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RECEPTAÇÃO - Art.

180 do Código Penal

Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que
sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou
oculte:

Pena – reclusão de um a quatro anos, e multa.

1. CONCEITO

É o fato de adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou


alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir, para que terceiro, de boa-fé,
adquira-a, receba-a ou oculte-a ( art. 180, caput do CP).

Como observa Celso Delmanto, "é indispensável que o objeto material do delito de
receptação seja coisa produto de crime, pois, sem tal pressuposto, não há receptação.

Não basta que seja produto de contravenção. É necessário que se trate de produto de
crime mesmo, não compreendendo os instrumentos do delito. Quanto à natureza ou
objetividade do crime original, pode ele ser contra o patrimônio ou não, admitindo-se, até,
que haja receptação de receptação. A doutrina aceita como o produto de crime o que o
substitui" (Código Penal Comentado, Rio de Janeiro, Renovar, 2ª ed., 1988, p. 366).
Importante notar que o CP, ao tratar da tipificação do furto, do roubo, do dano e da
apropriação indébita, utiliza a expressão coisa alheia, enquanto na receptação diz, apenas,
coisa, o que leva a crer que nada impede seja o dono desta, também, sujeito ativo. Não há
receptação dolosa quando o agente atua com dolo eventual, vale dizer, quando adquire o
bem tendo dúvida sobre sua procedência, respondendo, in casu, por receptação culposa
(cf. Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, São Paulo, Saraiva, 1989, p. 526).

Jurisprudência:

- Responde por receptação dolosa o agente que instiga outrem a furtar a res, destinada a
aquisição criminosa (TACrimSP, JUTACrim 70-87).

- A mediação culposa para que terceiro adquira ou receba a coisa não constitui receptação
(HC, TACrimSP, JUTACrim 70-87).

- Em face da legislação penal brasileira, só as coisas móveis ou mobilizadas podem ser


objeto de receptação. Assim, não é crime, no direito pátrio, o adquirir imóvel que esteja
registrado em nome de terceiro, que não o verdadeiro proprietário, em virtude de
falsificação de procuração (RHC, STF, RTJ 97-148 e 546-413).

Receptação e Dolo

Receptação dolosa. Ausência de prova sobre o elemento subjetivo do injusto. A infração


descrita no artigo 180, caput, do Código Penal pressupõe o conhecimento certo e
inequívoco da procedência delituosa do objeto. Tal ciência não se presume, deve ser
demostrada. Não havendo prova apta a caracterizar o dolo direto, a absolvição é de rigor.
Apelo improvido. Unânime. (Apelação Crime N.º 70001277409, Câmara Especial Criminal,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Maria da Graça Carvalho Mottin, julgado em
28/11/00)

2. OBJETIVIDADE JURÍDICA: o patrimônio. Segundo Luiz Regis Prado, tutela-se também


a administração da justiça, supletivamente (Ob. cit., p. 627).
3. SUJEITOS DO DELITO

Sujeito ativo: pode ser qualquer pessoa, exceto o autor, co-autor ou partícipe do crime
anterior.

Questões polêmicas:

a) O proprietário da coisa receptada pode ser sujeito ativo do crime? Sim, caso a tenha
oferecido em penhor e venha a adquiri-la das mãos do ladrão que a furtou do credor
pignoratício;

b) O advogado ou defensor que adquire, recebe ou oculta coisa proveniente de crime


perpetrado por seu cliente responde por receptação? A resposta está com Noronha: "Não
existe qualquer disposição legal que o isente de pena. A função que exerce não lhe
outorga esse direito. De excetuar o caso em que o objeto do crime é o dinheiro, ou este
provém da venda da coisa, recebendo ele a importância a título de despesas e honorários,
salvo se o defensor recebe vultuosa soma, desproporcionada ao serviço que presta e
coincidente com a importância subtraída etc., e se patentemente o acusado é miserável,
não tendo ninguém que o possa auxiliar financeiramente" (ob. cit., p. 497/8);

c) "Não há receptação quando uma pessoa, embora conhecendo a origem delituosa da


coisa, a adquire de quem a possui de boa-fé, ou seja, de quem por sua vez, a houve do
criminoso, desconhecendo, entretanto, tratar-se de coisa de procedência criminosa"
(Noronha, ob. cit., p. 498).

Sujeito passivo, em regra, é o mesmo do crime principal (antecedente) do qual adveio a


coisa receptada.

4. OBJETO MATERIAL

Só pode ser coisa móvel, malgrado só utilize o dispositivo a expressão "coisa". Aliás,
receptação tem significado de dar receptáculo. Esse substantivo significa dar esconderijo,
abrigo, lugar onde guardam coisas, tudo isso não se harmonizando com a idéia de imóvel
(Noronha, ob. cit., p. 501).

Não deixa de haver receptação quando: a) somente parte do produto do crime é adquirido,
recebido etc. pelo receptador; b) a coisa é alterada, transformada, modificada ou
substituída por outra (subtrai dinheiro e adquire um móvel, entregando-o ao receptador
para ocultá-lo).

Os instrumentos utilizados no crime podem ser objeto de receptação? Não. Nada obstante,
pode ocorrer favorecimento real. O preço do crime, também, não constitui objeto de
receptação.

5. PRESSUPOSTO DA RECEPTAÇÃO: DELITO ANTECEDENTE

Só há receptação, quando o sujeito adquire, recebe, transporta, conduz ou oculta, em


proveito próprio ou alheio, coisa produto de crime.

"O juiz que julga o receptador, deve ter provas de que houve um delito anterior, que a
origem da coisa é delituosa. Não se exige haja sentença condenatória de crime
antecedente; basta conhecimento de sua existência, mas conhecimento certo"
( Magalhães Noronha, ob. cit., p. 492).
Se, entretanto, houver decisão no processo relativo ao crime antecedente, absolvendo o
agente por falta de prova quanto à existência do delito, falecerá o pressuposto do delito de
receptação. Ocorrerá o mesmo se houver o reconhecimento do estado de necessidade em
relação ao autor do fato anterior, sem embargo do entendimento em contrário de
Magalhães Noronha (Ob. cit., p. 493).

