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Dossie IPHAN - Matrizes Do Samba PDF
Dossie IPHAN - Matrizes Do Samba PDF
Gente empenhada em
construir a ilusão
E que tem sonhos
Como a velha baiana
Que foi passista
Brincou em ala
Dizem que foi o grande
amor de um mestre-sala
O sambista é um artista ...
S UP E R I N T E N D E N T E DO IPHA N no
r i o de jane i ro
Ivo Barreto
Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional
departamento do patrimônio imaterial
SEPS Quadra 713/913 sul, Bloco D, Edifício Iphan, 4º andar
Cep: 70390-135 – Brasília/DF
Telefones: (61) 2024-5401
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email: dpi@iphan.gov.br
Edição do Dossiê Interpretativo Edição do Dossiê Registro das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro
Equipe Técnica de Produção do Dossiê C OOR DENAÇÃ O DE EDIÇÃO partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Grace Elizabeth Processo n°01450.0011404/2004-25
COORDENAÇÃO Rívia Ryker Bandeira de Alencar
Nilcemar Nogueira PR OPONENTE:
Centro Cultural Cartola
PRO JETO GR ÁFICO
IDEALIZAÇÃO
Leci Brandão Victor Burton
DA DOS DO PR OC ES S O:
DIA GR AM AÇÃ O Pedido de Registro Aprovado na 54ª Reunião do Conselho
PESQUISA Inara Vieira Consultivo do Patrimônio Cultural, em 09/10/2007.
Aloy Jupiara Inscrição no Livro de Registro das Formas de Expressão em
Helena Theodoro REV ISÃO DE TEXTOS 20/11/2007.
Nilcemar Nogueira Alexandra Bertola
Rachel Valença Rosalina Gouveia
PESQUISADORES CONVIDADOS
Carlos Monte
Carlos Sandroni (A música)
Felipe Trotta (A música)
Haroldo Costa
Janaína Reis
João Batista Vargens (A poesia)
Lygia Santos
Marília Andrade (Dança)
Nei Lopes (Da tradição africana)
Roberto Moura (Notas para uma história
afro-carioca)
Sérgio Cabral (Deixa Falar, o samba e a escola)
ASSISTENTES DE PESQUISA
Alunos do curso de Gestão do Carnaval do
Instituto do Carnaval da Universidade Estácio
de Sá: Ailton Freitas Santos, Célia Antonieta
Santos Defranco, Cremilde de A. Buarque Capa
sumário
10 APRESENTAÇÃO 122 DETENTORES E 164 RECOMENDAÇÕES DE
PRODUTORES DA SALVAGUARDA
12 Introdução TRADIÇÃO DO SAMBA 165 Pesquisa e documentação
123 Depositários reconhecidos 168 Transmissão do saber
18 HISTÓRIA E ORIGEM DO da tradição 172 Produção, registro, promoção
SAMBA NO RIO DE JANEIRO 126 Referências na história do e apoio à organização
21 Da tradição africana samba no Rio de Janeiro
23 Notas para uma história
afro-carioca 174 notas
35 Deixa Falar, o samba e a escola 130 LUGARES
132 Grêmio Recreativo Escola
de Samba Estação Primeira 177 fontes bibliográficas
38 IDENTIFICAÇÃO de Mangueira
39 A Música 135 Grêmio Recreativo Escola de 180 anexo 1
Partido-alto Samba Portela Parecer do Relator
Samba de terreiro 138 Grêmio Recreativo Escola de
Samba-enredo Samba Império Serrano 194 anexo 2
O improviso 141 Grêmio Recreativo Escola Titulação de Patrimônio
68 A Poesia de Samba Acadêmicos do Cultural do Brasil
Partido-alto Salgueiro
Samba de terreiro 144 Grêmio Recreativo Escola
195 anexo 3
Samba-enredo de Samba Unidos de São
As 73 escolas de samba
81 A Dança Carlos/Estácio de Sá
do Rio de Janeiro
87 A Cena 148 Grêmio Recreativo Escola
A roda de Samba Vila Isabel
152 Mapa do samba no 196 anexo 4
A religiosidade
Escolas de Samba extintas
A comida Rio de Janeiro
Os instrumentos
198 anexo 5
A bandeira
As baianas Escolas de samba mirins
154 OBJETO DO REGISTRO
As velhas guardas do Rio de Janeiro
155 Matrizes do samba
O terreiro no Rio de Janeiro
Os atores 199 anexo 6
159 Situação
A transmissão do saber Aquarela brasileira
no samba
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
APRESENTAÇÃO
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
página 8
Carnaval de rua
no Rio de Janeiro.
Acervo Arquivo Nacional.
página 10
Foto histórica de
comunidade no
Rio de Janeiro.
Acervo Arquivo Nacional.
passistas em desfile
de escola de samba
no Rio de Janeiro.
Acervo Arquivo Nacional.
Fachada do prédio do
Centro Cultural Cartola.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
popular do Brasil por excelência. de redes de solidariedade, criação Brasil, inicialmente por meio
Ele ocorre em todo o país, artística e festa. do rádio e do disco. As escolas
num sem-número de gêneros Essas comunidades, duramente de samba atraíram mais e mais
e subgêneros por meio de atingidas pela reforma urbana da o interesse de segmentos sociais
manifestações musicais, de dança e primeira década do século, que diversos, aproximando sambistas,
de celebrações da vida, originadas as afastou do Centro, resistiram classe média, intelectuais, mídia,
do que foi semeado ao longo dos e responderam à exclusão e poder público, políticos, indústria
séculos pelas populações africanas ao preconceito, dentre outras do entretenimento e do turismo.
e afrodescendentes que aqui maneiras, através do samba e das O samba e os sambistas
viveram e vivem. escolas, expressões populares de participaram ativamente da
No começo do século XX, alto valor artístico e grande poder construção da identidade nacional
comunidades negras do Rio de de integração. O samba foi e é um brasileira. O samba virou sinônimo
Janeiro — excluídas de participação meio de comunicar experiências e de Brasil.
plena nos processos produtivos e demandas, individuais e de grupo. Esta pesquisa busca situar o
políticos formais, perseguidas e A escola de samba, nos terreiros/ valor do samba no Rio de Janeiro
impedidas de celebrar abertamente quadras e em seu momento maior, como patrimônio, mostrando seu
suas folias e sua fé — deram forma o desfile, que inicialmente se dava papel fundamental na tradição
a um novo samba, diferente dos na Praça Onze, foi e continua a cultural desta cidade e como
tipos então conhecidos, que viria ser um exercício de política social referência cultural nacional, já que
a ser chamado de samba urbano, ao levar os sambistas a reocupar as é um importante fator de afirmação
samba carioca, samba de morro ruas, em um processo de conquista da identidade brasileira, além de
ou simplesmente samba. Elas e afirmação social que, embora fonte de inspiração e de trocas
também criaram as escolas de avançando, ainda não foi concluído. interculturais para além de suas
samba, espaços de reunião, troca Em pouco tempo, o samba do fronteiras geográficas.
de experiências, estabelecimento Rio de Janeiro se espalhou pelo A pesquisa obedeceu à
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
o compositor e cantor
Cartola com sua esposa
Zica nos anos 70.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
Abaixo à esquerda
Ala de Ritmistas da
Unidos de Lucas (1968).
Acervo Centro
Cultural Cartola.
Abaixo à direita
Zica preparando um de
seus quitutes, em 1963.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
nome de escolas acarretou o que as matrizes do samba carioca no ritmo, na coreografia, nas
surgimento de um subgênero, o serão abordadas com minúcia, celebrações, nos ritos. As concessões
samba-enredo, composto para será possível detectar que houve feitas à participação de todas as
servir de trilha sonora aos desfiles permanência, ao longo de quase um camadas da população nas escolas de
carnavalescos, mas que transcendeu século, das principais características samba ocasionaram transformações,
essa determinação. Hoje ele é que marcaram o seu surgimento. mas ainda assim é possível identificar
cantado durante todo o ano em Apesar de sua bem-sucedida traços dessas matrizes, que
reuniões de sambistas dentro ou trajetória em direção a um patamar continuam a fazer parte do cotidiano
fora das quadras, tendo conquistado de reconhecimento como símbolo de uma parcela considerável da
absoluta hegemonia no Rio de da nação, o samba logrou conservar população com a intensidade e vigor
Janeiro como música de Carnaval. suas características mais essenciais, típicos das manifestações autênticas
Na descrição que se segue, em seja na poética, na musicalidade, da cultura popular.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
DA TRADIÇÃO
AFRICANA
Muito antes de o gênero nacional” (A Folha Nova, jornal da ou seja, na qual os dançarinos se
ganhar o alto estatuto de música Corte). E em 1889, o dicionarista chocam um com o outro, batendo
popular brasileira por excelência Beaurepaire-Rohan já o definia de peito. Da mesma forma que na
e componente fundamental da como “espécie de bailado popular”. língua tchokwe, de Angola, segundo
identidade nacional, o termo No Brasil, a tradição de danças Adriano Barbosa, o vocábulo
“samba”, na acepção de música em roda e caracterizadas pela “samba” (grafado com acento
e dança praticada em roda e ao umbigada provém certamente do agudo) é também, entre outros
ritmo de tambores, palmas, etc., já extrato banto formador de boa usos e significados, verbo usado
circulava em várias regiões do país. parte da cultura afro- na acepção de “cabriolar, brincar,
Antônio Geraldo da Cunha -brasileira, sendo observada por divertir-se (como cabrito)”. E
data de 1890 a entrada do termo na viajantes no interior de Angola o quimbundo registra o verbo
língua portuguesa, provavelmente no século XIX. Na obra Les Kongo “semba”, agradar, encantar.
usando como abonação texto Nord-Occidentaux, Marcel Soret Na Angola contemporânea,
de Aluísio Azevedo no romance observou, também entre os povos “semba” ou “varina”, em todas as
O cortiço. Mas já em 1886, José objeto de seus estudos, cantos e suas infinitas variações, é a dança
Veríssimo dava-o como “de origem danças de aparência licenciosa, mais popular da capital, Luanda,
perfeitamente assentada”. O que na verdade nada mais são que notadamente na faixa marítima
filólogo Macedo Soares, entretanto, antiquíssimos hinos à fecundidade. (Ilha de Luanda, Samba Grande e
registra essa entrada em 1884: Karl Laman, no Dictionaire Kikongo- Pequena, Ilha do Musulu, Barra
“Não acreditamos que a dignidade Français, registra o vocábulo “sàmba” do Cuanza, Cacuaco, etc.). A
do país fosse ultrajada porque nas (acento grave na primeira sílaba), dança se executa por um sapateado
fronteiras do Brasil com as Guianas com, entre outras, as seguintes de cadência rítmica ligeiramente
francesas, um mascate em hora de acepções: “pl. má-samba”, acentuada, ao som de tambores
samba, ou de libações, ousou arriar espécie de dança “où on se heurte (bumbos) e caixas de madeira ou
do respectivo mastro o pavilhão ensemble, contre la poitrine”, latinhas metálicas. A coreografia
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Baiana no cais do
Rio de Janeiro.
acervo arquivo nacional.
antigo Congo, que compreendia Depois de 1810, com as que alugavam seus serviços por
regiões da atual Angola. sucessivas abolições em quase a meio da mão de obra dos negros de
Resta dizer, apenas, que várias totalidade dos países escravagistas, ganho, nesse formidável universo
dessas formas rurais de samba dois grandes fluxos de escravos se do trabalho que era o bairro da
chegaram ao Rio de Janeiro, mantêm: Brasil e Cuba. Em 1821, Saúde. Tratava-se de uma subcasta
principalmente durante as excluídas as paróquias rurais, de negros livres, alforriados,
migrações ocorridas nos cerca de o Rio de Janeiro tinha 86.323 verdadeiros heróis que tinham
50 anos que se passaram entre a habitantes, dos quais 40.376 eram superado a escravatura comprando
proibição do tráfico atlântico e a escravos, a maior população escrava sua liberdade. Era o resultado do
abolição da escravatura. E, aqui urbana das Américas e do mundo, esforço de um grupo, ao qual se
chegadas, amalgamaram-se, tanto quando, por exemplo, na cidade juntavam muitos fugidos que se
ao gosto, por exemplo, de migrantes de Nova Orleans, onde também escondiam entre essa multidão
bantos do Vale do Paraíba quanto de se reunia um grande contingente, de trabalhadores, que procurava
sudaneses e também bantos vindos havia 15.000 escravos. Por volta de sobreviver e começar uma vida nova
da antiga Bahia e do seu Recôncavo, 1830, com o rápido crescimento na cidade.
tomando no meio urbano, com o populacional propiciado pelo Em 1849 já havia 10.732
passar dos anos, novas e ainda mais tráfico, pela imigração interna de negros libertos nas freguesias
variadas formas. cativos e de negros e brancos livres urbanas, deixando apreensivos
O samba é, pois, fruto de para o Rio, o número de escravos os administradores da corte,
ricas tradições africanas e afro- em toda a província aumenta temerosos, como fora a
brasileiras. E sua preservação, consideravelmente, igualando o da administração colonial, de um
como bem imaterial do patrimônio população livre. levante negro na cidade que
cultural nacional, além de ser um Entre os negros, o dado ultrapassasse o desafio permanente
imperativo constitucional, é um qualitativamente novo era o com as fugas e com os quilombos.
dever de consciência. crescimento do número de libertos Temores que haviam crescido com
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
vizinhanças da Pedra da Prainha, seus assentamentos inicialmente Barão de São Félix, no caminho
depois conhecida por Pedra do Sal. dissimulados dos senhores e da da Zona Portuária para a Cidade
Se nas ruas a capoeira afirmava tropa em quartos ou num barracão, Nova, instituição popular que
agressivamente a presença do enquanto as entidades de céu se constituiu numa garantia
negro, não mais apenas subalterno aberto eram cultuadas nas matas nas para o negro no Rio de Janeiro,
e mártir, a religião dos baianos cercanias da cidade. vitalizando-o para resistir e
daria uma nova dimensão ao O candomblé no Rio é tão sustentar seus novos caminhos
negro carioca e, em contato com antigo quanto as primeiras levas na cidade e no país. Suas filhas
os cultos dos bantos, fundaria sob de baianos que chegaram à capital de santo marcaram época como
o panteão dos orixás uma religião depois das revoltas de 1831-1835 as rainhas negras do Rio Antigo:
negra nacional que, no século em Salvador, e logo, além dos tia Amélia, Amélia Silvana de
seguinte, se multiplicaria em cultos familiares, casas de grande Araújo, mãe do violonista e
diversas formas regionais, tendo importância seriam fundadas na compositor Donga; Perciliana
como raiz o candomblé e como cidade. Notícias quase perdidas no Maria Constança, ou melhor, tia
matriz transformadora a macumba tempo dão conta do candomblé de Perciliana do Santo Amaro; tia
carioca. O candomblé baiano era, Bamboche ou Bamboxê na Saúde, Mônica e sua prodigiosa filha,
de certa forma, uma nova liturgia, africano chegado à Bahia na metade Carmem Teixeira da Conceição,
pois compensava, com uma nova do século XIX, que vem para o a Carmem do Xibuca, a filha de
organização ritual, as lacunas na Rio, onde funda sua casa de santo, Alabá que viveu, sábia e soberana,
cosmogonia iorubá ocasionadas voltando depois para a África, até a década de 1980 com seus
pela escravatura. Em um mesmo fazendo parte de uma minoria que mais de 110 anos; a tia Bebiana
terreiro, assentava os cultos de retorna logo depois da Abolição. dos ranchos; tia Gracinha, que foi
diversos grupos e cidades, passando Entretanto, é considerado mulher do grande Assumano Mina
a representar uma pequena o candomblé seminal a casa de do Brasil, sacerdote islâmico; tia
África, os orixás urbanos com João Alabá, de Omulu, na Rua Sadata do rancho Rei de Ouro; e
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Elizeth Cardoso e
Clóvis Bornayna
Unidos de Lucas (1968).
Acervo Centro
Cultural Cartola.
a grande Tia Ciata (1854-1924), Aninha volta à capital, onde no progressivamente ganhando uma
Hilária Batista de Almeida, mãe- Santo Cristo, na Zona Portuária, identidade carioca a partir do
-pequena do candomblé de João inicia sua filha de santo Conceição convívio com os bantos, na cada vez
Alabá, lideranças fundamentais de Omulu, que abre uma nova mais influente diáspora baiana no
para uma verdadeira revolução que casa. Outras casas têm grande universo popular da cidade.
se travaria no meio negro naquela importância na cidade, como o Inicialmente sediados na
zona depois da libertação. candomblé de Cipriano Abedé ladeira da Pedra do Sal, nas casas
Provavelmente, a casa de Alabá de Ogum, na Rua do Propósito alugadas por baianos e africanos
tinha ligações com o candomblé do e depois na João Caetano, e o de para abrigar as levas de recém-
Ilê Axé Opô Afonjá de Salvador, Felisberto, na Rua Marquês de -chegados, tornam-se tradicionais
fruto de uma dissidência do Ilê Ixá Sapucaí, figuras mitológicas cujos na Zona Portuária os “zungus”,
Nassô do Engenho Velho, onde contornos pouco vislumbramos, casas coletivas ocupadas por
tinha sido feita Ciata. Notícias dão intimamente presentes na negros escravos e forros, que
conta que João Alabá o frequentava, cosmogonia negra da cidade. se diferenciavam dos cortiços,
assim como Bamboxê fora o pai Desses candomblés matriciais, só onde cada indivíduo ou família
espiritual de sua babalorixá Aninha. resta vivo na cidade o fundado por se apertava em seu cubículo,
Em 1886 mãe Aninha vem ao Rio Mãe Aninha com Conceição. Depois apenas partilhando os banheiros
em companhia de outra iniciada, de sua morte, sua sucessora, Agripina e às vezes a cozinha coletiva. Nos
Obá Saniá, encontrar-se com de Xangô, transfere o axé para o “zungus”, geralmente iniciados
Bamboxê, que já estava na cidade, subúrbio de Coelho da Rocha, por nações, famílias ou por grupos
junto com quem funda a casa no onde até hoje batem os tambores de companheiros de trabalho, as
bairro da Saúde, voltando depois chamando os orixás. O culto e tradições coletivistas negras vindas
para Salvador. Esse candomblé se depois a presença cultural daqueles da situação tribal organizavam uma
extingue com a volta de seu líder forros formam na cidade uma vida onde o aspecto comunitário e
para a África. Muito tempo depois, identidade nagô, que se particulariza a partilha dos esforços era central.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Aos poucos, tornam-se centros casa, o licencia na polícia e, numa se abrir à cidade moderna como
de encontro de negros de diversas decisão que muda a história musical uma resistente referência.
origens aproximados pela cidade, da cidade, decide realizar seu desfile O Carnaval muda a
chamando logo a atenção constante no Carnaval, em vez de sair no dia de característica do rancho, embora
dos “morcegos”, como eram por Reis, como faziam os outros ranchos, ele não deixe de se vincular às
eles chamados os guardas urbanos. em busca de maior liberdade de tradições, como na visita de
Como um dos primeiros sinais movimento e expressão. praxe à casa dos notáveis entre os
públicos da importância dos baianos Das variantes entre tradições baianos, entre os quais a notória
na vida do Rio, tia Bebiana impõe europeias — ternos, pastoris — e Tia Ciata. No Carnaval, um rancho
sua festa da lapinha no Largo de São africanas — congos, congadas, se desdobrava num “sujo”, uma
Domingos, que se torna um lugar de ticumbis, cucumbis e afoxés —, os formação gaiata e satírica; o Bem
convergência dos desfiles dos pastoris que se destacam são os ranchos. de Conta de Hilário terminaria
e ranchos existentes pela cidade na Hilário Jovino, numa entrevista ao por ironizar Ciata e seu rancho, o
época do Natal, ainda na década de Jornal do Brasil,4 conta que em 1872, Rosa Branca, que responderia com
1880. Mas o principal personagem ao chegar à cidade, já encontrara seu sujo O Macaco É Outro, na
dos primórdios dos ranchos cariocas os ranchos. Uma comunidade sequência dessa história.
foi indubitavelmente Hilário Jovino de auxílio mútuo integrada por No início, a presença de
Ferreira, um pernambucano criado migrantes, sobrevivendo por meio negros é discreta no Carnaval,
no meio nagô em Salvador, que chega do trabalho pesado na estiva e do uma vez que qualquer forma de
ao Rio de Janeiro indo morar no comércio ambulante, estruturada sua extroversão, principalmente
Morro da Conceição, nas vizinhanças em torno dos terreiros e de em manifestações coletivas, era
do Beco João Inácio, onde já saía associações festivas, se tornaria, vista com desconfiança pelas forças
um rancho com o nome de Dois de por momentos, uma aristocracia repressivas. Podemos supor uma
Ouros. Em 1893, ele funda o Rei de popular fechada com seus preceitos progressiva presença de blocos
Ouros com um chá dançante em sua e movimentos próprios para depois de brancos pobres, mestiços e
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
negros no Carnaval, fortalecendo a influência se estenderia por toda fundamental na redefinição do Rio
chamada democracia racial na base. a comunidade nos bairros em de Janeiro e na formação de sua
Com a brusca mudança no meio torno do Cais do Porto e depois personalidade moderna.
negro ocasionada pela Abolição, da Cidade Nova. Tais bairros eram A Pequena África,
que extinguira as organizações de povoados por essa gente pequena, considerando a presença afirmativa
nação ainda existentes no Rio de que seria tocada para fora do do negro na Zona Portuária
Janeiro, o grupo baiano seria uma Centro pelas reformas urbanísticas do Rio, progressivamente se
nova liderança. A vivência como que culminariam com as obras do estendendo para a Cidade Nova,
alforriados em Salvador — de prefeito Pereira Passos em 1904. é uma conquista política. A
onde trouxeram o aprendizado de Do encontro desses indivíduos territorialização de seu ambiente
ofícios urbanos, e às vezes algum de diversas experiências sociais, de vida e de trabalho onde antes
dinheiro poupado — e a experiência raças e culturas na estiva ou eram escravos, é uma conquista
de liderança e administração nas cabeças de porco, e depois confirmada, mesmo que
de muitos de seus membros em no candomblé, na capoeira ambiguamente, pela Abolição, já
candomblés, irmandades, juntas ou ou no rancho, instituições que se mantêm os preconceitos na
na organização de grupos festeiros, de marcada influência negra, subalternização, na pobreza e na
os tornariam uma elite no meio resultaria a formação das matrizes repressão policial. Sua primeira
negro carioca. Constituindo-se, fundamentais da cultura popular experiência como “homem livre”
assim, num dos únicos grupos com carioca. Uma densa experiência na Capital, embora contestada
tradições comuns, coesão e um sociocultural que, embora pela realidade de cada dia, obtida
sentido “familístico” que, vindo do subalternizada e quase que omitida na marra pelo capoeira, exigida
religioso, expande o sentimento e pelos meios de informação da pelo rito religioso, se consolida
o sentido da relação consanguínea. época, se mostraria, tanto quanto na festa comunitária ou no glamour
Formara-se, então, no bairro da os novos hábitos civilizatórios episódico nos espetáculos-negócio,
Saúde uma diáspora baiana cuja importados pelas elites, nos quais os negros afirmariam
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
publicidade do samba
“Pelo Telephone”.
Acervo Centro
Cultural Cartola
crescente plateia com a adesão a articulação lundu-maxixe-samba, morro e nós também não nos
de elementos da “sociedade”, sucesso absoluto no Carnaval, é interessávamos pelo pessoal da
os ranchos dos negros, que acompanhada por rumorosos e cidade, vivíamos separados”.5
inicialmente se apresentaram no emblemáticos acontecimentos. Sua A falta de signos potencialmente
Largo de São Domingos e depois na criação coletiva se dá numa reunião do utilizáveis na construção de uma
Praça Onze de Junho, no limite da rancho Rosa Branca na casa de Ciata, identidade nacional comum às
zona de prostituição, exibiam-se, presentes, além dela, Hilário Jovino, elites nacionais internacionalizadas
organizados em cordões, pelo Catete o emergente Sinhô, Donga dos Oito e, mais tarde, o próprio
e Laranjeiras. No entanto, o grande Batutas e outros. Donga registra o nacionalismo exacerbado utilizado
Carnaval, apoiado pela imprensa e samba e dá parceria ao influente por Vargas como instrumento de
pelo comércio, continuava sendo os jornalista Mauro de Almeida. governo favoreceriam as primeiras
desfiles dos préstitos, os corsos e os Na virada dos anos 20 Sinhô, organizações de sambistas que
bailes. Os negros, sempre na rua, pianista do clube Kananga do se reúnem por volta de 1928 no
limitavam-se a uma participação Japão, começa a dominar os Estácio, em Oswaldo Cruz e nos
como assistentes vigiados, sendo carnavais com suas composições, Morros da Favela e da Mangueira.
praticamente impedidos de se reunir juntamente com outros como O próprio termo “escola” de
e se divertir nas ruas e avenidas Caninha e Eduardo Souto, quando, samba refletiria as expectativas
do Centro, o que por vezes era ainda num momento de adaptação e a responsabilidade dessas
transgredido por grupos de jovens às normas da indústria cultural, as primeiras comunidades populares
favelados, como os Arengueiros músicas eram “que nem passarinho: que ganham estabilidade nessas
da Mangueira, que desafiavam a é de quem pegar”. formas de organização. Novas
sociedade e a polícia desfilando com Mas, como muitos anos sínteses profanas de matrizes
música, cachaça e “porrada”. depois diria Cartola sobre aqueles vindas das práticas religiosas, que,
A gravação do primeiro samba, tempos, “não havia mesmo de alguma forma, herdavam sua
o Pelo telefone, em 1917, completando um interesse pelo pessoal do funcionalidade social.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Em 24 de setembro de
1920, os Oito Batutas
ainda antes de Paris:
Pixinguinha, Raul
Palmieri, José Alves,
China, Jacó Palmieri,
Luiz de Oliveira, Donga,
Nélson Alves com o
empresário, José Segreto.
