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A CULTURA POLI TICA


DOS TRABALHADO S NO
PRIMEIRO GOVERNO
. VARGAS *

Jorge Luiz Ferreira

Sabemos hoje, por pesquisas recentes,


m 1937, de Salvador, Bahia, Eduardo que a gratidllo e o reconhecimento que
D. do Sacramento escreve uma longa Eduardo procurava demonstrar ao presi­
ao presidente Getúlio Vargas dente não eram atitudes isoladas de um ou
ralatando sllas dificeis condições de vida e de outro trabalhador, mas, sim, as manifes­
.
solicitando um emprego. Ao finalizar o tex­ taçOCs que o Estado varguista esperava de
to, Eduardo declara que "não precisa que lodos os trabalhadores (Castro Gomes,
diga a V. Excia. que qualquer emprego me 1988). Construído a partir de um golpe
serve de vez que o seu espírito intelligente polftico-militar e, portanto, carente de legi­
sabe cuncultar a alma do pobre. Tambem timidade, o regime inaugurado por Vargas
não agradeço a V. Excia. porque as minhas em 1930 disseminou por toda a sociedade
palavras seriam inexpressivas para tlIo ele­ uma produção de cunho político e cultural
1
vado gráo de gratidão". Com palavras que aftnnava a necessidade histórica do
simples, Eduardo procura explicar, a seu novo governo. Para os trabalhadores, em
modo, qual O processo que elevou Vargas a particular, o Estado nos anos 30 e 40 tor­
uma posição de destaque entre os trabalha­ nou-se produtor de bens materiais e simbó­
dores da época. Por saber cuncul � a alma licos, a fun de obler deles a aceitação e o
do pobre, o presidente revelou ser possui­ consentimento ao regime poütico. Para is­
dor de um espírito inteligente; logo, tal so, o novo governo patrocinou uma poütica
qualidade deveria ser reuibuída com grati­ pública voltada exclusivamente aos operá­
dão e reconhecimento. rios, instituindo, assim, novas relações en-

� artigo proçun diJ.cutir algumas quca:lÕe4 dClCllvolvidu nOl ClpíwlOlI e D de minha diuczuçio de. mc&U'ado
intitullda O, f11JbGlJ"rdoru do BrGlil

Ocpuwncnto de Hiat6ri.1 da UnivcnidacLc Fecfctal Aum:inaue.


Agndeçooc comcntiric..• ajuda CI amizade de Rachel Soihct. Ângela dcCutto Gome. e Ronaldo V.inC.., rneua
inl.ellocutol'Cl CUlltanteI em anoc n'JCCrIlc:I.

Estlldos Hisr6rico.t. Rio de Janeiro, vol. 3, n. 6, J 990. p.lSO.19S.


A CUl..11JRA POL1TICA DOS TRABAUiADORES '81

tre Eslado e classe trabalhadora. Com base sentaçOes sociais e da maneira como as
na formulação de uma legislação social e pessoas pobres e os indivíduos comuns or­
trabalhista, fundamemada na ideologia da ganizaram a realidade social construída pe­
outorga, e na valorizaçllo do trabalhador lo Esrado varguisra em suas mentes.
como socialmente necessário, elevando- o As dificuldades para conhecermos as
à condição de cidadão (Castro Gomes, idéias e vivências dos populares da época
1982), o Estado teceu sua aUIO-imagem. de Vargas foram em parte superadas pela
induzindo os trabalhadores a identificarem­ existência, no Arquivo Nacional, de um
no como o guardião de seus interesses ma­ conjunlO de cartas e de processos adminis­
teriais e simbólicos. Os ecos dessa trativos, onde as pessoas comuns tiveram a
bem-sucedida poütica ainda hoje estilo pre­ oportunidade de se manifesrar e deixar re­
sentes nas pesquisas que procmam resgatar gistradas e sistematizadas suas experiên­
a memória popular do período, cujos resul­ ?
cias Essa corres pondência resullOu das
tados apresentam uma visão positiva de atividades da Secreraria da Presidência da
Vargas e do Estado Novo (Janotti, 1985). República, órgão diretamente vinculado ao
Nesse contexlO, este artigo procura ex­ presidente da República e que, nas décadas
plorar um elenco de questões difíceis. Co­ de 30 e 40 instituiu-se como efetivo e efi­
mo a política pública implementada pelo ciente canal de comunicação entre o gover­
Esrado repercutiu entre os trabalhadores e no central e as diversas camadas da
que resposta obteve? Teriam o operário, o sociedade. A secreraria era responsável por
desempregado e o trabalhador de salário lOda a correspondência endereçada a Var­
mínimo reproduzido em palavras erata­ gas, desde a de um chefe de Eslado estran­
mente aquilo que a doutrina oficial prega­ geiro até a dos setores marginais da
va? O apoio que os pobres manifesravam a sociedade. Dotada de um cerlO grau de au­
Vargas corresponderia ao mesmo apoio que IOnomia administrativa e impondo sua legi­
Vargas esperava deles? Seria correIO ara­ timidade perante toda a máquina esratal
mar que a população ,pobre e trabalhadora pela vinculação direta ao chefe de Eslado,
passou a interprerar sua realidade social a a secreraria atuava trocando informações
partir das novas idéias dominantes, passiva­ com todas as instituições esrarais, desde
mente e sem críticas? Qual, enfrm, o impac- grandes ministérios até pequenas prefeitu­
10 que a política estadonovisra causou as ras. Ao receber as carras que a população
pessoas comuns daquela época? enviava a Vargas, com pedidos e reclama­
Tais questões, é imporrante ressal rar, ções variados, a secreraria as encaminhava
não sugerem uma abordagem circunscrira a órgãos esratais que pudessem dar um pa­
apenas às idéias dos populares, mas partem recer e uma possível solução, sem aparente
da premissa de que eles, assim como as discriminação. De posse desses dados, a
classes dominantes, também produzem secreraria enviava uma resposra ao interes­
idéias, as quais circulam na soci�.dade. A sado, paurada no parece r dado por aquelas
questão também é difícil no IOcan te às fon­ instituições, apresenrando uma solução po­
tes, pois se os fundamenlOs do projelO po­ sitiva ou negativa
lítico-ideológico implemenrado nos anos Sabemos que o aIO de escrever ao pre­
30 podem ser estudados por meio da produ­ sidente da República, em si mesmo, nllo é
ção dos intelectuais engajados, pelos dis­ grande novidade. Contudo, a riqueza quan­
cursos dos governantes, pela propaganda tirativa e qualitativa dessa correspondência,
política, literária, radiofônica e cinemalO­ além de permitir ao pesquisador investigar
gráfica da época, nem sempre temos à nossa o cotidiano e as condições de vida dos tra­
disposição o registro das idéias, das repre- balhadores da época, possibilira sistemati-
182 ESlUDOS HISTÓRICOS· 1990/6