Caracteres do crime anterior:

a) não é preciso ser conhecido o autor do delito antecedente, podendo, inclusive, ser
inimputável;

b) pode ser doloso ou culposo (ex.: peculato culposo);

c) consumado ou tentado;

d) pode ser patrimonial ou não patrimonial;

e) pode ser receptação;

f) se for contravenção, o fato será atípico.

6. MODALIDADES DE RECEPTAÇÃO

6.1. RECEPTAÇÃO DOLOSA PRÓPRIA

"Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa


que sabe ser produto de crime" (art. 180 do CP).

a) Adquirir: "compreende não só a compra, mas qualquer outro meio hábil ou idôneo que
conduza ao mesmo resultado. Pouco importa seja a aquisição a título oneroso ou gratuito"
(Noronha, ob. cit., p. 498). "Não é necessário contrato ou relação obrigacional entre as
pessoas" (Damásio. Ob. cit. p.496);

b) Receber: implica, geralmente, detenção material da coisa, mas não transmissão da


propriedade. Pode o recebimento dar-se para fim de o receptador guardar a coisa, em
proveito de terceiro que não o autor do delito antecedente, porém não desnatura o delito,
se ocorrerem outros fins, como o de uso, depósito, consumo etc.

c) transportar: levar, carregar;

d) conduzir: guiar, dirigir;

e) ocultar: esconder ou tornar irreconhecível.

As novas condutas: Vieram suprir uma lacuna que deixava impunes as condutas daqueles
que "atravessavam" a res furtiva, do ladrão ao efetivo receptador, porque inviabilizava ou,
pelo menos, dificultava a caracterização do estado de flagrância de tais condutas. Isto
porque, na redação original, as figuras típicas "adquirir" e "receber" só permitiam estado
flagrancial, propriamente dito, se os agentes fossem presos no momento em que se
apossavam da res furtiva. A tradicional figura "ocultar" pressupõe a dissimulação, o que
muitas das vezes não ocorre, já que a receptação é ostensiva.

"Transportar" e "conduzir": Com essas novas condutas, está em flagrante-delito aquele


que leva consigo a res furtiva, da mesma forma em que está aquele que a "adquire",
"recebe" ou "oculta". Aí se incluem os motoristas que estão dirigindo o carro roubado, que
estão levando nos caminhões as peças roubadas, etc. Essas novas condutas abrangem
uma grande parcela de receptadores, igualando os "atravessadores" aos efetivos
receptadores.

Condutas permanentes: De se notar que as condutas "transportar" e "conduzir" são


permanentes, protraindo-se no tempo o momento consumativo, com sua conseqüência
flagrancial. Enquanto durar o deslocamento da res furtiva está sendo cometida a infração
penal.

"Transportar" X "conduzir". Diferenças: "Transportar" significa deslocar de um local de


origem para um outro local de destino; "Conduzir" é menos do que "transportar", ao passo
em que basta, para sua caracterização, ter o agente a res furtiva, em trânsito, em seu
poder. Se se tratar de veículo, por exemplo, basta que o agente o esteja dirigindo,
sabendo ser o veículo produto de crime. Esta conduta parece-nos vir sob encomenda para
as famosas "cabras" (veículos roubados ou furtados que alguns policiais, os quais
deveriam formalizar a recuperação e entregá-los aos seus proprietários, utilizam como se
fossem seus).

6.2. RECEPTAÇÃO DOLOSA IMPRÓPRIA

Configura receptação dolosa imprópria a conduta consistente em influir, para que terceiro,
de boa-fé, adquira, receba ou oculte coisa, produto de crime (art. 180, caput, 2ª parte).
"Trata-se de mediação criminosa. O agente não executa as ações incriminadas
anteriormente, mas age como mediador, para que terceiro as pratique. Influir é incutir,
estimular, inspirar, entusiasmar, excitar etc." (Magalhães Noronha. Ob. cit., p.499).

"Não é preciso que o sujeito influenciado adquira, receba ou oculte a coisa produto do
crime. É preciso, entretanto, que o influenciador saiba que a coisa é produto de delito
antecedente" (Damásio. Ob. cit. p.496). Trata-se, portanto, de crime formal.

Se o terceiro não está de boa-fé, não comete este tipo, mas a receptação própria.
Observe-se que não cogitou a lei de todas as ações típicas previstas na receptação
própria, olvidando, pois, as condutas de transportar e conduzir.

O legislador, ao criar as novas condutas da receptação, o fez apenas para a chamada


"receptação própria", esquecendo-se da "receptação imprópria" (2ª parte, do caput do art.
180). Assim, o crime formal de receptação imprópria ocorre somente quando há
intermediação para que terceiro de boa-fé "adquira", "receba" ou "oculte" a res, inexistindo,
porém, quando há intermediação para o "transporte" ou "condução", o que se constitui em
incoerente esquecimento do legislador.

6.3.RECEPTAÇÃO QUALIFICADA

§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar,


remontar, vender, expor a venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou
alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto
de crime:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

A qualificadora se dá em razão do exercício de atividade comercial ou industrial, por parte


do sujeito ativo da relação criminal, relacionada à receptação. Não é necessária a
atividade comercial regular, posto que a ela se equipara qualquer atividade de comércio,
ostensiva ou clandestina, mesmo irregular, ainda que exercida em residência (§ 2º).
§ 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma
de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência.

6.3.1. Conceito

Constitui receptação qualificada o fato de o comerciante ou industrial adquirir, receber,


transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor
à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de
atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime (§ 1° . do art.
180). Esta forma qualificada foi introduzia pela Lei 9.426, de 24.12.96.

Condutas: Além das cinco condutas que caracterizam a receptação simples, a se


distinguirem em razão da atividade, o legislador tipifica outras sete - "ter em depósito",
"desmontar", "montar", "remontar", "vender", "expor a venda", "utilizar" de qualquer forma.

