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Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que
sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou
oculte:
1. CONCEITO
Como observa Celso Delmanto, "é indispensável que o objeto material do delito de
receptação seja coisa produto de crime, pois, sem tal pressuposto, não há receptação.
Não basta que seja produto de contravenção. É necessário que se trate de produto de
crime mesmo, não compreendendo os instrumentos do delito. Quanto à natureza ou
objetividade do crime original, pode ele ser contra o patrimônio ou não, admitindo-se, até,
que haja receptação de receptação. A doutrina aceita como o produto de crime o que o
substitui" (Código Penal Comentado, Rio de Janeiro, Renovar, 2ª ed., 1988, p. 366).
Importante notar que o CP, ao tratar da tipificação do furto, do roubo, do dano e da
apropriação indébita, utiliza a expressão coisa alheia, enquanto na receptação diz, apenas,
coisa, o que leva a crer que nada impede seja o dono desta, também, sujeito ativo. Não há
receptação dolosa quando o agente atua com dolo eventual, vale dizer, quando adquire o
bem tendo dúvida sobre sua procedência, respondendo, in casu, por receptação culposa
(cf. Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, São Paulo, Saraiva, 1989, p. 526).
Jurisprudência:
- Responde por receptação dolosa o agente que instiga outrem a furtar a res, destinada a
aquisição criminosa (TACrimSP, JUTACrim 70-87).
- A mediação culposa para que terceiro adquira ou receba a coisa não constitui receptação
(HC, TACrimSP, JUTACrim 70-87).
Receptação e Dolo
Sujeito ativo: pode ser qualquer pessoa, exceto o autor, co-autor ou partícipe do crime
anterior.
Questões polêmicas:
a) O proprietário da coisa receptada pode ser sujeito ativo do crime? Sim, caso a tenha
oferecido em penhor e venha a adquiri-la das mãos do ladrão que a furtou do credor
pignoratício;
4. OBJETO MATERIAL
Só pode ser coisa móvel, malgrado só utilize o dispositivo a expressão "coisa". Aliás,
receptação tem significado de dar receptáculo. Esse substantivo significa dar esconderijo,
abrigo, lugar onde guardam coisas, tudo isso não se harmonizando com a idéia de imóvel
(Noronha, ob. cit., p. 501).
Não deixa de haver receptação quando: a) somente parte do produto do crime é adquirido,
recebido etc. pelo receptador; b) a coisa é alterada, transformada, modificada ou
substituída por outra (subtrai dinheiro e adquire um móvel, entregando-o ao receptador
para ocultá-lo).
Os instrumentos utilizados no crime podem ser objeto de receptação? Não. Nada obstante,
pode ocorrer favorecimento real. O preço do crime, também, não constitui objeto de
receptação.
"O juiz que julga o receptador, deve ter provas de que houve um delito anterior, que a
origem da coisa é delituosa. Não se exige haja sentença condenatória de crime
antecedente; basta conhecimento de sua existência, mas conhecimento certo"
( Magalhães Noronha, ob. cit., p. 492).
Se, entretanto, houver decisão no processo relativo ao crime antecedente, absolvendo o
agente por falta de prova quanto à existência do delito, falecerá o pressuposto do delito de
receptação. Ocorrerá o mesmo se houver o reconhecimento do estado de necessidade em
relação ao autor do fato anterior, sem embargo do entendimento em contrário de
Magalhães Noronha (Ob. cit., p. 493).
a) não é preciso ser conhecido o autor do delito antecedente, podendo, inclusive, ser
inimputável;
c) consumado ou tentado;
6. MODALIDADES DE RECEPTAÇÃO
a) Adquirir: "compreende não só a compra, mas qualquer outro meio hábil ou idôneo que
conduza ao mesmo resultado. Pouco importa seja a aquisição a título oneroso ou gratuito"
(Noronha, ob. cit., p. 498). "Não é necessário contrato ou relação obrigacional entre as
pessoas" (Damásio. Ob. cit. p.496);
As novas condutas: Vieram suprir uma lacuna que deixava impunes as condutas daqueles
que "atravessavam" a res furtiva, do ladrão ao efetivo receptador, porque inviabilizava ou,
pelo menos, dificultava a caracterização do estado de flagrância de tais condutas. Isto
porque, na redação original, as figuras típicas "adquirir" e "receber" só permitiam estado
flagrancial, propriamente dito, se os agentes fossem presos no momento em que se
apossavam da res furtiva. A tradicional figura "ocultar" pressupõe a dissimulação, o que
muitas das vezes não ocorre, já que a receptação é ostensiva.
