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PRÉ-UNIVERSITÁRIO OFICINA DO SABER Aluno(a):

DISCIPLINA: Literatura PROFESSORES: Suéllen da Mata

O MODERNISMO NO BRASIL – SEGUNDA FASE - POESIA TEXTO 16

A segunda fase do Modernismo apresentou uma belíssima produção poética. O tom


irreverente e combativo da primeira fase cede lugar a uma produção mais madura, mais
compromissada com a nova realidade brasileira e mundial.

A nova poesia

Na segunda fase do Modernismo, com o surgimento de uma nova geração de autores, a poesia
brasileira atinge um estágio de grande amadurecimento. Os poetas abandonam o tom irreverente e
polêmico dos primeiros tempos e, com a liberdade estética conquistada, desenvolvem plenamente
suas próprias tendências, sem a preocupação de chocar os tradicionalistas.
É o período em que se afirma uma das mais importantes gerações de poetas do Brasil: Cecília
Meireles, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Augusto Frederico Schmidt,
Henriqueta Lisboa, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Dante Milano, Mario Quintana e Joaquim
Cardoso, entre outros. Além disso, poetas da fase anterior, como Mário de Andrade e Manuel
Bandeira, renovam-se e continuam a produzir. Todos esses autores contribuem para o
enriquecimento da poesia moderna, que desenvolve várias temáticas: social, religiosa, espiritualista,
amorosa.

Cecília Meireles

Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro, em 1901, e faleceu na mesma cidade, em 1964.
Depurando a linguagem musical e cadenciada do Simbolismo, transformou em poesia emoções como
a melancolia, a saudade e a inquietação provocada pela fugacidade do tempo. Por manifestar uma
resignação madura perante as angústias da vida, sua poesia, marcada por uma nota de tristeza e
desencanto, revela-se como uma das mais significativas expressões do lirismo moderno.
Dentre seus livros de poesia destacam-se: Viagem (1939); Vaga música (1942); Mar
absoluto (1945); Retrato natural (1949); Doze noturnos da Holanda (1952); O
aeronauta(1952); Romanceiro da Inconfidência (1953); Canções (1956); Metal rosicler (1960); Poemas
escritos na Índia (1962); Solombra (1963). Deixou também um livro de poesia infantil: Ou isto ou
aquilo (1964).

Leitura

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje, nem estes olhos tão vazios,
assim calmo, assim triste, assim magro nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força, Eu não dei por esta mudança,
tão paradas e frias e mortas; tão simples, tão certa, tão fácil:
eu não tinha este coração – Em que espelho ficou perdida
que nem se mostra. a minha face?

MEIRELES, Cecília. In: SECCHIN, Antonio Carlos (Org.).


Cecília Meireles: poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. v. 1, p. 232.
©
Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa. Se desmorono ou se edifico,
Não sou alegre nem sou triste: se permaneço ou me desfaço,
sou poeta. – não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento. Sei que canto. E a canção é tudo.
Atravesso noites e dias Tem sangue eterno a asa ritmada.
no vento. E um dia sei que estarei mudo:
– mais nada.
MEIRELES, Cecília. In: SECCHIN, Antonio Carlos (Org.). Cecília Meireles: poesia completa. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2001. v. 1, p. 227.

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Vinicius de Moraes

Vinicius de Moraes (1913-1980) nasceu e morreu na capital fluminense. Formou-se em Direito,


exerceu a carreira diplomática e trabalhou como crítico de arte. Mas, acima de tudo, foi poeta – um
dos mais famosos do país, principalmente pela projeção adquirida como compositor de música
popular, de que foi inspirado letrista.
Inicialmente, sua poesia apresentava uma tendência religiosa, com textos longos, de acentos
bíblicos, porém essa característica foi desaparecendo aos poucos em favor de um tom intimista,
pessoal, voltado para o amor físico, com uma linguagem ao mesmo tempo realista, coloquial e lírica.
É o poeta do tempo presente, fazendo uma poesia de denúncia, mas sem ser panfletária. E é também
o poeta do tempo que passa, da meditação sobre a morte e sobre a brevidade da vida e do amor.
Suas obras principais são: O caminho para a distância (1933); Forma e exegese(1935); Ariana, a
mulher (1936); Cinco elegias (1943); Poemas, sonetos e baladas (1946); Para viver um grande
amor (prosa e poesia, 1965); Para uma menina com uma flor(prosa, 1966). Deixou também um livro
de poesias infantis: A arca de Noé (1970).
Embora praticasse o verso livre, Vinicius revalorizou o soneto, forma em que deixou alguns dos
mais belos poemas de nossa literatura.
Leitura