De se notar que o simples uso da res furtiva configura a receptação qualificada.

As condutas de "ter em depósito" e "expor a venda" são permanentes, com suas


conseqüências processuais quanto ao estado de flagrância se protraindo no tempo, capaz
de autorizar o ingresso em "casa" alheia (art. 150, § 4º, do Código Penal) independente de
mandado judicial (art. 5º, XI, da Constituição Federal).

Elemento subjetivo: É o dolo, consistente na vontade livre e consciente de praticar uma


das doze condutas da receptação qualificada, para levar vantagem (proveito próprio ou
alheio), no exercício de atividade comercial (própria ou equiparada) ou industrial, tendo por
objeto material coisas que "deve saber ser produto de crime".

Aqui o legislador não exige o conhecimento da origem do material como imprescindível ao


dolo do receptador, como o faz na receptação simples (coisa que "sabe ser produto de
crime").

Enquanto que, na receptação simples, em razão da exigência do conhecimento da origem


da res, tem-se entendido que só o dolo direto é capaz de caracterizá-la (RF, 192:382; RT
486:321, 495:353, 517:362; JTACrimSP, 51:207...), aqui, na receptação qualificada, tanto
faz se o agente obrar com dolo direto como com dolo eventual, interpretação que nos
parece condizente com a expressão "deve saber ser produto de crime".

A diferença de tratamento é bem razoável, ao passo em que a receptação qualificada


pressupõe o exercício de atividade comercial ou industrial, sendo perfeitamente exigível do
comerciante ou industrial um dever maior de cuidado, de sorte a não assumir riscos de
trabalhar com produtos de crime.

Destinatários das novas figuras típicas: Examinando o tipo qualificado da receptação, tem-
se a nítida impressão de que veio, sob encomenda, para os proprietários de "ferros-
velhos" e outros locais de "desmanche" de veículos onde, até então, se realiza impune o
comércio de carros e peças de automóveis roubados (entrando o carro por uma porta e
saindo suas peças pela outra), bem como para os "feirantes" das famosas feiras de peças
de carros roubados, sendo conhecidíssima no Rio de Janeiro a "Feira de Acari", tema,
inclusive, de música, em ousada apologia ao crime.

6.3.2. Tipo objetivo

No tipo qualificado, além das elementares do tipo simples (adquirir, receber, transportar,
conduzir ou ocultar), relativas à conduta do agente, foram inseridas outras, a saber:
 Ter em depósito: estocar;
 Desmontar: desfazer, desmanchar;
 Montar: encaixar, aprontar para funcionar;
 Remontar: tornar a montar, remodelar;
 Vender: alienar por certo preço;
 Expor à venda: pôr à vista para vender;
 Ou de qualquer forma utilizar: fazer uso.

Não basta a prática das referidas condutas: é preciso que sejam praticadas no exercício
de atividade comercial ou industrial. Atividade comercial é a intermediação com o intuito de
lucro. A atividade industrial consiste no conjunto das operações para a produção das
riquezas, com o fito de transformar e comercializar quaisquer objetos. Equipara-se à
atividade comercial, nos termos do § 2° do art. 180 do CP (norma explicativa), "qualquer
forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência".

6.3.3. Sujeitos do delito:

a) ativo: só o comerciante ou o industrial (crime próprio);

b) passivo: o proprietário da res.

6.3.4. Elementos subjetivos do tipo

O tipo qualificado exige expressamente dois elementos subjetivos:

a) o dolo eventual, plasmado na expressão deve saber;

b) o outro elemento subjetivo contido na expressão em proveito próprio ou alheio. Segundo


o entendimento dominante, o dolo deve ser antecedente ou contemporâneo à ação. Logo,
não se admite dolo subsequente (Delmanto, ob. cit., p.386)

Pergunta-se: se o agente laborar com dolo direto? Em realidade, o legislador só tipificou a


conduta plasmada no dolo eventual. Em face disso, o agente, se agir com dolo direto, só
responde pelo caput, na visão de Damásio (Ob. cit., p.501) e de Delmanto (Ob. cit., p.388).
Entende ainda o primeiro autor que o preceito secundário do tipo qualificado é
inconstitucional, por ferir os princípios da harmonia e da proporcionalidade da pena, em
virtude de cominar pena mais grave àquele que laborar com dolo eventual (o que laborar
com dolo direto deve ser punido de acordo com o caput, cuja pena cominada é mais leve).
(Damásio. Ob. cit., p.502; Delmanto. Ob. cit., p. 388).

Tendo em vista a referida disparidade, e enquanto o legislador não inserir no § 1° a


expressão "sabe", consagrando, também, o dolo direto no tipo qualificado, aquele que
cometer o tipo qualificado deve ser punido de acordo com a cominação prevista no caput
do art. 180 do CP.

6.3.5. Consumação e tentativa

É crime material, consumando-se com a prática das condutas descritas neste § 1° . Nas
modalidades expor à venda e ter em depósito, trata-se de infração permanente.

A tentativa é admissível, salvo na modalidade permanente.

6.3.6. Classificação: crime próprio, doloso, material, comissivo. Nas figuras de ter em
depósito e expor à venda é delito permanente; nas demais, instantâneo.
6.3.7. Confronto

"Tratando-se de adulteração ou remarcação de número de chassi ou qualquer sinal


identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento, vide art. 311 do
CP" (Delmanto, op. cit., p. 370).

Entende-se que o tipo do art. 311 do CP deve ser absorvido pelo do § 1° do art. 180. Se,
porém, aquele for cometido por funcionário público (§ 1° do art. 311 do CP) é a receptação
que deve ser absorvida.

6.4. RECEPTAÇÃO CULPOSA

§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e
o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso.

