Você está na página 1de 7

PEDUZZI, M.

Trabalho em equipe de saúde da perspectiva de gerentes de serviços de saúde:


possibilidades da prática comunicativa orientada pelas necessidades de saúde dos usuários e da
população. 2007. 247p. Tese (Livre-docência). Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo,
Ribeirão Preto. 2007.

As origens da concepção de trabalho em equipe multiprofissional na saúde (p. 74):

1) Noção de integração sanitária


- Cura de doenças -> Estado integral de saúde (enfoque biopsicossocial)
2) Mudança na concepção do processo saúde-doença (unicausalidade, multicausalidade,
determinação social)
3) Alterações no processo de trabalho em saúde (ampliação do objeto, redefinição da finalidade,
recomposição com introdução de novos instrumentos e tecnologias)

- Medicina preventiva (anos 50):


- Reestruturação produtiva e “doenças ocupacionais”, demandas tecnológicas da expansão
dos serviços médicos, fim do predomínio das DIP
-> Equipe multiprofissional, mas liderada pelo médico (“equipe médica”). Na área de
enfermagem, isso é ratificado.
-> Discurso preventivista: nova relação do médico com paciente, família, comunidade, por
um lado, e com os demais trabalhadores da saúde, por outro (“aggiornamento”) (Arouca).
-> Concepção de saúde/doença: estado de equilíbrio relativo e dinâmico (orgânico = mental
= social) + história natural das doenças
-> mental: ciências do comportamento (para evitar associações da denominação “ciências
sociais” com o socialismo)
-> Outro monismo causal tal qual a unicausalidade: as redes de causalidade (multifatorial)
-> Contribuições: integração - assistência médica <-> prevenção, vigilância epidemiológica
e educação sanitária
“A noção de equipe de saúde aparece respaldada principalmente pela noção de atenção
integral ao paciente, tendo em conta os aspectos preventivos, curativos e de reabilitação que
deveriam ser contemplados a partir dos conceitos de processo saúde-doença e de história
natural das doenças e da estratégia de integração” (p. 77)

- Medicina comunitária (anos 60):


- Custos médicos se tornaram exorbitantes, impondo a busca por alternativas assistenciais
-> Contradição: expansão da cobertura X extensão da normatividade médica
-> Inclusão dos pobres como segmento social a ser assistido (ampliação da medicalização –
Donnangelo)
“Requerem uma nova estruturação dos elementos que compõem a prática médica, sobretudo
uma forma diferente de utilização do trabalho médico, o que se fará através da incorporação
do trabalho auxiliar de outras categorias profissionais, configurando uma prática
complementar e interdependente entre os diversos trabalhadores da saúde” (p. 78)
-> inclusão de agentes auxiliares (e não complementares) do trabalho médico – ainda
“equipe médica”, inclusive “saúde mental comunitária”

- Equipes de saúde: racionalização + integração disciplinar e profissional

“As práticas de saúde e a prática de cada área profissional em particular se constituem


historicamente e, portanto, reproduzem a segmentação e fragmentação das áreas de conhecimento,
dos saberes e das profissões. Sua recomposição requer um esforço de articulação e integração que
não decorre automaticamente das mudanças da concepção do processo saúde e doença – objeto de
intervenção das distintas áreas profissionais” (p. 80)
- Concepção de objeto x Saber operante instrumentalizado pelo objeto
-> relação objeto/instrumento <-> relação agente/finalidade
-> relação agente/finalidade: saber do agente x saber no instrumento!

Tese da autora:
“À medida que a integração das diferentes áreas profissionais e de seus respectivos agentes se torne
necessária para o modelo de organização social das práticas de saúde vigente, convertendo-se em
ferramenta para a maior eficácia das ações de saúde e maior eficiência e efetividade dos serviços
prestados, poderá constituir-se historicamente uma prática de trabalho em equipe integrada como
modo predominante de organização de serviços” (p. 80)

- A articulação e a integração continuam desafios com vários obstáculos e dificuldades, haja vista
que se “mantém a doença como fenômeno apreendido fundamentalmente nos níveis individual e
biológico e o saber clínico desempenhando o papel principal e nuclear” (p. 80).
- Porém,
“O trabalho em equipe passa a constituir, desde a sua gênese, um dos aspectos relevantes das
propostas de reorganização e serviços de saúde na perspectiva da atenção integral à saúde” (p. 81)

