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A autora apresenta uma análise da obra de Gaulejac, “A gestão como doença social”, expondo
sua interpretação sociológica de como as relações empresariais-trabalhistas, em sentido individual e
interpessoal, dentro do paradigmático binômio produtividade-sucesso, têm minado algumas das bases
do desenvolvimento social quando colocam o ser humano como capital e ferramenta para crescimento
econômico – e tão somente –, ao suprimir a subjetividade e lhe dar as peças fictícias para criação de
um mundo utópico.
O texto parte do princípio que vivemos numa sociedade onde valores essenciais à vida são
sobrepujados pela avidez ao lucro e expansão financeira. Nesse sentido, os empregados têm suas
particularidades niveladas ao bel-prazer da empresa que, na tentativa de os fazer entender que o
domínio de si e elevação das capacidades produtivas, não no sentido físico, mas no psíquico, uma vez
que a própria autora enfatiza que “as forças produtivas já não estão no corpo, mas na psique” (p. 2), os
levarão a atingir patamares de sucesso que são requisitos para determinado padrão de qualidade e
excelência.
A partir daí surge a problemática central: “o culto da qualidade enquanto excelência estimula,
portanto, a competição generalizada e o individualismo” (p. 2). O modus operandis que se estabeleceu
para a gestão é como uma nova religião, onde ego e narcisismo são virtudes e o fim único de cada um
seria a perfeição da onisciência de si, do poder e do sucesso. Todavia, quando tirada a lente utópica de
um mundo sem conflitos e harmônico, enxerga-se a realidade das doenças sociais que se estabelecem
como “doenças do século”, porque a metodologia de quantificar a qualidade do trabalho se dá a partir
da desqualificação humana. E assim, de um extremo ao outro, empregados sentirão a pressão da
exigência de excelência e os desempregados sentirão o peso da insuficiência.
Ao tratar do cuidado da casa comum, vemos na encíclica Laudato Si’1 do Papa Francisco que
na origem de diversos problemas do mundo atual – e aqui podemos incluir a gestão social –, encontra-
se a, nem sempre perceptível, consciência de elaboração metodológica e de objetivos conforme um
padrão paradigmático de compreensão que molda a vida das pessoas e funcionamento da sociedade.
Com efeito, isso se faz sinal do reducionismo ou da poda do intelecto humano para que se encaixe num
estilo de vida, de comportamento e de vivência profissional adaptável, como se fluidificando a
subjetividade ao querer da nova ordem econômica, tal que culmina em efeitos na vida humana e sociais
em todas as suas dimensões.
Faz-se urgente reconhecer que esse “culto à qualidade”, à promessa do crescimento da empresa
em função do crescimento pessoal, ao lucro maior em prazo menor, ao deus Tempo-Dinheiro criam
uma trama hipercoercitiva que modela estilos de vida e orientam possibilidades sociais face aos
interesses do poder dos empregadores, criando uma “ditadura do tempo real”, expressão essa usada
por Gaulejac. A ideia de uma ciência gerencial são, na verdade, opções e padronizações de um tipo de
vida social a ser desenvolvido. A um pensamento que vem à tona, como problemática multidisciplinar
a ser entendida e resolvida, ou seja, se o próprio sistema gerencial não é capaz de garantir
desenvolvimento humano integral, Gaulejac aponta a substituição da “gestão de recursos humanos”
por uma “gestão humana de recursos”, o que é destacado pela autora, salientando que essa seria uma
maneira de se construir um diferente mundo possível.
1
Papa Francisco (2015). Carta encíclica Laudato Si’. Sobre o cuidado de casa comum. Roma, 24 maio.