Permanece punível, à título de culpa, as condutas de quem "adquire" ou "recebe" coisa


que "deve presumir-se obtida por meio criminoso". Aqui o legislador, ao contrário do que
normalmente faz (art. 18, II, do Código Penal), descreve o tipo penal culposo, revelando a
imprudência pela desproporção entre o preço cobrado e o preço de mercado da res, bem
como pela pessoa do vendedor, e, ainda, pela natureza incompatível com a forma de
negociação da coisa. Apenas a aquisição e o recebimento são incriminados à título de
culpa. Não o é (como já não o era) a ocultação, isto porque, como ensina Damásio de
Jesus (Código Penal Anotado, ed. Saraiva), tal conduta revela o dolo. Também não o são
as demais condutas (transportar, conduzir, etc.), porém por mera política legislativa, já que
as mesmas, em tese, admitiriam idêntica descrição culposa.

Configura o crime de receptação culposa o fato de o agente adquirir ou receber coisa que,
por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem
a oferece, deve presumir-se por meio criminoso (§ 3° do art. 180, CP).

"Indicam-se três indícios objetivos, que vinculam a presunção de culpa (‘deve presumir-se
obtida por meio criminoso’)" (Delmanto. Ob. cit., p. 389):

a. natureza da coisa: "Natureza é essência; é condição própria; é o conjunto de todos os


atributos e propriedades da coisa"(Noronha, ob. cit., p. 507) (ex.: comprar faróis de
automóvel de um desconhecido);

b. desproporção entre o valor e o preço: Trata-se de valor econômico, destacando-se o


valor e uso e o de troca (ex.: comprar jóia caríssima a preço vil);

c. condição de quem oferece a coisa: "Claro é que não são a aparência e o hábito externo
que invariavelmente influirão nesse elemento que a lei considera. Pode conhecer-se a
pessoa e, então, outros fatores são tidos em conta". "Assim, a aparência, a profissão, o
conceito social, a idade etc., são condições que devem ser apreciadas na receptação"
(Noronha, ob. cit., p. 509).

"Assinale-se, porém, que tais circunstâncias ‘não implicam necessariamente na existência


da culpa’ (H. fragoso, Lições de Direito Penal, 1995, parte especial, v. I, p. 340). Como
escreve Hungria, ‘por mais forte que seja um indício, não está jamais a coberto de ser
infirmado por outro em sentido contrário’ (Comentários ao CP, 1967, v. VII, p. 319)"
(Delmanto, ob. cit., p. 3891).

Se o sujeito age com dolo eventual, ou seja, adquire o objeto material tendo dúvida a
respeito de sua procedência, responde por receptação culposa.
O conhecimento posterior da procedência criminosa da coisa não pode dar lugar ao delito
do parágrafo terceiro, do art. 180, do CP.

§ 5º - No caso do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as


circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa, aplica-se o disposto no §
2º do art. 155.

Com certeza gerará controvérsias, a respeito da aplicação do privilégio apenas à


receptação simples ou, também, à receptação qualificada, já que ambas são dolosas e a
lei utiliza, genericamente, a expressão "Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º
do art. 155. O legislador deveria ter esclarecido, e não apenas renumerado o parágrafo (de
§ 3º, para § 5º), já que criou outra figura de receptação dolosa - a receptação qualificada -
que, antes, não existia. Contudo, a NOSSA POSIÇÃO é a seguinte: o privilégio da
substituição da pena de reclusão pela de detenção, sua redução de um a dois terços, ou a
aplicação exclusiva da pena de multa, quando primário o criminoso e de pequeno valor a
res, só tem cabimento em face de receptação simples, não se aplicando à receptação
qualificada, porque incompatível com a mens lege, que foi a de agravar a situação
daqueles que, em exercício de atividade comercial ou industrial, trabalham com produto de
crime.

§ 6º - Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município,


empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena
prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro.

De se notar que houve, apenas, modificação da escala penal, que era própria (reclusão de
um a cinco anos e multa), passando, agora, a pena a ser a da receptação simples,
dobrada (o que dá reclusão de dois a oito anos e multa).

7. AUTONOMIA DA RECEPTAÇÃO

A receptação (dolosa ou culposa) é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o


autor do crime de que proveio a coisa (§ 4° do art. 180), o que significa que a culpabilidade
não é requisito do crime.

8. QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA

Crime comum (salvo a hipótese do § 1° ), simples, acessório, delito comissivo, material


(salvo a 2ª parte do caput, que é formal), plurissubsistente, de dano, instantâneo (salvo as
figuras de ter em depósito e expor à venda, previstas no § 1°, que são permanentes; o
mesmo se diga quanto à figura ocultar prevista no caput do art. 180), plurissubsistente
(salvo a 2ª parte do caput, que é unissubsistente).

9. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Nas modalidades dolosa própria, dolosa qualificada e culposa a consumação ocorre,


quando o agente pratica qualquer das condutas previstas em cada tipo, visto que as
mencionadas modalidades constituem crimes materiais. Já na receptação dolosa
imprópria, a consumação vai ocorrer, quando o agente influir, para que terceiro, de boa-fé,
adquira, receba ou oculte a coisa produto de crime, ainda que o terceiro não venha praticar
qualquer dessas condutas. Cuida-se de crime formal.

A tentativa é admissível na receptação dolosa própria e qualificada, sendo inadmissível na


imprópria (crime unissubsistente), na qualificada, notadamente nas modalidades expor à
venda e ter em depósito, e na culposa.
10. ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO

Depende da espécie de receptação:

1. Receptação dolosa simples, própria e imprópria: dolo direto (não admite o dolo
eventual), acrescido do outro elemento: em proveito próprio ou alheio;

2. Receptação qualificada: dolo eventual. Para a doutrina, se o agente atuar com dolo
direto responde pelo caput; se com dolo eventual, a pena cominada deve ser também a do
caput. Além do dolo eventual, exige-se outro elemento em proveito próprio ou alheio.

11. FIGURA TÍPICA PRIVILEGIADA - REQUISITOS

O privilégio reclama três requisitos:

 receptação dolosa simples ou qualificada: inexiste na culposa;


 réu primário;
 pequeno valor a res. (art. 180, § 5º, segunda parte, CP).

