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A GRANDE DEPRESSÃO E O SURGIMENTO DA MACROECONOMIA

Cláudio Gontijo

A macroeconomia surgiu com o livro do economista inglês John Maynard


Keynes, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, publicado em 1936. Àquela
época, a grande maioria dos economistas acreditava, baseando-se na teoria de
pensamento econômico então hegemônica – a chamada escola neoclássica – que as
forças de mercado impulsionavam a economia para a posição de equilíbrio de pleno
emprego, que corresponderia àquela situação em que os chamados fatores de produção,
ou melhor, o capital e o trabalho, sempre encontrariam emprego vantajoso. Em outras
palavras, qualquer empresário poderia, em princípio, aplicar lucrativamente o seu
capital; de forma similar, todo trabalhador encontraria emprego, desde que aceitasse os
salários vigentes no mercado, ou, na pior das hipóteses, uma remuneração um pouco
abaixo da prevalecente. Deste modo, não existiria desemprego involuntário da mão de
obra, isto é, pessoas que, aceitando trabalhar pelo salário de mercado ou mesmo abaixo
dele, permaneciam no mercado de trabalho sem encontrar uma vaga. Mais do que isso,
acreditavam os economistas que qualquer crise econômica seria de curta duração, pois o
funcionamento automático das forças de mercado conduziria à sua superação em curto
espaço de tempo.
Essas crenças explicam a passividade dos economistas e políticos diante do
desenrolar da Grande Depressão – a crise econômica que, tendo início em fins de 1929,
afetou drasticamente a economia mundial, com a queda dramática dos níveis de renda e
emprego nos principais países capitalistas durante anos e anos. A aparente ineficácia dos
mecanismos de mercado em conduzir a economia de volta ao “equilíbrio de pleno
emprego”, apesar da forte queda dos salários, fez com que alguns autores, como Keynes
e Michael Kalecki, famoso economista polonês, procurassem abordar a questão de outra
perspectiva que não a neoclássica. Essa teoria veio com o chamado princípio da
demanda efetiva, que estabelece que o nível da produção (e, portanto, do emprego) é
determinado pelo nível da demanda agregada.
A Grande Depressão originou-se do crash da Bolsa de Valores de Nova York,
que teve início no dia 20 de outubro de 1929, cinco dias depois do proeminente
professor da Universidade de Yale, Irving Fisher, um dos mais conhecidos economistas
de então, ter declarado com confiança que os Estados Unidos estava “marchando
permanentemente num elevado platô de prosperidade” e que esperava “ver a Bolsa
muito mais alta” no espaço de alguns meses. O otimismo do professor, partilhado pela
esmagadora maioria da população, radicava não apenas no prolongado boom da
economia norte-americana, que, passada a crise de 1919-1920, havia entrado em
vigoroso processo de crescimento econômico a partir de 1924, mas na persistente
elevação do valor das ações cotadas na Bolsa de Valores de Nova York, que se
multiplicou por 2,16 entre 1926 e setembro de 1929. Até princípios de 1928, a alta das
cotações havia acompanhado a elevação da taxa de lucro, mas a partir de março desse
ano a valorização das ações acelerou-se, ultrapassando o aumento da lucratividade.
Vivendo num cenário de prosperidade sem precedentes, em que as cotações das ações
não cessavam de se elevar, muitos se deixaram convencer pelas declarações otimistas de
empresários,1 economistas e políticos,2 para os quais a expansão prosseguiria

Em 1929, o Diretor Executivo da General Motors e líder do Comitê Democrático Nacional,


