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Team 10 Primer

Aldo Van Eyck1

Houve uma época, há não muito tempo atrás, em que a mente humana seguiu
uma “onda” [groove] determinista; vamos chamá-la de onda euclidiana. Essa onda
falseou o comportamento e a visão dos homens, o que eles faziam e sentiam. Mas então
– e isso tinha de acontecer, cedo ou tarde – alguns homens muito perspicazes – a
maioria deles pintores, poetas, filósofos e cientistas – pularam fora dessa onda e
apagaram a pátina determinista da superfície da realidade. Eles viram coisas
maravilhosas e não deixaram de nos dizer isso. Devemos uma gratidão infinita a eles: a
Picasso, Klee, Mondrian e Brancusi; a Joyce, Le Corbusier, Schönberg, Bergson e
Einstein; a todo esse incrível grupo. Eles colocaram as coisas em movimento novamente
e expandiram o universo – exterior e interior. Foi uma revolta maravilhosa - a gaiola
estava novamente aberta. Mas a sociedade continua seguindo a velha onda, fazendo
pouco caso do que esses homens descobriram; pior ainda, aplicando de maneira
puramente tecnológica, mecânica e decorativa, não a essência das suas descobertas, mas
aquilo que, dentro delas, lhe permite mover-se com maior eficácia, segurança e
lucratividade. É algo que não pode ser evitado, e nós sabemos disso. Mas sabemos que a
arquitetura tem feito o mesmo nos últimos 30 anos? Não é preciso mencionar as poucas
e maravilhosas exceções. Quando é que os arquitetos vão deixar de afagar a tecnologia
como um fim em si mesma, parar de correr aos tropeções atrás do progresso? Quando é
que eles vão realmente se unir a essa revolta e parar de roer as bordas de uma grande
idéia? Certamente não podemos permitir que eles continuem vendendo a essência
diluída daquilo a que outros dedicaram a sua vida. Os arquitetos traíram a sociedade ao
trair a essência do pensamento contemporâneo. Ninguém pode realmente viver no que
eles inventaram, apesar deles pensarem que sim.
O que é belo sobre a idéia não-euclidiana – essa outra visão – é que ela é
contemporânea; contemporânea em relação a todas as nossas dificuldades, sociais e
políticas, econômicas e espirituais. O que é trágico é que não fomos capazes de perceber
que ela, sozinha, pode resolvê-las.
Cada período exige uma linguagem - um instrumento com o qual podemos
atacar os problemas humanos apresentados num determinado momento, assim como
aqueles que permanecem os mesmos ao longo de todas as épocas, isto é, os problemas
colocados pelo homem, por todos nós, como seres primordiais. É chegado o momento

1
in: Smithson, Alison. Team 10 Primer. Cambridge, Massachussets, MIT Press, 1968. p.20-21.
Tradução: Yasmin Martins Silva e Francesco Bosch. Revisão: Ana Luiza Nobre
de unir o velho ao novo; de redescobrir as qualidades arcaicas da natureza humana, as
suas qualidades atemporais.
Descobrir de novo significa descobrir algo novo. Traduza isso em arquitetura
e você terá uma nova arquitetura – uma arquitetura realmente contemporânea. A
arquitetura implica uma constante redescoberta das qualidades humanas traduzidas em
espaço. O homem é sempre e em todo lugar essencialmente o mesmo. Ele tem o mesmo
aparato mental, embora o use de modo diferente, de acordo com seu contexto cultural
ou social, ou segundo o padrão de vida específico do qual ele mesmo é uma parte. Os
arquitetos modernos vêm insistindo continuamente naquilo que é diferente em nossa
época, e o fazem a ponto de perderem contato com o que não é diferente, com aquilo
que é, essencialmente, sempre o mesmo. Esse erro grave não foi cometido por poetas,
pintores ou escultores. Pelo contrário, eles nunca limitaram as suas experiências. Eles as
expandiram e as intensificaram; romperam não apenas com os limites formais, tal como
os arquitetos, mas também com os limites emocionais. Na verdade, a linguagem que
desenvolveram coincide com a revolução emocional que desencadearam.
No entanto, a linguagem que os arquitetos desenvolveram, e isso depois do
período de pioneirismo ter chegado ao fim, coincide somente consigo própria e é, por
isso mesmo, essencialmente estéril e acadêmica – literalmente abstrata. É tudo tão
óbvio: precisamos desenvolver uma ferramenta mais rica – uma maneira mais eficiente
de abordagem – para resolver os problemas ambientais que o nosso tempo coloca. Esses
problemas não permanecerão os mesmos, mas eles dizem respeito ao mesmo homem, e
essa é a nossa pista. Podemos nos encontrar em toda parte, em todos os lugares e épocas
– fazendo as mesmas coisas de uma maneira diferente, sentindo o mesmo
diferentemente, reagindo diferentemente ao mesmo.

Congresso de Otterlo, 1959

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