12. PERDÃO JUDICIAL - REQUISITOS:

1) receptação culposa;

2) réu primário (art. 189, § 5º, primeira parte, CP).

13. CAUSA DE AUMENTO DE PENA - REQUISITOS

Requisitos:

1º) receptação dolosa simples própria e imprópria;

2º) natureza do objeto material: bens e instalações do patrimônio da União, Estado,


Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista.
(art. 180, § 6º, CP).

A lei, por lapso, não abrangeu a causa de aumento de pena para a receptação qualificada.

14. CONCURSO DE CRIMES - HIPÓTESES

1) Aquisição etc., em uma só ação, de objetos de vários crimes: há, nesse caso, vários
delitos pressupostos; porém, uma só receptação;

2) Aquisição etc., em diversas ocasiões, de objetos de único delito: aqui as ações do


receptador são várias, ao contrário da hipótese anterior. Poderá responder por crime
continuado;

3) Aquisição etc. de objetos provenientes de crimes praticados por diversas pessoas: em


diversos dias o receptador adquire etc. coisas que são produtos de crimes praticados por
várias pessoas. Nesse caso, responde por concurso material, podendo subsistir também o
crime continuado;
4) Aquisição etc., por diversas pessoas, de coisas de delito único: cada um dos
adquirentes praticará uma receptação que se concretiza na coisa, separada das outras,
que vem a seu poder (Noronha, ob. cit., p. 506).

15. DISTINÇÃO ENTRE RECEPTAÇÃO E FAVORECIMENTO REAL

O favorecimento real é uma figura parecídissima com a receptação. Aquela consiste no


fato de prestar a criminoso, fora dos casos de co-autoria ou de receptação, auxílio
destinado a tornar seguro o proveito do crime (art. 349, do CP). Entretanto, a
jurisprudência distingue nitidamente esses delitos:

"Não visando o acusado proveito próprio ou para terceira pessoa estranha ao delito
original, e sim beneficiar o próprio criminoso, sua conduta não constitui crime autônomo. A
diferença entre a receptação e o favorecimento real está em que na primeira modalidade
criminosa, o agente busca alcançar proveito próprio ou para terceira pessoa, excluído o
autor do crime. No favorecimento real, não objetiva proveito econômico para si ou para
terceiro, mas apenas beneficiar o responsável pelo delito anterior" (RJDTACRIM 2/141)

Outra distinção: o favorecimento constitui delito contra a administração da justiça;


enquanto a receptação configura crime contra o patrimônio, reclamando vítima
determinada.

16. PENAS E AÇÃO PENAL

Penas:

a) receptação dolosa simples própria e imprópria: reclusão, de 1 a 4 anos, e multa; na


hipótese do § 6°, esta pena é aplicada em dobro;

b) receptação qualificada: pena, de 3 a 8 anos, e multa;

c) receptação culposa: detenção, de 1 mês a 1 ano, ou multa, ou ambas as penas. A


receptação dolosa simples é infração de médio potencial ofensivo, a qual admite a
suspensão condicional do processo. Já a receptação culposa é de menor potencial
ofensivo, admitindo transação e suspensão condicional do processo.

Ação penal: pública incondicionada, salvo na hipótese de imunidade penal relativa, que
reclamará representação da vítima (art. 182, CP).

Análises complementares

O DOLO DIRETO

NA CHAMADA RECEPTAÇÃO QUALIFICADA

A lei 9426/96 deu nova redação ao parágrafo 1º do art.180 do CP, estruturando a figura da
chamada receptação qualificada.

Trata-se de crime próprio, pelo que se exige uma qualificação especial do seu autor. No
caso, o sujeito ativo não pode ser qualquer pessoa, mas apenas aquela que é
explicitamente indicada no tipo, ou seja, quem está no exercício de atividade comercial ou
industrial.
Da simples leitura do artigo acima transcrito, percebe-se que na receptação simples de
que fala o caput, o legislador requer que o agente saiba da origem criminosa da coisa. Já
na receptação qualificada referida no parágrafo 1º, a exigência legal não é a de que
"saiba", mas, sim, a de que "deva saber" que a coisa tem procedência delituosa.

Diante da diferença redacional dos alvejados dispositivos, não faltaram vozes alertando
para grande dificuldade de adequação típica na hipótese em que o comerciante pratica
qualquer das condutas típicas da receptação qualificada SABENDO da origem criminosa
do objeto material, já que o comportamento típico narrado no par.1o do art.180 do CP é de
quem promove a receptação comercial ou industrial "devendo saber" da procedência
delituosa da coisa.

Parte da doutrina, como é o caso de Aberto Silva Franco, entende que o preceito
sancionatório do art.180, §1º do CP não pode ser aplicado, por lesar o princípio
constitucional da proporcionalidade, devendo, em consequência, o preceito primário da
referida regra penal ter os limites de pena da receptação simples. Assim, se o comerciante
sabia da origem criminosa da coisa receptada, sua conduta se ajusta integralmente ao
art.180, caput, do CP, diante da omissão típica do § 1º para a situação do agente que atua
com dolo direto. Se, no entanto, ao invés de "saber", apenas "devia saber" (dolo eventual),
seu comportamento se adequa ao § 1º do art.180 do CP, mas, para evitar desproporção
na punição, a pena a ser aplicada também será a do caput (Código Penal e sua
Interpretação Jurisprudencial, vol.02, RT, p.2969).

Há quem divirja, sustentando que essa não é a melhor interpretação a ser dada aos
referidos comandos normativos.

De fato, o Direito somente emerge como ciência do espírito humano, no momento em que
o jurista procura atingir o verdadeiro sentido e a exata compreensão das normas jurídicas.
Portanto, interpretar um texto normativo significa captar sua essência, compreendê-lo,
esclarecendo e fixando seu sentido e alcance. Deve ser ele, no primeiro momento, objeto
de interpretação – o que determina seu conteúdo -, para em seguida ser devidamente
aplicado ao caso que se busca solucionar.

