” [ AMOS apud
Santos; Vergueiro, 2012, p.85].

Então as HQs podem mediante um bom manuseio fornecer a perspectiva de


trabalhos de pesquisa e trabalhos de análise de contextos políticos e
históricos. Mas como bem se ressalta na citação o professor deve buscar
familiarizar-se com o conteúdo didático com o qual irá trabalhar. Outro
problema decorrente é a escolha de uma revista que se adeque tanto ao
contexto histórico estudado quanto apresente elementos socioculturais
ligados ao conteúdo. Diante destes dois pontos o professor poderá partir
para o desenvolvimento das atividades pedagógicas que acarretarão a
junção, evidenciada na prática, do conteúdo e do recurso da HQ confluindo
para o processo educativo do aluno.

As HQs oferecem três possibilidades de atividades educativas em sala de


aula “A primeira é a leitura de uma história em quadrinhos para identificar
sua linguagem e a disposição de seus elementos narrativos” [Santos;
Vergueiro, 2012, p.86], que constitui por si mesma uma abordagem de
reconhecimento do texto a fim de familiarizar-se. É necessário que o
professor explane bem o conteúdo para que só depois possa abordar o
material auxiliar, pois se não o fizer os nexos entre o que foi explanado pelo
docente e absorvido pelos discentes não se resulta sinteticamente na
linguagem da HQ. Outra atividade é “retirar os textos dos balões e solicitar
aos estudantes que elaborem novos diálogos, trabalhando a articulação
texto-imagem” [ Santos; Vergueiro, 2012, p. 86], assim o aluno participa
ativamente da aula e o professor pode avaliar o desempenho cognitivo do
aluno no que diz respeito à sua interpretação de texto. O aluno se torna
participante da aula, que por sua vez se torna dinâmica. E a última
possibilidade diz respeito à criatividade e imaginação dos estudantes. Para
Santos e Vergueiro “a criação de histórias em quadrinhos pelos próprios
alunos, utilizando cartolina ou sulfite” [2012, p. 87].
Exemplo prático
Existe uma revista com personagens famosos e que representam de certa
forma o homem e suas práticas [pelo menos em parte] do ocidente romano
em relação aos “bárbaros”. Asterix e Obelix forma criados em 1959 na
França e mais tarde viriam a se tornar personagens de desenho animado e
filme. Os personagens representam o povo bárbaro e sua história se dá
entrelaçada com a do império romano. Ambos têm aventuras pelas quais 79
acabam mostrando um enredo histórico de um tempo, bem como de povos
diferentes, como: egípcios; gregos; romanos e bárbaros. Além, é claro, de
apresentar críticas pontuais a certas condutas dos poderosos do período, o
que em se tratando de história é formidável, pois se tem buscado a cada dia
uma renovação crítica dos “fatos”, processos e acontecimentos históricos, o
que acaba por influenciar na educação social do aluno como sujeito crítico.

Tomemos como exemplo este pequeno trecho da revista em quadrinhos que


tem os personagens Asterix e Obelix.

Fonte: https://revistagalileu.globo.com/

Há aqui presente uma sugestão de roubo para simplesmente preparar o


tempero do “guisado”, mas em sala de aula este trecho pode ser um
exemplo dos significados que povos diferentes atribuem a seus símbolos,
pois em Roma antiga os louros eram um símbolo de honraria militar, algo
um tanto adverso para outros povos e neste exemplo, para os “bárbaros”
não passava de um simples tempero. Neste exemplo o professor contribuiu
com seus alunos para uma problematização do conceito de cultura na aula
de História Antiga.

Desta maneira o que se quer demonstrar com o artigo é a possibilidade de


tornar as aulas da disciplina de História Antigas mais atrativas, sugerindo a
utilização da HQ como recurso didático, por oferecer linguagem acessível,
imagens que condicionam tanto o texto como as expressões de uma
circunstanciam, salientando uma receptividade cada vez mais positiva em
relação a estes recursos didáticos mais populares em auxílio dos
professores. Cabe salientar que não se deve seguir somente na utilização
deste recurso, mas desenvolver mais revistas em quadrinhos com temáticas
de História para que os conhecimentos desta disciplina se tornem mais
80
acessíveis a todos.

Referências
Allef Gustavo Silva dos Santos é graduando em História pela Universidade
Estadual do Maranhão-UEMA e atua como pesquisador do grupo de Pesquisa
e Documentação em História do Maranhão”.
allefgustavosantos@gmail.com.

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– programa de pós-graduação em letras: Estudos literários – UFJF/vol.10,
2017 – N.2
HELENISMO E AS SOCIEDADES CLÁSSICAS OCIDENTAIS: UMA
BREVE REFLEXÃO
Avelino Gambim Júnior

Já alertava Marc Bloch [2001] que o ofício do historiador não é buscar as


origens, já que o historiador é fruto de seu tempo, com suas preocupações
e anseios. Logo, ao estudar a história social das sociedades antigas 81
devemos primeiro nos indagar como este tema tem sido apropriado pela
historiografia ocidental e o porquê da antiguidade Grécia e Roma ter este
apreço tão grande nos estudos históricos, às vezes em detrimento de outras
sociedades antigas, não apenas no “velho mundo”, mas igualmente no
“novo mundo”.

A Antiguidade clássica, aqui entendida como uma periodização tradicional


que ressalta as sociedades grega e romana liga-se de muitas maneiras à
sociedade moderna ocidental [Funari 2002, 2004], fazendo parte da nossa
história enquanto colonizados por europeus e sendo antepassados dos
mesmos. Temos um elo de identidade enquanto cultura ocidental européia
que nós latino americanos herdamos, já que os europeus elegeram a
cultura greco-romana como um ideal de cultura e sociedade [Pinsky, 2010].

Primeiramente devemos explanar brevemente sobre o legado cultural, a


política, o pensamento e a mitologia dos gregos e romanos da antiguidade,
e em seguida explicar o que é o Helenismo e comparar com a nossa
sociedade hoje globalizada, cujos elementos culturais das sociedades greco-
romanas herdados são muitos, a começar pela própria língua portuguesa,
por exemplo, que apesar de ter outras contribuições de outros povos na
península ibérica, teve o latim como base, latim falado pelos antigos
romanos, além de várias palavras de origem grega, que também fazem
parte de nossa língua e é claro a ideia de democracia e república, provindos
da Grécia e Roma Antiga.

Apesar de a “Magna Grécia” ter sido formada por colônias em todo o


Mediterrâneo ocidental, que além de incluir colônias no sul da Itália,
também incluía colônias na França e na Espanha, por exemplo, é somente a
partir do período que vai do século IV a.C. com as conquistas de Filipe II e
seu filho Alexandre da Macedônia até a conquista romana da Grécia no
século II a.C. que elementos culturais como a política, filosofia e a mitologia
influenciaram vastas áreas desde o oriente do mediterrâneo, o Egito na
África e extendendo-se pelo oriente, incluindo a Mesopotâmia e chegando
até a Índia [Funari, 2003].

É importante frizar que durante o período helenístico, a convivência de


inúmeros povos, com dezenas de línguas e culturas diferentes, era
governada por elites macedônicas que se comunicavam através da língua
grega [Funari, 2003], fazendo com que houvesse uma profunda e
gigantesca troca cultural. O helenismo não deve ser simplesmente encarado
como mais um período da história, ou mesmo dar importância somente aos
gregos neste processo, já que foram fundados importantes centros culturais
da época como Alexandria, no Egito e Antioquia na Síria [Silva, 2015].
Essa profusão e troca cultural só irá acelerar mais e se expandir por todo o
Mediterrâneo e a outros locais como a Europa Ocidental, o oriente médio, e
o norte da África, a partir do século I a.C. Lembrando que o sul da Itália já
havia sido colonizado pelos Gregos, e quando os romanos conquistaram a
Grécia, as elites aprendiam o grego e liam e discutiam suas obras na
filosofia, na política, nos códigos jurídicos, na arquitetura e o plano
82
ortogonal das cidades e na mitologia, porém com uma reelaboração própria
dos romanos que absorviam e transformavam muitas das culturas que
tiveram contato [Funari, 2003], pensando neste aspecto a própria Roma
imperial pode ser considerada como um centro helenístico [Silva, 2015].

Mas como a cultura greco-romana chegou até nós? Primeiramente, ao


falarmos de cultura ocidental, de Europa, é comum também falarmos de
tradição judaico-cristã, já que estes se conectam na antiguidade, no período
helenístico grego e imperial romano [Silk, 1984], lembrando que conceitos
importantes foram incluídos no judaísmo e no próprio cristianismo, além do
fato de Roma ter adotado o cristianismo como religião oficial, de modo que
o mundo greco romano sempre esteve presente como legado à Europa,
primeiramente colonizada e posteriormente tendo adotado também o
cristianismo [Funari, 2003].

Apesar de sempre presentes ao longo da Idade Média europeia, ora


pensada como um passado decadente, ora lembrada como uma herança
cultural, será apenas no renascimento que as formas de expressão das
sociedades clássicas ocidentais, nos idos dos séculos XIV e XV,
principalmente na Itália, cresceram na Europa de maneira mais explicita,
como uma valorização de um passado romantizado das antigas Grécia e
Roma, através da inspiração na literatura, na filosofia, das artes plásticas e
da arquitetura, o que trará profunda influencia na formação do que
chamamos de mundo ocidental estando ligado a importantes conceitos
como Humanismo e Reforma [Silva, 2015], e ao nascimento ainda
incipiente de um colecionismo, através da escavação [pagas por mecenas] e
violação de tumbas dos antigos romanos [como foi imortalizado pelo pintor
Caravagio] que daria origem aos gabinetes de curiosidades durante o
iluminismo [Trigger, 1992] que daria origem aos primeiros museus no
século XIX [Schwarcz, 1993].

Será no iluminismo no século XVIII, que os discursos de um elo de


identidade e inspiração nessas sociedades, irá ganhar mais ímpeto e força,
influenciando enormemente a filosofia segundo um momento que a Europa
vivia, da ascensão da burguesia e questionamento do antigo regime, que
culminará na Revolução Francesa [Funari, 2003; Silva, 2015]. Já na
América, especificamente nos EUA, servirá de inspiração no ideal de um
sistema político republicano além de inspirar na arquitetura ortogonal das
cidades da América espanhola [Funari, 2003].

Até hoje a cultura Greco romana é reapropriada pela cultura ocidental,


muitas vezes em detrimento de outras culturas antigas e infelizmente sendo
utilizada como discurso de uma pretensa superioridade racial e cultual dos
gregos e romanos, embasados nos conhecimentos científicos da época
como o evolucionismo social que dividia sociedades humanas em selvagens,
bárbaros e civilizados [Morgan, 1877] e as teorias racistas que explicavam
que além de um pretenso “milagre grego” de uma superioridade cultural, a
cultura grega seria “superior” também devido uma questão de uma
“superioridade racial” da raça branca, fortemente influenciados pelo
darwinismo social [Schwarcz 1993], que será constantemente retomada,
como o caso mais emblemático já no século XX, na Alemanha Nazista 83
inspirada na Grécia Antiga, e novamente na América do Norte, nos Estados
Unidos, dessa vez inspirados no imperialismo romano [Funari, 2003].

Em relação a este “milagre grego”, como bem coloca Funari [2003], esta é
uma verdadeira falácia, já que cai no erro gravíssimo de negar que as
culturas clássicas foram igualmente influenciadas por outras culturas, como
os egípcios e a mesopotâmia. Na realidade estes discursos de
superioridade, sempre foram utilizados politicamente para justificar ora o
imperialismo e neocolonialismo, assim como regimes nazifascistas
[Schwarcz, 1993; Funari, 2003].

As culturas não morrem, mas se transformam, mudam as sociedades e se


tornam em outras, mas é importante se dar conta da profunda influencia
destas sociedades greco romanas sobre o pensamento ocidental, ao mesmo
tempo que devemos dar-nos conta que os contextos onde a filosofia,
mitologia, política, arquitetura e artes plásticas estavam inseridos são
imensamente diferentes da sociedade ocidental da atualidade e
reapropriados e resignificados de acordo com uma lógica judaico cristã,
ocidental e capitalista.

O que foi exposto permite refletirmos como a cultura, a política, o


pensamento filosófico e a mitologia, iniciada pela “globalização” do
helenismo e império romano sempre serviram como alegorias para as
diferentes ideologias e interesses modernos ocidentais, em trânsito ao longo
da história, sendo ultimamente apropriado por discursos que seguem uma
lógica capitalista [Doberstein, 2002], o que apenas demonstra que os
discursos e a subjetividade de quem conta uma história de acordo com a
época e os atores sociais envolvidos nesta construção.

Fica-nos apenas uma pergunta: Se é importante estudar as sociedades


Gregas e Romanas [e de fato é importante], por que não é feito o mesmo
com as sociedades antigas da América Latina? As sociedades Maia, Inca e
Asteca, por exemplo, foram identificadas como sociedades clássicas,
inclusive com elementos que a caracterizariam com um modo de produção
asiático [Marx, 1867; Cardoso, 1986; Cardoso & Bouzon, 1990]. Talvez,
uma primeira resposta poderia ser para fazermos estudos comparativos,
tirando toda a carga evolucionista social e darwinista social [Trigger, 2003],
entre o “velho mundo” [incluindo não apenas Grécia e oma, mas a África e
extremo oriente] e o “Novo Mundo”, incluindo também as sociedades
indígenas da América Latina, como por exemplo, os dados trazidos pela
arqueologia sobre as sociedades amazônicas [Roosevelt, 1992, 1993;
Schaan, 2004; Gomes, 2017; Rostain, 2012].
Uma chave para refletirmos sobre isso seria através de um pensamento
decolonial, indo de encontro com o que tem se defendido como giro
decolonial [Ballestrini, 2013] onde se poderia discutir uma história indígena
no continente latino americano como as sociedades indígenas [Carneiro da
Cunha, 1993] e também africanas e afrodescentes [Reis & Andrade, 2018],
ponderadas por pensadores latinos respondendo a questões que sejam de
84
nosso interesse e condigam com a nossa realidade, e não apenas como um
passado ibérico europeu como uma forma de superação do padrão mundial
de poder capitalista, no que podemos propor uma maior interculturalidade
[Reis & Andrade, 2018] na pesquisa, ensino e extensão referentes ao
estudo das sociedades antigas.

Sem abandonar o legado dessas culturas greco-romanas, também


estudadas sob uma perspectiva pós-colonialista, crítica e interdisciplinar
[Garraffoni, Funari & Pinto, 2010], devemos buscar formas de estudar a
Antiguidade para além do colonialismo e euro centrismo levando em
consideração, as diversas sociedades antigas do continente Africano, assim
como as sociedades da Antiguidade dos Andes, do Caribe, da Amazônia,
enfim do continente americano como um todo.

Referências
Me. Avelino Gambim Júnior é professor substituto no Curso de História
Universidade Federal do Amapá [UNIFAP]. Arqueólogo colaborador no
Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federal do
Amapá [CEPAP / UNIFAP].

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UMA PONTE PARA A ANTIGUIDADE: O PENSAMENTO FILOSÓFICO
GREGO NA LITERATURA INFANTOJUVENIL
Benigna Ingred Aurelia Bezerril e Krishna Luchetti

A Antiguidade por muitas vezes esteve sob o signo do esotérico e do


curioso. As práticas atuais de ensino de História têm buscado desmistificar
86
esse olhar acerca do mencionado período, não desconsiderando que tal
aspecto possa ser pontapé para abordagens de ensino e estimule o
interesse pelo assunto, porém, tem se proposto abordar a Antiguidade a
partir de uma outra perspectiva, como aponta Pedro Paulo Funari, ao
discutir o ensino de História Antiga em um capítulo do livro “História na Sala
de Aula” organizado por Leandro Karnal:

“Nas últimas duas décadas, a situação mudou muito, tanto no ensino


superior e na formação dos professores, como nos livros didáticos e de
apoio, e na própria prática da sala de aula. Se o estudo da Antigüidade,
tantas vezes, parecia antes esotérico, distante e só eventualmente
prazeroso e atrativo, hoje o quadro é outro e as perspectivas são ainda
mais alentadoras. ” [Funari, 2007, p. 95]

Dentre tantas possibilidades de reformular o olhar à Antiguidade, tanto na


formação do professor de História quanto na sala de aula do Ensino Básico,
as renovações apontam para perspectivas que afirmam a utilidade da
História Antiga para a formação cidadã, o estabelecimento de relações com
o mundo contemporâneo e a sociedade na qual o estudante está inserido.
Também se ressalta a renovação das práticas em sala de aula que podem
proporcionar uma intervenção cativante a partir de abordagens e recursos
que dialoguem com a realidade do estudante, que provoquem e que
agucem o olhar crítico.

O presente trabalho traz uma experiência com uma turma de 6° ano do


Ensino Fundamental, oportunizada pelo Programa Residência
Pedagógica/Subprojeto História da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, o qual possibilitou a imersão do licenciando no Ensino Básico. As
atividades em sala de aula, a regência, desenvolvidas pelos residentes
foram discutidas, definidas e redefinidas juntamente aos coordenadores do
projeto e aos demais colegas, o que se traduziu em compartilhamento de
ideias e de experiências, discussões de textos e de práticas em sala de aula.
Tais aspectos do Programa, vale ressaltar, são parte da perspectiva de um
ensino de História renovado, com ênfase em um processo de ensino-
aprendizagem crítico e significativo

Neste artigo se tem por objetivo a exposição do uso da literatura como


recurso didático em sala de aula, a fim de abordar a História Antiga a partir
de uma visão reformulada. Para isso, será feita uma breve exposição e
reflexão acerca do Programa Residência Pedagógica/Subprojeto História,
relacionando-o com o compromisso da renovação do ensino de História e
em seguida, o recurso didático escolhido e os resultados em sala de aula
serão discutidos.
Entende-se por renovação do ensino de História as ideias acerca da
conscientização do profissional de História, enquanto intelectual que deve
constantemente buscar aprimorar seus conhecimentos e práticas. Isto
posto, pode-se tomar como exemplo as ideias da professora Crislane
Azevedo, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, que analisou as mudanças e permanências pelas quais passou o
ensino de História no Brasil durante o século XX, e abordou os desafios e 87
aprimoramentos do século XXI acerca do mencionado assunto. Azevedo
defende que já nas atividades de estágio deve haver o esforço para que os
licenciandos tenham consciência de que suas práticas profissionais devam
ser constantemente aprimoradas. Sendo assim, o ideal é um ensino
baseado em práticas de pesquisa, que levem a reflexões e
aperfeiçoamentos constantes acerca da ação docente. A professora ainda
destaca, dentre os objetivos da formação docente dos dias atuais, a
necessidade do licenciando de interagir e analisar o cotidiano de uma escola
de Educação Básica. [Azevedo, 2010]

Considerando tal proposta de renovação do ensino de História, pode-se


pensar as experiências do Programa Residência Pedagógica/Subprojeto
História como parte de tal perspectiva. Apesar do Programa não ter
exatamente a mesma dinâmica das disciplinas de Estágio Obrigatório em
determinados aspectos como sua carga-horária, por exemplo, a proposta do
licenciando interagir com a realidade escolar, o acompanhamento e
orientação por parte dos professores coordenadores do projeto os quais
fazem parte do corpo docente da universidade, e a produção de relatórios
em muito conversam com as práticas propostas pelo Estágio. É interessante
elencar tal relação para ressaltar o compromisso tido ao longo da regência
que integra o Residência Pedagógica com a prática docente pautada no
compromisso com um ensino voltado para a formação cidadã e na formação
profissional que pensa na pesquisa e na realidade da comunidade escolar.

Pensando nisso, definiu-se um tema norteador do planejamento para com a


turma em questão com a qual trabalhou-se durante dois bimestres. O tema
do plano de atividades foi sobre organização social na Antiguidade, logo, o
pontapé para adentrar no conteúdo histórico foi a organização dentro da
própria escola. Um ponto importante aqui, vale ressaltar, é a importância
do planejamento para a prática docente. Pensar uma aula, para além do
conteúdo de História desta, é pensar nas possibilidades e limitações da
estrutura escolar, quantidade de alunos, recursos disponíveis dentre outros
elementos. Além disso, a aula pautada no objetivo da formação do cidadão
e na reflexão sobre as diferentes experiências humanas em diferentes
recortes espaciais e temporais requer definições prévias teórico-
metodológicas as quais imputam a ação de planejar executada pelo
professor. [Azevedo, 2013]

Ao abordar a Grécia Antiga, dentre outros elementos, buscou-se estudar a


pólis grega, conceitos como “cidadania” e “democracia” e os mitos de
origem. Pensando em tais assuntos, pôde-se trabalhar, como indicado nos
Parâmetros Curriculares Nacionais, noções de “diferenças, semelhanças,
transformações e permanências nas relações entre a sociedade, a cultura e
a natureza, construídas no presente e no passado” [Brasil, 1998, p. 60].
Além disso, considerando a Base Nacional Comum Curricular, foi possível
pensar a disposição a partir de tal abordagem de “explicar a formação da
Grécia Antiga, com ênfase na formação da pólis e nas transformações
políticas, sociais e culturais. ” [Brasil, 2017, p. 417]. Trabalhar tais pontos
foi constantemente pensado sob a perspectiva da reflexão, da relação
88
presente-passado e buscando pensar tal sociedade como não estática e
homogênea, o que também faz ponte com a pluralidade que se tem no
presente em um grupo escolar, região ou país em que, de forma
caleidoscópica, se identificam de padrões a singularidades. Por fim,
também vale mencionar a preocupação em a turma localizar no tempo e
espaço a sociedade estudada.

O papel do mito no mundo grego na Antiguidade havia sido trabalhado no


viés, inicialmente, de identificação de alguns deles assim como dos
principais deuses e, posteriormente, no tocante à função do mito de explicar
questões do universo e da existência, assim como seu papel fundamental
na criação de eventos na mencionada sociedade e de como alguns deles
perpetuam até hoje, como é o caso dos Jogos Olímpicos.

Após trabalhar alguns mitos em sala de aula, foi apresentada à turma o


conceito “filosofia”. O 6° ano, vale mencionar, não conta com aulas de
Filosofia na grade curricular. Trabalhar tal tema ofereceu a possibilidade de
um primeiro contato com tal ideia, assim como tornou-se instigante,
especialmente, pelo fato do “desconhecido”. Todavia, esse “desconhecido”
seria apenas à primeira vista e essa foi uma aposta ao pensar tal plano de
aula. Muitos alunos e alunas informaram, quando questionados, que não
conheciam a palavra “filosofia”, porém, ao citar exemplos da sociedade
brasileira atual no sentido de direitos etc., questões do cotidiano e
conhecimentos científicos dos quais fazemos uso rotineiramente ou de
descobertas que estamparam o noticiário e de como tais conquistas e
desenvolvimentos estão intrinsecamente ligados ao pensamento filosófico,
notou-se, como esperado, que a filosofia já era algo do conhecimento dos
alunos e alunas, só ainda não tinham ciência da nomeação dada ao
exercício do pensar que constitui as várias ciências que compõem nossa
sociedade nos seus mais variados aspectos.

Pensar uma aula e, consequentemente, um recurso didático é levar em


consideração a realidade do estudante e a estrutura escolar, como já
mencionado. Em um questionário socioeconômico feito no primeiro contato
com a turma no tocante à regência, o resultado da pergunta sobre hábitos
de leitura indicou que boa parte dos estudantes liam. A leitura era desde
livros de fantasia ou romance, até revistas e a Bíblia. A escolha de uma
literatura infantojuvenil fantástica como recurso didático para abordar o
pensamento filosófico grego e a história do mesmo se deu partindo da ideia
de uma parte dos alunos terem afirmado o gosto pela leitura e se, por outro
lado, alguns alunos diziam não costumar ler para além do livro didático,
trazer um trecho de um livro para a sala de aula poderia despertar o
interesse pela leitura em tais indivíduos. Além disso, mediante a estrutura
da escola, levar o material impresso com o trecho do selecionado foi viável.
O livro selecionado como recurso didático foi “O dia do Curinga” do escritor
e professor de Filosofia Jostein Gaarder. O livro se passa em dois mundos;
no contemporâneo entre a estrada e a Grécia e em um mundo fantástico o
qual vai sendo apresentado paralelamente à viagem à Grécia feita por pai e
filho. Hans-Thomas, o protagonista da narrativa, constantemente aponta
seu pai como um filósofo e a obra em si é uma alegoria à busca pelo
conhecimento, ou seja, a filosofia. 89

O trecho selecionado começa no cenário de restos de um templo grego, as


ruínas que guardam memórias [Assmann, 2011], assim, a partir de
elementos do passado os personagens conversam sobre grandes filósofos
que viveram naquele mesmo espaço. O contexto do livro em muito
colaborou com a constante localização espacial que é importante no ensino
de História, assim como o próprio diálogo que em um tempo presente se
fala do passado estudado colabora com a localização no tempo e com a
perspectiva de pensar as relações passado-presente.

Após mencionar o local em que se encontram, o pai de Hans-Thomas o


questiona acerca de Sócrates, se ele o conhecia. A partir daí o diálogo entre
pai e filho tece diversas indagações sobre o que é ser filósofo e sobre alguns
pensamentos de famosos nomes da filosofia grega da Antiguidade, como o
já mencionado Sócrates e Platão. Pelo fato do livro selecionado ter sido
escrito por um filósofo e o personagem tecer questões sobre o que é ser
filósofo, como já dito, é possível o estudante perceber as indagações que
compõem o pensamento filosófico e perceber o quanto, apesar de
inicialmente a turma ter dito desconhecer o significado da palavra “filosofia”
em si, a leitura do trecho junto à reflexão de que a sociedade na qual os
alunos e alunas estão inseridas é fruto do pensamento filosófico que
constitui as diversas ciências.

