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Cello
(Conto)
Galileu Edições
Jardel Dias Cavalcanti
Cello
(Conto)
Galileu Edições
Londrina, 2017
Cello
Abriu a partitura, direcionou seu olhar para o violinista e começou a
explicação: “As passagens de solo do primeiro violino são
respondidas pelo violoncelo. O tratamento especial dado por
Beethoven ao cello deve ser levado em consideração, como vocês
sabem. As frequentes notas graves sustentadas por ele nesse quarteto
e o caráter cromático de grande parte da linha melódica é que
contribuem para a característica notavelmente soturna e meditativa da
obra. Dentro dessa escuridão, o violino deve aparecer como um raio
luminoso perfurando a nuvem negra, não para clareá-la, mas acentuar
ainda mais seu peso e sua atmosfera desesperançosa.”
- Não se trata disso, Klaus. Veja que, por mais alto que o violino
voe, como você diz, livre e alegremente, cada fragmento lírico do
violino no quarteto 132 é incapaz de se afirmar por si mesmo. É
necessário o peso do baixo, que é finalmente quem impede o violino
de livrar-se da melancolia que a peça carrega.
No entanto, não era nada disso, não sobrava nada para Werner
do amor do amigo. Klaus revelou que sua alma gêmea, que o entendia
na sua aventura artística e afetiva, era outra artista, uma poeta, a sua
própria irmã, de quem se apaixonara e pela qual era correspondido. E
que ambos cometiam já há algum tempo o pecado do incesto.
Amavam-se intelectualmente, afetivamente e carnalmente na mesma
proporção. E que contra isso nada podiam fazer. Embora lutassem
bravamente, não conseguiam dominar seus desejos. Como se livrar
da paixão obsessiva que nutriam um pelo outro? Era-lhes impossível
a liberdade. Ele era o devotado amante de Beethoven; ela, a fiel
amante da poesia de Rilke. E ambos apaixonados um pelo outro,
guiados pelo absoluto poder que a arte lhes impunha, tornando-os
servos da sua beleza como eram servos do desejo pela beleza de um
pelo outro.
Assim que caiu ao chão, sua alma voou leve, viajando feliz pelo
éter, e, ao olhar para seu corpo caído, viu-se ferido, mas não se
continha de alegria por dentro ao ver Klaus deitado sobre seu peito,
chorando intempestivamente por sua morte.
Sobre o Ilustrador:
CLAUDE WEISBUCH