Acervo Centro
Cultural Cartola
Sinhô nomeava de “romances pensava nos mestres do samba Desde o final do século XVI,
pedagógicos” algumas de suas como professores de “aulas teóricas o negro escravizado trabalhou
composições, compreendendo e práticas”, sendo os sambas- surdamente na construção da
o samba como ato pedagógico e -enredo formas privilegiadas de cidade e em seu abastecimento.
lhe dando um sentido difuso de comunicação com as massas. A partir do século XIX, começou
missão. Sim, deveria aquela poesia As escolas se reúnem em seu processo de afirmação, tanto
musical destilar princípios de concursos patrocinados pelo por meio da expressão coletiva
uma filosofia prática do cotidiano festeiro e pai de santo Zé de sua cultura quanto por sua
aplicável por aqueles que estavam Espinguela. Todas recebem troféus participação das vicissitudes
numa situação de desvantagem, e se visitam, se homenageiam, nacionais, do processo político,
para os seus, para seu público desfilam na Praça Onze de Junho das guerras internas ou externas,
que se expandia para além de como um desdobramento da das transformações da cidade e do
círculos e classes na cidade. estrutura dos ranchos negros país. Na virada do novo século,
Conta-se que foi Ciata que, tendo com uma música mais quente. surge com a favela um novo modelo
organizado um pagode numa As comunidades exultam. A de exclusão — impasse de um
escola das redondezas da Praça Mangueira, onde existiam pequenos Brasil moderno. Surge também o
Onze, dá como senha para driblar núcleos separados de moradores, Carnaval, considerado um sistema
a polícia “o pagode vai ser na ganha com a escola um nexo de em que ao negro é atribuído um
escola”. Tratava-se de um termo coletividade comum. A corda, lugar. Mas a Pequena África foi
guardado por suas possibilidades marcando os limites do desfile, era, um momento definitivo e eterno
protetoras e também por, na verdade, uma proteção contra a para o Rio de Janeiro, que nasceu
consciente ou inconscientemente, polícia, e funcionava. O Pequeno e se impôs como um ambiente
anunciar sua função para o negro Carnaval acontecia separado. Mas é afirmativo e comunicativo do
desprivilegiado. Ismael Silva, outro só o começo. Ele e sua nova música negro, para quem é um símbolo
personagem crucial, como Cartola, — o samba — vão tomar a cidade. resistente e inspirador.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
DEIXA FALAR, O
SAMBA E A ESCOLA
Mário de Andrade, o grande Que desejassem desfilar, para usar críticas negativas que certamente
crítico de música e de artes plásticas um verbo que resume o que fazem fariam os adeptos do velho
e autor de magníficos ensaios, os integrantes das escolas de samba samba amaxixado. Os ritmistas
romances e poesias, registrou em nos dias de Carnaval. do bloco apresentavam-se com
um poema o seu entusiasmo pelo Coube a um grupo de jovens os tradicionais instrumentos
Carnaval dos negros do Rio de talentosos do bairro do Estácio de de percussão, o tamborim, o
Janeiro, anos antes da criação da Sá, todos negros, fazer do samba pandeiro, o reco-reco, a cuíca e
primeira escola de samba: Embaixo efetivamente música de Carnaval. outros, até perceberem que o samba
do Hotel Avenida em 1923/Na mais pujante Ao explicar a diferença entre os dois deles exigia um instrumento de
civilização do Brasil/Os negros sambando tipos de samba, o compositor Ismael marcação ainda inexistente. Isso
em cadência./Tão sublime, tão África. É Silva, um daqueles jovens, disse que levou o compositor Alcebíades
possível que ele tenha visto um o ritmo do samba antigo era apenas Barcelos a recorrer a uma lata
cucumbi ou um cordão de velhos, “tan tantan tan tantan”, enquanto grande e vazia de manteiga, fechar
duas das formas que os negros o novo, mais rico, era “bum bum uma das bocas com couro de
encontravam na época para se reunir paticumbum prugurundum”. O cabrito e concluir que aquele era
em grupos e se divertir no Carnaval. compositor Babaú, do Morro da o instrumento que faltava à bateria
Naquele ano, o samba já Mangueira, definiu a novidade do bloco. Assim nasceu o surdo,
existia como gênero musical, como “samba de sambar”. instrumento que passou a ser
mas, fortemente influenciado O grupo de sambistas do fundamental em qualquer conjunto
pelo maxixe — o primeiro gênero Estácio formou, em 12 de agosto de de ritmistas do samba.
musical urbano, criado no Rio de 1928, um bloco carnavalesco para As novidades apresentadas
Janeiro na década de 1870 —, ainda cantar, tocar e dançar os sambas pelo Deixa Falar repercutiram
não tinha um ritmo capaz de ajudar que fazia, ao qual foi dado o nome imediatamente em todas as
os foliões que quisessem cantar, de Deixa Falar, denominado assim comunidades negras do Rio de
dançar e andar ao mesmo tempo. como uma resposta antecipada às Janeiro, nos subúrbios e nas favelas,
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
que passaram a compor e a cantar escolas de samba. Tal expressão, de São Carlos (Para o Ano Sai
sambas à maneira do Estácio de Sá. tão vigorosa, contribuiu para que a Melhor); do Tuiuti (Mocidade
E não deixavam de homenagear os designação de blocos carnavalescos, Louca de São Cristóvão), etc.
sambistas do bairro, intitulando- dada aos grupos que iam nascendo, As demais vinham dos bairros
-os professores, e o próprio bloco fosse aos poucos eliminada. suburbanos, com destaque especial
carnavalesco Deixa Falar, que todos Tanto vigor inspirou o jornal para a Portela — chamada na época
diziam ser uma verdadeira escola de Mundo Sportivo a promover, em 1932, de Vai Como Pode — de Oswaldo
samba, tantas lições recolhiam lá. o primeiro desfile das escolas de Cruz; além da Recreio de Ramos,
Tantas homenagens tiveram samba na Praça Onze. Ali, em seu Lira do Amor (Bento Ribeiro);
como consequência uma curiosa entorno, localizavam-se vários Vizinha Faladeira (Saúde); Em
contradição histórica: o bloco bairros ocupados pela população Cima da Hora (Catumbi) e União
carnavalesco Deixa Falar, negra, assim como a primeira Barão da Gamboa, entre outras.
considerado a primeira escola de favela da cidade, instalada numa Antes mesmo do desfile de
samba, nunca foi escola de samba, elevação que recebeu o nome de 1932, as escolas de samba já
pois se apresentava como bloco e, no Morro da Favela e que também contribuíam para o enriquecimento
último Carnaval de sua existência, tinha a sua escola de samba. Aliás, a da música popular brasileira
o de 1932, apresentou-se como maioria esmagadora das escolas de lançando dezenas de compositores,
rancho carnavalesco, outra forma samba participantes dos primeiros cujas obras foram imediatamente
criada pelo povo carioca para se desfiles era formada por favelados. absorvidas pelos cantores
reunir no Carnaval. Àquela altura, Vinham dos Morros da Mangueira profissionais da época. Nomes
comunidades dos subúrbios e (Estação Primeira); do Salgueiro como os de Cartola da Mangueira,
dos morros, influenciadas pelos (Azul e Branco e Depois Eu Digo); Paulo da Portela, Antenor
sambistas do Estácio, criaram seus do Borel (Unidos da Tijuca); da Gargalhada do Salgueiro, Buci
blocos carnavalescos, aos quais Matriz (Aventureiros da Matriz); Moreira do Morro de São Carlos,
contemplaram com o título de da Serrinha (Prazer da Serrinha); Armando Marçal de Ramos, além
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Ala de ritmistas da
Em Cima da Hora (1969).
Acervo Centro
Cultural Cartola
IDENTIFICAÇÃO
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Foto histórica de
comunidade carioca.
Acervo Arquivo Nacional
a música
PÁGINA Ao lado
Paradigma do estácio.
que demanda certos cuidados. importantes para o reconhecimento aspecto, um pouco diferente e exige
Nesse sentido, a definição das dos três tipos, demarcadores de suas discussão em separado.
três manifestações de samba aqui respectivas classificações. Assim,
consideradas eixos de definição das estão descritas as especificidades Partido-alto
matrizes do gênero (partido-alto, no aspecto rítmico, na sonoridade, Dentre os três tipos de samba
samba de terreiro e samba-enredo) na estrutura harmônico-melódica analisados neste dossiê, o partido-
contempla exatamente o polo desse e nas formas de algumas canções -alto se destaca por determinadas
contínuo mais distante dos meios consideradas típicas de cada características singulares. Talvez
de circulação massiva de música, um dos universos abordados. É represente, mais do que os outros,
da indústria do entretenimento e mister destacar que tais práticas certa ancestralidade das matrizes
do mercado musical global. Essas socioculturais representam uma do samba, o que se evidencia de
manifestações expressam em suas determinada matriz ideológica diversas maneiras. De acordo com o
estruturas musicais fundamentais as e musical da prática do samba pesquisador, sambista e partideiro
relações de sociabilidade cultivadas que se encontra cada vez mais Nei Lopes, autor do mais completo
em ambientes sociais específicos, escassa nas práticas atuais do estudo sobre o partido-alto já
constituindo-se um patrimônio gênero. Esta constatação se realizado, intitulado Partido-alto: samba
representativo da riqueza cultural torna particularmente visível de bamba, o samba de partido-alto pode
do país. É possível perceber que ao confrontarmos as formas ser definido como uma espécie de
essa origem comum ecoa em traços de experiência musical que samba cantado em forma de desafio
estilísticos característicos, que, de partido-alto e samba de terreiro por dois ou mais contendores e que se
fato, demarcam aquilo que pode representavam em um passado não compõe de uma parte coral (refrão ou
ser entendido como uma espécie de muito distante e a situação real “primeira”) e uma parte solada com
fundação do samba carioca. em que esses tipos aparecem nos versos improvisados ou do repertório
Foram adotados como eixos ambientes de samba atualmente. tradicional, os quais podem ou não se
de análise alguns elementos O caso do samba-enredo é, nesse referir ao assunto do refrão.7
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
PÁGINA Ao lado
à esquerda
ilustrações de pauta.
ABAIXO
não vem (candeia).
no samba é um fenômeno popular que prescindia de segunda é a presença dessa segunda parte
que se processou a partir do parte. Em outras palavras, a música improvisada, isto é, “tirada” ou
desenvolvimento de um mercado era o refrão. Esse fato pode ser “versada” na hora, no momento
de gravações musicais, em que a evidenciado tanto na prática do da performance. Nesse sentido, o
autoria determinada se sobrepôs partido como na prática do samba improviso está relacionado a uma
à criação coletiva e consagrou a de terreiro, que com frequência habilidade de raciocínio rápido
forma canção popular como a apresenta uma primeira parte forte do versador em criar soluções
conhecemos atualmente. Assim, e cantada em coro e uma segunda poéticas convincentes respeitando
deve-se destacar que as matrizes parte de estrutura melódica mais a métrica da canção, as rimas
estéticas do que se popularizou estável, porém livre para improvisos. baseadas no refrão e, muitas vezes,
como samba foram construídas a Possivelmente o que caracteriza mas nem sempre, a sua temática.
partir de uma concepção de música com maior eficácia o partido-alto O caráter de desafio é elemento
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
PÁGINA Ao lado
piedade (tradicional)
ao lado
maria madalena da
portela (Aniceto)
ABAIXO
Partido-alto
(padeirinho).
de grande relevância, pois instaura grandes grupos estéticos capazes de Podemos notar nesses
uma determinada ambiência social serem identificados como sambas exemplos uma característica
nas rodas de partido-alto baseada de partido-alto. Um primeiro marcante dos partidos, que é a
em uma competição recheada grupo, que poderíamos chamar utilização de arpejos melódicos
de provocações, piadas, jogos de de partidos curtos, corresponde a e de graus conjuntos, tanto no
linguagem e muita criatividade. O refrões formados por dois versos, refrão quanto nos versos. A
versador ou partideiro é, portanto, de cerca de quatro compassos, cujo harmonia simples, quase sempre
figura de grande respeitabilidade improviso normalmente também girando em torno da tônica (I) e
nos circuitos de samba, sendo é curto. Neste caso encontram-se da dominante (V7), com algumas
admirado por seu pensamento ágil. exemplos como os partidos Maria passagens pelo segundo grau
Quanto à tipologia musical do Madalena da Portela (Aniceto) e Partido- menor (IIm), é o pano de fundo
partido, é possível encontrar três -alto (Padeirinho). para melodias que poderíamos
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
chamar de intuitivas, pois traçam curtos, não há muito tempo para mais extensos (normalmente de
caminhos melódicos recorrentes, desenvolvimento da ideia do oito compassos) e improvisos
quase sempre conclusivos. refrão, que é concisa e reiterada de mesmo tamanho. Os refrões
Vale destacar também que a pelo repouso na tônica, de onde apresentam, em geral, quatro
esmagadora maioria dos partidos parte o verso improvisado. Há versos, com um desenvolvimento
está no modo maior, fato que ainda uma variante formal para maior da ideia central, mas também
colabora para uma ambientação esse tipo de partido curto que Nei podem ter apenas dois versos,
festiva, uma vez que este modo é Lopes chamou de partido cortado, no aproximando-se da estrutura
geralmente associado à plenitude qual as estrofes improvisadas são concisa do partido curto. Novamente,
e à alegria, por oposição ao modo entrecortadas com frases do coro. nestes casos, a harmonia circula
menor, considerado sombrio Um segundo grupo de partidos pelos acordes básicos da tonalidade
e introspectivo. Nos partidos se identifica por comportar refrões (I, V7 e IIm), sendo a melodia
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
ABAIXO
Para o bem do nosso bem
(alvaiade)
PÁGINA Ao lado
Exemplos de versos de
partido-alto.
e a dominante eram praticamente do primeiro, evidenciando que artístico e sua graça residem
os únicos acordes. Quanto à a condução harmônica tem uma na criatividade do momento,
quantidade de versos, esse tipo de importância maior na estruturação dificilmente registrável ou
partido pode ter quatro ou seis da parte versada do que exatamente reproduzível. Ainda assim,
versos no refrão, mas normalmente a definição de uma linha melódica. em diversos momentos da
o improviso se estende por seis Destaca-se nesse exemplo que os história da fonografia nacional
versos, divididos entre dois quatro improvisadores respeitaram sambistas registraram partidos
partideiros. O primeiro versador a temática do refrão, o que nem com maior ou menor grau de
elabora uma ideia para o verso e sempre ocorre. Nesse caso, o predeterminação das segundas
conduz a melodia até o quarto grau desenvolvimento da mesma temática partes e eventualmente até
(IV), e o segundo se encarrega faz a canção parecer um todo único mesmo buscando traduzir para
de estabelecer uma conclusão e o improviso parecer, de fato, uma o estúdio a espontaneidade
semântica do verso e harmônica “segunda parte”. do improviso, da roda, o que
da melodia no acorde de tônica. Essa divisão entre os três tipos de dificilmente se viabiliza ou se
O primeiro verso, de improviso, partidos, assumidamente arbitrária, torna convincente. Nesse sentido,
de Para o bem do nosso bem exemplifica tem a intenção de mapear estilos o partido se destaca no cenário
o tipo de condução harmônica e a e formas, deixando claro que não do metagênero samba como uma
divisão entre dois versadores. são fórmulas rígidas e que podem vertente umbilicalmente ligada às
Depois desse improviso, o comportar variações e mudanças. suas matrizes socioculturais, com
coro retorna com o refrão e, Com sua gama relativamente forte tendência à valorização da
em seguida, outro improviso é estreita de variações e sempre letra, do improviso, do ambiente
cantado por mais dois versadores. apoiado na performance ao vivo, o comunitário, dos padrões de
É interessante reparar que neste partido-alto é o tipo de samba sociabilidade fundados no
segundo improviso gravado a menos adequado ao mercado coletivo, no fazer musical amador,
melodia é completamente diferente musical, uma vez que seu valor compartilhado.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
PÁGINA Ao lado
serra dos meus sonhos
dourados.
Carlinhos Bem-te-vi.
várias escolas e, de forma ainda sambas de partido-alto: um refrão dirigindo sua capacidade criativa
mais ampla, pelo contato entre esse forte, cantado em coro, e uma para a improvisação de versos.
ambiente comunitário do fazer segunda parte que se desenvolve Muitos desses sambas de
musical e o seu polo oposto, da através de caminhos melódico- terreiro, especialmente os mais
circulação massiva de músicas pela -harmônicos que estamos antigos, se caracterizam, tal como
indústria do entretenimento. Ainda chamando aqui de “intuitivos”. no caso do samba dos primeiros
assim, é possível identificar duas Com esta palavra queremos desfiles (que discutiremos a
tendências estéticas que se fazem designar aquelas construções seguir), por ter apenas essa
presentes nesse repertório. De melódico-harmônicas consideradas primeira parte, sendo a segunda
um lado, teríamos aqueles sambas “fáceis” o bastante para que o totalmente livre para os versadores.
que, dada sua estrutura musical, partideiro possa se concentrar no Ocorre que, de um modo geral,
se confundiriam com os próprios aspecto verbal da sua performance, essa primeira parte é mais longa do
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
que as encontradas nos partidos de definitivas para aquela canção. A Podemos destacar nesse
estrutura típica, correspondendo, estrutura da canção, no entanto, exemplo a total liberdade de
quase sempre, a 16 compassos e seis permanece nesses casos aberta ao temáticas entre o refrão e a
ou mais versos. Um bom exemplo improviso: sempre será possível segunda parte. Enquanto a
é o samba Serra dos meus sonhos acrescentar novos versos no local primeira enaltece a escola e seus
dourados, de Carlinhos Bem-te-Vi, apropriado, desde que a ocasião espaços, a segunda parte valoriza
composto na década de 1940 no se apresente. É como se o samba a “viola” e ignora os versos do
terreiro da antiga escola de samba guardasse uma espécie de potencial de refrão dirigidos à Serrinha. Essa
Prazer da Serrinha. improviso, que podemos identificar característica, que aparece também
Em alguns casos, sobretudo nesta segunda parte desse mesmo em alguns partidos, pode ser
depois de gravadas em disco, as samba, gravado em 1982 por Dona pensada como sendo recorrente em
segundas partes se fixaram como Ivone Lara. sambas improvisados, nos quais o
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
PÁGINA Ao lado
serra dos meus sonhos
dourados (parte 2).
Carlinhos Bem-te-vi.
improviso nem sempre é construído toda a composição, numa estratégia musical e poética simplesmente não
a partir da temática do refrão. que se assemelha ao estilo de se presta a essa prática. São sambas
Se, portanto, é possível interpretação do samba-enredo. autorais no sentido estrito da palavra,
identificar sambas de terreiro que Um bom exemplo é o samba Velho em que o autor se faz presente em
correspondem a uma estrutura Estácio, de Cartola: toda a canção, conferindo-lhe um
aberta ao improviso, existe também estilo, um recado.
um grupo desses sambas em que Muito velho, pobre velho No que se refere às temáticas
a estrutura composicional é mais Vem subindo a ladeira dos sambas de terreiro, uma das
fechada, isto é, na qual a parte Com a bengala na mão preferidas é a exaltação da própria
principal do processo de elaboração escola, de suas cores, símbolos e
estética da segunda parte do É o velho, velho Estácio integrantes. Os elogios à escola
samba acontece previamente, e Vem visitar a Mangueira feitos no ambiente dos terreiros, e
não na hora da performance. Essas E trazer recordação integrando o repertório referencial
composições têm garantida a daquele grupo de pessoas, adquirem
unidade temática de sua letra, e Professor chegaste a tempo grande importância, pois, em
comumente apresentam estrutura Pra dizer neste momento torno desse conjunto de canções,
harmônica mais sofisticada. Em Como podemos vencer os sambistas constroem elos de
algumas delas, torna-se até difícil amizade e de identidade coletiva.
encontrar aquilo que poderíamos Me sinto mais animado Nesses exemplos, é muito comum
chamar de refrão, uma vez que os A Mangueira a seus cuidados a narrativa de feitos, glórias,
versos estão de tal forma integrados Vai à cidade descer figuras e histórias que compõem o
que a divisão entre primeira e quadro de valores compartilhados
segunda partes soa um pouco Sobre esses sambas dificilmente da agremiação. Vale destacar que
artificial. Nesses casos, o canto pode-se desenvolver um improviso, muitos sambas compostos dessa
coletivo, com frequência, percorre uma vez que sua configuração forma se tornaram “clássicos” do
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
PÁGINA Ao lado
modificado.
Padeirinho.
repertório de diversas escolas, como Nesse sentido, o refrão tem agregadas pela escola de samba. Até
este, Capital do samba, de José Ramos. grande importância na estrutura determinado momento do século
dos sambas de terreiro. O refrão XX, os compositores de sambas de
Chegou a capital do samba se define pela repetição e, mais terreiro foram figuras respeitadas
Dando boa noite com alegria do que isso, pela participação na hierarquia interna das escolas,
Viemos apresentar o que do canto coletivo, apresentando “baluartes” de cada agremiação,
Mangueira tem características expressivas que quase sempre ocupando cargos
Mocidade, samba e harmonia favorecem a entrada do coro. importantes no poder e na
Nossas baianas com seus colares No exemplo acima, é possível estruturação das escolas. Apesar de
e guias identificar um pequeno refrão (Até esse poder ter se dissolvido entre
Até parece que estou na Bahia parece que estou na Bahia), que ocorre outros protagonistas das escolas, é
Até parece que estou na Bahia ao final de ambas as partes. Este através dos sambas de terreiro que
Da cidade alta da Mangueira refrão representa dois momentos a coletividade fala e se faz ouvir,
Avisto a Vila tenho saudades de de canto coletivo que pontuam elaborando suas interpretações
alguém a declaração de amor à escola, e narrativas. Esse lado de dentro
Até parece que eu estou em São garantindo que, nesses pontos, o das organizações carnavalescas
Salvador máximo de pessoas estará cantando se torna visível (audível) através
Avistando o que a Bahia tem junto. Em outros casos, como o do conjunto de seus sambas de
É minha maior alegria de Agoniza mas não morre, a música terreiro, que expressam sua visão
Até parece que estou na Bahia inteira se transforma em mensagem de mundo, seu pensamento, suas
Até parece que estou na Bahia da comunidade, representada pelo ideias e sua identidade.
canto coletivo. Devemos destacar, no entanto,
Esse compartilhamento O samba de terreiro representa que esse lado interno não é nem
de símbolos se evidencia nos uma identidade compartilhada nunca foi um ambiente fechado,
momentos do canto coletivo. por determinado grupo de pessoas mas sim um espaço com muitas
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
frestas, entradas e saídas, que mais ampla. O samba Modificado, Ver se não tenho razão
permitem aos sambas circular por de Padeirinho, composto Já não se fala mais no sincopado
outras rodas, outros terreiros e até provavelmente na década de 1960, Desde quando o desafinado
mesmo pelo mercado de música. reflete bem esse movimento: Aqui teve grande aceitação
Analogamente, os movimentos E até eu também gostei daquilo
musicais e as mudanças na Vejo o samba tão modificado
sociedade vazam para o lado de Que eu também fui obrigado a Neste samba, o compositor
dentro das escolas e, por meio fazer modificação reflete sobre o advento da bossa
dos sambas de terreiro, são Espero que ninguém não me nova, um fenômeno que atingia à
interpretados e elaborados pela censure época o mercado de música de um
comunidade, que assim evidencia O que eu quero é que todos modo geral e o samba de forma
suas críticas sobre a sociedade procurem particular. Destaca-se neste samba
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
PÁGINA Ao lado
chega de demanda.
Cartola.
É preciso distinguir, portanto, o final dos anos 40; e os sambas- seja Chega de demanda, de Cartola. O
entre os sambas cantados nos enredo propriamente ditos, que samba foi composto possivelmente
primeiros desfiles, na década desde então associam uma função antes mesmo da criação da
de 1930, que não tinham, na determinada no desfile a uma Mangueira, quando Cartola saía no
maioria dos casos, qualquer forma musical específica. Bloco dos Arengueiros;12 segundo
relação com o enredo; os sambas No início dos desfiles das o site oficial da escola, foi cantado
relacionados ao enredo, mas escolas de samba, os sambas no Carnaval de 1929.
compostos musicalmente de uma cantados não se relacionavam com Embora os dados disponíveis
maneira que não se diferenciava qualquer enredo, assim como o sejam muito limitados, parece
de outros sambas dos mesmos próprio desfile da escola não era provável que muitas escolas que
compositores, que prevaleceram condicionado por um. Talvez o saíram nos carnavais de 1930 a
por volta do final dos anos 30 até mais famoso samba desse período 1933 não apresentassem enredo.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
PÁGINA Ao lado
não quero mais amar
ninguém.
Carlos Cachaça 1ª parte,
Cartola 2ª parte.
O primeiro desfile competitivo porém, oito não tinham enredo a música. Em 1933, o enredo da
sobre o qual há registros escritos ou eles não foram percebidos pelos Mangueira foi “Uma segunda-feira
contemporâneos é o de 1932,13 e jornalistas presentes.17 do Bonfim na Bahia”. Mas um dos
em tais registros não há qualquer Chega de demanda é uma melodia sambas cantados, segundo o site da
alusão a enredo. Também não há tal de 16 compassos, correspondendo escola, foi Fita meus olhos, de Cartola,
alusão nos testemunhos orais sobre ao refrão de quatro versos, parte que não tem nenhuma relação
a competição de sambas promovida do samba que era fixa, cantada em com a Bahia. Na década de 1930,
por Zé Espinguela em 1929.14 coro pelas pastoras e repetida uma as escolas desfilavam com dois ou
No que se refere ao Carnaval vez. Em seguida, o versador cantava, três sambas, mas “a repercussão
de 1933, há duas informações em solo, o que seria uma segunda alcançada por Fita meus olhos indica
sobre o assunto. O jornal Correio parte improvisada, também de 16 que ele foi o samba principal”.18
da Manhã pretendia realizar, na compassos, mas sem repetir. Há um consenso entre os
quinta-feira anterior ao Carnaval, Essa estrutura — 16 compassos historiadores do samba, segundo
uma noite das escolas de samba, repetidos pelo coro, mais 16 o qual é nos anos 40 que se
para a qual chegou a publicar um compassos não repetidos e intensifica a tendência a um crescente
regulamento. O evento acabou por improvisados por um solista — era planejamento e controle prévio
não se realizar, mas o regulamento, reiterada por inteiro várias vezes sobre o que vai acontecer no desfile,
publicado por Cabral,15 rezava em durante a performance de cada samba. tudo submetido a um “enredo”
seu item 5: “Não é obrigatório A partir de 1934, o enredo propriamente dito, que amarra os
o enredo”. O desfile de fato continua aparecendo sempre elementos da escola, incluindo todas
aconteceu, organizado pelo jornal como quesito de julgamento, e as partes cantadas. Liga-se a isso,
concorrente O Globo no domingo obviamente todas as escolas passam por exemplo, a decisão da Portela,
de Carnaval, e tinha o enredo a apresentar um. Mas o enredo tomada em 1942, de impedir o desfile
entre seus quesitos de julgamento.16 não determinava ainda todos os de integrantes que não estivessem
Das 31 escolas que concorreram, elementos do desfile, entre os quais vestidos de azul e branco;19 e também
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
dossiê iphan 10 { Matrizes do Samba no Rio de Janeiro } 60
partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
PÁGINA Ao lado
tiradentes.
Mano Decio, Penteado e
Estanislau Silva.
o crescente desprestígio das segundas de Egídio de Castro e Silva, que “clássico”, herdado dos bambas do
partes improvisadas, como se fazia em assistiu a um ensaio da Mangueira Estácio de Sá, criadores da Deixa
Chega de demanda. em 1939: Falar, referência para todos os
Os testemunhos disponíveis Os sambas compõem-se de duas partes: demais fundadores de escolas nos
não permitem saber até que ano, a coral, chamada “primeira”, é feita com primeiros anos dos desfiles: 16
exatamente, os desfiles tiveram grande antecedência para ser cantada, compassos repetidos do coral, mais
as segundas partes integralmente afinal, por um conjunto bem-ensaiado e 16 compassos sem repetir do solista.
improvisadas. Em 1935, cogitou- homogêneo. A segunda, que é a parte solista, A única diferença estrutural em
-se mesmo incluir os versadores pode ter o texto definitivo inventado até a relação a Chega de demanda é o fato de
entre os quesitos do julgamento, última hora e substituído, nos ensaios, por a segunda parte ter sido previamente
mas segundo noticiou a imprensa, uma improvisação.22 composta. Mesmo assim, em Não
“os argumentos apresentados [...] quero mais amar a ninguém também é
pela [escola] Vizinha Faladeira Sem esquecer, porém, que a possível mostrar a fluidez da segunda
foram tão fortes, que fizeram cair proibição já mencionada indica parte, que ficou clara no trecho
o item dos versadores”.20 Sabemos que, em 1946, pelo menos algumas de Egídio de Castro e Silva citado
que em 1946 a presença de versos escolas ainda deviam improvisar acima. Segundo Cabral, o samba
improvisados foi oficialmente versos no dia do desfile. Um samba foi gravado por Araci de Almeida
proibida nos desfiles.21 Mas é do qual se sabe com certeza que foi com outra segunda, composta por
provável que o processo tenha cantado no desfile de 1936 e que José Gonçalves, e só veio a recobrar
sido paulatino e que algumas já possuía, então, uma segunda fonograficamente a contribuição de
escolas já tivessem, antes daquela parte composta é Não quero mais amar Cartola na gravação feita em 1973
data, introduzido o hábito de a ninguém, de Carlos Cachaça - autor por Paulinho da Viola.
desfilar com as segundas partes da primeira parte - e Cartola - Independentemente da
previamente compostas. Nesse autor da segunda. infindável discussão sobre qual
sentido aponta o depoimento O samba é composto no molde teria sido o primeiro samba-
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
-enredo que se tenha prendido às do solista diminui, tornando-se não apenas pelas pastoras, mas pelo
características da letra e da relação o samba do desfile cada vez mais conjunto da escola e, idealmente,
do samba com o resto do desfile, coletivo, na mesma medida em pela multidão que a assiste.
pode-se observar, do ponto de vista que todo o desfile se torna um Esse processo pode ser
musical, um processo paulatino empreendimento coletivo, ajustado exemplificado pelos sambas do
de abandono da estrutura de e cronometrado em detalhes cada Império Serrano entre 1948 e
(16 x 2) + 16 compassos, com vez mais mínimos (a descrição de 1951. No samba Castro Alves (Mano
primeira e segunda, para uma Maria Laura Viveiros de Castro Décio, Molequinho e Cumprido,
estrutura que poderíamos em Carnaval carioca, dos bastidores ao 1948), a letra já está totalmente
caracterizar como de “melodia desfile é eloquente). Assim, o samba no espírito do samba-enredo tal
infinita”, na qual desaparece a inteiro, e não apenas o refrão, se qual o conhecemos hoje, mas a
alternância coro/solista. A parte destina cada vez mais a ser cantado música representa uma espécie de
dossiê iphan 10 { Matrizes do Samba no Rio de Janeiro } 62
partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
transição entre os sambas do Estácio Penteado) tem na primeira parte 32 estrofe solista), cuja importância
e o samba-enredo propriamente compassos, mais oito da repetição relativa vai diminuindo.
dito. Este é dividido em duas do último verso (são oito versos). O aumento da importância da
partes, uma de caráter mais coral A segunda parte tem apenas 16 primeira parte na forma do samba-
(correspondendo ao refrão, ou compassos (quatro versos). Todos -enredo é acompanhado por um
primeira) e outra de caráter mais esses sambas apresentam também progressivo deslocamento da ênfase
solista (correspondendo ao verso, um trecho em “laralaiá”, de 16 do “samba”, num sentido mais
ou segunda). A principal diferença compassos. O samba do Império musical, para o “enredo”, ou seja,
musical em relação a Chega de demanda Serrano em 1951 é Sessenta e um anos para uma intenção mais explícita
ou a Não quero mais amar a ninguém é que de República, de Silas de Oliveira. de narrar esse enredo. Se em um
a primeira parte tem 24 compassos Silas é considerado uma grande primeiro momento o samba-
(correspondentes a seis versos) e influência na configuração do -enredo foi basicamente um samba
não 16. A segunda parte continua samba-enredo,23 e este samba de terreiro, porém adequado ao
com 16 compassos e quatro versos. confirma totalmente isso. Pelo enredo, com o passar dos anos o
No ano seguinte, Exaltação a Tiradentes, menos entre os sambas do Império, enredo vai se impondo ao samba
também do Império (Mano Décio, este é o primeiro com melodia e, como consequência, o caráter
Penteado e Estanislau Silva), infinita mesmo, isto é, sem narrativo vai alterando a forma
apresenta uma primeira parte de nenhuma distinção entre primeira e a própria extensão das músicas
24 compassos, que se transformam e segunda parte, e com pouquíssima apresentadas para o Carnaval.
em 32 devido à repetição do último redundância melódica. Os É quando começam a aparecer
verso (de um total de cinco). A anteriores (1948, 1949 e 1950) alguns sambas que, em prol da
segunda parte já cresce para 24 ainda têm uma primeira parte (seria narratividade do enredo, passam a
compassos ou seis versos. o velho refrão), que vai ficando buscar a todo custo “cobrir” todas
Em 1950, o samba Batalha cada vez maior; e uma segunda as etapas descritas pelo desfile da
naval do Riachuelo (Mano Décio e parte (que seria o velho verso ou escola. Apelidados de “lençóis”,
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
esses sambas encarnam de forma com seus 50 compassos e 22 com 128 compassos e 30 versos,
ideal a noção de melodia infinita, versos. Um ano antes, Cartola e confirmando a tendência de
pois seus vários versos (30, 40, Carlos Cachaça compõem para narrar todas as etapas do enredo
às vezes quase 50) são entoados a Mangueira Vale do São Francisco, de um desfile já em crescente
um a um, em sequência, sem cuja primeira parte apresenta processo de profissionalização.
repetições melódicas por dezenas 32 compassos, mais quatro Há consenso entre os
de compassos. Mais uma vez aqui da repetição do último verso pesquisadores de que é na virada
se destaca o nome de Silas de (são dez); e a segunda parte,24 da década de 1940 para a de 1950
Oliveira, autor de um “lençol” compassos (oito versos). No ano que o samba-enredo, tal como
que se tornou um grande clássico seguinte, a mesma escola sai com se conhece hoje, adquire suas
do repertório do samba-enredo: Apoteose aos mestres, de Alfredo características mais marcantes.
