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BIOCOMPATIBILIDADE DAS LIGAS DENTAIS

Nos últimos 15anos muitas ligas odontológicas foram desenvolvidas e


isto gerou uma série de questionamentos sobre a biocompatibilidade das
mesmas a curto e longo prazo.

As ligas resultam da mistura de 2 ou mais metais e em odontologia elas


contêm pelo menos 4 metais e mais freqüentemente 6 ou mais. Portanto as
ligas dentais são complexas do ponto de vista metalúrgico. A diversidade das
ligas odontológicas foi desenvolvido principalmente nos últimos 20 anos devido
ao aumento do preço do ouro que até então era o metal base das ligas. Hoje
a base das ligas estão entre: ouro, paládio,prata,cobalto, níquel ou titânio e os
elementos complementares são os mais variados (ver tabela)

Ligas (base) Componentes


Ouro Ag, Au,Cu, In,Pd,Pt,Zn

Paladio Ag, Pd, Ga, Cu

Prata Ag, Pd

Cobalto Co,Cr,Mo,Fe,C,Si,Mn

Níquel Co, Ni,Mo, Fe, C, Be, Mn

Titânio Ti,O, N, C, Fe, H

A complexidade e diversidade destas ligas explicam a dificuldade da


biocompatibilidade pois, idealmente, nenhum elemento da composição deve
ser liberado e influenciar o organismo. Contudo com a rápida evolução nem
todas as propriedades biológicas da liga são conhecidas.

As ligas dentais são comumente descritas por sua composição e


normalmente tem-se 2 formas de expressar isto: percentual de peso ou número
atômico. A primeira é a mais utilizada contudo, a segunda permite entender
melhor as propriedades biológicas.

Outra forma de descrever a liga é pela fase estrutural. Fases são áreas
dentro da liga que têm a mesma composição e estrutura de cristal. Fase única
tem praticamente a mesma estrutura já quando as fases são múltiplas há
diferenciação de uma fase para outra. Por isso a liga não é homogênea em
toda a estrutura podendo isto ser observado facilmente em microscopia
eletrônica. A fase estrutural de uma liga é crítica para as propriedades de
corrosão e de biocompatibilidade.
Corrosão é uma propriedade química que tem conseqüências para
outras propriedades da liga como: estética, resistência e biocompatibilidade.
A corrosão ocorre quando elementos dentro da liga ionizam, então os
elementos que são inicialmente descarregados dentro da liga perdem elétron
e tornam-se íons positivamente carregados pois estão liberados dentro da
solução.

O fenômeno corrosão é extremamente complexo e depende de uma


variedade de fatores físicos e químicos. Por exemplo, a combinação de 2 ligas
diferentes num ponto de solda deve acentuar a corrosão. Talvez o mais
importante do ponto de vista da biocompatibilidade é identificar e quantificar
os elementos que são liberados pois estão relacionados aos efeitos biológicos
adversos como: toxicidade, alergia ou mutagenicidade. A resposta biológica
para o elemento liberado depende de qual elemento foi liberado, da
quantidade liberada , da duração de exposição aos tecidos, etc.

As ligas não necessariamente liberam elementos na quantidade


existente em sua composição. Uma liga altamente nobre, fase única, deve ter
50% de ouro mas, menos do que 2% do total do volume liberado é ouro. Por
outro lado somente 32% dos átomos dentro da liga são cobre, contudo 85% do
volume liberado é cobre.

Geralmente ligas com fases múltiplas devem liberar mais volume, mas
isto não é regra. Elementos como prata, cobre,níquel, gálio e zinco tem maior
tendência para ser liberado comparado com elementos como ouro e
paládio, por esta razão ligas altamente nobres ou nobres sofrem menor
influência da corrosão. Certos elementos apresentam maior tendência para se
liberarem da liga dental indiferentemente da composição que a liga tem e
esta tendência é referida como instabilidade. O cobre, níquel e gálio são
elementos instáveis. Cádmio e zinco também têm instabilidade considerável.
Prata tem moderada instabilidade e terá menor tendência para ser liberado.
Ouro, paládio e platina tem baixa instabilidade e são improváveis de serem
liberados em alto nível. É preciso deixar claro que a instabilidade dos
elementos não é absoluta. Alguns elementos instáveis podem ser alterados
por outros elementos da liga. Por exemplo, o paládio contribui na redução da
instabilidade do cobre nas ligas a base de ouro. Outro fator a considerar é a
condição ambiental da liga pois isto poderá afetar a liberação de elementos.
A redução do pH, o efeito do ácido na liga dental são relevantes na
biocompatibilidade.