Configura receptação dolosa imprópria a conduta consistente em influir, para que terceiro,
de boa-fé, adquira, receba ou oculte coisa, produto de crime (art. 180, caput, 2ª parte).
"Trata-se de mediação criminosa. O agente não executa as ações incriminadas
anteriormente, mas age como mediador, para que terceiro as pratique. Influir é incutir,
estimular, inspirar, entusiasmar, excitar etc." (Magalhães Noronha. Ob. cit., p.499).
"Não é preciso que o sujeito influenciado adquira, receba ou oculte a coisa produto do
crime. É preciso, entretanto, que o influenciador saiba que a coisa é produto de delito
antecedente" (Damásio. Ob. cit. p.496). Trata-se, portanto, de crime formal.
Se o terceiro não está de boa-fé, não comete este tipo, mas a receptação própria.
Observe-se que não cogitou a lei de todas as ações típicas previstas na receptação
própria, olvidando, pois, as condutas de transportar e conduzir.
6.3.RECEPTAÇÃO QUALIFICADA
6.3.1. Conceito
Destinatários das novas figuras típicas: Examinando o tipo qualificado da receptação, tem-
se a nítida impressão de que veio, sob encomenda, para os proprietários de "ferros-
velhos" e outros locais de "desmanche" de veículos onde, até então, se realiza impune o
comércio de carros e peças de automóveis roubados (entrando o carro por uma porta e
saindo suas peças pela outra), bem como para os "feirantes" das famosas feiras de peças
de carros roubados, sendo conhecidíssima no Rio de Janeiro a "Feira de Acari", tema,
inclusive, de música, em ousada apologia ao crime.
No tipo qualificado, além das elementares do tipo simples (adquirir, receber, transportar,
conduzir ou ocultar), relativas à conduta do agente, foram inseridas outras, a saber:
Ter em depósito: estocar;
Desmontar: desfazer, desmanchar;
Montar: encaixar, aprontar para funcionar;
Remontar: tornar a montar, remodelar;
Vender: alienar por certo preço;
Expor à venda: pôr à vista para vender;
Ou de qualquer forma utilizar: fazer uso.
Não basta a prática das referidas condutas: é preciso que sejam praticadas no exercício
de atividade comercial ou industrial. Atividade comercial é a intermediação com o intuito de
lucro. A atividade industrial consiste no conjunto das operações para a produção das
riquezas, com o fito de transformar e comercializar quaisquer objetos. Equipara-se à
atividade comercial, nos termos do § 2° do art. 180 do CP (norma explicativa), "qualquer
forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência".
É crime material, consumando-se com a prática das condutas descritas neste § 1° . Nas
modalidades expor à venda e ter em depósito, trata-se de infração permanente.
6.3.6. Classificação: crime próprio, doloso, material, comissivo. Nas figuras de ter em
depósito e expor à venda é delito permanente; nas demais, instantâneo.
6.3.7. Confronto
Entende-se que o tipo do art. 311 do CP deve ser absorvido pelo do § 1° do art. 180. Se,
porém, aquele for cometido por funcionário público (§ 1° do art. 311 do CP) é a receptação
que deve ser absorvida.
§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e
o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso.
Configura o crime de receptação culposa o fato de o agente adquirir ou receber coisa que,
por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem
a oferece, deve presumir-se por meio criminoso (§ 3° do art. 180, CP).
"Indicam-se três indícios objetivos, que vinculam a presunção de culpa (‘deve presumir-se
obtida por meio criminoso’)" (Delmanto. Ob. cit., p. 389):
c. condição de quem oferece a coisa: "Claro é que não são a aparência e o hábito externo
que invariavelmente influirão nesse elemento que a lei considera. Pode conhecer-se a
pessoa e, então, outros fatores são tidos em conta". "Assim, a aparência, a profissão, o
conceito social, a idade etc., são condições que devem ser apreciadas na receptação"
(Noronha, ob. cit., p. 509).
Se o sujeito age com dolo eventual, ou seja, adquire o objeto material tendo dúvida a
respeito de sua procedência, responde por receptação culposa.
O conhecimento posterior da procedência criminosa da coisa não pode dar lugar ao delito
do parágrafo terceiro, do art. 180, do CP.