Aquarela brasileira (transcrição Português e Nélson Sargento, Nos anos seguintes, a tendência de
integral no Anexo 6), apresentado com 32 compassos em cada composição de sambas-
pelo Império Serrano em 1964, parte (12 mais dez versos). Em -enredo cada vez mais integrados
com 36 versos e 136 (!) compassos, todos esses casos, porém, as duas à narrativa se intensifica, gerando
sem nenhuma repetição. A única partes continuam perfeitamente sambas extensos praticamente sem
repetição ocorre no “laiá laiá”, que distinguíveis; a primeira de nenhuma repetição.
funciona como uma introdução de caráter coral, destinadas às Em um terceiro momento,
oito compassos repetidos. pastoras, e a segunda, de caráter já entrando na década de
O processo não é, em solista, destinada a um cantor 1970, observa-se uma aguda
absoluto, exclusivo do Império. de sexo masculino.24 Vinte anos transformação em todo o contexto
Na Portela, o samba de 1949, mais tarde, a mesma Mangueira do desfile carnavalesco carioca,
Despertar de um gigante, também é desfilaria com o samba Mercadores e que atinge as práticas internas de
representativo dos novos tempos suas tradições (Hélio Turco, Darcy, samba de terreiro e do partido-
do samba no desfile de Carnaval, Batista e Jurandir), um “lençol” -alto, as estruturas de poder das
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
escolas e a própria organização do foi se tornando mais acentuada chamados “grupos de acesso”,
Carnaval, além, evidentemente, nas últimas décadas. Essa exemplos de belos sambas-
da estética do samba-enredo. aceleração representa um agudo -enredo, resultado da inspiração
Aos poucos, os compositores afastamento das características de compositores afetivamente
abandonaram a obrigatoriedade musicais do samba, uma vez que ligados às agremiações.
de descrever integralmente o andamentos exageradamente
enredo e se voltaram de novo rápidos mascaram as nuances O improviso
para a composição de sambas com rítmicas da levada da bateria, Pode-se afirmar com certa
refrão. A intenção era conquistar reduzem o potencial de tranquilidade que, musicalmente,
o novo “público” dos desfiles interpretação dos cantores e as matrizes do samba de alguma
carnavalescos, apoiado em padrões escondem a riqueza dos caminhos forma passam pela questão
já consagrados de estruturas melódicos e harmônicos, do improviso. Estreitamente
musicais. É quando, em muitos além de trazerem significativas identificado com o polo amador
casos, a forma vira fôrma e engessa consequências coreográficas. e comunitário do fazer musical
parte da liberdade criativa dos Todo esse processo representa sambista, e ao mesmo tempo pouco
sambistas, afastando sua criação um afastamento das matrizes do adaptável ao polo oposto desse
estética das motivações originais samba-enredo, que se tornou contínuo, o improviso demarca
do fazer-samba-enredo, ligado à prática cada vez mais voltada para uma forma de atuação musical que
comunidade, ao canto coletivo, o comércio do Carnaval e menos revela muito sobre o pensamento
à narratividade de uma história para a atividade cultural relevante musical do samba.
contada em grupo. no contexto das escolas. Ainda Podemos observar que o samba
Outro aspecto bastante assim, é possível encontrar, de terreiro era um samba com
discutido sobre a performance do de forma pontual nas escolas espaço para improvisação e que os
samba-enredo diz respeito à dos grupos de elite e de forma sambas cantados nos desfiles das
aceleração do seu andamento, que mais sistemática nas escolas dos escolas tiveram parte improvisada
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
já ouvido representa um apoio nosso entender diz respeito tanto à versos e melodias previamente
seguro para o versador. Diversos métrica poética quanto à adequação conhecidos, “pés-de-cantiga”, que
improvisos são finalizados através musical à quantidade de compassos funcionam para uma infinidade de
de um caminho descendente determinada para o improviso: temas e momentos. O pesquisador
por graus conjuntos ou arpejos O improviso tem o tempo. O verso tem e escritor Nei Lopes lista alguns
pelo acorde de dominante, o seu tempo pra poder entrar no partido. exemplos, dentre os quais podemos
configurando uma espécie de jargão [...] Repentista é uma coisa e partido-alto destacar os versos Vou me embora,
melódico-harmônico que norteia a é outra. Partido-alto é dentro da melodia. vou me embora/ que me dão para levar,
estruturação do trecho versado. Hoje tem pouca gente. Tem uns que versam encontrados em registros de
As melodias intuitivas, além aí, cantam, mas não têm aquele ritmo, pesquisadores como Americano
de facilitarem a percepção e aquelas caídas bonitas pra enfeitar, porque do Brazil (Brasil Central, 1925),
valorizarem a letra, representam tem que enfeitar o partido. As florezinhas, Santos Neves (Espírito Santo, 1949)
uma memória coletiva tudo tem um molho. Hoje eu mesmo não me e Mário de Andrade (Pernambuco,
compartilhada, fortalecendo o meto mais, eu já faço os versos prontos.25 1929) e em diversos exemplos de
caráter comunitário dos eventos partido-alto.26
das rodas e do próprio momento Sobre esses “versos prontos”, Como vimos, a improvisação
do improviso. Ao mesmo tempo é importante destacar que o de versos foi proibida nos
em que essa coletividade ecoa improviso nem sempre é uma desfiles competitivos em 1946.
em melodias quase-conhecidas, criação exatamente espontânea Analogamente, o declínio da
o saber-fazer individual do e feita no momento. Em muitos prática do samba de terreiro e a
versador é altamente valorizado casos, os versadores se utilizam de forma bissexta com que o partido-
nos circuitos de partido. Xangô da um recurso chamado de “muleta” -alto hoje circula pelos ambientes
Mangueira, respeitado partideiro ou “trampolim”, que consiste de samba (de um lado a outro do
da cena sambista, destaca o valor em aplicar, de acordo com as contínuo mercadológico) são pistas
da rítmica dos versos, que no possibilidades temáticas e musicais, de uma relativa perda de referências
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
do samba carioca, cada vez mais em 1982, e desde então cantado em Coro:
envolvido com o mercado musical inúmeras rodas de samba por todo Mas quem disse que eu te esqueço
em suas várias esferas (Carnaval, o país. No final desse registro, os Mas quem disse que eu mereço
indústria fonográfica, showbiz de dois intérpretes, aproveitando a
grande e pequeno porte). rima do refrão-título do samba e a D. Ivone:
Porém (ai, porém!), a recorrente melodia descendente, Vai pra missa seu menino,
criatividade de sambistas acrescentam uma deliciosa não esqueça reze um terço
improvisadores parece driblar as “fuleira”, com a qual finalizamos
próprias restrições mercadológicas esta pequena descrição: Coro:
às práticas mais identificadas com Mas quem disse que eu te esqueço
as matrizes do gênero. Um recurso Coro: Mas quem disse que eu mereço
frequentemente utilizado em Mas quem disse que eu te esqueço
gravações comerciais de sambistas Mas quem disse que eu mereço Zeca:
herdeiros desse ambiente é o E é isso que eu recebo em troca
que se convencionou chamar de D. Ivone: de tanto apreço
“fuleira”,27 pequenos improvisos O pagode está bom por
estrategicamente incluídos ao final enquanto é o começo Coro:
das gravações de determinados Mas quem disse que eu te esqueço
discos. Um exemplo bastante Coro: Mas quem disse que eu mereço
ilustrativo é a gravação, por Dona Mas quem disse que eu te esqueço
Ivone Lara e Zeca Pagodinho, do Mas quem disse que eu mereço D. Ivone:
samba Mas quem disse que eu te esqueço, Pagodinho cai no
da grande sambista em parceria Zeca: samba que nem menino travesso
com Hermínio Bello de Carvalho, É que ela foi embora e nem
sucesso na voz de Paulinho da Viola deixou seu endereço
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Caracteriza-se pela comunhão centro da roda, admirado pelos • sextilha, estrofe de seis versos,
entre os participantes. Embalados demais participantes. Quando um com flexibilidade rímica.
por um refrão, os versos se poeta cria um verso rico, criativo,
sucedem, repetidos por todos, é aplaudido pelo grupo, que O verso monorrímico
acompanhando o mote proposto reconhece o mérito do partideiro. remonta a priscas eras. O poeta
pelo estribilho, sem obedecer Nem sempre a roda de latino Ênio (238-169 a.C.) já
a um rígido esquema métrico, partido-alto é armada dentro da utilizava esse recurso, conforme
respeitando, porém, alguns quadra da escola. Acontece, na demonstrou o acadêmico Celso
padrões rítmicos. Caso os versos maioria das vezes, no entorno Cunha em uma de suas brilhantes
se afastem do tema central ou da sede, de madrugada, após ou aulas na Faculdade de Letras
sejam usados clichês, diz-se que o durante os ensaios. Está presente, da Universidade Federal do Rio
partideiro é fraco, pois a virtude invariavelmente, nas reuniões de de Janeiro:
se concentra na capacidade do sambistas nos quintais sombreados
versador de improvisar e dar dos subúrbios. Haec omnia vidi inflammari
prosseguimento à peleja poético- Geralmente os partidos Priamo vi vitam evitari
musical. Desse modo, a roda tradicionais seguem quatro jogos Iovis aram sanguine turpari!
está viva, mantida por palavras, rímicos, a saber:
meneios e pelo compasso, marcado Também a poesia árabe,
na palma da mão. • versos monorrímicos, que que forte influência exerceu no
O partido, como também repetem a mesma rima; cancioneiro medieval português,
é conhecido o partido-alto, é • versos em duque, estrofe de tem como padrão clássico a rima
cantado/dançado em círculo. quatro versos, dois dísticos, em única, de tal forma que os poemas
Como nas antigas batucadas, rimas emparelhadas; são conhecidos não pelo seu título e
algumas vezes um dos pares é • versos em quadra, estrofe de quatro sim por sua rima.
convidado a entrar e a sambar no versos, com rimas alternadas; Candeia e Euclenes compuseram
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
um partido, cujo refrão obedece a de bamba o mesmo jogo de rimas Não basta o afeto simples e sagrado
uma só rima: usado pelo poeta catarinense: Com que das desventuras
me protejo.
Vai pro lado de lá Na minha casa
Vai pro lado de lá todo mundo é bamba Aniceto do Império,
Vai pro lado de lá, Todo mundo bebe partideiro de quatro costados,
Vai sambar todo mundo samba utiliza versos em rimas alternadas,
Me leva pro lado de lá mas prefere os heptassílabos aos
Na minha casa decassílabos bilaquianos:
Os dísticos são a menor não tem bola pra vizinha
estrofe da versificação portuguesa. Não se fala do alheio Quando falar em partido
Trata-se de quadras, em rimas nem se liga pra Candinha Quando louvar partideiro
emparelhadas, seguindo o esquema Tem que ter João da Baiana
rímico: aa-bb. Método de A quadra, na poesia culta, E o velho Donga trigueiro
construção poética muito a gosto aparece combinando as rimas de
dos simbolistas, como se pode maneira alternada, conforme Otto Enrique Trepte, o
constatar no fragmento de Cruz os cânones do parnasianismo Casquinha da Velha Guarda
e Sousa: brasileiro, que teve entre os mais da Portela, faz o seu protesto,
expressivos representantes Olavo defendendo o compositor de samba,
Filho meu, de nome escrito Bilac, cujo fragmento de um soneto alvo de críticas de preconceituosos
Da minh’alma no infinito se apresenta: jornalistas, em rimas alternadas:
Escrito a estrelas e sangue
No farol da lua langue... Ao coração que sofre, separado Pode dizer que
Do teu, no exílio em que a meu samba é sambinha
Martinho da Vila utiliza em Casa chorar me vejo, Pode me meter o malho
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Enquanto você diz que Qual nunca mais o verei, Acertei no milhar do carneiro
meu samba é sambinha Não tão inteiros sujeitos, Mas o tal bicheiro
Encontra matéria Um ao outro dando a lei: Não quis me pagar
para o seu trabalho No Paço o rei ao vassalo Fui direto na delegacia
Na Igreja o vassalo ao rei! Mas a loteria
A sextilha já é percebida no Não paga milhar
barroco brasileiro, perpassando Casimiro de Abreu usa o
por diversas fases até chegar aos dias esquema aabccb, evidenciando a Pelos exemplos mencionados,
de hoje. Gregório de Matos usava o versatilidade rímica da sextilha: verifica-se que na roda de
esquema aabbcc: partido--alto há um amálgama
Simpatia — são dois galhos da cultura negra e da cultura
O namorado, todo almiscarado Banhados de bons orvalhos europeia. O ritmo e a dança, de
Já de amor obrigado, Nas mangueiras do jardim; claras raízes africanas, se mesclam
Faz à dama um poema Bem longe às vezes nascidos, com formas de versificação
em um bilhete. Mas que se juntam crescidos portuguesa. Surge assim, uma
E que se abraçam por fim. expressão artística de caráter
Covarde o faz, e tímido o remete: brasileiro, com um sabor bem
Se lhe responde branda, A sextilha é uma composição carioca, que se perpetua a cada
alegre o gosta, explorada no partido-alto por encontro, pincelando com poesia
E, se tirana, estima-lhe a resposta. alguns poucos autores, por ser uma e sensualidade as rimas e os passos
forma mais sofisticada. Conforme improvisados, que lembram uma
Gonçalves Dias prefere rimar a estrofe acima, de Casimiro de linha de passes, do futebol, em
somente os versos pares: Abreu, um poeta da Mangueira, que o inábil, o sem-talento, não
Padeirinho, rima seguindo a tem vez. É coisa para “bamba”, é
Mimoso tempo d’outrora fórmula rímica aabccb: coisa de craque.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Samba de terreiro ao menos um samba de terreiro Maria eu lhe peço por favor
O samba de terreiro é também durante o ano. Volta pra casa meu amor
conhecido como samba de quadra. Avalia-se a qualidade de um Eu vivo sozinho
A sinonímia é estabelecida a partir samba de terreiro, considerando- Eu sinto falta do teu carinho
da transformação dos terreiros de -se a recepção da letra e da [...]
terra batida das escolas em quadras melodia pelo corpo feminino
de cimento ou piso frio. da escola. É um samba para ser Os temas mais recorrentes no
O samba de terreiro tem por cantado em bom tom e, para tal, samba de terreiro são a mulher e a
finalidade primordial possibilitar o a melodia deve ser envolvente escola de samba, quase sempre uma
canto coletivo, principalmente das e comunicativa. Algumas vezes proposta de exaltação. Percebem-
pastoras, e os volteios sinuosos de versos singelos se tornam a base -se, também, nessa modalidade
seus pares, conduzidos pelo diretor para uma rica melodia, o que faz de samba, versos esmerados,
de harmonia. o samba “crescer” - assim dizem impregnados de puro lirismo.
Geralmente, o samba de os sambistas - no terreiro ou Eis alguns sambas de terreiro,
terreiro é cantado nos ensaios na quadra. Foi o que aconteceu representantes das três vertentes
das escolas de samba e, na fase com o samba Maria, de Jorge apontadas:
pré-carnavalesca, é executado nos Meira, também conhecido por
intervalos das muitas vezes que Jorge Porém, grande sucesso nos Doce melodia
se repete o samba-enredo a ser ensaios da Portela no início dos (Bubu)
apresentado no Carnaval vindouro. anos 70 do século passado, tanto
Em algumas escolas, até a no clube Imperial, na estrada do Quando vem rompendo o dia
década de 1980, só era permitido Portela, em Madureira, quanto no Eu me levanto começo logo a
que o compositor participasse da Mourisco, sede do Botafogo, na cantar
competição de escolha do samba- Zona Sul do Rio de Janeiro. Essa doce melodia que me faz
-enredo, caso tivesse lançado lembrar
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
ainda, em geral, um samba objetivo, antes vestidos à vontade, começam completos, e caracteriza-se por sua
curto e singelo, resquício do tempo a se apresentar caprichosamente extensão, razão por que se tornaria
dos sambas de uma só parte, a fantasiados ou envergando impecáveis conhecido como lençol. Um clássico
serviço de um enredo simples e ternos brancos e sapatos de duas do gênero é O grande presidente, samba
linear. Bom exemplo disso é a cores, o samba-enredo também que o compositor Padeirinho
Exaltação a Tiradentes, apresentada acompanha a tendência e começa a fez para a Estação Primeira de
pelo Império Serrano em 1949, de cobrir-se de enfeites. Mangueira no Carnaval de 1956:
autoria de Mano Décio da Viola, Tal mudança não se deu
Penteado e Estanislau Silva: por acaso. A estratégia popular No ano de 1883
de resistência à exclusão e à No dia 19 de abril
Joaquim José da Silva Xavier perseguição leva os primeiros Nascia Getúlio Dorneles Vargas
Morreu a 21 de abril sambistas a tentar acabar com Que mais tarde seria
Pela Independência do Brasil as diferenças entre eles e seus O governo do nosso Brasil
Foi traído e não traiu jamais possíveis espectadores de outras Ele foi eleito deputado
A Inconfidência de Minas Gerais classes sociais. Adotaram uma Para defender as causas do
linguagem mais rebuscada ao nosso país
Joaquim José da Silva Xavier discorrer sobre temas quase sempre E na revolução de 30
Era o nome de Tiradentes alheios ao seu cotidiano, levando ele aqui chegava
Foi sacrificado pela nossa liberdade ao extremo a tendência já observada Como substituto de
Este grande herói pelo intuitivo Carlos Cachaça na Washington Luís
Pra sempre há de ser lembrado década de 1930. É assim que nos E do ano de 1930 pra cá
anos 50 populariza-se um tipo de Foi ele o presidente mais popular
Mas à medida que o desfile das samba--enredo que desenvolve Sempre em contato com o povo
escolas de samba vai se tornando mais um tema histórico de maneira Construiu um Brasil novo
sofisticado, à medida que os sambistas, detalhada, com datas e nomes Trabalhando sem cessar
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
para a tarefa. Nos primeiros Viola vadia de vida boa semântico do luxo, da riqueza,
versos, por exemplo, do antológico A Beija-Flor cantando voa da alegria, da festa, como se com
samba Os cinco bailes da história do Rio, Na literatura de cordel isso fosse possível “virar a tristeza
que o Império Serrano cantou em (exemplo de proposição no início) pelo avesso”, para utilizar a feliz
1965, temos: expressão de Bala e Celso Trindade,
Amor, amor, amor autores de Traços e troças, samba-
Carnaval, doce ilusão, A mulher em festival -enredo do Salgueiro em 1983.
Dê-me um pouco de magia Traz a Portela Assim, ao encher de luz, brilho
De perfume e fantasia (exemplo de proposição no início) e colorido o seu discurso, seja
E também de sedução pela adjetivação abundante, seja
Quero sentir nas asas do infinito Olha o saci-pererê pela organização do vocabulário
Minha imaginação Cobra-grande e caipora em torno fundamentalmente da
Eu e meu amigo Orfeu Deslumbrando todo mundo ideia de esplendor; ao querer
Sedentos de orgia e desvario Mocidade mostra agora. para a sua festa lua cheia, céu
Cantaremos em sonho (exemplo de proposição no final) estrelado, avenida colorida,
noite de esplendor e magia, o
Os cinco bailes da história do Rio. Tais características, próprias compositor estaria, de certa forma,
Proposição e invocação se do gênero épico, ao qual o samba- se compensando de um cotidiano
conservam ao longo de décadas, -enredo classicamente se filia, ao qual falta quase tudo. E desse
não mais em formulação tão clássica convivem com outras já apontadas cotidiano se permitirá sempre
como a observada acima, mas ainda por muitos estudiosos, como, por falar nas entrelinhas dos versos
perfeitamente detectável, às vezes exemplo, a adjetivação abundante, enfeitados que cria ou mescla
até encerrando a composição, o recurso ao lugar-comum ou sonho e realidade, como é o caso
ao invés de iniciá-la. Vejamos chavão e principalmente a escolha de David Correia e J. Rodrigues,
exemplos disso: marcante de palavras do campo no seu Incrível, fantástico, extraordinário
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
(Portela, 1979). Se no meio do Joguem fora a roupa do dia a dia Este último verso é a confissão
samba afirma: E tomem banho de que não se pode responder pela
no chuveiro da ilusão alegria nos demais dias do ano:
O povo vai viver doce ilusão mais um testemunho de que, aqui
Se extasiando no jardim Ou em, Teu cabelo não nega, e ali, de modo nem sempre direto
da sedução (só dá Lalá), de autoria de Gibi, e discursivo, é de sua vida, de seu
Serjão e Zé Catimba (Imperatriz contexto, de suas mágoas e sonhos
No refrão final não se esquece Leopoldinense, 1981): que ele procura falar todo o tempo,
de alertar: nas brechas que a objetividade
Eu vou me embora desafiadora dos enredos modernos
Segura, baiana, Vou no trem da alegria lhe deixa. A crítica velada vem às
Ioiô e iaiá, Ser feliz um dia vezes singelamente inserida no
Na quarta-feira E mais adiante: enredo, caso de Mais vale um jegue que
Tudo vai se acabar me carregue que um camelo que me derrube...
Quem dera lá no Ceará, de Eduardo Medrado,
Ou no samba-enredo O paraíso da Que a vida fosse assim Waltinho Honorato, João Estevam
loucura, de Mara, Luciano e Walter e César Som Livre (Imperatriz
de Oliveira, que a Beija-Flor Ou ainda no famoso Bum bum Leopoldinense, 1995). Ao discorrer
cantou em 1979: paticumbum prugurundum, com que o sobre um complexo enredo
Império Serrano se sagrou campeão patrocinado, os compositores
Esqueçam os problemas da vida em 1982, de autoria de Beto Sem lançam muito a propósito do que
O trem, o dinheiro Braço e Aloísio Machado: o enredo narrava — mas também
e a bronca do patrão como veemente protesto ao que
Não pensem em suas marmitas É carnaval, é folia acontecia à sua própria experiência
E no alto preço do feijão Neste dia ninguém chora. de criadores:
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Sambistas.
Acervo Centro
Cultural Cartola
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
a dança
A música e a dança dos negros sempre Nas rodas de samba improvisadas, uma umbigada — o dançarino requebra e
foram sociais, comunitárias, e assim com ritmo marcado por palmas e alguns saracoteia sozinho, enquanto os demais se
prosseguem. Jamais são usadas para instrumentos, é que se pode apreciar a incumbem do canto (uma frase de coro, uma
deleite pessoal, se nisto não houver um desenvoltura de uma passista criando sua frase de solo) e da música (prato e faca,
aproveitamento coletivo. Quando se diz coreografia luminosa, que vem do ar e chocalho, pandeiro). Os passos do samba
que nós, negros, fazemos de tudo um motivo desliza pelas pernas até os pés. O equilíbrio perderam o nome na Guanabara, em vez de
de canto e dança, apela-se menos a um é desafiado nos contratempos, a elegância é uma única pessoa dançar, habitualmente
estereótipo do que para uma constatação confirmada nos breques, a malemolência é dançam, em separado, um homem e uma
sociológica, porque nossos ancestrais na África solta na síncope. mulher, que passam a vez a pessoas do mesmo
assim faziam: na colheita do inhame, na sexo; o convite à dança já não é exatamente
chegada da chuva, nos ritos de puberdade e Edison Carneiro, em Folguedos a umbigada, mas o dançarino continua
nos funerais. [...] tradicionais (1982), apontou uma a executar uma verdadeira reverência,
ligação matricial do samba dançado sambando, “dizendo no pé”, diante da pessoa
Uma das fortes características das danças no Rio com o samba de roda escolhida, até tocar perna com perna...
de procedência africana é o trabalho que os pés baiano, no qual ressalta, como
desenvolvem continuamente, sendo utilizados traço característico, a umbigada — A umbigada não é um traço
até mesmo como instrumento de percussão. Do nome dado ao movimento de dois exclusivo do samba de roda baiano,
tambor de crioula do Maranhão, chega-se a corpos que se aproximam num aparecendo em manifestações
dizer que “é afinado a fogo, tocado a murro salto, a ponto de as barrigas quase como o jongo, o coco e o lundu. A
e dançado a coice e chão”. Descendente em se tocarem: herança de movimentos da capoeira
linha direta do lundu e dos batuques africanos, também é lembrada por sambistas
o samba dançado não poderia fugir à regra. O samba de roda conhecido na Bahia tradicionais no Rio de Janeiro. Em
Sua linguagem está nos pés, desenhando no contribuiu com o passo distintivo do samba. depoimento a Ricardo Cravo Albin,
chão a rica sintaxe de uma gramática que nem Espécie de baile ao ar livre, de que todo no livro As vozes desassombradas do Museu
a todos é dado aprender. mundo pode participar, se convidado por (MIS, 1970), João da Baiana afirma:
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
O samba-duro já era batucada. A abriga em seu repertório gestual e passos de Paula do Salgueiro, uma
batucada era capoeiragem. Nós tirávamos os coreográfico traços inspirados nas das mais conhecidas passistas das
cantos. Um saía para tirar o outro. Se fosse danças dos orixás. grandes escolas de samba nos anos
a “liso”, era só umbigada, mas, se fosse para Segundo Rego, “mensageiro 60 e 70; comparou o opanijé,
pegar “duro”, já era capoeiragem. por excelência, Exu apresenta-se coreografia de Omulu/Olabuaê
numa dança serpenteada, as mãos (três passos para um lado, com
Cartola diz o seguinte em ora levantadas para o Orun (céu), os braços erguidos, seguidos
entrevista publicada no livro Cartola, ora para o Ayê (terra), os quais por três passos para o outro
tempos idos, de Marília Barboza e ele interliga. A comissão de frente lado, de novo com os braços
Arthur de Oliveira Filho (1998): nas escolas, em especial a partir erguidos, terminando com a ida
dos anos 60, executa inúmeros de à frente) com o movimento das
Samba-duro e batucada é a mesma seus passos”. alas num desfile; e afirmou que
coisa. A gente fazia isso a qualquer hora, em Rego observou ainda como a “coreografia de Oxaguian dá a
qualquer dia. Juntava umas 20 pessoas — a coreografia em forma de postura às baianas, excetuando-se
homens e mulheres — e a gente começava a “cobrinha”, usada por alas “para a rodada do corpo, propriedade
cantar [...] Aí um — o que versava — ficava avançar, sinuosamente, na pista”, do samba”, entre outros exemplos
no meio da roda e tirava um outro qualquer. lembra o aguerê de Oxumaré, da ligação entre a dança do samba
Aí dançando e gingando, mandava a perna. O uma dança serpenteada, em forma e os ritos do candomblé.
outro que se virasse para não cair. de S; apontou a semelhança do Mas não apenas a raiz africana
jicá e do treme-treme (passos que desenhou os passos do samba no
Resultado de fusões e sínteses, ele descreve), dada a feminilidade Rio. Em especial nessa criação
a dança do samba no Rio, com que os caracteriza, com a carioca que é o desfile da escola
sua forte raiz africana, plantada coreografia de Oxum; identificou de samba, essa dança também
nos terreiros das tias baianas na “a graça do jogo cênico dos recebeu contribuições de tradições
Pedra do Sal e na Praça Onze, braços” da dança de Iansã nos europeias. Diz Carneiro:
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
[...] A ginga de marcha da escola gingado da passista, o requebrado atributos da dança do samba,
condensa não apenas os meneios do samba de da cabrocha, mas a corte de uma palavras a ela relacionadas
roda, mas também de outros desfiles populares, dança de salão, de um minueto, pelos próprios sambistas, em
reis do Congo, ranchos de Reis e do Carnaval. com suas mesuras e meneios. Por depoimentos ou nas letras de
isso se diz que o mestre-sala corteja suas composições.