Toxicidade sistêmica das ligas é com certeza um dos mais questionáveis


principalmente ser for considerado que a biocompatibilidade das ligas não
são completamente conhecidos por isso, a impossibilidade de dar ao
profissional uma lista com as melhores. É preciso portanto estar atentos a itens
que podem indicar melhor chance de biocompatibilidade. Existem alguns
pontos chaves sobre a questão da toxicidade:
• Metais liberados não podem entrar no organismo. Este fato é verdade
tanto para toxicidade local como sistêmica. Elementos que são
liberados pela liga na cavidade oral ganham acesso para dentro do
organismo pelo epitélio do intestino, pela gengiva ou outros tecidos
orais; para elementos que formam vapor como o mercúrio o meio de
entrada é o pulmão. Em contraste elementos que são liberados pelos
implantes dentais dentro do tecido ósseo em volta dos implantes
estão,por definição, dentro do organismo. É por esta razão que
elementos liberados pelos implantes são mais críticos biologicamente
do que elementos liberados pelas ligas dentais usadas em restaurações
protéticas.

• Efeito biológico dos metais depende da rota de acesso no corpo. Um


bom exemplo disto é a toxicidade sistêmica dos íons de paládio . Uma
pesquisa feita com ratos mostrou que se administrado oralmente para
ratos terá uma dose letal de 1000mg /kg de peso, se administrado
dentro do peritônio do rato a dose letal vai para 87mg/Kg e a dose
para administração intravenosa é de maior magnitude,
aproximadamente 2mg/Kg.

• Metais que entram no corpo podem ser largamente distribuídos. Dentro


do corpo, os íons metálicos podem ser distribuídos para muitos tecidos
.Essa distribuição pode ser por difusão pelos tecidos, sistema linfático e
corrente sanguínea. Partículas metálicas de(0.5 a 10.0 micrômetros)
deve também ser ingerido por células como os macrófagos que são
transportados para os vasos sanguíneos e linfáticos. O estado de
oxidação e estruturação química do metal influenciará
significantemente na absorção, distribuição, retenção de meia vida(
tempo decorrido para que uma substância perca metade da
capacidade ativa que tinha quando foi introduzida no organismo) e
excreção. A distribuição do elemento metálico é também crítica pela
habilidade de causar toxicidade sistêmica. O organismo geralmente
elimina metais pela urina, fezes ou pulmão. A eliminação do elemento
dependerá da rota de acesso dentro do corpo. Por exemplo, se íons
de paládio forem introduzidos em ratos por via intravenosa, 20%
permanecerá no organismo depois de 40 dias, entretanto se for
administrado oralmente, somente 1% estará presente depois de 3 dias.
O padrão de eliminação é único para cada elemento metálico.

CONTROVÉRSIAS FREQUENTES:

• Elementos liberados pelas ligas fundidas dentro da cavidade oral


ganham acesso para dentro do organismo? Há algumas evidências
que a liberação de elementos podem ganhar acesso pelos tecidos
gengivais. Em cachorros, elevados níveis de cobre na gengiva tem sido
demonstrado adjacentes a coroas compostas de latão (cobre e zinco).
O latão é extremamente propenso à corrosão dentro da boca e por
isso não faz parte das ligas dentais usadas em vários países. Níquel e
cobalto tem sido medido na língua e outros tecidos orais de pacientes
que usam PPR. Em outros estudos , técnicas analíticas extremamente
sensíveis têm sido usadas para demostrar a presença de componentes
de coroas e amálgamas no tecido gengival humano adjacente a liga
dental. Entretanto estes níveis são baixos.

• Há pouca evidência de que elementos liberados pelas ligas metálicas


contribuam significantemente para a presença destes elementos dentro
do organismo. Este resultado não surpreende porque na dieta diária
existem alguns destes elementos. Em muitas situações os elementos
liberados da liga estão dentro da dieta.Em muitas situações os
elementos liberados estão bem distantes das quantidades ingeridas na
dieta. Por exemplo, a amostra de zinco liberada da liga dental (< 0,1
µg/ dia)está abaixo do que pode ser consumido (14,250 µg/ dia).

• A quantidade de liberação de algumas ligas é diretamente


proporcional ao número de fundições presentes na boca. Entretanto,
níquel liberado da prótese é de aproximadamente 400 µg/ dia de
ingestão se a liga é submetida a um meio ácido. Em um pH neutro a
liberação é um pouco menor. Outra evidência tem mostrado que a
liberação de níquel é altamente dependente da quantidade de
cromo. Se o cromo é menor do que 20% do peso, o níquel liberado
durante todas as condições aumenta.

• Se o metal liberado da liga faz parte da dieta, então isto não implica na
ocorrência de toxicidade biológica sistêmica ou outros efeitos.O
problema com a segurança das ligas é que não se sabe o grau de
ingestão de determinado metal na dieta. Uma amostra de titânio
ingerido na dieta pode ou não ser segura (750 µg/ dia). Isto é
simplesmente um fato empírico de que este deve ser o titânio
consumido, então se a liga liberar mais titânio não poderemos garantir
a segurança da liga. Por isso é preciso pesar os riscos e benefícios da
exposição por longo período de tempo a cada metal.

