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LOPES, Paula C. Educacao-Sociologia-Da-Educacao-E-Teorias-Sociologicas PDF
LOPES, Paula C. Educacao-Sociologia-Da-Educacao-E-Teorias-Sociologicas PDF
Sociológicas Clássicas:
Marx, Durkheim e Weber
Paula Cristina Lopes∗
ries of seminal papers in the sociology of e- obra de Karl Marx. Neste campo, tal como
ducation. Throughout his over three-decade- em muitos outros, o enquadramento faz-se
long academic career, he produced numerous em relação ao seu desenvolvimento no pro-
texts, courses and papers and became known cesso histórico das sociedades: a concepção
not only as a sociologist but also as an edu- marxista de educação tem também por base
cational theorist. o materialismo histórico.
Keywords: Sociology of Education; Clas- A educação é uma forma de socializa-
sical Sociological Theory; Karl Marx; Émile ção, de integração dos indivíduos numa so-
Durkheim; Max Weber. ciedade sem classes, no contexto do materia-
lismo histórico. No modelo marxista infra-
estrutural – super-estrutural (dialéctico, de
1 A educação em Karl Marx1
relação recíproca), a escola faz parte da
sociologia materialista – histórica – super-estrutura (tal como o Estado ou a
A dialéctica de Karl Marx (1818-1883)
é a sociologia da luta de classes, a so-
família, por exemplo) e a educação é assu-
midamente um elemento de manutenção da
ciologia das relações de poder no seio hierarquia social, de controlo das classes
das sociedades capitalistas, do estrutura- dominantes sobre as classes dominadas, isto
lismo sócio-económico-político. Em pou- é, de dominação da burguesia sobre o pro-
cas palavras, digamos que o marxismo é a letariado. As ideologias que estabelecem as
sociologia do conflito, isto é, do “antago- regras são as das classes dominantes, dos
nismo” (Aron, 1991: 181). As contradições ideólogos – produtos típicos das universi-
da sociedade capitalista (nomeadamente, en- dades burguesas (Morrow e Torres, 1997:
tre classes; entre forças e relações de pro- 25).
dução; e entre progressão das riquezas e
miséria crescente da maioria) conduzirão à As ideias da classe dominante são,
crise revolucionária: a revolução do pro- em todas as épocas, as ideias do-
letariado, feita pela maioria em benefício minantes, ou seja, a classe que
de todos. Na sequência (e em consequên- é o poder material dominante da
cia) dessa revolução, ocorrerá a supressão si- sociedade é, ao mesmo tempo, o
multânea do capitalismo e das classes (Aron, seu poder espiritual dominante. A
1991: 147). classe que tem à sua disposição
A educação não é temática dominante na os meios para a produção material
dispõe assim, ao mesmo tempo,
1
Karl Marx faz referência a educação nos do- dos meios para a produção es-
cumentos Manifesto do Partido Comunista (1848),
Instruções aos Delegados do Congresso da As- piritual, pelo que lhe estão as-
sociação Internacional dos Trabalhadores (1866) sim, ao mesmo tempo, submeti-
ou O Capital (1867-1894), por exemplo. Para das em média as ideias daque-
aceder a todos os documentos do autor sobre les a quem faltam os meios para
educação ou outras temáticas, sugerimos a con-
a produção espiritual. As ideias
sulta do sítio: http://www.marxists.org/
portugues/marx/index.htm. dominantes não são mais do que
a expressão ideal [ideell] das re-
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posição ocupada dentro da divisão social do esse “ser social” (Durkheim, 2009: 53)]. A
trabalho”. (Ortega, 1999: 13) educação “perpetua e reforça a homogenei-
A proposta educativa de Durkheim as- dade [entre os seus membros] fixando com
senta na socialização progressiva das no- antecedência na alma da criança as simili-
vas gerações como meio de preservar a or- tudes que a vida colectiva exige” (Durkheim,
dem social (a pedagogia reproduz a orga- 2009: 52). Ela “cria no homem um novo ser”
nização social). Para que haja educação é, (Durkheim, 2009: 54):
pois, necessário “termos em presença uma
geração de adultos e uma geração de jovens, o ser novo que a acção colectiva,
e uma acção exercida pelos primeiros sobre por via da educação, edifica assim
os segundos” (Durkheim, 2009: 49). Pela em cada um de nós, representa o
leitura da sua definição (a “fórmula”) de e- que há de melhor em nós, o que
ducação, há em nós de verdadeiramente hu-
mano. O homem, com efeito, só
a educação é a acção exercida é um homem porque vive em so-
pelas gerações adultas sobre aque- ciedade. (Durkheim, 2009: 57)