Os ranchos de Reis, que desde cedo a porta-bandeira. No samba de partido-
perderam a sua inspiração religiosa na Essa riqueza coreográfica, -alto, apesar de o foco estar na
Guanabara, tornando-se profanos e mistura de influências diversas, improvisação dos versos, a dança é
carnavalescos, são os responsáveis pela pulsa hoje em quadras, quintais, parte essencial da cena, começando
configuração da escola em marcha. As clubes, botecos e ruas no Rio. pelo fato de os participantes da
escolas carregavam, outrora, nos desfiles Onde se canta o samba, se dança o roda acompanharem o ritmo
de Carnaval, figuras de animais, agora samba. Essa dança passou e passa batendo palmas ou os pés no chão.
substituídas por alegorias. O baliza, sempre por modificações, principalmente A dança se dá em torno e para
a cortejar a porta-bandeira em mesuras sob pressão da indústria do dentro da roda, espaço-matriz
de extrema delicadeza, gesticulando com o espetáculo, mas suas matrizes se do samba. O requebrar; o girar
lenço, o leque ou a espada, mudou apenas de mantêm vivas e fortes, seja nas em torno de si próprio e o rodar
nome [...] rodas de samba das feijoadas das da saia, no caso das mulheres; o
escolas de samba, nas suas quadras ligeiro curvar das costas enquanto
Na escola, o casal de mestre-sala nos subúrbios, seja nas casas de as palmas esquentam o desafio; as
e porta-bandeira, nos primeiros shows da Lapa que abrem suas mãos na cintura, com os braços em
anos do século passado, conhecida portas para o chamado samba de arco; o passo miúdo, miudinho,
como porta-estandarte, é o centro raiz, reunindo jovens da Zona Sul e movimento ligeiro dos pés num ir e
dessa influência europeia, com velhos partideiros. vir, deslizando, quase hipnótico; o
sua dança que, embora executada Equilíbrio, ritmo, agilidade, leve tocar de pernas de um sambista
ao som do samba, não busca o malícia e graça são alguns dos em outro, como num convite
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
para participar, tudo isso compõe identificar cinco grupos com da saudação e da apresentação se
o quadro; são fundamentos que desenhos coreográficos e gestual mantém no regulamento, mas
caracterizam essas rodas. Como já próprios: a comissão de frente, as esses gestos tradicionais e que
observado anteriormente, parte alas, os passistas, as baianas e o casal fundamentam a existência da
desse gestual e movimentos também de mestre-sala e porta-bandeira. comissão estão agora misturados a
está presente em manifestações A comissão de frente, que a passos que resumem ou explicam
aparentadas do samba, como o escola de samba herdou dos antigos o enredo, o tema da escola. Nos
jongo e o batuque. ranchos, era tradicionalmente últimos anos, tripés e pequenos
Como o samba-enredo é uma constituída pelas Velhas Guardas carros alegóricos passaram a ser
variante do gênero criado para ou integrantes mais antigos e usados por esses bailarinos em
a exibição da escola de samba na representativos da agremiação. algumas comissões.
avenida, as danças relacionadas Formada em linha, vestida com As alas são o “corpo” da escola
diretamente a ele se dão em elegância, saudava o público (com o na Avenida, aquilo que chamam
cortejo, isto é, com os sambistas chapéu, por exemplo) e apresentava de “chão” da escola. O “chão” é
evoluindo de um ponto (a a escola (a mão direita sobre o peito, forte quando ele canta e samba com
concentração, início do desfile) depois estendida em direção à escola garra e emoção. Cada ala tem um
a outro (a área de dispersão, no como um sinal típico de respeito). figurino próprio, representando
final). Mas não é só na avenida e Ela sofreu forte modificação um aspecto do enredo. A dança
em cortejo que o samba-enredo é a partir dos anos 70, processo do componente é livre, alegre,
dançado. Nos ensaios nas quadras intensificado nas décadas de empolgante, mas deve respeitar as
ou em reuniões de sambistas, 1990/2000, quando passou a regras de evolução. Por exemplo, os
em torno de uma simples mesa ser composta por bailarinos ou integrantes de uma ala não devem
ou numa roda, o samba-enredo integrantes mais jovens das escolas se misturar aos de outra; uma ala
também anima e faz dançar. coreografados por bailarinos não pode retornar na pista, só pode
No desfile das escolas, podemos profissionais. A obrigatoriedade ir para frente; os componentes
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
de uma ala não podem “abrir da bateria e do carro de som, representar um aspecto do enredo,
buracos”, devendo manter a coesão. um ponto privilegiado para que perdendo assim os elementos
Nos últimos anos, as escolas cada passista vibre e demonstre o típicos. A dança é caracterizada pelo
têm apresentado mais e mais alas domínio de sua arte. A expressão giro, para os dois lados, que provoca
coreografadas (também chamadas “samba no pé” não é um clichê belo efeito visual quando toda a ala
teatralizadas ou de passo marcado). vazio de significados, mas uma o faz ao mesmo tempo, em geral
Não é uma novidade nas agremiações verdade primeira da dança do nos refrãos. A ala das baianas era
— já nos anos 60 a coreografia samba. O compositor Ernesto dos composta pelas mulheres mais velhas
foi objeto de polêmica quando o Santos, o Donga, em entrevista da comunidade, mas nos últimos
Salgueiro representou um minueto ao jornalista e professor Muniz anos foi aberta à participação das
em plena Avenida, no enredo Sodré, em Samba, o dono do corpo, mais jovens.
sobre Chica da Silva. Os críticos lembrando de sua infância, O mestre-sala e a porta-
argumentaram que a coreografia tira afirma: [...] Dançava um de cada vez, -bandeira apresentam e defendem
a espontaneidade dos componentes com entusiasmo, fazendo samba nos pés. o pavilhão da escola, bailando num
e “esfriam” o desfile. Em 2004, a Os passistas, nas escolas, provam a cortejar, mais do que sambando,
apresentação de um carro alegórico cada desfile esse fundamento. como já se observou. É como o
intitulado DNA, totalmente Consideradas entre as mais voleio de um beija-flor em torno da rosa.
coreografado pela Unidos da Tijuca, tradicionais alas das escolas, Ele se aproxima, toca e sai. Volta a se
ampliou a discussão. as baianas representam as tias aproximar, beija e sai. Nunca as ações
A ala de passistas reúne, no quituteiras dos primeiros anos serão idênticas. E a rosa, ao contrário do
desfile, os mestres — jovens e do samba, com suas roupas que se pensa, ao sabor do vento das asas do
mais velhos — desse ofício que é o características: saia ampla e pássaro, não permanece passiva. Ela dança,
samba no pé. Essa ala não existia rodada, pano da costa, colares e disse a porta-bandeira Vilma do
nos primeiros anos das escolas. balangandãs. Atualmente, suas Nascimento, em entrevista a José
Atualmente, costuma vir atrás fantasias podem ser adaptadas para Carlos Rego.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
a cena
Em virtude da diversidade bastante remoto, em paralelismo samba ser samba, é anterior a ele.
de manifestações e de cenários com traços específicos do Rio de Como característica mais evidente,
no samba do Rio de Janeiro, Janeiro e da contemporaneidade. ele diz, está o clima doméstico,
não é possível falar de uma cena A roda, as manifestações familiar.
única, um contexto só, isolado, de religiosidade, a comida, os Segundo Moura, esse espírito
em que as formas de expressão instrumentos, as bandeiras e as familiar, que fez e faz a roda girar
relatadas neste dossiê aconteçam. cores, as baianas, as velhas guardas, o samba, vem de dentro de casa.
Assim, é necessária a descrição os terreiros (atualmente quadras) e Ele retorna às moradias festivas das
de elementos que constituem as as formas de transmissão do saber tias baianas na Praça Onze para
diversas cenas do samba carioca, no samba do Rio de Janeiro são explicar como a casa “propicia a
como se originaram e como se elementos e personagens comuns às formação da roda”, dando então
apresentam atualmente. três formas de expressão. vida ao samba. E destaca o “papel
No caso do samba-enredo, a desempenhado pela roda como
descrição é bastante complexa, A roda elemento fundamental na geração,
incluindo elementos presentes Em No princípio, era a roda: um preservação e divulgação do gênero
nos ensaios nas quadras e nos estudo sobre samba, partido-alto e outros musical que mais identifica o
desfiles das escolas de samba, pagodes (2004), o pesquisador nosso país entre todos os que são
onde esse gênero ganha a sua e jornalista Roberto Moura originários do Brasil”.
principal razão de ser. Já nos traçou as diferenças entre samba A roda, portanto, é um ritual
sambas de terreiro e de partido- (gênero), escola de samba (sua que “preserva e atualiza o que está
alto as cenas são bem mais institucionalização) e roda de em sua origem”.
despojadas e diversas. samba (a ambiência que permitiu A alma doméstica,
É importante observar a o nascimento do gênero). A roda, comunitária, da roda foi
permanência de traços marcantes segundo Moura, é o início de tudo incorporada naturalmente aos
da cultura negra e de um passado - estava presente antes mesmo de o terreiros das escolas de samba,
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
fundadas a partir do final da A roda era o seguinte: cada um tem dos sambistas cariocas, mas
década de 1920. Mas o apelo que ter uma música, estar fazendo um deslocada de lugares tradicionais
comercial, a modernização e o samba no partido. Chegava lá, começava a de manifestação. Rodas de
crescimento das escolas, como cantar. Chamava dois ou três e tocava um samba tradicional ou “de raiz”,
verificado a partir dos anos 70, pagodezinho, aí batia pra gente e a gente como os próprios sambistas se
alteraram esse clima familiar das começava... junto com ele. Aí quando ele referem a ele, acontecem, por
quadras, pelo menos nas grandes já ‘tava bem batido, é, bem batido, a gente exemplo, em bares e centros
agremiações. Este é um dos levava pro instrumento. Aí já começava a culturais na Lapa, no Centro,
motivos apontados por sambistas bater no instrumento... atraindo jovens de todas as classes
para a redução do espaço para as (Xangô da Mangueira) sociais, que querem ver, ouvir e
rodas de samba tradicionais nas prestigiar mestres como Xangô
quadras. Moura, em sua análise, O partido-alto, eu acompanho desde da Mangueira e Tantinho.Mas,
vê dois caminhos se desenhando: garoto [...] É através dos sambas no Morro nas quadras das escolas, já é mais
um, o da escola, “mais pragmático de Mangueira, nas tendinhas, na própria difícil ouvir o partido-alto e o
e mercantil”; outro, o da roda, quadra, onde a gente sempre batia uma roda samba de terreiro:
“mais utópico e criador”. antes de começar o samba, aquelas coisas, e
Ancestral, a roda aparece em rolava o partido-alto. E a minha relação com Na Mangueira não tem mais. Não
diversas expressões do samba por o partido-alto é desde muito garoto, que eu... tem nem samba de terreiro, quanto mais
todo o país, como no samba de No morro se cantava muito partido-alto, partido--alto. Então, na Mangueira não
roda do Recôncavo Baiano. No Rio nas tendinhas, nas biroscas e eu andando pelo tem mais porque a Mangueira não está
de Janeiro, a roda foi elemento morro, sempre ‘tive presente. preocupada em formar garotos partideiros,
fundamental na criação e difusão (Tantinho) garotos compositores que façam samba de
do novo gênero, e o seu valor está terreiro. Eu já me ofereci pra fazermos
vivo na história e no cotidiano dos Sinal de sua força cultural, uma oficina.
sambistas tradicionais. a roda permanece na cena (Tantinho)
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Fica claro que a roda é o que toca no rádio, samba-enredo dos anos
principal meio de transmissão do anteriores [...] As pessoas me mostram as
saber-fazer no samba tradicional, letras, mas vai cantar onde? Só em roda de
e que a diminuição do número de samba! O Moacyr Luz está dando oportunidade
espaços comunitários para a sua para a garotada. Tem muito compositor
manifestação é visto pelos sambistas fazendo muita coisa bonita. Minha harmonia é
como algo preocupante. diferente, tem uma juventude que onde eu vou,
eles vão atrás.
Aprendi vivendo mesmo aqui em (Wilson Moreira)
Mangueira, como eu disse, assistindo os outros
cantar e depois comecei já cedo a praticar A roda, assim, renova e resiste
também... Já interferia nas rodas, mas que eles como elemento da cena do samba
não deixavam a gente mais novo cantar. Os carioca, um de seus fundamentos.
mais velhos não gostavam que os mais novos
cantassem, mas eu arrumei uma maneira de A religiosidade
desenvolver isso: me colei no Xangô. Colei Samba e religião foram durante
no Xangô e no Zagaia [...] É raro hoje você muito tempo — e são até hoje —
encontrar roda de partido-alto, mas quando elementos indissociáveis. E embora
tem, eu brinco, dou meu recado. os sambistas, afeitos ao caráter
(Tantinho) criptográfico de sua cultura, que
durante anos precisou se disfarçar
Tem muito samba de terreiro por aí, e para sobreviver, às vezes o neguem, o
muita gente cantando. Mas nas escolas de fato é que não faltam elementos para
samba sumiram. As escolas acham que não comprovar que festa e fé andaram
é negócio. Preferem samba de comunicação, quase sempre de mãos dadas.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Sobre isso, Marília Barboza da de rua do terreiro de seu Júlio, dizia: com as coisas do culto. Na sala o baile, onde
Silva e Arthur de Oliveira Filho “Naquela época samba e macumba era se tocava os sambas de partido entre os mais
(1998), afirmam: tudo a mesma coisa”. velhos, e mesmo música instrumental quando
apareciam os músicos profissionais negros,
No fim dos anos 20, novamente a Tal ligação remonta, portanto, muitos da primeira geração dos filhos dos
palavra samba teve a sua significação ao período do nascimento do baianos, que frequentavam a casa. No terreiro
alterada, outra vez em virtude de gênero, em que samba e religião o samba raiado e às vezes as rodas de batuque
ser empregada por uma classe social dividiam o espaço físico e a atenção entre os mais moços.
diferente. Agora eram os descendentes de de seus cultores. Disso é prova a
escravos, reunidos nas chamadas escolas descrição feita, por Roberto Moura Seja por identidade seja por
de samba, para os quais a palavra ainda (1983), da casa da Tia Ciata: conveniência ou estratégia de
continuava designando a dança de roda de sobrevivência, as esferas do samba
umbigada, de ritmo muito semelhante ao A casa que alugava era bastante grande, e da religião se misturavam desde
das cerimônias religiosas das macumbas. se fosse um pouquinho maior o senhorio fazia antes de o samba carioca ser
Samba para eles constituía um ritmo, uma logo albergue, ou até uma cabeça de porco chamado por tal nome e antes de
coreografia, um gênero, enfim, muito para arranjar mais dinheiro. Uma sala de existirem as escolas de samba.
próximo ao dos pontos de invocação dos visitas ampla, onde nos dias de festa ficava o Não é descabido lembrar que
orixás afro-brasileiros. Os sambistas baile. A casa se encompridava para o fundo, na passagem do século XIX para
primeiros, na esmagadora maioria, eram um corredor escuro onde se enfileiravam três o XX as agremiações carnavalescas
também pais ou mães de santo famosos e quartos grandes com uma pequena área por consideravam a Folia de Reis, festa
temidos: Elói Antero Dias, José Espinguela, onde entrava luz através de uma claraboia; do calendário da religião católica e de
Alfredo Costa, Tia Fé, seu Júlio, Juvenal no fundo uma sala de refeições, a cozinha forte apelo popular e folclórico, uma
Lopes, dona Ester de Oswaldo Cruz. Os grande onde se trabalhava, e a despensa. Atrás data importante a ser comemorada.
terreiros de samba eram também terreiros um quintal com um centro de terra batida Tal prática é mencionada pelo
de macumba. Cartola, que foi cambono para se dançar e um barracão de madeira jornalista Sérgio Cabral (1996):
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
A Mangueira era um canteiro de quanto àquela que seria a principal até o culto aos orixás. Foi lá que nasceu
manifestações de cultura popular. Com uma do grupo. Após o surgimento a Portela, da energia de Seu Napoleão
população formada, principalmente, por pessoas das escolas de samba, firmou-se Nascimento, que era o pai do Natal. No
vindas do interior dos estados do Rio de Janeiro e a tradição de que cada uma das Estácio, foi da energia de Tancredo da
de Minas Gerais, a cantoria e a dança do jongo consideradas “grandes” (a saber, Silva, grande pai de santo de omolokô. Na
faziam parte da rotina de seus moradores. Entre Mangueira, Portela, Império Mangueira, Dona Maria da Fé, estimulada
o Natal e o Dia de Reis, conjuntos de pastorinhas Serrano e Salgueiro) liderava a por Elói Antero Dias para que criassem
percorriam o morro. festa num dos domingos do mês uma escola de samba. Antes de fundar o
de outubro. Em entrevistas de Império Serrano, Sr. Elói fundou o Deixa
No calendário do samba sambistas antigos, há relatos dos Malhar, no Baixo Tijuca, onde é hoje a
carioca ao longo de quase todo preparativos para essa importante Rua Almirante Cândido Brasil. O Elói
o século, a Festa da Penha, no “embaixada”, quase uma Antero Dias, que assessorava Getúlio
mês de outubro, representava “obrigação”, no sentido religioso Vargas com alguns outros pais de santo, foi
uma importante ocasião do termo. incentivado por Getúlio a criar uma escola
de congraçamento e até de Fato marcante é terem as de samba para competir com Paulo da
competição. Compor para a Festa escolas de samba se formado em Portela, que tinha entrado para o partido
da Penha, local de reunião em geral em torno de lideranças comunista, querendo provar que o samba
que o trabalho dos compositores religiosas fortes, como era um gênero musical de sociabilidade.
populares tinha espaço para mencionado anteriormente. Quem me contou esta história foi o João
divulgação, era quase obrigatório. Saldanha quando perguntado por que ele
Segundo testemunho de vários É um fenômeno que tem uma era portelense. O Império Serrano foi uma
sambistas e cronistas carnavalescos, explicação na energia que vem das casas escola sindicalista. O Salgueiro também
era na Penha que se lançavam os de omolokô, da tradição religiosa de base contou com a liderança do Calça Larga e
sambas novos. As mulheres se africana, que juntou o culto às almas, dos pais de santo para a criação da escola.
trajavam de baianas e havia disputa da gira de Preto Velho e Caboclo e vai (Rubem Confete)
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
a procissão motorizada em honra ao Dali a carreata segue até Ramos, onde frequentemente homenageados nos
Padroeiro, que vem se tornando uma das originalmente se homenageava o grande sambas. Em Segredos guardados, orixás
mais significativas tradições da comunidade. sambista Amaury Jório. Atualmente é a Velha na alma brasileira, Reginaldo Prandi
A cada ano, no domingo seguinte a 23 de Guarda da Imperatriz Leopoldinense, afilhada (2005) afirma que a presença de orixás
abril, a imagem desce do seu nicho para o do Império Serrano e escola do coração do e de muitos elementos do candomblé e da
centro da quadra e é posta no alto de um fundador da Associação das Escolas de Samba, umbanda em letras de músicas, divulgadas no
carro do Corpo de Bombeiros, cedido pelo quem faz as honras da casa. rádio desde o seu surgimento, têm servido, ao
Quartel de Campinho, e escoltada por Após esta grande confraternização, lado de outros meios culturais, para divulgar
batedores motorizados do 9º Batalhão da a procissão segue para a Serrinha, onde a as religiões afro-brasileiras. A análise do
Polícia Militar, seguindo pelas ruas com imagem do padroeiro recebe as homenagens do pesquisador abrange toda a música
sirenes ligadas, foguetório e buzinas de carros povo no berço do Império Serrano, com muito popular brasileira, mas o samba tem
que a seguem. samba e muita cerveja. destaque (Nomes importantes da história do
Cerca de vinte ônibus cedidos De volta à quadra, a imagem é recebida samba estão ligados às primeiras gravações de
gentilmente por empresários do setor de com aplausos dos devotos, e a confraternização músicas que falam de terreiro, dos orixás e dos
transportes são postos à disposição dos que se segue não tem hora para terminar. espíritos caboclos, do feitiço, da macumba e do
imperianos e devotos que não dispõem de Eclética como o próprio Império Serrano, candomblé da Bahia, constantemente referido
condução própria. a festa congrega todas as religiões e mesmo nas letras), já a partir dos anos 20.
Na Igreja de São Jorge, em Quintino, os sem religião, todas as facções políticas, As escolas de samba, a partir
os imperianos e devotos são abençoados pelo todas as idades. Os inimigos mais ferrenhos das décadas de 1960/1970,
pároco. A próxima parada é na Esquina se abraçam, todos se unem para homenagear quando os temas da história
F. S., na Rua Piauí, onde ocorre grande o Padroeiro, de quem nos vem a garra e o oficial deixaram de ser o costume
confraternização com queima de fogos. Mais orgulho de ser imperianos! nos enredos, apresentaram uma
adiante, no Centro Espírita Caminheiros da série de sambas sobre as tradições
Verdade, em Todos os Santos, novas orações e Religião e samba se confundem. religiosas afro-brasileiras, como os
passes aguardam os fiéis. Festas religiosas, santos e orixás são exemplos a seguir:
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Já coloquei na pedreira (Lendas do Abaeté, Mangueira, 1973) E no palácio houve a festa do pilão
Cerveja preta para o Rei Xangô Epeu ê babá salve os Orixás
Cerveja branca também Oh, meu pai Ogum na sua fé É o verde esperança
coloquei na mata Saravá Nanã e Oxumaré Com o branco que é a paz
A noite inteira seu Ogum Xangô, Oxóssi, Oxalá e Iemanjá (A coroa do perdão na terra de Oyó,
bebericou Filha de Oxum pra nos ajudar Império da Tijuca, 1997)
(Samba, suor e cerveja, o combustível da Vem nos dar axé
ilusão, Império Serrano, 1985) Nos erês dos orixás A referência aos santos e às
(Mãe Menininha do Gantois, Mocidade tradições da Igreja Católica nos
Salve Ogum D’Ylê 1976) enredos das escolas, muitas vezes
Na imaginação de um guardião gerou polêmica, pois a igreja
É lindo ver a tua imagem Saravá os deuses da Bahia sempre foi mais resistente a essa
Encantando a multidão Nesse quilombo tem magia aproximação que a umbanda.
(No mundo da lua, Grande Rio, 1993) Xangô é nosso pai, é nosso rei Mas é inegável que na origem das
Ô Zaziê, Ô Zaziá escolas de samba encontra-se não
Oke-oke Oxóssi O Zaziê, Maiongolé, Marangolá apenas a marca da religiosidade
Faz nossa gente sambar Ô Zaziê, Ô Zaziá afro-brasileira como vimos, no
Oke-oke Natal Salgueiro é Maiongolê, Marangolá toque dos surdos/tambores, mas
Portela é canto no ar (Templo negro em tempo de consciência também a forte influência da
(Contos de areia, Portela, 1984) negra, Salgueiro 1989) religião do colonizador português,
que se manifesta, entre outros
Janaína agô, agoiá E de regresso a Ifã indícios, no próprio caráter
Janaína agô, agoiá Oxalufã olhou pra trás processional de deslocamento das
Samba curima Sentiu a fé, no amor a criação escolas, típico das festas religiosas
Com a força de Iemanjá do Rio de Janeiro colonial.
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Feijoada.
Acervo Centro
Cultural Cartola
Prepara a barriga macacada significado para a vida dos deuses, comunidade de sambistas para
Que a boia está enfezada e o sua manutenção e a renovação outra, apesar de a feijoada ser o
pagode fica bom do axé — elemento vitalizador prato mais tradicional hoje nas
das propriedades e domínios da grandes reuniões de samba.
Seja na tradição banto de natureza —, quando o sagrado Segundo Lody (1998), em Santo
Angola/Congo, como na tradição se aproxima do homem pela também come, a feijoada é dedicada a
nagô da Nigéria, cozinhar é boca. Por isso, ele fica nas mãos Ogum e a Omolu, servida para toda
considerado um ato sagrado, e os das conhecidas “tias baianas”, as a comunidade, sendo seu preparo de
alimentos são tratados de forma senhoras da tradição. A cozinha é alto significado ritual, representando
ritualística. Pela ligação de pais e o lugar onde as “tias” transformam a união do trabalho e da fé, tanto na
mães de santo com o samba, era morte em vida, usando os Bahia como no Rio de Janeiro. Nesse
natural que os rigores e as delícias temperos, a água, o azeite e o fogo. sentido, um mapa do samba no Rio
gastronômicas da vasta culinária dos Para as baianas quituteiras que de Janeiro, revelará também uma
terreiros de candomblé, caboclo e ainda se relacionam com a tradição verdadeira cartografia culinária.
umbanda ajudassem a determinar afro-brasileira, a cozinha é um Ao falar das ruas onde nasceu a
a identidade dos espaços onde o espaço de criação, de manutenção Portela, João Baptista Vargens, em
samba floresceu. da saúde da comunidade e de seu livro A velha guarda da Portela (2001),
Noites inteiras são destinadas ao celebração de seus orixás, que revela como a cozinha pontua e
preparo dos alimentos que fazem representam a energia da vida. perpetua o encontro dos sambistas
parte das festas, sendo que pessoas O preparo dos pratos pode ser do bairro de Oswaldo Cruz:
especiais em cada comunidade de acompanhado de cantigas, palmas,
samba têm a responsabilidade de toques e samba. • Rua Dutra e Melo – quintal
preparar as carnes dos animais, os Pode-se observar a diferença e do Manacéa, reunião da Velha
cereais, os legumes, as frutas. a variedade de pratos produzidos Guarda nos anos 1970, regada
O espaço da cozinha é de alto de uma escola para outra, de uma a muito miudinho e muita
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galinha com quiabo feitos por atualmente a Velha Guarda Show Nascimento, a Tia Vicentina, virou
Dona Neném, tudo devidamente se encontra em eventos especiais. um símbolo desse modo de ser que
registrado por Leon Hirzsman As grandes especialidades do é o samba carioca. Irmã de Natalino
em seu documentário Partido-alto. espaço são macarrão com galinha José do Nascimento, o Natal, bicheiro
• Rua Adelaide Badajós – local e feijoada. e patrono da Portela, ela desfilou anos
da feira das quartas, ponto de na ala das baianas e sempre ajudou
encontro da “confraria” da Biroscas, botequins, quintais, no barracão da agremiação. Dona de
Velha Guarda para a compra do clubes, qualquer lugar onde poderosos dotes culinários, Vicentina
peixe e para a famosa cervejinha sambistas se reúnam tem de ter exerceu em sua plenitude a arte de
e o tira-gosto. comida e bebida. O ZiCartola, receber, preparar e servir: a canja, o
• Rua Antônio Badajós – onde célebre casa de Dona Zica e mulato-velho, o bobó de camarão, o
moraram a pastora Doca e seu Cartola, na Rua da Carioca 53, mocotó, o macarrão com galinha e
Altair. Local que se tornou no Centro do Rio, que funcionou especialmente o feijão da Vicentina.
famoso pelas sopas de legumes e entre 1963 e 1965, reuniu sambistas Mas também era famosa por sua voz,
de ervilhas, regadas a um pagode de diferentes gerações — como e participou como pastora da gravação
de primeira e onde a Velha Zé Kéti, Nelson Cavaquinho, do histórico disco Portela passado de glória,
Guarda passou a se reunir na Nelson Sargento, Elton Medeiros, em 1970, em tributo aos baluartes da
segunda metade dos anos 70. Paulinho da Viola —, alimentando escola. A sua famosa feijoada durou
• Quintal do Argemiro – numa parcerias e abrindo o apetite até o início dos anos 80.
vila, perto do boteco e da musical da cidade. A casa inspirou
padaria. Ponto de encontro na eventos como o Opinião e o Rosa Ah, tinha aquelas tias. Tinha a Vicentina,
década de 1980 para beber e de Ouro, marcos na ampliação dos tinha a dona Iara. Elas faziam feijoada,
saborear corvina ensopada. espaços do samba no Rio. faziam arroz à minhota, macarronada às
• Rua Júlio Fragoso – local do Eternizada por Paulinho da Viola vezes. Tinha também a Alzira Moleque. O
famoso Cafofo da Surica, onde no samba de 1972, Vicentina do apelido era Moleque porque onde (sic) ela
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
chegava infernizava tudo. Onde (sic) ela semelhantes se espalharam por que chamam “samba de raiz” ou
chegava, chegava alegria. escolas como o Império Serrano, “samba tradicional” — o samba de
(Monarco) a Mangueira, a Estácio de Sá, a terreiro. Na Portela, notava-se já
Beija-Flor, o Salgueiro. Os nomes nas primeiras edições da Feijoada
Eu e Nei Lopes sempre falamos em escolhidos indicam o espírito que o prato principal não era o
comida. Nunca fumei, tomava umas cervejas e que guia essas reuniões: Feijoada samba-enredo, quase totalmente
batidas. Mas comia muita feijoada [...] Não Imperial, Caldeirão de Raiz, ausente da roda. Quem ia lá e,
existe samba de terreiro sem feijoada... Tinha Família Mangueirense. principalmente, quem cantava,
cozido também. Feijão, carne-seca, costela, queria outra iguaria. O que se viu e
(Wilson Moreira) lombo, linguiça, pé de porco, ouviu foi a Velha Guarda reocupar
rabo, orelha, couve, arroz, farofa, o terreiro, voltando ao centro das
As feijoadas nas quadras das fatias de laranja; panelas de barro, atenções e trazendo consigo sambas
escolas ocupam atualmente um lugar conchas, garfos, guardanapos de e sambistas tradicionais que tinham
especial no calendário dos sambistas papel, pratos fartos e fumegantes; perdido espaço e voz na engrenagem
cariocas. Foi em 2003 que a cerveja, caipirinha e refrigerantes. comercial que domina as escolas,
Portela decidiu reviver as feijoadas Mesinhas espalhadas por toda preferencialmente voltadas para
da Vicentina e trouxe de volta a a quadra. Ao fundo, a roda de o desfile de Carnaval. É preciso
Feijoada da Família Portelense, sambistas com a prata da casa e observar, no entanto, que essa
roda de samba no primeiro sábado os convidados especiais, bambas postura de retomada da quadra
de cada mês, que tem à frente a das coirmãs que visitam a anfitriã e o destaque dado aos sambas de
Velha Guarda de Oswaldo Cruz. naquela tarde. terreiro nas feijoadas variam de
Sucesso instantâneo, a feijoada, que Mais do que se deliciar com os escola para escola, pois cada uma
começou com 300 participantes, temperos, o feijão e as carnes, esses tentou imprimir uma marca própria
em pouco tempo já reunia mais encontros reabriram nas quadras a seu encontro e o aspecto comercial
de seis mil pessoas. Iniciativas um espaço para a celebração do evidentemente não está ausente.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
acima
Cuíca.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
abaixo à esquerda
agogô.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
abaixo à direita
repique.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
à esquerda
Pandeiro.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
à direita
atabaque.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
— daí ter sido tão comum a presença angola ou keto, de acordo com os na existência de fundamentos
de pais de santo na liderança dos orixás que neles baixavam. Como (essências, pedras, guias, imagens)
primeiros grupamentos de samba, se sabe, as vestes, alimentos, cantos religiosos implantados ou exibidos
como Zé Espinguela, na Estação de invocação, estilos de dança, em cada terreiro de samba.