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John Jacob Raskob, publicou um artigo com o título "Todos Devem Ser Ricos" na revista
feminina Ladies Home Journal, sugerindo que todo norte-americano deveria investir US$ 15 por
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ininterruptamente, e passaram a comprar ações, o que contribuía para o aumento do


valor das mesmas, confirmando as expectativas otimistas. Tornou-se, então, prática
corriqueira levantar empréstimos de curtíssimo prazo nos bancos (call loans), que
cobravam taxas de juros de 12% ao ano, ou mesmo vender as propriedades e, com o
dinheiro assim obtido, comprar ações, na certeza de que esses procedimentos
propiciariam o enriquecimento rápido. Os bancos, por sua vez, tomavam dinheiro junto
ao banco central dos Estados Unidos, o Federal Reserve System, a 5% ao ano,
repassando os recursos assim obtidos para que fossem aplicados na Bolsa de Valores
pelos brokers (corretores de valores).3
Apesar da notória discrepância entre o ritmo de aumento dos lucros e das
cotações das ações, o presidente do Banco Federal de Reserva de Nova York, C. E.
Mitchell, declarou, em princípios de outubro de 1929, que a situação industrial dos
Estados Unidos era “absolutamente sadia”, que se atribuía demasiada importância aos
empréstimos aos brokers e que nada podia deter a alta das cotações. O otimismo geral,
contudo, não impediu que, no dia 24 de outubro, que passaria à história como a “Quinta-
feira Negra”, ocorresse o crash, pois foram oferecidas à venda perto de 12,9 milhões de
ações na Bolsa, com poucos compradores interessados. Embora as cotações tivessem
caído pouco, devido à intervenção dos bancos, capitaneados pelo financista J. P.
Morgan, o mesmo não ocorreu na segunda-feira, dia 28 de outubro, quando quase 9,3
milhões de ações foram ofertadas, sem que, desta feita, os bancos se animem a intervir.
A passividade dos bancos ativou o pânico, fazendo com que a Bolsa de Nova York
vivesse, no dia seguinte, a “Terça-feira Negra”, que representaria o seu pior pregão da
história, com 33 milhões de ações sendo ofertadas no mercado sem que houvesse
compradores, o que ocasionou a dramática queda das suas cotações. Entre 29 de outubro
e 13 de novembro, quando as cotações atingiram seu ponto mais baixo, cerca de US$ 30
bilhões, o equivalente a 28,9% do PNB dos EUA, desapareceram da economia.
A queda espetacular da Bolsa de Nova York assinalou o início da maior e mais
prolongada contração do nível de renda real já observada na história e que ficaria
conhecida como a “Grande Depressão”, que fez desabar os preços e salários, a
produção, o consumo, os investimentos e o comércio internacional, e,
consequentemente, explodir o desemprego. De fato, entre 1929 e 1933 – ano em que a
economia norte-americana atingiu o fundo do poço, os preços por atacado caíram 33%,
os preços dos produtos agrícolas recuaram 45,6%, o PNB caiu 46,2% e o número de
trabalhadores empregados experimentou uma diminuição de 33,7%, com os
desempregados chegando a 7,8 milhões em outubro de 1931, 11,6 milhões um ano
depois e mais de 13,0 milhões em 1933, o correspondente a 27% da população

semana em ações ordinárias (Raskob esqueceu-se de dizer que o salário médio semanal de
um trabalhador norte-americano estava entre US$17 e US$22!).
Em discurso proferido quando de sua aceitação como candidato do Partido Republicado para
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as eleições de 1928, Herbert Hoover, declarou que os norte-americanos se encontravam “mais


