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RESENHA CRÍTICA

A PÓS MODERNIDADE E A EDUCAÇÃO


Rosana Fernandes da Silva

LYOTARD, Jean François. O pós-moderno. Tradução Ricardo Corrêa Barbosa. Rio de Janeiro:
José Olympio, 3ª edição, 1988. Tradução de: La Condition Postmoderne.

GALLO, Sílvio. Modernidade e Pós modernidade: tensões e repercussões na produção de


conhecimento em educação. In: Educação e Pesquisa. v. 32, n. 3. São Paulo, 2006. p. 551-565.

O autor, Jean François Lyotard foi um filósofo francês, conhecido por sua introdução
aos estudos sobre pós-modernidade no final de 1970, professor na Universidade de Paris X
(Nanterre) e depois na Universidade de Paris VIII (Vincennes, Saint-Denis), onde foi nomeado
professor emérito. Também lecionou fora da França, como professor de francês e professor de
filosofia. Tem como trabalhos mais conhecidos entre suas diversas obras “A condição pós-
moderna” de 1974 e “O diferente: frases em disputa” de 1983.
O autor Sílvio Gallo, é formado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, tem mestrado e doutorado em Educação, e livre docência em Filosofia da Educação,
todos pela Universidade Estadual de Campinas, na qual leciona atualmente como professor
titular. É membro de diversas associações científicas do campo da Filosofia da Educação no
Brasil e no exterior. Possui obras publicadas, como “Pedagogia Libertária - Anarquistas,
Anarquismos e Educação” de 2007 e “A Formação de Professores na Sociedade do
Conhecimento” de 2004.
A presente resenha pretende discutir sobre pós modernidade e a educação, ancorada
em duas obras: a primeira é o livro “O Pós-Moderno” de Jean François Lyotard, no qual se
propõe, a demonstrar como se encontra o “saber” nas sociedades desenvolvidas ditas como
“pós-moderna”, analisando a produção do conhecimento humano nessas sociedades, e
construindo o conceito de pós-modernidade, a partir do entendimento da deslegitimação das
grandes narrativas modernas e sua substituição pelos pequenos relatos. E a segunda obra é o
artigo “Modernidade/pós-modernidade: tensões e repercussões na produção de conhecimento
em educação” de Sílvio Gallo, que discute sobre as repercussões que o debate em torno de uma
superação da modernidade e a suposta instauração de uma pós-modernidade traz para a
Educação como campo de conhecimento, discuti também criticamente a tese de que viveríamos
na pós-modernidade, na qual opta pela noção de hipermodernidade, proposta por Lipovetsky.
No livro “O pós-moderno”, Jean François Lyotard inicia caracterizando pós-
modernidade pelo fim das metanarrativas, ele demonstra sua descrença nos grandes relatos que
seriam características da modernidade e reforça sua substituição pelos pequenos relatos, aos
quais seriam característica desta nova sociedade. E para comprovar sua tese, o autor utiliza
como método de investigação dos seus estudos, os jogos de linguagem de Wittgenstein, onde
afirma que a legitimação dos saberes só pode ser local e contextual. Assim como a linguagem
só adquire sentido quando usada, isto é, quando se torna um "lance" em um jogo específico,
logo os saberes são justificados por consensos provisórios e parciais.
Segundo o autor a ciência passa a ser justificada não mais por seus experimentos, e sim
por sua performance, isto é, a eficácia que tem a teoria, onde o melhor saber é aquele que produz
os melhores resultados, porém, essa busca pela performance reduz a ciência ao seu aspecto
industrial, comercial e lucrativo. Então Lyotard busca uma alternativa para esse problema,
através da legitimação pela paralogia. Assim, a ênfase da pragmática da ciência deveria ser
colocada não no consenso e sim no dissentimento, pois o consenso estabiliza e possibilita uma
previsibilidade, estabelece paradigmas, que anula as paralogias, as futuras inovações. Para o
autor então seria importante investir no que discorda, no que abala esse consenso, trazendo isso
como ponto positivo da pós-modernidade, para ele o reconhecimento e o convívio harmonioso
com as diferenças no campo dos saberes, deve passa pela paralogia, que significa que um bom
saber é aquele que percebe "anomalias" e constrói novos conceitos.
Lyotard tenta desta forma dizer de maneira subliminar que essa nova forma de
legitimação do saber, seria como uma forma de emancipação do ser, pois este agora se
emanciparia através dos jogos de linguagem, através do saber e do fácil acesso ao