Primeira de Mangueira, ou Elói guias (colares) e saudações de cada Dessa forma é que diferenciações
Antero Dias, na Prazer da Serrinha/ orixá têm identidades próprias. E, ancestrais permaneceram na
Império Serrano. da mesma forma, suas batidas de bateria das escolas ou blocos
Foi dessas primeiras batucadas, tambores, denominados toques, carnavalescos, retidas na memória
rodas e festas que saíram têm sua propriedade individual. coletiva dos grupos responsáveis
instrumentos que alegrariam Isto é, há toques de Oxum, de pelo ritmo. A partir daí é que
partidos-altos, sambas de terreiro Oxalá, de Ogum, etc. síncopas,28 a repetição de certos
e desfiles das escolas. A escolha Por extensão, os ogãs — desenhos harmônicos ou o
dos instrumentos que serão usados responsáveis pelo setor de ritmo privilégio deste ou daquele naipe
varia de acordo com a situação: nos terreiros de santo — foram de instrumentos, ou mesmo a
uma roda com poucos sambistas ou impregnando as baterias do samba ausência parcial de um deles,
um ensaio de ritmistas na quadra da sua habitual frequência, com começaram a estabelecer os estilos,
de uma escola. as características de suas casas conforme detalhou o pesquisador.
De acordo com Rego, a de santo. Dessa forma surgiram Assim, na matriarcal Estácio
identidade de cada bateria está as famílias de ritmo das diversas de Sá, o perfil da bateria está nos
relacionada à sua origem e, comunidades de sambistas e de sons produzidos pela caixa de
portanto, aos terreiros de santo. suas escolas de samba, o que guerra, com afinação de tarol.
Nesses terreiros o culto aos acabou resultando, também, no Não muito distante e quase
símbolos da “africanidade” pensamento dominante de que tão antiga quanto a Estácio, na
estabeleceu diferenciados toques cada bateria bate para determinado Acadêmicos do Salgueiro a tônica
de atabaques, votivos às nações jeje, orixá. Isso igualmente se confirma de diferenciação vai para o tarol.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Surdos.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
à esquerda
Xequerê.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
à direita
chocalho.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
abaixo
tamborins.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
Chocalhos.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
quase duas vezes maior que o tarol. Pandeiro – originário do Oriente produzem agradáveis sons
Daí produzir um som menos Médio, formado por um aro metálicos.
agudo e mais claro. Não dispõe de redondo no qual se estica o couro
corda sobre o couro e exige maior ou plástico, podendo conter guizos Agogôs – instrumento do
domínio do executante para não ou pratinelas (pequenas rodelas panteão dos deuses iorubanos,
fugir à cadência. Como o tarol, o de metal incrustadas em fendas). foi assimilado pelo samba nos
som é médio. O pandeiro é um dos símbolos do primórdios. Formado por
Carnaval. Nos pequenos conjuntos uma, duas ou mais campânulas
Tamborim – da família dos sons de ritmo, sua importância cresce. interligadas, percutidas por varetas
agudos, de pequena dimensão. Nas grandes baterias, diminui. de metal ou de madeira de lei. De
Pode ser retangular, quadrado, É das raras peças em que se pode som agudo com variantes médios.
oitavado ou redondo, sendo esta reproduzir o ritmo integral do No conjunto da bateria, os agogôs
última forma a mais aceita nos samba, desde as marcações a aparecem como elemento de
últimos anos. Percutido por uma todo universo de variações. Seu brilho, tempero.
baqueta rígida ou três flexíveis, o impacto visual é enorme, sendo
tamborim sinaliza mais alto que muito utilizado pelos passistas Chocalho – de origem marajoara,
todos os instrumentos. Daí, por malabaristas. Das peças leves é a que em madeira; ou africana, em
sua leveza, ser manipulado para o mais exige virtuosismo. metal, compõe o grupo das peças
brilho dos desenhos e sinalizações leves e agudas. É formado por
harmônicas do ritmo. Quando Pratinelas – placas de metal, um, dois ou mais recipientes
batidos chapados funcionam redondas e furadas, interligadas ocos, onde se colocam grãos,
para a bateria como o ancestral por arame ou madeira esferas ou pedregulhos. Quando
tamburão,29 que era percutido com pontiagudos. Construídas na sacudidos no ritmo, vão ocupar
a palma da mão e encorpava o som vertical ou horizontal, emitem vazios entre as peças pesadas, num
do batuque. sons agudos e, quando sacudidas, agradável contraponto.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Pratos – não é estranha ao grupo mais férteis e inventivas, tanto em “Quilombo dos Palmares”, pela
de metais das baterias a presença tamanho, comprimento ou largura, Acadêmicos do Salgueiro.
de pratos metálicos, de grande todos em tons médios e agudos.
função nas bandas marciais ou nas Cuíca – é um tambor de fricção,
orquestras sinfônicas. Calixto dos Atabaques – embora seja um feito de um cilindro de metal (mas
Anjos, no Império Serrano; Gallo, instrumento com múltiplas formas também de madeira), que tem um
na Portela e Manuel Quirino, na — vão do diminuto caxambu a dos lados coberto por couro, ao
Mocidade Independente de Padre um tipo de tambor de mina do qual está ligada uma vareta fina.
Miguel, considerados os Reis dos Maranhão, que, de tão grande, Toca-se friccionando com um
Pratos, foram responsáveis pelos exige que o tocador monte nele pano úmido a vareta, que faz o
solos com o instrumento. O e use um cordão a título de freio couro vibrar. Em algumas regiões
brilho e o tempero acrescentados no pescoço para se equilibrar —, o do país, é chamado puíta
ao conjunto são de grande beleza. atabaque, originado na África, só e roncador.
Em pequenos conjuntos, os pratos em ocasiões especiais se incorpora
de louça, raspados pela faca, eram à bateria das escolas, em geral Em uma roda de samba de
muito apreciados. quando as agremiações desfilam terreiro, a cena é mais simples,
com enredos sobre personagens sendo formada por instrumentos
Reco-reco – o que os ganzás em ou tradições afro-brasileiras. de percussão — surdo, pandeiro,
bambu ou madeira deram aos Percutido com as mãos, seu som reco-reco, etc.; e cordas —
grupos de choro, os reco-recos é abafado. Quando ferido com a cavaquinho, violões de seis ou
serrilhados em ferro ou resultantes baqueta (aquidavi, no candomblé) sete cordas. No partido-alto, o
do arame sob tensão fortaleceram soa agudo. Para o atabaque ser acompanhamento é ainda mais
de brilho o ritmo das baterias. usado em desfile, é necessário econômico: pandeiro e violão ou
As variedades de modelos que um arranjo, como se deu na cavaquinho apoiam o canto; a voz é
surgiram ao longo dos anos são das célebre apresentação do enredo o principal instrumento.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Cumprimento à bandeira
de escola de samba.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
a escolha das cores de roupas do (Jorginho do Império, levam as cores de sua escola.
dia a dia; de objetos pessoais — Império Serrano) A cena do samba no Rio não
colares, pulseiras, brincos, lenços, existe sem as bandeiras e sem o
gravatas, bolsas —; da pintura de Eu só tinha, durante muitos anos, orgulho, expresso de diversas
muros e paredes de casas. E até roupa vermelha e branca. As cores alegram formas — pelas suas cores.
do glacê que cobre bolos em festas o meu coração, me fazem bem, me fazem Isso é dito, ou melhor, cantado
de aniversários. bonito! Até sapato, cueca, lenço. Tudo em sambas, como mostram
era nas cores da escola, até minha sunga esses exemplos:
Salgueiro é minha escola, e a sua de praia. Sempre me alegrou muito ouvir
bandeira para mim é sagrada. [...] Onde eu “Olha o Salgueiro aí passando!” O meu azul veio lá do infinito
vou me arrepio ao beijar a bandeira. Vale (Dauro do Salgueiro) O meu canto é mais bonito
muito para mim. A minha Velha Guarda Salve Oswaldo Cruz e Madureira
não vai para lugar nenhum sem a bandeira, O abandono progressivo das Me chamam celeiro de bamba
que para mim é o maior símbolo da escola. cores tradicionais pelas escolas nos A majestade do samba
Quando ela começa a rodar arrepia! desfiles — sob o argumento de que Da velha guarda formosa e faceira
(Dauro do Salgueiro) o espetáculo ganha quanto mais (Tributo à vaidade, Carlinhos
colorido for, prevalecendo o visual Madureira, Café da Portela e Iran
Não é que eu goste especialmente de sobre a identidade e a história — Silva – Portela, 1991)
verde e branco, mas na nossa primeira não se repetiu no cotidiano das
reunião de diretoria do Império, recém- comunidades de sambistas. Pelo Desperta Seu China!
eleita, propus a meus companheiros de chapa menos entre os que defendem as Acorda Noel!
que durante os três anos de nosso mandato a matrizes tradicionais do samba, Pra ver a nossa escola
gente só vestisse essas cores, nenhuma outra. como as velhas guardas, e que desse branco azul do céu
Porque são as cores que identificam a escola e fazem questão de vestir sempre suas E o Zé Ferreira vem saudando
hoje nós a representamos. melhores roupas, isto é, aquelas que a multidão
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
convidados de fora do mundo do dança do mestre-sala e da porta- rainha dentro da sua escola de samba, então
samba. Cerimônia realizada até os -bandeira”, situa alguns dos ela está carregando o pavilhão da sua escola,
dias de hoje, nas quadras, é uma deveres do casal em relação à então ela tem que se sentir uma rainha. Era o
tradição antiga, como se pode bandeira, a partir de relato do que eu me sentia. Eu botava o pé na Avenida
observar no relato do folclorista mestre-sala Carlinhos Brilhante: e digo: agora é comigo, eu sou uma rainha.
Brasílio Itiberê, publicado em maio (Vilma Nascimento)
de 1949, no jornal Quilombo: O casal de mestre-sala e porta-bandeira
é o primeiro guardião, são eles que carregam o Atualmente, durante os
A Escola de samba do Morro da pavilhão da agremiação. ensaios nas quadras, para
Mangueira, formada em círculo à beira da Ao chegarem visitas ilustres na sua permitir que mestre-sala e porta-
ponte, aguardava os hóspedes ilustres da escola, o casal de mestre-sala e porta- bandeira, seguidos de baianas
planície. Um silvo agudo e sincopado varou -bandeira tem que estar presente para e passistas, possam apresentar
a noite turva. E as percussões começaram recebê-los com seu pavilhão. a bandeira, os diretores de
a bater de mansinho, como para despertar Nunca deixar seu pavilhão com qualquer harmonia abrem espaço no
sem susto o ímpeto adormecido das vozes pessoa. Procurar um guardião que poderá ser o meio da multidão, criando uma
ancestrais. [...] próprio mestre-sala ou um diretor de harmonia. grande roda bem em frente
A um último silvo, a escola abre um Ao chegar em outra agremiação estar sempre à bateria e ao palanque dos
semicírculo e se destaca do grupo um casal de cabeça erguida, postura elegante, aguardando puxadores, que se alonga até
de bailarinos, o baliza e a porta-estandarte, ser recebido e portando sua bandeira. as extremidades à direita e à
figuras centrais das escolas de samba. [...] quando eu comecei era assim: uma esquerda. Normalmente são dois
E começa então a escalada do morro. boa porta-bandeira tinha uma elegância casais que se apresentam. Começa
espetacular, um porte; a porta-bandeira o primeiro casal, que baila na
Eliane Santos de Souza rodava pros dois lados, tinha um sorriso, quadra, apresentando a bandeira
(2003), em sua dissertação de só vivia sorrindo, a porta-bandeira tinha para a bateria, para o puxador e
mestrado “Uma semiologia da que estar com aquela alegria porque ela é a para o presidente e convidados.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Baiana em desfile
carnavalesco.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
O mestre-sala desenvolve
harmonicamente passos que
simulam um cortejar e proteger a
dama e a bandeira, representando
o orgulho do grupo pela
instituição que representam. Em
seguida, apresenta-se o segundo
casal, que, depois de percorrer
toda a quadra, volta ao centro
para dançar com o primeiro
casal; é o encontro das bandeiras,
um ritual de celebração da
identidade dos sambistas.
As baianas lado esquerdo, já que, segundo
[...] a minha escola de samba é a União As baianas simbolizam os mitos, estão à esquerda de
da Ilha, a verdade é essa, a gente não pode as cabeças coroadas pelos Olorum — senhor de todos os
negar isso para ninguém, porque eu tenho cabelos brancos e representam espaços para os iorubás.
aqui dentro, é a minha escola, azul, vermelha a sabedoria das tias da antiga Com a modificação do espaço
e branca... Eu agora estou fazendo trabalhos Praça Onze e do Estácio, berço e do papel, no samba do Rio de
em outras escolas [...] Eu sou União da Ilha, do samba, onde Tia Ciata, Janeiro, as baianas rodam para a
mas na Grande Rio eu ‘tô lá, igual ao Zico Tia Bebiana e muitas outras direita e para a esquerda. A visão
no Flamengo. Ele foi pro Japão mostrar o dançavam e louvavam os orixás. que algumas expressam do seu
trabalho dele, mas ele é flamenguista. E eu De acordo com a tradição papel atual, como Dona Ivone
sou União da Ilha, mas eu ‘tô na Grande Rio. africana dos terreiros, as baianas Lara do Império Serrano ou Tia
(Mestre Odilon) rodavam, inicialmente, para o Jurema do Salgueiro, é que o
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
samba — como uma oração — exige adéquem ao tema do desfile, dos sambas que vão “pegar” na
entrega total. necessitando para isso eliminar comunidade.
As baianas do samba carioca elementos que as caracterizam, São mães e avós dos
usam, nos desfiles, indumentárias como o pano da costa. sambistas, portanto, personagens
inspiradas nas das baianas No cotidiano, as tias fundamentais na transmissão do
tradicionais: turbantes, ojás, baianas da atualidade ajudam a saber do samba, de geração para
panos da costa, saias rodadas cuidar da roda, da quadra, da geração. Parteiras, bordadeiras,
e tabuleiros. Parte dessa tradição escola. Organizam a limpeza, educadoras, líderes comunitárias,
está se perdendo, na medida fazem as comidas e preparam elas aglutinam, apaziguam e
em que as escolas e carnavalescos as celebrações. Formam o organizam o cotidiano das
optam por criar para as alas coral feminino, sendo para os comunidades do samba carioca.
das baianas fantasias que se compositores um termômetro
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
página ao lado
Velha Guarda da Portela.
acervo centro
cultural cartola.
o lúdico, expresso nas letras e identificado, o grupo se tornou parte de nossas O terreiro
melodias dos sambas de Oswaldo vidas. Não tem importância que muitos já O terreiro, nome dado às
Cruz, que têm particularidades não tenham morrido [...] e basta ouvir uma fita casas de candomblé em todo
percebidas pelos incautos, somente gravada que a emoção os traz de volta, morrer o país, local de transmissão
pelos iniciados, como é o caso de passa a ser só um detalhe. Eles compunham de conhecimentos, rituais de
Martinho da Vila, citado no livro A sem essa preocupação, já sabendo de antemão iniciação e integração, foi
velha guarda da Portela, de João Baptista que suas músicas permaneceriam. incorporado ao espaço do samba.
W. Vargens e Carlos Monte (2001): Terreiro é uma expressão que
As Velhas Guardas tradicionais remete à ideia de comunidade,
Uma das características da Portela é o e os seus grupos-show, organizados de grupo familiar extensivo.
estilo do samba: uma determinada linguagem, para apresentações, têm papel Simbolicamente, pode ser
uma determinada forma, uma determinada fundamental na preservação do entendido como o quintal dos
pulsação. Isso deu à Portela um samba que se acervo musical e da memória de sambistas, o terreno de ensaios
preocupa muito com a poesia, com o lirismo, escolas como Mangueira, Império das agremiações carnavalescas
com as frases de efeito. Serrano, Salgueiro, Portela. A e outros lugares onde se cria,
partir da iniciativa da escola de canta e dança o samba. Com
Sobre a Velha Guarda da Oswaldo Cruz, nos anos 70, elas se a adesão das classes médias, a
Portela manifesta-se, também, organizaram, em torno de sambistas modernização das agremiações
no prefácio do livro citado no dos núcleos fundadores ou da e o crescimento dos desfiles,
parágrafo anterior, a jornalista geração posterior, tornando-se um o terreiro das escolas virou
Lílian Newlands, que acompanhou espaço de resistência, gravaram discos quadra, cimentada. Mas o ideal
de perto sua trajetória: em que registram sambas de terreiro, do terreiro ligado ao grupo
partidos-altos e sambas-enredo, e se fundador das escolas permaneceu,
Hoje sei que, em algum lugar do reuniram na Associação das Velhas como canta Monarco em Samba,
passado, em algum momento que jamais será Guardas do Rio de Janeiro. velho amigo:
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Samba de quadra.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
Samba, Os atores
Velho amigo e companheiro, Desde sua origem, há mais
Alegria dos nossos terreiros de um século, o samba carioca se
Há muitos anos atrás. identifica com a camada pobre da
É este o mesmo samba verdadeiro população, sobretudo a de origem
Que partiu para o estrangeiro negra. Num primeiro momento
E penetrou nas camadas sociais. reprimido pelos poderes
Samba do Estácio e Ismael constituídos por ser identificado
De Cartola e Mestre Paulo à baderna e à malandragem,
Bide, Mano Rubem e Noel o samba era praticado pela
Estácio, Mangueira e Portela população marginalizada
Tijuca, Favela econômica e socialmente. Com o
Os professores do morro passar dos anos, e em decorrência
Nos mesmos ideais musical dos sambistas. Primeiro, da grande preocupação dos
Fizeram a grande alegria em torno das rodas de samba, próprios sambistas de “limpar”
Dos carnavais. por gerar o canto em conjunto o samba, trabalhadores se
Foi aí que o samba evoluiu e a dança coletiva, e, depois, organizaram para aprimorar
Como representante maior para além dos limites das suas performances e associar-
Da cultura do Brasil. escolas. Hoje, qualquer quintal se às classes mais favorecidas.
de subúrbio onde sambistas se Daí decorreram, por exemplo,
Nas comunidades do samba, o reúnam para celebrar revive em o acesso dos compositores
terreiro ou quadra, por permitir espírito o terreiro original. populares à indústria fonográfica
e estimular a participação e o crescente sucesso dos desfiles
comunitária, propiciou a criação e apresentações de sambistas no
e a circulação da produção Carnaval e fora dele.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Antes tratados como Klabin, mas até como passistas, tal A mídia, ao se apropriar do
curiosidade, recebendo da como a famosa Gigi da Mangueira, samba como um dos assuntos mais
imprensa adjetivos como oriunda de um dos mais caros e presentes, sobretudo no período
“bizarro”, os sambistas foram aos elitistas educandários da cidade. pré-carnavalesco e carnavalesco,
poucos conquistando o respeito Cabe notar que, a partir da acaba por desempenhar também o
e a admiração da sociedade, oficialização do desfile das escolas papel de ator na cena aqui descrita.
que aderiu ao novo gênero em de samba, ocorrida na década de Mídia, mercado e Estado são,
suas várias modalidades. Nesse 1930, também o Estado se torna sem dúvida, parte importante
momento, o espectro de atores se um importante ator: suas políticas da trajetória do samba e do
amplia, chegando às classes média — mais ou menos permissivas, mais reconhecimento de suas
e alta, que abraçaram com ardor ou menos estatizantes, ao sabor das matrizes no Rio de Janeiro.
crescente as práticas do samba. Nas vontades e conveniências — acabam Deve ser igualmente lembrada
décadas de 1940 e 50 compositores por ter repercussão sobre o que a participação, hoje bem mais
e intérpretes de samba podiam se faz, não logrando, contudo, moderada, dos banqueiros do
ser pessoas abastadas, como o modificar estruturalmente os ritos jogo do bicho. Não só pela origem
cantor Mário Reis, de uma das do samba. popular, em geral, e por serem
mais tradicionais famílias do Rio É inegável, no entanto, que o cultores sinceros do samba, mas
de Janeiro, que se notabilizou, impacto dessas políticas no mercado também pela busca da legitimidade
sobretudo, como intérprete de se faz sentir de forma clara. Embora social que os postos de mando nas
samba. Também nas escolas de ainda tímidos, alguns estudos dão escolas de samba lhes conferiam,
samba se torna comum, a partir conta do impacto do samba e das eles tiveram papel preponderante
da década de 1960, a participação escolas de samba na economia da na ascensão das escolas de samba,
de pessoas da sociedade, e não cidade, evidenciando o mercado pelos recursos financeiros que lhes
apenas como destaques, em ricas como um dos importantes atores do doavam e ainda pela capacidade
fantasias, caso da socialite Becky samba na atualidade. de liderança e organização que
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Página ao lado
Ensaio de escolas de
samba mirins.
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Cultural Cartola
O samba e o Império Serrano fizeram tempo, a cultura afro-brasileira ensinou, no partido-alto, a versar versos. [...]
parte da minha vida desde a própria hora em é marcada pelo respeito aos mais Conclusão: lá mesmo, quando saí de lá, já saí
que nasci. Aprendi a dançar exatamente como velhos, aqueles que sabem mais e, já sabendo versar, improvisar e aprendendo.
aprendi a andar, sem ninguém me ensinar. portanto, têm mais a dar. Primeiro eu fui versando os versos dos outros...
Aprendi a cantar os sambas da escola junto aprendendo. Aí depois comecei a fazer.
com as primeiras palavras. O samba era parte Aprendi a tocar pandeiro e a versar pela (Xangô da Mangueira)
do mundo, do meu mundo. experiência vivida, pelo que via na casa de
Cartola, quando num dia versaram para Vendo os outros tocando, escutando...
Nas comunidades, a transmissão mim e eu tive que responder. Numa outra Esse é bom, vamos lá.
do samba se dá pela oralidade e ocasião, numa festa do Neguinho da Beija- (Pery Aimoré)
pela vivência. O aspecto presencial -Flor, alguém mandou um verso para mim
é fundamental. Desde pequenas, e eu respondi, sendo então aceita no meio [...] fomos até a Mangueira, lá na
as crianças das comunidades como partideira. Candelária, ver o Xangô e o Chico Porrão,
acompanham seus pais, irmãos (Leci Brandão) pouca gente conhece o Chico Porrão. A gente
e vizinhos às quadras das escolas sentava na cerca e ficava olhando Xangô
de samba. Como é sabido, é O samba de Rocha Miranda era... era e Chico Porrão. Cansamos de fazer isso.
forte a marca da oralidade na uma escola pequena, e o diretor da escola Não tinha nada para fazer... foi mais um
cultura popular: a transmissão chamava-se Lilico. A gente tratava ele de aprendizado.
do conhecimento se dá longe Lilico Papai (risos). Lilico Papai. E ele era (Pery Aimoré)
dos compêndios e do ensino um sujeito muito prestativo. [...] Aí depois
formal. Por isso, a expressão o Lilico me chamou e começou a me passar a Vi o mestre Fuleiro trabalhar. Vi o
escola de samba se reveste de forte sabatina: essa aqui, samba assim, batucada... Tijolo da Portela trabalhar, vi todos eles
significado, porque é, de fato, um Ele me ensinou de tudo que tinha direito. trabalharem. Eu não vou aprender? Que há?
espaço privilegiado de transmissão De tudo que tinha direito ele me ensinou Comigo é ali...
de saberes e fazeres. Ao mesmo [...] E aí eu vi, era o partido-alto. E ele me (Pery Aimoré)
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Cenas comuns que se desfile das escolas de samba lhes é Pequenos passistas são treinados
presenciam nas quadras de escolas facultada a partir dos sete anos de e observados, para que, na hora
são meninos brincando com as idade, em alas de adultos ou em certa, assumam a responsabilidade
peças da bateria antes do início alas exclusivas para crianças, que de substituição de postos.
do ensaio, tocando a seu modo, não são obrigatórias de acordo A observação cotidiana revela
tentando imitar os mais velhos; com o regulamento do desfile, mas um processo de sucessão comum
meninas sambando ao lado de existem em todas as agremiações; nas escolas. O mestre-sala é filho,
suas avós, mães e tias, copiando um indício da importância sobrinho, primo de mestre-sala; o
seus passos. As coreografias atribuída pelos sambistas à diretor de bateria é filho, genro,
desenvolvidas demonstram uma integração infantil. cunhado de diretor de bateria,
total integração da criança no Algumas agremiações, e assim por diante. As grandes
universo do samba. Normalmente por perceberem o risco de famílias de sambistas vão passando
são levadas para as quadras, enfraquecimento de suas tradições, para seus descendentes o legado
mesmo à noite, já que as famílias mantêm espaços específicos para do samba e das escolas; o culto
não têm com quem deixá-las. as crianças: baterias mirins são à ancestralidade se mantém com
Elas participam das atividades, criadas para fruição e também pujança. Copiar o gesto dos pais é a
decorando com grande facilidade para garantir às crianças um norma para as crianças.
as letras e as melodias dos sambas. horário de uso exclusivo das É importante observar que
Nas rodas de samba, nas festas peças; “escolinhas” de mestre-sala não apenas a dança, o canto e
ou nos ensaios, nas quadras das e porta-bandeira se destinam a o ritmo são transmitidos de pai
escolas ou nos quintais das casas descobrir, dentre os numerosos para filho. Também a riqueza de
dos sambistas, divertem-se ao interessados, os mais bem- ritos que compõem o cotidiano
mesmo tempo em que assimilam a dotados, a quem será dada a do samba vai sendo interiorizada
cultura do samba. oportunidade de ocupar seu pelas crianças em contato com
A participação das crianças no espaço em tão importante função. os mais velhos. A noção de
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Integrante de escola
de samba mirim.
Acervo Centro
Cultural Cartola
Detentores e Produtores da
da Tradição
Tradição do do Samba
Samba
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
página ao lado
Carnaval de rua.
Acervo Arquivo Nacional.
Depositários
reconhecidos da
tradição
• Aluízio Machado (Alcides Aluízio Janeiro, em 13/10/1935). • Dona Ivone Lara (Ivone Lara da
Machado, compositor e cantor, • David Correa (David Antônio Costa, cantora e compositora,
Império Serrano, nascido em Corrêa, compositor, Portela, Império Serrano, nascida no Rio
Campos, RJ, em 13/4/1939). nascido no Rio de Janeiro, em de Janeiro, em 13/4/1921).
• Aurinho da Ilha (Áureo 5/6/1937). • Ed Miranda (Ed Miranda Rosa,
Campagnag de Sousa, compositor • David do Pandeiro (David de presidente da Associação das
e cantor, União da Ilha, Araújo, compositor, cantor e Galerias das Velhas Guardas das
nascido no Rio de Janeiro, em ritmista, Portela, nascido no Rio Escolas de Samba do Estado do
12/3/1931). de Janeiro, em 28/12/1936). Rio, Mangueira, nascido no Rio
• Baianinho (Eládio Gomes dos • Délcio Carvalho (Délcio de Janeiro, em 12/12/1916).
