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11/09/2017

Profª Drª Priscilla M Moraes

No campo da saúde o ‘trabalho em equipe’ emerge em um contexto


formado por três vertentes:

1) A noção de integração, que constitui um conceito estratégico do


movimento da medicina preventiva nos anos 50, da medicina
comunitária nos anos 60 e dos programas de extensão de cobertura
implantados no Brasil nos anos 70;

2) As mudanças da abordagem de saúde e de doença que transitam


entre as concepções da unicausalidade e da multicausalidade;

3) As consequentes alterações nos processos de trabalho com base na


busca de ampliação dos objetos de intervenção, redefinição da
finalidade do trabalho e introdução de novos instrumentos e
tecnologias.

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No processo de emergência da medicina preventiva, nos


anos 50, nos EUA, propõe-se um projeto de mudanças da
prática médica, com uma redefinição radical do papel do
médico, incorporando, pela primeira vez, em propostas
curriculares de ensino de graduação, a ideia de trabalho em
equipe multiprofissional liderada pelo médico.

Além da integração da medicina preventiva às demais


especialidades, este movimento adota um novo conceito de
saúde e doença, no qual a saúde é um estado relativo e
dinâmico de equilíbrio e a doença é um processo de
interação do homem com os agentes patogênicos e o
ambiente. Esta concepção de saúde e doença está ancorada
no paradigma da história natural das doenças, proposto por
Leavell e Clark que assumem a definição de saúde
preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Quando a Organização Mundial de Saúde (OMG), baseada


nos avanços da pesquisa psicológica, médica e fisiológica,
define saúde como “um estado de completo bem-estar físico,
mental e social e não meramente a ausência de doenças ou
enfermidades”, surge uma nova maneira de pensar sobre
saúde e doença, que implica uma complexidade maior dos
conhecimentos.

Essa nova conceituação, em sua amplitude, exigiu um


processo de especialização, a definição de novas áreas de
atuação, o aparecimento de vários grupos de profissionais e a
criação de um Modelo Biopsicossocial de atenção, que
entende a saúde e a doença como produtos de uma
combinação de fatores que inclui características biológicas,
fatores comportamentais, fatores psicológicos e condições
sociais.

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Ao longo do século XX, o desenvolvimento desse modelo


permitiu uma nova organização dos profissionais da saúde,
que evoluiu de um sistema tradicional centrado no médico
e que visava à cura da doença, para um modelo que inclui
diferentes categorias profissionais, cada uma com
conhecimento, habilidades técnicas e perspectivas
distintas, com objetivo especifico: a promoção da saúde.

Mais de uma dezena de categorias profissionais têm hoje


posição definida na divisão de trabalho na área da saúde (
assistentes sociais, biomédicos, enfermeiros,
farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos,
nutricionistas, odontólogos, psicólogos e terapeutas
ocupacionais), e vêm elaborando suas identidades no
cotidiano das Instituições de Saúde.

Porém, as ocupações da área da saúde não podem constituir


um simples aglomerado de ofícios diversos. Elas precisam se
organizar como um conjunto interdependente de
especialidades.

Para Moniz (2003, como citado em Bruscato, et all, 2004),


Equipe Multiprofissional de Saúde define-se como uma
associação de pessoal da saúde, de formação diversa,
justificada por possuir um fim último, a saber,
responsabilizar-se pela saúde global de um indivíduo e
de sua comunidade.

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Esse enfoque global do paciente pressupõe não apenas a


somatória das diversas práticas, mas sua integração através
da construção coletiva de um saber mais amplo e próprio de
uma equipe multiprofissional, que discuta a possibilidade
de articulação da atuação de diversos profissionais da
saúde, de modo a superar a fragmentação resultante da
compartimentalização do conhecimento em disciplinas
estanques.