conhecimento. Portanto o ser pós-moderno seria capaz de se emancipar, e começar a enxergar
o jogo alienante do sistema, com a junção do saber e do conhecimento o ser emancipado poderia
intervir no Estado de maneira efetiva, formando um Estado coeso, que atenda o povo.
Embora Lyotard sugira em minha interpretação, uma revolução social através da
ciência, revolução esta que iria derrubar o sistema já estabelecido e que reformularia todo o
social, isso só seria possível se a maiorias das pessoas se emancipassem, ou seja, se fossem
detentoras do saber e do conhecimento, porque neste modelo o indivíduo tem que buscar o
saber, se não o fizer ele não conseguirá ganhar no jogo de discurso, esse fator acaba coadunando
com os movimentos que buscam, junto às rédeas do capitalismo a manutenção desse sistema,
pois a necessidade de acompanhar essas metamorfoses na sociedade começa ser algo muito
enfatizado, e a utilização de meios que fortalecem essa ideologia, como a mídia em geral, as
reformas sociais implementadas, dentre outros movimentos dessa proposta, faz com que muitos
possam acreditar que tais mudanças são simplesmente necessárias, como um movimento
natural e naturalizador presente no capital.
É essencial termos a atenção para o caráter impregnado de ideologia do que hoje
chamamos dessa ‘sociedade do conhecimento’, que segundo Duarte (2003) não passa de uma
ideologia produzida pelo capitalismo, fenômeno no campo da reprodução ideológica do
capitalismo, uma ilusão que cumpre determinada função ideológica na sociedade capitalista
contemporânea. A perspectiva pós-moderna na área da educação para Duarte (2003) é
justamente o de enfraquecer as críticas radicais ao capitalismo e enfraquecer a luta por uma
revolução que leve a superação radical do sistema vigente, impregnando de informações e
gerando a crença de que essa luta fora superada pela preocupação com questões mais atuais,
tais como a questão da ética na política e na vida cotidiana, pela defesa dos direitos do cidadão
e do consumidor, pela consciência ecológica, pelo respeito às diferenças sexuais, étnicas ou de
qualquer outra natureza. Assim as dúvidas e incertezas sobre o pós-modernismo são presentes
em todas as áreas, mas para a área da educação não se pode negar que o ataque do capital com
vistas ao seu fortalecimento é presente e não é fugaz, mas sim ideologicamente pensado. O
discurso de abandono às teorias pregadas pelo pós-modernismo deixa claro a intenção de
naturalizar a exploração do homem.
Embora Lyotard veja essas mudanças, como algo que possa ser positivo, o livro fornece
fontes muito importantes de construção de conhecimento sobre a modernidade e pós-
modernidade, trazendo muitas reflexões que nos dará um novo olhar sobre o sistema
tecnológico e capitalista da atualidade.
A outra obra que vem contrapor essa visão anterior de Lyotard é o artigo
“Modernidade/pós-modernidade: tensões e repercussões na produção de conhecimento em
educação” de Sílvio Gallo, no qual busca delimitar se vivemos ou não a crise da modernidade
e se vivemos um momento pós-moderno como vários propagam. O autor critica a forma como
vem sendo feita abordagem sobre esse momento de rápidas transformações no campo do
conhecimento, afirmando que esses discursos ideológicos nos impedem de olhar claramente
para a realidade, pois, muitos tem tomado as expressões pós-moderno e pós-modernidade como
se fossem conceitos, porém para ele são expressões filosoficamente vazias. Ainda diz que é
preciso ir para além da preocupação de classificar ou nomear esse momento ao qual estamos,
porque isso não resolve esses impasses da realidade, ele acredita que o mais importante é
pensar, com a coragem e a seriedade necessária, as transformações pelas quais passa o mundo
e os desafios que se colocam a cada dia.
Antes de chegar ao ponto central da discussão ao qual se propôs neste artigo ele busca
a distinção de alguns conceitos como de pós-modernismo e de pós-estruturalismo, onde cita
Michael Peters (2000) e Jean François Lyotard (1979), no qual o último considera como sendo
a primeira utilização filosófica da expressão ‘pós-moderno’, porém garante que seu uso foi mais
adjetivo que substantivo, como na obra de Hal Foster (1983). Mas, seja qual for a expressão
utilizada segundo Gallo elas designam, simplesmente, uma temporalidade, e não são capazes
de dizer por si mesmas o que seria esse tempo, por isso, afirma que elas não têm a potência do