Santos, compositor, cantor e Carvalho, compositor e cantor, • Edeor de Paula (Edeor José de
ritmista, Em Cima da Hora, Império Serrano, nascido em Paula, compositor, Em Cima da
nascido em Salvador, BA, em Campos, RJ, em 9/3/1939). Hora, nascido no Rio de Janeiro,
3/9/1936). • Delegado (Hésio Laurindo da em 16/12/1932).
• Careca (Arandi Cardoso dos Silva, mestre-sala, Mangueira, • Elton Medeiros (Elton Antônio
Santos, passista, Império nascido no Rio de Janeiro, em Medeiros, cantor e compositor,
Serrano, nascido no Rio de 29/12/1921). Unidos de Lucas, nascido no Rio
Janeiro em 5/8/1944). • Djalma Sabiá (Djalma de Oliveira de Janeiro, em 22/7/1930).
• Casquinha (Otto Enrique Costa, compositor e pesquisador, • Eunice (Eunice Fernandes da
Trepte, compositor e cantor, Salgueiro, nascido no Rio de Silva, pastora, Portela, nascida
Portela, nascido no Rio de Janeiro, em 13/5/1925). em 16/5/1920).
Janeiro, em 1º/12/1922). • Dodô (Maria das Dores • Hélio Turco (Hélio Rodrigues
• Dauro do Salgueiro (Dauro Rodrigues, porta-bandeira, Neves, compositor, Mangueira,
Ribeiro, compositor e cantor, Portela, nascida em Barra Mansa, nascido no Rio de Janeiro, em
Salgueiro, nascido no Rio de RJ, em 3/1/1920). 15/11/1935).
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Referências
na história do
samba no Rio de
Janeiro
• Ademir Gargalhada
• Alberto Lonato
• Alcides Gregório
• Alvaiade
• Anescar
• Aniceto do Império
• Antenor Gargalhada
• Antônio Caetano
• Antônio Rufino
• Argemiro
• Armando Marçal
• Aroldo Melodia
• Ataulfo Alves
• Babaú
• Baiaco
• Beto Sem Braço
• Bicho Novo
• Bide
• Brancura
• Buci Moreira
• Calça Larga
• Calixto
• Candeia
• Carlos Cachaça
• Cartola
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
lugares
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Ritmistas.
Acervo Arquivo Nacional.
A geografia do samba no não vai cantar outra vez! Tá parado!” Aí alternativo do Terreirão do Samba,
Rio de Janeiro se transforma, acabou. Então nego ficou de mal comigo... situado ao lado da passarela, que se
em todo momento, com ganhos (Xangô da Mangueira) institui o ponto de encontro dos
de um lado e perdas de outro. sambistas, com preços acessíveis
Nas perdas, a tensão, muitas Do outro lado, a e opções de alimentação mais
vezes, está presente. E “perda” modernização das escolas ergueu amigáveis do que as cadeias de
não significa necessariamente na cidade novos espaços, não fast food que abastecem a Passarela
o fechamento físico de espaços focados necessariamente nas do Samba. Com as barraquinhas
tradicionais, mas o aumento matrizes, mas no espetáculo. exploradas por populares que
da concorrência com a entrada Não é o espaço físico em si que participam de concorrência
na cena de outros gêneros de define esses atributos, mas os seus pública, já se formou uma cadeia
música, como o funk: usos. No caso do Sambódromo, de referências pessoais e de
inaugurado em 1984 e onde agremiações, mapeando os espaços
Resultado: ele chegou, parou o samba acontecem os desfiles dos grupos e facilitando a participação dos
e pediu para cantar essa música. Agora até principais, o preço dos ingressos sambistas numa festa que lhes é hoje
proibiram as escolas que cantassem essas afastou a população de baixa hostil em muitos aspectos.
músicas que eles têm. E na Mangueira ele renda das arquibancadas, mas a Em 2005, foi entregue às
chegou e aí eu: “Pára!”, e ele “Ah, mas decisão recente de se realizarem escolas a Cidade do Samba,
Xangô!”, “Pára! Eu já mandei parar. ensaios técnicos gratuitos, nos construída na Zona Portuária,
Não leva a mal mas eu sou o diretor e fins de semana de dezembro até com modernos galpões onde são
enquanto eu estiver aqui não canta porque fevereiro, revitalizou a Avenida. confeccionadas fantasias e alegorias
isso aí não é samba, isso aí é...” Tem um Durante o Carnaval, o povo, para os desfiles. Desde então,
nome... esqueci o nome. “Isso aí não é afastado do Sambódromo pelos paralelamente a apresentações de
samba e isso aqui se chama escola de samba altos preços ali cobrados, não samba destinadas a turistas, com
Estação Primeira de Mangueira. Então se afasta do samba. É no espaço preços elevados que impedem a
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Enfeites carnavalescos.
foto: Márcio Vianna.
Acervo Iphan.
Grêmio
recreativo
escola de samba
Estação Primeira
de Mangueira
Após a Proclamação da Mangueira, espólio do português Entre os anos de 1910 e 1913, quando
República, com a saída da família Francisco de Paula Negreiros Saião o samba não tinha nenhum valor e nem se
imperial do Brasil, a Quinta da Lobato, o visconde de Niterói, que pensava em escolas de samba, a Mangueira
Boa Vista, jardim do imperador, recebera as terras de presente do já despontava como pioneira dos carnavais
tornou-se um matagal abandonado, imperador. O primeiro morador do cariocas. Naquela época, já existiam aqui
sendo aos poucos invadida pela morro foi o cabo ferrador Cândido dois fortes e aguerridos cordões: Guerreiros
população errante, que lá ia Tomás da Silva, o Mestre Candinho. da Montanha e Trunfos da Mangueira.
construindo suas casas. Por Em 1916, chegaram outras O primeiro tinha sua sede na casa da Tia
abrigar, na mesma área, o quartel famílias de ex-escravos, Chiquinha Portuguesa e o segundo na
do 9º Regimento de Cavalaria, ali transferidas do Morro de Santo casa do Leopoldo da Santinha, ambas no
moravam também diversas famílias Antônio, que havia sofrido um Buraco Quente. Os cordões eram mais
de soldados. incêndio. Lá já encontraram antigos e maiores que os ranchos, tanto em
Em 1908, o prefeito da cidade barracos para alugar, construídos pessoas como em instrumental. Tinham uma
do Rio de Janeiro, Serzedelo por outro português, Tomás comissão de frente de índios. Os componentes
Correia, resolveu demolir os Martins, arrendatário das terras do carregavam bichos vivos: cobras, lagartos,
barracos e expulsar os invasores. Os visconde. Quem ia mensalmente bichos de pena. A coreografia era indígena.
soldados expulsos, juntamente com aos barracos cobrar os aluguéis O estandarte era um pau bem grosso, de uns
os demais moradores, solicitaram era o afilhado de Tomás, um dois metros de alto, que só podia ser carregado
ao comandante do Regimento rapazinho de 14 anos, que nascera por homens bem fortes. Eu saía fantasiado
autorização para levar o material ali mesmo, no dia 3 de agosto de caboclo Caramuru, de saiote branco de
das demolições e, com ele, levantar de 1902. Esse adolescente, que morim, com uma cruz encarnada no peito,
novas moradas em outro lugar. já exercia tal tarefa desde os oito outra nas costas e um capacete de três penas.
O pedido foi atendido, e o local anos de idade, era Carlos Moreira Levava nas mãos um arco, um escudo e um
escolhido pelos “retirantes” foi de Castro, que ficaria conhecido machadinho. Pouco antes da primeira guerra,
o lado quase vazio do Morro da como Carlos Cachaça. de 1914, apareceram os ranchos. Aqui
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
tivemos três: o Pingo do Amor, o Príncipe das Escola de Samba Estação Primeira Cartola foi também o primeiro
Matas, do seu Zé das Pastorinhas, e o Pérolas de Mangueira, reunindo, em torno mestre de harmonia, o ensaiador
do Egito, da Tia Fé.31 de si, todos os demais blocos da do coro de pastoras, e dividia com
comunidade. Assim, em 28 de abril Carlos Cachaça o título de melhor
Para uma comunidade pobre de 1928, na Travessa Saião Lobato, compositor da comunidade.
como aquela, era praticamente número 21, Euclides Roberto dos Saturnino, pai da Dona Neuma,
impossível manter um rancho Santos (morador desse endereço), foi o primeiro presidente. Massu,
durante muito tempo, dado o luxo Pedro Caim, Abelardo Bolinha, o primeiro mestre-sala. Zé
das fantasias e o alto custo dos Saturnino Gonçalves (Satur, o pai Espinguela, o primeiro realizador
instrumentos de sopro e de corda. de Neuma — mais tarde conhecida de um concurso entre escolas
Por isso, começaram a aparecer como a Dona Neuma, uma das de samba, no dia 20 de janeiro
os blocos, as células de onde figuras mais importantes em toda de 1929, dia de São Sebastião,
surgiriam as escolas de samba. A história da escola), José Gomes da padroeiro da cidade.
Mangueira tinha o Bloco da Tia Costa (Zé Espinguela), Marcelino A escola uniu e une moradores
Fé, o Bloco da Tia Tomásia, o José Claudino (Massu) e Angenor das diversas localidades do Morro
Bloco do Mestre Candinho. de Oliveira (Cartola) fundaram a da Mangueira: Chalé, Tengo-
Em 1925, Carlos Cachaça, Estação Primeira. As cores verde e -Tengo, Santo Antônio, Faria,
Cartola, Saturnino, Arturzinho, Zé rosa — inspiradas no rancho de sua Pedra, Joaquina, Pindura Saia,
Espinguela, Massu, Antônio, Chico infância, o Arrepiados, do bairro Red Indian, Telégrafo, Candelária,
Porrão, Homem Bom e Fiúca de Laranjeiras — e o nome da escola Buraco Quente e outros. De lá,
fundaram o Bloco dos Arengueiros, foram escolhidos por Cartola: veio uma grande linhagem de
que, como o próprio nome sugere, poetas do samba no Rio de Janeiro
reunia a rapaziada que era boa de Eu resolvi chamar de Estação Primeira, além de Cartola e Carlos Cachaça,
samba e de briga. Esse bloco, três porque era a primeira estação de trem, a partir Nelson Cavaquinho, Geraldo
anos depois, se transformou na da Central do Brasil, onde havia samba.32 Pereira, Padeirinho, Pelado, Preto
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Grêmio
Recreativo
Escola de Samba
Portela
O Grêmio Recreativo Escola famílias de baixa renda, a maioria de conhecido no mundo do samba
de Samba Portela é uma das mais origem negra, que tinham deixado como Paulo da Portela, é a figura
antigas e tradicionais agremiações o centro da cidade ou o interior do central inspiradora das numerosas
da cidade do Rio de Janeiro e Estado do Rio e de estados vizinhos conquistas da Portela. Nascido em
a que conquistou mais vitórias em busca de lugar para morar. 1901 e criado na Zona Portuária
no Carnaval, contando 21 A Portela, cujas cores são o do Rio de Janeiro, mudou-se
campeonatos. Foi fundada em 11 azul e branco, tem como seus com sua mãe e os irmãos para
de abril de 1923, no subúrbio de santos protetores Nossa Senhora Oswaldo Cruz por volta de 1920.
Oswaldo Cruz, inicialmente com da Conceição e São Jorge, Distinguiu-se, desde cedo, pelo
o nome de Bloco Carnavalesco respectivamente Oxum e Ogum. exercício sereno da liderança
Vai Como Pode, depois Conjunto Como símbolo da escola, surgiu sobre seus companheiros e pela
Oswaldo Cruz e finalmente Portela. a figura da águia, o pássaro preocupação constante em buscar
Nos primeiros anos de existência soberano que voa mais alto do que o reconhecimento do samba, pela
da Portela, a região de Oswaldo todos os demais. sociedade, como um divertimento
Cruz ainda guardava recente Sua fundação se deve a um sadio de cidadãos humildes, nem
memória do tempo em que nela punhado de jovens entusiastas por isso, menos dignos.
existia o Engenho Portela, de do Carnaval e do samba, sob a O exercício dessa missão não
propriedade dos descendentes do liderança dos cariocas, Paulo ofuscou as qualidades do exímio
português Miguel Gonçalves Portela Benjamim de Oliveira e Antônio sambista e inspirado compositor
e que veio a dar nome à estrada e à Caetano e do mineiro Antônio de sambas antológicos como Cidade
própria agremiação. Subúrbio da Rufino dos Reis, natural de São mulher, Orgulho e hipocrisia, Cocorocó,
Central, o bairro cresceu em torno José das Três Ilhas, localidade Quitandeiro, Linda borboleta, e tantos
da estação de trem, que a partir do próxima a Juiz de Fora. outros. Falecido em 1949, é venerado
fim do século XIX e no início do O primeiro deles, Paulo pelos portelenses, que até hoje o
século XX trouxe para aquela “roça” Benjamim de Oliveira, que ficou chamam de “nosso professor”.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Falar da Portela é falar também primeira a apresentar alegorias para Histórico” Lopes, Manacéa,
de Natalino José do Nascimento, melhor demonstrar visualmente o Mijinha, Aniceto, Alvaiade,
o Natal da Portela, liderança enredo; a usar a corda para limitar Chatim, Armando Santos,
carismática que dedicou toda a sua a área de exibição dos sambistas; a Chico Santana, Alberto Lonato,
energia para conduzir a escola a levar uma comissão de frente; a dar Argemiro. E mais tarde, a partir da
partir do final da década de 1940 e destaque aos passistas e a utilizar década de 1960, Candeia, Valdir 59,
até a sua morte, em 1976. Foi nesse novos materiais em seus carros e Jorge Bubu, Valter Rosa, Picolino,
período que a agremiação alcançou tripés, como espelhos, por exemplo. Zé Keti, Jair do Cavaquinho, Carlos
as suas maiores glórias, inclusive Sua bateria introduziu o uso de Elias e tantos outros.
o famoso heptacampeonato, de instrumentos como a caixa surda e A memória musical desses
1941 a 1948. E foi também, sob o reco-reco, no tempo de mestre pioneiros inspirou Paulinho da
a direção de Natal que a Portela Betinho, e os atabaques e agogôs, por Viola a registrar — num movimento
expandiu-se a partir da sua antiga iniciativa de mestre Oscar Bigode. pioneiro — as obras e vozes desses
sede, a Portelinha, e passou a Ao longo de sua história, “bambas” em um disco magistral,
realizar seus ensaios nos clubes a Portela sempre se distinguiu gravado em 1970, sob o título de
Imperial e Mourisco, em Madureira pela extrema qualidade de sua Portela passado de glória.
e Botafogo, respectivamente. Lá música, recheada de citações à A iniciativa de Paulinho resultou
permaneceram até a inauguração natureza, delicada no trato da na formação do Grupo Musical
da atual sede, em 1972, conhecida figura feminina, marcada pelo rico Velha Guarda da Portela, que há
como Portelão, situada na Rua Clara fraseado musical e pela harmonia 36 anos ininterruptos se apresenta,
Nunes 81, limite entre os subúrbios rebuscada. Entre os grandes privilegiando as criações musicais
de Oswaldo Cruz e Madureira. compositores portelenses estão, de seus antecessores. Ao longo
A Portela é reconhecida por além dos três fundadores Paulo, desse período a formação do grupo
muitas inovações que introduziu Caetano e Rufino, as figuras só foi alterada pelo falecimento
nos desfiles carnavalescos. Foi a de Ventura, Alcides “Malandro de componentes, sob liderança
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Desfile da Portela na
Marquês de Sapucaí (2008).
foto: wigder frota,
Acervo da Liga
Independente das Escolas
de Samba - liesa.
Dias, líder comunitário de grande a primeira escola a trazer todos chegou a disputar o segundo
importância para a consolidação os seus componentes fantasiados grupo, em 1979 —, a escola foi
da cultura afro-brasileira em e também a ter o casal de mestre- à Avenida com o antológico
nossa cidade. Como seu genro, -sala e porta-bandeira no meio samba-enredo Bum bum paticumbum
João de Oliveira, conhecido da escola, e não à frente, como prugurundum, de Beto Sem Braço e
como João Gradim, irmão de era costume. Inovações que se Aluísio Machado, que contava a
Molequinho e Dona Eulália, foi tornaram regra de todas as outras história dos antigos carnavais e é
o primeiro presidente da nova escolas até hoje. um dos mais populares de todos
agremiação. Mano Elói, como Depois da boa estreia, a escola os tempos. Nos anos 90, a escola
era chamado, não poupou manteve a dianteira, conquistando amargou alguns rebaixamentos,
esforços para que o Império os campeonatos de 1949, 50 e 51. oscilando entre o Grupo de Acesso
Serrano se impusesse, desde o Nas décadas de 1950 e 60, a escola e o Especial. Em 2000, a escola
primeiro momento, como algo se notabilizou por compositores venceu no Grupo de Acesso,
novo e diferente. de samba-enredo que renovaram com o enredo “Os canhões de
Os primeiros dirigentes da o gênero, em especial, Silas de Guararapes”, uma homenagem
escola eram trabalhadores do Oliveira, autor de nada menos que ao Estado de Pernambuco. O
cais do porto do Rio de Janeiro 14 sambas cantados na Avenida. Império ganhou nota dez em
e traziam a experiência da Outros autores de destaque foram todos os quesitos e voltou para o
militância sindical. A capacidade Mano Décio da Viola e Dona Grupo Especial.
de organização fez a diferença Ivone Lara, primeira mulher a se O Império Serrano nasceu sob
na gestão da escola. Como na destacar no ramo. o signo da liberdade de expressão,
época ainda não havia segundo Um dos maiores sucessos da de opinião. E esta luta continua.
nem terceiro grupo, o Império história da escola ocorreu em Nunca teve um patrono, e sua
Serrano começou concorrendo 1982. Depois de terminar a década diretoria é escolhida em eleições
com as melhores e ganhando. Foi de 1970 em baixa — quando livres. Muitos de seus problemas
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
grêmio
recreativo
escola DE SAMBA
Acadêmicos
do Salgueiro
advêm exatamente dessa estrutura O Morro do Salgueiro foi Dominó, o Grêmio Recreativo
— a democracia tem seu preço. ocupado no início do século XX Sport Club Azul e Branco e o
Em seus 59 anos de existência, por ex-escravos e migrantes, gente Cabaré do Calça Larga —; e da
foi campeã do Carnaval por nove pobre do interior e de outros religiosidade — no Cruzeiro, no
vezes, sendo quatro consecutivas. Estados. O nome Salgueiro veio terreiro de Seu Oscar Monteiro,
É a terceira colocada em número do português Domingos Alves na Tenda Espírita Divino Espírito
de campeonatos conquistados, Salgueiro, comerciante, dono Santo, de Paulino de Oliveira e na
perdendo apenas para Mangueira de uma fábrica de conservas e de casa das benzedeiras.
e Portela, ambas com mais anos barracos no morro. Ao mesmo São padroeiros do morro:
de trajetória. Já recebeu dez vice- tempo em que iam erguendo suas São Sebastião, reverenciado em
-campeonatos e nove terceiras moradias humildes, os primeiros 20 de janeiro; e o orixá Xangô
colocações, o que a caracteriza salgueirenses davam nomes às (correspondente, no sincretismo
como uma das grandes escolas localidades do morro: Sossego, religioso, a São Jerônimo,
de samba do Rio de Janeiro. Seu Campo, Pedacinho do Céu, comemorado pela igreja católica no
reduto é o Morro da Serrinha, Canto do Vovô, Caminho Largo, dia 30 de setembro, mesma data em
no limite entre os bairros de Trapicheiro, Portugal Pequeno, que Xangô é celebrado nos cultos
Madureira e Vaz Lobo. Ali, além Sempre Tem, Anjo da Guarda, afro-brasileiros). A fé no santo e
do samba, se cultua o jongo e se Terreirão, Grota, Rua Cinco, no orixá explica a predileção dos
preserva de maneira exemplar a Carvalho da Cruz. moradores do Salgueiro pelas cores
tradição cultural de matriz afro- A vida começou a se organizar vermelho e branco.
-brasileira do Rio de Janeiro. Por em torno das tendinhas e vendas — O morro abrigou blocos como o
suas características de preservação de Ana Bororó, Neca da Baiana, Flor dos Camiseiros, o Capricho do
e culto à tradição, o Império Casemiro Calça Larga, Anacleto Salgueiro, o Príncipe da Floresta, o
Serrano é conhecido como o Português —; dos grêmios — o Unidos da Grota. Em um concurso
Quilombo do Samba. Grêmio Recreativo Cultivista organizado no morro, na década de
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
1930, por Dona Alice da Tendinha, e Império Serrano. Foi em 1953 A nova escola, a Acadêmicos
daqueles blocos surgiram as escolas que Geraldo Babão propôs a união do Salgueiro, foi fundada em 5
de samba Unidos do Salgueiro (azul de forças: de março de 1953, por sambistas
e rosa), Azul e Branco e Depois Eu da Depois Eu Digo e da Azul
Digo (branco e verde). Vamos balançar a roseira, e Branco, que escolheram o
A Azul e Branco tinha Antenor Dar um susto na Portela, vermelho e o branco como cores
Gargalhada, Eduardo Teixeira, no Império, na Mangueira. da bandeira. Poucos anos depois,
Paolino Santoro, o Italianinho do a Unidos do Salgueiro acabou, e a
Salgueiro. Na Unidos do Salgueiro, Se houver opinião, Acadêmicos do Salgueiro recebeu
fusão dos blocos Capricho do o Salgueiro apresenta os seus componentes.
Salgueiro e Terreiro Grande, estava uma só união, Com enredos inspirados em
Joaquim Casemiro, o Calça Larga, personagens e na cultura afro-
uma das lideranças do morro. Vamos apresentar -brasileira, em vez dos temas
A Depois Eu Digo reunia Pedro um ritmo de bateria históricos tradicionais, resultado
Ceciliano, o Peru, Paulino de Pro povo nos classificar principalmente do trabalho do
Oliveira e Mané Macaco. em bacharel, cenógrafo e carnavalesco Fernando
Apesar do brilho dos Bacharel em harmonia. Pamplona, o Salgueiro marcou
compositores locais - Geraldo uma mudança nos desfiles.
Babão, Noel Rosa de Oliveira, Na roda de gente bamba, “Quilombo dos Palmares” (1960),
Guará, Duduca, Abelardo, Bala, Frequentadores do samba “Chica da Silva” (1963), “Chico-
Anescar, Antenor Gargalhada, Vão conhecer o Salgueiro Rei” (1964) e “Bahia de todos
Djalma Sabiá -, as agremiações Como primeiro em melodia. os deuses” (1969) são alguns
do morro não se saíam bem dos temas do Salgueiro nesse
nos desfiles de Carnaval, então A cidade exclamará em voz alta: período. “Chica da Silva” levou
dominados por Mangueira, Portela - Chegou, chegou a Academia! a sambista Isabel Valença a ser
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
20, por Acelino dos Santos (Bicho defender a fusão das agremiações
Novo), Miquimba, Chiquinho, em uma só: a Unidos de São
Grêmio Geleia, Rubem, Xangô e Carlos. Entre os seus fundadores
recreativo Gaudêncio, levava as cores verde estão Miro, Caldez, Cândido
e rosa e tinha como símbolo um Canário, José Botelho, Manuel
escola de samba ramo e uma baiana. A Recreio Bagulho, Maurício Gomes da Silva,
Unidos de de São Carlos — inicialmente Sidney Conceição, Walter Herrice,
chamada Vê Se Pode — nasceu em Zacharias do Estácio, entre outros.
São Carlos/ 1929, na localidade denominada Foram adotadas as cores azul e
Estácio de Sá Atrás do Zinco, e suas cores eram branco e, como símbolo, duas
o verde e o branco. A Paraíso das mãos entrelaçadas.
Morenas, bem mais recente, foi Dez anos depois, em 1965,
fundada em 1947, com as cores as cores foram mudadas para o
O Grêmio Recreativo Escola azul e rosa, no Larguinho. vermelho e branco por serem as
de Samba Estácio de Sá foi criado Naquela época, com pequena do América Futebol Clube (time
em 27 de fevereiro de 1955, com subvenção e sem apoio financeiro de futebol adorado por moradores
o nome de Unidos de São Carlos. externo, a única fonte de do morro) e da Deixa Falar,
A agremiação surgiu da fusão sobrevivência era o Livro de Ouro considerada pelos sambistas a
de três escolas do Morro da São — prática comum entre as escolas primeira escola de samba.
Carlos: a Cada Ano Sai Melhor, para arrecadar recursos com os Assim, o berço das escolas de
a Paraíso das Morenas e a Recreio comerciantes. As dificuldades samba foi o Estácio, na época de
de São Carlos. deixaram as escolas do Morro de Ismael Silva, Bide, Marçal, Mano
A Cada Ano Sai Melhor, São Carlos fora dos desfiles de Rubens, Nilton Bastos. O grande
fundada na Rua da Capela, no 1953 e 1954, o que levou sambistas valor do bairro do Estácio para o
Beco da Padeira, em fins dos anos do bairro do Estácio de Sá a samba carioca foi imortalizado pelos
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
próprios sambistas, como mostra O Sair do Estácio é que é qualidade de seus sambas-enredos.
“x” do problema, de Noel Rosa: O “x” do problema Em 1975, com Festa do Círio de
Nazaré, foi responsável por grande
Nasci no Estácio, Você tem vontade polêmica. Argumentando que seria
fui educada na roda de bamba que eu abandone difícil conciliar festa religiosa e
Fui diplomada O Largo do Estácio Carnaval, o pároco da Basílica e
na escola de samba Pra ser a rainha o organizador da festa de Nazaré
Sou independente, de um grande palácio enviaram carta ao governador do
conforme se vê E dar um banquete Estado do Rio de Janeiro pedindo
Nasci no Estácio, uma vez por semana o veto do enredo. O desfile
o samba é a corda Nasci no Estácio aconteceu, e o samba se tornou um
Eu sou a caçamba Não posso mudar clássico, de tal modo que voltou a
E não acredito minha massa de sangue ser cantado em desfile, em 2004,
que haja muamba Você pode crer, pela Unidos de Viradouro.
Que possa fazer palmeira do Mangue Em 1980, a São Carlos declarou
eu gostar de você Não vive na areia de Copacabana em desfile a sua filiação, com o
enredo “Deixa falar”. Mas não
Eu sou diretora A São Carlos pode ser foi bem-sucedida e caiu para o
da escola do Estácio de Sá considerada, desse modo, herdeira segundo grupo.
E felicidade maior natural dos “bambas” da Estácio
neste mundo não há e da Deixa Falar. Depois de um Deixa Falar
Já fui convidada início de muitas dificuldades, a (Elinto Pires e Sidney da Conceição)
para ser estrela escola passou a apresentar bons
Do nosso cinema desfiles no Carnaval, na década Vai levantar poeira
Ser estrela é bem fácil de 1970, principalmente devido à Oi! Deixa o couro comer
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
É o samba, iaiá
É o samba, ioiô
Mostrando pro mundo inteiro
O seu berço verdadeiro
Onde nasceu e se criou
É samba de roda
Batucada e candomblé
Tem capoeira e gafieira dando olé
Foi Ismael
O criador da primeira escola
Ao som do surdo e da viola
Fez o nosso povo cantar
Poesia e fantasia
Num carrossel de ilusão
Viemos mostrar agora
O velho Estado de outrora
Revivendo a tradição
Relembrando aquele tempo mas em 1992, com o enredo -se da poltrona onde passa a maior parte do
Que não pode mais voltar “Pauliceia desvairada — 70 anos tempo e gritou para quem estava na sala:
de modernismo”, a escola festejou - Não disse? Eu sabia!
Ao tentar escapar da imagem de a Semana de Arte Moderna de
escola “ioiô” (aquela que num ano 1922, levantou a arquibancada e Sentou-se novamente, comprimiu as
“sobe” para o grupo das escolas conquistou o primeiro e único mãos junto ao peito e deixou todo mundo
mais fortes, concorre, perde e título de campeã. A grandiosidade assustado, pensando que ela estivesse passando
“cai” novamente para o grupo dessa conquista pode ser percebida mal. Tia Atanásia só estava rezando,
das escolas mais fracas), em 25 de em reportagem do jornal O Dia, de agradecendo a Deus a notícia que esperava há
março de 1983 os dirigentes da 8 de março de 1992: quase um século.
escola decidiram mudar seu nome
para Estácio de Sá. A justificativa Aos 92 anos, Atanásia de Oliveira só Bicho Novo, um dos mais
foi dada pelo então presidente desce do alto do Morro de São Carlos quando tradicionais mestres-salas do
da escola, Antônio Gentil: “São é levada ao médico. As pernas estão fracas Carnaval do Rio, também deixou
Carlos é hoje uma empresa que e a última vez que pôs os pés na quadra da suas impressões sobre aquela
não vende bem, sendo necessário escola foi há mais de 15 anos. Os olhos já vitória, em depoimento ao Museu
vestir nova embalagem, colocar um não enxergam direito o vermelho e branco da da Imagem e do Som (MIS), em 4
novo rótulo para vender de novo. bandeira. O coração, entretanto, bate forte. de abril do mesmo ano.