[Decorrer dos anos 1970: consolidação da medicina previdenciária, mas experiências locorregionais
de expansão da cobertura que foram importantes, por exemplo, enquanto base para a ESF; em todas
elas, a equipe multiprofissional é um referencial organizacional para a organização das ações e dos
serviços]

Potencialidades do trabalho em equipe diante das contradições do contexto do processo de trabalho


em saúde:
- Reforma Sanitária: definição de um conceito ampliado de saúde
- Reestruturação produtiva e ajuste fiscal: projeto neoliberal e de reforma do Estado

Políticas de recursos humanos em saúde (meados dos anos 1980)


“’Equipe de saúde’ como unidade produtiva, em substituição ao trabalho individualizado,
independente e isolado por profissional” (p. 81)

Integralidade em saúde como foco do trabalho multiprofissional (anos 1990) diante de seus vários
sentidos (Mattos, 2004) (p. 82)
- Intersetorial: “articulação de ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde”
- Setorial: “organização integrada dos serviços e da rede”
- Organizacional: “apreensão ampliada e contextualizada das necessidades de saúde”

PSF:
- “Inclui O trabalho em equipe dentre suas diretrizes operacionais para a reorganização do processo
de trabalho em saúde” (p. 82)

Críticas ao modelo clássico de administração e gestão em saúde


- “Fragmentação das tarefas e da assistência”
- “Centralização das decisões e do exercício do poder”
- “Crescente despersonalização do trabalho”

Revisão da literatura sobre trabalho em equipe (nacional e internacional)


- perspectiva dos agentes
“Os argumentos pró-equipe diferem e carecem de evidências e fundamentação teórico-conceitual”
(p. 82)
- Não há definições consensuais, mas características comuns enquanto
-> objeto de estudo
-> ferramenta do trabalho em saúde

- Revisão da autora: literatura que trata o trabalho em equipe como objeto de estudo, focalizando o
tipo de abordagem teórica e metodológica (p. 83)

- A produção teórica sobre o tema se amplia na literatura nacional a partir de meados da década de
1990 [trabalhos recentes]
-> não esclarece a concepção de trabalho em equipe utilizada
-> não traz resultados de pesquisa empírica
-> não delimita a definição de trabalho em equipe a que se recorre

- A produção parte de certas premissas [“heróicas”] acerca do trabalho em equipe


a) é benéfico para a assistência e o cuidado
b) permite atuação na perspectiva da integralidade
c) confere melhor qualidade aos serviços
-> reproduz modelo biomédico?
-> pode articular diferentes saberes e intervenções?

- A possibilidade que as equipes produzam um trabalho integrado se apresenta na revisão em certas


situações, especialmente: equipes de saúde da família, de saúde mental e um estudo sobre equipe
que inclui trabalho do odontólogo (p. 84-85)
-> integração do trabalho dos agentes ≠ integralidade da atenção à saúde

- Referenciais teóricos na literatura nacional:


a) teoria do trabalho em saúde
b) análise institucional
c) escola argentina de grupos
d) interdisciplinaridade e transdisciplinaridade
e) teoria do agir comunicativo
- Nossa proposta será: referencial histórico-dialético do processo grupal

- Categorias de análise:
1) processo de trabalho / divisão do trabalho / interdependência e complementaridade
2) comunicação e interação entre os profissionais
3) integralidade
(Essas três primeiras são as mais utilizadas, mas além delas:)
4) autonomia profissional
5) comunicação e interação profissional-usuário
6) acolhimento, vínculo e responsabilização na relação profissional/usuário
7) campo e núcleo de competências
8) multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade
9) autogoverno
10) dispositivo
11) grupo operativo
12) poder
13) participação social
14) controle social
Característica do objeto “trabalho em equipe de saúde”, para a autora (p. 87), [ipsis literis abaixo]
- comunicação entre os profissionais
- elaboração de um projeto assistencial comum
- preservação das especificidades das diferentes áreas profissionais
- questionamento da desigual valoração social dos diferentes trabalhos especializados
- flexibilidade da divisão do trabalho
- autonomia profissional de caráter interdependente

Fortuna (1999) e Fortuna et al (2005) destacam:


- Interrelações entre os profissionais
- Dinâmica grupal que se estabelece no trabalho em equipe
-> Recomendação de que as equipes se analisem como grupos operativos
-> Meio para a construção da equipe no cotidiano
[Nossa proposta: outra perspectiva do que é o grupo
-> análise das suas tendências de desenvolvimento
-> avaliação e crítica continuada do processo de trabalho da equipe
-> indicadores úteis para a gerência do serviço, a gestão da clínica, as atividades de
supervisão, a educação continuada etc.