2M as manifestações das classes e dos gru­ grupos, que os expressam por meio da lin­
pos sociais, desde os estratos hegemônicos guagem.
até os setores mais excluídos, cobrindo uma Mas como abordar as enunciações dis­
temporalidade considerável em todo o ter­ cursivas produzidas individualmente? Me­
ritório nacional. Ao escreverem o que pen­ todologicamente seria legítimo o estudo de
savam, as pessoas comuns na época de formulações ideológicas que panem de in­
Vargas nos deixaram, por meio da Secreta­ divIduas escrevendo isoladamente? O filó­
ria da Presidência da República, um valioso logo soviético Bakhtin afirma que "na
artefato cultural. Por ele, o historiador pode realidade, o ato de fala, ou, mais exatamen­
compreender o componamento coletivo e a te, seu produto, a enunciaçao, não pode de
maneira como os trabalhadores receberam forma alguma ser considerado como indivi­
e reagiram ao projeto político-ideológico dual no sentido estrito do termo; não JXXI!:
no Estado varguista. ser explicado a partir das condições psico­
Desenvolveremos o conjunto de idéias, fisiológicas do sujeito falante. A enuncia­
valores, conceitos e imagens socialmente ção é de nalureza sociar' (1986: 109).
reconhecidos e manifestados pelos traba­ Assim, mesmo que nos deparemos com
lhadores em sua correspondência, como enunciações produzidas individualmente, o
sendo a expressa0 da cultura popular de conjunto da correspondência apresenta to­
uma época. O reconhecimento de que os da uma constância de enunciados, termos,
trabalhadores também sao portadores de jargões e homogeneidade no manuseio do
cultura possibilitou a superação do entendi­ vocabulário, sugerindo-nos que um mesmo
mento do folclore como o lugar do curioso espectrO cultural percorria essas enuncia­
e do pitoresco; da interpretaçao de que a ções. Além disso, a leitura da correspondên­
visão de mundo da classe trabalhadora for­ cia revela uma mesma temática: os
ma um conjunto disperso, desorgãnico e personagens apresentam um triste quadro
fragmentado de uma cultura dominante an­ de precária situação social e, a partir disso,
terior; ou ainda da expressa0 "espírito do pedem algo - geralmente um emprego ou
povo". Trabalhos como os de Roben Darn­ um aumento salarial. Uma mesma situação
ton, Carla Ginzburg, Mikhail Bakhtin, Ma­ social e um mesmo objetivo de superá-Ia
r i l e n a C h a ul, P e t e r B u rloe, Eugene levam os vários personagens a registrarem
4
Genovese e Edward Thompson, entre ou­ suas formas de pensar e interpretar a socie­
trOs, procuram nao considerar a cultura po­ dade, o momento polftico, as manifestações
pular nem como uma repetiçao mal­ de poder e toda uma gama de percepções do
assimilada da cultura dominante, numa mundo com uma mesma constância. A im­
postura sempre contemplativa, nem como a pressao que se tem, à medida que as Cl!fIas
oponunidãde ·de exaltar uma suposta "pu­ sao lidas, é a de que mudam os nomes e
reza" dos trabalhadores, sempre na defen­ endereços, mas a redaçao, o vocabulário e
siva diante das investidas ideológicas das a temática permanecem quase inalterados.
classes dominantes. Por cultura entende­
mos todo o conjunto de atitudes, repre­
sentações sociais e códigos de compona­
mento que forma as crenças, idéias e valo­
Cultura popular e argumentaçAo
res socialmente recophecidos por um setor,
polltlca
grupo ou classe social. Esses padrões de
componamento surgem das experiências
econômicas, sócio-políticas, ideológicas, Em 1937, de Pano Alegre, Heitor Pinto
familiares e religiosas dos indivIduas e dos Silveira escreve a Vargas afirmando que:
A CULTURA POúnCA DOS TRABAUlADORES

"( ... ) Sendo oposicionilõta desde os ban­ proveito da situação, barganhando a própria
cos de preparatório, dificilmeme poderia dominação. Heitor procura, na verdade, "se
- direi impossível - solicitar um cargo virar" dentro de um quadro onde as alterna­
ao Sr. Governador de Eitado, e que nem tivas políticas e sociais são muito restritas.
conta mais com o valioso ajlÔio de V. Vejamos um outro texto que demonstra
Excia. como as condições imediatas de vida levam
Mas por ser oposicionista (Partido os indivíduos a construírem argumentos
Libertador) eu não me julgo impossibi­ próprios para contornarem a dominação.
li tado de solicitar um emprêgo ao exmo. Quando em 1938, de Diamantina, Minas
sr. Presidente da República. Gerais, Amerida de Manos Diniz escreve a
Pedir uma colocação é a coisa mais na­ Vargas procurando obter um benefício, dei­
tural dêste mundo; agora não o era ab­ xa escapar por todo o texto um contra-argu­
solutamente na República Velha em mento construído a panir do discurso de
sendo agente da oposição... A República dominação estatal. Amerida inicia a carta
Nova está mudando essa mentalidade e dizendo que:
graças às idéias e ideais de Getúlio Var-
gas (...)".5 "Permitta Va. Excia. que uma pobre e
humilde funcionária postal suba direta­
A leitura da carta de Heitor poderia mente, à presença de Va. Excia. para
sugerir, a princípio, pura e simplesmente, a solicitar sua decisiva protecção para um
manifestação entre os trabalhadores do pro­ acto que é também de justiça".
jeto político estatal. Poderia sugerir, tam­
bém, uma reprodução mecânica e direta Para a autora, a proteção, termo que
entre os "de baixo" daquilo que os "de anuncia algo de arbitrário, visa estabelecer
cima" diziam. Porém, é preciso perceber alguma coisa muito cara à doutrina estada­
que Heitor elogia e pede. Heitor usa os novista: a justiça. Amerida vai diretamente
argumentos de dominação, formulado pe­ ao chefe de Estado à procura dessa justiça
los proprietários do poder, para tirar provei­ e legitima esta atitude dizendo:
to e conseguir o almejado emprego.
Informado das desavenças entre o presiden­ "Aliás, não faço senão cumprir os dese­
te e o governador, trabalha e explora essas jos de Va. Excia. que já declarou que no
divergências políticas, o que demonstra que Estado Novo não existem intennediá­
os trabalhadores não se achavam completa­ rios entre o governo e O povo".
mente alheios ao processo político ou dele
apartados. A afirmação de Vargas, num de seus
A maneira de abordar as enunciações discursos, visava legitimar a ditadura com
discursivas dos trabalhadores aqui, usando o fim dos panidos e do Congresso, sugerin­
as palavras de Darnton, não é "transformar do a ligação orgânica entre chefe e povo.
em filósofo o homem comum;mas ver co­ Amerida trabalha com este argumento de
mo a vida comum exigia uma estratégia. dominação, recriando um contra-argumen­
Operando ao nível corriqueiro, as pessoas to na cobrança desta mesma afirmação.
comuns aprendem a 'se virar' -e podem ser Após a introdução do texto, a autora
tão inteligentes, à sua maneira, quanto os inicia a exposição de seu problema:
filósofos" (1986:X1V). Heitor aceita as for­
mulações dominantes, elogiando e exaltan­ "Sou agente postal do distrito de Buen6-
do a nova ordem política, sem dúvida. Mas, polis, município de Diamantina, Estado
quando conta a seu modo, procura tirar de Minas, E. F. C. B., ha mais de 11
'84 ESTUDOS IDSTÓRlCOS '990/6

annos percebendo os vencimentos men­ essa situação é por motivo economico,


sais de200SOOO. Tenho 12 filhos,casada mais uma razão existe para Va. Excia
que sou com Manoel Natalicio Diniz, desfazel-a, auxiliando a esta numerosa
homem pobre. Este só agora obteve um familia, possibilitando-a viver junto do
emprego em Diamantina, em uma casa seu chefe e reduzindo dest'arte as duas
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de commercio, mas, o seu ordenado, despesas".
igual ao meu, é quase todo absorvido
pela pensA0 que ali paga. Amerida assume como sua as formula­
Afim de obter a nomeação de auxiliar na çOes dominantes relativas ao Estado ampa­
Diretoria Regional do Correios e Tele­ radar da família e da moral conjugal
graphos de Diamantina. ja me submetti vigente. Mas não se trata de meca cópia ou
com sacrifícios inauditos a dois concur­ de reproduçlia mecânica. Amerida capta o
sos, bastando dizer estudava com as discurso dominante e. de acordo com s"as
criancinhas a chorarem em redor de condiçOes imediatas de existência e seus
.
mun... parâmetros cultucais de mundo, reinterpre­
"