Além disso, Estácio é status”. A E nunca bateu com tanta intensidade como
decisão foi cercada de polêmica e na tarde de Quarta-feira de Cinzas, quando Eu me resguardei, cheguei em casa no
rejeitada por alguns dos sambistas ouviu o locutor da Riotur anunciar na tevê: dia e tomei um calmantezinho, estava com o
mais antigos, sendo até contestada - A campeã é a Estácio! meu coração sossegado. Fiquei quieto no meu
na justiça, mas prevaleceu. canto e estou escutando: 10, 10, e aquilo
Os efeitos da mudança não Os olhos miúdos de Tia Atanásia estava me moendo. Quando a Mangueira
se fizeram sentir de imediato, brilharam. Ela cerrou os punhos, levantou- foi embora, acreditei que a minha escola ia
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Grêmio
recreativo
escola de samba
Unidos de
Vila Isabel
ser campeã. Antes disso, lá na Avenida, a Fundada em 4 de abril de 1946, da Lei do Ventre Livre; a data da
Manchete me perguntou e eu disse: se não a Unidos de Vila Isabel é a escola de assinatura deu nome ao Boulevard
houver sabotagem, a minha escola é campeã. samba do bairro de Vila Isabel e do Vinte e Oito de Setembro.
Quando entrei e vi a plateia, meus olhos complexo do Morro dos Macacos. A ideia de se criar uma escola
encheram d’água e eu chorei escondido, para Bairro planejado, com sua de samba no bairro foi de Antônio
os meus companheiros não verem. Tirei o avenida larga, vilas operárias Fernandes da Silveira, o Seu China.
chapéu para ver a plateia e meu presidente e fábricas, a vila boêmia e Oriundo do Morro do Salgueiro,
de ala não gostou, mas eu tinha que ver. carnavalesca foi um centro na Tijuca, onde nasceu e cresceu,
E chorei. Na hora da apuração eu não irradiador de tendências musicais, Seu China se mudara para a Vila
aguentei e fui embora. Quando cheguei aqui ponto de encontro da classe média no começo da década de 1940. A
já estava cheio de gente. que procurava os sambistas dos inspiração para a fundação da escola
morros para beber diretamente veio no Carnaval de 1946, quando
A Estácio de Sá, que nos na fonte de onde jorrou o samba Seu China ouviu uma batucada e
últimos anos caiu para o Grupo urbano e carioca. Nos anos 40, foi ver o que era. Desfilava na rua
de Acesso A e depois para o B, já era a Vila de Noel Rosa, que um dos muitos blocos do bairro, o
desde 2005 reedita enredos e morrera na década anterior, mas Acadêmicos da Vila, que primava
leva à Avenida sambas bastante ainda não era a da Unidos de pela organização, com todos os
conhecidos do público, como Arte Vila Isabel. componentes fantasiados. A Vila
negra na legendária Bahia (de 1976, Antiga sede da Fazenda dos não podia ficar sem uma escola. De
recordado em 2005) e Quem é Macacos, a região foi urbanizada, espírito folião, Seu China propôs
você? (de 1983, levado ao público em um projeto arrojado e a criação de uma agremiação para
novamente em 2006). Em 2007, afrancesado, pelo Barão de desfilar na Praça Onze.
a escola retornou ao Grupo Drumond. O nome dado ao bairro Ela reuniu componentes de
Especial com “Tititi do Sapoti”, foi uma homenagem à princesa blocos como o Acadêmicos de Vila
samba de 1987. Isabel, por causa da assinatura Isabel, o Vermelho e Branco,33
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
o Dona Maria Tataia. Assinaram No Carnaval de 1947, em seu Comerciantes assinavam o livro de ouro,
a ata de fundação da nova escola primeiro desfile, a Vila apresentou estudantes redigiam atas e enredos, donas
Seu China, Ailton Cleber, o enredo “A escrava rainha” (ou de casa ajudavam nas fantasias. A escola e o
Antônio Rodrigues (Tuninho “De escrava a rainha”), samba de bairro eram uma coisa só.34
Carpinteiro), Ari Barbosa, Cesso Paulo Brazão, tendo Tião Arroz e
da Silva, Joaquim José Rodrigues Raquel Amaral como mestre-sala e A ala de compositores da
(Quinzinho), Osmar Mariano, porta-bandeira, e Osmar Mariano Unidos de Vila Isabel se constituiu
Paulo Gomes de Aquino (Paulo como mestre de bateria. em torno da poderosa figura de
Brazão) e Servan Heitor Do Morro dos Macacos - Paulo Brazão. Ele é, até hoje, o
de Carvalho. Pedreira, Caminho Central, maior vencedor de sambas-enredo
Seu China foi o primeiro Terreirinho, Bambuzal, Pau da na escola. Ganhou os concursos
presidente, e o quintal de sua casa, na Bandeira -, a escola partiu para de 1947, 1948, 1949, 1950, 1952,
Rua Senador Nabuco 248, na subida unir o bairro. 1954, 1956, 1957, 1959, 1961,
do Morro dos Macacos, foi por anos, 1963, 1964, 1965, 1973 e 1976.
até a segunda metade da década de Muitas atas da Unidos de Vila Isabel A seu lado na ala de compositores
1950, o terreiro de ensaios. foram redigidas no porão da Rua Conselheiro brilharam (e brilham) nomes
As cores branco e azul foram Autran 27, onde vivia seu Eurico, mais como Tião Graúna, Djalma Sapo,
escolhidas por Seu China e conhecido fora da escola como Moreira. Ele Simplício, Rodolpho de Souza,
repetem as da escola de samba Azul levava os rascunhos das reuniões e passava-os Gemeu, Irany Olho Verde,
e Branco, do Salgueiro, que ele ao futuro médico que morava no andar de Martinho da Vila e Luiz Carlos
integrara. Mas há uma inversão. cima para que ele pusesse, em bom português, da Vila.
No caso da Vila, o branco “vem as importantes decisões tomadas na casa de Até meados dos anos 60, a
na frente” do azul, o que indica seu China. Acontecia ali pelos começos dos história da Vila, assim como a do
a predominância da primeira cor anos 50, quando cada morador do bairro conjunto das escolas e dos sambistas,
sobre a outra. tinha um compromisso afetivo com a escola. é um retrato de grandes dificuldades.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Em entrevista ao jornal Correio da que, pode-se dizer, abriu as portas kimbundu, uma das línguas da
Manhã, em 1971, Seu China lembrava: para outras escolas, no movimento República Popular de Angola. A
que culminaria nos anos 70 com palavra kizomba significa encontro
Naquele tempo, para botar Carnaval as vitórias da Beija-Flor (1976 a de pessoas que se identificam numa
na rua, a subvenção era de 300 cruzeiros. A 1978), Mocidade Independente de festa de confraternização”. Assim
solução era o “Livro de Ouro”: eu percorria o Padre Miguel (1979) e Imperatriz começava a sinopse de “Kizomba, a
comércio de Vila Isabel pedindo assinaturas e Leopoldinense (1980 e 1981), e festa da raça”, o enredo que a escola
doações, qualquer quantia servia. As fantasias redefiniria o mapa do poder no levou para a Avenida no Carnaval
eram bonitas, não como atualmente, porque samba no Rio de Janeiro. do centenário da Abolição da
o dinheiro era pouco. O que mais marcou O ano-chave na história da Vila escravatura. Assinada por Martinho,
naquela época a Unidos de Vila Isabel foi o foi 1967, ano de Carnaval das ilusões, a sinopse deu origem a um samba
coro de baiano, que são as baianas e a bateria, o primeiro samba-enredo assinado (de Rodolpho de Souza, Jonas
o patrimônio da Escola.35 por Martinho da Vila, em parceria Rodrigues e Luiz Carlos da Vila)
com Gemeu, recém-chegado da e a um desfile apontado como um
Em 1965, vice-campeã do Aprendizes da Boca do Mato. O dos mais emocionantes da história
segundo grupo, com o enredo tema, o imaginário infantil, fugia do Carnaval carioca. Sem quadra,
“Epopeia do Theatro Municipal”, a da tradição de enredos históricos. mergulhada em crise financeira,
Vila subiu para o grupo principal. As fantasias eram coloridas, não se ensaiando na rua, a Vila saiu da
No ano seguinte, foi a quarta prendendo ao branco e ao azul; e posição de “escola que poderia
colocada e quebrou a hegemonia o samba-enredo fugia do modelo cair” para a que marcou a história,
das quatro grandes, como eram canônico. De novo, a escola ficou ao cantar a afirmação da herança
então conhecidas a Mangueira, a em quarto lugar. E ganhou uma africana, num libelo libertário:
Portela, o Império Serrano e o liderança inconteste, a de Martinho.
Salgueiro, que se revezavam nas A vez da Vila chegou em 1988. Nossa sede é nossa sede/de que o
primeiras colocações. Um marco “Kizomba é uma palavra do apartheid se destrua, dizia o samba.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
mapa do samba
no rio de janeiro.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
objeto do registro
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Roda de Samba.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
- que começa no simples bater das amores, tudo isso se encontra no mundo do sobre o poder da criação.” E ainda diz mais:
palmas das mãos. E, ainda, pela samba. O samba é lazer e é também trabalho, “Não precisa se estar feliz, nem aflito. Nem
alegria festiva de suas cenas, com tudo se mistura e se confunde. se refugiar em lugar bonito, em busca de
suas rodas, feijoadas, procissões de (Aloísio Machado) inspiração. Ela surge do nada, pelos mais
homenagem a padroeiros, encontros diversos motivos. Ela surge.” Essa resposta do
de bandeiras e velhas guardas ou, O samba faz parte da minha vida. Eu João Nogueira, para mim, é a reposta legal.
simplesmente, em aniversários e nasci no samba e no samba hei de morrer. (Adilson Bispo)
casamentos animados por ele. Trago no sangue o micróbio do samba.
Este é o valor excepcional do (Surica) O samba no Rio reúne,
samba no Rio de Janeiro. Para integra, alia.
essas comunidades, mais do que O samba é a essência da minha vida,
fazer parte de suas vidas, o samba é porque eu nasci, sempre convivi no meio do Olha, pra te dizer a verdade eu não
a sua vida. samba. Me considero raiz do samba, porque tenho partido político... essas coisas [...]
família de samba e convivendo no meio de eu não tenho partido, o meu partido é o
No Império Serrano fui mestre-sala, fui bambas... quem convive no meio de bamba partido-alto.
passista e saí na bateria com o Seu Alcides tem aquela licença do samba. O samba é tudo (Monarco)
Gregório dando vassourada na minha cabeça para mim.
porque eu estava batendo errado, no tempo (Rody) Antigamente, todo mundo fazia
em que o Império desfilava na Vila da Penha um bocado de coisas. Eu tomei conta do
e desfilava em Madureira. Mas foi como O samba é um bonito modo de viver. barracão, fui porteiro do barracão, fui vigia
compositor que me tornei mais conhecido (Nelson Sargento) (vigia mesmo) dentro do barracão, trabalhei
aqui. Fui várias vezes campeão e ganhei na quadra como segurança, mas não era só
cinco Estandartes de Ouro. O samba não O João Nogueira diz o seguinte: segurança, era departamento de segurança,
foi importante na minha vida, não, ele foi “Ninguém faz samba só porque prefere. com uma rapaziada boa, fui do Conselho
a minha vida. Amigos, parceiros, família, Que força nenhuma do mundo interfere umas quatro ou cinco gestões de presidentes,
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
saí na bateria (firme, legal). tocando tamborim. Mas tem garoto que tem Porque desde pequenininha, com meus
(Pery Aimoré) talento pra compor, pra... E é tão bonito, três anos, quatro, com a minha mãe e meu
um garoto do local, ter um garoto do local pai, me vestiam cada ano com um tipo de
Era difícil mesmo botar a escola na que crie, que seja um bom compositor, sabe lá fantasia. Era de odalisca, pirata, baiana,
rua, não era fácil [...] Saía quase junto do se... não surge mais um Cartola, que Cartola então aquilo foi me incentivando.
Carnaval. Era dificílimo... olha, eu vou te é igual a Pelé, só surgiu um e acabou, mas Que a minha mãe era porta-bandeira de
contar, fazia de coração se voltasse de novo, surgem bons garotos... surgem compositores rancho, e eu tinha um tio, o pai do Benício,
para fazer com o maior gosto, maior prazer. bons, garotos que têm talento. que era mestre-sala de rancho, e a minha
Passar o que passei dentro do barracão, eu e (Tantinho) mãe também saía na ala das baianas da
os outros. “Vai à padaria comprar cinco, seis União de Vaz Lobo, e meu pai se vestia de
bisnagas”. Bisnaga não era desse tamanho Eu não tenho a escola só como baiana, que, naquela época, homem se vestia
aí. “Compra uma mortadela” [...] “com entretenimento. Tenho a escola como uma de baiana pra brincar o Carnaval de rua.
uma cerveja preta.” A cerveja preta enche... cultura, como um estudo. Então isso tudo foi me incentivando.
A gente cortava direitinho... [...] A noite (Djalma Sabiá) E, quando a minha mãe ia para a União de
inteira pela Vila Isabel. Vaz Lobo, me levava. Então eu fui gostando,
(Pery Aimoré) A transmissão dos fui gostando... e aonde que eu morava, na
conhecimentos no samba é Rua D. Clara, tinha um bloco, era o Unidos
Ele é reconhecido como um apontada como uma atividade de de D. Clara, e eu era...., com sete anos eu
saber de alto valor. grande relevância, que se dá no já dava no pé, aí de repente me vi envolvida
dia a dia. A prática do samba liga o com a bandeira, de repente. Aí comecei a sair
Tem que formar garoto novo, novos sambista a um grupo, o seu grupo. lá como porta-estandarte. Aí com
talentos. Garoto de bateria tudo bem, O sentimento de pertencimento nove anos, me vi envolvida com a União de
normal, bateria é normal. Todo garoto que a uma comunidade é parte Vaz Lobo.
é do morro, ele... O início dele é na bateria, importante do universo (Vilma Nascimento)
como eu fui no início... Foi na bateria dos sambistas.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Meus avós do interior tocavam lundu Rio de Janeiro ultrapassou as por situar o samba como a maior expressão
e jongo, minha tia mostrava as músicas e fronteiras do Estado e do país, musical do mundo fora da linha editorial. O
danças, em Paraíba do Sul. O que eu tenho inspira, atrai e apaixona. Por esse que quer dizer isto? Todos os gêneros musicais
são coisas deles. Está em minha mente. motivo, a comunidade de sambistas contaram sempre com a preocupação dos
(Wilson Moreira) defendeu o registro das matrizes editores de mostrar, defender e vender as suas
do samba no Rio de Janeiro como partituras. Com o samba isto não ocorreu.
E de repente eu fui morar em Oswaldo patrimônio imaterial do Brasil.
Cruz! Você vê como o destino foi bom para Ele veio subindo, pegando força e
mim. Eu era vizinho da casa do Paulo da Finalmente este país faz o reconhecimento quando eles acordaram, o samba estava aí.
Portela. Então, eu cheguei menino ainda... da música que o representa. Isto foi há muitos anos. Hoje os editores
Eu já gostava de fazer meus sambinhas... Já (Nelson Sargento) estão reproduzindo na Europa gravações de
veio no sangue... Aí eu ia lá no ensaio da anos atrás e toda a Europa curte o samba em
Portela e ficava vendo, de longe assim, porque Por isso, esse movimento que estão nossos dias.
eu tinha medo de entrar naquela turma fazendo é um negócio de louco, um negócio (Rubem Confete)
ainda. E aí, com o tempo, eu fui ensaiando, importantíssimo, porque é preciso mostrar
fui aprendendo, fazendo samba direito, até direitinho como é que esse negócio de samba Então, o reconhecimento do samba
fazer um samba para ela. E fui feliz de o meu cresceu e se tornou tão importante que vem como patrimônio imaterial do Brasil é o
samba ser cantado pelas pastoras da Portela. gringo lá de fora, do Japão até, querendo reconhecimento da importância de um
(Monarco) conhecer a gente. Então é um patrimônio sim, segmento que não tinha força, pois sempre
que precisa desse reconhecimento todo, e tem fomos discriminados e desacreditados.
Fundamental na afirmação que divulgar pra todo mundo saber e respeitar O samba se tornou uma grande força
social das camadas mais pobres ainda mais. (Aloísio Machado) sem grandes estrelas. Acho importante o
da população, de origem negra, tombamento, feito com muita seriedade,
reconhecido pela sua força Considero fundamental a declaração do tendo que passar obrigatoriamente pelo
criativa e beleza, o samba do samba como patrimônio cultural brasileiro, reconhecimento da necessidade de preservação
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
SITUAÇÃO
das casas de culto omolokô, de onde partiu O partido-alto, o samba em geral - e a crise urbana que
a energia primeira, que ainda está aí. Não de terreiro e o samba-enredo esgarçou o tecido social nas
se pode desassociar o aspecto religioso da atravessaram o século XX no Rio metrópoles, afrouxando--se laços
preservação do samba carioca. de Janeiro como manifestações de solidariedade e sentimentos de
(Rubem Confete) vivas e ricas da cultura popular. grupo, provocaram uma redução na
Reconhecido pelo seu alto valor valorização dessas matrizes do samba,
Demorô. artístico, o samba contribuiu com a diminuição dos espaços
(Surica) significativamente para o processo tradicionais para a sua manifestação.
de integração social das camadas Esse processo pode ser
Diante do descrito, julgamos mais pobres da população no Rio de identificado, no que diz respeito ao
que o reconhecimento dessas Janeiro. E constituiu-se, ainda, em partido-alto e ao samba de terreiro,
matrizes — o partido-alto, um meio de expressão de anseios na diminuição de suas práticas
o samba de terreiro e o samba- pessoais e sociais, num elemento em comunidades tradicionais de
-enredo — contribuirá para fundamental na construção da sambistas, em especial nas quadras
a redução do processo de identidade nacional, ajudando das escolas, que se concentram
enfraquecimento verificado, a derrubar barreiras e eliminar no gênero samba-enredo, de
para a valorização dos espaços preconceitos, num projeto ainda apelo comercial e turístico mais
de manifestação originais dessa não concluído no país. imediato. Ele também aparece nas
arte e dos sambistas tradicionais, A partir dos anos 60 e 70 e, mais dificuldades de transmissão do
em especial as velhas guardas, acentuadamente nas duas últimas saber fazer do samba tradicional e
prestigiando um bem cultural décadas do século, o crescimento seus fundamentos, tanto no que se
de rica expressão artística e da indústria do espetáculo e do refere à música quanto à dança.
enorme importância para a turismo; a globalização - imposição Isso pode ser notado na redução
história da cidade do Rio de de modelos e padrões importados do número de solistas de alguns
Janeiro e do Brasil. na área cultural e no consumo instrumentos, como o pandeiro e
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
a cuíca; na diminuição do número condições materiais ou de estrutura do valor atribuído à sua arte em
de partideiros, improvisadores; e para a manutenção desses projetos espaços antes tradicionais, ainda
na criação, pelas comunidades de com regularidade. que novos espaços tenham sido
sambistas, de escolas (ou cursos Outro sinal são as dificuldades abertos, como rodas de samba
de formação) para passistas, de sambistas tradicionais, em clubes e bares, que provam a
mestres-salas, porta-bandeiras, depositários reconhecidos sobrevivência do interesse popular
ritmistas. Substituía-se, assim, a da tradição, para circular sua pelo “samba de raiz”, como é
forma tradicional de transmissão produção. De um lado, por chamado pelos próprios sambistas.
do conhecimento (oral, familiar/ causa da preferência da indústria
comunitário e cotidiano) por um fonográfica por uma música de Não há espaço atualmente nos ensaios
modelo formal, que muitas vezes apelo e venda mais imediata; das escolas para o samba de terreiro.
enfrenta dificuldades por falta de de outro, por causa da redução (Dauro do Salgueiro).
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Eu acho que é desleixo. Não atentar na memória dos mais velhos ou A comunidade só está presente em massa nos
pra manutenção da cultura da escola, está preservados de forma precária. ensaios técnicos feitos durante a semana.
entendendo? Ninguém fica se preocupando Outros motivos de preocupação são Antigamente era diferente. Tinha livro de
mais com a cultura da escola. Ninguém a padronização de modelos (refrões presença para ver a ordem de quem
está preocupado com o passado da escola. fortes, letras mais curtas, andamento ia cantar.
Ninguém está... Então, acabei de fazer um acelerado), com o desaparecimento (Leci Brandão)
disco agora, que é um disco que... onde eu da riqueza rítmica e melódica
resgato composições da Mangueira da década dos sambas-enredos, a partir da Hoje eles cantam uma marcha com o
de 1930 à década de 1960, que é um disco explosão comercial dos anos 70 nome de samba. Não tem nada de samba
que eu me virei. O pessoal do morro me e da transformação do desfile [...] um texto muito reduzido, muito sucinto,
ajudou muito, mas era uma coisa que tinha principal num grande espetáculo; pro povo pegar fácil e só se canta refrão.
que ser feita pela escola, pela Mangueira. a situação enfrentada por escolas Quer dizer, a descrição do enredo você não
Um disco desses tinha que ser feito pela dos grupos de acesso, diante da entende nada. Junta um monte de palavreado
Mangueira... dificuldade de viabilizar desfiles cada e gíria e diz que é samba-enredo.
(Tantinho) vez mais caros; e o afastamento de (Djalma Sabiá)
sambistas tradicionais das esferas de
...preciso registrar isso porque senão decisão dos espaços que ajudaram a Aquela linha melódica gostosa a gente
vai perder, como já se perdeu coisa à beça. construir com seu gênio criativo. não ‘tá ouvindo, a poesia sumiu, quer dizer,
(Tantinho) daqui a pouco nós vamos pra Avenida com...
Nos ensaios abertos ao público (na do jeito que tá essa evolução do samba aí que
Deve-se registrar também o Mangueira), o pessoal da escola fica do nego tá dizendo que tem que ter evolução aí...
sentimento, descrito por sambistas lado de fora, nas barraquinhas. Só quem eu acredito que tem que ter evolução do geral,
“da antiga”, do risco de perda de fica na quadra é a velha guarda, a bateria, mas agora eles tão querendo até evoluir a
parte do patrimônio musical e mestre-sala e porta-bandeira, já que os bateria. A bateria evoluir, eles querem dizer
da história do samba, pois estão ensaios se transformaram num pula-pula. que tem que correr! Olha, bateria pra mim é
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
igual a doce de coco: tem um ponto. Se passar velhos, alguns dos quais chegam aos pode contribuir decisivamente
estraga, entendeu. 60 anos sem nunca ter gravado; para minorar os riscos de
(Odilon) ou a retomada das feijoadas nas enfraquecimento das suas matrizes.
quadras com a apresentação das O registro como patrimônio
Afirma o pesquisador Sérgio Cabral: velhas guardas como centro das sublinha a importância do respeito
atenções, fica claro que o samba às tradições que se vinculam a essas
O samba é a mais expressiva linguagem tradicional carioca enfrenta perdas, matrizes e ressalta toda a pujança e
musical do povo carioca. Hoje enriquece descaracterização de fundamentos diversidade do samba no Rio.
os donos do mercado musical, enquanto e pressões, resistindo na criação de
as escolas de samba são utilizadas pelo seu seus mestres, baluartes, “bambas”, Eu tenho muita gratidão ao samba. Não
potencial turístico, sugadas pelo que oferecem enfim, das velhas guardas e posso nunca falar mal do samba... a gente
de supérfluo e desprezadas pelo fundamental. seus herdeiros.Tais perdas são pode falar mal de outras coisas do samba,
Há tantos interesses em torno do samba das compensadas pela presença de mas do samba em si não, porque o samba é
escolas que fica muito difícil saber onde é a jovens de diversas camadas da uma coisa maravilhosa, é a coisa mais linda
fronteira entre a manifestação espontânea sociedade, que demonstrarem que tem pra você tirar tudo de ruim que tem
do povo e a ganância. Há pessoas que ainda reconhecer o valor desses sambistas, dentro de você e você fazer aquele desfile da
sabem, porém, que a vitória do samba — se comparecendo a rodas para ouvi- Avenida, que é coisa maravilhosa, né? Só tem
assim se pode chamar o que existe atualmente los e saudá-los. que procurar os caminhos certos, não é?
— pertence a uma parcela da população que Embora se perceba com (Odilon)
sofreu violências, perseguições e preconceitos. clareza que, ao contrário de tantas
outras manifestações de cultura Essência é o perfume. É tudo aquilo que
Ainda que ações isoladas de popular, o samba do Rio de Janeiro te toca, está entendendo? Aquilo que te toca,
valorização sejam observadas, não se encontra ameaçado de aquele perfume que não te deixa. Isso é a
tais como a iniciativa de apoio ao extinção, o seu reconhecimento essência do samba.
registro de obras de sambistas mais como patrimônio imaterial (Rody)
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Recomendações de Salvaguarda
Recomendações de Salvaguarda
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integrante de escola de
samba mirim.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
compartilhamento dos saberes promover e preservar a produção atual diante da crise urbana, com
familiares e comunitários —, musical de seus sambistas, seja ou seus reflexos no esgarçamento
esse risco de perda é concreto, não dirigida ao Carnaval. das relações sociais, com visíveis
e a adoção de salvaguarda se faz impactos na produção e transmissão
urgente. Mesmo no que tange aos 4. Incentivo a pesquisas dos fundamentos do samba e no
sambas-enredo, o levantamento históricas que mapeiem e descrevam enfraquecimento do sentido e do
é necessário, porque há lacunas a formação e o crescimento das sentimento de comunidade.
na produção anterior ao início comunidades de sambistas na
da gravação de LPs com os sambas cidade do Rio Janeiro e região 5. Formação de pesquisadores
compostos para os desfiles das metropolitana, identificando dentro das diversas comunidades de
escolas, o que só ocorreria na as origens das ocupações dos sambistas do Rio de Janeiro, para
virada dos anos 60 para os 70. morros e logradouros e seus que a coleta, o registro e a análise
É necessário observar, ainda, primeiros moradores; as lideranças dessas formas de expressão, de
que o universo das agremiações comunitárias que as articularam, seu cenário e sua trajetória sejam
carnavalescas do Rio não pode as lideranças musicais e artísticas feitas cada vez mais pelos próprios
ser resumido ao espetáculo das 13 que definiram as suas identidades atores sociais e seus grupos. Isso
participantes do desfile principal no samba; o papel de lideranças atenderá a um anseio de que a sua
do Sambódromo. Espalhadas por religiosas na sua formação e história possa ser contada por eles
toda a cidade, nada menos de consolidação; os problemas mesmos, valorizando assim vozes
73 escolas formam um conjunto enfrentados ao longo do século XX mergulhadas no cotidiano do fazer
de reconhecida importância na no processo de afirmação e inserção e viver o samba no Rio de Janeiro.
construção da identidade das dos grupos no cotidiano e no Já existe, em número reduzido,
comunidades e na organização sistema produtivo formal da cidade, uma produção acadêmica fruto
do lazer local, a maioria das quais que, muitas vezes, ocorreu através do esforço de sambistas, como
enfrenta dificuldades para circular, da sua música, o samba; e a situação mestres-salas e porta-bandeiras.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Transmissão
do saber
velhos e mais jovens, em torno e transmissão. É fundamental, aqui, acesso dos sambistas aos estudos,
do samba de terreiro, que sofre prever que as ações do plano de investigações acadêmicas e acervos
a mesma desvalorização que o salvaguarda garantam e promovam de imagem e de som sobre o samba
partido-alto, com a redução dos os direitos autorais dos sambistas e no Rio Janeiro, em especial no que
espaços tradicionais de sua prática seus herdeiros. diz respeito às três modalidades
e o enfraquecimento da produção Há entre os sambistas no aqui identificadas como matrizes.
diante da concorrência com diversos Rio quem já trabalhe com ações Sugere-se o estímulo e apoio à
gêneros de música comercial. dessa natureza, no “garimpo”, criação e à capacitação de centros
A gravação desses encontros reconstrução e documentação de de memória e referência do samba,
poderia promover ainda a sambas praticamente esquecidos, dentro das comunidades e/ou na
reconstituição de letras e melodias como faz o próprio Tantinho, da Cidade do Samba. Agrupar-se-iam
de sambas antigos, quase perdidos, Mangueira, citado anteriormente. livros, teses, periódicos, partituras,
a partir das lembranças do grupo Mas eles enfrentam dificuldades por instrumentos musicais, gravações,
reunido, isto é, a partir da falta de estrutura e de apoio para fotos, vídeos e filmes que integram
memória da coletividade. o trabalho de pesquisa, gravação o rico repertório da produção
A recuperação desses sambas e divulgação. As escolas realizam cultural dos sambistas, mas ao
envolve, em outro momento, atualmente concursos de samba de qual, poucos têm acesso, por estar
o trabalho de pesquisa nas terreiro, mas, como são episódicos, abrigado em centros de pesquisa
comunidades e nas famílias dos se encerram em si mesmos, não oficiais ou acervos particulares
sambistas, em busca de cópias conseguindo ainda estimular a com os quais os sambistas não
de letras, cadernos de música ou produção e a circulação. mantêm estreito contato; e também
gravações caseiras, que os registrem, Outra medida que poderá documentos, manuscritos, livros,
e, de novo, o estímulo à memória. contribuir para a transmissão do recortes, gravações caseiras (imagem
Nesta ação, seriam associados saber fazer samba e para a produção e som), instrumentos pessoais,
aspectos de pesquisa, documentação de novos saberes é facilitar o fotos de álbuns de família, roupas,
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Ensaio de escola
de samba mirim.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
PÁGINA Ao lado
Oficina de transmissão
de saber de mestre sala e
porta bandeira.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
fantasias, figurinos e troféus, patrimônio produzido por essa e até mesmo de muitas danças
de integrantes das próprias expressão da cultura popular no Rio populares. O mais característico
comunidades de sambistas. de Janeiro, de modo a transmitir o das danças do samba carioca é
O plano de salvaguarda saber e também promover o samba. que, desde os seus primórdios,
talvez possa criar mecanismos Sugere-se ainda o incentivo à as coreografias pressupunham
para abrir canais, de modo que criação de oficinas, por meio das improvisações, desenvolvidas com
o conhecimento acadêmico quais os mestres apresentariam a diferentes graus de competência
produzido em torno do samba sua arte às novas gerações. por seus intérpretes, o que
retorne aos grupos criadores/ Em relação à dança, é contribuiu enormemente para sua
mantenedores da tradição. importante ressaltar que o samba diversidade e riqueza coreográfica.