Ao entregar o trecho aos alunos e alunas, foram feitas algumas questões


prévias a fim de nortear a leitura, foi feita a contextualização da trama,
além de orientado sobre destacar palavras desconhecidas. A importância
que se deu em lançar questões prévias para leitura do texto respaldou-se
na ideia de que se faz necessário levantar problemáticas ao objeto de
estudo que pode ser construída a partir de questões aparentemente
simples, mas que oportunizam grandes reflexões, possibilidades e
questionamentos. A partir de questões propostas em sala de aula que pode
“conseguir dos educandos uma atitude ativa na construção do sabe e na
resolução dos problemas de aprendizagem” [Schmidt, 2004, p. 60]. Para
além de questões de identificação e contraposição do pensamento filosófico
em relação ao mito, questões do tipo “como a filosofia causa impacto em
nossas vidas até hoje? ”, “a Grécia Antiga seria uma sociedade de
pensamentos estáticos? ”, “o novo ainda causa receio como pode ser
observado no caso da morte de Sócrates? ” também foram elencadas após
a leitura individual do trecho.

Sobre as palavras desconhecidas, essa possibilidade também foi pensada ao


escolher o recurso didático em questão uma vez que a leitura possibilita a
expansão do vocabulário e a experiência de se deparar com palavras novas
por parte dos estudantes oportuniza na prática mostrar como isso de fato
ocorre. Vale mencionar que apesar do foco no ensino de História, a escolha
do recurso didático da literatura também considerou a prática da leitura em
sala de aula assim como a possível colaboração na construção de um hábito
de leitura, além de exercitar mais e mais a capacidade de interpretação dos
alunos e alunas.
90
Trabalhar os assuntos “mitos” e “pensamento filosófico”, respectivamente,
possibilitou discutir com a turma em quais aspectos os dois temas se
aproximavam e se distanciavam. Ambos explicadores de aspectos da vida
do ser humano, porém com métodos diferentes; um aceitava respostas
prontas e o outro questionava estas, buscando a racionalidade. O contexto
do surgimento do pensamento filosófico na Grécia se relaciona com a
formação da pólis e as relações que vão se dando nesta. “O ‘racionalismo’
político que preside às instituições da cidade se opõe certamente aos
antigos processos religiosos do governo, mas sem por isso excluí-los de
maneira radical” [Vernant, 2002, p. 61]. Além disso, fugindo da ideia de
sociedades engessadas, o exemplo da condenação à morte de Sócrates,
ocasionada pela acusação de corromper a juventude daquele momento,
muito colaborou para a reflexão da pluralidade de ideias dentro de uma
sociedade, a dificuldade de aceitar novos posicionamentos, assim como
questões sobre liberdade de pensamento foram levantadas. Todos esses
pontos puderam ser relacionados ao presente e a situações, ainda que
superficialmente, conhecidas pelos alunos.

Além disso o mencionado exemplo de Sócrates possibilitou abordar a


filosofia grega como ambígua e o filósofo do recorte em questão ser uma
figura qualificada para administrar a pólis, mas por vezes alguém que
necessitava se retirar para o privado [Vernant, 2002], o que geralmente
não é abordado ao se falar de tal assunto.

Assim como os historiadores buscam traduzir em palavras suas concepções


de mundo, os autores literários também o fazem, para mais, a literatura
não é algo criado do zero e as vivências do autor muito influenciam em suas
tramas, logo, selecionar um trecho de um autor filósofo para abordar o
pensamento filosófico grego potencializou o uso do recurso em questão,
além de este fato estar relacionado à produção literária como um bem
cultural que em muito agrega no ensino de História. Vale salientar que, a
preocupação em deixar bem claro o que era fantasia e o que se podia tomar
como reflexão do real foi constante. Isto posto, também é importante expor
da importância do livro didático para apoiar o texto literário a fim de
esclarecer e delinear bem essa divisão cuidadosa que se deve fazer ao usar
uma leitura fantástica com elementos históricos. Aqui, mais uma vez, as
questões tiveram grande papel ao possibilitar a identificação de relações
entre o conteúdo do trecho e textos do livro didático, a fim dos fatos
históricos não ficarem apenas a cargo da oralidade do professor e do
estudante ter uma atitude ativa ao confrontar os dois materiais de leitura.

Pode-se considerar os resultados obtidos a partir de tal uso de recurso


didático e abordagem do assunto bastante positivos. Primeiramente, o fato
de muitos alunos e alunas manifestarem dificuldades com algumas
palavras, desconhecerem outras, inclusive muitos nunca tinham ouvido o
nome “Sócrates”, pode ser visto como algo muito construtivo, uma vez que
o uso do recurso de fato possibilitou o contato com novas palavras, novos
personagens históricos e localizações. Isso pode ser dito uma vez que por
mais de uma vez em sala de aula foi feito o exercício de localizar a Europa e
a Grécia, categorizando-os enquanto, respectivamente, atuais continente e 91
país. Simples categorização que muitos dos estudantes apresentavam
dificuldades em identificar. Ao final da execução do plano de aula em
questão, a turma conseguia localizar o assunto no espaço de forma
assertiva. Isso deu-se justamente porque o texto literário selecionado
referia-se ao local em que o trecho escolhido se passava. Assim como ao
pensar no recorte espacial, questões como “a Grécia desses filósofos citados
no trecho é a mesma em que o livro se passa em relação ao tempo? ”
colaboravam para a orientação no tempo por parte dos alunos e alunas.

Ao abordar a importância da filosofia para as diversas ciências e de como


ela está presente em praticamente todos os campos da sociedade atual, o
objeto de estudo põe-se próximo aos estudantes, fazendo com que o
esotérico que comumente circunda a Antiguidade converta-se em reflexões
contribuintes para a formação cidadã, objetivo central do ensino de História
e da prática docente. O Programa Residência Pedagógica/Subprojeto
História mostrou-se comprometido com as práticas de renovação do ensino
de História, as quais só são possíveis quando aplicadas à formação docente
que, por sua vez, deve pautar-se na pesquisa e na integração à comunidade
escolar. Assim, os planejamentos das aulas não se davam apenas pensando
no conteúdo de História, mas também no contexto escolar em questão. A
experiência do uso do recurso didático do texto literário pode ser concebida
como concordante com os termos apresentados além de possibilitar o
enriquecimento do conhecimento de bens culturais de nossa sociedade; os
livros.

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Krishna Luchetti é graduada em História Licenciatura pela UFRN. Mestranda
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VERNANT, Jean Pierre. As Origens do Pensamento Grego. Tradução Ísis
Borges B. da Fonseca. - Rio de Janeiro: Difel, 2002.
O ENSINO DAS LETRAS CLÁSSICAS PARA O ESTUDO DA
ANTIGUIDADE – UMA PROPOSTA METODOLÓGICA
Carlos Eduardo Schmitt

O estudo das letras clássicas, apesar de todo o desprezo que vem


recebendo por parte de governos e até mesmo por instituições de ensino, é
ainda um diferencial para aqueles que se debruçam sobre os estudos das 93
humanidades, bem como um enriquecimento em outras áreas do saber.
Para a História, e especificamente para aqueles que se dedicam ao estudo
da História Antiga, em concreto a greco-latina, é imprescindível o
conhecimento das línguas clássicas, veículo de toda a produção da época.
Ao referirmo-nos ao termo “Letras Clássicas”, entendemos o estudo do
latim clássico e do grego antigo.

Assim como seria estranho pensar em um especialista sobre a Guerra de


Secessão que não soubesse inglês ou um pesquisador da Revolução
Francesa que não tivesse boas noções de francês, do mesmo modo deveria
espantar-nos conceber historiadores focados no Império Romano ou em
Esparta ou Atenas e que não tenham noções mínimas das línguas desses
povos e civilizações. Um verdadeiro pesquisador no campo da História não é
quem apenas contrapõe fontes secundárias, mas aquele que também se
debruça sobre fontes primárias, compara-as, estuda-as criticamente para
confirmar ou reformular o que já foi dito e escrito sobre certos temas,
atuando como autoridade na área.

Este trabalho está pensado para estudantes e pesquisadores de História,


mas poderia ser direcionado a outras áreas também, indo da filosofia,
passando pelo direito e chegando até mesmo à botânica, à medicina e à
área da saúde como um todo. Além do público ao qual nos direcionamos,
faremos um recorte na área de pesquisa, ao focar apenas no mundo
romano. Sendo assim, a língua ao qual nos debruçaremos nas próximas
linhas será o latim, concretamente, a experiência de ensiná-lo como uma
disciplina optativa para alunos da graduação de História. Temos em vista,
conforme afirma Campos [2019, p. 54], que “no campo dos Estudos da
Antiguidade, é possível frisar que os textos literários são, certamente, as
mais extensas e acessíveis fontes disponíveis aos discentes”. Portanto,
torna-se não apenas plausível, mas também necessário, que o historiador
tenha um conhecimento amplo da língua original dos textos com que
trabalha.

O latim como disciplina para graduandos de História


A ideia de oferecer uma disciplina optativa de latim para alunos da
graduação de História da UFRJ surgiu por meio do grupo de pesquisa
ATRIVM-UFRJ, o qual promove a interdisciplinaridade na pesquisa e ensino
da Antiguidade e tem professores de ambas faculdades como membros. O
projeto teve uma duração de dois anos, iniciando no primeiro semestre de
2016 e com término ao final de 2017. Os professores eram alunos do
Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas da UFRJ, os quais eram
coordenados por professores efetivos da universidade. Durante o primeiro
ano, os participantes do curso receberam noções básicas de latim, com
enfoque em vocabulário e estruturas latinas, sem seguir exclusivamente
alguma gramática ou material didático em específico. Os graduandos
tiveram uma noção geral dos diferentes tipos de pronúncia latina, a saber, a
eclesiástica, a reconstituída e a vernácula. Após uma breve explanação
sobre cada uma delas, foi-lhes recomendada a reconstituída, utilizada em
praticamente todas as instituições de ensino superior do país que ensinam
94
latim. Após a pronúncia e o alfabeto, bem como outros aspectos, como a
origem da língua, por exemplo, as aulas se centraram em estruturar o
idioma, com suas cinco declinações e quatro conjugações.

Em 2017 tivemos a oportunidade de fazer parte deste projeto e colaborar


como professor desses alunos, que já haviam recebido um ano inteiro de
formação na língua latina. Havia também alguns alunos mais novos, que
estavam apenas começando ou que haviam iniciado o curso há apenas seis
meses. Na impossibilidade da criação de duas turmas, fez-se necessário
aumentar o tempo de aula, que, apesar de contar com apenas um encontro
semanal, passou a ter a duração de três horas, algumas vezes três horas e
meia. Os alunos iniciantes foram instados a estudarem por conta própria, a
fim de alcançarem o nível médio da turma.

A escolha da metodologia e seu emprego


Há, em geral, duas formas para se estudar o latim. A primeira é a indutiva,
também chamada de natural, no qual toda a aula e textos estão escritos
apenas em latim, sem qualquer alusão a outro idioma. Um exemplo de tal
método é o Lingua Latina per se illustrata, de Hans Ørberg, uma coleção
com dois volumes e outros livros de apoio, escrita completamente em latim
e que, de forma intuitiva, ensina, com um nível de dificuldade gradual,
vocabulário e estruturas latinas, através de histórias, na maioria das vezes.
A segunda forma é a dedutiva, que foi basicamente a utilizada em 2016, na
qual eram apresentadas estruturas gramaticais aos alunos, e logo depois
eram realizados exercícios baseados nessas estruturas recém-apresentadas.

Nosso intuito sempre foi o de fornecer aos alunos as ferramentas


necessárias para que eles pudessem aprender o idioma da forma mais ágil e
eficaz possível. Contudo, sabíamos das dificuldades por parte deles, seja
pela pouca disponibilidade de tempo, seja pela dificuldade que é dedicar-se
ao estudo das línguas clássicas, a qual é conhecida apenas por aqueles que
já se aventuraram nessa empreitada. Por ser apenas uma disciplina
optativa, não poderíamos exigir grandes sacrifícios dos alunos, tampouco
seria conveniente deixar-lhes muitas tarefas para serem feitas ao longo da
semana, tendo em vista a quantidade de trabalho que tinham, seja pelas
disciplinas obrigatórias da graduação, seja por outros afazeres próprios.
Apesar da motivação por parte deles, muitos dos quais eram alunos de
iniciação científica ou estavam já se preparando para o mestrado e
gostariam de se aprofundar em suas pesquisas e textos trabalhados, tendo
conhecimento deles no original, estávamos conscientes de que haviam
muitos obstáculos a serem superados.

Na inviabilidade de oferecer um método totalmente indutivo, como o


supracitado, e tendo em vista os dois semestres de estudo que os alunos já
haviam tido com métodos exclusivamente dedutivos, dedicamo-nos a
buscar, com sucesso a nosso ver, tendo em vista os resultados obtidos, um
meio termo. Tratava-se de uma tese de doutorado, premiada pela CAPES,
de José Amarante, professor da Universidade Federal da Bahia.
Transformada em livro didático, com dois volumes, a coleção Latinitas –
leitura de textos em língua latina, caiu como uma luva para a necessidade
da turma. Ao explorar textos originais da literatura latina, adaptados 95
apenas nas primeiras unidades, o material não desprezava o ensino das
estruturas da língua, funcionando como uma espécie de meio termo entre
os dois métodos, tendendo às vezes ao método indutivo e, às vezes, ao
dedutivo. O material utilizado foi o primeiro volume, cujo subtítulo é:
Fábulas mitológicas e esópicas, epigramas, epístolas. Além disso, há um
site do material, latinitasbrasil.org, em que se pode não apenas realizar o
download gratuito dos livros, mas também é disponibilizada a correção dos
exercícios.

O método foi utilizado com sucesso ao longo de 2017, permitindo aos


alunos não apenas repassarem as estruturas aprendidas em 2016, mas
também utilizá-las ativamente na leitura e tradução dos textos
apresentados no livro. Os resultados foram tais que já ao final do ano os
alunos foram desafiados, como substituição à avaliação tradicional, a
traduzirem e analisarem textos de suas pesquisas, os quais nos pareceram
bastante satisfatórios e, em alguns casos, superaram em muitas nossas
expectativas. Se o principal objetivo para o estudo do latim era o
conhecimento da língua para entender textos originais sem nenhuma
intermediação, a avaliação deveria, de alguma forma, mensurar essa
capacidade nos alunos.

Obviamente, estamos falando de uma disciplina optativa que ocorria apenas


uma vez por semana ao longo do semestre, ou seja, uma média que, na
prática, girava entre vinte e trinta encontros anuais. É praticamente
impossível dominar qualquer idioma em tão pouco tempo, e mais uma
língua como o latim. Os alunos, ao final desses dois anos, muito
provavelmente não dominavam, por exemplo, A sintaxe do período
subordinado latino, de Paulo Sérgio de Vasconcellos, mas com certeza
receberam as ferramentas necessárias para sua pesquisa e, o mais
importante, autonomia para avançar no estudo da língua.

A leitura e tradução de textos latinos


O curso não tinha como finalidade que os alunos fossem capazes de ler
qualquer texto escrito em latim como se pode ler algo em inglês, italiano ou
qualquer outro idioma moderno. Pensar assim, já de início demonstra uma
falta de conhecimento do estilo latino, que em geral se diferencia bastante
dos estilos de escrita moderna. Por outro lado, o aluno, tendo certo
conhecimento da morfossintaxe latina e com o auxílio de um bom
dicionário, terá a habilidade de aprofundar-se em textos e passagens que
considerar mais produtivos para a sua pesquisa. Não se trata de deixar de
lado boas traduções e comentários de especialistas, mas de tê-los apenas
como um apoio e uma proposta, e não como um dogma irrevogável.
Sobre a tradução de textos, sobretudo antigos, concordamos com Antoine
Berman [2013, p. 25], quando afirma que é possível a elaboração de uma
tradução sem teoria, mas não sem pensamento. De fato, este
“pensamento” provavelmente seja a causa do nascimento do jogo de
palavras italianas traduttore, traditore [tradutor, traidor]. Não é o mesmo,
portanto, ler um original e sua tradução. Se tal premissa é verdadeira para
96
línguas modernas, muito mais o será para as clássicas. Nesse sentido, é
ilustrativa a imagem utilizada por Cervantes e citada por Störig [1963, pp.
6-7]: “Parece-me que traduzindo de uma língua a outra [...] se faz
justamente como aquele que olha uma tapeçaria flamenga ao avesso:
mesmo vendo as figuras, elas estão repletas de fios que as obscurecem, de
maneira que não podem ser vistas com o brilho do lado direito.”

Se uma tradução carrega consigo traços tão deformantes e se, por mais
esmerada que seja, jamais se igualará ao texto original, por que, então,
traduzir ou ler livros traduzidos? Pode parecer simplista a resposta de
Walter Benjamin, no entanto carrega consigo uma realidade sem a qual a
tradução não teria em sua essência uma razão de ser: “Uma tradução é
feita para os leitores que não entendem o original.” [1971, pp. 261-262]. E,
no caso das línguas clássicas, acreditamos que não se trate apenas de não
entender o original, mas também de estarmos abertos a outras propostas
de tradução que podem até mesmo enriquecer nosso conhecimento da
língua. De fato, uma tradução deve estar “animada pelo desejo de abrir o
Estrangeiro enquanto Estrangeiro ao seu próprio espaço de língua.”
[Berman, 2013, p. 97].

Considerações parciais
A modo de conclusão pelo que foi exposto e discutido acima, é digna uma
menção à interdisciplinaridade. Todo o projeto não teria sido levado a cabo
se não houvesse uma iniciativa por parte de um grupo de pesquisa
interdisciplinar. A especialização é necessária para colher frutos fecundos na
pesquisa, mas também pode ser uma das grandes responsáveis pela
departamentalização do conhecimento, tomada em sentido pejorativo, na
qual programas, departamentos e instituições de ensino se fecham como
em guetos ou feudos, o que posteriormente trará barreiras e outras
consequências negativas na própria especialização. Tal problema ocorre em
diversas áreas do conhecimento, com diferentes níveis de gravidade. Este
problema se verifica até mesmo dentro de estudiosos das línguas clássicas,
por exemplo, os quais às vezes sabem muito de uma língua, como o latim,
e não sabem praticamente nada de grego, ou o contrário. Infelizmente é
um fenômeno que parece ocorrer com certa frequência em nossas
instituições.

Esteves [2015, p. 202] afirma, de fato, que as várias disciplinas dos


Estudos Clássicos se encontram separadas dentro da estrutura universitária
brasileira e coloca como exemplo os países anglo-saxões, em que “existem
faculdades de Classics, que congregam História, Filosofia e Letras e
Literatura antigas, o que facilita enormemente a integração entre os
saberes.” Não se trata de ser especialista em tudo, mas de pelo menos ter
noções gerais, as quais nos ajudarão a especializar-nos ainda mais em
nossa área. É com essa atitude que devemos enxergar o mundo greco-
romano. Estudar, ler e saber um pouco de cada coisa: língua, literatura,
arqueologia, história, epigrafia, religião, filosofia. De fato, um bom
historiador é também um bom latinista ou helenista, assim como um bom
latinista possui noções acuradas da História Antiga.

Referências 97
Me. Carlos Eduardo Schmitt é doutorando do Programa de Pós-graduação
em Letras Clássicas da Universidade de São Paulo e membro do grupo de
pesquisa ATRIVM-UFRJ

AMARANTE, JOSÉ. Latinitas: leitura de textos em língua latina. Fábulas


mitológicas e esópicas, epigramas, epístolas. Salvador: EDUFBA, 2015.
_________________. Latinitas: leitura de textos em língua latina. Elegias,
poesia épica, odes. Salvador: EDUFBA, 2015.
BENJAMIN, Walter. La tâche du traducteur. In: Mythe et violence. Trad.
Maurice de Gandillac. Paris: Denöel, 1971.
BERMAN, Antoine. A tradução e a letra ou o albergue do longínquo.
Florianópolis: PGET/UFSC, 2013.
CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa. Historiografia Romana: considerações
para o ensino e pesquisa sobre sobre o Principado de Otávio Augusto. In:
Antiguidades e usos do passado – temas e abordagens. São João de Meriti:
Desalinho, 2019, pp. 51-83.
ESTEVES, Anderson Martins. Os textos literários antigos e o historiador:
desafios e abordagens. In: Cadernos do LEPAARQ Vol. XII, n°24, 2015, pp.
199-210.
Ørberg Hans H. Lingua Latina per se illustrata, Pars I: Familia Romana.
Grenaa: Domus Latina, 2003.
Ørberg Hans H. Lingua Latina per se illustrata, Pars II: Roma Aeterna.
Grenaa: Domus Latina, 2003.
STÖRIG, Hans Joachim Das Problem des Übersetzens. Darmstadt:
Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1963.
VASCONCELLOS, Paulo Sérgio de. Sintaxe do Período Subordinado Latino.
São Paulo: Editora Fap-Unifesp, 2013.
A HISTÓRIA ANTIGA PRESENTE NO LIVRO DIDÁTICO
Carolina Lima Costa

É de grande relevância e destaque que o livro didático é um suporte em


sala de aula. Apesar de haver muitas críticas em volta da organização e
como os conteúdos são abordados, a presente intenção neste texto não se
98
respalda nesta característica, e sim como a história antiga é e pode ser
abordada nas escolas de ensino fundamental. Foi buscado analisar em
especial dois capítulos do livro de história do ensino fundamental II, com a
edição de 2009. Apesar de ser um material de edição não atual sua
abordagem sobre a história antiga pode levar a valorizar como é relevante o
conhecimento que foi herdado do nossos ancestrais, dos antigos gregos, de
quem o Ocidente herdou inúmeras características. Entre elas a atividade
historiográfica e a figura do historiador.

A Identificação da fonte e Organização dos conteúdos


O autor do material didático analisado é o professor Cláudio Vicentino, o
livro é de História e destinado ao público alvo do 6º ano do ensino
fundamental II, em sua capa há indícios de que foi projetado para ser
utilizado entre os anos 2011, 2012 e 2013; Editora Scipione 2009; Projeto
Radix raízes do conhecimento. Este livro foi utilizado na rede pública de
ensino na cidade de Magalhaes de Almeida –MA.

A organização do livro é subdividida em módulos, em cada módulo há


capítulos que desenvolvem os temas e assuntos relacionados. Com esta
organização foi observado que o autor inicia o primeiro capítulo com o tema
“Que história é essa? ”. Dentro deste capítulo há características essenciais
que fornecem aos estudantes temas relevantíssimos dentro do campo de
conhecimento histórico, especialmente sobre a história antiga, que é a
temática destacada neste texto sobre ensino de história. Temas como, por
exemplo, ‘Tempo e História; Os calendários e a Divisão da História’. Esses
temas históricos nos envolvem de segurança e otimismo, pois, é sabido que
os estudantes estão tendo acesso aos livros didáticos que são pensados
com esta responsabilidade tão grande e muitas vezes difícil que é levar o
conhecimento para dentro da sala de aula da melhor forma possível.

Ainda sobre a divisão, o livro possui oito [8] módulos e catorze [14]
capítulos. Partindo desse esclarecimento buscamos focar nossa atenção e
análise mais profunda exclusivamente sobre os capítulos dez e onze que em
tem como tema “A Grécia clássica” e “A trajetória grega: do clássico ao
helenismo”.

As atividades, Textos e imagens


É percebido que o autor tenta transpor o conhecimento produzido na
academia para a escola. “A ideia de transposição didática permite um
diálogo entre os conhecimentos historiográficos apresentados no campo
acadêmico e os conhecimentos produzidos no mundo escolar”. [Santos,
2013, p. 12]. Observando essa atividade de adequação ao saber escolar,
que é essencial, pois logo no início do capítulo dez há uma ilustração em
forma de imagem acompanhada de um breve texto sobre como teria sido a
cidade de Atenas no século V a. C. E ainda na mesma página há um
pequeno questionário para começar as possíveis interrogações e
interpretações sobre a antiguidade grega. Essa escolha e posicionamento do
livro escolar de iniciar causando curiosidade e interpretação nos estudantes
é essencial para o andamento e proveito da compreensão sobre a temática
trabalhada e essa é sem dúvidas uma das características que o livro
didático tem de positivo para o ensino e a aprendizagem satisfatória dos 99
alunos. Os alunos do sexto ano que tenha a oportunidade de conhecer esse
debate sobre as cidades gregas antigas certamente terá acesso mais
proveitoso nos anos seguintes quando os temas relacionados à democracia,
cidadão, cultura antiga forem apresentados a esses estudantes.

É percebido que, o livro analisado apresenta textos com uma escrita com
boa compreensão ao ser consultado, além de não ser um material que se
esgote em resumos. Há informações necessárias que relatam sobre as duas
mais conhecidas cidades gregas da liga de Delos, Esparta e Atenas, e suas
características sociais e localizações geográficas. O texto nos fornece as
seguintes palavras: “A cidade de Esparta, localizada na região do sul do
Peloponeso, às margens do Rio Eurotas também era chamada de
Lacedemônia”. [Vicentino, 2009, p.168]. Esta afirmação, retirada do livro
didático, fatalmente nos leva a recordar a História da Guerra do Peloponeso
uma narrativa desse período clássico contada pelo historiador antigo, o
ateniense Tucídides. Quando se passa ao capítulo onze o autor dedica um
espaço para retratar o que foi as Guerras Médicas e a História da Guerra do
Peloponeso, mas nesse espaço o autor não detalha realmente como se deu
esses eventos entre gregos e bárbaros. Porém, sua apresentação deste
evento não passa despercebido pelos estudantes e professores.

É visível ver como essa abordagem do livro pode nos remeter ao


aprofundamento dentro do contexto antigo. Um professor de história que
tenha acesso a um simples resumo que este material didático fornece tem o
poder de mergulhar dentro da historiografia antiga com os primeiros
historiadores e assim tornar o mundo antigo reconhecido entre seus alunos.
Suas inovações, as figuras dos primeiros historiadores e etc. Junto a isso é
relevante destacar também que além dos textos impressos no corpo das
páginas há também outra forma de auxílio que os estudantes e professores
podem recorrer dentro da sala de aula. Há nas páginas alguns quadrinhos
com esclarecimentos sobre os termos de difícil compreensão durante a
leitura. Como, por exemplo, na página 169, está sendo explorada as
relações de poder sobre a sociedade espartana, no canto esquerdo da
página há um quadrinho com o seguinte registro “tribunal de última
instância: tribunal superior, aquele que dá a última palavra, a decisão final”.
[Vicentino, 2009, p. 169].