Desta forma, entende-se que, trabalhar em equipe


multiprofissional não significa, buscar uma síntese de saberes ou
uma identidade teórica, mas criar a possibilidade de um diálogo
entre as profissões vizinhas que, em muitos momentos, possuem
temáticas comuns, mas que mantêm a especificidade do seu
saber.

A multiprofissionalidade é entendida como a ocorrência de


atividades realizadas entre profissionais de múltiplas
especializações dentro de uma pretendida harmonia e
complementariedade num determinado ambiente de trabalho.
Ou seja, um conjunto de ações, não atos isolados. Assim,
praticamos “atos de saúde”, não atos médicos, atos psicológicos,
atos fisioterapêuticos e assim por diante. No entanto, para isso,
uma equipe multiprofissional implica duas dimensões do
trabalho, indissociáveis: a articulação das ações e a interação
dos profissionais.

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a) Articulação das ações: supõe a integração de processos de


trabalhos distintos, considerando as conexões e interfaces
existentes entre as intervenções técnicas peculiares de cada
área profissional, flexibilizando as fronteiras entre as mesmas,
mas com a preservação das respectivas especificidades e
diferenças técnicas.

Por exemplo: a avaliação para uma cirurgia poderá ser


realizada através do cruzamento dos dados obtidos por
diversos profissionais. Nessa situação, o prognóstico pode
depender da condição clínica (sob a perspectiva do médico),
do estado emocional, da motivação e dos recursos de
enfrentamento (avaliados pelo psicólogo), das condições
socioeconômicas necessárias à manutenção do tratamento
(observadas pelo assistente social) e assim por diante.

b) Interação dos profissionais: as interrelações e o vínculo entre


os integrantes da equipe potencializam a realização da tarefa (não é
um objetivo em si, porque não se trata de um grupo terapêutico e,
sim, de uma equipe, que utiliza a interação como meio de
trabalho). Os integrantes colocam-se de acordo quanto a um
projeto comum, quanto ao que dizem e quanto aos valores
pressupostos. Para tanto, a comunicação entre os profissionais faz
parte do exercício cotidiano do trabalho.

Desta maneira, entende-se um trabalho multiprofissional como


disciplinas interagindo entre si, desde uma simples comunicação
de ideias até a integração real de conceitos, terminologia,
metodologia e procedimentos. Dentro desse espectro que diversos
referenciais teóricos propõem uma distinção entre dois tipos de
equipe multiprofissional:
1- Equipe multiprofissional multidisciplinar;
2- Equipe multiprofissional interdisciplinar.

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EQUIPE MULTIPROFISSIONAL MULTIDISCIPLINAR:

O trabalho multiprofissional é multidisciplinar quando envolve


profissionais que se ocupam, dentro de seu preparo técnico, de
elaborar uma parte de um grande trabalho, mesmo sem
estarem imbuídos da preocupação de integração de diferentes
concepções para uma grande unidade do saber humano.

Japiassu (1976, como citado em Bruscato, et all, 2007),


define a multidisciplinaridade como uma associação de
disciplinas que abordam um mesmo objeto a partir de
distintos pontos de vista.

É entendida como uma simples justaposição de disciplinas,


visando objetivos múltiplos, sem interagir quanto a seus
métodos e conceitos. Ou seja, a equipe permite uma bem
vinda cooperação multidisciplinar, mas não se ocupa em
empreender uma coordenação supradisciplinar
unificadora.

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Assim, numa equipe multidisciplinar da saúde, os


profissionais avaliam o indivíduo de forma independente e
implementam seus planos de trabalho como uma “camada
adicional” de serviços. Nela, ocorre uma agregação
sucessiva ou concomitante de recursos de várias disciplinas
para uma determinada tarefa, sem um verdadeiro trabalho
coordenado de equipe e sem uma identidade grupal.

A solução do problema exige apenas informações tomadas


de empréstimo de duas ou mais áreas ou setores do
conhecimento, e as disciplinas que contribuíram para a
solução da questão foram modificadas ou enriquecidas.