De se notar que houve, apenas, modificação da escala penal, que era própria (reclusão de
um a cinco anos e multa), passando, agora, a pena a ser a da receptação simples,
dobrada (o que dá reclusão de dois a oito anos e multa).
7. AUTONOMIA DA RECEPTAÇÃO
8. QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA
9. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
1. Receptação dolosa simples, própria e imprópria: dolo direto (não admite o dolo
eventual), acrescido do outro elemento: em proveito próprio ou alheio;
2. Receptação qualificada: dolo eventual. Para a doutrina, se o agente atuar com dolo
direto responde pelo caput; se com dolo eventual, a pena cominada deve ser também a do
caput. Além do dolo eventual, exige-se outro elemento em proveito próprio ou alheio.
1) receptação culposa;
Requisitos:
A lei, por lapso, não abrangeu a causa de aumento de pena para a receptação qualificada.
1) Aquisição etc., em uma só ação, de objetos de vários crimes: há, nesse caso, vários
delitos pressupostos; porém, uma só receptação;
"Não visando o acusado proveito próprio ou para terceira pessoa estranha ao delito
original, e sim beneficiar o próprio criminoso, sua conduta não constitui crime autônomo. A
diferença entre a receptação e o favorecimento real está em que na primeira modalidade
criminosa, o agente busca alcançar proveito próprio ou para terceira pessoa, excluído o
autor do crime. No favorecimento real, não objetiva proveito econômico para si ou para
terceiro, mas apenas beneficiar o responsável pelo delito anterior" (RJDTACRIM 2/141)
Penas:
Ação penal: pública incondicionada, salvo na hipótese de imunidade penal relativa, que
reclamará representação da vítima (art. 182, CP).
Análises complementares
O DOLO DIRETO
A lei 9426/96 deu nova redação ao parágrafo 1º do art.180 do CP, estruturando a figura da
chamada receptação qualificada.
Trata-se de crime próprio, pelo que se exige uma qualificação especial do seu autor. No
caso, o sujeito ativo não pode ser qualquer pessoa, mas apenas aquela que é
explicitamente indicada no tipo, ou seja, quem está no exercício de atividade comercial ou
industrial.
Da simples leitura do artigo acima transcrito, percebe-se que na receptação simples de
que fala o caput, o legislador requer que o agente saiba da origem criminosa da coisa. Já
na receptação qualificada referida no parágrafo 1º, a exigência legal não é a de que
"saiba", mas, sim, a de que "deva saber" que a coisa tem procedência delituosa.
Diante da diferença redacional dos alvejados dispositivos, não faltaram vozes alertando
para grande dificuldade de adequação típica na hipótese em que o comerciante pratica
qualquer das condutas típicas da receptação qualificada SABENDO da origem criminosa
do objeto material, já que o comportamento típico narrado no par.1o do art.180 do CP é de
quem promove a receptação comercial ou industrial "devendo saber" da procedência
delituosa da coisa.
Parte da doutrina, como é o caso de Aberto Silva Franco, entende que o preceito
sancionatório do art.180, §1º do CP não pode ser aplicado, por lesar o princípio
constitucional da proporcionalidade, devendo, em consequência, o preceito primário da
referida regra penal ter os limites de pena da receptação simples. Assim, se o comerciante
sabia da origem criminosa da coisa receptada, sua conduta se ajusta integralmente ao
art.180, caput, do CP, diante da omissão típica do § 1º para a situação do agente que atua
com dolo direto. Se, no entanto, ao invés de "saber", apenas "devia saber" (dolo eventual),
seu comportamento se adequa ao § 1º do art.180 do CP, mas, para evitar desproporção
na punição, a pena a ser aplicada também será a do caput (Código Penal e sua
Interpretação Jurisprudencial, vol.02, RT, p.2969).
Há quem divirja, sustentando que essa não é a melhor interpretação a ser dada aos
referidos comandos normativos.
De fato, o Direito somente emerge como ciência do espírito humano, no momento em que
o jurista procura atingir o verdadeiro sentido e a exata compreensão das normas jurídicas.
Portanto, interpretar um texto normativo significa captar sua essência, compreendê-lo,
esclarecendo e fixando seu sentido e alcance. Deve ser ele, no primeiro momento, objeto
de interpretação – o que determina seu conteúdo -, para em seguida ser devidamente
aplicado ao caso que se busca solucionar.