las que ainda não estão maduras
para a vida social. Tem por objecto A educação é um processo de socializa-
suscitar e desenvolver na criança ção constante do indivíduo que tem por fi-
um certo número de estados físi- nalidade “fazer dele um ser verdadeiramente
cos, intelectuais e morais que lhe humano” (Durkheim, 2009: 59), um ser
exigem a sociedade política no seu novo, assegurando, simultaneamente e em
conjunto e o meio ao qual se des- consequência, “entre os cidadãos uma co-
tina particularmente. (Durkheim, munhão de ideias e de sentimentos sem
2009: 53) os quais qualquer sociedade é impossível”
(Durkheim, 2009: 61). Há, portanto, uma
deduzimos a ampliação do conceito: a e- dupla consequência: a progressão indivi-
ducação é a acção exercida por pais e pro- dual e a manutenção social. Na sociolo-
fessores sobre a criança; é uma acção que gia durkheimiana, entre ‘sociedade’ e ‘indi-
ocorre ininterruptamente; é uma acção que víduo’ não existe propriamente conflito; pelo
constitui a criança como um ser individual contrário, sociedade e indivíduo são ideias
(e, nesta abordagem, aproxima-se, em ter- inter-dependentes.
mos de colaboração teórica, à psicologia), Do ponto de vista durhkeimiano, o sis-
mas também como um ser social [Durkheim tema educativo deve ser meritocrático (de
afirma a existência no indivíduo de dois expressão das capacidades individuais) em-
seres, distintos embora separáveis apenas bora reconheça o peso da “herança cega”:
por abstracção: o “ser individual’ (estados “mesmo que o percurso de uma criança
mentais particulares) e o “ser social” (sis- não fosse, em grande parte, predeterminado
tema de ideias, sentimentos e hábitos que por uma hereditariedade cega, a diversidade
experimem o grupo ou grupos a que per- moral das profissões não deixaria de arras-
tencemos). O fim da educação é constituir tar consigo uma grande diversidade pedagó-
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gica” (Durkheim, 2009: 50). Neste par- invariável, a mesma regulamentação impes-
ticular, como cada profissão é caracterizada soal e uniforme, deverá, pelo contrário, di-
por uma bateria de competências teórico- versificar os métodos segundo os tempera-
práticas, “a partir de uma certa idade, [a mentos e as características próprias de cada
educação] não poderá manter-se a mesma inteligência. (...) Uma educação empírica,
para todos os indivíduos aos quais se aplica” maquinal, não pode deixar de ser compreen-
(Durkheim, 2009: 97), o que nos leva, por siva e niveladora” (Durkheim, 2009: 84).
um lado, à ideia de uma crescente divisão do Durkheim distingue educação de peda-
trabalho social, e, por outro, à de uma cres- gogia. A educação é a matéria da peda-
cente especialização: gogia; a pedagogia é a reflexão sobre fac-
tos da educação, é, por assim dizer, uma teo-
é a sociedade que, para poder sub- ria prática. Na mesma linha conceptual, de-
sistir, precisa que o trabalho se di- fine práticas educativas como modalidades
vida entre os seus membros, e de da relação entre gerações, que servem de
uma forma mais do que de outra. objecto a uma ciência: a ciência da edu-
É por isso que prepara com as cação. “As práticas educativas não são
suas próprias mãos, pela via da e- factos isolados uns dos outros; mas, para
ducação, os trabalhadores especia- uma mesma sociedade, estão ligados num
lizados de que precisa. É pois por mesmo sistema em que todas as partes con-
ela e através dela que a educação tribuem para um mesmo fim: é o sistema
é tão diversificada. (Durkheim, de educação próprio de um lugar e de um
2009: 98) tempo” (Durkheim, 2009: 75). As aspi-
rações (ideais) de uma sociedade, que variam
O significado social do trabalho do edu- consoante o momento histórico que atra-
cador também é abordado. O professor vessa, traduzem-se em doutrinas pedagógi-
(laico) deve acreditar na “sua tarefa e na cas que dependem, também elas, do estado
grandeza da sua tarefa” já que ele é “a voz de do ensino em cada momento. “Só a história
uma grande pessoa moral que o ultrapassa: é do ensino e da pedagogia permite determinar
a sociedade. Da mesma forma que o padre os fins que a educação deve seguir em cada
é o intérprete do seu deus, ele é o intérprete momento (...) o ideal pedagógico de uma
das grandes ideias morais do seu tempo e do época exprime antes de mais o estado da so-
seu país” (Durkheim, 2009: 69). Este ‘intér- ciedade na época considerada” (Durkheim,
prete’ deve atender à individualidade que há 2009: 89).
