Você está na página 1de 3

Elmar Carvalho

Nasceu em Campo Maior – PI, em 09/04/56. Poeta, cronista, contista e crítico literário. Juiz de
Direito. Bacharel em Direito e em Administração de Empresas. Membro da Academia Piauiense de
Letras. *AS MATÉRIAS ASSINADAS SÃO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES, E NÃO
TRADUZEM OBVIAMENTE A OPINIÃO DO TITULAR DESTE BLOG.

segunda-feira, 22 de março de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Escultura da autoria de Carlos Martins (Carlão), idealizada e financiada pelo professor e escritor
Cineas Santos, que a ofertou a Teresina

22 de março

A SAGA DO SANGUE

Vítima de brutal “engarrafamento”, na sexta-feira passada, fiquei preso no trânsito, exatamente no


balão do cruzamento das avenidas Petrônio Portella e Raul Lopes. Em lugar de me debater e
espancar o volante, ou proferir imprecações contra tudo e contra todos, como muitos fazem, optei
por ficar observando, detidamente, a escultura instalada na rótula. É feita de arame, peças de ferro
e vergalhões metálicos. É bela e imponente em sua singeleza. É como se fora uma catilinária ou
verrina metálica contra os conquistadores e os preadores e matadores de índios. O vencedor
montado em grande e robusto corcel, em pose típica das estátuas equestres, puxa com uma corda
um prisioneiro, naturalmente derrotado na refrega, e que será escravizado. O enorme corcel passa
sobre corpos tombados. Seu chapéu produz grande efeito plástico, pois parece o próprio Sol com
os seus raios incandescentes. No simbolismo do monumento, o cavaleiro, na concepção dos
nativos, poderia ser a própria encarnação do deus-sol, pois possuía o estrondo e o raio de armas
de fogo. Conduz na destra enorme lança, que faz lembrar os heróis das pelejas medievais e os
cavaleiros andantes da idade média. Mas apenas aparentemente, porque na verdade ele simboliza
os chamados heróis da conquista, como os bandeirantes paulistas e os homens da Casa da Torre
da Bahia. Entretanto, hoje se sabe que muito do morticínio das chamadas conquistas se deve a
doenças transmitidas aos nativos pelos europeus, inclusive e talvez principalmente pelos
espanhóis. Contudo, essa pecha de violência não é um “privilégio” e exclusividade de portugueses
e espanhóis, mas também de ingleses, franceses, holandeses e outros povos, pois onde quer que
tenha havido invasões, conquistas, houve entrechoque de civilizações, com a consequente reação
dos invadidos, dos conquistados. Hoje, como todo mundo sabe, o Brasil é essa fecunda
miscigenação, com essa diversidade e riqueza cultural, e esse caldeamento de raças, que
possibilitou o surgimento da beleza morena, que nos encanta e encanta o mundo. Não houvera
acontecido o que aconteceu, hoje o Brasil seria, talvez, ainda um paraíso selvagem, intocado, com
os indígenas caçando, pescando e colhendo suas frutas nativas. Foi pior? Foi melhor assim? Deixo
a resposta aos latifundiários da verdade, aos doutos, aos exegetas, aos proprietários das certezas
absolutas. Aos que não aceitam o que somos ou o que nos tornamos, resta-lhes o consolo de que
podem se despir, envergar uma tanga, armar-se de arco e flecha e tentar ser admitidos em alguma
tribo do Xingu ou do Amazonas. No entanto, devo lhes recordar que o maior cantor indianista do
Brasil, o grande bardo Gonçalves Dias, tinha orgulho de carregar em suas veias a mistura do
sangue de três raças: a negra, a indígena e a branca. Mas a bela e significativa estátua pode ser um
libelo de fogo contra todos as formas de dominação, como o patrão que espolia o empregado, o
marido que tiraniza a mulher, o pai que sevicia o filho, o governante que tripudia sobre o povo que o
elegeu... Tenho a esperança de que algum dia todos seremos irmãos, sem dominadores e
dominados, sem conquistadores e conquistados. Ainda é possível sonhar e nutrir esperanças. No
momento em que eu contemplava a escultura, um forte vendaval a fez oscilar, e tive a nítida
impressão de que o cavalo, o cavaleiro e o prisioneiro ganhavam a vibração da vida. A vida que
deve perpassar toda verdadeira obra de arte.

Poeta Elmar Carvalho às 21:23

4 comentários:

Simão Pedro 22 de março de 2010 22:11


Não existe arte sem vida, não foi impressão sua,com certeza o corcel se movia obediente ao
comando do cavaleiro que orgulhoso se fazia pela conquista. Mal sabe ele, coitado, que amanhã,será
ele o objeto da conquista. O vendaval, que sacudia o quadro observado, nos mostra que é necessário
os abalos para que as mudanças se façam. Um dia, com certeza não haverão vencedores e vencidos.
Responder

Simão Pedro 22 de março de 2010 22:14


O Carlos é meu primo, é um grande artista, uma pessoa humilde e trabalhadora.
Responder

Poeta Elmar Carvalho 22 de março de 2010 22:51


Conheço o Carlos Martins. É um boa praça e um imenso artista plástico, sobretudo em esculturas
metálicas, em que é mestre insuperável.
Responder

Netto de Deus 26 de março de 2010 08:27


Simão e Elmar, o Carlão tem DNA de carnauba no c2h6o...? rs rs rs O artista sabe que é bricadeirinha
e que me dou o direito de fresquear... ruuum! Também tenho os dois.
Responder
Digite seu comentário...

Comentar como: marcelovitor Sair

Publicar Visualizar Notifique-me

‹ Página inicial ›
Visualizar versão para a web

Quem sou eu

Poeta Elmar Carvalho


José Elmar de Mélo Carvalho nasceu em Campo Maior – PI, em 09/04/56. Poeta, cronista,
contista e crítico literário. Juiz de Direito. Bacharel em Direito e em Administração de
Empresas. Presidiu o Diretório Acadêmico “3 de Março”, a União Brasileira de Escritores do
Piauí e o Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Foi membro do Conselho
Editorial da Universidade Federal do Piauí. Publicou os livros “A rosa dos ventos gerais”, “Cromos de Campo
Maior”, “Noturno de Oeiras”, “Sete Cidades – roteiro de um passeio poético e sentimental” e "Lira dos
Cinqüentanos". Participou de várias coletâneas e antologias. Citado em diversos livros e dicionários.
Colaborador das principais revistas e jornais do Piauí. Membro de diversas entidades literárias e culturais.
Detentor de várias honrarias e distinções culturais. Seu livro “A rosa dos ventos gerais” recebeu o Prêmio
Ribeiro Couto (poesia reunida), conferido pela União Brasileira de Escritores – Rio de Janeiro. Membro da
Academia Piauiense de Letras.
Visualizar meu perfil completo

Tecnologia do Blogger.

Você também pode gostar