A interpretação, é portanto, uma atividade que busca atribuir significado ao texto


normativo, apresentando-se ao mesmo tempo como ato cognoscitivo e de criação,
devendo o intérprete se ater ao contexto histórico-cultural e social em que o texto legal se
encontra imerso.

Quanto ao resultado obtido com essa operação lógico-sistemática, sabe-se que a


interpretação pode ser meramente declaratória, restritiva ou extensiva, ocorrendo a última
toda vez que o intérprete chegar a conclusão que o legislador disse menos do que
pretendia, tornando-se necessária a ampliação do significado das palavras para alcançar a
mens legis.

Colhem-se na doutrina e jurisprudência, inúmeros exemplos de aplicação de interpretação


extensiva com relação a normas penais incriminadoras. Por exemplo: o art.130 do CP
(perigo de contágio venéreo) inclui não só o perigo, mas também o próprio contágio de
moléstia grave; no art.168 (apropriação indébita), a expressão "coisa alheia" inclui a coisa
comum; o art.235 (bigamia) refere-se não apenas à bigamia, mas também à poligamia; o
art.260 (perigo de desastre ferroviário) envolve, além do serviço ferroviário, o serviço de
metrô etc.

Partindo dessa premissa, e analisando a hipótese em discussão, é importante registrar


que a lei 9426/96 deu nova redação ao § 1º do art.180 do CP, estruturando uma figura
criminosa que recebeu o nomem iuris de receptação qualificada, sendo justificado pela
necessidade de punição mais severa àquele que faz da receptação um comércio, ainda
que clandestino, conduta de maior gravidade e dano social do que a receptação
individualizada ou simples. Além disso, é sabido que a grande incidência da receptação na
atualidade, fator preponderante na ampliação dos furtos e roubos, é a receptação
profissional, levada a termo por oficina clandestinas de desmontes de veículos ou por
comerciantes desonestos que adquirem cargas roubadas, obtendo um lucro na maioria
das vezes lavado pelo sangue de quem as transportava. Nesse sentido:

STJ: "A receptação qualificada, como forma de fomentar o roubo de caminhões de carga,
onde, em muitas ocasiões, os motoristas são assassinados, é crime grave e que mereceu
a devida atenção do legislador, através da lei 9426/96, que, introduziu um parágrafo ao
art.180 do CP, aumentando-lhe consideravelmente a apenação (6a Turma – HC 6612 –
Rel. Anselmo Santiago – j.26.05.98 – DJU 03.08.98, P.324)

Ao se analisar a disposição típica da novel circunstância qualificativa, não se nota


nenhuma incongruência entre os dispositivos legais, pois o § 1º do preceito nada mais é
do que uma forma qualificada do crime previsto no caput.

Como é cediço, as disposições constantes dos parágrafos, mantém um liame com o artigo.
Assim, se o caput se refere à receptação dolosa (receber coisa que sabe ser produto de
crime anterior) está claro que também é dolosa a receptação qualificada com penas mais
drásticas.

Vencida essa etapa, resta analisar a questão do elemento subjetivo contido na figura
qualificada. Nesse passo, convém desde logo consignar que o "sabe" constante do caput
(figura típica simples) indica pleno conhecimento da origem ilícita da coisa, ou seja, só
incide em caso de dolo direto. Já no § 1º, nós temos a expressão "deve saber",
satisfazendo-se o legislador com a presença do chamado dolo eventual.

A razão dos dispositivos, é óbvia: no injusto de receptação simples, o legislador


condicionou a punição a existência do dolo direto. Já no injusto qualificado, por tratar-se de
CRIME MAIS GRAVE, a lei cominou pena mais grave ao comerciante, ainda que o mesmo
atue com dolo eventual. Isso de nenhuma forma quer dizer que o par.1o deixa de incidir no
caso do comerciante atuar com dolo direto, até porque, por princípio de direito, quem pune
o mínimo, também pune o máximo.

Seria, na verdade uma monstruosidade jurídica se aplicar a pena do § 1º quando o


comerciante atuasse com dolo eventual e a pena do caput (SENSIVELMENTE MENOR)
quando o mesmo adquirisse o bem, no exercício de atividade comercial, sabendo de sua
origem ilícita (DOLO DIRETO).

Igualmente inadmissível seria sujeitar os autores de receptações qualificadas às penas do


caput do art.180 do CP, quer tenham autuado como dolo direto, quer tenha agido como
dolo eventual, com que estaríamos legitimando a impunidade, e esvaziando por completo
a utilidade e objetivo da qualificadora.

É absolutamente óbvio que o art.180, § 1º merece interpretação extensiva, pelo que se a


descrição típica pune quem atua com dolo eventual, evidentemente também incide no
caso de dolo direto. O contrário é que não seria admissível, já que, exigindo o tipo o dolo
direto apenas, de cujo exemplo são os arts. 138, 180, caput, 339 do CP, não seria
admissível a punição de quem atua apenas com assentimento do resultado ilícito.

Assim sendo, o fato adapta-se ao § 1º, que abrange o sabe (dolo direto) e o deve saber
(dolo eventual): se a lei pune o fato menos grave com o mínimo de três anos de reclusão
(deve saber), não seria crível que o de maior gravidade (sabe) fosse atípico ou punido com
pena menor, de uma ano (prevista no caput). Destarte o "deve saber" não pode ser
entendido como indicativo somente de dolo eventual, de dúvida ou incerteza, significando
que a origem criminosa do objeto material ingressou na esfera de consciência do
receptador, abrangendo o conhecimento pleno (sabe) ou parcial (dúvida ou desconfiança).

Pensar diferente e negar interpretação extensiva ao dispositivo, seria o mesmo por


exemplo, que punir nas penas do art.130 do CP quem mantém relações sexuais expondo
a perigo de contágio e considerar atípico o fato, no caso de efetivo contágio, ou de punir a
bigamia e deixar impune a trigamia, com o que chegaríamos ao final dos tempos.