Sendo um auxílio para a compressão do assunto trabalhado no capítulo,


estes quadrinhos não deixam de ser textos relevantes. Neste mesmo
quesito de compreensão, não fica de fora a forma de uso das imagens que
sempre vem acompanhada do auxílio em texto escrito. Além da imagem
que fala por si só sua interpretação fica mais rica dentro do processo de
ensino e aprendizagem vinda na companhia da escrita. Como é sabido, o
conhecimento histórico é alcançado por meio de investigação e métodos, e
entre esses caminhos de análise há o método dos historiadores oitocentistas
que beberam nos primeiros historiadores para a seleção de elementos que
investigação. Como por exemplo, selecionaram a objetividade de Tucídides
e a preocupação com o passado e a investigação encontrada em Heródoto.

100
Muitas fontes históricas antigas passaram por um método de análise e a
escola básica muitas vezes não tem muito acesso a essa característica que
é riquíssima dentro das tradições historiográficas. Para melhor adequação
ao ensino das salas de aula do ensino fundamental os autores dos livros
didáticos e os professores completam as interpretações das fontes em
imagens. Como é o caso da imagem. Na página 173 há a imagem “Vemos
ao lado um ostrakon do século V a. C., fragmento de concha ou de cerâmica
untado com cera em que os cidadãos escreviam o nome daqueles que
deviam ser banidos da cidade”. [Vicentino, 2009, p. 173].

[Vicentino, 2009, p. 173]

Esta, acima, foto retirada do livro didático dar aos alunos a oportunidade do
contado com a fonte, mesmo que não seja o contato direto. É uma tentativa
de levar para dentro das escolas as preciosidades que nos aproximam do
passado e revela como a escrita era algo presente nas sociedades gregas.

Há uma outra imagem na página 171 que se refere aos costumes das
mulheres da sociedade ateniense, como suas atividades domésticas
ocorriam.
101

[Vicentino, 2009, p. 171]

É importante perceber que ao olhar para a imagem nas entrelinhas é visível


a existência de uma organização nos afazeres domésticos e assim também
é possível imaginar como as mulheres se adequavam aos costumes da
sociedade, dentro da polis ateniense no século VI antes de nossa era. Como
vemos, há uma harmonia entre o texto escrito e as ilustrações de imagens,
ambos se complementam e o livro didático é indispensável neste ponto.
Pois mesmo que a fonte antiga trabalhada em sala de aula seja uma fonte
ilustrativa já é um acesso ao nosso passado. “O trabalho com as fontes ou
documentos é imprescindível para essa compreensão já que pode introduzir
o aluno no método histórico”. [Santos, 2013, p. 06].

De acordo com a afirmação e a análise dos capítulos é viável observar que a


proposta exposta neste livro didático de história não voltado para que os
estudantes decorem o conhecimento, mas que a prendam como o
conhecimento histórico é possível dentro dos contextos das épocas. Por isso
que este recurso metodológico é indispensável nas salas de aula mesmo
com os seus limites e dificuldades. “[...] não existe um livro didático ideal
como não existe o pior livro didático do mundo”. [Silva; Fronza, p. 133].

Com isso, destacamos a importância de trabalhar a antiguidade, as fontes


sejam elas textos traduzidos ou fotos de grafias antigas. As fontes são
construtoras do saber, e o autor do livro de história tem esse poder de
facilitar a continuidade do saber histórico, das culturas antigas, das guerras
e suas influências em diversos campos do saber, da arte grega e etc.

Junto a isso, é observável que no final dos capítulos há atividades, em que


o aluno é convidado a revisar todo o conteúdo e esta característica é
riquíssima. Principalmente para que o ensino seja observado não apenas
para que o conhecimento seja relembrado, mas cogitado e visto como soma
na vida estudantil. No final do capítulo dez há uma atividade com dois
momentos o primeiro é “Vamos retornar” onde é pedido que os alunos
expliquem individual e em dupla sobre a democracia direta; democracia
representativa e sobre a educação espartana com suas próprias palavras. O
segundo momento é “ vamos trabalhar com imagens” em que há imagens
em vasos gregos em diferentes épocas como século IV a.C. e VII a.C. Essa
criatividade desperta grande otimismo nas escolas do ensino fundamental.
102
Considerações finais
Como afirma Abud, na realidade de muitos estudantes da escola básica o
livro fornecido na escola é muitas vezes a única referência de leitura em
suas casas.

“O livro didático[...] vem assumindo uma posição de suma importância na


vida escolar. [...] hoje se tornou o mais importante elemento da
aprendizagem. Distribuído pelo Ministério da Educação para uso dos alunos
de todas as escolas de ensino fundamental, o livro didático é,
provavelmente, a única leitura dos alunos”. [Abud, 2004, p. 115].

E o conhecimento histórico é um dos saberes que tem o poder de despertar


interesses e horizontes novos na realidade de muitos que tem acesso aos
conteúdos dos livros e com a ajuda dos professores, que são figuras
elementar no processo de ensino. Por isso é justificável elementar o estudo
sobre os antigos povos e culturas, mesmo que as escolas e seus projetos
políticos pedagógicos ofereçam uma pequena carga horária aos estudos de
história antiga. De acordo com Silva e Gonçalves, “[...] os alunos chegam
aos cursos de graduação em história com questionamentos, principalmente
no que concerne aos conceitos e vida cotidiana dos antigos, ou seja, ao
senso comum”. [Silva; Gonçalves, 2015, p. 2]. E esses questionamentos
são normais, fazem parte da vida de quem é estudante de história, e que
tiveram suas primeiras interrogações nas aulas de história dos ensinos
fundamentais. É por isso que “ [...] não há como se discutir ensino de
história sem entrar no universo em torno do livro didático, já que este é,
sem dúvidas, o principal recurso material brasileiro e tem sido objeto de
avaliações contraditórias ao longo do tempo”. [Silva; Gonçalves, 2015, p.
9].

Apesar de haver discursos contraditórios em relação ao livro didático, seu


uso e desuso, é visível que o longo das décadas passadas os resultados de
sua utilização teve infinitas vantagens dentro do ensino em sala de aula. De
acordo com as tradições historiográficas é percebido que há uma intenção
na produção do material didático. Os autores, e organizadores dos livros
que há nas escolas, não são neutros. Sempre há uma ligação ou diálogo
entre a metodologia do conteúdo e as tradições das escolas historiográficas.
Os autores sempre partem de um lugar, de uma referência baseada em
métodos de ensino e de produção de conhecimento histórico.

E o ensino de história antiga não fica de fora dessa perspectiva. Com isso, é
correto dizer que “[...]desde seus princípios, o estudo do passado esteve
sempre envolvido na compressão do mundo presente, a partir do que havia
ocorrido anteriormente”. [Funari; Silva, 2008, p. 89].
Referências
Carolina Lima Costa é graduada em Ciências Humanas pela UFMA, e pós-
graduanda em Filosofia e Cultura pela UFMA; membro do projeto de
pesquisa “Hístor: cultura e epistemologia” na UFMA coordenado pela
professora Alina Silva Sousa de Miranda. E-MAIL: klc12lc@gmail.com

ABUD, Katia Maria. A história nossa de cada dia: saber escolar e saber 103
acadêmico na sala de aula. In: MONTEIRO, Ana Maria; GASPARELLO,
Arlette Medeiros; MAGALHAES, Marcelo de Souza. [Org.]. Ensino de
história: Sujeitos, Saberes e práticas. 1ª ed.Rio de Janeiro: MAUAD X:
FAPERJ, 2007, v. 01, p.107 – 117.
FUNARI, Pedro Paulo Abreu; SILVA, Glaydson José da. Teoria da história.
São Paulo: Brasiliense, 2008.
SANTOS, Luciana Souza. A noção de transposição didática e o bom ensino
de história. In: XXVII Simpósio Nacional de História: conhecimento
histórico e diálogo social. Natal-RN. 22 a 26 de julho de 2013.
SILVA, Alexandra Lima da; FRONZA, Marcelo. Memórias do ensino de
História: Entrevista com a professora doutora Kátia Maria Abud. Revista
Territórios & Fronteiras, Cuiabá, vol. 6, n. 3, dez., 2013.
SILVA, Lisiana Lawson Terra da; GONÇALVES, Jussemar Weiss. Ensino de
história antiga: algumas reflexões. In: XXVIII Simpósio Nacional de
História. Lugares dos historiadores: velhos e novos desafios. Florianópolis-
SC. 2015.
VICENTINO, Cláudio. Projeto Radix: história. 6º ano. São Paulo: Scipione,
2009. – São Paulo: 1. História [Ensino Fundamental] I. Título. II. Série.
PIBID EM PRÁTICA: METODOLOGIA PARA TRABALHAR A CULTURA
DO EGITO ANTIGO NO ENSINO FUNDAMENTAL
Cibeli Grochoski e Milliann Carla Strona

Há vários desafios que os professores de História encontram em seu


cotidiano para promover o ensino-aprendizagem da disciplina, entre eles
104
está a dificuldade dos alunos em relacionar os temas que fazem parte do
currículo a suas realidades. Pensando nisso este trabalho traz o relato de
uma experiência pibidiana, a qual utilizou uma nova didática para tornar o
Ensino de História mais lúdico e a aprendizagem mais dinâmica. Essa
intervenção do PIBID ocorreu no segundo semestre de 2017 em uma Escola
da rede pública de Ensino com turmas de 6º anos do ensino fundamental II
na cidade de Irati, Paraná. Os pibidianos junto com a professora de História
regente promoveram esta atividade com três turmas.

Por muito tempo o Ensino de História foi uma atividade mecânica focada
apenas em repassar o conteúdo. No Ensino de História tradicional não havia
uma reflexão crítica sobre a História e a sua função social. Entretanto, as
formas de ensinar e aprender História foram modificadas gradualmente à
medida que surgiram pesquisas preocupadas com a didática da História.
Uma grande referência nesse campo de pesquisa é o alemão Jörn Rüsen
que refletiu e fomentou críticas ao processo de aprendizagem dos alunos
em relação a consciência histórica a partir da experiência do tempo. O
pesquisador problematizava a História Ciência e sua relação prática na
função didática.

É pensando nessa relação teoria e prática que os pibidianos desenvolveram


esse método de ensino, que incentivou os alunos a construírem objetos e
cenários do Egito Antigo a partir das aulas expositivas. Os alunos não
reproduziram meramente os conteúdos aprendidos em sala de aula de
forma ilustrativa, eles construíram e resignificaram através dos objetos e
materiais confeccionados o conhecimento histórico do Egito Antigo. Deste
modo, é relevante compartilhar essa experiência para que outros
professores possam estar aplicando esse método em sala de aula. E assim,
proporcionar o aprendizado histórico diferenciado, que considere a
construção do conhecimento por parte dos alunos e não apenas a
reprodução do conhecimento histórico de forma mecânica. Esse processo
perpassa por aquilo que Jörn Rüsen chamava de Consciência Histórica:

“A consciência histórica será algo que ocorre quando a informação inerte,


progressivamente interiorizada, torna-se parte da ferramenta mental do
sujeito e é utilizada, com alguma consistência, como orientação no
quotidiano” [Barca; Garcia; Schmidt, 2011, p. 16].

A consciência histórica leva o aluno a fazer relações com o tempo em seu


cotidiano, essa atividade é extremamente complexa, por isso é tão
importante o discente transformar o conhecimento histórico em algo
didático. A História é uma disciplina de interpretação, por isso é
fundamental o professor inovar e fazer conexões entre o conhecimento
histórico, vida prática e aprendizado.
Esse método foi desenvolvido pensando também na tríade de Pesquisa,
Ensino e Extensão previstos pelo Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência - PIBID, que: “Constitui-se em uma iniciativa do
governo federal de valorização e aperfeiçoamento na formação de
professores para a educação básica. Decorre da lei 11.502 de 11 de julho
de 2007, que incumbiu à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior – Capes, a tarefa de induzir e fomentar a formação inicial e 105
continuada de profissionais da Educação básica, bem como, a valorização
do magistério em todas as modalidades de Ensino. A CAPES procurou
trabalhar em projetos que articulassem três vertentes: formação de
qualidade; integração entre pós-graduação, formação de professores e
escola básica; e produção de conhecimento. O projeto PIBID foi um dos que
mais destacou-se pela originalidade e legitimação, considerando também
seu crescimento acentuado de 2007 até agora” [Schneider; Ferreira, 2004,
p.32].

Assim, o PIBID/História sempre procurou promover a aprendizagem de um


modo dinâmico e prazeroso no Ensino de História, isto implica em buscar
novas metodologias, bem como, inovar e dinamizar nas aulas de história
com propostas e lugares diferentes do que os alunos estão habituados no
seu cotidiano escolar.

Segundo Neto e Silva [2019]: “Para aproximar a História do cotidiano dos


discentes, várias propostas defendem a utilização de novas ferramentas em
sala de aula, a fim de melhorar o processo de ensino-aprendizagem e, desta
forma, obter melhores resultados quanto à apreensão e compreensão do
conteúdo trabalhado. Histórias em quadrinhos, filmes, músicas, literatura e
jogos digitais são alguns dos exemplos dessas novas ferramentas
propostas” [Neto; Silva, 2019, p.253]. As ferramentas ajudam os alunos a
compreenderem de forma didática a ligação do conhecimento histórico com
a vida prática através da estrutura do tempo.

Desta forma, pensando em uma aula que oportunizassem aos discentes


uma maneira nova de aprender sobre o Antigo Egito os participantes do
PIBID/História da Universidade Estadual do Centro-Oeste [UNICENTRO]
campus Irati, realizaram uma atividade diferente ao que os alunos estavam
familiarizados e fora da sala de aula.

“Agito no Egito”: Relato de uma experiência pibidiana


Ensinar História Antiga para os alunos do ensino fundamental é complicado,
especialmente aos mais novos já que muitos possuem dificuldades em fazer
relações entre o passado e o presente. De acordo com Jörn Rüsen:

“O aprendizado Histórico pode, portanto, ser compreendido como um


processo mental de construção de sentido sobre a experiência do tempo
através da narrativa histórica, na qual as competências para tal narrativa
surgem e se desenvolvem [Rüsen, 1974]” apud [Barca; Martins; Schmidt,
2011, p. 41].
A aprendizagem Histórica implica na construção de sentidos, que ocorrem
quando o aluno tem contato com a experiência do tempo e para que isso
aconteça o professor deve fazer essas aproximações através de exemplos e
atividades práticas, criando, deste modo, competências para que o aluno
venha a se perceber também com um sujeito histórico.

106
Considerando o conhecimento Histórico como uma construção mental, que
envolve a temporalidade e que precisa ser didática realizou-se uma
atividade orientada para vida prática. Assim, está atuação ocorreu na Escola
Estadual Nossa Senhora das Graças situada na cidade de Irati –PR em
2017. Os alunos que participaram desta experiência tinham entre 10 e 11
anos, a maioria gostou da atividade por ser lúdica e porque eles puderem
confeccionar os materiais.

Para dar início a atividade sobre o Egito Antigo a professora regente de


História deu início ao tema com os alunos em sala a partir de aulas
expositivas dialogadas. Utilizando o livro didático e outros recursos
pedagógicos complementares, a docente enfatizou bastante sobre a cultura
da sociedade egípcia antiga. No fim dessas aulas a professora avisou os
alunos sobre a intervenção do PIBID e como a atividade seria desenvolvida.

A intervenção dos pibidianos iniciou com a divisão dos alunos em grupos,


cada turma tinha uma média de 37 á 40 discentes, eles foram divididos em
grupos de no mínimo cinco integrantes, cada grupo teve que representar
uma classe social do Antigo Egito, essa representação ocorreu por meio de
vestimentas e decoração dos espaços. Os discentes tiveram uma semana
para se organizar.

A equipe do pibid levou os alunos até o bosque da escola, pois sair da sala
de aula também é um estímulo ao aprendizado, pois esse lugar é fresco,
possui árvores e palmeiras, desenhos nos muros, existem também nesse
espaço cinco mesas que foram utilizadas pelos grupos, nas quais eles
tiveram tempo para confeccionar as vestimentas e decorar o espaço. Os
pibidianos também confeccionaram coroas, braceletes, acessórios em geral,
calçados e roupas para assim auxiliar os alunos. A professora regente e a
equipe do PIBID também levaram objetos pessoais, como: maquiagem,
acessórios, e também ajudaram os alunos a se caracterizar. Após isso foi
realizado um desfile e cada aluno explicou a roupa que estava usando,
assim como quem ele representava e qual a função que desempenhava na
sociedade do Egito. O grupo vencedor ganhava como prêmio pirulitos e
outras guloseimas.

Como afirma Lia, Costa e Monteiro: “Importante despertar a afetividade do


aluno para com o objeto produzido, este tem significado por ter passado
pela compreensão de um tema estudado e foi confeccionado pelo
estudante, que passa a vê-lo como algo seu, no sentido da produção e da
difusão do conhecimento histórico. O aluno torna-se produtor e difusor de
um determinado aprendizado; possui um artefato cultural construído por ele
e sobre o qual é capaz de historicizar” [Lia; Costa; Monteiro, 2013, p.45].
Essa atividade foi elaborada com o objetivo de aproximar o Egito Antigo
com a contemporaneidade dos alunos, assim eles se interessaram mais pelo
assunto e adquiriram uma memória afetiva sobre o Egito, algo que com
aulas expositivas os alunos não iriam adquirir. Além disso, os pais dos
alunos relataram que os filhos estavam empolgantíssimos com a atividade e
afirmaram que estudaram muito para confeccionar as vestimentas, assim
eles aprenderam o conteúdo de uma forma simples e dificilmente vão se 107
esquecer desse momento e sempre se lembrarão de algum aspecto
importante da sociedade egípcia. “O grande ganho com a prática de
produção de materiais didáticos está em criar um elo explicativo dos temas
abordados na disciplina de história.” [Lia; Costa; Monteiro, 2013, p.43].

Para desenvolver a atividade foi utilizada uma série de materiais


pedagógicos como EVA, TNT, papel cartão, papelão, tinta, cola glitter, entre
outros. O objetivo era confeccionar vestimentas, objetos e acessórios para
auxiliar os alunos durante a representação de seus personagens e dos seus
cenários com o tema Antigo Egito. Como já mencionado, anterior a esse
momento os alunos tiveram o conteúdo de Egito em sala de aula com a
professora regente. Após, a equipe do PIBID fez as devidas intervenções em
cada turma explicando o modo como a atividade seria desenvolvida.

Quanto ao método utilizado este é lúdico e trabalha com a criatividade dos


alunos e estímulo ao aprendizado por meio de atividade prática, pois os
alunos deveriam evitar cometer anacronismo e representar cenários e/ou
classes sociais do antigo Egito, buscando relação presente e passado com
base nas orientações e explicações da historicidade do Egito em sala de
aula.

Os alunos foram divididos em cinco equipes e todos tiveram uma parte da


aula para se caracterizar e após fazer o desfile e explicar sobre as escolhas
individuais e coletivas do grupo. O objetivo era fazer com que todos
participassem da atividade de modo que levassem em conta na atividade
suas subjetividades para com os sujeitos históricos se sentissem
identificados. Lembrando que alguns integrantes da equipe do PIBID
também se vestiram a fim de incentivar os alunos.

Ao longo do desenvolvimento da atividade os alunos demonstraram grande


entusiasmo, bem como, participação na construção do conhecimento
histórico do Egito Antigo. Deste modo, a aprendizagem se tornou muito
mais atrativa para os discentes, pois aprender algo pelo viés concreto
resinifica o Ensino de História e torna os alunos agentes históricos nesse
processo de conhecimento. Durante o desenvolvimento da atividade os
alunos deram um destaque especial às vestimentas. Logo, se faz necessário
tecermos algumas considerações sobre as roupas históricas: “Captar e
acompanhar nas roupas os fluxos das mudanças históricas, sociais e
culturais em diferentes tempos e espaços; dimensionar as histórias do
vestir e das vestimentas que as indumentárias dos personagens carregam e
comunicam; perceber os processos de significação do vestuário
desenvolvidos pelas pessoas nas relações sociais, bem como as linguagens
simbólicas que movimentam os usos das vestes, institui-se como recursos
para explorar os vestuários nas narrativas históricas” [Simili, p. 237. 2006].

Como percebemos a vestimenta também possibilita o conhecimento


histórico, pois os objetos são em muitas culturas uma extensão do próprio
corpo e trazem consigo uma teia de significados e representações sociais,
108
econômicas, políticas e culturais. Sendo assim, é de grande relevância o
aluno perceber a historicidade presente nos objetos, cenários e roupas
históricas, pois são a representação de sociedades do passado dotadas de
sentimentos e significados históricos e isso permite ao aluno um maior
contato com o fato histórico.

Os alunos em grupo confeccionaram objetos, roupas, acessórios e


trouxeram alimentos. Muitos alunos montaram a atividade a partir do que
estava ao alcance dos mesmos e com base no que possuíam em casa. Os
alunos também compartilharam objetos e trabalharam de forma organizada
e em equipe e todos realizaram pesquisas para montar seus trajes ou
espaço. A dedicação dos discentes mostra a quão significativa à atividade
foi para eles.

A atividade desenvolvida pelos pibidianos na Escola Nossa Senhora das


Graças estimulou os estudantes a produzir materiais didáticos ligados ao
Egito. A produção desse material proporcionou uma interação entre a
professora, pibidianos, discentes e a temática. Além disso, a atividade
permitiu os discentes a observar como esses conteúdos foram absorvidos
pelos alunos através da maneira como eles produziram os materiais. Foi
possível perceber a relação passado e presente nas atividades
desenvolvidas pelos alunos, assim como, aspectos da subjetividade dos
alunos orientadas pela consciência histórica, a exemplo, o cuidado dos
alunos de não cometer anacronismos ao trazer objetos do seu cotidiano
para a apresentação ou confecção de materiais. Logo, essa atividade foi
integradora, possibilitando a construção do conhecimento histórico por
parte dos alunos.

Considerações finais
Os integrantes do PIBID sempre procuraram inovar em suas intervenções,
além do programa contribuir de uma forma muito significativa para a
formação docente dos pibidianos. O PIBID: “constitui-se em um programa
que alia a tríade Ensino, Pesquisa e Extensão, proporcionando um contato
de maior intensidade dos bolsistas, futuros professores, com seu campo de
trabalho, uma vez que o projeto envolve o planejamento da ação didática,
centrado na observação, na pesquisa, na experimentação e na intervenção.
Os participantes desse programa conseguem diferenciarem-se dos demais
licenciados na medida em que desenvolvem habilidades e competências no
campo de trabalho, obtendo experiências ímpares da prática, muito antes
de entrarem nesse mercado.” [Schneider; Ferreira, 2004, p.32-33].

Logo, o PIBID é muito importante para a formação docente e muito


interessante para as escolas que conseguem esse programa em suas
disciplinas. Como foi o caso desta intervenção, pois a professora regente
sozinha dificilmente conseguiria realizar essa atividade sozinha, mas com
seis pibidianos a auxiliando foi possível desenvolver uma atividade lúdica, e
produtiva.

Durante toda atividade percebemos a empolgação dos alunos e como eles


aprenderam bastante sobre as classes sociais e o cotidiano dos antigos
egípcios. Os discentes demonstraram muito entusiasmo desde a pesquisa 109
até a confecção dos materiais que eles usariam. Essa intervenção ajudou
muito no ensino-aprendizagem, e foi tão eficaz que a professora regente
ainda realiza está atividade com os 6ºos anos e os resultados ainda são
animadores.

Para Neto e Silva: “[...] Novas formas de ensinar devem sim, ser pensadas
e valorizadas. Em um mundo cada vez mais tecnológico e globalizado, a
tradicional e antiga maneira de ensinar “escreve no quadro e explica”
certamente não pode ser a única maneira de ensino considerada pelos
docentes. Arriscar inserir novas técnicas e propostas pedagógicas para
reforço do aprendizado dos discentes é uma boa maneira de tentar
desenvolver a educação. A educação deve ser sempre discutida e
reinventada [...]” [Neto; Silva, 2019, p.260].

É pensando nessas novas formas de ensinar e aprender História que essa


metodologia foi desenvolvida. Considerando a experiência do tempo com
uma ferramenta que deve ser interiorizada na consciência histórica dos
alunos, de modo que eles possam interpretar a História fazendo relações
com o tempo a partir do seu cotidiano, percebendo assim as dinâmicas
entre o presente e o passado.

Referências
Cibeli Grochoski é graduada em História pela Universidade Estadual do
Centro-Oeste [UNICENTRO]. Bolsista [CAPES] e mestranda no programa de
pós-graduação em História e Regiões da UNICENTRO.
Milliann Carla Strona é graduada em História pela Universidade Estadual do
Centro-Oeste [UNICENTRO]. Bolsista [CAPES] e Mestranda no programa de
pós-graduação em História das Sociedades Ibéricas e Americanas da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul [PUCRS] na linha de
pesquisa de Sociedade, Desenvolvimento Econômico e Migrações.

BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende; SCHMIDT, Maria


Auxiliadora. [orgs.] Jörn Rüsen e o ensino de História. Curitiba: Ed. UFPR,
2011.
BARCA, Isabel; GARCIA, Tânia Braga; SCHMIDT, Maria Auxiliadora.
Significados do pensamento de Jörn Rüsen para investigações na área da
Educação Histórica. In: BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende;
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. [orgs.] Jörn Rüsen e o ensino de História.
Curitiba: Ed. UFPR, 2011.
LIA, C. F.; COSTA, J. P.; MONTEIRO, K. M. N. A produção de material
didático para o ensino de História. Revista Latino-Americana de História.
Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial by PPGH-UNISINOS.
NETO, José Pedro Lopes; SILVA, Wesley de Oliveira. Brincar com História: A
utilização de jogo pedagógico em sala de aula. In: BUENO, André;
ESTACHESKI, Dulceli; CREMA, Everton; ZARBATO, Jaqueline. Aprendendo
História: Ensino. União da Vitória: Edições Especiais Sobre Ontens, 2019.
SCHNEIDER, Claércio Ivan; FERREIRA, Silvéria Aparecida. As contribuições
do subprojeto PIBID/História da UNICENTRO para a profissionalização
docente, Irati-PR [2012-2014]. História & Ensino, Londrina, v.20, n.2, p.
110
13-58, jul./dez. 2014.
SIMILI, Ivana. As roupas como documentos nas narrativas históricas. São
Paulo, Unesp, v. 12, n.1. 2016.
O ENSINO DA ANTIGUIDADE ROMANA: UMA REVISÃO
HISTORIOGRÁFICA DE REPRESENTAÇÕES EM LIVROS DIDÁTICOS
Daniel Roberto Duarte Granetto

Introdução
Este texto tem o propósito de refletir acerca das representações da História
Antiga, em particular a respeito da periodização do Império Romano e a 111
questão do “fim” do período clássico, em livros didáticos de modo geral, a
partir de pesquisas brasileiras revisionistas sobre o tema.

Para tanto, possui como eixo dois problemas. Primeiro, considera-se como
são representados aspectos gerais concernentes à História Antiga no Brasil
em livros didáticos, em particular a respeito da Antiguidade Romana, e, em
segundo, no tocante ao uso do livro didático e ao papel do professor na
construção do conhecimento histórico em sala de aula.

Destaca-se que, nas últimas décadas, sobretudo a partir da abertura política


dos anos 1980 com o término da ditadura militar, ocorreu um avanço das
produções historiográficas em geral [Silva, 2010] e daquelas voltadas ao
campo da História Antiga em particular [Funari; Carvalho, 2007]. O ensino
de História apresenta um importante papel social nesse processo, já que
colabora com a autopercepção do aluno como sujeito histórico, uma vez que
todos, de certa forma, têm uma consciência histórica, criada na própria
vivência em sociedade [Rüsen, 2010]. Nesse mesmo contexto, o ensino de
História e de História Antiga ganhou no Brasil novas abordagens e
perspectivas críticas [Funari; Garraffoni, 2010], resultado de um olhar que
articula o conhecimento e o aprendizado sobre o passado em sua conexão
com as demandas e problemáticas contemporâneas [Funari, 2008].

Nesse sentido, foram selecionados três livros didáticos voltados ao Ensino


Médio: ‘História Global’, de Gilberto Cotrim, disposto em três volumes, cuja
1ª edição foi publicada no final do século XX e a 11ª em 2016 pela editora
Saraiva [Cotrim, 2016]; ‘Olhares da História’ [Vicentino; Vicentino, 2016],
editado pela Scipione; e ‘História geral e do Brasil’ [Seriacopi; Seriacopi,
2005], lançado pela Ática. Os dois primeiros foram aprovados pelo
Programa Nacional do Livro Didático [PNLD] de 2018, e o terceiro, pelo
Programa Nacional do Livro Didático de Ensino Médio [PNLEM] de 2009.
Logo, são utilizadas duas obras mais recentes, de 2016, e uma mais antiga,
de 2005, com o fito de examinar progressos e permanências entre os dois
momentos. Além disso, é feita uma comparação entre dois materiais da
mesma época de produção, que teoricamente deveriam partilhar de uma
conexão mais próxima entre si. Assim, por meio de uma abordagem
qualitativa, são verificados alguns acordos e desacordos entre esses
materiais e a produção historiográfica em pauta.

Com base em três aspectos relacionados ao ensino de História Antiga,


caracterizados por Silva e Gonçalves [2015, p. 1], a saber, “o livro didático,
a utilização de fontes históricas e a atuação do professor-pesquisador”,
apresenta-se uma análise mais atenta a cada um desses tópicos,
contemplando aspectos como: a importância da História Antiga na sala de
aula; a relação entre o livro didático e a mediação do ensino; e
representações da Antiguidade Romana nos livros didáticos.

A importância da História Antiga na sala de aula


Como mencionado acima, a área de História Antiga cresceu
significativamente no Brasil nas últimas décadas, sobretudo a denominada
112
Antiguidade Clássica, ou seja, os estudos sobre Grécia e Roma, o que é
perceptível pelo número de pesquisas realizadas, publicações de textos e de
traduções de documentos [Santos, 2014, p. 216]. Esse aumento, por sua
vez, propicia um maior diálogo com o Ensino Médio, de modo a levantar
pesquisas acerca das teorias e metodologias da educação, da Pedagogia e
das Instituições educativas. Assim, o ensino nas escolas tem sido “arejado”
[Funari; Garraffoni, 2010, p. 2]. Tal fato implica uma abertura a propostas
de ensino renovadas e a passagem a um modelo além do tradicional, aberto
às diversas experiências.

Em complemento, Silva e Gonçalves [2015] atestam que a Antiguidade


também se refere a nós, brasileiros, enquanto americanos e ocidentais,
além da nossa matriz indígena e africana. Os autores lançam mão de alguns
exemplos (que o professor pode usar em sala de aula), tais como: a
constituição da língua portuguesa do Brasil, derivada do latim e mesclada a
contribuições indígenas e africanas; a composição da jurisprudência
brasileira, em parte herdeira do Direito Romano; além das artes e dos ditos
populares [Sá, 2012; Silva; Gonçalves, 2015].

Portanto, cabe ao professor o papel de mediar esse diálogo de


temporalidades. Para tal, dispõe, entre outros recursos, do emprego do livro
didático, consoante será delineado com mais profundidade no próximo
tópico.

A relação entre o livro didático e a mediação do ensino


De acordo com Bittencourt [2015], nota-se o papel fundamental do docente
na maneira de ministrar o ensino de História por meio de instrumentos
variados, sobretudo o livro didático, não apenas com a reprodução de seu
conteúdo, mas como meio à sua ressignificação, ou seja, à transformação
em algo que tenha significado concreto e inédito aos alunos.

Apesar dos avanços observados na análise e apresentação dos conteúdos


em livros didáticos, esse instrumento, por outro lado, permanece ainda com
uma gama de elementos a serem revistos. Assim, por exemplo, ainda é
corrente a exposição de uma história linear fundamentada em relações de
causa e efeito e no determinismo geográfico, ou em “[...] simplificações e
generalizações, erros, anacronismos, juízos de valores e desatualizações”
[Silva; Gonçalves, 2015, p. 9].

Representações da Antiguidade Romana nos livros didáticos


Antes da abordagem de algumas representações do Império Romano nos
livros didáticos selecionados, faz-se necessário tratar brevemente do modo
como a História de Roma é discutida, em uma perspectiva ampla, pela
historiografia. Segundo Guarinello [2003], o passado só pode ser
compreendido pelo historiador por meio de “formas”, ou representações.
Contudo, o autor faz uma ressalva em referência às formas: “[...]
deveríamos estar muito conscientes de sua arbitrariedade, porque elas não
são inocentes ou totalmente inofensivas.” [Ibid., p. 5]. Nessa direção, o
pesquisador adverte que a própria opção por se estudar em sala de aula a
cidade de Roma em detrimento de outras já caracteriza uma escolha parcial
e política. Em sua ótica, tal postura se justifica pelo fato de Roma ter se 113
tornado posteriormente o centro de um grande Império. Em suas palavras:
“[...] explica-se o passado pelo futuro já conhecido” [Ibid., p. 54], a partir
de uma premissa que tenta adequar o passado aos interesses do presente.

A historiadora Semíramis Corsi Silva [2010, p. 149] mostra que a


Antiguidade Romana é usualmente retratada a partir de uma série de
estereótipos, como a ideia de que seria “[...] imperialista, imponente,
chata, violenta e soberba.”. Em contrapartida, a Antiguidade Oriental, em
especial o Egito Antigo, seria concebida como exótica, atrativa e misteriosa
[Silva, 2010]. No entanto, estudos como o de Funari [2008, p. 98] já
demonstraram uma renovação conceitual da História de Roma, atualmente
vista como “[...] aquela da diversidade, da absorção e da interação
cultural.”. Tal entendimento é refletido no retrato que Darcy Ribeiro faz do
Brasil enquanto a nova Roma, na ótica de Funari [2008].

Com respeito à questão da periodização do Império Romano, tema que será


debatido com mais afinco neste texto, Silva [2010] realça a dicotomia entre
Alto e Baixo Impérios, respectivamente, o período de auge e queda de
Roma, e como tal perspectiva é questionada em produções historiográficas
mais recentes. Baseada em Peter Brown [1972 apud Silva, 2010], a
definição de Alto Império é substituída pelo Principado, em referência aos
três primeiros séculos do Império Romano, e a de Baixo Império por
Antiguidade Tardia, em alusão às modificações de Roma em suas estruturas
político-administrativas, as quais já possuem elementos típicos do período
medieval subsequente.

Em complemento, Gilvan Ventura da Silva e Caroline da Silva Soares [2013]


indicam como os conceitos de Alto e Baixo Impérios foram usados como
simples marcos cronológicos, sem conotações valorativas, pois
representariam uma fase imperial mais remota [Alto Império] e outra mais
próxima de nosso tempo [Baixo Império]. Todavia, sublinham como tais
designações acabavam insinuando um momento de prosperidade seguido
por um de decadência, versão essa prolongada por séculos nas narrativas
histórico-literárias mais diversas e que, apesar de seu caráter obsoleto,
“[...] ainda encontra abrigo nos manuais didáticos escolares [...]” [Ibid., p.
140].

Além disso, Funari e Garraffoni [2004, p. 5] asseveram que “[...] durante


muito tempo as periodizações e os conceitos foram tomados como
naturais”. Já nos últimos trinta anos, segundo Marcelo Cândido da Silva
[2008], os historiadores cada vez mais têm deixado de utilizar as
expressões “crise do Mundo Antigo”, “fim do Império omano”,
“decadência”, preferindo, como Jacques Le Goff, o termo “desagregação”
[Gonçalves, 2001 apud Silva, 2010, p. 150]. Esse, na visão de Semíramis
Silva [2010, p. 150], é mais adequado por dar a ideia de transformação,
“[...] mais própria na história do que a ruptura total”.

Portanto, são essas e outras perspectivas historiográficas já questionadas


em função de seu viés ideológico que amiúde aparecem nos mais variados
114
livros didáticos brasileiros, tanto aqueles voltados ao Ensino Fundamental
quanto ao Ensino Médio. Logo, a partir dessa fundamentação teórica, passa-
se a uma abordagem qualitativa de três materiais didáticos de Ensino
Médio, com vistas a ilustrar algumas concepções da História de Roma
apresentadas até aqui.

Análise dos livros selecionados


O primeiro material a ser analisado será ‘Olhares da História’, obra em três
volumes redigida em 2016 pelos autores Cláudio Vicentino e Bruno
Vicentino. Já na ‘Introdução’ do primeiro volume, dedicado ao 1° ano do
Ensino Médio, fica claro o caráter diferenciado da obra como um todo, ao
questionar a construção do saber histórico e apresentar ao aluno as
diretrizes gerais do ofício do historiador.

Destarte, no ‘Capítulo 6: A civilização romana’, os autores abordam vários


aspectos do Império Romano, inclusive sua periodização. Assim, embora
empreguem as expressões “Alto” e “Baixo” Império, os Vicentino, de certa
forma, relativizam o teor tradicional dessa classificação. Primeiramente, em
momento algum utilizam o conceito de “Principado”, como sugerido por
Peter Brown [1972 apud Silva, 2010]. Em seu lugar, podemos ler as
expressões “Alto Império” e “apogeu romano” [Vicentino; Vicentino, 2016,
p. 167]. Em compensação, ao iniciar o tópico ‘O Baixo Império [séculos III
d.C.-V d.C.]’, os autores explicitam que alguns historiadores designam o
período como “Baixo Império”, enquanto outros preferem “Antiguidade
Tardia” [Ibid., p. 170]. No mesmo tópico, na seção ‘Leituras’, apresentam
ao aluno a perspectiva do historiador Norberto Luiz Guarinello, o qual elege
Antiguidade Tardia por destacar “[...] continuidades em vez de rupturas no
processo histórico, levando em consideração as interações culturais entre
sociedades.” [Ibid., p. 172]. Outro avanço observado, ainda que implícito, é
o uso de “desagregação” em vez de “decadência” [termo completamente
ausente], em harmonia com a proposta de Jacques Le Goff [Gonçalves,
2001 apud Silva, 2010].

Logo, nota-se que não só os autores se mostram a par das discussões


historiográficas mais recentes, como Silva e Soares [2013] e Marcelo
Cândido da Silva [2008], como também proporcionam ao aluno o contato
com diferentes visões e interpretações dos historiadores, algo que, de certo
modo, já fica indicado com o título do material didático.

Por outro lado, já no segundo material examinado, ‘História Global’, de


Gilberto Cotrim [2016], apesar de sua abordagem introdutória ser um tanto
aprofundada, próxima à dos Vicentino, o autor deixa a desejar no corpo do
texto sob vários aspectos. Tal fato fica evidente no ‘Capítulo 9: oma
Antiga’, onde o autor reproduz diversos conceitos errôneos, estereotipados
e obsoletos, já criticados pela historiografia mais recente. Isso fica mais
claro na periodização do Império Romano com base na divisão tradicional
entre o “apogeu” e o “declínio” de oma, presente de forma explícita no
subtítulo do tópico ‘Império’. Embora sem empregar as expressões “Alto” e
“Baixo” Império, aparecem no texto outras equivalentes, tais como
“apogeu”, “declínio”, “crise” e “queda”. Além disso, o “Alto” Império é
designado como Pax Romana, sem haver o uso de “Principado”, como em 115
‘Olhares da História’.

Em relação ao “Baixo Império”, o autor apresenta uma análise superficial,


sem embasamento teórico direto e explícito. Antes, apenas cita, no tópico
‘Crise do Império’, que esse processo “[...] é tema de estudos e debates
entre historiadores.” [Ibid., p. 125]. Contudo, não há menção a nenhuma
referência específica, ao contrário do que os Vicentino fazem. Portanto,
verifica-se o uso de uma linguagem vaga por Cotrim, a qual deixa
subentendido ao aluno que se trata de fatos dados e naturais, mesmo com
o propósito diverso explicitado na introdução. Ademais, trabalha as “razões
da crise” de oma consoante a linha positivista com ênfase nos fatos e
personagens políticos mais relevantes, sem destaque ao aspecto cultural.

Por fim, o terceiro material a ser analisado será ‘História geral e do Brasil’,
redigido em 2005 pelos autores Gislane Campos Azevedo Seriacopi e
Reinaldo Seriacopi, aprovado em 2009 pelo PNLEM e utilizado de 2009 a
2011 nos três anos do Ensino Médio. Percebe-se, de imediato, o atraso
entre a produção e a utilização do material didático, o que compromete o
seu caráter atualizado com a academia. Trata-se, em suma, de uma obra
simples, sem qualquer aprofundamento em questões tão relevantes quanto
as apontadas nas introduções dos outros dois livros didáticos.

Em primeiro lugar, verifica-se a inexistência de qualquer crítica às fontes


históricas e ao ofício do historiador. Ao contrário, os Seriacopi reproduzem o
modelo tradicional de inspiração na História Política, com pouca ou
nenhuma ênfase em questões culturais e sociais. Essas, quando presentes,
são por demasiado superficiais, o que é notório ao se analisar a
representação do Império omano no ‘Capítulo 16’ da obra.

Ao contrário dos livros ‘Olhares da História’ e ‘História Global’, aqui não há


muita aproximação entre o passado estudado e a realidade presente do
aluno. Tal falha está de acordo com o diagnóstico feito por Semíramis Corsi
Silva [2010] à maioria dos materiais didáticos.

Destarte, no tocante à periodização do Império Romano, os autores seguem


a mesma linha tradicional apresentada em ‘História Global’, reproduzindo a
noção de “auge e queda” de oma. Tal postura fica explícita na linguagem
empregada, como, por exemplo, o uso da expressão “[...] o apogeu e o
colapso do Império [...]” [Seriacopi; Seriacopi, 2005, p. 7] na introdução do
capítulo.

Como em ‘História Global’, não aparecem no texto as expressões “Alto” e


“Baixo” Império, porém outras equivalentes, tais como pax romana e “crise
econômica e agrícola sem precedentes” [Ibid., p. 77]. Mais uma vez o
“Principado” está ausente. Tampouco há a relativização de conceitos, ou
mesmo o recurso a Referências teóricas explícitas, tal como fazem os
Vicentino.

Por conseguinte, a partir da análise dos livros selecionados, verifica-se em


116
geral um descompasso entre a produção historiográfica mais atualizada e o
conteúdo dos materiais didáticos escolares. Esse está imbuído de interesses
políticos, ideológicos e mercadológicos de seu próprio tempo, realidade que
o professor em sala de aula deve considerar a fim de alcançar uma
mediação do ensino mais produtiva.

Considerações finais
Esta reflexão buscou trazer à luz alguns aspectos relacionados ao ensino de
História Antiga Clássica e suas representações em livros didáticos de Ensino
Médio. Para tanto, tendo em foco o período clássico romano, com ênfase às
questões relativas à periodização do Império omano e à sua “decadência”,
este artigo fez uso de uma breve discussão historiográfica com alguns
autores e elementos mais pertinentes ao tema. Quanto à importância da
História Antiga na sala de aula, ressaltou-se o papel da História com o seu
potencial transformador e identitário, vital na construção da cidadania. No
que tange à relação entre o livro didático e a mediação do ensino, destacou-
se a função crucial do professor em criar a ponte entre a Antiguidade e o
presente dos alunos por meio do ensino dinâmico mediado. Apesar disso,
observou-se um desalinho entre muitos materiais didáticos e a abertura a
uma prática docente mediadora. Tal fato fica mais evidente nas
representações da Antiguidade Romana nos livros didáticos. Nesse último
tópico, mostrou-se a falta de conexão muitas vezes existente entre o
conteúdo abordado e a realidade do aluno. Outra conclusão foi o desacordo
entre a historiografia clássica atual e as abordagens recorrentes nos
manuais didáticos, sobretudo com desatualizações. Contudo, é razoável
ponderar sobre o esforço de alguns autores em renovar a maneira como a
História Antiga é ensinada e representada nas escolas brasileiras.

A despeito de tais avanços no âmbito escolar e acadêmico, ainda é


necessário que o professor seja hábil o bastante para atuar em sala de aula
como mediador do ensino entre o passado estudado e o presente dos
alunos, pois assim será capaz de promover a construção do conhecimento
histórico de modo dinâmico, significativo e mais autônomo das ideologias
presentes no material didático. Dessa maneira, poderá cumprir o seu papel
de mediador com proveito e ministrar uma aula reflexiva e renovadora.
Essa é, pois, uma questão conveniente a todo pesquisador preocupado com
os caminhos do processo educativo e que exige atenção redobrada e
constante.

Referências
Daniel Roberto Duarte Granetto é graduando em História pelo Centro
Universitário do Sagrado Coração [Unisagrado/Bauru] e integra o grupo de
pesquisa “Gênero, sexualidade e sociedades”.
BITTENCOURT, C. Livros didáticos entre textos e imagens. In: ______.
[Org.]. O saber histórico na sala de aula. 12. ed. 2ª reimpressão. São
Paulo: Contexto, 2015.
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Diálogos, Maringá, v. 12, n. 2/ n. 3, p. 53-64, 2008.
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algumas ponderações – Apresentação de Dossiê, História, São Paulo, v. 26 117
n. 1, p. 14-19, 2007.
COTRIM, G. História Global, 1° ano [Ensino Médio]. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2016.
FUNARI, P. P. A. História Antiga – a renovação da História Antiga. In:
KARNAL, L. [Org.]. História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas.
5. ed. São Paulo: Contexto, 2008. p. 95-108.
FUNARI, P. P.; CARVALHO, M. M. Os avanços da História Antiga no Brasil:
algumas ponderações. Apresentação Dossiê de História, São Paulo, v. 26, n.
1, p. 14-19, 2007.
FUNARI, P. P.; GARRAFFONI, R. S. Considerações sobre o estudo da
Antiguidade Clássica no Brasil. Acta Scientiarum. Education, Maringá, v. 32,
n. 1, p. 1-6, 2010.
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Campinas, n. 51, jul. 2004.
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Antiga. POLITEIA: Hist. e Soc., Vitória da Conquista, v. 3, n. 1, p. 41-61,
2003.
RÜSEN, J. Didática da História: Passado, presente e perspectivas a partir do
caso alemão. In: SCHIMITD, M. A; BARCA, I.; MARTINS, E. R. [Orgs.]. Jörn
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pesquisa e o ensino da história das culturas cuneiformes na era digital.
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VICENTINO, C.; VICENTINO, J. B. Olhares da História: Brasil e mundo. 1.
ed. São Paulo: Scipione, 2016.
A RIQUEZA DO CONTINENTE AFRICANO: UMA EXPERIÊNCIA EM
SALA DE AULA
Isabele Fogaça de Almeida

“É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal


forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática". [Freire,
118
2011]

Tendo em vista fortalecer a relação teoria e prática, de articular a ideia do


saber com o fazer, em 2016 a disciplina de estágio supervisionado do curso
de Licenciatura em História da Universidade Estadual de Ponta Grossa
[UEPG] constituiu-se em formidável ferramenta de integração e
conhecimento do aluno na perspectiva social, econômica e do trabalho na
realidade escolar. Ainda em que se tratando de um terceiro ano do curso,
essa foi a primeira vez que nós estudantes, tivemos a oportunidade dentro
das disciplinas, de estar de fato em contato com a escola e as suas
múltiplas realidades, aplicando o que aprendemos na academia ou
aprendendo a aplicar o que tivemos que nos instruir por necessidade.

O meu caso foi o segundo, pois eu não tinha conhecimento sobre o assunto
que me coube para lecionar no estágio com o sexto ano do Ensino
Fundamental 2, Núbia e Reino de Kush. Esse é um desafio mais comum do
que se pensa na vida de professores de história. Um desafio e ao mesmo
tempo uma oportunidade de mostrar para mim mesma que sou capaz, e
que o conhecimento que não se restringe a uma sala de aula, também pode
ser de grande valia e proveitoso. Concordando com Guimarães e
Vasconcelos, “O ser professor é construído na história de vida, no terreno
da experiência pessoal e coletiva em determinados espaços e tempos
históricos” [Vasconcelos, 2003]

Com a vantagem de ter na professora a qual acompanhei no estágio do


ensino fundamental, a mesma de estágio do ensino superior, em conjunto
com o professor orientador fui agraciada com muitas dicas que favoreceram
a docência. Inclusive tive a oportunidade de reformular e aplicar um plano
de aula feito na disciplina de Oficina da História II em conjunto com o
Museu Campos Gerais, que tem um acervo de máscaras africanas.

Sem fórmula, com alguns acertos, muitos erros, a prática se molda a cada
situação, e mais do que isso, ensina a cada situação. Edifica-se a cada dia.
Mesmo já tendo três anos de experiência no PIBID, considero essa como
uma das práticas de mais valia para minha formação profissional, cada
passo deste relatório foi de grande aprendizado. Faço aqui das palavras de
Chaunu [1976], as minhas: “Isso nos faz reconhecer que a docência não é
uma profissão que se exerça algumas horas por semana:

é uma forma de partilhar o saber, um modo de relação com os outros.


Quanto à história, é um certo olhar sobre um mundo e um método de
conhecimento. A prática do ensino da História não se isola. Há para um
professor mil outras maneiras de aprender e ensinar e de ampliar a sua
formação” [Chaunu, 1976, p. 319].
Problematização
A relevância do estudo do tema se dá primeiramente em quebrar o viés
exclusivamente eurocêntrico da História, principalmente quando falamos em
História Antiga, no qual o continente africano [entre outros continentes] era
deixado de fora. E mesmo quando se é estudada uma das grandes
civilizações africanas, o Egito, parece que ela é retirada do seu continente, e
tratada como excepcionalidade à selvageria africana. 119

Além disso, outro ponto seria a desmistificação de características africanas


e a correção de Referências equivocadas que permeiam o nosso imaginário
e o dos alunos sobre os povos africanos, levando em consideração a
diversidade e multiplicidade cultural, social, encontrados no continente.

O continente Africano possui papel fundamental na história, as produções


artísticas e culturais dos diversos povos africanos datam como as mais
antigas do mundo. Ao falarmos de África é necessário reconhecimento que
nos referimos a grupos populacionais étnicos diferentes que possuem suas
próprias características socioculturais, línguas, artes e costumes.

Algumas características e diferenças alteraram-se como passar do tempo


enquanto outras se mantiveram, assim, estabelecendo certa continuidade;
outras ainda desapareceram ou foram substituídas devido às condições
socioeconômicas e mudanças históricas. Apesar de características
semelhantes entre os povos africanos é difícil se abarcar a totalidade e
particularidades da realidade Africana.

A arte e cultura africana são extremamente amplas e diversificadas, mas


possui características que lhe são peculiares, como a busca em “atingir o
coletivo de forma útil como também sagrada, dessa forma acaba se
diferenciando das manifestações ocidentais” [Amaral, 2011].

As características singulares da arte africana fizeram com que ela fosse


vista por muito tempo como inferior, sem considerar que como qualquer
produção humana ela também é diversa, conforme salienta Sodré [2001],
“a arte africana é outra forma de manifestação da sensibilidade humana,
tão variável quanto à diversidade cultural do nosso planeta”.

Pensando nisso, a abordagem do tema foi feita em duas unidades de


estudo. Após o conteúdo do Egito ser estudado pela turma com a professora
da classe, as intervenções começaram a ser realizadas no sentido de
mostrar outras civilizações que estão ao redor do Rio Nilo, e que não só a
civilização egípcia foi dádiva deste rio.