ta e retrahaJha a simbologia de dominação


Amerida diz que foi classificada no con­ em proveito próprio. Atenta ao discurso
curso mas, carente de proLeÇão, não foi estadonovista, particularmente no que se
nomeada Seu objetivo é a nomeação para refere à famOia e ao casamento, a autoca
o cargo, a fim de que possa transferir-se procuca cobrar coerência da doutrina ofi­
para Diamantina e morar com o marido. ciai. Sua nomeação para o cargo seria a
Assim, continua a autora: realização daquilo que o Estado Novo dizia
estar acontecendo, num caso concreto.
"Cu) venho pedir a Va. Excia. por cari­ Amerida trabalha com a doutrina oficial,
dade, fazer a minha nomeaçlia para uma selecionando aqueles elementos que me­
das vagas. Tenho concurso, sou agente lhor convêm aos seus interesses imediatos.
postal ha Ii annos e mãe de numerosa Seu depoimento desconina a maneica como
familia, devo ter alguma preferencia". as pessoas comuns elabocam estratégias de
vida, criando contra- argumentos a partir da
A preferência de que Amerida fala, ob· lógica do discurso dominante.
viamente, sl10 os filhos. Mas, procurando É possível, contudo, argumentar que o
elaborar melhor o argumento,Amerida par­ aparato hegemônico da época teria susten­
te dos pressupostos doutrinários do Estado tado um conformismo generalizado; que a
Novo, visando reforçar seu ponto de vista. aceitaçãO ao projeto dominante, por parte
É interessante , nesta parte do texto, ob­ desses setores, se daria por cazOes de subor­
servar como a autoca trava uma argumenta­ dinaçlia intelectual; além da incapacidade
ção com O poder: desses setores de formularem um projeto
próprio, autônomo e alternativo ao poder.
"O Estado Novo collocou a familia sob Sem negar a importância do conceito
sua proteçlia especial e prometteu o am­ gramsciano de hegemonia, acreditamos,
paro as familias numerosas. Pois bem. porém, que ele precisa ser relativizado, evi­
Va Excia fazendo a minha nomeação tando-se uma abordagem totalizadoca e ins­
estará protegendo a familia pois bem trumentaI. Procuramos, aqui, seguir a
sabe Va. Excia. que é improprio do ca­ interpretação de Thompson (1979:60), para
samento viverem os conjuges separados quem o processo de hegemonia nlia impede
um do outro. Tal situação só pode con­ as pessoas de defenderem seus interesses,
correr para a desagregação do lar. E se de buscarem saídas alternativas, de procu-
A CULTURA POI1nCA DOS TRABALHADORES

rarem brechas nas regulamemaçOes autori­ mera introduçAo da própria carta. Antonio
tárias e de perceberem os limites impostõS. continua a escrever, indo por duas vias,
Thntemós trabalhar com essa aborda­ excludentes e complementares ao mesmo
gem no depoimento de Antonio Ivo Vieira tempo.
que, de Belo Horizonte, em 1939, escreveu Numa primeira, Antonio argumenta, de­
a seguinte carta a Vargas: nuncia, na verdade, que sua SilllaçAo é pre­
mente, aflitiva e angustiosa, já que seu
"(...) sendo eu um simples guarda de 2' ordenado é para não mUller de fome. Com
cJaSJJe da E.F.C.B. (...), contando já com o JlIlfC.!> salário, com glandes descontos em
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quasi 20 anDOS de serviço à Estrada, com folha, nAo tem podido sustentar as quatro
a minha fe de officio limpa, sem cousa crianças, comprar-lhes roupas, calçados,
alguma que possa desabonar-me a con­ dar-lhes conforto e alguma instruçAo. Sobre
ducta. Tenho 4 filhos que necessitam de esta última, afirm a que, agora, até ela se
conforto e alguma instrução e eu com es­ paga. Aqui, Antonio nada tem de conforma­
te parco ordenado de 350$000 mensais, do e o que demonstra é a revolta e o senti­
nlIo estou na a1twa de dar-lhes nem si­ mento de injustiça.
quer a instruçAo primaria, que infeliz­ Na segunda via, porém, em brusco con­
mente até isto agora se paga; soffro traste com a primeira, Antonio se diz humil­
grandes desconios em folha de paga­ de servo, além de sincero e grato admirador
mento (...); nAo tenho ,podido nem ao de Vargas. Para o autor da carta, o alto
menos sustentar os meus filhos com eSJJe magistrado e chefe forte tem como qualida­
parco vencimento (...); a minha situação de a energia e a justiça.
é mais que premente, é afflictiva e an­ Antonio procwa alcançar sua promoção
gustiosae sei que tenho já direitos adqui­ demonstrando a grave situação em que vi­
ridos para merecer uma promoção à ve, em que denuncia, prOlesta e nega ao
classe imediata (...) nem roupa e calçado mesmo tempo que aceita, subordina-se e
para os meus 4 filhos, posso adquirir, confia. Confiando e negando, para Antonio
pois o meu ordenado mal dá para não não há contradição aparente entre o aceitar
morrermos à fome. Desde já Sr. Presi­ e o opor. Existe na consciência social do
dente, peço para que Deus abenç6e à V . autor, isto sim, limites que não podem ser
Excia e toda Exma. familia e V . Excia. rompidos. A denúncia tem de ser seguida de
poderá em qualquer terreno, contar com elogios e exaltações ao chefe de governo.
a mais sincera e grata admiração, do Ultrapassados esses limites, Antonio estaria
mais humilde servidor da Nação, de que . pondo em perigo a possibilidade da realiza­
é V . Excia. o seu mais alto Magistrado e ção de seu objetivo e, quiçá, a sua própria
Chefe forte, energico e justiceiro. Salve! segurança individual. A propósito, poderia
Sr. Presidente Or. Getulio Vargas" ? ser diferente? Haveria possibilidade de An­
tonio apenas denunciar sem nenhuma ma­
o objetivo de Antonio, como vemos, é nifestaçAo de conformismo e aceitação ao
apenas um: a promoçAo. Com mais de vinte regime? Ao aceitar resistindo e resistindo
anos de serviço, tem a ficha limpa e nada ao aceitar, Antonio manifesta formas de
que lhe desabone a conduta. Formulado o percepção de mundo que encampam e ao
objetivo e a legitimação para alcançá-lo, mesmo tempo reelaboram as concepções
talvez fosse possível que Antonio colocasse dominantes em proveito próprio.
ponto final na carta, sem nada mais a dizer. As enunciaçOes discursivas dos traba­
No entanto, Antonio continua. O objetivo e lhadores na época de Vargas demonstram
sua legitimação, nesse caso, nlIo passam de como eles aceitavam o discurso oficial e as
"6 ES11.J1X)S HISTÓRICOS. 199016