próximos do triunfo final sobre a pobreza do que jamais na história de qualquer país” e que a
pobreza estava desaparecendo no país. Durante a campanha, os republicanos afirmaram que a
eleição do candidato do Partido Democrata marcaria “o advento de uma depressão [econômica]
em 1929”. A vitória de Hoover na eleição causou euforia entre os investidores e brokers,
causando renovada elevação do valor das ações.
O total de call loans, que oscilara entre US$ 1,0 bilhão e US$ 1,5 bilhão em 1923-1924, saltou
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para US$ 3,5 bilhões em fins de 1927, US$ 5,0 bilhões no dia 1º de novembro de 1928 e mais
de US$ 7,0 bilhões nas véspera do crash da Bolsa de Nova York.
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economicamente ativa. De dia para noite, floresceram, nas grandes cidades norte-
americanas, as “Hoovervilles” – favelas de desempregados sem-teto.
Em razão do peso da economia
norte-americana, que respondia por
45% da produção industrial e por
12,5% das importações mundiais, e do
papel estratégico da mesma no cenário
internacional, dado ser os EUA o
maior credor e o maior investidor do
mundo, a recessão propagou-se
rapidamente, favorecida pelas políticas
econômicas adotadas pelos países
capitalistas, cujos governos defendiam
o equilíbrio orçamentário e a não-
intervenção do setor público na “Hoovervilles”: Favelas que se espalharam pelas
principais cidades dos Estados Unidos
economia. Se saída, ocorreu forte
declínio das importações, assim como um movimento de repatriação maciça dos capitais
norte-americanos investidos no exterior, o que afetou negativamente as economias dos
outros países, que também entraram em recessão, com a conseqüente queda das
importações, provocada não apenas pela redução do nível da atividade econômica, mas
também pelas medidas de controle (aumento das tarifas alfandegárias e introdução de
barreiras não tarifárias) adotadas pela maioria dos países. Como as importações de uns
significam as exportações de outros, caíram as exportações de todos, fazendo com que a
contração econômica se ampliasse,
realimentando o processo. Como
resultado, o valor do comércio
internacional despencou de US$ 2.998
milhões em janeiro de 1929 para US$
1.839 milhões em janeiro de 1931 e
US$ 992 milhões em 1933.
No princípio, os homens de
negócio, os economistas e os políticos
acreditavam que a contração do nível
da atividade econômica seria
temporária e que, inclusive,
contribuiria para reduzir a especulação
e as práticas corruptas de empresários
inescrupulosos. Afinal, baseando-se na Corrida bancária nos EUA durante a Grande Depressão
chamada “mão invisível” de Adam
Smith, a maioria dos economistas de então acreditava firmemente que os mecanismos
de mercado conduziriam a economia, mais cedo ou mais tarde, para a sua posição
anterior, da qual se havia afastado em razão do crash da Bolsa, pois a queda dos salários
provocada pela expansão do desemprego induziria os empresários a contratar mais mão-
de-obra, o que reduziria o desemprego e aumentaria a produção. Não foi sem motivo,
pois, que a então famosa Sociedade Econômica de Harvard, que predissera uma
recessão a partir do princípio de 1929, emitiu diversos pareceres otimistas prevendo o
fim da crise para breve. Assim, no dia 1º de março de 1930, declarou que “a atividade
manufatureira encontra-se, de maneira definitiva, no caminho do recrescimento”. No dia
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31 de outubro de 1931, a Sociedade – que seria dissolvida pouco depois – afirmou que a
estabilização seria “nitidamente possível no nível atual da depressão”.

Figura 2.1
Valor do Comércio Internacional, 1929-1933
Em US$ milhões
jan
3000
dez fev
2000
nov mar
1000

out 0 abr

set mai

ago jun
jul

1929 1930 1931 1932 1933

Fonte: Kindleberger, Charles. The World in Depression. Berkley: University of


Califórnia Press, 1973, p. 172.

A crença em que os mecanismos de mercado terminariam por reconduzir a


economia ao pleno emprego e a ideologia do orçamento equilibrado contribuíram para
que os governos nada fizessem, não obstante o aprofundamento da contração econômica
e do desemprego da mão-de-bra. Fora a criação do Federal Farm Relief Board,
organismo criado ainda em 1929 com o objetivo de sustentar os preços dos produtos
agrícolas, que estavam caindo, o presidente Hoover pouco fez para retirar a economia
norte-americana da depressão, caindo em descrédito à medida que a situação se
deteriorava. Na Alemanha, a crise foi particularmente profunda, pois, temendo a volta
da hiperinflação, que devastara a economia em 1922-1923, o governo germânico
implementou medidas de austeridade, o que agravou o problema. Seja como for, a
produção industrial caiu cerca de 50% nos Estados Unidos, 47% na Alemanha, 28% na
França e 16% na Grã-Bretanha entre 1929 e 1932, com o desemprego atingindo 30% na
Alemanha e 22% no Reino Unido no mesmo ano. Não foi sem motivo, pois, que
Franklin Delano Roosevelt, o otimista governador democrata do Estado de Nova York,
que prometia ações concretas de assistência à vítimas da depressão, venceu facilmente
as eleições em 1932 nos Estados Unidos e, no ano seguinte, Hitler assumia o poder na
Alemanha.
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Figura 2.2
Índices da Produção Industrial
Alemanha, Estados Unidos, França e Reino Unido, 1929-1938
1929=100

Estados Unidos França Alemanha Reino Unido


Fonte: De Peter Temin, Lessons from the Great Depression. Cambridge:
MIT Press, p. 2.