Assim, foi trabalhada primeiramente a formação da Núbia e do Reino de


Kush, suas características gerais e como ocorreu sua decadência, e na
sequência, as máscaras africanas como símbolo da diversidade de
manifestações culturais em muitos povos do continente.

A arte africana possui intima ligação com a religião, nos rituais africanos a
música e a dança têm papel fundamental, juntamente com as Mascaras,
que juntos formam a base de tais praticas religiosas. Conforme destaca
Ferreira [2004]:

“As Máscaras nas comunidades africanas, geralmente estão ligadas a rituais


religiosos, de guerra, de fertilidade da terra e até mesmo de
entretenimento, elas são criadas para serem vistas em movimento.
120
Diferentemente das máscaras da sociedade ocidental, para as comunidades
africanas toda a indumentária que cobre o corpo do mascarado é
considerada máscara; e geralmente são os homens quem dançam
mascarados”.

A dança música e as máscaras são eixos interligados e demonstram as


necessidades especificas de cada divindade, orixás ou ancestrais que se
busca conexão. Os rituais encontram na mitologia a base da sua
espiritualidade: o entendimento do mundo e a fé, mas para se alcançar a
conexão com o mundo espiritual a máscara ganha um corpo humano, ao
vestir a máscara o indivíduo tornava-se um espírito.

A confecção das máscaras se preocupa com a conexão com o divino, por


isso não possuem semelhança com rostos humanos, ainda sobre sua
confecção Ferreira [2010] destaca que:

“As máscaras africanas geralmente são esculpidas em madeira, a sua


confecção passa por rituais desde a escolha de quem vai confeccioná-la até
o ritual de purificação pelo qual o escultor irá passar, para que possa a
partir daí, nascer uma nova máscara em substituição de outra”.

O uso da madeira nas máscaras está ligado a relação natureza e cultura, e


os artífices africanos acreditavam que as arvores possuíam espíritos e dessa
forma a madeira seria receptora espiritual para seu portador durante os
rituais.

Cada máscara possui características e significados diferentes variando de


acordo com a tribo pela qual eram usadas. As formas, as cores estilizadas e
os animais como elmos, pássaros e personagens presentes nas mascaras
tinham significados diversos de acordo com o rito em que seriam usadas,
que por sua vez eram diversos: rituais religiosos, celebração de felicidade
ou também da morte, iniciação dos jovens, para cura de doenças físicas e
mentais e existiam também as ‘máscaras passaporte’ que serviam para o
trajeto de uma tribo para outra.

As máscaras foram usadas por muito tempo para rituais, atualmente ainda
são produzidas com fins comerciais, o maior uso é para decoração. Para os
africanos, as máscaras simbolizavam a vida, e quando expostas em museus
a sacralidade desses objetos não nos é visível, apenas observamos
enquanto escultura, mas a essência da sua estética possui significados que
não são perceptíveis na observação leiga:

“As esculturas africanas em geral se caracterizam basicamente por


expressarem esteticamente um conceito, uma ideia, uma essência, para
além da aparência 'realista', referem-se um repertório de signos que muitas
vezes se expressam em formas abstratas geométricas e exploram um
espaço multidimensional. As esculturas representam e invocam uma visão
do mundo, materializam forças invisíveis, representando-as. É a 'escultura
dos signos', como se referiu Ola Balogun”. [Luz, 1983]

É perceptível a beleza da arte Africana e as máscaras são apenas uma parte 121
dela, além de obras de arte possuem uma função social. A formação social
do continente africano foi fortemente influenciada pelos moldes europeus
ocasionando conflitos na formação de identidade dos povos bem como na
preservação e valorização do legado por eles deixado. O resgate dessa
cultura e da história original é fundamental seja por meio de documentos,
museus, oralidade, a própria cultura por meio de cultos, cerimônias e
religiões e principalmente na escola.

Intervenções
As intervenções foram realizadas no Colégio Estadual Nossa Senhora das
Graças, situado no município de Ponta Grossa, em um período de doze
horas/aula - sendo seis para a primeira unidade sobre a formação da Núbia
e do Reino de Kush, e seis para a segunda unidade sobre as máscaras
africanas.

A primeira unidade foi iniciada com a abordagem do que eles estavam


estudando anteriormente, no caso o Egito, e se eles achavam que somente
esta civilização aproveitou as vantagens do Rio Nilo. Após uma breve
discussão, onde a maioria dos alunos acreditavam na possibilidade de mais
povos terem aproveitado em próprio benefício o Nilo, com o auxílio de
slides, foi apresentada a imagem do mapa mundi, para que fosse
identificado o continente africano, e uma imagem no mapa do rio Nilo.

Para que os alunos identificassem a Núbia [ao redor do Nilo, mas no espaço
ao sul do Egito e norte do Sudão], o reino de Kush que se desenvolveu
nesse espaço, e suas principais cidades Kerma, Napata e Méroe, cada aluno
ganhou uma cópia dessa imagem, para que encontrassem e destacassem
com a caneta esses espaços.

Após essa identificação geográfica, foi explicado pela professora estagiária


que de acordo com a localização da Núbia, ela servia como passagem de
produtos entre a África Central e o Mediterrâneo, além do Oriente próximo e
da Ásia distante. Ou seja, um lugar bem movimentado pelo comércio. Além
disso, como era bem perto do Egito, a Núbia era bastante influenciada
culturalmente por eles, e só a partir de 3000 a. C. é que se pode perceber
uma clara diferença entre a civilização egípcia, ao norte e Núbia, ao sul
[levando em conta que os povos ao redor do Nilo começaram a se
estabelecer em 6000 a. C.].

Após essa diferenciação de povos, o reino de Kush ficou mantendo comércio


e contato com o Egito, mas havia disputas de poder e território entre essas
duas civilizações, na qual os kushitas foram inclusive feitos de escravos
pelos egípcios em alguns momentos. Mas lá em 730 a. C. os kushitas
venceram os egípcios e governaram o Egito por 100 anos, e foi aí que
surgiu a dinastia dos “faraós negros”.

Foi explicado também o porquê dessa denominação, lembrando que os


egípcios também eram negros. Então os habitantes de Kush foram desde
escravos até faraós egípcios, ou seja, em um momento estavam na pior
122
estratificação social da sociedade egípcia, e em outro, na mais alta.

Outra informação explicada, foi o poder das mulheres em Kush. Lá era


comum elas assumirem o poder, diferente do Egito, que dificilmente uma
mulher chegava a governar. Culturalmente em Kush as mulheres eram
aceitas para a administração do Império. E quando não governavam
diretamente, exerciam influência sobre os governantes. Existiam rainhas-
mães, que as chamadas candaces, que influenciavam nas decisões que o
seu filho-rei tomava. Além disso, as mulheres também podiam ser líderes
religiosas, sacerdotisas, e tinham poder decisivo na escolha de novos
governantes.

No Egito a escolha de novos governantes acontecia de maneira hereditária,


de pai para filho. Em Kush, se reunia alguns nomes e segundo a vontade
dos deuses tal rei iria ser escolhido e governaria, e como as mulheres eram
sacerdotisas, participavam dessa decisão ativamente. Deus legitimava o
poder desses governantes. O governo era teocrático, o que significa que o
poder estava submetido às normas da religião kushita, e que tal poder
vinha ao governante através dos deuses.

Os governantes eram representantes de algum deus na Terra. Para melhor


exemplificar a escolha dos governantes kushitas, foi feita na sala uma
dinâmica com os alunos, onde cada um teve que votar secretamente em
alguém que teria as melhores características conforme as suas concepções,
para ser o rei da sala. Depois de ver qual aluno recebeu mais votos, foi
perguntado aos Deuses se este era capaz de governar jogando sementes
para cima e analisado a disposição que estas cairão, a resposta encenada
pela professora estagiária foi afirmativa.

Em seguida foi entregue uma pirâmide para cada aluno, para que fosse
preenchida em conjunto com a turma e entendessem a posição e
importância de cada classe na sociedade kushita. Após foi finalizado com a
discussão de como o Reino de Kush acabou; uma das principais atividades
da economia era o comércio, seguido pela agricultura, na qual também
utilizavam o Rio Nilo, a pecuária, feita principalmente com o gado, e a
mineração, em que o território continha muito ouro, entre outros minerais
preciosos. Mas gradativamente, assim como acontece com outras
civilizações, como o Egito por exemplo, Kush vai perdendo poder, e é
dominado por outro reino, que estava mais ao sul, o Reino de Axum, no
séc. IV d.C.

A segunda unidade teve como objetivo trabalhar a simbologia das máscaras


em geral; mostrar algumas características da cultura africana, relacionadas
com as máscaras; incentivar a imaginação na observação das máscaras; e a
Produção de máscaras com significado. Foi iniciada com a professora
estagiária entrando na sala mascarada e questionando se os alunos
advinham o tema da aula.

A sala ficou disposta com as cadeiras em semicírculo. Relacionando com


personagens que os alunos conhecem que usam máscaras, como Batman,
Homem-Aranha, Mulher Gato, Esqueleto, Homem de Ferro; foi explorada a 123
simbologia das máscaras em geral.

Dando continuidade foi entregue uma luva de procedimento a cada aluno, e


passado algumas máscaras africanas emprestadas do acervo do Museu
Campos Gerais, para que pegassem, sentissem, cheirassem, observassem e
analisassem cada uma.

Na sequência foram questionados aos alunos seus significados, sua origem,


o material de composição dentre outros aspectos através de uma tabela de
observação desenhada no quadro. Essa dinâmica introduziu a explicação
sobre as máscaras africanas, juntamente com um vídeo que foi passado
sobre o segredo das mesmas [Os segredos, 2016].

Em seguida foi explanado sobre a importância delas em todo continente


africano e exposta toda coleção na parte da frente da sala, e explicado as
informações de cada uma. Por último, a professora estagiária mostrou a
máscara que fez evidenciando seus significados; e na sequência explicou
que cada aluno deveria produzir uma máscara com significados que
tivessem relação com si mesmo.

Depois de finalizadas, com a sala disposta com as cadeiras em semicírculo,


cada aluno apresentou sua máscara e explicou seu significado. Na
sequência foram recapitulados pontos chaves das aulas em conjunto com a
turma e tirada uma selfie com a professora estagiária e o conjunto dos
alunos e suas máscaras:
124

Fonte: Acervo fotográfico da autora.

Para finalizar, motivada pelo sucesso que as máscaras fizeram dentro da


turma, e com os outros alunos do colégio; a professora estagiária fez um
mural no pátio da escola e colou as máscaras dos alunos para que ficassem
expostas para toda comunidade escolar ver.

Considerações finais
As intervenções feitas durante o estágio proporcionaram a compreensão do
quão rico é o continente africano, bem como da sua validade para conhecer
e estudar a sociedade, a cultura; sobrepondo às barreiras preconceituosas
que muitas vezes impomos sobre ele, por pura falta de conhecimento que
acaba levando ao desrespeito.

Esta proposta contribuiu positivamente para todos; a professora estagiária


por tudo que conheceu e aprendeu tanto no preparo quanto na prática com
as intervenções; para os alunos que participaram ativamente de todos os
momentos de forma muito entusiasmada; e a escola e a sociedade, que
certamente ganham com ela.

Ainda, destaca-se que os objetivos das intervenções foram atingidos, e que


a proposta teve contribuição na desafiante prática docente alternativa, que
excede o modelo da educação tradicional. Considera-se ainda aqui, a
aspiração de levar esse modelo de intervenção a outros colégios da cidade
de Ponta Grossa, com o apoio do Museu Campos Gerais e seu acervo das
máscaras africanas.

Referências
Isabele Fogaça de Almeida é Mestranda em História, Identidade e Cultura
na UEPG.
AMARAL, R. K. A. Introdução a discussão da arte nos rituais africanos.
Revista Africa e Africanidades, III, n. 12, 2011.
FERREIRA, L. G. As máscaras africanas e suas múltiplas faces. Anais
Eletrônicos II Encontro Estadual de História ANPUH-BA: “Historiador ‘a que
será que se destina? ’: Dilemas e perspectivas na construção o do
conhecimento histórico.” – Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira
de Santana, 2004 125
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. 43. ed., São Paulo: Paz e Terra, 2011.
LUZ. Marco Aurélio. Estética Negra e Artes Plásticas. In: Cultura Negra e
Ideologia de recalque. Edições Achiamé Ltda. Rio de Janeiro. 1983.
Os segredos das máscaras africanas. Palpita Brasil. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=-PwX8PU-QZU>. Acesso em: 10 de
agosto de 2016.
SODRÉ, J. Arte Africana. - Uma brevíssima abordagem. Correio da Bahia.
06 de janeiro de 2001.
VASCONCELOS, G. A. N. [Org.]. Como me fiz professora. Rio de Janeiro:
DP&A, 2003. Disponível em:
http://rbep.inep.gov.br/index.php/RBEP/article/viewFile/1619/1344. Acesso
20 de fevereiro de 2020.
UM PASSEIO PELA ANTIGUIDADE CLÁSSICA: RECONSTRUINDO O
PASSADO COM O ASSASSIN’S CREED ODYSSEY DISCOVERY TOUR
Isaias Luis dos Santos Junior

A ideia de recriar o passado das mais variadas formas, sejam elas


representações historicamente verificáveis ou puramente fictícias, não é
126
uma novidade para a indústria cultural. Assistimos filmes sobre a Segunda
guerra mundial, escutamos músicas sobre Cangaceiros no sertão brasileiro,
apreciamos peças sobre generais romanos, lemos romances sobre faraós,
etc. Para além das mídias mais tradicionais, a temática histórica vem
ganhando espaço no mercado de jogos eletrônicos, que com o avançar da
sua própria tecnologia, se tornou capaz de produzir seus próprios jogos
‘históricos’, singulares simulações do passado, com o bônus da interação,
característica inerente à própria ideia de jogo.

Com os avanços tecnológicos, os jogos tornaram-se capazes de utilizar


diversos tempos históricos como ambientação para variados gêneros:
estratégia em tempo real, gerenciamento, tiro em primeira pessoa, ação e
aventura, etc. Sendo assim a história oferecia uma espécie de cenário para
os desenvolvedores de jogos criarem suas mecânicas em prol da diversão.
Contudo, narrativas históricas mais complexas vêm ganhando destaque em
alguns jogos, como por exemplo, a franquia de ação e aventura Assassin’s
Creed, criada pela empresa Ubisoft em seus diversos estúdios.

Discovery Tour
Desde o lançamento do primeiro Assassin’s Creed em 2007, e utilizando o
slogan “History is our playground” [Ariese; Boom; Mol; Politopoulos, 2019]
a franquia de jogos se utiliza de seu enredo sobre a disputa entre
‘assassinos’ e ‘templários’ através dos séculos, para visitar várias
temporalidades [Cruzadas, renascença italiana, Revolução Francesa, entre
outros]. Em 2018, a franquia experimentou algo inédito em sua formula,
trazendo ao jogo Assassin’s Creed Origins – ambientado no Egito
Ptolomaico, o primeiro a abordar a antiguidade – um novo modo intitulado
Discovery Tour, focado em fornecer a experiência de um “museu virtual”
pelo Egito “recriado” pelo jogo [Bondioli; Lima, 2019].

Em outubro de 2018, foi lançado o jogo mais recente da franquia,


Assassin’s Creed Odyssey, ambientado no período clássico Grego, produzido
pela Ubisoft Quebec. Durante o jogo, o jogador poderá interagir com
personagens históricos, visitar as principais Pólis do período clássico e
participar de batalhas conhecidas da Guerra do Peloponeso. Após quase um
ano, em setembro de 2019, a Ubisoft disponibilizou o modo Discovery Tour:
Grécia Antiga para o jogo. Com ele vieram 30 Tour espalhados pelo
território grego presente, com temáticas que variam entre o dia a dia do
homem grego, a política e filosofia, arte, religião, mitos, batalhas e cidades
famosas.

A proposta inicial pretende realizar uma análise do modo Discovery Tour


criado para o jogo mais recente da série, entendendo que o mesmo é
produtor de saberes históricos, e por isso deve ser analisado, objetivando
possíveis formas do uso de tal ferramenta no ensino de história antiga,
como um recurso dinâmico, numa linguagem mais atrativa aos estudantes.
Por fins metodológicos, foram selecionados os Tours localizados na região
da Ática, região onde esta localizada a polis de Atenas, totalizando 11 tours
que falam desde o sistema democrático ateniense ao mercado de cerâmicas
da cidade.
127
Para analisar jogos que simulam uma realidade histórica, é preciso definir
alguns conceitos iniciais. Sobre o ato de reconstruir um era passada,
Bondioli e Lima, que trabalharam com o Discovery Tour do Assassins’s
Creed Origins, afirmam que:

“Essas tentativas que se apresentam enquanto uma realidade são, no


entanto, construções produzidas por um determinado grupo imersos em
valores culturais atuais díspares dos que vigoravam na Antiguidade, fazendo
com que as chamadas reconstruções sejam, portanto, visões anacrônicas,
às vezes idealizadas em demasia, sobre a condição do passado.” [Bondiole;
Lima, 2019, p.7].

Portanto, podemos entender que mesmo com o esforço dos


desenvolvedores em criar uma antiguidade grega ricamente detalhada,
historicamente precisa, se utilizando de dados arqueológicos e históricos,
ainda não seria uma reconstrução exata deste passado. O que não invalida
seu potencial como ferramenta tanto de construção e desconstrução sobre a
antiguidade.

A própria natureza do Tour, estabelecido pelos desenvolvedores como um


“museu virtual”, também foi questionado por Bondioli e Lima, uma vez que:

“As instituições museológicas físicas podem deturpar o passado,


distorcendo-o por meio da seleção do que será exibido e como será
disposto, reestruturando-o para a criação de uma narrativa coerente para a
visitação, o que podemos então supor sobre essa nova experiência
interativa digital onde o museu é virtualizado e pode ser acessado e visitado
pelo guiar de um controle de videogame?” [Bondiole; Lima, 2019, p.9].

Tendo em vista que todo Tour, no jogo, se trata de uma seleção de dados
históricos, ele pode nos oferecer informações também sobre que visão da
antiguidade grega os desenvolvedores estiveram preocupados em
transmitir. E com isso, também vem outro ponto que devemos manter em
mente com relação ao mercado dos jogos: A concentração de maior parte
da indústria ocidental esta localizada na América do Norte e na Europa, e
conseguintemente, empregando sua bagagem cultural nos jogos produzidos
[Ceciliano, 2019, p. 381].

Portanto, este trabalho pretende primeiramente investigar o que pode ser


apreendido deste passeio virtual guiado, localizado em uma reconstrução do
período clássico grego, e então analisar criticamente que tipo de discurso
essa nova linguagem histórica pode produziu através do que foi
apresentado e de que maneira isto se deu, mas sem esquecer de possíveis
omissões. E por fim, ponderar sobre interações deste conteúdo com o
ensino de História.

Após a análise crítica, será ponderado as possíveis interações desta


ferramenta com o ensino de história na sala de aula. É preciso ter em
mente que este ainda é um produto midiático que não está acessível a uma
128
parcela da população, tampouco a maioria das instituições de ensino
tenham recursos para adquirir computadores que tenham capacidade para
instalação de jogos ou mesmo consoles. Pensando em maneiras de lidar
com estes problemas, o Discovery Tour pode oferecer algumas soluções,
pois, devido ao seu formato onde a interação do jogador é menor do que o
modo normal do jogo, pode ser editado em formato de vídeo e trazido à
sala de aula com o mínimo de equipamento necessário [Um computador e
um projetor].

Ao acessar o modo Discovery Tour, o jogo dá ao jogador a liberdade de


escolher a qual Tour deseja visitar, os separando apenas por temática. Ao
iniciar cada Tour, somos saudados por o nosso guia, que pode alternar
dependendo do local do tour e geralmente é uma figura histórica real. Ele
apresenta um breve comentário geral sobre a temática do passeio. Em
seguida, o jogador é guiado para as estações, aonde assiste a um curto
vídeo narrado que traz informações sobre o tópico específico em jogador se
encontra, dentro do passeio. Após o vídeo de cada estação, o jogador pode
acessar um menu que traz informações extras, mas de caráter optativo
para a conclusão dele. Ao final, o jogador se encontra novamente com o
guia. Nesta conversa, ele tem a opção de encerrar o tour, seguir para o
próximo ou realizar um teste sobre o assunto do tour.

Para aferir o conteúdo que é passado em cada tour, foram seguidos os


seguintes passos metodológicos: Análise do diálogo com o guia, quem ele é
e o que tem a dizer sobre o tour; Recolhimento das informações narradas
ao jogador em cada estação, assim como das cenas mostradas [o local,
como foi reconstruído, que atividade os personagens no jogo estão
exercendo, quais são suas vestimentas, são personagens reais ou fictícios,
etc] e das informações extras; Realização do teste, verificando todos os
comentários do guia para as respostas corretas e incorretas.

Visitando o Pnyx
Como exemplo, utilizaremos o tour Democracia em Atenas. A nossa guia se
trata de Aspásia, personagem histórico real, que em sua introdução, nos diz
que estamos no Pynx, local onde os cidadãos se reunião para a assembleia.
Em seguida somos guiados a primeira estação, onde a narração estabelece
que essa assembleia chama-se Eclésia e se reunia 40 vezes por ano. Ela
também traz alguns dados sobre a democracia ateniense, que serão
resgatados futuramente, tais como o direito a voto e fala para todos os
cidadãos homens acima de 20 anos – e só homens são mostrados como
participantes durante a cena- e a capacidade de serem eleitos magistrados
após os 30 anos. Também estabelece que havia cerca de 30 mil cidadãos
em Atenas no período clássico, sendo que era necessários 6000 mil
cidadãos para realizar votações. O Pnyx, cujo significado seria
“aglomerados”, era assim chamado devido ao estado que se encontravam
os cidadãos durante as reuniões. Porém, ao analisarmos a cena, notamos
que há poucas pessoas escutando um cidadão discursar – Posteriormente é
mostrado que este mesmo cidadão é Péricles – em contraste com o que a
narração estabeleceu. Provavelmente uma limitação técnica do próprio jogo.

Ao oferecer informações opcionais o jogo oferece definições acerca dos dois 129
estilos majoritários de governos presentes na Grécia clássica, a tirania e a
oligarquia. Contudo ele não define a Democracia ateniense, e ao falar de
suas origens – desde o sistema oligárquico, passando pela tirania de
Pisístrato – acentua que surgiu da necessidade de se evitar que a cidade
fosse governada tanto por uma oligarquia ou por um novo tirano.

Na segunda estação, recebemos mais informações sobre o funcionamento


da Eclésia, seu processo de votação, e especifica que sua função não seria
promulgar leis, mas tomar decisões. As informações extras focam
exclusivamente no lugar ocupado pela mulher na sociedade grega,
destacando sua participação ser negada nas assembleias assim como seu
papel sacerdotal nos grandes cultos da cidade.

A estação seguinte aborda a temática do Magistrado. Estabelece que eles


são oradores carismáticos, com forte influência nas decisões da Eclésia.
Durante toda a narração a cena mostra Péricles realizando um discurso. Ele
também é usado como exemplo de um magistrado. A todo o momento o
termo magistrado designa qualquer pessoa eleita para um cargo, mas
nunca é especificado que existem diferentes cargos. Nem mesmo o de
Péricles é citado. Nas informações opcionais, o texto traz a ideia de que a
democracia ateniense apresentava diferenças entre a prática e a teoria, no
sentindo de que os magistrados eleitos eram em sua maioria advindos da
aristocracia até meados do século IV a.C. Tal situação só veio a apresentar
mudanças quando comerciantes ricos começaram a ganhar espaço na
política, reiterando a ideia de que o sucesso político estaria associado ao
poderio financeiro.

Na penúltima estação, o tema principal é a participação dos cidadãos na


democracia, resgatando o assunto iniciado nas informações adicionais da
estação anterior. O impeditivo financeiro era a principal razão pela qual os
cidadãos comuns não compareciam à assembleia. Para mudar tal situação,
foi criado no século IV a.C. o Misthos ekklesiastikos, um abono para quem
participasse da reunião. As informações extras reiteram a ausência dos
cidadãos no processo democrático, utilizando-se da peça de Aristófanes “Os
Arcanânios” para demonstrar como era a situação no século V a.C. antes de
abono. Acrescenta, inclusive, que o Pnyx precisou ser ampliando, um século
depois, devido ao sucesso da prática de compensar as horas de trabalho
perdidas na assembleia.

A quinta e ultima estação é um elogio final a democracia ateniense,


estabelecendo-a como referência para os modelos democráticos que se
seguiram no mundo ocidental, enquanto que a cena mostra o Pynx como
mais uma parte da recriação histórica da cidade de Atenas. As informações
opcionais continuam a debater a origem das democracias como uma
resposta a governos de tendência autoritária, não só no período grego, mas
através dos séculos. Por fim, deixa a ideia de que a maior herança da
democracia ateniense seria o conceito de que o poder emana das pessoas.

Por fim, ao voltarmos a falar com Aspásia, realizamos o teste construído


130
pelo jogo. Consiste em três perguntas com quatro alternativas, onde se é
cobrado do jogador que ele saiba o número correto de cidadãos no período
clássico de Atenas [30 mil], que reconheça o único magistrado famoso entre
quatro figuras históricas gregas [Perícles] e, por último, que recorde o
significado da palavra [Pnyx]. Sendo assim, ele propõe a verificação de
informações pontuais mostrada ao jogador durante o tour. Contudo, uma
informação relevante pode ser adquirida quando o jogador responder,
erroneamente, que 300 000 mil seria o número de cidadãos da cidade.
Aspásia nos corrige dizendo que este era o número total de pessoas que
viviam a cidade, nos levando a subentender que o número de cidadãos
representava apenas 10% da população ateniense.