STJ: "A receptação qualificada, como forma de fomentar o roubo de caminhões de carga,
onde, em muitas ocasiões, os motoristas são assassinados, é crime grave e que mereceu
a devida atenção do legislador, através da lei 9426/96, que, introduziu um parágrafo ao
art.180 do CP, aumentando-lhe consideravelmente a apenação (6a Turma – HC 6612 –
Rel. Anselmo Santiago – j.26.05.98 – DJU 03.08.98, P.324)
Como é cediço, as disposições constantes dos parágrafos, mantém um liame com o artigo.
Assim, se o caput se refere à receptação dolosa (receber coisa que sabe ser produto de
crime anterior) está claro que também é dolosa a receptação qualificada com penas mais
drásticas.
Vencida essa etapa, resta analisar a questão do elemento subjetivo contido na figura
qualificada. Nesse passo, convém desde logo consignar que o "sabe" constante do caput
(figura típica simples) indica pleno conhecimento da origem ilícita da coisa, ou seja, só
incide em caso de dolo direto. Já no § 1º, nós temos a expressão "deve saber",
satisfazendo-se o legislador com a presença do chamado dolo eventual.
Assim sendo, o fato adapta-se ao § 1º, que abrange o sabe (dolo direto) e o deve saber
(dolo eventual): se a lei pune o fato menos grave com o mínimo de três anos de reclusão
(deve saber), não seria crível que o de maior gravidade (sabe) fosse atípico ou punido com
pena menor, de uma ano (prevista no caput). Destarte o "deve saber" não pode ser
entendido como indicativo somente de dolo eventual, de dúvida ou incerteza, significando
que a origem criminosa do objeto material ingressou na esfera de consciência do
receptador, abrangendo o conhecimento pleno (sabe) ou parcial (dúvida ou desconfiança).
"A péssima redação da norma, aliada a interpretação literal, leva, de fato, ao entendimento
preconizado por alguns de que a norma incriminadora não abrange a conduta de quem
age com dolo direto. No entanto, a intenção do legislador foi de que não apenas o dolo
direto como também o dolo eventual implicarão no reconhecimento do crime de
receptação qualificada. No caso, o legislador disse menos do que queria expressar e deve-
se buscar o espírito normativo, ampliando-se o alcance da expressão utilizada no tipo,
aplicando-se, por conseguinte, a interpretação extensiva" (GN) (Curso de Direito Penal,
vol.02, ed.RT, 2000, p.605)
Nem se diga, como pretendem alguns, que em se tratando de norma penal incriminadora,
veda-se a interpretação extensiva. Nesse sentido, expõe DAMÁSIO E. DE JESUS:
Os adágios apontados não podem servir de normas interpretativas, uma vez que
constituiria um erro afirmar, a priori, que o resultado da interpretação deva ser restritivo,
extensivo ou sempre favorável ao agente. Se a finalidade desta é apontar a vontade da lei,
só depois do emprego de seus meios surgirá o resultado: extensivo, se aquela for
extensiva; restritivo, se restritiva (...)" (Direito Penal, vol.01, Ed. Saraiva, 24a Ed – 2001,
p.42/43) .
Assim sendo, por todas as razões expostas, é de se concluir que a qualificadora narrada
no § 1º, do art.180 do CP abrange não só as hipóteses que o agente atua com dolo
eventual, como também, por interpretação extensiva, as situações que a receptação
comercial ou industrial é realizada com plena ciência da procedência delituosa da coisa.
1 - COLOCAÇÃO DO TEMA.
É freqüente nos plantões policiais das Delegacias, casos de pessoas flagradas portando,
transportando ou depositando armas de fogo, de uso permitido ou não, sem autorização
para o porte, ou sem o registro regulamentar de tais armas, ambos documentos expedidos
pelos Delegados de Polícia. Sobre essas condutas incide o artigo 10, da Lei nº 9.437, de
20-2-1997, que comina uma pena de detenção de 1 a 2 anos e multa. Em grande parte
dessas ocorrências, as armas estão com as numerações identificadoras raspadas, de
modo que não podemos verificar qual sua origem, tampouco se foi objeto material de furto
ou roubo. Como o flagrante do crime de suprimir ou alterar a numeração é raro
(consubstanciando-se apenas quando o agente for flagrado suprimindo ou alterando a
marca ou numeração), a incidência do § 3º, inciso I, do referido artigo - que prevê pena de
2 a 4 anos de reclusão para a conduta - , pelo princípio da legalidade (e pelo decorrente
princípio da interpretação estrita da lei penal) torna-se praticamente impossível. Assim,
mesmo nos casos em que a arma de fogo está com a numeração suprimida ou oculta,
devemos aplicar o caput do referido art. 10.