Iribarry (2003): diferentes níveis de contato entre as disciplinas (disciplinaridade):


- Multi: baixa cooperação, baixa coordenação
- Pluri: existe cooperação, baixa coordenação
- Inter: existe cooperação, com coordenação central
- Trans: existe cooperação, sem coordenação central
-> E quando não há cooperação, o que ocorre com a profissionalidade?
-> E quando não há meios para questionar, ou não se problematiza, a coordenação central?

[Quando a ciência fica subordinada à técnica, à ponto do aspecto tecnológico da ciência ser
hegemônico, a disciplinaridade pode adquirir um estatuto de suposta independência diante da
profissionalidade. Outra razão para enfatizarmos que os momentos do saber do agente e do saber no
instrumento sejam vistos como distintos, ainda que interrelacionados]

“A integração não anula as diferenças entre as áreas profissionais, mas constitui uma prática na qual
os profissionais buscam reconhecê-las por meio do reconhecimento do trabalho do outro, não de
forma superficial e estereotipada, mas buscando ter uma idéia abrangente sobre as atividades e os
saberes de outros trabalhos especializados, para conhecer as conexões entre as ações do cotidiano
do trabalho” (p. 90)

Os 12 C do trabalho em equipe (Wiecha, Pollard, 2004)


Comunicação / cooperação / coesão / compromisso / contribuição / colaboração / coordenação /
consistência / confronto / conflitos / consensos / cuidado

MacCallin desenvolve estudos empíricos destacando características do trabalho em equipe:


[- Agentes]: colaboração, cooperação, comunicação
[- Processo]: reconhecimento do trabalho do outro, tomada de decisão coletiva, resolução de
problemas
[- Produto]: responsabilização, prestação de contas.
- não aparecem as questões da finalidade e do objeto, e relação objeto/finalidade
-> quais as finalidades postas diante do objeto apreendido?

Características típicas de equipes bem sucedidas no propósito de integração (Miller, Freeman, Ross,
2001):
1) Clareza da sua finalidade ou objetivo nuclear (foco do trabalho)
2) Articulação das disciplinas (áreas de especificidade e áreas de sobreposição)
3) Comunicação (entendimento de conceitos e métodos da área do outro)
4) Flexibilidade (diferentes perspectivas, mudanças de autoridade, foco em problemas)
5) Resolução de conflitos (entendimento da diferença entre responsabilização e prestação de contas)
-> base comum de valores
-> linguagem comum
-> abordagem comum

Consenso dos autores a respeito da importância da comunicação -> promover trabalho integrado

“A literatura mostra um acordo sobre as características do trabalho em equipe, mas pouco se


analisam as formas pelas quais as equipes podem atingir essas características na sua configuração
(...) Apresenta uma abordagem positiva sobre o tema, mas usualmente aponta dificuldades na sua
operacionalização.” (p. 93)
- Estudo do processo de constituição da equipe em saúde, seu processo grupal!
Tipos de dificuldades:
- Busca do entendimento e de consensos
- Reconhecimento dos pontos de contato e disjunção dos diferentes trabalhos especializados
- Benefícios da articulação para a qualidade da atenção

Em síntese, as características que configuram as equipes de saúde seriam as seguintes [de certo
modo, indicariam um “ideal de equipe”]:
“Comunicação entre os profissionais, compartilhamento de finalidade e objetivos do trabalho,
compartilhamento da abordagem dos pacientes, construção de uma linguagem comum da equipe,
construção de um projeto assistencial comum, articulação das ações e das disciplinas, cooperação e
colaboração entre os profissionais, responsabilidade e accountability (referente à prestação de
contas pelos resultados produzidos por parte da equipe e dos profissionais), reconhecimento do
papel e do trabalho dos demais membros da equipe, reconhecimento da complementaridade e da
interdependência das atividades dos diferentes membros da equipe, autonomia profissional de
caráter interdependente, flexibilidade da divisão do trabalho e das fronteiras entre as áreas
profissionais, preservação das especificidades das diferentes áreas profissionais, preservação das
especificidades das diferentes áreas profissionais e questionamento da desigualdade de sua
valoração social” (p. 94)
-> Muitas características, contrastando com
-> Falta de formalização de categorias que analisam o processo da constituição das equipes
frente a esse “ideal”