concepções dominantes do mundo. Toda­ usavam para avançar. O que procuravam,


via. essas fonnas de expressão em nenhum na verdade,era"se virarem" num quadro de
, momenlO significavam conformismo, pas­ dificuldades provenientes de um modelo de
sividade ou resignação. dominação social que lhes negava os direi­
Em primeiro lugar,esse aparente confor­ tos mais elementares à vida.
mismo fazia parte de uma estratégia de vida Este processo não se encontra em uma
para alcançarem seus objetivos. Vivendo ou outra carta. mas nas milhares que tive­
em difíceis situações existenciais,com bai­ mos oponunidade de estudar. Vejamos um
xos salários e reduzida oferta de empregos, caso muito interessante de como a interven­
ao recorrerem ao Estado, produtor de toda ção estatal na vida cotidiana dos trabalha­
uma legislação que os beneficiava material­ dores, escondendo privilégios de classe
mente c formulador de um discurso que bem definidos, leva-os a uma reação na
assumia suas dificuldades,os lrdbalhadores defesa de seus interesses, fazendo-os bus­
procuravam uma alternativa a mais em suas car nas próprias ideologias dominantes a
vidas que, como estratégia,não poderia ser saída para a solução de seus problemas.
subestimada. O caso se refere a uma carta escrita em
Em segundo lu&.ar,as pessoas comuns 1931, da cidade de São Paulo, em que um
apresentavam em seus escritos, implicita­ grupo de professores relata os efeitos da
lO
mente,formas de críticas ao estado de coi­ recém-implantada refonna do enSino, Di­
sas que viviam,criando conLra-argumenlos zem eles que "ha em S. Paulo milhares de
que tinham como base e matriz as idéias estudantes menos abastados que trabalham
dominantes. durante o dia e estudam á noite ( ...). São
Finalmente, quando os trabalhadores empregados no commereio, contadores,
manipulavam lOdo o arcabouço doutrinário funccionarios publicos,professores prima­
e prático do Estado varguista,selecionavam rios,phannaeeuticos,dentistas,graduados
aquilo que poderia beneficiá-los - a legis­ do exercito e da policia... que lutam por um
lação,os discursos sobre a família,o traba­ melhor futuro".
lho, o progresso, o bem-estar, etc. - e Pelo sistema de ensino anterior à refor­
deixavam de lado todo o aparato autoritá­ ma,era posslvel que um grupo de professo­
rio,repressivo e excludente. Não é casual res se cotizasse, abrisse um colégio sem
que em seus escritos não fIZessem referên­ registro oficial e ministrasse sllas aulas. O
cias à repressão política,às prisões arbitrá­ certificado de conclusão era concedido pelo
rias, à tortura policial, ete. E não por Estado, que aplicava as provas, avaliando
desconhecimento,pois sabiam o que se pas­ os alunos. Para os professores que escre­
sava,apenJs omitiam por estratégia9 Nesse vem a carta, esses "co11egios, como os ha
caso,com.:> aftnna Thompson,"quando o tan\D3 em S. Paulo,constituidos pelos .pro­
povo busca uma legitimação do protesto, prios professores que se associaram cada
recorre amiúde às regras paternalistas de um as materias que são especialistas,repre­
uma sociedade mais autoritária e seleciona sentam o ideal em efficiencia de ensino e
entre elas aquelas partes melhor pensadas em modicidade de taxas porque nlIo ha aqui
para defender seus interesses do momento" o lucro do capitalista . Taes coUegios não
..

(1979:45). Percebendo os limites impostos devem desaparec er",


e selecionando a legiSlaçlIo e a doutrina Pela refonna do ensino, tais colégios
estadonovista em benefício próprio, ao nlIo poderiam existir, devendo dar lugar a
mesmo tempo que deixavam de lado lOdo o estabelecimentos de ensino registrados e
aparato coercitivo e excludente, os perso­ controlados pelo Ministério da Educação e
nagens criavam estratégias de vida que as Saúde,devidamente equipados. Esta refor-
A CULTURA POLlTICA OOS 1'RABAUiAOORES 18'

ma, dizem os professores, "obra de um relação que fazem entre reforma de ensino
grande Ministro é, conseqüentemenle, sa­ e privilégios de classe não poderia ser me­
bia, mas, estabelecendo um regimen onde lhor enunciada quando falam que nas suas
ha uma interferencia directa e constanle do precárias escolas onde "não ha o lucro do
Estado, destruiu o ensino livre no qual o capitalista (... )" .
Estado se reserva apenas a attribuição de A reformado ensino implemeDlada pelo
verificar, por exame, o preparo do candida­ Estado inlerveio diretamente no cotidiano
to. ESle regimen de liberdade é justamenle dos professores. Esses identificaram os
o unico adaptavel áquelles alumnos". efeitos devastadores que ocorreriam, argu­
Ora, em primeiro lugar, se esse é o único mentaram, buscando no liberalismo a solu­
regime adaptável, a reforma não é 1110 sábia ção ideal, e apontaram os privilégios de
como dizem, muito menos o ministro fez classe embutidos na reforma A ação vinda
uma grande obra. Aqui, é o momeDlO em de cima incitou uma outra, vinda de baixo.
que os limites do que é possível são perce­ A intervenção dos professores vem na for­
bidos pelos professores. Critica-se até onde ma de uma sugesll10 que "perm ittirá a ma­
é possível e o limile dessa crítica é a con­ nutenção do ensino livre ao lado do ensino
lestação e a negação às regras autoritárias. officializado e a subsistencia daquelles co­
Enfim, aceitam para poderem avançar. Em legios, meio de vida dos pro fessores mais
segundo lugar, é a defesa que fazem do honestos e compelenles: Os alumnos que
liberalismo em seu próprio benefício. O não estudassem em collegios equiparados
inlervencionismo estatal atingiu o cotidia­ poderiam prestar, no fim de cada anno, nos
no desses professores, que se vêem impos­ gymnasios officiaes, exame das malerias da
sibilitados de ganharem a vida. A defesa do serie em que estllo matriculados". Sugerir
liberalismo, longe de expressar submissão esta solução, meio-tet111 0 entre a reforma
a um projeto hegemônico, é usada como governamental e o antigo sislema, é a ma­
argumento em prol de seus próprios inleres- neira com que procuram inlervir: Sete dias
ses. depois, a carta chega às mãos do Diretor­

Dizem também os professores que pela Geral do Departamento Nacional do Ensino


refolilla só poderão subsistir collegios opti­ do Ministério da Educaç!lo, que, dianle do
mamenle instalados, mas que cobram, to­ problema, emile o seguinle parecer dirigido
dos eUes, mensalidades superiores ás que ao Ministro da Educação:
poderiam pagar os peticionarios e mensali­
dades que lerão ainda de augmentar, e mui­ "(...) A medida proposta está auctoriza­
to, para q u e p o s s a m taes institutos da no citado decreto, para o corrente
satisfazer ás exigencias materiaes da refor­ anno, SÓmenle. Quando ha lempos V .
ma". É muito claro O que dizem os profes­ Ex., me deu a honra de ouvir esta parte
sores: a nova legislação de ensino será da reorgartização do ensino secundario,
benéfica aos diretores dos grandes colégios, tive occasiao de me manifestar favora­
que irão descarregar nos estudanleS os cus­ velmenle á medida agora solici'ada, vis­
tos da reforma. Mas não só isso. Para os to considerar que, nestes primeiros
professores paulistas há, no bojo da refor­ annos, n!lo possa realizar-se a equipara­
ma, um privilégio de c lasse, que beneficia ç!lo de institutos particulares de ensino
os proprietários das grandes escolas. Impe­ secundario em numero tal que satisfaça
didos de formarem suas próprias escolas, na aos interesses da grande populaç!lo es­
realidade espécie de cooperativas, só lhes colar em todo o Brasil. Parece-me, pois,
restaria serem empregados dos grandes di­ que deve ser opponunamenle prorroga­
retores, tomando-se assalariados. Esta cor- da a disposiç!lo contida no decreto para
188 ES1lJOOS mSTÓRlCOS. 1990/6