Portanto, o tour Democracia em Atenas nos oferece um conjunto de


informações sobre aspectos básicos da estrutura democrática no período
clássico, deixando o conteúdo mais crítico de forma opcional ao jogador. O
conceito de cidadão, por exemplo, surge de maneira simplificada, assim
como as funções dos magistrados. E o próprio conceito do que seria uma
Democracia não é trabalhado diretamente, apenas ficando implícito a partir
da ideia que todo cidadão teria direito a voto e fala, mesmo que
problematize, mesmo que superficialmente, essa participação direta.

Durante as cenas, algumas informações se evidenciam. A tonalidade de pele


dos gregos é mostrada como mais próxima a negra - que nos remete a
diversidade étnica mediterrânea - do que ao branco, como é comumente
representada em outras obras midiáticas. Continuando a análise, é
perceptível que as vestes da maioria dos personagens representados no
Pnyx [imagem 1] se mostram ser de pessoas pertencentes a uma classe
mais abastada, possivelmente aristocratas. Na mesma cena, é possível ver
mais ao fundo, personagens usando trajes comuns a várias outras pessoas
espalhadas pela cidade, sendo possivelmente representação de cidadãos
comuns. É interessante notar que durante a representação do discurso de
Péricles, estes cidadãos mais ao fundo apresentam um comportamento mais
exaltado, enquanto os aristocratas à frente mantêm uma postura sóbria.
Isso corrobora para a visão de que as classes mais ricas participavam de
maneira diferente nas relações políticas.
131

Imagem 1: Péricles discursando.


Fonte: Assassin’s Creed Odyssey, 2018

O estimulo visual de algumas cenas narradas [imagem 2], com momentos


que realçam o Pnyx como parte da cidade de Atenas, por exemplo, funciona
como um alicerce para firmar a ideia de que tudo o que ali é realizado influi
diretamente na cidade, mas também traz a sensação de que o Pnyx é um
local que está acima dos demais locais – com exceção do complexo do
Parternon. Sua estrutura aberta estabelece uma ideia de participação direta
de várias pessoas, ao mesmo tempo em que a reconstrução da plataforma
onde os cidadãos discursavam recebe um ar quase sagrado, ao ser
decorada com estátuas, piras e vasos decorativos.

Imagem 2: Colina do Pnyx com a cidade de Atenas ao fundo.


Fonte: Assassin’s Creed Odyssey, 2018

Considerações finais
Com base no conteúdo que foi aqui analisado, podemos afirmar que o
discurso construído na narração busca ecos de sua mensagem na
reconstrução visual exercida pelo jogo. Ambas abordam a democracia
ateniense de uma maneira introdutória, mas trazem certa complexidade de
ideias e valores encontrados em seu subtexto.
Visando seu uso na sala de aula como ferramenta de ensino de história
antiga, o modo Discovery Tour pode ser usado como ponto inicial para
discussões sobre a antiguidade. Por ser um recurso visual e dinâmico, as
possibilidades de uso são variadas, indo desde o uso das cenas narradas em
vídeo como elemento de introdução ao tema à analise em conjunto por
132
parte de professor e aluno das informações opcionais trazidas de cada
estação, ou, em casos específicos, o próprio ato de colocar os alunos para
jogarem e interagirem com o tour a sua própria maneira.

Portanto a utilização deste recurso tecnológico, considerando que o mesmo


se torne acessível aos professores e instituições de ensino, possibilitaria
uma compreensão da antiguidade, construída de maneira mais interativa e
lúdica.

Referências
Isaias Luis dos Santos Junior – Graduando de licenciatura em História na
Universidade Federal da Paraíba. O presente trabalho foi realizado sobre
orientação da professora Priscilla Gontijo Leite, doutora em mundo antigo
pela Universidade Federal de Minas Gerais e professora da Universidade
Federal da Paraíba.

ARIESE, Csilla E.; BOOM, Krijn H. J.; MOL, Angus A. A.; POLITOPOULOS,
Aris. History Is Our Playground ” : Action andAuthenticity in Assassin ’ s
Creed: Odyssey. Advances in Archaeological Practice 7[3], 2019.
BONDIOLI, Nelson de Paiva; LIMA, Rodrigo Araújo de. Descobrindo e
ecobrindo o Passado nas Salas de Aula com Assassin’s Creed Origins
Discovery Tour. Revista Arqueologia Pública, v. 13, n. 1, 2019.
CECILIANO, Vinícius de Oliveira. Desafios para o uso de Videogames como
ferramenta de Educação em História. Aprendendo História: Mídias. União da
Vitória: Edições Especiais Sobre Ontens, 2019.
RELATO DE EXPERIÊNCIIA: 0,50 CENTAVOS DE GRÉCIA ANTIGA, A
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA E OS USOS DO PASSADO
Jacquelyne Taís Farias Queiroz

A Educação da atualidade busca cada vez mais se afastar da aprendizagem


mecânica. Tal questão se tornou o centro das atenções entre os estudiosos 133
acadêmicos e o motivo de inúmeras reuniões pedagógicas nas instituições
de ensino públicas e particulares. Tem-se buscado valorizar o saber e a
vivência que o aluno traz consigo para iniciar um processo de ensino-
aprendizagem nas mais diversas disciplinas.

Para Ronca [1980, p. 70-72], no processo da aprendizagem significativa o


professor tem o papel do organizador, onde vai estabelecer uma ponte
entre o que o aluno já traz de vivência/experiência e aquilo que ele precisar
saber. Inclusive utilizando de comparativos que demostrem semelhanças e
diferenças entre ambos os conjuntos de ideias. Dessa maneira o conteúdo a
ser aprendido adquire um potencial de significado para o aluno facilitando a
aprendizagem e retenção.

A aprendizagem significativa vem de maneira harmônica e coerente


colaborar com a atuação do professor de História, pois, para Rocha [2001,
p. 50-51], este pode proceder de uma maneira que possibilita o aluno fazer
uma leitura objetiva da realidade que o cerca, utilizando como ponto de
partida o imaginário do discente, o que se pretende: “na verdade, é que as
representações do aluno, conscientes ou não, possam servir de elo entre o
que ele já sabe e o que se supõe necessário que ele venha a saber” [ ocha,
2001, p. 62- 63].

Em diversas circunstâncias o saber que o aluno leva para as aulas que


envolvem o estudo da História Antiga [sejam no Ensino Fundamental II,
Ensino Médio ou Ensino Superior] são frutos dos imaginários, imagens,
informações relacionadas à maneira como a política, a indústria cultural e o
capitalismo em si recepcionam e utilizam dos diversos aspectos da
Antiguidade para legitimar suas ações. Como por exemplo, no filme Os 300
de Esparta (2007), onde apresentou-se os gregos como belos heróis em
oposição aos persas incivilizados horrendos, pois a produção fílmica
somente: “traduziu em palavras e imagens, representações em voga desde
a Antiguidade, e que vem sendo amiúde retomada desde o início da Idade
Moderna para opor de modo irreconciliável duas esferas, a saber: o Oriente
e o Ocidente” [Cordeiro; Souza Neto, 2018, p. 265-268]. Deixando bem
perceptível e clara a prática do Orientalismo [Said, 2013, p. 29] da
atualidade em um filme com temática relacionada ao mundo antigo.

No meio acadêmico, tem-se gerado discussões em torno da ideia do mundo


antigo como presença marcante na modernidade, reformulada para atender
os interesses e afirmações identitárias do presente em diversos âmbitos e
setores de nossa sociedade. [Gralha; Garraffoni; Funari; Rufino; Silva,
2019, p. 11]. Nesse sentindo, para tornar a aprendizagem de diversos
aspectos da Antiguidade mais significativos tenho buscado construir
pequenas crônicas denominadas 0,50 centavos de Grécia Antiga disponíveis
no blog Sofia e as Corujas - o link de acesso encontra-se nas referências da
presente comunicação, onde faço o exercício de identificação dos usos do
passado ou da maneira como a Antiguidade é recepcionada através da
análise de produtos comercializados, empresas e locais de visitação pública,
na tentativa de perceber a relação entre a nomenclatura dos
134
produtos/locais e a sua finalidade.

Por que a indústria ao batizar seus produtos conclamam os deuses gregos


antigos? Apesar da religião cristã ocidental e oriental demonizar e exorcizar
as divindades gregas a todo o tempo, é perceptível que eles estão mais
presentes entre nós mais do que nunca. Pois também se apresentam nos
dias de hoje como constante fonte de inspiração para novelas, filmes,
seriados, quadrinhos e literatura.

Ao elaborar as crônicas tomando como ponto de partida objetos simples e


corriqueiros utilizados no cotidiano, tenho a intenção em convocar o
aluno/leitor a ficar mais atento à sua realidade circundante quanto à
Antiguidade como presença. Pois sempre as sociedades utilizam as
percepções subjetivas sobre o passado para se construírem [Garrafoni;
Funari; Silva, 2019, p. 313].

Desinfetante Ájax, sabonete Phebo, legging Atena, fogão Afrodite, lâminas


para depilação Vênus e o alvejante Olimpo. Eletrodomésticos, roupas,
produtos de limpeza e higiene pessoal: esses são alguns exemplos da
variedade de produtos que levam nomes com inspiração em aspectos da
Grécia Antiga. Em sala de aula, utilizo as crônicas para iniciar uma
discussão que pode se envolver vários questionamentos: O aluno/leitor
percebia anteriormente que o produto que ele utiliza possui nomenclatura
que é uma forma de uso Antiguidade? De onde vem a inspiração para que X
produto fosse nomeado dessa maneira? Poderíamos fazer uma ligação entre
a função/objetivo do produto e a sua nomenclatura?

Nas discussões em torno das crônicas surgem as mais variadas respostas,


intervenções e memórias dos alunos. Percebo que esses momentos me
proporcionam a oportunidade de apresentar fontes relacionadas à Grécia
antiga, como os poemas épicos e trágicos, e autores que realizam estudos
modernos sobre o conteúdo das crônicas. Apresento-os com o propósito de
propiciar a comparação entre as informações disponibilizadas pela
academia, às fornecidas pela indústria cultural e as ideias que trazemos em
nosso imaginário, buscando diferenças e similitudes. Ao longo da construção
das crônicas e das discussões que se realizam tendo-as como norteadoras,
pode-se perceber que muitos produtos comercializados na atualidade
também fazem usos do passado do mundo antigo greco-romano, pois:

“[...] configuram processos de construção de legitimidades, memórias e


imaginários. Em parte, tais construções são geradoras ou são geradas pelo
fascínio e sedução que temas relativos ao Egito antigo, Grécia e Roma
antiga suscitam nos indivíduos e nos grupos sociais. Devemos levar em
conta que o mundo greco-romano denota para estes indivíduos, ou grupos
sociais, princípios relativos à civilidade, à justiça, ao conhecimento, à
cultura e a razão. Valores legados ao homem moderno.” [Gralha, 2019, p.
299].

Ou seja, os produtos comercializados ao utilizar as divindades ou


personagens das narrativas gregas antigas, buscam talvez convencer o seu
consumidor que o seu produto pode proporcionar ou conter os princípios 135
mencionados por Gralha [2019]. Além dos elementos citados pelo autor e
na tentativa de completar a sua linha de raciocínio, com as crônicas 0,50
centavos de Grécia Antiga tenho a intenção de se fazer perceber que
provavelmente a indústria também intenciona “vender” através de seus
produtos a beleza, a sensualidade, a masculinidade, a prosperidade, a
sabedoria, a força e a resistência, quando evoca a Grécia dos antigos na
contemporaneidade.

As crônicas se tornaram nas aulas uma via de aprendizagem significativa,


aumentando a compreensão e retenção de vários aspectos do conteúdo da
disciplina Grécia Antiga. Muitos alunos se mostraram surpresos ao longo das
discussões com as descobertas e passam a fazer sugestões voluntariamente
de temas para futuras crônica, pois a partir de então muitos alunos
identificaram outros produtos, instituições, empresas, indumentárias com
possíveis relações de usos do passado na modernidade. Também passam a
perceber a Grécia antiga como uma presença na atualidade, o que faz se
tornarem um pouco mais interessados e receptivos com a disciplina. Tais
consequências venham talvez contemplar em certos aspectos, o que Ronca
[1980, p. 62] menciona em relação à efetivação da aprendizagem
significativa:

“[...] duas outras condições devem ser satisfeitas [...]: o aluno deve
manifestar uma [...] disposição para relacionar, não arbitrária, mas
substancialmente, o material novo com a sua estrutura cognitiva e também
o material a ser aprendido de ver potencialmente significativo para aquele
aluno em particular”.

Leandro Karnal organizou o livro História em sala de aula, reunindo uma


série de estudiosos das diversas áreas historiográficas onde cada um propõe
sugestões e novas vias do ensino de História. Entre tais pesquisadores se
encontra Funari [2007] que apresenta uma série de possibilidades para o
ensino de História antiga em sala de aula, e dentre elas encontramos a
oportunidade de relacionar a Antiguidade com o mundo contemporâneo em
que vivemos. Porém, para atingirmos tal objetivo é necessário a “[...]
ativação da capacidade de reflexão do aluno, diante das interpretações e
aguçamento de sua curiosidade intelectual”. [Funari, 2007, p. 99].

A experiência em produzir e utilizar em sala de aula as crônicas 0,50


centavos de Grécia Antiga vem demostrando a viabilidade do
desenvolvimento da curiosidade, da discussão, da aprendizagem e da
significação de diversos aspectos da História antiga tomando como ponto de
partida elementos do nosso cotidiano, pois a Antiguidade oferece
esclarecimentos para questões relacionadas a alteridades, resistências,
permanências e identidades que compõem a contemporaneidade.

Referências
136
Doutoranda Jacquelyne Taís Farias Queiroz é professora de História Antiga
[UNEB/Campus XVIII].

Blog Sofia e as Corujas [link para acesso:


https://sofiaeascorujas.blogspot.com/

Bibliografia
CORDEIRO, L. H. B.; SOUZA NETO, J. M. G. História, quadrinhos, ensino de
História antiga: panorama teórico-metodológico. In: BUENO, A.; DURÃO, G.
[org.]. Novos olhares para os antigos: interpretações da Antiguidade no
mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Sobre Ontens, 2018. p. 253-286.
FUNARI, P. P. A Renovação da História Antiga. In: KARNAL, Leandro [org.].
História em sala de aula: conceitos e propostas. São Paulo: Contexto, 2007.
p. 95-108.
GARRAFFONI, R. S.; FUNARI, P. P.; SILVA, G. J. Usos do passado e
recepção: um debate. In: GRALHA, J.;GARRAFFONI, R.S.; FUNARI,
P.P.;RUFINO, R.; SILVA, G. J. da. [org.]. Antiguidade como presença:
antigos, modernos e os usos do passado. Curitiba: Appris, 2019. p. 313-
315.
GRALHA, J. Antiguidade na Modernidade: os usos do passado como possível
abordagem explicativa. In: GRALHA, J.;GARRAFFONI, R.S.; FUNARI,
P.P.;RUFINO, R.; SILVA, G. J. da. [org.]. Antiguidade como presença:
antigos, modernos e os usos do passado. Curitiba: Appris, 2019. p. 297-
312.
ROCHA, U. Reconstruindo a História a partir do imaginário do aluno. In:
NIKITIUK, S. [org.]. Repensando o Ensino de História. São Paulo: Cortez,
2001. p. 47-66.
RONCA, A. C. A teoria da aprendizagem significativa de David Ausubel. In:
PENTEADO, W. M. A. Psicologia e Ensino. São Paulo: Papelivros, 1980. p.
59-83.
SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São
Paulo: Companhia das Letras, 2013.
NÓS E OS ANTIGOS: USOS DA LITERATURA CLÁSSICA EM MANUAIS
DE ENSINO DE HISTÓRIA OITOCENTISTAS
José Petrúcio de Farias Júnior e Gizeli da Conceição Lima

O estudo aqui apresentado se insere no âmbito de investigações sobre os


usos do passado clássico, como dispositivo discursivo útil à reflexão de
questões contemporâneas. Nossas indagações derivam da observação das 137
releituras da literatura clássica em manuais de ensino de História
oitocentistas, tais como O compêndio de História Universal de Justiniano
Jose da Rocha [1860], O compêndio de História Universal de Victor Duruy
[1865] e O compendio de História Universal Resumida de Pedro Parley
[1869]. Em linhas gerais, questionamo-nos em que medida os autores
desses compêndios utilizados no Império brasileiro, sobretudo nas
escolares secundárias, reproduziam como verdade histórica, isto é, como
restituição do passado clássico aquilo que é, a nosso ver, retórico, ou seja,
produto da manipulação de acontecimentos históricos com a finalidade de
referendar determinados posicionamentos político-culturais afinados ao
projeto de poder do Império do Brasil. A pesquisa justifica-se pela
necessidade de aprofundarmos a discussão sobre os usos do passado
clássico e a escrita histórica escolar no século XIX.

O recorte temporal escolhido está circunscrito entre duas reformas


educacionais, a saber: Reforma de Couto Ferraz [1854] e Reforma de
Leôncio de Carvalho [1878], porquanto se percebe, neste ínterim,
significativos esforços governamentais voltados à centralização política
imperial, no interior dos quais salientamos a criação do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro [IHGB], em 1838, e do Imperial Colégio Pedro II
[ICPII], em 1837, bem como a presença massiva de grupos políticos
conservadores [saquarema], responsáveis pelo estabelecimento de
políticas públicas educacionais endereçadas ao controle e vigilância de
instituições escolares, professores e materiais didáticos utilizados. Destaca-
se, nesse contexto, a criação da Inspetoria Geral da Instrução Pública
Primária e Secundária [IGIPSC] em 17.02.1854. Além disso, entre tais
reformas, percebe-se que o ensino religioso tinha caráter obrigatório;
tornando-se facultativo a partir da Reforma de Leôncio de Carvalho [1878].
A nosso ver, tais aspectos político-culturais impactam a escrita da história
nos compêndios autorizados para uso nas escolas.

O interesse pelas formas históricas da História Antiga nos manuais de


ensino de História oitocentistas resulta da identificação de lacunas
historiográficas no tocante aos percursos da escrita histórica escolar nos
compêndios de História Universal, sobretudo no que diz respeito ao ‘lugar’
da Antiguidade nos currículos escolares do século XIX. Além disso,
preocupamo-nos em compreender em que medida tais narrativas
contribuíram para forjar projetos de nação e de sociedade no Império
brasileiro.

Para compreendermos a relação entre as fontes antigas e seus usos na


contemporaneidade, mencionamos, inicialmente, a tese de Leandro Hecko,
[2013]. Para o historiador, a relação entre um passado distante,
[re]significado a partir de nosso campo de experiências, compõe a cultura
histórica, porquanto o passado ecoa, em nosso cotidiano, por meio da
literatura, da arte, da arquitetura, dos jogos eletrônicos, do misticismo,
dos desenhos animados, do cinema, da música, das histórias em
quadrinhos, dos museus, da propaganda, das joias, dos discursos políticos,
da indústria da estética, entre outros, e contribui para que o construamos.
138
Trata-se de um passado que nos interessa, isto é, uma imagem do
passado comprometida com demandas ou inquietações, anseios ou
predileções de nosso tempo, tal como se observa a seguir:

“O melhor ponto de partida parece ser aquele que, na vida corrente, surge
como consciência histórica ou pensamento histórico [no âmbito do qual o
que chamamos ‘história’ constitui-se como ciência]. Esse ponto de partida
instaura-se na carência humana de orientação do agir e do sofrer os efeitos
das ações no tempo. A partir dessa carência é possível constituir a ciência
da história, ou seja, torná-la inteligível como resposta a uma questão, como
solução de um problema, como satisfação [intelectual] de uma carência [de
orientação]”. [ üsen, 2001, p. 29-30 apud Hecko, 2013, p.141]

Ao dialogar com Rüsen, Hecko [2013] nos mostra que a carência de


orientação é um componente indispensável à constituição de sentido do
pensamento histórico, o que mostra que o interesse pelo passado resulta da
‘vida prática’, isto é, da necessidade de conferirmos sentido ao presente a
partir da construção de uma representação sobre o passado. A constituição
de sentido só é possível em virtude dos pontos de contato entre presente e
passado [Rüsen, 2010, p. 76-7]. Dito isto, entende-se que são as
percepções do presente, que conferem significado ao passado e nos
impulsiona ao estudo dele. Em outras palavras, o passado é significado pelo
presente, logo é o historiador que atribui ‘forma’ ao passado e tal
posicionamento também nos permite declarar que a cultura, em que o
historiador está inserido, não deve ser negligenciada da compreensão da
morfologia do passado, porquanto a cultura diz o que foi o passado [Farias
Junior, 2016, p. 40-1].

Bakogianni [2016] também colabora para que aprimoremos nossa reflexão


sobre a relação entre textos-fonte e sua recepção em diferentes
temporalidades. Ao examinar a recepção da literatura clássica na narrativa
histórica escolar, no século XIX, a autora nos adverte para o fato de que as
fontes são interpretadas em conformidade com o campo de experiências
políticas e o ambiente cultural em que o estudioso está inserido, o que
significa dizer que o presente do historiador influenciará em sua
interpretação sobre o passado.

A autora sustenta as conexões entre o passado clássico e a apropriação


altamente seletiva das fontes antigas, ao demonstrar as várias
possibilidades de leitura de Electra na contemporaneidade. Entender a
teoria da recepção é importante por nos permitir perceber que todas as
vezes em que os textos clássicos são lidos, eles são reinterpretados, ou
seja, eles são lidos de maneira diferenciada por cada autor, tendo em vista
suas influências culturais, categorias de pensamento que se conectam ao
espaço e tempo em que o sujeito histórico está inserido. Assim, os textos-
fonte podem ser alterados, mutilados ou ter seus objetivos iniciais
negligenciados para satisfazer a necessidades daquele que se apropria
dessas fontes. [Bakogianni, 2016, p.115].

Sobre os usos do passado, como forma de explorar processos


discursivos de legitimação de poder, salientamos a investigação de 139
Glaydson José da Silva [2007] que nos ajuda a pensar sobre esta
temática, ao analisar as apropriações da literatura clássica pela extrema
direita francesa após a Segunda Guerra Mundial, como forma de
fundamentar compreensões de mundo afinadas à ideologia política de
direita na França.

Silva [2007] propõe uma reflexão acerca do papel do passado nos


jogos de poder e nas afirmações identitárias, o que implica a
instrumentalização do passado levada a termo pelos grupos analisados
em sua pesquisa, especialmente os de extrema direita na França. Ao
analisar os usos do passado sob a ótica das extremas direitas francesas
como forma de estabelecer ligações entre os Antigos e o Front National, o
historiador nos possibilita refletir sobre a maneira como a
instrumentalização do passado pode se tornar uma arma de grande valia
para um determinado grupo social que, ao investir em diferentes meios
de propaganda política, ambiciona controlar a opinião pública.

De acordo com Silva [2007], os estudos sobre o presente, que tiveram


como escopo o mundo antigo, evidenciam um caráter marcadamente
discursivo a respeito da Antiguidade, que, por vezes, foi
inventado/criado para atender aos interesses daqueles que
reivindicavam uma herança antiga, os seus beneficiários. Com isso, o
pesquisador ajuda-nos a problematizar a relação entre antiguidade e
contemporaneidade ao apresentar um caminho teórico-metodológico útil
para a reflexão das relações existentes entre nós e os antigos.

No tocante aos nossos objetos de investigação, a saber: os compêndios de


História oitocentistas, verifica-se que a presença e a valorização da história
e da literatura clássica nos programas curriculares voltados à instrução
pública secundária, especialmente sobre a história grega e romana, não
eram fortuitas.

A seleção de conteúdos escolares em compêndios de História para a


educação básica não é um procedimento neutro ou arbitrário; pelo
contrário, a memória histórica fabricada por tais narrativas exerce um papel
político significativo como instrumento legitimador da ordem social vigente
no interior da qual o passado é ‘instrumentalizado’ para satisfazer a
interesses e objetivos do presente.

Conhecer tais trabalhos acadêmicos brasileiros, é importante porque eles


nos fornecem um arcabouço teórico- metodológico para pensar os usos do
passado. Diante desse percurso, procuraremos evidenciar, a partir da
análise documental, o uso de alegorias e tópoi literários, utilizados, em
grande medida, para forjar a construção da identidade nacional, entendida
numa acepção plural, porquanto intencionalmente construída e
reconstruída para atender a expectativas políticas dos grupos que
ocupavam os espaços de poder entre 1854 e 1878.

Destacaremos, em particular, a forma como a civilização grega, sua


140
geografia, guerras, experiência democrática e demais particularidades
é caracterizada em tais compêndios de História Universal, tendo em
vista a orientação política do país no período. Isso posto, nosso
itinerário de análise documental considera dois aspectos fundamentais:
de um lado, o exame crítico dos conteúdos dos discursos, os quais se
apoiam em uma versão ‘instrumentalizada’ da História Antiga que atende,
a nosso ver, a objetivos e interesses particulares do momento da escrita e;
de outro, os artifícios retóricos a partir dos quais elucidaremos de que
maneira os conteúdos de História Antiga se relacionam com os projetos
políticos de nação que se forjavam no início do século XIX.
Assim, concebemos a retórica como importante mecanismo de análise
documental, já que pode estar a serviço da interpretação da escrita das
fontes históricas. Atentaremos para os artifícios retóricos a partir dos quais
elucidaremos de que maneira os conteúdos de História Antiga se
relacionam com projetos políticos de nação que se forjavam,
particularmente entre 1860 e 1870, em meio a dissensões políticas
provinciais brasileiras e suas implicações na condução de políticas públicas
educacionais.

É preciso considerar que a recepção da literatura clássica nos manuais de


ensino de História oitocentistas ocorreu em um ambiente intelectual
marcado pela afirmação dos sentimentos de pertencimento e valorização
da nação, tanto na Europa quanto no Brasil, por isso os projetos de escrita
da histórica escolar foram caracterizados por marcadores identitários que
dialogavam com o presente dos destinatários, a saber: a ideia de
civilização [nos moldes europeus] e seus atributos político-culturais ideais:
a monarquia e o cristianismo; todos referendados por ‘exemplos’
provenientes da literatura antiga.