Tendo em vista o máximo da pena privativa de liberdade de 2 anos prevista pelo art. 10 da
Lei nº 9.437/97, o delito de porte ilegal de arma, nos termos do art. 2º da Lei nº 10.259, de
12-6-2001, tornou-se uma infração de menor potencial ofensivo. Isso porque, o limite
máximo de 2 anos de pena privativa de liberdade aplicado aos Juizados Especiais
Criminais da Justiça Federal, passou a ser aplicado, também, aos Juizados Especiais
Criminais dos estados, estando, portanto, revogado o limite previsto no art. 61 da Lei nº
9.099/95. Assim entendem a maioria dos doutrinadores de relevo do Direito Penal
Brasileiro (entre eles Damásio de Jesus, César Roberto Bittencourt, Luiz Flávio Gomes,
Roberto Podval, Fernando Capez, entre outros). Assim entende, também, a jurisprudência
do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Dessa forma, o delito de porte
ilegal de arma de fogo de uso permitido, será processado através de Termo
Circunstanciado de Ocorrência, não sendo passível de prisão em flagrante o agente que o
cometer, desde que se comprometa a comparecer em Juízo quando for intimado para
tanto (art. 69 da Lei nº 9.099/95).
A questão controvertida surge, e não é raro acontecer, no caso de o agente ser flagrado
portando, transportando ou ocultando uma arma de fogo de uso permitido que, por não
estar com a numeração raspada, em consulta no sistema de informações da Polícia Civil,
comprova-se ser objeto de furto ou roubo. Descartando a possibilidade de que o próprio
agente que esteja portando ou depositando a arma seja o autor do delito do roubo ou furto,
tem-se, pois, um sujeito que adquiriu, transporta, oculta um objeto produto de crime (furto
ou roubo), o que é definido, em tese, pelo tipo de receptação, previsto no art. 180 do
Código Penal Brasileiro. Ao mesmo tempo, esse objeto produto de crime possui uma
condição especial, qual seja, é uma arma de fogo, cuja disciplina legal e condutas ilícitas
estão previstas na Lei nº 9.437/97.
Tem-se estabelecido, pois, um conflito aparente de normas penais que, em tese, podem
incidir sobre o mesmo fato. O caso toma mais relevo na medida em que uma das soluções
apontadas, ou seja, considerar a conduta crime de receptação, obriga a Autoridade
Policial, presentes os requisitos processuais, lavrar o Auto de Prisão em Flagrante do seu
autor. Para a outra posição - a aplicação do art. 10 da Lei nº 9.437/97, a solução
processual é formalizar um Termo Circunstanciado de Ocorrência, sendo solto o autor,
mediante o compromisso, na forma da lei. O Delegado de Polícia, primeira autoridade a
tomar conhecimento da situação, não sendo apenas um chancelador de leis e posições
pré-estabelecidas pelos juristas, deve interpretar o direito aplicando a norma jurídica que
melhor se adequa ao caso concreto.
Ademais, o art. 10, caput, traz, em sua parte final, o elemento normativo que define
quando os verbos narrados no início do artigo passam a constituir o crime de porte ilegal
de arma de fogo de uso permitido: a conduta tem que ocorrer sem a autorização e em
desacordo com determinação legal ou regulamentar. Sem sombra de dúvidas, quando a
norma versa "em desacordo com determinação legal ou regulamentar", quer prever todas
as formas de obtenção, porte ou detenção ilegais de armas, no que se inserem as armas
furtadas ou roubadas, o que faz perfeita a incidência do artigo 10 nessas condutas.
Mais uma vez, depara-se com uma lei que, a despeito de uma louvável intenção do
legislador (atingir penalmente os que utilizam arma de fogo para praticar outros delitos
mais graves), por abrandamento das penas e/ou falhas em sua redação, reduzem a quase
nada o objetivo da norma penal, fazendo com que criminosos respondam brandamente e
em liberdade por uma conduta de grave perigo social. As Autoridades Policiais, ante a
grande responsabilidade pela segurança das comunidades, têm também a grande
responsabilidade de aplicar o Direito aos fatos, para a promoção da justiça, que é o que a
sociedade exige.