Por exemplo: em um serviço de atenção à saúde, os


especialistas trabalham integrados organizacionalmente,
mas não sistematizam programas conjuntos e não realizam
esforços no sentido de unir entre si seus conceitos teóricos
e seus métodos de abordagem para benefícios globais
satisfatórios a determinada clientela.

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EQUIPE MULTIPROFISSIONAL INTERDISCIPLINAR:

Já o trabalho realizado em equipes interdisciplinares utiliza


técnicas metodológicas, esquemas conceituais e de análises de
diferentes ramos do saber com a finalidade de integração. Essa
equipe busca uma superação de fronteiras disciplinares, com a
construção de uma linguagem interdisciplinar
consensualmente construída entre os integrantes. Cada
membro amplia seus referenciais específicos e desenvolve
ação colaborativa com os demais (Japiassu, 1976, como citado
em Bruscato, et all, 2004).

Logo, numa equipe interdisciplinar da saúde, a avaliação e


o planejamento do tratamento são feitos em colaboração,
de forma interdependente, complementar e coordenada.

Mas não se trata de uma “fusão” dos diferentes campos de


conhecimento. São observadas as relações entre os campos
do saber, sem negligenciar as especialidades, ou seja, todos
os profissionais envolvidos atuam ampliando seus
referenciais e agindo em colaboração com os demais, mas
têm identidade profissional e domínio de uma técnica
específica.

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Nesse segmento, o fato de o médico, o fisioterapeuta ou o


dentista reconhecerem e valorizarem a importância de fatores
psicológicos no processo de adoecimento poderá, em muito,
favorecer a adoção, por parte deles, de uma postura
compreensiva diante dos problemas afetivo-emocionais do
indivíduo e o acolhimento das intervenções psicológicas, como
padronizar que determinada intervenção não será realizada
sem o devido preparo psicológico.

Porém, isso não os autoriza a realizar um psicodiagnóstico ou


atividades psicoterapêuticas. Do mesmo modo que o
psicólogo, mesmo reconhecendo eventuais déficits motores em
determinado paciente, não realizará sessões de Fisioterapia.

Cria-se uma equipe com identidade própria e percepção de


pertinência ao grupo, no qual a tomada de decisão,
idealmente, é conjunta. A rigor, numa equipe
interdisciplinar, há rotatividade de “papéis” em reuniões
grupais, podendo qualquer membro assumir a tarefa de
líder, propiciando uma comunicação rica e diversificada.

As trocas de conhecimento incorporam os resultados de


várias especialidades, havendo, nessa integração, a geração
de um novo saber, o que caracteriza esse time como uma
equipe criativa.

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O trabalho em equipe exige uma construção coletiva das ações


em saúde, em que as dificuldades estão sempre presentes e
precisam ser refletidas e superadas. A formação de uma equipe
permite a troca de informações e a busca de um melhor plano
terapêutico, colocando-se a cooperação como instrumento para
enfrentar o fazer em grupo.

Entretanto, é árduo o caminho para a construção do trabalho


cooperativo, que pressupõe solidariedade e confiança. Nesta
perspectiva, cabe ao profissional inserido nessa lógica refazer a
visão do seu processo de trabalho e considerar que a equipe é o
pilar para o “fazer” integrado e que as buscas pelas
possibilidades auxiliam a alçar o desenvolvimento do seu fazer.

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O trabalho em equipe multiprofissional consiste numa


modalidade de trabalho coletivo que se configura na
relação recíproca entre as múltiplas intervenções técnicas e
a interação dos agentes de diferentes áreas profissionais.
Por meio da comunicação, ou seja, da mediação simbólica
da linguagem, dá-se a articulação das ações
multiprofissionais e a cooperação.

Se olharmos os vários modos de relacionamento do


trabalho multiprofissional, constataremos que as relações
profissionais se dão através das diferentes interações
disciplinares, estabelecidas em quatro níveis de
agrupamento.