Os pesquisadores Christino de Cortez e Maria Cecilia Souza [2004]


discorrem sobre a construção da memória voltada para o ensino brasileiro
no século XIX e nos permitem perceber que:

“Aqui no Brasil, a ideia de sociedade futura foi especialmente acentuada; só


que ao contrário do movimento francês, em que essa utopia estava calcada
de alguma forma mais abstrata ou normativa de progresso, as políticas
educacionais procuraram, como é sabido, adequar a escola brasileira a
imagens concretas e recorrentes que espelhavam o presente de países que,
assim se acreditava, tinham conseguido simultaneamente civilização e
riqueza”. [Cortez e Souza, 2004, p. 26]

Fica claro que a escola primária e secundária brasileira, reflexo do modelo


de ensino francês, deveria se espelhar nas civilizações consideradas
‘desenvolvidas’ e detentoras de riqueza, considerando a perspectiva
evolucionista cultural em que as civilizações ocupavam estágios distintos
no processo de desenvolvimento civilizatório.

De certa forma, a própria ideia de História Antiga é pensada a partir dos


percursos históricos europeus e exprime a forma como os europeus
concebiam seu passado. Reconhecemos que essa era a vertente
interpretativa predominante na academia e nos espaços escolares da 141
sociedade imperial brasileira.

Devemos atentar para o fato de que a forma como os europeus, no século


XIX, interpretavam seu próprio passado é intencional, porquanto enredada
em questões de política nacional e cultural que podem ser elucidadas pelo
historiador. Trata-se de um importante exercício sobre as formas de
apropriação/acomodação do saber clássico na contemporaneidade.

Assim sendo, podemos dizer que o apelo ao passado, em grande parte dos
casos, teria sido uma tentativa de legitimar iniciativas políticas daqueles
que ocupavam os espaços de poder. Ao passo que essas narrativas
concebiam a Europa como referência político-cultural, controlavam as
demais sociedades pelo simples fato de categorizá-las e atribuir a elas um
‘caminho civilizacional’ a ser percorrido, a despeito de suas trajetórias
individuais e demandas particulares.

Desse modo, ao produzir uma forma específica de interpretar o passado e


exportá-la como ‘saber acadêmico sistematizado’ às outras civilizações, a
escrita da história passa a conferir um caráter científico ao olhar europeu
sobre a história da humanidade. Em outras palavras, caberia às demais
nações, como o Brasil, emular e inspirar-se com as experiências europeias,
tornando-as uma espécie de paradigma.

No entanto, de acordo com Goody [2008], o que chamamos de


Antiguidade Clássica [essencialmente, Grécia e Roma] apartava-se de seus
predecessores orientais desde a Idade do Bronze, de tal forma que muitos
trabalhos acadêmicos, ainda hoje, não explicitam os dinâmicos contatos
culturais entre gregos e romanos e as civilizações antigas orientais.

Para ele, alguns aspectos da Antiguidade, especialmente os aspectos


econômicos [comércio e mercado] e político-culturais [compartilhamento
de formas de governo e ideias, crenças, costumes, valores morais] são
subestimados pela maioria dos intelectuais oitocentistas europeus,
preocupados com a autoafirmação das sociedades ocidentais frente ao
‘exótico’ oriente. O que muitos entendem por Antiguidade atualmente
restringe-se a Grécia e Roma Antiga o que sinaliza que os esforços de
Goody e outros historiadores empenhados na descolonização do passado
ainda representam um desafio no Brasil.

Como havíamos afirmado, a escrita da História oitocentista estava


engajada com a construção da história nacional, numa perspectiva
genealógica e teleológica, cuja origem remonta às sociedades antigas
gregas e romanas. Essa abordagem historiográfica inspirava a elite letrada
brasileira a construir uma linha de continuidade entre o “novo” e o “velho”
mundo, no interior da qual as origens da nação brasileira não se
encontravam na África, mas sim nas sociedades clássicas, Grécia e Roma.

É, sob essa ótica, que as sociedades antigas ocidentais, Grécia e Roma,


contribuíram para forjar o que muitos estudiosos chamam de ‘identidade
142
cultural ocidental’, como se fôssemos herdeiros diretos de práticas
culturais genuinamente ocidentais; ou, dito de outro modo, como se as
sociedades gregas e romanas tivessem construído um campo de
experiências culturais desconectado das sociedades antigas orientais, tais
como Israel, China e Índia [Goody, 2008].

Em síntese, para Norberto Luiz Guarinello, a história chamada antiga faz


parte do repertório cultural dos brasileiros [2008, p. 07]. Ela simbolizava
uma espécie de História das nossas origens como cultura e civilização. Ela
deveria ser vista como um ponto inicial de uma jornada que, através da
História Medieval e da História Moderna, confere inteligibilidade ao processo
de colonização europeia que nos formou e nos transformou em
descendentes da Europa, em membros do Ocidente, participantes da
civilização Ocidental.

Cabe destacar que, sob a ótica eurocêntrica, a História Antiga nos


ocidentaliza, isto é, insere-nos numa linha do tempo que nos torna, de certa
forma, herdeiros da Grécia, de Roma e do chamado Oriente Próximo, que se
tornou um campo de investigações arqueológicas no transcorrer do século
XIX. É com base nesta divisão tripartite da História Antiga, reproduzida
ainda hoje em cursos de graduação e pós-graduação, que nos tornaríamos
sucessores da História Medieval, porquanto a História do Brasil,
particularmente sob a ótica de grande parte dos historiadores do século
XIX, torna-se um ramo da História europeia nos tempos modernos, uma vez
que nosso território foi colonizado pelos portugueses a partir do século XVI
[Guarinello, 2003].

No âmbito da Pós-Gradução em História do Brasil da Universidade Federal


do Piauí, nosso projeto de pesquisa consiste em investigar esses limites
entre texto-fonte, recepção e comunidades interpretativas a partir da
tradução e/ou adaptação da literatura clássica nos manuais de ensino de
História oitocentistas. A democracia ateniense e suas literaturas é o tema a
que nos propusemos investigar, justamente pela disparidade em relação à
forma de governo adotada no Império brasileiro no período estudado
[1854-1878]. Dito de outra forma, os esforços investigativos acerca da
‘democracia ateniense’ em compêndios de História Universal no Brasil
apresenta-se como uma oportunidade para explorar os modos pelos quais a
historiografia francesa oitocentista foi recebida, apropriada ou reproduzida
nas instituições escolares brasileiras.

Enfim, questionamo-nos sobre como a democracia ateniense é


ressignificada nos compêndios de História Universal de Justiniano Jose da
Rocha [1860], Pedro Parley [1869], e Victor Duruy [1865], num contexto
de centralização política e estratégias de manutenção da unidade
administrativa do Império brasileiro.

No âmbito da instrução pública brasileira, estudar as civilizações antigas sob


a ótica europeia, sobretudo francesa, bem como estudar línguas modernas,
tais como inglês, alemão, italiano e principalmente o francês,
concomitantemente às línguas clássicas, latim e grego perfaziam um 143
percurso curricular aceito, reconhecido e valorizado pela elite brasileira e
atuavam como marcas de distinção social. Apesar de outros modelos
educacionais, como o norte-americano, também influenciarem a estrutura
organizacional da educação brasileira, a França era a principal referência,
porquanto muitos autores de compêndios ou estudaram na França ou
simplesmente traduziram no Brasil os compêndios que haviam estudado.

No Brasil esse discurso é relacionado ao projeto de desenvolvimento


acelerado, vivenciado particularmente a partir de 1850, que seduzia o país
a construir uma “nação moderna” e que, portanto, atraiu um contingente
expressivo de letrados brasileiros que pregavam uma ampla reforma
cultural e educativa – condição indispensável para que o país pudesse
alcançar a condição de ‘primeiro mundo’. Nesse sentido, A História Antiga,
no âmbito da História Universal, assume o papel de explicar as origens:
origem do homem, com ênfase à abordagem veterotestamentária, a origem
das formas de governo, com destaque à monarquia, e a origem da religião,
considerando o cristianismo como religião central para configuração do
‘mundo civilizado’.

Nesse sentido, partimos do pressuposto de que os autores de manuais


didáticos europeus, sobretudo franceses, que foram traduzidos e adaptados
por historiadores brasileiros, grande parte membros do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, reproduziam como verdade histórica, isto é, como
restituição do passado clássico aquilo que é, a nosso ver, retórico, ou seja,
produto da manipulação de acontecimentos históricos com a finalidade de
referendar determinados posicionamentos político-culturais do presente.
Compreender o papel da história antiga nos currículos escolares
oitocentistas e como a literatura clássica era ressignificada, ajustando-se à
construção de um ideário de nação e de sociedade, permite-nos aprofundar
nossas próprias indagações sobre o que fazemos quando ensinamos história
antiga nas escolas.

Referências
Gizeli da Conceição Lima possui graduação em História pela Universidade
Federal do Piauí – CSHNB [2017]. Participou do Programa Institucional
Brasileiro de Iniciação à Docência – PIBID [2014-2016] e do Laboratório de
História Antiga e Medieval – LABHAM/UFPI [2016-2017]. Atualmente é
mestranda do Programa de Pós-Gradução em História do Brasil pela
Universidade Federal do Piauí – PPGHB, sendo bolsista pela CAPES.
Desenvolvendo estudos na linha de pesquisa História, Cidade, Memória e
Trabalho. E-mail para contato: gizelilima@hotmail.com
José Petrúcio de Farias Júnior é licenciado e Bacharel em História pela
Universidade Estadual Paulista [UNESP/Franca – 2003] e em Letras. Possui
Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de São João Del Rei
[UFSJ – 2012] Especialista em Educação Empreendedora [UFSJ] e
Planejamento, Implementação e Gestão da Educação a Distância [UFF].
Mestre em História na linha de Pesquisa História e Cultura Política pela
144
UNESP/Franca [2012], com estágio de pesquisa na Abert Ludwigs
Universitat Freiburg [2007], Doutor em História pela UNESP/Franca com
período sanduíche na Freie Universitat – Berlim [2011-2012]. Pós Doutor
em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia [UFU- 2018], sob a
supervisão da profa. Dra Selva Guimarães; Atua como coordenador do
Doutorado Interinstitucional em Educação – [DINTER UFU-UFPI]; lidera os
grupos de pesquisa: Laboratório de história Antiga e Medieval
[LABHAM/UFPI] e História e Culturas Religiosas [HCR/UFPI]. É membro dos
seguintes grupos de pesquisa: Grupos de Estudos e Pesquisas em Ensino de
História e Geografia [UFU], História, Antropologia e Ensino de História em
Fronteiras [UNIFAP], Jesus Histórico e suas recepções [UFRJ], Grupo de
Estudos em residualidade Antigo- Medieval [GERAM/UVACE]. É Coordenador
do projeto de extensão, no âmbito do PIBEX intitulado Educação Patrimonial
e Ensino de História. É professor efetivo pela Universidade Federal do Piauí,
no campus SHNB em Picos [2016], onde atua como professor das
disciplinas de História Antiga e Medieval; além disso, integra o Programa de
Pós-Graduação em História do Brasil [UFPI] e orienta pesquisas acadêmicas
nos seguintes temas: 01. Recepção dos clássicos na literatura brasileira;
02. Formas históricas do Ensino de História Antiga e Medieval na Educação
Básica; 03. Saberes e práticas docentes na educação básica e no ensino
superior; 04. História das religiões monoteístas; 05. A cultura clássica no
Brasil; 06. História pública e representações contemporâneas da
Antiguidade. E-mail: petruciojr@terra.com.br

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POSSIBILIDADE DE DIÁLOGO ENTRE HISTORIOGRAFIA E ENSINO
DE HISTÓRIA A PARTIR DO LIVRO DIDÁTICO: UM ESTUDO DE CASO
SOBRE O EGITO ANTIGO
Raimundo Nonato Santos de Sousa e Ruan David Santos Almeida

Considerações iniciais
146
O presente texto tem por objetivo refletir sobre o impacto da produção
historiográfica na escrita do livro didático e consequentemente no ensino de
História na Educação Básica. No que diz respeito à estrutura, esse texto se
divide em quatro partes centrais. Na primeira, são realizados alguns
apontamentos sobre a mudança no modo de se produzir o conhecimento
histórico, ocorrida na primeira metade do século XX. A que a sucede trata
sobre alguns aspectos da história do Egito Antigo como exemplificação da
renovação epistemológica processada na história. Na terceira, é
apresentado um exemplo do impacto desta renovação na produção do livro
didático de história. E na quarta, é proposta uma atividade para refletir em
sala de aula sobre a relação entre história, historiografia e conhecimento
histórico a partir do livro didático.

Da História positivista à História nova


O século XIX foi marcante para o estudo do passado humano. Pois, foi nele
que a História se institucionalizou enquanto ciência dotada de métodos e de
um objeto de estudo definido. O interessante é que o século XIX também foi
marcado pela consolidação dos Estados-Nacionais na Europa, assim como
na América Latina. Essa relação, por certo, nos diz muito sobre o caráter da
corrente historiográfica que se estruturou no período oitocentista.
[Peterson; Lovato, 2013]

Em vista da aproximação entre a história e a política, a corrente


historiográfica do século XIX se concentrou em exaltar grandes feitos, fatos
e nomes, com o fito de garantir a construção de uma identidade nacional
para os Estados recém-consolidados. Nessa conjuntura, não havia espaço
para a singularidade dos grupos, visto que o foco residia apenas sobre o
que se concebia como ‘comum’ a uma coletividade. Como consequência, a
produção historiográfica dessa época se caracterizou por uma preocupação
com a universalidade e a objetividade.

Esse traço era tão forte que os historiadores não podiam usar nas suas
pesquisas outras fontes que não fossem aquelas tipificadas como oficiais –
geralmente estas fontes se limitavam aos documentos com autenticação
oficial. A razão disso encontra-se no fato de que na época a História era
fortemente influenciada pelo Positivismo, ao ponto de os historiadores
pretenderem produzir um conhecimento histórico que fosse científico,
universal e principalmente isento de intencionalidades particulares
[Peterson; Lovato, 2013]. Esses historiadores ficaram conhecidos como
historiadores positivistas.

É claro que o intento dos historiadores positivistas do século XIX não era
compatível com a realidade, uma vez que é impossível, como foi
reconhecido mais tarde, produzir uma narrativa histórica isenta de
intencionalidade e finalidade. Como se vê, o século XIX legou para a
posteridade um modelo de história assumidamente compromissado com o
aspecto político e que se caracterizaria como uma história factual,
narrativista, e, por conseguinte distante da vida dos homens, ditos,
comuns.

Esse modelo de historiografia foi combatido aguerridamente ainda na 147


primeira metade do século XX pelos historiadores dos Annales – grupo
surgido no ano de 1929 com o lançamento da revista “Annales d’histoire
économique et sociale”. Para os historiadores desse grupo – notadamente
representado por Lucien Paul Victor Febvre e Marc Léopold Benjamim Bloch
– a história deve está voltada não somente para alguns homens de
notoriedade política, mas sim para todos os homens. [Le Goff, 1995]

Nisso fica explícita a concepção de história dos Annales; concepção esta que
diz que a história é a ciência que se dedica ao estudo dos homens no tempo
[Le Goff, 1995]. Esse novo entendimento sobre a história sinaliza a abertura
dessa ciência a uma multiplicidade de objetos, fontes e interesses, até
então desconsiderados pelos pesquisadores da área [Peterson; Lovato,
2013]. Com isso, a história deixa de ser singular e se torna plural, estando,
desse modo, comprometida não apenas com os grandes nomes, feitos e
fatos, mas também e, sobretudo, com a pluralidade da existência dos
homens no passado.

Tratando sobre esse período de renovação epistemológica na ciência


histórica o historiador Jacques Le Goff [1995], que integrou a terceira
geração dos Annales, diz que a primeira metade do século XX foi
determinante para a reconfiguração da história enquanto ciência, pois a
partir dessa época a história deixou de focalizar o estudo das
personalidades políticas e voltou suas lentes para o cotidiano das pessoas
no passado, contemplando com isso os mais variados aspectos da
experiência humana no tempo. O dito historiador chama esse modelo de
história de História nova. [Le Goff, 1995]

Para mais, a mudança no objeto de estudo da história veio acompanhada da


modificação no conceito de fonte histórica. Nos dizeres de Le Goff (1995), a
história nesse período: “[...] ampliou o campo do documento histórico [...]”.
[Le Goff, 1995, p. 28] Isso porque a partir dos Annales o conceito de fonte
histórica se dilatou e passou a incluir fotografias, artefatos arqueológicos,
obras literárias, dados estatísticos, testemunhos orais e tudo que tiver
relação com os homens e que possa mediar a relação entre o historiador e o
seu objeto pesquisado. [Boch, 2001]

Em adição, cabe destacar que outra contribuição dada pelos Annales diz
respeito ao diálogo que a história passou a estabelecer com outras ciências
que igualmente estudam o homem, a exemplo da Geografia, Arqueologia,
Antropologia, Sociologia e Psicologia [Le Goff, 1995]. Tal diálogo se tornou
possível porque, conforme Le Goff [1995], a história para os Annales só
consegue alcançar seu objetivo de contemplar as múltiplas dimensões da
experiência dos homens no tempo a partir do diálogo com outras ciências.
Esse ponto é confirmado por Marc Bloch [2001], para quem o conhecimento
histórico só pode ser produzido a partir da colaboração das outras áreas do
conhecimento que estudam o homem. [Bloch, 2001]

Sem dúvida, o diálogo com outras ciências proporcionado pelos Annales foi
muito importante, porque representou o esforço dos historiadores em: “[...]
148
saltar os muros, derrubar as divisões que separavam a história das ciências
vizinhas [...]”. [Le Goff, 1995, p. 30] Le Goff [1995] ainda observa que, ao
contrário dos positivistas, os historiadores dos Annales defendem que a
principal finalidade da história é a de ajudar a compreender o presente a
partir do estudo do passado; e para isso ocorrer, o envolvimento do
pesquisador com seu objeto não é só possível como também é necessário,
haja vista que o primeiro lança sobre o segundo as suas inquietações do
presente.

Por um exemplo da renovação epistemológica na História: o caso do


Egito Antigo
É nesse contexto de ampliação das possibilidades de pesquisa em História
que o conhecimento sobre os aspectos culturais das civilizações do passado
se diversificou. Como exemplo da renovação historiográfica ocorrida ainda
na primeira metade do século XX com os Annales, esta seção tratará sobre
os aspectos culturais do Egito Antigo, os quais, na perspectiva da história
positivista do século XIX, não seriam investigados pelos historiadores.

O Egito é uma das civilizações mais antigas, complexas e enigmáticas da


história. Essa civilização, situada geograficamente entre o continente
africano e o oriente médio, nos legou muitos conhecimentos relacionados à
matemática, astronomia, medicina, farmacologia e à arquitetura. Além de
ser uma das mais longevas, complexas e importantes civilizações, o Egito
também é, por certo, uma das que mais instigam o nosso interesse e
curiosidade.

O Egito Antigo se trata do primeiro reino unificado conhecido até hoje e do


único que possui uma grande riqueza documental sobre sua existência, a
qual nos informa tanto sobre os aspectos políticos como também sobre os
aspectos culturais do seu povo. [Cardoso, 1986]

Apesar de apontar “a falência da ‘hipótese casual hidráulica’”, o historiador


brasileiro Ciro Flamarion S. Cardoso [1986] no livro O Egito Antigo, afirma
que a agricultura e a criação de animais no Egito Antigo só foram
possibilitadas pela existência do rio Nilo. Quando esse historiador fala sobre
a falência da hipótese causal hidráulica, ele está se referindo à falta de
sustentação da teoria de que a unificação do Egito Antigo, ocorrida por volta
de 3000 a.C., teria ocorrido como consequência da existência do rio Nilo e
do uso da irrigação. A razão disso, segundo Cardoso [1986], está no fato de
que fatores como a guerra, a conquista e o militarismo também podem ter
contribuído para a centralização política da civilização egípcia.

Apesar disso, a importância do rio Nilo para esta civilização é indiscutível. O


rio Nilo era tão prestigiado no Egito Antigo, que para os egípcios o ato de
sujar ou até mesmo de desviar indevidamente as águas do rio se
enquadrava em um pecado muito grave e socialmente condenável, que era
julgado com severidade pelas autoridades responsáveis. [Cardoso, 1986]

Além disso, o comércio egípcio foi muito beneficiado pelo rio Nilo.
Comprovando isso, Cardoso [1986] diz que no Egito Antigo o comércio
externo foi possibilitado por esse rio, o qual facilitou o deslocamento e as 149
transações comerciais entre os egípcios e povos da região, como por
exemplo, os fenícios, com quem os egípcios comumente estabeleciam tratos
comerciais. Além disso, o artesanato egípcio deveu muito ao rio Nilo, haja
vista que parte dos produtos artesanais produzidos eram feitos a partir de
materiais retirados deste rio.

Quanto à religião no Egito Antigo, vale destacar que ela se institucionalizou


a partir da aglomeração de organizações administrativas provinciais e era
empregada como ferramenta ideológica pelo faraó para garantir a unidade
na sociedade egípcia. A religião também expressava, nesse contexto, a
estratificação do poder na sociedade dos egípcios, uma vez que existia o
culto oficial destinado às pessoas de prestígio social e o culto popular que,
como o próprio nome sugere, voltava-se para os indivíduos dos segmentos
populares. [Cardoso, 1986] Para mais, é importante mencionar que os
túmulos egípcios são as mais conhecidas fontes de estudo sobre a religião
do povo do Egito Antigo. [Cardoso, 1986]

Também, é possível perceber a influência das águas do rio Nilo na


elaboração das crenças do povo egípcio. João Vicente de Oliveira [2002] em
seu artigo “Egito, presente do Nilo” garante que o rio Nilo influenciava a
vida dos egípcios nos planos social, cultural e mental. Com isso, conclui-se
que o rio Nilo não foi apenas importante para o surgimento e o
desenvolvimento da civilização egípcia. Pois, ele também colaborou para a
estruturação da vida dos egípcios, influenciando sua cultura, sociedade, seu
imaginário e, inclusive, a sua cosmovisão de mundo. [Cardoso, 1986]

À base do que foi apresentado, percebe-se que novos aspectos da história


do Egito Antigo têm sido privilegiados na pesquisa em história, sem dúvida
graças às contribuições dadas pelos Annales.

Por um exemplo do impacto da renovação historiográfica na escrita


do livro didático de História: o caso do Egito Antigo
Os ecos da renovação historiográfica proporcionada pelos Annales têm
chegado à Educação Básica por meio dos livros didáticos. As informações
que se seguem apresentam uma breve análise sobre o modo como o Egito
Antigo é tratado no livro didático “História: das cavernas ao terceiro
milênio” de Patrícia amos Braick e Myriam Becho Mota. O livro supracitado
foi publicado pela editora Moderna em 2016 e destina-se aos alunos do 1º
ano do Ensino Médio. O capítulo 4, que trata sobre o Egito Antigo, além de
abordar sobre os aspectos políticos, econômicos e sociais da civilização
egípcia também reserva espaço para os aspectos culturais desse povo. Por
exemplo, sob o tópico “A mulher no Egito Antigo”, Braick e Mota [2016]
dizem que:
“Na Antiguidade, o Egito era a única civilização na qual a mulher tinha um
status igual ao do homem. Pesquisadores chegaram a essa conclusão ao
encontrar evidências de que elas podiam ir e vir com liberdade, abrir
processos, dispor livremente de seus bens, tomar a iniciativa do divórcio,
além de possuir os mesmos direitos à herança que os homens. Apesar da
150
grande desvantagem numérica em relação aos homens, algumas ocupavam
cargos na administração do Estado e exerciam funções sacerdotais. Até
mesmo a função de faraó foi exercida por mulheres em diferentes dinastias:
Sobekneferu [1806-1802 a.C.], Hatchepsut [1473-1458 a.C.] e Tausert
[1193-1190 a.C.]”. [Braick; Mota, 2016, p. 59]

Além de tratar sobre a condição da mulher no Egito Antigo, as autoras


também abordam sobre a alimentação dos egípcios, sob o tópico “A dieta
egípcia”, no qual elas dizem que:

“As pinturas em murais e os objetos encontrados em templos e sepulturas


revela que o pão e a cerveja eram alimentos básicos da dieta egípcia na
Antiguidade. Tanto o pão quanto a cerveja eram feitos com trigo e cevada,
alimentos com grande teor nutricional obtidos por meio da agricultura,
principal atividade econômica egípcia. Para a produção da cerveja, os
cereais eram misturados com levedo e água e, após a fermentação, a
bebida era finalizada com ervas ou tâmaras. Os egípcios também
consumiam rabanete, pepino, alho e cebola, leguminosas – fava, ervilha e
grão-de-bico – e frutas, principalmente uva, tâmara, figo e melão. A carne
de bovinos e caprinos era consumida principalmente pelos mais ricos. Para
adoçar certos alimentos e bebidas, eles usavam mel, que era armazenado
em recipientes de pedra”. [Braick; Mota, 2016, p. 60]

Como se vê, a alimentação dos egípcios no Egito Antigo hoje é conhecida,


graças aos estudos realizados por historiadores em parceria com outros
pesquisadores, a exemplo de arqueólogos. Para mais, Braick e Mota [2016]
também tratam sobre o cotidiano dos egípcios no tópico “Outros aspectos
do cotidiano”, como se percebe na citação a seguir:

“As casas eram construídas em locais elevados para não serem atingidas
pelas inundações do Nilo. Os mais pobres moravam em casas pequenas
feitas de barro, junco e madeira, praticamente sem mobília. As famílias
ricas moravam em casas construídas com tijolos de barro, colunas de pedra
e telhado de madeira, com vários cômodos e ricamente mobiliadas. Nas
áreas urbanas, as casas eram próximas umas das outras, e as mais ricas
tinham geralmente mais de um andar. No campo, os nobres mandavam
construir residências amplas com jardins, pátios e várias dependências. As
roupas dos egípcios eram leves, a maioria feita de linho. Grande parte da
população não utilizava peças tingidas, apenas decoradas com pregas.
Somente os mais ricos usavam tecidos tingidos e se enfeitavam com joias.
Os homens usavam um tipo de saia e as mulheres, vestidos longos. As
crianças frequentemente ficavam nuas e tinham a cabeça raspada para
facilitar a higiene. A natação, a caça e a luta eram esportes populares no
Egito Antigo. Os jogos de tabuleiro também eram muito apreciados, e as
crianças brincavam com bolas de couro, carrinhos, peões e bonecos”.
[Braick; Mota, 2016, p. 61]

Neste livro, as autoras também se referem ao processo de mumificação dos


egípcios, dizendo que:

“A técnica aplicada variava de acordo com os recursos e o estrato social do 151


falecido. A forma mais elaborada de mumificação seguia, de maneira geral,
o seguinte padrão: os sacerdotes lavavam o corpo do morto com água e
essências aromáticas; retiravam o cérebro pelo nariz com finas pinças de
ferro e o descartavam; depois, retiravam outros órgãos por um corte lateral
na altura do abdômen e os colocavam em vasos chamados canopos, que
seriam deixados ao lado do sarcófago. O coração era considerado pelos
egípcios o centro da inteligência e da força vital dos indivíduos e, por isso,
ele geralmente permanecia no corpo. Após a retirada dos órgãos, o corpo
era coberto por um sal conhecido como natrão e permanecia assim por
cerca de 40 dias para desidratar. Passado esse período, o corpo era lavado
com óleos aromáticos, goma-arábica e cominho e, depois, coberto com
betume. Finalmente, o corpo era enrolado com bandagens de linho fino,
entre as quais eram colocados joias e amuletos para protegê-lo. Depois
disso, pronto, o corpo podia ser depositado em um sarcófago de madeira
simples ou ornado com ouro. Poucos egípcios podiam arcar com os altos
custos da mumificação. Os mais pobres simplesmente eram envoltos em
uma mortalha de linho e depositados nas areias do deserto para que a
aridez do ambiente os conservasse”. [Braick; Mota, 2016, p. 62]

Pode-se notar que o livro “História: das cavernas ao terceiro milênio” de


Patrícia Ramos Braick e Myriam Becho Mota insere-se na corrente
historiográfica iniciada pelos Annales, por valorizar os aspectos culturais do
povo egípcio na Antiguidade, o que permite em consequência aos alunos
terem uma compreensão mais ampla sobre a história do Egito Antigo.