Soneto de fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento


Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto E assim, quando mais tarde me procure
Que mesmo em face do maior encanto Quem sabe a morte, angústia de quem vive,
Dele se encante mais meu pensamento. Quem sabe a solidão, fim de quem ama,

Quero vivê-lo em cada vão momento Eu possa me dizer do amor (que tive):
E em seu louvor hei de espalhar meu canto Que não seja imortal, posto que é chama
E rir meu riso e derramar meu pranto Mas que seja infinito enquanto dure.
Ao seu pesar ou seu contentamento.
Estoril, outubro de 1939
MORAES, Vinicius de. In: BUENO, Alexei (Org.). Vinicius de Moraes: poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998. p.
289.

Soneto da hora final

Será assim, amiga: um certo dia


Estando nós a contemplar o poente Ao transpor as fronteiras do Segredo
Sentiremos no rosto, de repente Eu, calmo, te direi: – Não tenhas medo
O beijo leve de uma aragem fria. E tu, tranquila, me dirás: – Sê forte.

Tu me olharás silenciosamente E como dois antigos namorados


E eu te olharei também, com nostalgia Noturnamente tristes e enlaçados
E partiremos, tontos de poesia Nós entraremos nos jardins da morte.
Para a porta de treva aberta em frente.
Montevidéu, julho de 1960
MORAES, Vinicius de. In: BUENO, Alexei (Org.). Vinicius de Moraes: poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998. p.
445

Poema de Natal
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados Não há muito que dizer:
Para chorar e fazer chorar Uma canção sobre um berço
Para enterrar os nossos mortos – Um verso, talvez, de amor
Por isso temos braços longos para os adeuses Uma prece por quem se vai –
Mãos para colher o que foi dado Mas que essa hora não esqueça
Dedos para cavar a terra. E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer Pois para isso fomos feitos:
Uma estrela a se apagar na treva Para a esperança no milagre
Um caminho entre dois túmulos – Para a participação da poesia
Por isso precisamos velar Para ver a face da morte –
Falar baixo, pisar leve, ver De repente nunca mais esperaremos...
A noite dormir em silêncio.
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas Nascemos, imensamente.

MORAES, Vinicius de. In: BUENO, Alexei (Org.). Vinicius de Moraes: poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998. p.
445.

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Poesia e música

Vinicius de Moraes levou para as letras de música não só o lirismo de sua linguagem poética,
como também muitos dos temas básicos de sua poesia. A meditação sobre o Tempo, por exemplo, é
um deles. É o que vemos na letra da canção “O filho que eu quero ter”, musicada por Toquinho, uma
das mais inspiradas de sua obra: a vida que vem e a vida que vai, o encontro e a despedida.

Leitura

O filho que eu quero ter

É comum a gente sonhar, eu sei Um filho a quem só queira bem


Quando vem o entardecer E a quem só diga que sim
Pois eu também dei de sonhar
Um sonho lindo de morrer Dorme, menino levado
Vejo um berço e nele eu me debruçar Dorme que a vida já vem
Com o pranto a me correr Teu pai está muito cansado
E assim, chorando, acalentar De tanta dor que ele tem
O filho que eu quero ter
Quando a vida enfim me quiser levar
Dorme, meu pequenininho Pelo tanto que me deu
Dorme que a noite já vem Sentir-lhe a barba me roçar
Teu pai está muito sozinho No derradeiro beijo seu
De tanto amor que ele tem E ao sentir também sua mão vedar
Meu olhar dos olhos seus
De repente o vejo se transformar Ouvir-lhe a voz a me embalar
Num menino igual a mim Num acalanto de adeus
Que vem correndo me beijar
Quando eu chegar lá de onde vim Dorme, meu pai, sem cuidado
Um menino sempre a me perguntar Dorme que ao entardecer
Um porquê que não tem fim Teu filho sonha acordado
Com o filho que ele quer ter

MORAES, Vinicius de. In: BUENO, Alexei (Org.). Vinicius de Moraes: poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998. p.
761-762.