Essa comunicação poderia ser no Rio de Janeiro tem matrizes É inegável que todas as técnicas
fomentada com a criação de um coreográficas bem-definidas, de dança codificadas sofrem
banco de dados digital disponível que revelam uma técnica de transformações ao longo da história.
nos centros de memória e dança e uma linguagem corporal Essas transformações ocorrem a
referência e associação de sambistas, subjacente. Nesta técnica estão, partir de fundamentos, de matrizes
com as fichas técnicas e as íntegras por exemplo, claramente definidas coreográficas (mais ou menos
de estudos, além de outras a postura, diversos gestos e os rígidas) que devem ser claramente
informações e imagens sobre os movimentos de diferentes partes identificadas e que se reproduzem
sambistas e a história do samba no do corpo (particularmente a e se renovam. Isto permite que
Rio de Janeiro. pélvis, as pernas e os pés), com diferentes técnicas de dança sejam
Os centros de referência qualidades específicas. preservadas, em sua essência, através
poderiam realizar seminários, Entretanto observa-se que os de gerações, mas que novas criações
palestras, mesas-redondas e festas códigos das danças de samba são coreográficas sejam reconhecidas
de samba, abertas a todos os menos rígidos do que os códigos da como pertencendo a um ou outro
interessados em compartilhar o maior parte das danças acadêmicas, gênero, ou linguagem artística.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Esta é uma questão são muitas vezes interpretadas analisadas por um método
fundamental para a caracterização como se fossem “naturais”, e sistemático para que seja possível
das danças do samba carioca, acabam sendo esquecidas, perdidas caracterizar com precisão suas
que são riquíssimas, singulares e descaracterizadas. matrizes coreográficas, ou seja,
e estão claramente associadas Assim, no que diz respeito à os códigos essenciais que as
às identidades e ao contexto dança, o presente dossiê ressalta caracterizam como expressão
sociocultural de seus primeiros que o plano de salvaguarda amplamente reconhecida da
intérpretes e coreógrafos. deverá considerar três pontos identidade nacional, em sua
Entretanto, devido a razões fundamentais: versatilidade, pluralidade, riqueza
históricas, sociais e culturais, e singularidade.
essas matrizes coreográficas, que 1. As danças do samba
definem uma técnica codificada, necessitam ser descritas e 2. É importante adotar
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Produção,
registro,
promoção
e apoio à
organização
notas
1. A elaboração deste dossiê de Janeiro: Secretaria Municipal de Rio de Janeiro 1917-1933. Rio de
para o Registro das Matrizes do Cultura, 1995. p. 86-7. Janeiro: Zahar-UFRJ, 2001.
Samba no Rio de Janeiro como
Patrimônio Cultural do Brasil 4. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 10. TROTTA, Felipe. Samba e
contou com o apoio de convidados 18 de janeiro de 1913. mercado de música nos anos 1990. Tese
que participaram da pesquisa de doutorado apresentada ao
histórica e da elaboração dos 5. Arquivo Corisco Filmes, Programa de Pós-Graduação em
textos. Entre eles estão: Nei Lopes 1972. Comunicação da UFRJ (ECO-
(Da tradição africana); Roberto UFRJ), 2006.
Moura (Notas para uma história 6. LOPES, Nei. Sambeabá; o
afro-carioca); Sérgio Cabral samba que não se aprende na escola. Rio 11. Apesar de não hegemônico
(Deixa falar, o samba e a escola); de Janeiro: Casa da Palavra-Folha no samba carioca produzido a partir
Carlos Sandroni e Felipe Trota (A Seca, 2003. p. 15. da década de 1930, o ritmo 3-3-2
música); João Batista Vargens (A aparece em muitas gravações recentes
poesia); Marília Andrade (Estudo 7. LOPES, Nei. Partido-alto: de partideiros, quase sempre em
coreológico do samba) e Carlos samba de bamba. Rio de Janeiro: sambas calangueados que evidenciam
Monte, Haroldo Costa, Janaína Pallas, 2005. p. 26-7. a ancestralidade entre as duas
Reis e Lygia Santos. práticas e a estreita aproximação
8. TINHORÃO, José Ramos. entre partido e calango. Essa herança
2. Habitação coletiva para a História social da música popular brasileira. musical e afetiva compartilhada
população de baixa renda, também Rio de Janeiro: Editora 34, 1998. aparece, por exemplo, em gravações
denominada cortiço. p. 265. de Martinho da Vila (Segure tudo);
Seu Jair do Cavaquinho (Doce na feira
3. MOURA, Roberto. Tia Ciata 9. SANDRONI, Carlos. Feitiço e Soltaram minha boiada) e no samba de
e a Pequena África no Rio de Janeiro. Rio decente: transformações do samba no Wilson Moreira e Nei Lopes Coité e
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
cuia, no qual os autores afirmam que As escolas de samba do Rio de Janeiro no contexto das escolas pelo menos
“calango e samba é igual a coité e (1996:135) e por Marília Barboza até a década de 1940, é outro
cuia, tudo da mesma família”. da Silva e Lygia Santos em Paulo da sintoma da persistência do velho
Portela (1979:122-5). modelo de samba em duas partes,
12. CABRAL, Sérgio. As escolas de separadas também por atribuições
samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 20. AUGRAS, Monique. O Brasil do de gênero (a primeira, feminina; a
Lumiar, 1996. p. 65. samba-enredo. Rio de Janeiro: Fundação segunda, masculina).
Getúlio Vargas, 1998. p. 37.
13. Idem, p. 67. 25. Xangô da Mangueira,
21. CABRAL, Sérgio. As escolas de depoimento publicado no livro/
14. Idem, p. 66. samba do Rio de Janeiro. Op. cit., p. 142. cd Xangô da Mangueira: Recordações
de um velho batuqueiro. Rio de
15. Idem., p. 78. 22. Citado por Cabral Janeiro: Cooperativa dos Artistas
(1996:121). Veja também Anônimos (CASA), 2005. p. 37.
16. Idem, p. 79. TINHORÃO, José Ramos. Pequena
história da música popular: da modinha 26. Nei Lopes encontrou o verso
17. Idem, p. 80-1. à lambada. (6ª ed. Rio de Janeiro: gravado por Jamelão em 1959, por
Art Editora, 1991, p. 175), para Chico Santana em 1970 (p. 141) e no
18. Idem, p. 83. referência a uma crônica de 1935 partido Olha a hora Maria, sem crédito
que aponta no mesmo sentido. de gravação ou autoria (p. 155).
19. A história desta decisão, que Partido-alto: samba de bamba. Op. cit.
eventualmente levou ao afastamento 23. CABRAL, Sérgio. As escolas de
de Paulo da Portela em relação samba do Rio de Janeiro. Op. cit., p. 144. 27. Nei Lopes explica o termo:
à escola que ajudara a fundar, é 24. Diga-se, de passagem, que o “Fuleira, no jargão partideiro,
narrada por Sérgio Cabral em uso da palavra “pastoras”, registrado é redução de ‘fuleiragem’,
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
brincadeira sem consequência, ação de Mestre Fuleiro, do Império da Silva; CACHAÇA, Carlos;
sem responsabilidade” (Partido-alto: Serrano: As lágrimas foram adereços de OLIVEIRA FILHO, Arthur
samba de bamba. Op. cit., p. 189). pouca duração nos rostos dos sambistas que Loureiro de. Fala, Mangueira. Rio de
acompanharam, na tarde de ontem, o caixão Janeiro: José Olympio, 1980. p. 34.
28. Segundo a Enciclopédia da de Mestre Fuleiro até a gaveta 2.243 do
Diáspora Africana, “Desenho rítmico Cemitério de Irajá. O que se viu, no velório e 33. Há outras versões para a
característico da música africana no enterro, foi o canto alegre dos que, como fundação da escola. Uma delas
no continente de origem e na Antônio dos Santos, de 85 anos, o Mestre afirma que a Vila surgiu de uma
Diáspora. É conseguido com Fuleiro, não deixam o samba morrer nem dissidência do bloco Vermelho e
o deslocamento da acentuação na hora da morte. Fúnebres, ali, só havia os Branco. O grupo que se separou
regular de um compasso por meio túmulos. No trajeto da Capela Santo Cristo teria, primeiro, organizado um
da supressão do tempo fraco. Ltda, na pracinha de Irajá, até a última time de futebol - com as cores azul e
No Brasil, a denominação samba morada do fundador da Império Serrano, branco - e, depois, criado a escola.
sincopado é dada a um tipo de cerca de 300 pessoas cantaram o samba-
samba em que esse deslocamento é -enredo Heróis da liberdade. Depois, 34. MÁXIMO, João. “Uma Vila
levado às últimas consequências e emendaram a marcha Está chegando a cada vez mais distante do bairro”.
no qual se destacaram intérpretes hora. Bateram palmas. Acenaram lenços. O Globo. Rio de Janeiro, 5 de março
como João Nogueira”. E voltaram para continuar o que estavam de 2006. Seu Eurico é Eurico
fazendo durante o velório: beber cerveja nos Moreira da Silva, uma das figuras
29. Ou tambu – maior dos bares do bairro. centrais na organização da escola
tambores do jongo. nos seus primeiros anos.
31. Depoimento de Carlos
30. O repórter Múcio Bezerra, Cachaça para o Museu da Imagem e 35. “China e a história da Vila”.
no jornal O Globo em fevereiro do Som (1992). Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 16
de 1997, relatou assim o enterro 32. SILVA, Marília T. Barboza de fevereiro de 1971.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
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presidente do Iphan, Antônio seu critério IV (“estão ameaçadas Essas considerações levaram a
Augusto Arantes Neto, de de desaparecimento devido à uma reelaboração da proposta
anunciar à imprensa a intenção de falta de meios de salvaguarda ou inicial, no sentido de encaminhar
encaminhar à terceira edição do de processos de transformação a candidatura mais específica
programa da Unesco, Proclamação acelerada”). Além disso, do samba de roda do Recôncavo
das Obras-Primas do Patrimônio como muito bem observam as Baiano. A iniciativa teve o mérito
Oral e Imaterial da Humanidade, autoras do parecer técnico, de, além de se enquadrar nos
a candidatura do samba, com a candidatura do “samba”, requisitos do programa — pois
base no reconhecimento nacional tal como fora apresentada, se tratava de expressão cultural
e mundial dessa manifestação não se encaixava tampouco efetivamente sob ameaça de extinção
musical, poética e coreográfica na definição de “patrimônio —, apresentar-se como ponto fulcral
como uma das mais genuínas e cultural imaterial” expressa no da cadeia histórica e cultural de um
significativas expressões da cultura artigo 2 da Convenção acima conjunto de manifestações musicais
brasileira, constituindo inclusive citada: “embora ampla, ressalta e coreográficas do que se pode
um dos mais poderosos símbolos a importância do vínculo desses considerar, no Brasil, o metagênero
de nossa identidade nacional. usos, práticas, representações, “samba”, cujas expressões
Entretanto, dados os critérios saberes e expressões com a apresentam várias afinidades e
que norteavam esse programa, vida, a história e o cotidiano de também diferenciações entre si.
extinto e em parte incorporado comunidades e grupos sociais. Essas variantes incluem “o jongo,
à Convenção para a Salvaguarda Em suma, patrimônio imaterial o samba rural paulista ou samba
do Patrimônio Cultural Imaterial mais como um conjunto de de bumbo, o tambor de crioula
da Humanidade, de 2003, essa práticas e expressões imbricadas do Maranhão, o coco nordestino
candidatura, a exemplo do que na vida social do que como gênero (também chamado samba de coco)
ocorreu com as do “fado” e do artístico.” (*P p. 1) e o samba de roda baiano” (P
“tango”, não se enquadrava no p. 2). Desse conjunto, já foram
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
registrados o samba de roda do A opção foi, portanto, de seguir restringir o processo de registro
Recôncavo Baiano (2004), o jongo a trilha dos sambas de batuque aos depoimentos e à produção
do Sudeste (2005) e o tambor de ou de umbigada — terminologia criativa dos atores mais antigos
crioula do Maranhão (2007). utilizada por Oneyda Alvarenga e do mundo do samba, muitos dos
outros estudiosos — aberta com o quais integram as “velhas guardas”
Nessa linha de raciocínio, era samba de roda, considerado, pela das escolas de samba cariocas,
lógico e imperioso, portanto, que maior parte dos pesquisadores, foi abandonada em favor de uma
se considerasse a candidatura do referência fundamental para a perspectiva mais ampla. A proposta
“samba carioca” para registro, compreensão do modo como se foi se voltar para aquelas “expressões
porque constitui a face mais constituiu, no Rio de Janeiro, contemporâneas mais representativas
visível do conjunto de expressões o universo do samba. Opção da tradição do samba no Rio de
mencionado acima. Um dos acertada e coerente, a meu ver, Janeiro — expressões que podem
desafios era elaborar seu adequado com a orientação que vem sendo ser vistas como matrizes das várias
dimensionamento, seja porque, seguida pelo Departamento outras formas de samba que foram
num processo metonímico, se de Patrimônio Imaterial de (e continuam sendo) criadas depois
costuma associar o termo “samba” se procurar preliminarmente (...): o partido-alto, o samba de
à versão carioca, e considerar o Rio delinear séries históricas e mapear terreiro e o samba-enredo.” (P p. 4)
de Janeiro o “berço” do samba no as variantes de eixos constitutivos
Brasil, seja porque o samba carioca das manifestações culturais de III. O samba no Rio de Janeiro
assumiu em determinado período caráter processual. É o que vem
histórico o estatuto de “símbolo sendo feito, por exemplo, com os A emergência dessas três formas de
musical da nacionalidade”, sistemas alimentares e a diversidade expressão nas primeiras décadas do
tornando-se em seguida, sobretudo linguística no Brasil. século XX, que teve como cenário
no exterior, imagem por excelência inicial a região central do Rio de
da música popular brasileira. Nesse sentido, a ideia inicial de Janeiro, se confunde com um
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
momento da evolução urbana da africana, que encontraram novas no Rio de Janeiro à época era
cidade, da região portuária. Aí se formas de manifestação nas casas, bastante rico e diversificado, com
situavam a Pedra do Sal, já citada, ruas e bairros da capital. ritmos de origem europeia (polcas,
e a Praça Onze, na Cidade Nova mazurcas), africana (jongo, pontos
— região que Heitor dos Prazeres Os depoimentos de sambistas e de macumba e candomblé, samba
denominou “a Pequena África” os comentários dos pesquisadores de roda) e também formas depois
—, na direção dos Morros da apontam as casas das “tias baianas” caracterizadas como folclóricas,
Providência, da Favela, de Santo como centros irradiadores de como o coco e a embolada.
Antônio e outros, e dos subúrbios manifestações religiosas, artísticas
ao longo da linha férrea. e lúdicas que formaram o caldo Ao diferenciarem a produção
de que brotou o chamado samba musical da Pequena África daquela
Essa foi a trajetória dos migrantes, carioca em suas diferentes que se desenvolveu no Estácio, os
em sua grande maioria ex- expressões. Nesses espaços de pesquisadores deixam evidente a
-escravos ou libertos, que, devido sociabilidade se perpetuavam os polissemia do termo “samba”: na
à decadência da cafeicultura e cultos aos orixás, se comiam pratos primeira localidade, samba era
da atividade agrícola em geral, de origem baiana e também se a palavra utilizada para designar
vieram de diversas partes do país, cantava, dançava e batucava, no principalmente as festas — nas
afluindo para o Rio de Janeiro salão e no quintal. Os ranchos e ruas e também nas casas — onde
em busca de melhores condições blocos que, no Carnaval, saíam as pessoas se reuniam para tocar
de vida e de trabalho no porto, pelas ruas, paravam, em sinal de diferentes tipos de música, do
no comércio, em serviços e nas reverência, em frente às casas lundu ao maxixe e ao samba de
incipientes indústrias. Trouxeram das tias, mais tarde evocadas nas roda. Já no Estácio, desenvolveram-
consigo do meio rural seus alas das baianas, tradicionais nos se ritmos mais apropriados aos
costumes e tradições, ainda muito desfiles das escolas de samba. Vale desfiles dos blocos e depois
influenciados por sua origem ressaltar que o repertório musical das escolas. Essa diferença foi
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
apenas da história da cidade, como Com as escolas, vai surgir um novo das escolas, onde, até os anos 70,
também da formação da sociedade tipo de samba na cidade, o samba- “o tempo destinado aos sambas
brasileira, uma vez que ocorreu na -enredo, cuja estrutura narrativa de terreiro (mais tarde sambas
capital do país, com repercussão se refere obrigatoriamente ao tema de quadra) se dividia com a
nacional e internacional. escolhido pela escola para o desfile competição interna de escolha do
do ano, e que precisava também samba-enredo” (D p. 131)
Esse processo de “oficialização” se adequar aos regulamentos que
tem início três anos após o que é organizavam os desfiles. Como O fato é que, como consta do texto
considerado o primeiro desfile a exigência, por parte do poder do dossiê, formadas as escolas de samba, o
de escolas de samba, promovido público, a partir de 1937, de que os povo carioca passou a contar com uma espécie
em 1932 pelo jornal Mundo Sportivo enredos das escolas tivessem caráter de passaporte para cantar, dançar e tocar o
na Praça Onze. Quatro anos histórico, didático e patriótico. samba, hábitos que, nas primeiras décadas
antes, em 12 de agosto de 1928 Essa intervenção no processo do século XX, eram violentamente reprimidos
fora criado o bloco Deixa Falar, criativo — que chegou a se pela polícia, que agia como instrumento do
o primeiro a receber a designação manifestar, em alguns casos, na preconceito das classes dominantes contra as
de escola de samba, na medida forma de censura por parte do manifestações culturais e religiosas dos negros.
em que novidades introduzidas Departamento de Imprensa e (D p. 21) Além disso, compositores
por seus componentes, como o Propaganda — demonstra que e intérpretes oriundos da classe
surdo, logo foram adotadas por “nem todas as formas tradicionais média contribuíram para a difusão
outras comunidades da cidade. Em de samba foram reconhecidas pelo de produções identificadas como
1935, a Prefeitura da cidade do Estado” (P p. 11), nem divulgadas samba pela via do rádio e da
Rio de Janeiro se torna parceira da pela indústria cultural. Mas, indústria fonográfica: Francisco
promoção do desfile ao lhe garantir por outro lado, a diversidade Alves, Noel Rosa, Ary Barroso,
subvenção financeira e divulgação. dos sambas permaneceu viva nas Almirante, Braguinha, Mário Reis e
rodas de pagode e nas quadras tantos outros.
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
XX, artistas como Clara Nunes, a programação de agências de IV. Partido-alto, samba de
Beth Carvalho, Paulinho da Viola, turismo. terreiro e samba-enredo
Martinho da Vila, Zeca Pagodinho,
e grupos como o bloco Cacique Mas, ao lado dessas novas formas No alentado dossiê produzido pelo
de Ramos, o conjunto Fundo de de difusão do samba, a prática de Centro Cultural Cartola, esses três
Quintal, e, mais recentemente, tocar partido-alto e sambas de tipos de samba são descritos no
o grupo Semente, alcançaram terreiro nos quintais das casas e “aspecto rítmico, na sonoridade,
grande sucesso com gravações de botequins dos subúrbios, em rodas na estrutura harmônico-melódica
composições de sambistas ligados às de samba e pagodes, ainda que e nas formas de algumas canções
matrizes do samba, e terminaram tenha perdido espaço nas escolas de consideradas típicas de cada um dos
por atrair a atenção do público para samba, permanece viva em bairros universos abordados.” (D p. 23).
as rodas de samba e os pagodes. É populares da cidade. A esses itens, cabe acrescentar os
importante esclarecer, conforme Enfim, diante da diversidade de ambientes em que ocorrem, o que
demonstram Roberto Moura e formas musicais que se abrigam leva a uma primeira distinção entre
Nei Lopes, que não se trata de um sob o termo “samba”, é indubitável partido-alto e samba de terreiro, de
revival das rodas de samba tal como que o samba carioca tem como um lado, e samba-enredo de outro.
ocorriam nas casas de subúrbio e matrizes desenvolvidas no Rio de
nos morros nas primeiras décadas Janeiro o partido-alto, o samba de Dos três tipos de samba
do século XX, mas de reuniões em terreiro e o samba-enredo, cujas identificados como matrizes do
botequins e outros espaços abertos características como expressões samba carioca, o partido-alto
ao grande público, como o do musicais e vetores de costumes e “talvez represente mais que os
Clube Renascença no Andaraí, formas de sociabilidade constituem outros uma certa ancestralidade.”
e os da Lapa revitalizada, que o objeto da documentação (D p. 24) Cantado na forma
atraem as classes médias das Zonas apresentada para fundamentar o de desafio por dois ou mais
Sul e Oeste, integrando inclusive pedido de registro. contendores, é, segundo Nei
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Lopes, composto de “uma parte comprometido em sua capacidade samba como sendo ‘de terreiro’”.
coral (refrão ou ‘primeira’) e de sintonia com o momento de (D p. 31) Em termos gerais, é
uma parte solada com versos sua execução, do mesmo modo possível distinguir dois tipos:
improvisados ou do repertório como ocorre com o mito quando aqueles em que há espaço para
tradicional, os quais podem ou não cristalizado numa narrativa escrita. improviso e aqueles de estrutura
se referir ao assunto do refrão,” fechada, cuja elaboração é anterior
(D p.26-27) acompanhadas por Já o samba de terreiro tem ao momento da performance. Com
instrumentos de corda e percussão. como principal característica a profissionalização dos desfiles,
A sonoridade dominante deve diferenciadora o contexto onde os terreiros cederam lugar às
ser a do solista, o que seria um ocorre, que pode ser tanto o quadras, e esse tipo de samba, de
diferencial em relação ao samba quintal de uma casa de família expressão eminentemente gregária e
de terreiro e ao samba-enredo. como, mais especificamente, a comunitária, desde os anos 70 vem
Nesse sentido, relaciona-se com área comum de uma escola de deixando as escolas, recolhendo-se
o lundu, o samba rural paulista, samba, sua parte “de dentro”. a espaços de menor visibilidade.
o samba de roda do Recôncavo Nesse sentido, caracteriza-se mais
e outras práticas musicais que o “como uma prática sociomusical O chamado samba-enredo foi,
antecederam. Dos três tipos de do que como um tipo específico de num primeiro momento, um
samba aqui referidos, é também o samba, cujos elementos poderiam samba de terreiro adequado a
que menos se adapta à difusão pelos ser isolados e descritos” (D p. 31). determinado tema de uma escola.
meios de comunicação de massa, Seu reconhecimento como tal Mas, devido às já mencionadas
pois o seu traço mais característico depende da comunidade: “apenas o exigências para a organização
é a improvisação, emulada pelo grupo de pessoas autorreconhecido dos desfiles, a predominância da
ambiente propício das rodas de como sambistas das escolas narratividade o vai distanciando do
samba. Gravado ou apresentado em tem legitimidade para designar samba de terreiro, desaparecendo
shows, o samba de partido-alto fica determinado samba ou grupos de também qualquer espaço para o
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
registro, mas as respostas só podem capacidade que tradicionalmente contemporâneo. (P p. 16) Essa situação
ser buscadas na análise de cada revela grandes talentos. A riqueza compromete profundamente as
situação particular. rítmica, melódica e lírica dessas formas tradicionais de transmissão
três formas de expressão, sem do samba, baseadas na oralidade,
No caso das expressões propostas dúvida ameaçada pela influência na convivência, na observação e
como matrizes do samba dos meios de comunicação de massa na participação. É desse modo
carioca, há que, primeiramente, que, coerentes com sua lógica de que se consolida, desde a infância,
especificar os valores que se deseja consumo, pressionam no sentido da um sentimento de experiência
preservar. Como traço mais adequação a um gosto padronizado, compartilhada e um sentido de
forte e recorrente, sobressai o deve ser objeto de especial atenção pertencimento a uma comunidade,
caráter comunitário presente em em um plano de salvaguarda. entendida esta tanto como a família
todas três, não necessariamente e os grupos que se reúnem para
na criação, mas sem dúvida na Mas há ainda um aspecto mais sambar, como uma “comunidade
execução e recepção. Esse traço, complexo e sutil a considerar, imaginada” mais ampla que
para Roberto Moura, é sintetizado amplamente reconhecido pelas tem o samba como referência
na roda de samba como locus pessoas próximas a essas matrizes fundamental em suas vidas.
gregário de fruição desinteressada do samba, e justamente enfatizado
e de participação ativa — ainda no parecer técnico: o crescente Comprovação desse fortíssimo
que possa até ser silenciosa — de afastamento das comunidades das escolas papel que o samba carioca,
todos os presentes. É o ambiente da produção dos sambas-enredos, assim sobretudo em suas três matrizes,
caloroso e estimulante que como [...] as transformações que são exerce como referência para a
propicia a emergência de outro impostas a essa forma de expressão pela construção de identidades coletivas
traço muito valorizado pelos mídia que transmite os desfiles, e pelo e mesmo individuais é o tom
sambistas consagrados em suas formato comercial e voltado para o turismo afetivo e de admiração com que é
comunidades: a improvisação, de aspectos centrais do Carnaval carioca mencionado nas infinitas letras de
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
samba sobre o samba, ou seja, que dossiê, foram sugeridas as seguintes 3. Promoção e documentação
têm o samba como tema. medidas de salvaguarda: de encontros entre sambistas
mais velhos e as novas gerações,
Tem toda pertinência, 1. Ampla pesquisa e visando à transmissão de
portanto, a ênfase presente nas documentação, tanto dos três conhecimentos, pois “a prática é
recomendações do dossiê para tipos de samba como formas a primeira escola do samba”. (D
que as medidas de salvaguarda de expressão artística, como de p. 121)
se voltem prioritariamente para sua história, e da biografia de
“a valorização dos espaços de seus principais representantes. 4. Criação de centros de
manifestação originais dessa arte Considero de especial urgência o memória e referência do samba
e dos sambistas tradicionais, em levantamento da produção musical, com dentro das comunidades ou na
especial as velhas guardas” (D a recuperação (e gravação) de letras Cidade do Samba, de modo a
p. 118) com base na articulação das e melodias de partidos-altos, sambas de “facilitar aos sambistas o acesso
comunidades de sambistas, em especial os terreiro e sambas-enredo, visto que parte aos estudos, investigações
identificados como depositários reconhecidos significativa da produção das comunidades acadêmicas e acervos de imagem
da tradição e dos saberes envolvidos nas de sambistas, principalmente a mais afeita e de som sobre o samba no Rio”
práticas de partido-alto, samba de terreiro às formas tradicionais, de caráter não (D p. 122), a exemplo do espaço
e samba-enredo, que detalharão as comercial, não foi registrada. (D p.120) que acaba de ser criado para o
dificuldades que enfrentam e suas necessidades samba de roda em Santo Amaro
para a plena realização dessas formas de 2. Formação de pesquisadores da Purificação (BA).
expressão. (D p. 120) dentro das diversas comunidades
de sambistas de modo a que Essas e outras iniciativas são
Nesse sentido, como primeiro possam se tornar os agentes da propostas “não com vistas à
resultado do processo de discussão salvaguarda de seu patrimônio eliminação da produção comercial
desenvolvido para a produção do cultural. e voltada para o espetáculo
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anexo 2
Titulação de
Patrimônio
Cultural do
Brasil
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anexo 5
Escolas de
samba mirins do
rio de janeiro
• Aprendizes do Salgueiro
• Corações Unidos do CIEP
• Estrelinha da Mocidade
• Filhos da Águia
• Golfinhos da Guanabara
• Herdeiros da Vila
• Império do Futuro
• Infantes do Lins
• Inocentes da Caprichosos
• Mangueira do Amanhã
• Mel do Futuro
• Miúda da Cabuçu
• Nova Geração do Estácio de Sá
• Petizes da Penha
• Pimpolhos da Grande Rio
• Tijuquinha do Borel
• Virando Esperança
anexo 6
Fonte: Site da Associação das aquarela
Escolas de Samba Mirins do Rio de
Janeiro (AESM-RIO) <http://www. brasileira
aesmrio.com>
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partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo
Xangô da Mangueira.
Acervo Centro
Cultural Cartola.
ISBN: 978-85-7334-192-8