Estudos apresentam modalidades e tipos de equipe, considerando que esse “ideal de equipe” não se
alcança em todas as situações [ainda assim, não são “categorias de processo”]
- Tipologia de Peduzzi: (a) equipe-integração (ações se articulam e agente interagem) e (b) equipe-
agrupamento (justapõem-se as ações e os profissionais apenas se agrupam)
- Tipologia de Miller, Freeman e Ross: (a) equipe integrada, (b) equipe “coração e periferia”
(integração de um núcleo de profissionais com os demais atuando na periferia destes) e (c) equipe
fragmentada
-> Em ambas pesquisas empíricas, predominância de equipes fragmentadas
-> “A integração da equipe expressa mais a dinâmica e o contexto de trabalho de cada grupo
do que a área de atuação em si” (p. 95)

Revisão da literatura sobre trabalho em equipe (nacional e internacional)


- perspectiva da gerência
a) Ênfase na mudança organizacional
- G. W. Campos: subjetividade é influenciada pelo arranjo organizacional e do processo de trabalho
- Trabalho em equipe detém um contexto socioeconômico e político
-> estilo de governo
-> estrutura organizacional
-> relações de poder
-> modelo técnico-assistencial
- Proposta: equipes de referência e apoio especializado matricial
-> maior eficácia e eficiência ao processo de trabalho em saúde
-> construção da autonomia dos usuários
-> ênfase no poder de gestão das equipes de saúde
-> facilita vínculo e responsabilização

b) Ênfase na revisão do processo de trabalho das equipes


- Fortuna (1999): a gerência do serviço pode desencadear essa revisão
-> rede de micropoderes
-> práticas instituídas
-> revelar papéis assumidos e adjudicados
-> explicitar o implícito
-> identificar objetivos em disputa

c) Ênfase na cultura organizacional


Lorimer e Manion (1996): gestão do serviço de saúde baseada no trabalho em equipe
- descentralização da decisão da gerência para as equipes na tomada de decisões
- relações de colaboração entre gerência e equipes
- lida conjunta com os problemas
- responsabilização das equipes
- reconhecimento da necessidade de trabalho em equipe
- distinção do trabalho dos agentes e da gerência
- apoio da gerência ou de uma liderança para a promoção do trabalho em equipe

d) Ênfase na liderança
- Focar seu trabalho na organização, no compartilhamento e no foco nos objetivos
-> liderança deve fazer intermediações entre gerência e equipe
-> requer competências de comunicação (empoderamento, responsabilidade e autoridade)
-> empoderamento <-> prestação de contas

e) Ênfase na efetividade
- Poucas evidências a partir de estudos empíricos e do tipo caso-controle
- Métodos e medidas mal-definidos
- Desconhecimento dos efeitos específicos do trabalho em equipe no processo de trabalho
“Se mostra que a maior parte da literatura analisa tópicos isoladamente, sem se considerarem o
contexto e o referencial sócio-histórico, que pouco se estudam os aspectos relacionados ao trabalho
e aos processos envolvidos, mas apenas um tópico separado.” (p. 98)
-> Falta rigor conceitual nos estudos
-> Falta produção de evidências sobre os “processos que as equipes usam no trabalho e na
interação entre os profissionais”
[Nossa proposta!]

- Frágil consistência da produção sobre trabalho em equipe uma vez que há indefinição
terminológica
-> Endossa-se a proposta sem apresentar argumentos
-> Não se formula modelo conceitual de equipe de saúde

Editorial do British Medical Journal (Zwarenstein, Reeves, 2000)


- Caráter retórico da maioria das publicações
- Escassez de pesquisas empíricas sobre interações, conflitos e colaboração
-> Sobretudo na relação médico/enfermeiro
[Poderá ser parcial captar essas questões somente desde a ótica da sociologia das profissões
ou do processo de trabalho em saúde, que vão evidenciar os conflitos de jurisdição como
fundamentais. Daí, a importância de abordar essa relação por meio dos processos grupais]

Você também pode gostar