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Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira (MG), em 1902, e morreu na cidade do Rio de
Janeiro, em 1987. É considerado o melhor poeta do Modernismo e um dos grandes nomes de nossa
literatura. Foi também cronista, contista e tradutor.
Escreveu os seguintes livros de poesia: Alguma poesia; Brejo das almas; Sentimento do mundo; A
rosa do povo; Claro enigma; Viola de bolso; Fazendeiro do ar; A vida passada a limpo; Lição de
coisas; Boitempo & A falta que ama; Menino antigo (Boitempo II); As impurezas do branco; A visita;
Discurso de primavera e algumas sombras; Esquecer para lembrar (Boitempo III); A paixão medida;
Corpo; Amar se aprende amando; Poesia errante; O amor natural; Farewell.
A poesia de Drummond revela um longo processo de investigação da realidade humana, e suas
linhas básicas já estão presentes nos primeiros livros: visão crítica da sociedade, frequentemente
expressa por meio do humor e da ironia, e certo desencanto com relação à vida, revelando um
pessimismo em que o homem se encontra frente a frente com o vazio e o nada.
Houve também uma fase de poesia participante, em que ele reconhecia a necessidade de se
integrar em seu tempo, um tempo de destruição e morte. Pouco a pouco, porém, a participação social
por meio da poesia foi sendo substituída por uma visão cada vez mais desolada, em que a esperança
no novo tempo cede lugar a uma resignação madura diante da falta de solidariedade e de justiça.
Os laços familiares do poeta e a força do passado onde se originou seu modo de ser e de encarar a
realidade manifestam-se nos poemas em que trata do pai, da vida antiga em Itabira, do passado
projetando-se no presente. E, ao longo desse percurso, uma de suas características básicas: a
constante reflexão sobre a linguagem poética, sobre o “reino das palavras”.

Leitura

Congresso internacional do medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,


que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

ANDRADE, Carlos Drummond de. In: TELES, Gilberto Mendonça (Fix. textos e notas). Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
2002. p. 73. Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond – www.carlosdrummond.com.br.
Carta
Há muito tempo, sim, que não te escrevo.
Ficaram velhas todas as notícias. A falta que me fazes não é tanto
Eu mesmo envelheci: Olha, em relevo, à hora de dormir, quando dizias
estes sinais em mim, não das carícias “Deus te abençoe”, e a noite abria em sonho.

(tão leves) que fazias no meu rosto: É quando, ao despertar, revejo a um canto
são golpes, são espinhos, são lembranças a noite acumulada de meus dias,
da vida a teu menino, que ao sol-posto e sinto que estou vivo, e que não sonho.
perde a sabedoria das crianças.
ANDRADE, Carlos Drummond de. In: TELES, Gilberto Mendonça (Fix. textos e notas). Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
2002. p. 490. Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond – www.carlosdrummond.com.br.

O tempo passa? Não passa

O tempo passa? Não passa


no abismo do coração. O meu tempo e o teu, amada,
Lá dentro, perdura a graça transcendem qualquer medida.
do amor, florindo em canção. Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.
O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz São mitos de calendário
a um só verso e uma rima tanto o ontem como o agora,
de mãos e olhos, na luz. e o teu aniversário
é um nascer toda hora.
Não há tempo consumido
nem tempo a economizar. E nosso amor, que brotou
O tempo é todo vestido do tempo, não tem idade,
de amor e tempo de amar. pois só quem ama escutou
o apelo da eternidade.

ANDRADE, Carlos Drummond de. In: TELES, Gilberto Mendonça (Fix. textos e notas). Poesia
completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002. p. 1.277. Carlos Drummond de Andrade © Graña
Drummond – www.carlosdrummond.com.br.

Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.


Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem
vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei
raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida
presente.
ANDRADE, Carlos Drummond de. In: TELES, Gilberto Mendonça (Fix. textos e notas).
Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002. p. 80. Carlos Drummond de Andrade
© Graña Drummond – www.carlosdrummond.com.br.

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Diálogo com a pintura

Vincent van Gogh – Terraço de café à noite

Carlos Drummond de Andrade escreveu vários poemas curtos sobre quadros famosos da história
da arte. Podemos ler esses textos como uma espécie de diálogo entre a poesia e a pintura. É uma
experiência estética interessante que pode nos estimular a tentar perceber como nasceu a leitura que
o poeta fez do quadro. Será que o leríamos da mesma maneira? Vejamos então um desses poemas e o
quadro a que ele se refere.

Café noturno (Van Gogh)

Alucinação de mesas
que se comportam como fantasmas
reunidos
solitários
glaciais.