em cada criança e deve procurar “favorecer” A educação é assim, na teoria durkhei-
o seu desenvolvimento (interessante como miana, um meio de auto-renovação das so-
também Marx abordou a questão, embora de ciedades, o ‘cimento’ que une os indivíduos
forma absolutamente distinta, ao criticar a numa suficiente homogeneidade (afirmando-
concepção burguesa de educação que, na sua se, simultaneamente, a coexistência da diver-
perspectiva, não considera as crianças como sidade) que assegura a manutenção, a coesão
seres concretos mas como seres abstractos). social. Para além da família, por exemplo, a
“Em vez de aplicar a todos, de uma forma escola é um dos pilares do processo de so-
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gica comparativa, o pensamento dos três estrutura; para Weber, ela estava
clássicos: associada à dinâmica de burocra-
tização, embora esta ligação es-
os três autores partilham uma tivesse ‘escondida em algum ponto
orientação comum, apesar das decisivo’; para Durkheim, ela es-
suas diferentes abordagens teóri- taria, e deveria estar, unida à acção
cas. Em primeiro lugar, unanime- política e, deste modo, ao de-
mente trataram a educação como senvolvimento de uma sociedade
instituição social macroscópica, e orgânica integrada e normativa.
não como um amontoado de or- (Archer, 1980: 234)
ganizações (escolas, faculdades,
universidades) ou como um con- Evidentemente, o pensamento dos clássi-
junto de colectividades (profes- cos condiciona, enquanto pilar seminal re-
sores, alunos e directores), nem flexivo, o pensamento dos contemporâneos.
como um aglomerado de pro- Há algumas correlações lógicas (embora não
priedades separadas (inputs, pro- exaustivas): a que une Marx a Althusser,
cessos, outputs). Em segundo Establet e Baudelot, Bourdieu e Passeron,
lugar, Marx, Weber e Durkheim Dahrendorf; a que une Durkheim a Par-
colocaram firmemente a institui- sons, Merton ou Basil Bernstein, mas tam-
ção educacional na estrutura so- bém Lévi-Strauss, Saussure, Barthes; a que
cial mais ampla e propuseram une Weber a Parsons, Bourdieu e Passeron,
problemas interessantes sobre a Boudon. Só a partir da leitura das teorias
sua relação com outras institui- clássicas da sociologia se poderá chegar a
ções sociais (economia, burocra- um entendimento mínimo do que foi (e do
cia e acção política, respectiva- que é) “pensar a educação”.
mente). Em terceiro lugar, todos
os três perceberam que a posição
Bibliografia
da educação na estrutura social
e sua relação com outras insti- Archer, M. (1980). “The sociology of e-
tuições eram a chave para com- ducational systems” in T. Bottomore.,
preender a dinâmica da mudança S. Nowak, & M. Sokolowska, Socio-
educacional. Embora somente logy of the State of Art. London: Sage
Durkheim tenha teorizado profun- Publications.
damente sobre os reais mecanis-
mos de desenvolvimento educa- Aron, R. (1991). As Etapas do Pensamento
cional, nenhum deles deixou dúvi- Sociológico. Lisboa: Publicações Dom
das de que esta deveria ser uma Quixote.
parte integrante das suas macroteo- Cruz, M. B. (1989). Teorias Sociológicas –
rias – para Marx, a mudança e- Os Fundadores e os Clássicos. Lisboa:
ducacional nasceu do jogo dialéc- Fundação Calouste Gulbenkian.
tico entre infra-estrutura e super-
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