O primeiro nível é o da multidisciplinaridade – que traz


variadas disciplinas propostas simultaneamente, contudo,
sem deixar transparecer diretamente as relações que podem
existir entre elas –, exemplificada com vários profissionais
reunidos, em que cada um trabalha isoladamente, sendo
que a ausência de uma articulação não significa, no
entanto, uma ausência de relação entre estes profissionais.

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O segundo nível é a pluridisciplinaridade e se relaciona à


justaposição de várias disciplinas situadas geralmente no
mesmo nível hierárquico e agrupadas de modo que apareçam
as relações existentes entre elas; há cooperação, contudo, sem
coordenação, e pode ser exemplificada por meio de um
paciente que procura atendimento psiquiátrico e, após receber
orientação e prescrição psicofarmacológica, é encaminhado,
pelo próprio psiquiatra, a um psicólogo para um trabalho de
psicoterapia; assim, a cooperação não é automática, mas
estabelece contatos entre os profissionais e suas áreas de
conhecimento.

Na interdisciplinaridade – o terceiro nível –, tem-se que é


comum um grupo de disciplinas conexas e definidas em um
nível hierárquico imediatamente superior – o que introduz a
noção de finalidade – em que há dois níveis e objetivos
múltiplos com a coordenação advinda de nível superior,
encontrada, por exemplo, numa equipe de atendimento
ambulatorial de gestantes adolescentes de baixa renda. A
equipe é formada por um pediatra, um psiquiatra, um
psicólogo, um assistente social e uma enfermeira, contudo,
o que prevalece é o saber médico, cabendo a coordenação e a
tomada de decisão a estes profissionais.

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Na transdisciplinaridade – o quarto nível –, a coordenação


de todas as disciplinas e interdisciplinas centra-se em um
sistema de níveis e objetivos múltiplos, com sistemas
comuns, exemplificado por uma equipe formada por
profissionais como psicólogos, psiquiatras, assistentes
sociais, que recebe pacientes com problemas mentais. O
paciente chega para uma avaliação e todos o assistirão,
buscando formular um diagnóstico acerca do caso.

Dessa forma, para que haja configuração transdisciplinar, é


necessário que todos os profissionais estejam
reciprocamente situados em sua área de origem e na área de
cada um dos colegas. É preciso que cada problema não seja
solucionado em cada uma das diferentes áreas, mas sim à
luz de um novo entendimento.

Uma equipe será transdisciplinar quando sua reunião


congregar diversos profissionais com o intuito de uma
cooperação entre eles sem que haja uma coordenação fixa.
Mas como não verticalizar uma coordenação?

A transdisciplinaridade deve ser encarada como meta a ser


alcançada e nunca como algo pronto; deve ser encarada como
um desafio que serve de parâmetro para que todos os
membros da equipe estejam atentos para eventuais
centralizações do poder.

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O trabalho multiprofissional numa perspectiva


transdisciplinar requer humildade e disponibilidade por parte
de cada profissional, pois é, em suma, um movimento de
reconhecimento de posições diferentes em relação a um
mesmo objeto, e gerar novos dispositivos é a segunda meta
para se iniciar um trabalho transdisciplinar em que os
profissionais possam se ajudar reciprocamente em suas
dificuldades.

Desta forma, é necessário que cada profissional descubra um


interesse e uma curiosidade pela área de seu colega. Quando
uma equipe está reunida e deseja optar por um
funcionamento transdisciplinar, é preciso que cada membro
exponha suas ferramentas de trabalho, suas teorias, seu
entendimento do caso, além de permitir ao seu colega a
mesma exposição.

Bruscato, W. L., Benedetti, C., Lopes, S. R. A. (2004). A


prática hospitalar na Santa Casa de São Paulo: novas
páginas em uma antiga história. São Paulo: Casa do
Psicólogo.

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