ANDRADE, Carlos Drummond de. In: TELES, Gilberto


Mendonça (Fix. textos e notas).
Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002. p. 1.402.
Carlos Drummond de Andrade
© Graña Drummond – www.carlosdrummond.com.br.

VAN GOGH, Vincent. Terraço de café à noite. 1888. Óleo sobre


tela, 81 × 65,5 cm.

Mario Quintana

A obra do gaúcho Mario Quintana (1906-1994) é uma das grandes contribuições para o
enriquecimento da poesia brasileira. Numa linguagem despojada, enxuta, de grande poder de
comunicação e quase sempre marcada pelo humor ou por uma fina ironia, tratou dos temas
fundamentais da experiência humana: a fragilidade do amor, a solidão, a fugacidade do tempo, a
nostalgia da infância. Do conjunto de seus livros, destacam-se A rua dos
cataventos; Canções; Espelho mágico; O aprendiz de feiticeiro; Esconderijos do tempo. Cultivou
também, de forma original, poemas em prosa em Na volta da esquina; Sapato florido; Caderno H.

Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E
agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não
transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo,
nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas,
fofocas... Aí vai! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto.
Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade.
QUINTANA, Mario. IstoÉ, 14 nov. 1984. (Fragmento). Disponível em: <http://www.estado.rs.gov.br/marioquintana>. Acesso em: 2 set.
2011.

Leitura

Seiscentos e sessenta e seis

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.


Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6a-feira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre, sempre em frente...

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das


horas.
QUINTANA, Mario. In: CARVALHAL, Tania Franco (Org.). Poesia completa. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 2008. p. 479.

Bilhete

Se tu me amas, ama-me baixinho


Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

QUINTANA, Mario. In: CARVALHAL, Tania Franco (Org.). Poesia completa. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 2008. p. 474.

Poeminho do contra

Todos esses que aí estão


Atravancando o meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!

QUINTANA, Mario. In: CARVALHAL, Tania Franco (Org.). Poesia completa. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 2008. p. 257.

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Poesia popular: Patativa do Assaré

A chamada “poesia popular”, aquela que raramente está presente nas academias ou revistas
literárias, é, no entanto, uma parte importante da tradição poética brasileira. São poetas que falam de
um outro Brasil, do Brasil sertanejo. Usam a linguagem do povo para falar da vida no sertão, do
amor pela terra, dos problemas sociais.
Um dos nomes mais representativos dessa poesia é Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido
como Patativa do Assaré. Ele nasceu na cidade de Assaré, no Ceará, em 1908, e lá morreu em 2002.
Trabalhador da roça, teve apenas instrução elementar, mas se tornou um inspirado compositor,
cantor e poeta. Seu apelido, Patativa, aliás, é o nome de um pássaro de bonito canto. Publicou vários
livros, dos quais se destacam Ispinho e fulô e Cante lá que eu canto cá. Produziu poemas tanto em
linguagem culta como em linguagem “matuta”, como ele costumava dizer de seus textos que
reproduziam a fala nordestina.

Leitura

Nordestino, sim, nordestinado, não

Nunca diga nordestino Sempre encontra o mesmo mal


Que Deus lhe deu um destino Esta miséria campeia
Causador do padecer Desde a cidade à aldeia
[...] Do sertão à capital
Não é Deus quem nos castiga
Nem é a seca que obriga Aqueles pobres mendigos
Sofrermos dura sentença Vão à procura de abrigos
Não somos nordestinados Cheios de necessidade
Nós somos injustiçados Nesta miséria tamanha
Tratados com indiferença Se acabam na terra estranha
Sofremos em nossa vida Sofrendo fome e saudade
Uma batalha renhida
Do irmão contra o irmão Mas não é o Pai Celeste
Nós somos injustiçados Que faz sair do Nordeste
Nordestinos explorados Legiões de retirantes
Mas nordestinados, não Os grandes martírios seus
Não é permissão de Deus
Há muita gente que chora É culpa dos governantes
Vagando de estrada afora
Sem terra, sem lar, sem pão Já sabemos muito bem
Crianças esfarrapadas De onde nasce e de onde vem
Famintas, escaveiradas A raiz do grande mal
Morrendo de inanição Vem da situação crítica
Desigualdade política
Sofre o neto, o filho e o pai Econômica e social
Para onde o pobre vai
ASSARÉ, Patativa do (Antônio Gonçalves da Silva). Ispinho e fulô. São Paulo: Hedra, 2005. p. 38-40. (Fragmento).

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