o corrente anno, relativamente aos alum­ A leitura dos textos produzidos pelos
nos que nao estejam matriculados em irabalh'adores, sejam aqueles oriundos do
collegios equiparados, isto é, penniuir­ movimento operário organizado, sejam os
se que \aeS a1umnos prestem exame no dos setores não-organizados, desmente essa
Collegio Pedro lI, nesla Capital, ou nos perspectiva. A fonnaçao da Aliança Libe­
11
gymnasios esladuaes, nos ESlados". rai, as eleições de 1930, o movimento polí­
tico ocorrido nesse ano, a revolla paulisla
No caso dos professores paulislas, os de 1932, a constituinte de 1934, a implan­
acontecimentos vindos de cima atingiram lação do Eslado Novo, bem como uma cui­
direlamentesuas vidas. Longe de assistirem dadosa atençao aos discursos de Vargas, silo
pas�ivamente a eSIa invasão, que devaslafia assuntos que fluem com observaçOCs de
seuscotidianos, esses trabalhadores procu­ toda ordem.
raram reagir. E foi no próprio desenrolar Neste momento da análise, porém, que­
dos acontecimentos, no dia-a-dia, que as remos ir além da simples conslalação de
fonnas de superação encontraram possibi­ que as pessoas comuns na época de Vargas
lidades de se realizarem. Percebendo os tinham conhecimento do processo político.
limites impostos pelas regras autori!árias e Mais do que apenas possuir infonnações, os
retrahalhando a simbologia do poder domi­ trabalhadores interprelafam esses aconteci­
nante, eles criaram estratégias de vida para mentos políticos de acordo com suas expe­
superar as dificuldades com que se depara­ riências, expectativas. necessidades e
ram. Criticando até onde era possível (e tradiçOCs, fonnulando, deste modo, uma
pennitido) e aceilando as regias autorilá­ história política recente do país. Evidente­
rias, os professores paulislas monlafam mente, a maneira como as pessoas comuns
uma estratégia para alcançarem seus obje­ conlavam a trajetória política que viveram
tivos. não tinha a precisão dos historiadores polí­
E, ao que parece, obtiveram sucesso. ticos. Enirelanto, é preciso lembrar que, de
acordo com Darnton, "visões de mundo não
podem ser descriw da mesma maneira que
acontecimentos políticos, mas não silo me­
A Imagem popular do Estado: nos 'reais'" (1986:39). Queremos com isso
o significado da Justiça reconhecer a legitimidade da interpretaçao
que os trabalhadores fonn uIaram do pro­
A tradição autorilária no pensamento cesso político, uma vez que a maneira como
político brasileiro procura deS<'on':ccer a conlafam a realidade social e política de sua
participação dos trabalhadores na vida po­ época nao surgiu a partir de ilusões e falsas
lítica do país. Em tennos ge�ais, as pessoas expeclativas, mas, sim, do cotidiano con­
comuns nao apenas não j)IIfIi..;O;J8m, como creto de suas vidas, de seus parâmetros
em nada influem no processo político. In­ culturais de mundo, e encontrou lastro na
capares de intervirem no quadro político, realidade social que vivenciaram. Além dis­
desqualificadas para participarem do jogo so, essa interprelação que os trabalhadores
liberal-democrático, alheias e desinteressa­ fizeram da história, num processo circular,
das dos grandes acontecimentos, as pessoas influenciou e sofreu influências das idéias
12
comuns SÓ reagiriam, esporndicamente, na dominantes.
fonna de revolw, rnaDÜeslaçOes de rua e Assim, nos anos subseqüentes a 1930,
protestos localizados. Sua participaçao se toda uma história é conlada e repetida sis­
re sumiria a uma ação esponlânea, regida tematicamente pelos trabalhadores, onde o
exclusivamente pela fome. presente é exalt.ldo, o passad o repudiado e
A a.n..TIJRA POLtnCA DOS TRABALHADORES 18'

o futuro idealizado. Na cana escrita por pouco, quando as leis ainda nada nos garan­
15
José de Alencar Pereira, da cidade de São tiam (... )". E o de Annindo de Siqueira
Paulo, esta/:> presentes algumas descriçOes Horta, de Aracaju, contando que "tenho
do período anterior a 1930, conhecido na sido victima de preteriçOes por não ter lo­
época como República Velha. José inicia a grado proteção, nem pleitel- a entre os po­
,,16
carta dizendo que foi funcionário postal liticos de outróra A prática polltica do
durante dez anos, "tendo sempre se esfor­ regime anterior ao de Vargas é encarada
çado por bem cumprir os deveres de seu como efetiva de dominação social e políti­
cargo". Apesar disso, o ambiente na repar­ ca. Caso flagrante da capacidade de avalia­
tição antes da chegada de Vargas ao poder ção desse quadro é o depoimento de José
era de uma "subserviencia aviltante", domi­ AnlOnio B. Filho, da cidade de São Paulo:
nado por grupos pollticos "que outra causa
não faziam se não incensar seus superiores "Peço venia vir, novamente a presença
e OS detenlOres do poder". Por não concor­ de V. Excia. como pequeno servidor, da
dar com essas práticas, "viu-se logo o re­ Republica Nova, pedindo o amparo e a
querente rodeado de má vontade de seus valiosa, interferencia na minhajusla pre­
chefes, num ambiente de ódios e persegui­ lenção, que é a minha promoção, ao
ções". Diz aindaJosé que "raros os funccio­ cargo de Porteiro, da Delegacia Fiscal
narios que, no regime decahido, tinham em São Paulo. Quando servente na mes­
noção clara e consciente dos deveres de ma Delegacia era perseguido, marquei
seus cargos", por um lado, e "raros os supe­ passos sem nunca ter sido promovido,
riores que sabiam manter a serenidade e pois tinha o meu obscuro, nome na Lista
Justiça em relação aos subordinados", por do ex-Partido Republicano Paulista, por
outro. Perseguido por não concordar com pertencer e cooperar como fiscal do
esse ambiente, José alega que seus supe­ PARTIDO DEMOCRATlCO, em di­
riores criaram inúmeros incidentes até de­ versos pleilO eleilOraI.
miti-Io do cargo. José tennina sua carta com Não só votei nos candidalOs da ALIAN­
a seguinte avaliação: ÇA LIBE RAL como cooperei para vic­
toria esmagadora CANDIDATOS
"Deminir-se um pae de familia, com dez NACIONAL, e sempre reagi toda
annos de serviços publicos, levados a ameaça remoção �ue constituia a AR­
effeilO com sacrifício e honestidade, era, MA do ex-P. R.P." 7
para os senhores chefes de então, mate­
ria comesinha e de importancia nulla: Perseguições políticas, listas negras, pis­
Só é glande a Patria onde aJustiça im­ tolOes, leis sem garantias de cumprimento,
pera e o que o requerente pede não é apadrinhamenlOs e remoções pullirivas não
13
senão REPARAÇÃO EJUSTlÇA". escapavam aos olhos de nossos persona­
gens. Esses depoimentos dão sinais de que
Parecido é O caso de Joaquim Cyrillo da os trabalhadores não estavam tão alheios
Silva Ramos, de Caruaru, Pernambuco, aos acontecimenlOs pollticos, bem como de
afmnando que o "Estado Novo, felicissima sua capacidade de perceberem a prática
idéa, que veio por tenno a maldita politica, política como efetivo exercício da domina­
sempre acompanhada de um sequilO de ino­ ção.
14
minaveis explorações e perseguições". É

E marcante a importância que o movi-


também ocaso de Adolpho cOllea de Arau­ mento político de 1930 assume no imaginá­
jo, do Rio deJaneiro, quando diz: "extinto rio polltico popular na época de Vargas. A
o regimen de pistolOes (...)" e "há bem chamada Revolução de 30 é a ponte que liga
190 ESruooS HlSTÓRlCOS 1990/6
-

wn Eslado parcial. Opressor. ilegítimo e A revoluç1o bO &1alide corte na história


