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A ORIGEM DO MAL EM TOMÁS DE AQUINO

Patricia Neumann (DEFIL/UNICENTRO), souhumanista@gmail.com


Marcelo Prates (Orientador) UNICENTRO, DEFIL, Guarapuava, PR.

Filosofia – trabalho de pesquisa.

Palavras-chave: filosofia, mal, Tomás de Aquino.

Resumo: O objetivo deste texto é apresentar a origem do mal para Tomás de


Aquino. O método foi leitura e fichamento de textos. Os resultados apontam que o
mal não tem uma causa por si mesmo, não existe em si. A causa do mal é acidental,
não pode ser agente nem efeito. Ele não decorre de causa primeira, mas de causa
segunda. O mal é uma imperfeição, uma ausência de bem. Ele não tem forma nem
finalidade e aumenta foi afastamento do bem. Considera-se que esta perspectiva do
mal tem implicações tanto em âmbito ético quando no religioso.

Introdução

A Suma Teológica, escrita por São Tomás de Aquino (1225-1274), é uma


obra metafísica que trata das provas racionais de que Deus existe e de
questionamentos sobre vários temas relacionados à criação divina. A estrutura da
Súmula é construída no formato de disputatio. Assim, Tomás de Aquino escreve por
meio de questões seguidas de respostas. Cada questão levanta um tema, no caso,
a questão 49 se ocupa da causa do mal em que são debatidas três perguntas: 1) O
bem pode ser a causa do mal? 2) O bem supremo, que é Deus, é a causa do mal?
3) Há um mal supremo, que seja causa primeira de todos os males? As perguntas
estão organizadas em artigos, assim, a questão 49 tem três artigos. Cada artigo
começa com uma pergunta seguida de, geralmente, três respostas em favor da tese.
Das respostas se segue um argumento contrário a elas e, depois, Tomás de Aquino
responde às respostas incorretas em um raciocínio lógico. Por fim, ele, em geral,
refuta as respostas incorretas dadas à questão. Ao elencar as questões na Súmula,
Tomás de Aquino dialoga a doutrina cristã e a filosofia aristotélica, bem como a
relação entre fé e razão.
Não se pode chegar à verdade em essência divina, mas se pode chegar à
verdade das coisas que, por si mesmas, nunca são falsas. Assim, existe a coisa real
e sua essência, sendo esta oriunda de Deus. E sendo, então, Deus a causa de
todas as coisas, insere-se o questionamento acerca da existência do mal. Poderia
Deus, o Bem supremo, causar o mal? Se Deus causa tudo, o mal seria, portanto,
originado pelo bem? Poderia um oposto originar o outro? Poderia, então, existir um

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mal como causa primeira do mal? Em meio a tais questões contidas na Súmula, o
problema que direciona este texto é qual é a causa do mal para Tomás de Aquino?
em que o objetivo é apresentar qual é a sua origem.

Método

Realizou-se leitura e fichamento dos três artigos da questão 49 da Súmula


Teológica e a leitura dos livros III e IV da Suma contra os Gentios.

A Origem do Mal

O mal não pode existir sem uma causa, visto que a única coisa que não tem
causa é Deus, isto é, “o primeiro princípio não tem causa por si mesmo, nem por
acidente” (AQUINO, 1996, p.402). Visto haver a presença do mal no mundo e ele
não ter uma causa em si mesmo, sua causa é, portanto, acidental, isto é, a produção
do mal é um acidente. O mal não é uma natureza das coisas ou do homem. A
natureza do homem é o bem e esta natureza não é mudada ou suprimida pela
existência do mal ou pela prática de ações más. Se um homem pratica o mal, isto
não altera sua essência que deriva do bem. O que ocorre é que quanto mais mal
pratica, mais distante de Deus se coloca. O mal não pode ser nem agente nem
efeito, “não pode ser agente, porque tudo que age, age enquanto é ato presente e
perfeito. Também o mal não pode ser feito, porque o termo de toda geração é a
forma e o bem” (AQUINO, 1996, p.389). O mal é, portanto, um acidente (pode ou
não acontecer) que deteriora, corrói as coisas, mas isto é próprio da ordenação
deste mundo que Deus criou. As coisas não estão estáticas, imutáveis e nem são
perfeitas porque perfeição existe apenas em Deus. Em um sistema no qual as
coisas mudam, elas podem perecer e ter faltas, defeitos, deformidades. O mal é,
assim, um produto, um resultado, uma decorrência do bem. Uma decorrência
acidental, assim como tantas outras coisas que decorrem da criação divina. O mal
não tem uma causa por si mesmo, não existe em si, pois a existência em si só o
bem possui (AQUINO, 2002).
Se o mal se origina do bem, isto não se dá porque o bem é imperfeito e
defeituoso como o é o mal que nem mesmo forma e finalidade ele possui. Isto ocorre
porque o bem é a própria perfeição e desta perfeição se origina, inclusive, a
possibilidade de deterioração das coisas. O mal não é causado pelo bem, que é a
causa primeira e que como supremo bem não poderia causar algo oposto a si
mesma. O mal é causado pela causa segunda e esta é imperfeita. Em outras
palavras, Deus (ser perfeito) cria o homem (ser imperfeito). A essência do homem é
o bem (semelhança ao princípio criador), mas o homem não é o bem, ele é uma