Na doutrina, ao analisar o tema pertinente ao art.180, par.1o, do CP, tem-se a lição de


LUIZ REGIS PRADO:

"A péssima redação da norma, aliada a interpretação literal, leva, de fato, ao entendimento
preconizado por alguns de que a norma incriminadora não abrange a conduta de quem
age com dolo direto. No entanto, a intenção do legislador foi de que não apenas o dolo
direto como também o dolo eventual implicarão no reconhecimento do crime de
receptação qualificada. No caso, o legislador disse menos do que queria expressar e deve-
se buscar o espírito normativo, ampliando-se o alcance da expressão utilizada no tipo,
aplicando-se, por conseguinte, a interpretação extensiva" (GN) (Curso de Direito Penal,
vol.02, ed.RT, 2000, p.605)

Nem se diga, como pretendem alguns, que em se tratando de norma penal incriminadora,
veda-se a interpretação extensiva. Nesse sentido, expõe DAMÁSIO E. DE JESUS:

"Se é permitida a interpretação extensiva, constitui um erro a adoção da regra geral


segundo a qual as normas penais incriminadoras devem ser interpretadas restritivamente,
enquanto as permissivas se interpretam extensivamente. (...)

Os adágios apontados não podem servir de normas interpretativas, uma vez que
constituiria um erro afirmar, a priori, que o resultado da interpretação deva ser restritivo,
extensivo ou sempre favorável ao agente. Se a finalidade desta é apontar a vontade da lei,
só depois do emprego de seus meios surgirá o resultado: extensivo, se aquela for
extensiva; restritivo, se restritiva (...)" (Direito Penal, vol.01, Ed. Saraiva, 24a Ed – 2001,
p.42/43) .

Assim sendo, por todas as razões expostas, é de se concluir que a qualificadora narrada
no § 1º, do art.180 do CP abrange não só as hipóteses que o agente atua com dolo
eventual, como também, por interpretação extensiva, as situações que a receptação
comercial ou industrial é realizada com plena ciência da procedência delituosa da coisa.

PORTAR ARMA DE FOGO ROUBADA OU FURTADA:

RECEPTAÇÃO OU PORTE ILEGAL?

1 - COLOCAÇÃO DO TEMA.

É freqüente nos plantões policiais das Delegacias, casos de pessoas flagradas portando,
transportando ou depositando armas de fogo, de uso permitido ou não, sem autorização
para o porte, ou sem o registro regulamentar de tais armas, ambos documentos expedidos
pelos Delegados de Polícia. Sobre essas condutas incide o artigo 10, da Lei nº 9.437, de
20-2-1997, que comina uma pena de detenção de 1 a 2 anos e multa. Em grande parte
dessas ocorrências, as armas estão com as numerações identificadoras raspadas, de
modo que não podemos verificar qual sua origem, tampouco se foi objeto material de furto
ou roubo. Como o flagrante do crime de suprimir ou alterar a numeração é raro
(consubstanciando-se apenas quando o agente for flagrado suprimindo ou alterando a
marca ou numeração), a incidência do § 3º, inciso I, do referido artigo - que prevê pena de
2 a 4 anos de reclusão para a conduta - , pelo princípio da legalidade (e pelo decorrente
princípio da interpretação estrita da lei penal) torna-se praticamente impossível. Assim,
mesmo nos casos em que a arma de fogo está com a numeração suprimida ou oculta,
devemos aplicar o caput do referido art. 10.

Tendo em vista o máximo da pena privativa de liberdade de 2 anos prevista pelo art. 10 da
Lei nº 9.437/97, o delito de porte ilegal de arma, nos termos do art. 2º da Lei nº 10.259, de
12-6-2001, tornou-se uma infração de menor potencial ofensivo. Isso porque, o limite
máximo de 2 anos de pena privativa de liberdade aplicado aos Juizados Especiais
Criminais da Justiça Federal, passou a ser aplicado, também, aos Juizados Especiais
Criminais dos estados, estando, portanto, revogado o limite previsto no art. 61 da Lei nº
9.099/95. Assim entendem a maioria dos doutrinadores de relevo do Direito Penal
Brasileiro (entre eles Damásio de Jesus, César Roberto Bittencourt, Luiz Flávio Gomes,
Roberto Podval, Fernando Capez, entre outros). Assim entende, também, a jurisprudência
do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Dessa forma, o delito de porte
ilegal de arma de fogo de uso permitido, será processado através de Termo
Circunstanciado de Ocorrência, não sendo passível de prisão em flagrante o agente que o
cometer, desde que se comprometa a comparecer em Juízo quando for intimado para
tanto (art. 69 da Lei nº 9.099/95).

A questão controvertida surge, e não é raro acontecer, no caso de o agente ser flagrado
portando, transportando ou ocultando uma arma de fogo de uso permitido que, por não
estar com a numeração raspada, em consulta no sistema de informações da Polícia Civil,
comprova-se ser objeto de furto ou roubo. Descartando a possibilidade de que o próprio
agente que esteja portando ou depositando a arma seja o autor do delito do roubo ou furto,
tem-se, pois, um sujeito que adquiriu, transporta, oculta um objeto produto de crime (furto
ou roubo), o que é definido, em tese, pelo tipo de receptação, previsto no art. 180 do
Código Penal Brasileiro. Ao mesmo tempo, esse objeto produto de crime possui uma
condição especial, qual seja, é uma arma de fogo, cuja disciplina legal e condutas ilícitas
estão previstas na Lei nº 9.437/97.

2 - CONFLITO APARENTE DE NORMAS.