Assumindo a Presidência dos EUA, Roosevelt lançou o New Deal, conjunto de


medidas de política econômica destinadas a remediar a situação econômica do país.
Além de implementar vasto programa de obras públicas, destinado a reduzir o
desemprego, o presidente eleito fez aprovar a Lei de Emergência Bancária, no dia 9 de
março de 1933, que autoriza o presidente a solicitar do Federal Reserve expandir o
crédito e aumentar a emissão de moeda sem contrapartida em reservas de ouro
(“lastro”), a desvalorizar o dólar e a mandar cunhar moedas de prata em quantidades
ilimitadas. Outra medida importante foi a Lei de Ajustamento Agrícola, do dia 12 de
maio do mesmo ano, através da qual o governo passou a indenizar os agricultores que
reduzissem ou não aumentassem a área plantada, assim como a determinar preços
mínimos, que foram fixados acima dos preços de exportação, com o governo
subsidiando a diferença. No dia 16 de junho, foi aprovada a Lei Bancária, que instituiu
um sistema de seguro dos depósitos bancários e modificou as práticas bancárias,
impedindo os créditos para financiamento da especulação nas Bolsas de Valores.
Objetivando garantir a lucratividade da atividade industrial, assim como a remuneração
dos trabalhadores, além de coibir as atividades monopolistas, Roosevelt ainda conseguiu
a aprovação da Lei da Recuperação da Indústria Nacional, a qual, no entanto, foi
declarada anti-constitucional pelo Supremo Tribunal.
De qualquer maneira, os novos instrumentos legais disponíveis possibilitaram ao
presidente norte-americano patrocinar a expansão do crédito, incentivar o aumento das
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exportações, através da desvalorização do dólar e do financiamento e dos subsídios às


vendas de produtos agrícolas norte-americanos no exterior, assim como implementar
ambicioso programa de obras públicas, o que resultou na firme recuperação da
economia norte-americana a partir de 1934, ano em que o PNB dos EUA cresceu 16,3%.
Na esteira da reativação econômica provocada pelo New Deal, os investimentos, que
haviam caído de US$ 15,8 bilhões (15,4% do PNB) em 1929 para somente US$ 0,9
bilhões (1,5% do PNB) em 1933, voltaram a crescer a partir de 1935, tendo atingido
US$ 11,4 bilhões (12,5% do PNB) em 1937, de forma que, no período 1933-1937, 61%
do crescimento do PNB dos EUA se deveram aos investimentos realizados. Embora o
PIB ainda caísse 6,1% em 1938, a economia norte-americana continuou a sua trajetória
de crescimento no ano seguinte, quando, em razão do rearmamento do país e da eclosão
da II Guerra Mundial, ingressou em prolongado período de expansão.
A amplitude e profundidade da crise econômica e a eficácia do New Deal e das
políticas de expansão do gasto público implementadas na Itália de Mussolini, na
Alemanha de Adolf Hitler e no Japão em retirar a economia desses países da depressão,
em vivo contraste ao que ocorreu nos países que se ativeram ao não intervencionismo do
setor público e ao equilíbrio orçamentário, criaram condições favoráveis para a difusão
da macroeconomia keynesiana, que representou, conforme salientado, uma ruptura com
a teoria econômica tradicional. Todavia, a velha teoria continuou subsistindo lado a lado
com a nova, como um ramo particular da teoria econômica – a chamada
microeconomia, disciplina que se dedicou à análise do comportamento dos agentes
econômicos, vale dizer, das famílias (teoria do consumidor) e das empresas (teoria da
firma).

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