conceito. O autor prefere fazer uso das expressões hipermoderno e hipermodernidade de Gilles
Lipovetsky (2004) pois as considera mais completa, ele acredita que não saímos de uma
modernidade e sim que estamos em uma modernidade mais elevada, desenfreada e não uma
modernidade extinta, superada. Gallo ainda cita que para Jurgen Habermas, a modernidade é
um projeto inacabado, e por não ter sido completado, não pode ser superado. Segundo o autor
o termo hipermodernidade não resolva os problemas relacionados ao avanço da modernidade,
porém ela acredita na elasticidade do projeto moderno, onde Gallo busca em Deleuze e Guattari
explicação de que a pós-modernidade nada mais é que uma metamorfose do projeto moderno
que assume novas feições.
Gallo parte para o epistemológico para falar sobre as repercussões dessa tensão
modernidade/pós-modernidade para o campo educacional, relatando que o projeto pós-
moderno se constitui em torno da construção de um método ‘universal’ para a produção do
conhecimento, e nesse contexto se viu a emergência da consolidação lógica disciplinar, no qual
busca um só tempo, uma objetividade e uma universalidade do conhecimento, para que este
seja reconhecido como verdadeiro. Então para fazer essa discussão sobre a lógica disciplinar o
autor recorre aos estudos de Michael Foucault (1999) no qual evidencia a ‘luta entre saberes’
que ocorreu no ‘submundo das luzes’.
Após abordar sobre essa lógica Gallo relata que no final do século XIX, ela começou a
dar indícios de seu esgotamento, destacando-se neste período no campo da filosofia as vozes
de Nietzsche que não via a razão como absoluta, que colocou em xeque os procedimentos de
universalização e objetividade do conhecimento moderno, a noção moderna de fundamento, a
qual foi substituída pela ideia de perspectiva. Segundo Gallo, Nietzsche vê o conhecimento
como uma invenção e a verdade como metáfora, isso significa segundo ele que não há
fundamento para a verdade e que as verdades não podem ser tomadas como fundamentos para
o conhecimento, pois elas são transitórias. E ele afirma que o desafio nietzschiano aos ‘homens
de conhecimento’ é o desafio da multiplicidade, pois a objetividade ‘castra’ o intelecto,
considerando que somente através do perspectivismo é que podemos ter um conhecimento mais
completo do objeto observado. O autor então defende que devemos ter uma postura não
hierárquica, não predefinida, não universalizante, e que devemos ser tomados pela atitude de
transversalidade.
Gallo revela que talvez vivemos hoje, na pesquisa em educação no Brasil, a tensão
entre um estilo ‘clássico’ de pesquisa, articulado com uma perspectiva positiva, disciplinar,
universalizante, e um estilo ‘transversal’ que investe na errância da curiosidade, apostando na
emergência de possibilidades distintas, articulado com uma lógica da diferença, não
universalizante. Através de Deleuze e Guattari, ele explica o estilo ‘clássico’ como uma espécie
de ‘pesquisa régia ou maior’, e o estilo ‘transversal’ como ‘pesquisa nômade ou menor’, porém
diz que este último estilo pode querer ou não ser capturado.
Para Gallo esse conflito está mais ligado entre dois modelos de produção de
conhecimento, entre duas imagens do pensamento, do que necessariamente em uma tensão
moderno/pós-moderno. Ele explica, que essa tensão na figura do pensamento acontece desde
da antiguidade, pois embora os saberes hegemônicos sejam os únicos encontrados na literatura
sobre pensamento, não são os únicos saberes presentes no mundo, pois existem outros saberes
múltiplos, que escapam ao processo de homogeneização. Ele acredita que essa tensão que
vivemos hoje, é uma potencialização desse antagonismo antigo e que esteve sempre presente,
porém sem essa ênfase que alcança em nossos dias.
Gallo retoma a Hal Foster (2002), para nos dizer que existe duas espécies de pós-
modernismo, que são antagônicas, porém que analisam o mesmo fenômeno. Uma faz crítica a
modernidade em uma perspectiva mais conservadora e a outra em uma perspectiva de
resistência. Ele diz que a primeira está articulada com uma espécie de neoconservadorismo, já
que não pretende superar o modernismo e sim resgatar valores de origem.
Gallo alerta que esse debate sobre a tensão modernidade/pós-modernidade não deve
obscurecer nossa percepção para o que considera como o mais importante disso tudo, que é
saber se as práticas educacionais, estão voltadas para a manutenção das coisas ou para sua