Tem-se estabelecido, pois, um conflito aparente de normas penais que, em tese, podem
incidir sobre o mesmo fato. O caso toma mais relevo na medida em que uma das soluções
apontadas, ou seja, considerar a conduta crime de receptação, obriga a Autoridade
Policial, presentes os requisitos processuais, lavrar o Auto de Prisão em Flagrante do seu
autor. Para a outra posição - a aplicação do art. 10 da Lei nº 9.437/97, a solução
processual é formalizar um Termo Circunstanciado de Ocorrência, sendo solto o autor,
mediante o compromisso, na forma da lei. O Delegado de Polícia, primeira autoridade a
tomar conhecimento da situação, não sendo apenas um chancelador de leis e posições
pré-estabelecidas pelos juristas, deve interpretar o direito aplicando a norma jurídica que
melhor se adequa ao caso concreto.

Ambas posições são juridicamente defensáveis. Em um primeiro momento, por política de


segurança, pode-se a aplicar o artigo 180 do Código Penal, com a lavratura da prisão em
flagrante do autor. Os verbos adquirir, receber, transportar e ocultar, previstos no tipo do
art. 10, caput, da Lei nº 9.437/97, estão expressos, também, no art. 180 do CPB. Ademais,
se o delito de receptação incide a quem adquire, recebe, transporta ou oculta, por
exemplo, uma bicicleta furtada ou roubada, podendo ser-lhe aplicada uma pena de 1 a 4
anos de reclusão, com mais razão deveria incidir a quem adquire, recebe, transporta ou
oculta uma arma de fogo furtada ou roubada.

Entretanto, não se pode esquecer a interpretação sistemática do Direito Penal,


principalmente de seus princípios informadores. Para a solução dos conflitos aparentes de
normas, a doutrina penal traz a aplicação de três princípios, entre os quais, o Princípio da
Especialidade, pelo qual uma norma penal especial afasta a incidência da norma penal
geral. Uma norma será especial em relação a outra, quando definir legalmente e prever
todos os elementos típicos que a norma geral possui, e mais alguns elementos, que dão
outro objetivo ou abrangência à norma jurídica.

É, especificamente, o caso da Lei nº 9.437/97, que tem o objetivo de regulamentar as


condições de registro e porte de armas de fogo, estabelecendo, também, definições de
crimes que envolvem o porte e uso irregulares desse objeto chamado "arma". No caso, a
norma insculpida no art. 10 da Lei nº 9.437/97, transcreve algumas condutas previstas no
art. 180 do CPB, tais como adquirir, receber, transportar ou ocultar, mas refere-se,
especificamente, ao objeto arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em
desacordo com determinação legal ou regulamentar. Apenas essa coisa móvel "arma de
fogo" tem a aplicação prevista no art. 10 da referida lei e, da mesma forma, somente esse
tipo do art. 10 da Lei nº 9.437/97 incide quando o objeto adquirido, recebido, transportado
ou ocultado for uma arma de fogo, tenha ela sido furtada, roubada ou apenas adquirida
sem as formalidades legais.

Ademais, o art. 10, caput, traz, em sua parte final, o elemento normativo que define
quando os verbos narrados no início do artigo passam a constituir o crime de porte ilegal
de arma de fogo de uso permitido: a conduta tem que ocorrer sem a autorização e em
desacordo com determinação legal ou regulamentar. Sem sombra de dúvidas, quando a
norma versa "em desacordo com determinação legal ou regulamentar", quer prever todas
as formas de obtenção, porte ou detenção ilegais de armas, no que se inserem as armas
furtadas ou roubadas, o que faz perfeita a incidência do artigo 10 nessas condutas.

A mesma especificidade de objeto e conseqüente aplicação da lei especial ocorre quando


a coisa "receptada" for moeda falsa, aplicando-se unicamente a norma do art. 289, § 1º, do
CPB.III Da mesma forma, adquirir, ter em depósito, guardar ou transportar substância
entorpecente configura o ilícito previsto na Lei nº 6.368/76, sendo absurdo cogitar da
aplicação do delito de "receptação" de material entorpecente. Assim como a substância
entorpecente não deixa de ter essa condição quando, por exemplo, for furtada ou roubada
de um laboratório que a utiliza com permissão do Ministério da Saúde, ou, até mesmo de
um outro traficante, uma arma de fogo não deixa de ser "arma de fogo" por ter sido furtada
ou roubada.

É válido, também, na definição de que norma incide na situação comentada, verificarmos


qual valor jurídico está sendo violado com a conduta de portar arma de fogo roubada ou
furtada. O crime, pelo fato da arma ser objeto de um crime, não passou a ser delito contra
o patrimônio, como é o caso do crime de receptação. Ao contrário, o bem atacado continua
sendo a incolumidade pública, ou seja, a garantia e preservação do estado de segurança,
integridade corporal, vida saúde e patrimônio dos cidadãos, indefinidamente considerados
contra possíveis atos que os exponham a perigo.IV De igual forma, o dolo do agente não é
o de receptar objeto oriundo de crime, mas sim a vontade livre e consciente de portar ou
ocultar uma arma de fogo irregularmente.

3 - Receptação / Porte Ilegal de Arma - CONCLUSÕES.

O primeiro e grande objetivo do presente comentário é fazer os colegas refletir e discutir


sobre uma questão pontual cotidiana em nossa atividade. A Lei nº 9.437/97 prevê as
questões envolvendo os objetos "armas de fogo", inclusive as armas oriundas de crime,
não sendo possível, dessa forma, a incidência do art. 180 nas condutas de portar, adquirir,
receber, transportar e ocultar arma de fogo comprovadamente furtadas ou roubadas.

Mais uma vez, depara-se com uma lei que, a despeito de uma louvável intenção do
legislador (atingir penalmente os que utilizam arma de fogo para praticar outros delitos
mais graves), por abrandamento das penas e/ou falhas em sua redação, reduzem a quase
nada o objetivo da norma penal, fazendo com que criminosos respondam brandamente e
em liberdade por uma conduta de grave perigo social. As Autoridades Policiais, ante a
grande responsabilidade pela segurança das comunidades, têm também a grande
responsabilidade de aplicar o Direito aos fatos, para a promoção da justiça, que é o que a
sociedade exige.

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