arbibário a outro que se apresenta como que nos contam. República Velha, Revo­
justo. neutro e acima dos interesses de clas­ lução de 30 e go,CI110 f.um parte
se. O passado. personificado nos politicos de wn mesmo processO. orgAnico e linear.
interesseiros e personalis'as da República e não podem ser apreendidos separadamen­
Velha. desfaz-se para dar lugar. no presente. te pelo pensamento popular. Mas essa his­
a wn Estado que. personificado em Vargas. IÓria tinha wn parilmetto para a avaliação e
se a presenta como de todo o povo. o julgamento dos períodos anterior e poste­
As falas dos trabalhadores são precisas rior a 1930: a justiça. Para os trabalhadores.
acerca da revolução: é o momento do reen­ o regime anterior a Vargas foi marcado
contro do Estado com o povo. como diziam fundamenlalmente pela inexistência da jus­
os detentores do poder. É o ponto de ori­ tiça. A revolução. por slla vez. trouxe no seu
gens simbólicas de wna sociedade com os piÓprio acOiltecer a possibilidade da efeti­
mesmos objetivos e finalidades. vação dessa justiça. O govemo' chefiado por
Mas nao apenas isso. Ela é mais. pois. Vargas. por fim. foi o coroamento desse
no decorrer da década subseqüente. os tra­ processo e da cOilseqüente realização da
balhadores identificariam esse reencontro justiça para os pobres e os trabalhadores.
como a possibilidade da efetivação do Es­ Este Eslado realizador da justiça está
tado de justiça. As enunciaçoes não se refe­ presente nas palavras de Gaslllo S. Guerra.
rem a uma revolução feita para desalojar de Santos. para quem "o ambiente de liber­
antigos governantes e trocá-los por outros. dade que sentimos actualmente no Brasil.
Ela dá ensejo a um Estado que se coloca faz esquecer qualquer obstaculo. quando
acima dos interesses particulares dos pode­ trata-se de wn direito ou de fa:rer-se wna
rosos locais. tornando-se árbitro dos confli­ justiça". pois. "deante da muralha do regi­
tos de classe, amparando os menos men do filhotismo em que viviàmos. infru­
favorecidos diante do poder e da arbitrarie­ tiferos foram os meus innumeros pedidos
dade dos glandes. , 24
de justiça (...) , Coincidente opinião emite
É o que diz José P. Simoes que. de Sylvio Correia de Souza. do Rio de Janeiro.
Jab<wão. São Paulo. prestes a ser demitido dizendo que "com o advento do governo
do emprego. pede a Varg�itue tome al­ Revolucionario. finalmente raiou � O
gumas providências diante t/iJ"tamanha in­ Brasil uma nova era de justiça". Mais
justiça. incompativel com os ideaes da enfático na declaração do Estado de justiça
Revolução. que se fez justamente para co­ é o que escreve Percilio P. Bandeira. de
18
hibir os abusos que se notavam enlllo". Porto Alegre: "Com a Nova Era de Justiça
Mas ela também foi feita. no telegrama de e Equidade implantada por V. Excia com o
Nemesio C. Falcão. de Bodoco. Pernambu­ advento do Estado Novo. todos os brasilei­
co. para "sanear, moralizar costumes da ros. no uso de seus direitos legítimos. pó­
19
Republica Velha,, Isso. porque. para Ni­ dem e devem dirigir-se ás altas autoridades
colau De Biasi. da cidade de São Paulo. se do Paiz. reivindicando os direitos que lhe
encontrava a "Nação corrompida pelos ne­ são asseg:urados. em toda e qualquer emer­
20
fastos saqueadores do regime deposto". gencia" ."26
Desta fOIma. "a Revolução de 30. movi­ Quando as enunciaçoes discursivas se
mento Iibenador do Brasil". nas palavras de voltam para descrever o Estado Novo. o que
21
wn ator desempregado. tem em Vargas o é e para o que veio. elas apooIarn para este
"incansável apregoador virtudes ideaes re­ terreno de justiça. de plena so berania volIa­
volução de trinta". diz o teleSJ:;!llla enviado da para os excluídos. Na carta de José P. de
22 Abreu. de ltabaianinha. Sergipe. lemos que
por Petrarca C. Vasconcellos.
A CULTURA POÚTICA DOS TRABALHADORES 191

"com O advento do Estado Novo, acabou se - desse processo estaria na anomalia da orga­
o protocolo pragmatico que não permitia o nização corporativista, que resistiria à
governo identificar-se com o povo (... ). Ho­ Constituição liberal de 1946, na eleição de
je os humildes brasileiros como eu sentem­ Vargas em 1950 e no crescimento do PI'B
se encorajados em pedir- lhe diretamente, (Castro Gomes, 1 988:22- 23).
2� -

algo em seu benefício (... )". Além disso, Ao questionar essa interpretação, Ange-
no telegrama de Francisco Azevedo, de la de Castro Gomes parte do pressuposto de
Santa Rita, Bahia, o Estado Novo é definido que a formação de uma classe trabalhadora
como "grande obra de Salvação do Bra­ não deve ser abordada apenas como um
28
sil", enq uanlo para Antonio R. Duarte, do fenômeno da história econôm ica, mas tam­
Rio de Janeiro, "o Estado Novo (...) que em bém da hislÓria política e cultural. Por essa
boa hora V. Excia. inaugurou no Brasil li­ abordagem, explicar a adesllo da classe tra­
vrando o seu povo do jugo agonizante dos balhadora ao Estado varguista apenas pelos
29
politicos falidos,', pois, no entender de cálculos utilitários de benefícios provindos
Djalma A. Freitas, de Alegre, Espírito San­ do Estado, numa simples troca da obediên­
to, (j "Estado Novo quer o contato direto cia política pela legislação social , não basta

com o povo". para dar conta da relação entre Estado e
Como abordar esse sentimento de justi­ classe trabalhadora.
ça que se disseminou entre os trabalhadores Sem negar essa lógica material no pacto
ao explicarem o regime surgido após 1930? estabelecido entre Estado e classe trabalha­
Esse sentido de justiça poderia ser analisa­ dora, a autora sustenta que houve uma com­
do com o argumento, ainda muito em voga, binação com a lógica simbólica embutida
de que não passava da manifestação da no discurso estatal, cujo discurso trabalhis­
ideologia populista, dirigido pela demago­ ta resgatou a auto-imagem e os valores
:/l
gia, sob os auspícios do atemalismo. Não construídos e defendidos pelos próprios tra­
o vemos dessa maneira. 1 balhadores na Primeira República, deu-lhes

Para Angela de Caslro Gomes, a inter- novos significados e apresentou-os como


pretação dominante procura explicar o su­ seus. Ao mesmo tempo, a lógica simbólica
cesso do projeto varguista e o papel do no discurso trabalhista apresentou os bene­
Estado na construção da identidade da clas­ fícios sociais como uma atitude generosa
se trabalhadora da seguinte maneira: o pro­ que exigia reconhecimento e, fundamental­
cesso natural de constituição de uma mente, reciprocidade.

identidade operária durante a Primeira Re­ Para Angela de Caslro Gomes, "o Esta-
pública, levada a cabo pelos próprios traba­ do não era visto apenas como produtor de
lhadores, sofreu uma quebra com a bens materiais mas como produtor de um
,

intervenção estatal. Essa ruptura produziu discurso que tomava elementos�haves da


uma identidade "de fora", atrelando a classe auto-imagem dos trabalhadores e articulava
trabalhadora a lideranças exteriores a seus demandas, valores e tradições desta classe,
quadros. Surgiu, como conseqüência, uma redirnensionandoo{)s em outro contexto. A
classe trabalhadora subordinada e incapaz classe trabalhadora, por conseguinte, SÓ
de iniciativa própria. O sucesso do traba­ 'obedecia' se por obediência política ficar
lhismo, assim, teria como fundamento o entendido o reconhecimento de interesses e
.

próprio processo de formação da classe tra­ a necessidade de retribuição. Não havia,


balhadora - origens rurais e peculiaridades neste sentido, mera submissllo e perda de
da industrializaçãO brasileira, entre outros identidade. Havia pacto, isto é, uma troca
fatores - ou, ainda, as práticas populi stas, orientada por uma lógica que combinava os
manipuladoras e eleitoreiras. O corolário ganhos materiais com os ganhos simbólicos
\92 ESlUOOS HlSTÓRlCOS · I990J6

da reciprocidade, sendo que era esta segun­ ordem: mercado de trabalho muito restrito,
da dimensllo que funcionava como instru­ falta de oportunidades, insegurança nos
mento i n tegrador de todo o pacto" empregos, baixos salários, alta do custo de
(1988: 195). vida. famílias numerosas, etc. Ter um em­
Quando os traballladores delineavam as prego que assegurasse ao menos a alimen­
formas do Estado VlIIgIta Iis , projetando a tação da farnflia. eis o objetivo primeiro do
imagem da justiça, procuravam reconhecer trabalhador.
as atividades práticas e teóricas desenvolvi­ É nesle quadro que o Estado varguista se
das por esse Estado, mas, e ao mesmo lem­ impOe, assumindo a responsabilidade de
po, procuravam avançar. Se o Estado minorar essas dificuldades, reconhecendo
pós-30 se apresentava como o de todo o os traballladores como parceiros legítimos
povo, amparando e prolegendo os trabalha­ no cenário poHtico e produzindo uma legis­
dores, acima dos inleresses de c.1asse, refe­ laça0 que lhes proporcionasse ganhos efe­
rir-se a essa justiça era cobrar o motivo de tivos. Dianle de tamanhas dificuldades, os
existir desse mesmo Estado. Dizer que o trabalhadores nllO ficaram indiferentes ao
Estado varguista estava pautado na justiça discurso e aos ganhos maleriais produzidos
nao era apenas submeter-se politicamenle. pelo novo Estado. O fato de as pessoas
Era um recurso para cobrar a justiça que comuns escreve.em a Vargas relatando suas
os "de cima" diziam estar sendo praticada. dificuldades, elogiando O presidente e pe­
E por essa concepçao que lemos a Carla de dindo algum beneficio era o reconhecimen­