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versão do bem e que, por isso, carrega em si a corrupção, o defeito. Assim, o
homem é a causa segunda e desta decorre o mal. O mal é justamente esta ausência
do bem que está inerente aos seres criados por não poderem ser iguais ao princípio
primeiro que os criou. Assim sendo, o mal não pode ter sido causado por Deus (Ibid,
2002).
Não existe uma causa primeira do mal assim como há uma causa primeira do
bem. As criações do bem, os entes, são todos bons, pois carregam consigo parte do
bem supremo. Este bem é incorruptível, pois é perfeito. Nada pode corrompê-lo. O
mal pode corroer em parte o bem nas criações divinas por estas serem imperfeitas e
suscetíveis de falhas, mas nunca prejudicar o bem que é Deus. Nem mesmo nas
criaturas o mal prevalece totalmente porque o bem sempre se mantém de onde não
pode haver um mal perfeito. O mal, por si só já é uma imperfeição, uma ausência.
Falta a ele forma e finalidade. O mal simplesmente não tem como existir como causa
primeira, pois se assim fosse, criaria apenas o mal e, visto que o mal é um defeito,
destruiria o próprio mal resultando em uma aniquilação de tudo. Pensar que existe
uma causa primeira do bem e outra do mal é um equívoco porque se
desconsideraria que existe uma única causa primeira de tudo, inclusive do mal
enquanto matéria e acidente (AQUINO, 2002).
Quando se olha apenas para os particulares, fica-se sujeito a erros porque a
bondade, que deriva do bem, não está nas coisas particulares, mas no todo criado
por Deus que funcionada de modo adequado e dentro da perfeição possível aos
limites do imperfeito. Uma coisa é uma causa particular de um afeito particular.
Outra coisa é uma causa universal de causas e consequentemente efeitos
particulares. Ao observar os efeitos particulares, supõe-se que suas causas
(também particulares) sejam por si mesmas. Mas não. A causa por si mesma é
apenas uma (o bem) e dela surgem as demais causas (Ibid, 2002).
O mal só se evidencia naquilo que está em potência como seu acidente, não
pode estar no ato puro que é o bem e inexiste um ato puro mal, uma vez que “se
alguma coisa é sumo mal, é necessariamente por essência, como também o sumo
bem é o que por essência é o bem. Mas isto é impossível, pois o mal não tem
essência alguma” (AQUINO, 1996, p.401) . Desta forma, o aumento do mal não
ocorre por uma aproximação de um mal supremo, mas pelo distanciamento do bem
supremo. Quanto menos o homem participa do bem supremo ao deixar de praticar o
bem, e tal prática se dá graças a sua capacidade em compreender que o melhor é a
prática do bem, mais privado se encontra e mais distante de Deus (AQUINO, 2002).

Considerações Finais

O mal existe nos entes criados por Deus, o bem supremo. Perante este
realismo é preciso compreender de onde ele vem. Visto ser impossível o mal

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proceder do bem e proceder de si mesmo, resta que o mal é causado indireta e
acidentalmente. Esta perspectiva do mal lança implicações em âmbito religioso e
ético ao que concernem as ações das pessoas no quotidiano da vida. Religioso no
sentido de que quanto mais distante de Deus, mais se distancia da salvação, da
eternidade junto ao Criador, aquilo a que todos os entes tendem. E este
distanciamento se dá pela vontade, um elemento relevante que é inserido na visão
cristã de homem. Deus criou o homem com capacidade para desejar (ter vontade) e
utilizar o intelecto combinado à vontade na decisão do que fazer. Assim, se o
homem se afasta do bem, o faz por sua responsabilidade e, neste contexto, requer o
surgimento de algo inexistente na antiguidade, mas que será basilar na modernidade
e permeará os diferentes campos do conhecimento: a consciência, tanto no sentido
de processo psíquico quanto no sentido moral. A consciência moderna tem seu
primórdio na perspectiva medieval cristã.
Já o âmbito ético está intrinsicamente relacionado com o religioso, pois a
meta a ser alcançada é o bem em que não basta apenas a intenção. Grande parte
das ações praticadas no dia a dia tem relação com a volição e são estes os atos que
podem ser morais ou amorais, bons ou maus. É na ação que aparece a maldade, ou
seja, ela provém do próprio homem em que o homem não pode deixar de agir, pois
é na ação que ele se realiza. Assim, o mal não é uma entidade intencional (só o ente
tem intenção e o mal não é um ente) que tem poder sobre os homens no sentido de
direcionar suas ações. O mal existe quando o homem, no seu próprio processo de
corrupção, não realiza aquilo que deveria, ou seja, ordenar-se para o fim que é o
bem. Mas como sabe o homem qual a medida das coisas e de suas ações? Pelo
uso da razão que julga as ações praticadas. Isto não quer dizer que o homem pode
se livrar plenamente do mal através da razão, pois o mal existe. O que Tomás de
Aquino chama a atenção é para o que cada homem decide fazer a partir do que lhe
é próprio enquanto ente criado. Neste sentido, não se trata unicamente da busca
pela salvação, mas do que é inevitável de se viver enquanto matéria em forma
humana: a potência que se realiza em ato com o acréscimo da razão no momento
das escolhas. O uso desta razão, entretanto, não depende do Criador, mas
unicamente do ente criado.

Referências

AQUINO, T. Questão 49: A causa do Mal. Súmula Teológica. São Paulo: Loyola,
2002, p.p.97-105.

__________. Suma contra os Gentios, livros III e IV. Porto Alegre: EDUPUCRS,
1996.

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