transformação.
Gallo deixa bem claro que sua intenção neste artigo era apenas de trazer questões, para
nos instigarmos para um debate que vá além da tensão modernidade/pós-modernidade. Ele
adverte que embora entenda que o ‘pós-modernismo’ não tenha força de conceito filosófico,
não podemos nos fazer cegos às questões que ele nos coloca, e que o desafio que nos é imposto,
consiste em viver essas tensões de forma criativa e produtiva. Então ele aponta como alternativa
investigar a fundo o projeto moderno, nos seus aspectos epistemológicos, políticos, além de
também investigar esses aspectos nas propostas contemporâneas, para que através dessas
investigações possamos agir de modo que a tensão e a ‘vitória’ de uma das posições não nos
impeça de pensar, pois para Gallo precisamos manter esse pensamento e ação criativa e
produtiva em educação.
Perce-se então que Gallo neste artigo, embora de maneira sutil, parte para a teorização
do caos, em oposição a uma pedagogia da ordem, disciplinarizada e hierarquizada. Assim, uma
pedagogia do caos, para o autor, seria a aposta na multiplicidade, na abertura total para novas
experiências, que visa desmontar qualquer tentativa proposta de unidade e coesão.
Contata-se que Gallo encara até com um certo otimismo esse tempo, não o
considerando o destruidor da razão, trabalhando com a ideia de que somos livres, para
revertemos essas situações, através de uma posição baseada na transversalidade. Gallo em
alguns momentos até suaviza os princípios desses tempos contemporâneos por meio de um
incentivo ao individualismo, e esse individualismo acaba não sendo visto como fator negativo,
algo que deva ser combatido. Bauman (2005), ao contrário, observa que esse fator contribui
para o aprisionamento do sujeito ao sistema de interesses capitalistas. Realça que o sujeito não
se encontra livre. A liberdade que existe é apenas aparente. O próprio ato de escolher é
programado, pois o indivíduo não tem possibilidade de não escolher; está fechado e enfeitiçado
pelo fetiche da mercadoria.
Acredito que Gallo em certos pontos enxergou bem a problemática contemporânea,
quando afirma que nosso tempo é vazio e sem sentido em relação à modernidade, e que
paradoxalmente vivemos a exacerbação dos valores deixados pela modernidade quando é
forjada agora a hipermodernidade, ou seja, uma continuação tanto da modernidade e também
da pós-modernidade. Por outro lado, critico sua postura, pois essas reflexões, proposta por ele
pode ter um efeito discursivo interessante, mas possui pouco efeito prático, visto que mais abriu
questões do que as resolveu, não chegando perto de tocar nas questões de desigualdade social
que estruturalmente impactam de modo profundo os sujeitos escolares. Tais assertivas também
passaram longe de problematizar as demandas urgentes e imediatas que dizem respeito
principalmente à questão da educação. O autor deixou aos ares esses pontos tão importantes,
ele apenas nos dá o incentivo a encontrar respostas ao olhar mais profundamente esse objeto.
Porém em Bauman (2005) mesmo que consideremos ele muito saudosista e até exagerado em
suas exposições sobre a modernidade líquida, encontramos muitas mais contribuições e
reflexões sobre os problemas contemporâneos e seus efeitos na sociedade. Bauman (2005) não
aceita uma postura minimalista em relação aos problemas éticos e políticos de nossa sociedade.
Independentemente de qual conceito possamos forjar para definir nosso cotidiano (se hiper ou
pós) devemos encarar com uma postura crítica o processo que nos levou até aqui, seja ele
histórico, econômico ou filosófico.
Dessa forma, advoga-se que as ideias aqui propostas, provocaram apenas a ampliação
de bases conceituais, enriquecendo ainda mais o já polissêmico campo, e contribuiu para uma
excessiva abstração filosófica. Necessitamos sim, de teorias que articulem a diferença, o
particular, porém precisamos compreender como operam as relações nas quais as diferenças se
constituem, como parte de um conjunto mais amplo de práticas sociais, políticas e culturais.

REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2005.
DUARTE, Newton. Sociedade do Conhecimento ou Sociedade das Ilusões? quatro ensaios
crítico dialéticos em filosofia da educação. Campinas, SP: Autores Associados, 2003. (Coleção
polêmicas do nosso tempo, 86).

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