JoAo P. do Amaral, da cidade do Rio de to de que o Estado pós-30 estava


Janeiro: produzindo ganhos, maleriais e simbólicos,
e abrindo novas allemativas e oportunida­
"(...) nunca descri de V. Ex., e, ainda des que os tr1>balhadores nao descartavam
hoje, folgo em declarar que, apesar de como estratégia de vida - ainda mais se
ser um dos poucos brasileiros que nao lembrarmos que nao encontramos qualquer
receberam justiça do lP:ovemo de V. Ex., correspondência com o mesmo teor em po­
,
nao o culpo por isso ;
, 12 der da Secretaria no período anlerior ao de
Vargas. É O que fizeram OS personagens
Sendo assim, seria o momento de Vargas citados anleriormente e um número incon­
farer justiça a JoAo; é o raciocínio que, tável de trabalhadores daquela época. Era
implicitamenle, se constrói. O clamor por uma estratégia de lutar dentro do sistema
justiça está vinculado ao emprego, ao salá­ político, aproveitando as oportunidades
rio, ao bem-estar dos filhos, enfim, a uma que se abriam. Lembremos que as allema­
vida melhor. Nesse caso, como no de ou- tivas de oposiÇllo frontal ao regime eram
tros, Angela de Castro Gomes aflrJlla que muito restritas e, inclusive, perigosas,

"se os benefícios produzidos pelo Estado Os lIabalhadores nos anos 30/40 podem
sob a forma de leis estavam lendo aplicaçao ler aceitado o projeto político esL3tal, con­
e estavam sendo reconhecidos pela classe sentido na implemenLação de formas auto­
trabalhadora. ela nao deixava de resistir ritárias de poder, e mesmo ler depositado
politicamenle" (1988: 194). sua confiança naquilo que os "de cima"
diziam. Entretanto, a aceitaçao de delermi­
nadas formas de poder nllo impedia os tra­
ConslderaçOes finais balhadores de identificarem se\lS
problemas de classe, apontarem as soluçoes
As dificuldades que os traballladores en­ que convinham a seus interesses e lutarem
frentavam nos anos 30 e 40 eram de toda por elas. Dentro dos padroes políticos e
A CULTURA POL1nCA DOS TRABAUlADORES 193

culturais da época, as pessoas comuns da­ em proveito próprio, trabalhando por �uas
vam novos e diferentes significados aos demandas. O discurso dominante chegou e
códigos, normas e valores autoritários e, de ficou, mas de uma cena maneira: instru­
acordo com suas experiências, procuravam mentalizado.
redirecioná-Ios em seu próprio benefício, �ist.as de cima, porém, as enunciações
ao mesmo tempo que omitiam as regras dos trabalhadores podem sugerir apenas um
excludentes e autoritárias. Ao fazerem a conformismo generalizado. Mas confor­
leituia do discurso hegemônico dessa for­ mismo e passividade muitas vezes estao nos
ma, abriam brechas no aparelho político olhos de quem os vê. O fato de escreverem
autoritário e procuravam saídas alternativas ao presidente da República já demonstra
num quadro político e social onde essas que eles não estavam passivos ou resigna­
mesmas alternativas eram bastante escas­ dos. O apoio e a confiança que depositavam
sas. em Vargas, aqui, são entendidos como acei­
A análise por este prisma não implica tação a um estado de coisas que fugia a seu
subestimar a eficiência do discurso varguis­ controle. Aceitavam, pois naquele momen­
ta, minimizando sua repercussão entre os to não havia alternativas e, além disso, seu
trabalhadores. Ao contrário, as manifesta­ intuito não era apenas o de exaltar gratuita­
ções de apoio destes últimos à política pú­ mente Vargas, mas, sim, dar um passo à
blica implementada pelo Estado demons­ frente, avançar, conseguir um emprego, um
tram que o discurso varguista não apenas aumento salarial ou melhorar de vida. A
foi eficiente, como obteve, inclusive, certo aceitação do regime, enfun, não implicava
sucesso. Queremos enfatizar, porém, que o necessariamente resignação ou conformis­
apoio manifestado pela população não era mo.
exatamente o que o governo almejava.
Quando os trabalhadores explicavam
suareaJidade social, apresentavam uma for­
ma peculiar e própria de captar o discurso Notas
autoritário, decodificá-lo e reinterpretá-Io a
seu modo. Se os trabalhadores assumiram o 1 . Processo n' 28.419, FSPR, Série Movi·
discurso estadonovista, e daí sua eficácia, mentaçio de Pessoal, Subsérie Geral, lata 140,
não se tratava de simples reprodução. Lon­ 1937.

ge de repetirem mimética e mecanicamente 2. Próximo a sondar, entender. inte:zpietar.


etc.
o discurso dominante, repensavam-no, re­
3 . O Fundo da Secretaria da Presidência da
formulavam-no e filtravam-no, fazendo
República (1 930- 1965), composlO de 3.483 la·
com que fosse contado e vivido de acordo t.a.s e 20 códices, constitui o mais volumoso dos
com OS seus parâmetros culturais de mun­ fundos da Presidência no Arquivo NacionaI:
do, como também de acordo com as suas 4. R.DARNTON, O grande massacre de
condiçOes imr.diatas de vida. O conjunto de galOS, Rio de Janeiro, GraaJ, 1986; C. GINZ­
imagens produzidas pelos trabalhadores BURG. O queijo e os vermes - o colidiano e as
não pode ser reduzido a uma cópia malfeita, idéias de wm moleiro perseguido pela Inquisi­

caracterizando-se esses indivlduos como ção, Sio Paulo, Companhia das Letras, 1987;
M. BAKHTIN, A cullura popular "" Idade Mi·
meros reprodutores do pensamento domi-

dia e no RenascimenJ.o - o conJmo de François
nante. E ceno que as pessoas comuns ti-
Rabelais, São Paulo, Hucitec/EdilOra Universi­
nham informaçOes dos acontecimentos dade de Brasília, 1987; M. CHAut. Co,yornu:s.
políticos e da doutrina estatal, utilizando-as mo e rt!SLrlência - aspectos da cultura populQl'
quando contavam sua realidade social; mas, 110 Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1987; P.
quando O faziam, usavam tais informaçOes BURKE, Cul'ura popular "" Idade Moder"",
, 1 94 ESruoos HISTÓRICOS 1990/6 -

São Paulo, Companhia das Letras, 1989; E. GE­ zá-lo como instrumento de dominação" (Jornal
NOVESE, A terra prometida - o mundo que os do Brasil, 1 8 de junho de 1983, Suplemento
escravos criaram, Rio de Janeiro, Paz e Idéias, 10).
1988; E. THOMPSON, Tradición, revuelta y 13. Processo nO 65.683, FSPR, Sétie Movi­
conciencia de classe - estudios sobre la crisis de

mentação de Pessoal, Subsérie Geral, lata 60,
la sociedad preindustrial, B arcelona, Grijalbo, 1935.
1979. 1 4. Processo nO 29.903, FSPR, Série Movi­
5. Processo nO 3 1 .583, FSPR, Série Movi­ mentação de Pessoal, Subsétie Geral, lata 1 59,
mentação de Pessoal, Subsétie Geral, lata 140, 1939.
1937. 15. Processo nO 2.803, FSPR, Série Movi-

6. Processo nO 7 .823, FSPR, Série Movimen­ mentação de Pessoal, Subsétie Geral, lata 247,
tação de Pessoal, Subsérie Geral, lata 145, 1930. 1940.
7. Processo nO 4.040, FSPR, Série Movimen­ 1 6. Processo nO 437, FSPR, Série Movi­
tação de Pessoal, Subsérie Geral, lata 159, 1939. mentação de Pessoal, Subsérie Geral, lata 54,
8. É inleressanle observar como os trabalha­ 193 1 .