Atividade para discussão do tema em sala de aula


A presente proposta de atividade visa empregar o livro didático em sala de
aula como um recurso capaz de fomentar reflexões sobre correntes
historiográficas durante as aulas de História. Essa proposição destina-se aos
alunos da 1ª série do Ensino Médio, pois é nesta série que o conteúdo
referente à introdução ao estudo da História é ministrado. A atividade se
estrutura nas seguintes etapas:

1. Primeiro, o/a professor/a explica para a turma o que são a História


Positivista e a História Nova apresentando também suas principais
características e seus representantes;

2. Em seguida, o/a professor/a apresenta como exemplificação para a


turma dois exemplos de narrativas históricas de livros didáticos
inseridas em cada uma destas correntes – seria interessante o/a
docente pedir para a turma analisar as duas narrativas e dizer à qual
corrente historiográfica cada uma delas pertence;
3. Após isso, o/a professor/a pedirá para a turma pesquisar em livros
didáticos de história de autores e décadas diferentes duas versões de
narrativas – cada uma inserida em uma das duas correntes
historiográficas supracitadas – sobre fatos históricos ligados à história
do Egito Antigo;

152
4. Depois de informar isso, o/a professor/a definirá uma data para
apresentação e discussão das pesquisas dos alunos. O/a professor/a
poderá aproveitar essa atividade para mostrar para a turma que o
conhecimento histórico é produto de uma apropriação interpretativa
do passado, cujo enfoque varia a depender da intencionalidade de
quem o produz.

Considerações finais
Ainda que se reconheça que nas universidades, a cada ano que passa,
novas pesquisas são desenvolvidas reiterando ou redefinindo fatos
históricos já conhecidos e que as escolas da Educação Básica não
acompanham essas mudanças no modo como o passado humano é pensado
nas universidades, pode-se concluir, à base das informações apresentadas
neste texto, que as mudanças no modo como o conhecimento histórico é
produzido podem interferir na produção do livro didático de História e
consequentemente no ensino desta disciplina.

Referências
Raimundo Nonato Santos de Sousa – É acadêmico do oitavo período do
curso de História na Universidade Estadual do Maranhão - UEMA, campus
Caxias. Atualmente, atua como pesquisador-bolsista PIBIC/UEMA e
pesquisador-colaborador UNIVERSAL/FAPEMA.
Ruan David Santos Almeida – É acadêmico do curso de Licenciatura em
História pela Universidade Estadual do Maranhão [UEMA], campus Caxias.
Atua como pesquisador-bolsista PIBEX-UEMA.

BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da História ou o ofício do


historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. [Livro]
BRAICK, Patrícia Ramos; MOTA, Myriam Becho. História: das cavernas ao
terceiro milênio. 4 ed. – São Paulo: Moderna, 2016. [Livro didático
analisado]
CARDOSO, C. F. O Egito antigo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.
[Livro]
LE GOFF, Jacques. A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1995. [Livro]
OLIVEIRA, João Vicente Ganzarolli de. Egito, presente do Nilo, Phoînix: Rio
de Janeiro, v.08, n.1, 2002. 185 – 196 p. [Artigo]
PETERSEN, Sílvia; LOVATO, Bárbara Hartung. Introdução ao estudo da
história: temas e textos. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2013. [Livro]
ENTENDENDO E REFLETINDO: EDUCAÇÃO NA CHINA ANTIGA E
SEUS POSSÍVEIS ENSINAMENTOS PARA O AMBIENTE ESCOLAR
BRASILEIRO
Ruan David Santos Almeida

Considerações Iniciais
Sabe-se que no mundo existem grandes quantidades de riquezas, quando 153
se atribui essa ideia no cenário educacional, percebemos uma diversidade
de maneiras de gerir o ensino-aprendizado. Não obstante, fica claro que um
maior conhecimento das mais variadas formas de se ensinar tornaria o
aprendizado algo mais amplo e consequentemente mais eficaz. Todavia,
mesmo com essa constatação ainda se ver a falta de conhecimento com
relação aos ensinamentos providos por civilizações de grande importância
no mundo, dentre elas ressaltamos as sociedades orientais.

O pensamento oriental nos possibilita uma nova forma de ver e analisar o


ambiente escolar, então por que não estudar a inovações implementadas
por eles? Diante desse questionamento entramos em um novo debate, já
que averígua-se com a constante queda da ideologia eurocêntrica, mesmo
que lentamente, no âmbito escolar abre espaço para diversas outras
possibilidades de análise histórica e consequentemente de cunho
pedagógico.

Já é notada uma mudança significativa dos estudos de história e cultura


afro-brasileira a partir da promulgação da lei 10639/2003 que torna
obrigatório o ensino relacionado aos povos africanos. Essa movimentação é
bem contundente quando tocamos na questão do ensino de história e
cultura indígena estabelecido pela lei 11645/2008 que foram ambas as
atribuições jurídicas que tiveram grande repercussão na maneira de se
pesquisar e ensinar os conteúdos direcionados aos dois povos, que tem
grande importância na formação da sociedade brasileira, e por todo o
mérito do conjunto, merecem as devidas atenções e exaltações.

No entanto, a busca nesses escritos está pautada na possibilidade de se


aprender com o que foi disseminado pelos orientais no contexto social e de
ensino da China antiga, compreendendo que, eles são exímios exemplos de
organização educacional. Discutiremos questões pontuais, concernente ao
uso dos métodos perpetuados pelo filosofo chinês denominado Confúcio, e
tudo aquilo que foi pregado por ele em termos de ética e moral. Partindo
desse princípio serão averiguadas a contundência dos discursos
perpetuados por longo período a respeito do povo oriental. Nos importa
destacar também, que são culturas diferentes a brasileira em comparação
com a chinesa, porém as interpretações de um nos permite diagnosticar
possíveis melhorias para a outra, que neste caso é a mais necessitada, a
brasileira. Congregando de tal ideologia laçaremos como abordagem final
uma reflexão em formato de atividade que poderá fazer os alunos
compreender na prática sobre uma civilização encantadora, a chinesa, ainda
pouco percebida no livro didático e precariamente abordada no ambiente
escolar brasileiro.
Para tal objetivo ser alcançado, serão utilizados como fontes bibliográficas
os escritos deixado pelo filosofo Confúcio, intitulado “Os Analectos” para
conhecer os pensamentos do personagem em destaque. Acrescido a isto,
observaremos duas obras de grande valia para nossos escritos, se trata do
trabalho de Edward Said: “Orientalismo: o oriente como invenção do
ocidente” e a obra de Paulo Freire “pedagogia da autonomia” pensados para
154
fomentar as discussões, respectivamente, de visão estereotipada a respeito
do oriente, e o ensino brasileiro. Além dessas bases teóricas já indicada, se
constituirá consultas nas pesquisas recentes de autores conceituados a
respeito do modelo educacional gerido nos limites da China. Os
apontamentos diagnosticados neste trabalho se desenvolvem também na
medida que o conhecimento dos brasileiros em relação as potencialidades
dos orientais ainda é limitada, sabendo disso uma maior divulgação e
aprofundamento na temática torna-se cada vez mais necessária, tendo em
vista a problemática lançamos nosso trabalho como forma aguçar o olhar do
povo brasileiro.

Refletindo a partir da ideologia confucionista


O âmbito escolar brasileiro tem passado por uma série de modificações no
decorrer do tempo, para tanto a maneira como tal foi se construindo chama
bastante atenção. Visto que, na medida dos desenvolvimentos e
implementações de reformas constantes no cenário de leis que regem o
ensino, acaba-se promovendo uma “descontinuidade” nas bases
educacionais, partindo desta premissa podemos indicar que a escola atual e
tudo aquilo que permeia sua conjuntura é fruto de administrações precárias
que privilegiaram outros setores, fazendo com que a entidade escolar seja
considerada na atualidade uma “instituição falida”; não obstante os limites
indicados para a transmissão do conhecimento também ocasionam um
frustação para aqueles que estão todos os dias na sala de aula, na vivencia
diária lidando com os problemas que são recorrentes em quase todo o
cenário nacional, dentre eles a indisciplina. Sabendo disso, precisa-se a
cada dia ser observado aquilo que vem dando certo pelo mundo, neste
quesito conseguimos perceber que os chineses assim como outras nações
merecem essa visibilidade.

Todavia, o presente trabalho tem como objetivo trazer também informações


relacionadas às contribuições deixadas na sociedade chinesa pelo filosofo
Confúcio que, por conseguinte, podem ser de grande valia para
estruturação de um ensino no âmbito escolar e educacional brasileiro, já
que evidencia uma característica bem significativa no povo oriental, guiado
pela forte disciplina e foco no meio escolar. A partir desse pressuposto
torna-se importante antes de estruturar sua ideologia conhecer a história de
vida, percebendo a falta de conhecimento a respeito desta figura tão
importante, apresentamos Confúcio:

[K’ung Ch’iu ou K’ung Chung-ni [Kong Fuzi], comumente conhecido no


Ocidente como Confúcio, ou Confucius, nasceu em 552 ou 551 a.C. e ficou
órfão muito cedo. Da sua juventude pouco se sabe, exceto que era pobre e
que gostava de estudar. Ele disse: “Eu era de origem humilde quando
jovem. É por isso que tenho várias habilidades manuais”.] [CONFÚCIO,
1997, p.5.]

É possível se confundir bastante relação à importância concreta de um


pensador, no ocidente tende-se a estudar exclusivamente a tradição greco-
romana de pensamento quando se procuram pensadores da antiguidade.
Entretanto, existe uma grande quantidade de reflexões de intelectuais de 155
outras origens tão influentes quanto os ocidentais. Porém, não se pretende
neste trabalho formular a ideia de que vale mais estudar uns em detrimento
de outros, busca-se refletir a respeito da contundência concreta de um
idealizador que reestruturou a China a partir de uma ideologia,
posteriormente denominada de confucionismo.

Mesmo sabendo-se pouco a respeito da origem e infância de Confúcio,


consegue-se compreender que seus ideais com relação à educação já
vinham sendo galgados nos primeiros anos de sua vida, dentro dessa
postura constata-se a constante busca por uma moral benevolente e um
espirito cavalheiresco descrito como sendo bases para a formação de um
homem de caráter virtuoso. Para alcançar tal postura a pessoa deveria ser
ensinada a partir de preceitos de retidão; sendo assim, comtempla-se uma
formação humanística diferenciada das demais, acabando por culminar em
um ser humano dotado de valores jugados por ele como os mais adequados
a serem seguidos.

Dentro de sua formação humanística, tal pensador procurou intensamente


compreender a história de seu povo, e consequentemente entender em que
os governos e dinastia precedentes há seu tempo teria obtido êxito ou
falhado. O próprio examinava essas questões por perceber uma profunda
instabilidade no campo político chinês durante todo esse tempo, isto
acabava instigando-o a respeito de informações com relação a tal estrutura.

Diante desse segmento ideológico de Confúcio podemos refletir a respeito


da formulação de ensino brasileiro, já que se contempla em sua grande
maioria a história educacional sendo regida por padrões totalmente em
contraponto ao que o chinês buscava, visto que a postura social atual
gerenciada por preceitos capitalistas e preconceituosos acabam em sua
essência mais grotesca colocando pessoas umas contra as outras, de certa
forma indicando que a acumulação de capitais tem mais valor do que a
conduta moral do cidadão honrado, mesmo que isto não seja algo
homogêneo nas atitudes dos brasileiros, acaba afetando de forma direta as
instituições escolares que também tem dificuldades nesse gerenciamento do
ensino.

Sabendo desta constatação averígua-se possibilidades diferentes no modo


de ensinar e aprender. Assim conseguimos visualizar um ambiente propício
para a atuação dos padrões educacionais descritos por Paulo Freire que
proporciona ao docente e o discente a estrutura necessária para o
desenvolvimento do ensino e aprendizado qualitativo:
Percebe-se assim, a importância do papel do educador, o mérito da paz com
que viva a certeza de que faz parte de sua tarefa docente não apenas
ensinar os conteúdos, mas também ensinar a pensar certo. Daí a
impossibilidade de vir a tornar-se um professor crítico se, mecanicamente
memorizador, é muito mais um repetidor cadenciado de frases e de ideias
inertes do que um desafiador. [Freire, 2002, p. 14].
156
Nesse sentido como sendo base para uma educação transformadora se
ensinar a pensar de maneira crítica, justamente conjugando tal perspectiva
avaliam-se os bons ideais de Confúcio como sendo algo de exímio interesse
as atitudes desempenhadas no contexto pedagógico. Pois dentro de seus
pensamentos de maior valorização do ensino está proposto uma estrutura
que possibilita a boa atuação do professor, trazendo em seu bojo um
melhor desempenho do alunato.

Enveredando o raciocínio do filosofo podemos referenciar e idealizar


pensamentos oriundos de localidades diferentes, porém comungados de
preceitos semelhantes. Todavia, são direcionamentos importantes, pois com
suas implementações possibilitariam a formação de um sujeito formulador
de ideias e consequentemente mais atuante no meio social, mas o que se
percebe é que esses conhecimentos acabam atingindo a entidade
educacional de maneiras diferentes, cada qual em um âmbito específico.
Pois Confúcio teve como direcionamento principal os aspectos humanísticos
que refletiam de maneira direta no desempenho social, já Paulo Freire
idealizou o ensino enquanto um processo que necessitava de todo suporte
para ocasionar em uma educação que emancipasse o indivíduo e nesse caso
torna-se o próprio capacitado para atuação em sociedade, ambos
complementares.

Justamente dentro dessa linha de raciocínio que se constitui um


complemento no cenário de valorização do contexto educacional para o
cidadão, pois como descreve Confúcio:

―Eu transmito os ensinamentos dos antigos e não invento nada de novo.


Eu me apego à antiguidade com confiança e afeição; eu me atrevo a
comparar-me com o nosso velho P‘ing‖. [CONFÚCIO, 1997, p. 80].

Sabendo da intencionalidade a base utilizada pelo filosofo pode-se perceber


que, os ensinamentos repassados por ele não se baseiam em algo novo e
sim se apropria e complementa uma ideologia antiga em termos de
educação social, para assim alcançar seus objetivos. Nos importa nesse
momento visualizar que tal base possibilitou a China alcançar novas
possibilidades e se reestruturar diversas vezes, e com isso se remodelar no
decorrer do tempo, para tanto sempre com atributos referenciados por
Confúcio como adequados a serem preservados.

Quando se estuda essa sociedade no contexto atual evidencia-se ainda mais


uma eficácia em seu papel atuante no cenário escolar, porém torna-se
importante perceber as raízes oriundas e estruturantes dessa civilização que
teve na base filosófica um forte refúgio para suas transformações,
acentuado essa relevância descreve, Holien Gonçalves dando visibilidade a
esses fatos:

A filosofia oriental teve grandes expoentes na China, como Confúcio, Buda,


Mêncio, e as invenções chinesas [pólvora, bússola, etc.] marcaram sua
presença nos avanços da humanidade [Bezerra, 1984, p.7]
157
Com um avanço em grande escala nos mais diversos setores chineses
podemos compreender que as posturas idealizadas pelos pensadores
produziram profundas mudanças na conjuntura do país. Nas questões
referentes ao ensino-aprendizado percebemos a mesma eficiência, fazendo
com que se reflita também com relação à importância dos pensamentos
filosóficos para um povo que passou durante muito tempo afogado em uma
estrutura que não gerava frutos; porém que a partir de mudanças
ideológicas acabaram por sair da inércia.

No entanto, o que se visualiza nesse sentido também é a visão dos povos


ocidentais com relação a essa sociedade, nesse quesito poderemos
compreender que, a própria maneira de entender o termo “orientalismo”
acabava por prejudicar uma aceitação em relação aos moldes de gerir uma
sociedade, neste ponto percebe-se que a não aceitação e
consequentemente a repulsa com relação a inovações nas estruturas
principalmente chinesas, que não eram percebidas como agradáveis aos
olhares europeus, o medo do “novo” ou “diferente” compactua e nos exibe
os reais empecilhos para a “aprovação” daquilo que já vem dando certo há
tempos.

O ocidente e seus estigmas deixados no oriente


Por muito tempo o que se viu foi uma repulsa negativa com relação às
sociedades orientais que eram caracterizadas pelos ocidentais como uma
região não atrativa aos olhares, com uma fisionomia própria era descrita
por viajantes europeus como sendo uma localidade que comportava seres
exóticos, dentre outros adjetivos. Esse tipo de visão estereotipada durante
muito tempo barrou qualquer relevância nos estudos direcionados a esses
povos, para tanto, a imagem formulada pelos europeus não era
homogênea, nesse caso variava em determinadas localidades, desta forma
tinham-se relações diferentes de acordo com a região do globo, agregado
ao fato de que para alguns, ser totalmente desconhecido a realidade dos
orientais. Justamente nesse relacionamento destacamos a retratação
europeia com relação a tais orientais, que referenciavam o continente como
pertencente ou criado pelos próprios:

O Oriente era quase urna invenção europeia, e fora desde a Antiguidade um


lugar de romance de seres exóticos, de memórias e paisagens obsessivas,
de experiências notáveis. Estava agora desaparecendo: acontecera; de um
certo modo, o seu tempo havia passado. Talvez parecesse irrelevante que
os próprios orientais tivessem alguma coisa em jogo nesse processo, que
mesmo no tempo de Chateaubriand e Nerval houvesse orientais vivendo lá,
e que agora eram eles que estavam sofrendo; o principal, para um visitante
europeu, era uma representação europeia do Oriente e da sua ruina
contemporânea. [Said, 2007, P. 13]

Edward Said argumenta a respeito do que foi durante muito tempo


disseminado na sociedade com relação às bases estruturais do Oriente,
fazendo com que se reflita, nesse caso aos que os postulantes estereótipos
158
acabavam por influenciar na maneira de encarar o continente. Prosseguindo
na ideologia, constata-se que, o cenário educacional desenvolvido pelos
chineses decorrentes de uma remodelagem em sua estrutura não foi tão
apreciado por longos períodos no ocidente, justamente nessa linha de
raciocínio há uma reflexão concernente aos estudos relacionados a
sociedade chinesa, que tem padrões de ensino tão desenvolvido, porém
pouco percebido pela população brasileira, uma das possíveis causas é o
currículo que em demasia ainda privilegia a história eurocêntrica, algo
diagnosticado por Bezerra:

É uma pena que a China não entre nos currículos. É uma história que coloca
em evidencia as potencialidades do gênio inventivo e filosófico de um povo,
assim como as profundas contradições vivenciadas pela sociedade. Um povo
que consegue colocar a nu a opressão estrangeira e a dominação interna e
parte para uma reorganização completa da sociedade, merece ser
conhecido e estudado. [Bezerra, 1984, p.2]

É presenciado na história chinesa um profundo ato de superação do povo


que durante muito tempo esteve sobre ameaças externas e ainda vive
assim. Os ideais relacionados a educação acabam por desmontar também a
valorização do profissional que está ligado a este ramo, estamos falando do
professor que é mostrado de uma forma diferente da convencionalmente
vista no Brasil, nessa tessitura os autores orientais descrevem tal ideia da
seguinte maneira:

A imagem do professor na China remonta a tradição imperial de valorização


e prestígio. Os professores e mestres sempre ocuparam lugar de destaque
na burocracia estatal chinesa do império e os magistrados tiveram suas
vozes ouvidas pelos imperadores através da história. A posição de prestígio
está ligada ao complexo concurso público através do qual se acessava a
burocracia, sustentada sobre valores profundamente meritocráticos,
difundidos pela tradição confuciana. [Liu, 2016: 12; Zhang, 2016: 10]

Com uma base montada percebemos que a China vai se estruturar, mesmo
com reformas no modelo de educação as raízes ideológicas permanecem
fortes, pois devido a sua eficácia as posturas em relação a formação do
sujeito tem na essência a modelagem confucionista articulada.

Proposta de atividade para debate do tema na sala de aula


Buscando ampliar mais os debates propostos no decorrer de todo o trabalho
lançamos essa proposta de atividade em sala, que visa fazer com que o
aluno utilize o recurso da pesquisa para entender o assunto, percebendo a
fragilidade de tal conteúdo nos livros didáticos o alunato poderá materializar
o conhecimento acerca da civilizações orientais com a busca na internet. Tal
indicação destina-se aos alunos da 2ª série do Ensino Médio, a atividade
será planejada pelo professor que deverá de acordo com suas percepções
em sala direcioná-los de maneira dinâmica. A atividade se estrutura de
acordo com as seguintes etapas:

5. Primeiramente, o/a professor/a deverá explicar para a turma de


maneira sucinta, quem foi Confúcio e suas principais ações na China 159
antiga, fazendo os alunos entender a ideologia de vida do filosofo de
forma clara;

6. Logo após, o/a professor/a apresenta como exemplificação para a


turma as narrativas históricas que durante tanto tempo norteavam a
visão acerca da população oriental, os estereótipos empregados pelos
ocidentais, tal ação se direciona a fim de que os alunos possam se
aproximar da história desse povo;

7. Em seguida, o/a professor/a pedirá para a turma se aproveitando dos


mecanismos de informação, pesquisarem no rol da internet
personagens importantes para o desenvolvimento do oriente,
ampliando o horizonte de possibilidades desses alunos;

8. Para finalizar a abordagem, o/a professor/a definirá uma data para


apresentação e discussão das pesquisas dos alunos. O/a professor/a
poderá aproveitar essa atividade para mostrar as qualidades da
população oriental, de modo que a turma visualize na prática a
importância do conhecimento acerca da história dessa população.

Apontamentos finais
No presente ensaio foi procurado fazer reflexões a respeito da estrutura
educacional desenvolvida pelo povo oriental, tendo em vista que os próprios
presenciam uma entidade escolar de grande êxito, idealizou-se como foco
principal as delimitações instauradas pelos chineses, que provocaram uma
extrema modificação em seu país. Foi disseminado o caráter extremamente
eficaz de uma população com relação aos moldes de ensino, buscando
compreender que os habitantes locais foram se modificando devido à
atuação dos ideais filosóficos de Confúcio.

Com isso ficou evidente que o Oriente é um lugar de extremo exemplo para
se espelhar o povo brasileiro, haja vista que o cenário educacional do país
passa por grandes dificuldades em termos de ensinar e aprender, devido a
isso pode tomar como base a reestruturação promovida na China para
conseguir promulgar ações transformadoras no seio escolar. porém
salvaguardando as características culturais de cada um podemos
desenvolver novas possiblidades, conjugando a ideia de que cada lugar tem
sua história, ideais e propósitos cabe ao cidadão requeri mudanças tendo
em vista que as bases somente se alteram em decorrência da luta popular
conjunta.
Referências
Ruan David Santos Almeida é acadêmico do curso de Licenciatura em
História pela Universidade Estadual do Maranhão [UEMA], campus Caxias.
Atua como pesquisador-bolsista PIBEX-UEMA. E-mail:
ruandavid569@gmail.com.

160
BEZERRA, Holien Gonçalves. A revolução chinesa. São Paulo: atual editora,
1984. [Livro]
CONFÚCIO. Os Analectos. São Paulo: Pensamento, 1997. [Livro]
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. [Livro]
______. Lei Nº 11.645, de 10 de março de 2008. [Lei que torna obrigatório
o ensino de história e cultura dos povos africanos e indígenas]
LIU, Y. Higher Education, Meritocracy and Inequality in China. Springer,
2016. [Artigo]
SAID, Edward W. Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente. São
Paulo: Companhia das Letras, 2007. [Livro]
ZHANG, Y. National College Entrance Exam in China: Perspectives on
Education Quality and Equity. Beijing: Springer, 2016. [Artigo]
161

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