• Alguns trabalhos mostram que implantes ortopédicos induzem a


elevado nível de titânio no soro e fígado dos paciente implantados.
Estudos similares com implantes dentais mostraram que não foram
encontrados altos níveis distantes do local de instalação,
provavelmente porque a área de superfície dos implantes dentais é
menor e não há forças friccionais aplicadas. Com relação a coroas
protéticas, também não foi evidenciado nível sistêmico alto do metal,
mesmo o latão previamente liberado, pois o nível de cobre no soro não
foi elevado.
• Em resumo, toxicidade sistêmica por ligas dentais fundidas não tem sido
demonstrada. Há evidências que liberação de metais podem ganhar
acesso pelo corpo e que estes metais podem ser largamente
distribuídos. Entretanto nenhum estudo tem mostrado que a presença
destes metais podem causar toxicidade sistêmica, embora existam
vários estudos que estão checando esta possibilidade considerando o
fator tempo de exposição.

TOXICIDADE LOCAL DAS LIGAS FUNDIDAS

• As ligas que têm íntimo contato com os tecido podem levar a maior
concentração do metal nesta área. Por exemplo uma coroa estendida
subgengivalmente forma um sulco entre a gengiva e a liga. Se
elementos da liga são liberados no sulco, deve haver maior
concentração nesta área porque eles não foram diluídos na saliva ou
outro sulco digestivo.

• Estudos em vitro revelam que se íons metálicos estão presentes em altas


concentrações locais, isto pode causar alteração no metabolismo
celular, e que o fator tempo deve ser considerado.

• Embora isto tenha sido constatado, as liberações dos íons metálicos no


local ainda geram bastantes debates. A pergunta principal é se a
concentração local é suficiente para causar efeito adverso em vivo. Em
um estudo onde foi colocado coroas de latão (cobre e zinco) que
normalmente sofrem grande corrosão ,em dentes de cachorro,
observou-se que após algum tempo de uso houve presença de
inflamação significante na gengiva. Contudo as ligas usadas hoje
liberam bem menos elementos. O que sabe-se até agora é que é
pouco provável toxicidade local por curto período de tempo, a dúvida
é se isto muda se for considerado longos períodos.

LIGAS FUNIDAS PODEM CAUSAR ALERGIAS?

• De uma forma geral os estudos mostram que esta associação não é


freqüente. Um estudo mostrou que 15% da população é sensível ao
níquel, 8% ao cobalto e 8% ao cromo. Foi encontrado também relato
por mercúrio, cobre, ouro,platina, paládio, estanho e zinco, entretanto
a freqüência destas alergias não foram bem definidas. Acredita-se que
a alta incidência de alergia ao níquel é provavelmente resultado da
alta freqüência de exposição por jóias metálicas, a instabilidade dos
íons metálicos e as interações biológicas dos íons níquel com os tecidos.
Apesar também da grande exposição ao ouro, a resposta alérgica é
rara. Esta baixa incidência provavelmente é resultado do baixo nível de
ouro liberado e da incapacidade destes íons interagirem com os
tecidos de forma a causar alterações alérgicas.

EFEITOS MUTAGÊNICOS E CARCINOGÊNICOS DAS LIGAS FUNDIDAS

• Geralmente os íons metálicos que podem ser relacionados a estes


efeitos estam diretamente ligados a capacidade de corrosão.
Entretanto é importante frisar que partículas de ligas podem ganhar
acesso ao corpo indiretamente pelo pulmão durante fase de desgaste
e polimento. Uma vez no pulmão estas partículas devem ser conduzidas
dentro do corpo por macrófagos ou outras células. A subseqüente
corrosão intracelular destas partículas influenciarão na habilidade desta
liga causar mutações. Por esta razão deve-se ter cuidado para proteger
o pulmão da inalação de partículas, especialmente aquelas menores
do que 10 µm de diâmetro que não podem ser filtradas pelo sistema
respiratório.

• A atividade carcinogênica dos elementos das ligas dentais é


pobremente conhecido. Muitas evidencias sobre efeitos mutagênicos e
carcinogênicos são evidenciados em trabalhadores de indústrias
expostos a metais por longo período de tempo. Contudo há pouca ou
nenhuma evidencia na literatura dental que indica efeito
carcinogênico das ligas.

• Apesar da pouca evidência seria prudente ter cuidado com uso de


metais que apresentam chances de serem carcinogênicos como :
Cádmio, cobalto e berílio.

Resumo baseado no artigo:

Biocompatibility of dental casting alloys: A review

Wataha JC. Biocompatibility of dental casting alloys: a review.J Prosthetic


Dentistry 2002;87:351-363.

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