dores nesta época reclamavam dos descontos 1 7 . Processo nO 298, FSPR, Série Movimen­
nos seus salários para os institutos de previdên­ tação de Pessoal, Subsérie Geral, lata 54, 193 1 .
cia social. Não poucas vezes, ao declararem 1 8. Processo nO 24.434, FSPR, Série Movi­
quanto ganhavam, faziam questão de comparar mentação de Pessoal, Subsérie Geral, lata 56,
o salário bruto com o líquido, chamando a aten­ 1933.
ção para os descontos. 19. Processo nO 42.425, FSPR, Sétie Movi­
9. Isso é o que nos revela a pesquisa desen­ mentação de Pessoal, Subsétie Geral, lata 137,
volvida por Maria de Lourdes M. Janoni acerca 1934.
da memória popular referente ao Estado Novo, 20. Processo nO 7 .613 , FSPR, Sétie Movi­
a partir de uma metodologia em história oral. mentação de Pessoal, Subsétie Geral, lata 60,
Uma das conclu�es de sua pesquisa diz respei­ 1935. ,
to à consciência que os trabalhadores tinham da 2 1 . Processo nO 5.653, FSPR, Série Ministé­
repressão policial do período, comparando -a, in­ rios, Subsérie Educação e Saúde Pública, lata
clusive, com a do regime militar pós-64 (cf. Ma­ 189, 1939.
ria de Lourdes Janoni (coord.), Memória e Esta­ 22. Processo 'nJI 3.656, FSPR, Série Movi­
do Novo. Pesquisadores: alunos de História do mentação de Pessoal, Subsérie Geral, lata 60,
Brasil Independente lI, Diurno, 1983 - FFLCH/ 1935.
A

SP. Comunicação apresentada no X111 Simpósio 23. Çomo afuma Angela de Castro Gomes,
Nacional de História da Associação Nacional "a Revolução de 1930 não pode ser considerada
,
dos Professores Universitários de História, Curi­ como o marco de origem na forlllulação de uma
tiba, 1985). política social no Brasil e nem mesmo o momen­
10. Decreto nO 19.890, de 1 8 de abril de 1 93 1 , to simbólico a partir do qual se teria inaugurado
que dispunha sobre a organização do ensino se­ o intervencionismo do Estado na regulamenta­
cundário. ção do mercado de trabalho" ( 1 979:213-4).
1 1 . Processo nO 73, FSPR, Série Ministérios, 24. Processo nO 1 56, FSPR, Série Movi­
Subsérie Educação e Saúde Pública, lata 30, mentação de Pessoal, Subsérie Geral, lata 54,
193 1 -34. 1 93 1 .
12. No dizer de Emilia Viotti da Costa, "hoje 25. Processo nO 975, FSPR, Série Movimen­
já se tomou lugar-comum dizer que o discurso tação'<ie Pessoal, Subsérie Geral, lata 54, 193 1 .
dos oprimidos é diferente do discurso dos opres­ 26. Processo nO 19.032, FSPR, Série Movi­
so.res. É preciso lembrar, no entanto, que esses mentação de Pessoal, Subsérie Gerd, lata 146,
discursos não correm paralelos, sem jamais se 1938.
tocarem. Os oprimidos freqUentemente se apro­ 27. Processo nO 1 8 . 1 00, FS PR, Série Movi­
priam de conceitos utilizados. O inverso também mentação de Pessoal, Subsérie Geral, lata 1 46,
é verdadeiro: as camadas dominantes têm atra­ 1938.
vés da história buscado inspiração no discurso 28. Processo nO 9.533, FSPR, Série Ministé­
dos dominados, ou se apropriado dele para utili- rios, Subsétie Trabalho, lata 202, 1939.
A CULTURA POLrnCA DOS TRABAUJADORES 195

29. Processo nO 1 8 .05 1, FSPR, Série Movi­ CASTRO GOMES, Ângela. 1979. Burguesia e
mentação de Pessoal, Subsérie Geral, lata 146, trabalho. PoUtica e legislação social no Bra­
1938. siI 19J7 1937. Rio de Janeiro, Campus.
-

30. Processo nO 2 . 1 83, FSPR, Série Movi­ ----: ' OUVEIRA, Lúcia Lippi e VELLOSO, .
mentação de Pessoal, Subsérie Geral, lata 247, Mônica Pimenta. 1982. Estado Novo: ideo­
1940. logia e poder. Rio de Janeiro, Zahar.
3 1 . Em O populismo na poUlica brasileira _
.1988. A invenção do trabalhismo. Rio de
(Rio de Janeiro, Paz e Tala 1980, p. 62), Weffort Janeiro, IuperjNérúce.
afirma que "o populismo foi, sem dúvida, mani­ CHAm, Marilena. 1987. Conformismo e resis­
tência. Aspectos da cultura popular no
pulação de massas mas a manipulação nunca foi
Brasil. 2. ed. São Paulo, Brasiliense.
absoluta. Se o fosse, estaríamos obrigados a
DARNfON, Robalo 1986. O grande massacre
aceitar a visão liberal elitista que, ali úlúma
de gatos e outros episódios da história cul­
instância, vê no populismo uma espécie de aber­
tural francesa. Rio de Janeiro, Graal.
ração da história alimentada pela allocionalida­
GENOVESE, Eugene. 1988. A terra prometida.
de das massas e pela falta de princípios dos
O mundo que os escravos criaram. Rio de
líderes". Conceber as manifestações dos traba­
Janeiro, Paz e Tella. v. 1 .
lhadores a partir da relação dual "màssas atrasa­
GINZBURG, Carlo. 1987. 0 queijo e os vermes.
das" versus "líder esperto", mediados pelo
O cotidiano e as idéias de um moleiro perse­
paternalismo e pela manipulação, é um reducio­ g u i do pela Inq uisição. S ão Paulo ,
nismo que encobre a própria concepção políúca .
Companhia das Letras.
do analista. GUZZO DECCA, Maria A. 1987. A vida fora
32. Processo nO 3 1 .972, FSPR, Série Movi­ das fábricas. Cotidiano operário em São
mentação de Pessoal, Subsérie Geral, lata 1 40, Paulo 1920:1934. Rio de Janeiro, Paz e Ter­
1937. ra.
JANO·'T"TT'lI1, Maria de Lourdes (coord.). "Memó.
ria e Estado Novo". Em SIMPÓSIO NACIO­
NAL DE HISTÓRIA DA ASSOCIAÇÃO
B ibliografia NACIONAL DOS PROFESSORES UNI­
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ba, 1985. Anais, Curiúba, s. ed., 1985.
MUNAKATA, Kazumi. 1984. A legislação tra­
BARDIN, I.8l1rence. 1979. Análise de conteúdo.

balhista no Brasil. 2 . e d . S ão Paulo,


Lisboa, Edições 70.
Brasiliense. .
, Mikhail. 1986. Marxismo efilosofia
.

THOMPSON, Edward. 1979. Tradici6n., revuel­


da 3. ed. São Paulo, Hucitec.
ta y consciencia de clase. B arcelona,
. A cultura popular na Idade Média e
E&torial Criúca. .
.
_

. no Renascimento. O contexto de François


,

. São Paulo, Hucitec/Editora Uni­ •

versidade de BrasOia.
BOSI, Ecléa. 1986. Cultura de massa e cultura
Jorge Luiz FaIeira é mestre em história pela
popular. Leituras operárias. 6. ed. Petrópo­ Universidade Federal Fluminense, onde, desde
lis, Vozes. 1985, é professor de história da América. É autor,
B URKE, Peter. 1989 . Cultura popular na Idade ainda, do livro Incas e astecas - culturas pré­
Moderna. São Paulo, Companhia das Letras. colombianav (São Paulo, Áúca. 1988).

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