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Literatura FRENTE 2

Prosa Romântica no Brasil (I): introdução,


MÓDULO 21
romance folhetinesco e romance regionalista

1. Introdução e romance secundárias e personagens ocasio- complicadas, intrigas, mistérios, mal-


folhetinesco nais; não há análise psicológica, em- entendidos, que acabavam sempre
bora se busque retratar a crise moral, com a vitória do verdadeiro amor
Narrar, contar uma história, é ati- fazendo com que a personagem sinta (happy end ) e com a punição do vilão.
vidade que remonta aos primórdios seus crimes e meça seu desespero, Escreveu romance, novela, teatro,
da literatura. Os gêneros literários de suspendendo por um instante o fluxo poesia, crônica, reunidos em mais de
natureza basicamente narrativa sem- dos acontecimentos. 40 volumes. Na ficção, além de A
pre foram os mais difundidos, desde O folhetim gozou de grande Moreninha, deixou O Moço Loiro,
as histórias orais dos rapsodos gre- popularidade, distraindo as donzelas Mulheres de Mantilha (seus livros mais
gos e as das canções de gesta me- casadoiras e as vovozinhas. Captava conhecidos) e outras obras, que repro-
dievais até o romance moderno. os costumes da época, exteriorizando duzem sempre os mesmos esquemas
Assim, a epopeia clássica, as no- uma visão superficial da vida: saraus, folhetinescos das obras iniciais, sem
velas de cavalaria medievais, as fábu- passeios a cavalo, namoricos, fofocas, qualquer evolução.
las, as histórias de terror, as aventuras histórias de amor à base do “não-ata- Sua obra vale como documento dos
picarescas, o conto e o romance são nem-desata”, sem mostrar a essência costumes da corte no século XIX,
formas de narrar que se desdobram alienada desse mundo e sem penetrar retratando a vida doméstica e social da
pelos diversos períodos históricos, re- nas intenções escusas e nos desejos burguesia da época. Há, pois, algum
fletindo o gosto predominante em cada inconfessáveis, escondidos sob a realismo no registro que acompanha as
época. máscara risonha das amenidades e da tramas sentimentais e idealistas.
O romance projeta, nesse sen- hipocrisia. A linguagem oscila entre o uso
tido, o gosto do público burguês, Teixeira e Sousa (1812-1861) e coloquial, nos diálogos que são muito
emergente à condição de classe Joaquim Manuel de Macedo (1820- vivos, e o português academizante
dominante com a Revolução Fran- 1882) foram os iniciadores do (por vezes rebuscado), nas digressões
cesa. Seu triunfo deveu-se ao romance folhetinesco. O primeiro, de e nas descrições.
alargamento do público ledor (que, origem humilde, mulato, carpinteiro, A trama de A Moreninha centra-
em grande parte, não tinha a cultura foi cronologicamente nosso pri- se na fidelidade ao amor infantil, envol-
necessária à compreensão da epo- meiro romancista, com O Filho do vendo o par amoroso Augusto e Caro-
peia clássica e renascentista) e, Pescador (1843). O segundo foi qua- lina, a moreninha. Entre patuscadas
especialmente, à abertura que o litativamente o primeiro romancista dos estudantes de Medicina (Augusto,
caracteriza, já que é um gênero brasileiro, inaugurando o romance Leopoldo, Felipe e Fabrício), saraus,
literário que possibilita inúmeras va- urbano com A Moreninha (1844). partidas de gamão, intrigas, fofocas,
riações, abrigando a imaginação fértil O sucesso desse gênero se pro- situações cômicas ou dramáticas, o
dos românticos e acolhendo os mais longou até nossos dias, nas radiono- casal acaba por concretizar o juramen-
variados temas e formas. velas, fotonovelas, nas coleções to de amor que fizera na infância.
Os primeiros romances editados Sabrina, Júlia e Bianca, bem como
no Brasil, ainda na década de 1830, nos romances de Barbara Cartland. 2. Outras modalidades do
marcam-se pelo predomínio do as- Mesmo autores respeitáveis, como romance romântico no Brasil
pecto folhetinesco. O folhetim, Alencar (Cinco Minutos, A Viuvinha e
publicado com periodicidade regular A Pata da Gazela), empenharam seu Nem só de folhetins se alimentou
pela imprensa, equivale às atuais talento em produzir folhetins, atraídos a ficção romântica. Houve várias
novelas de televisão e confina com pelo sucesso perante o público e pelo outras modalidades, mais complexas
a subliteratura. Essa modalidade ganha-pão seguro do emprego na e significativas, como o romance
apoia-se na complicação sentimental, imprensa. histórico, o de costumes, o india-
na peripécia, na aventura e no nista, os de perfis de mulher e o
mistério; as personagens são lineares ❑ Joaquim Manuel de Macedo regionalista.
(herói/heroína x vilão); a narrativa Foi médico, político e professor, e Em linhas gerais, a prosa de
centra-se na tensão bem x mal e seus romances sentimentais e mo- ficção romântica, apoiada no propósi-
desdobra-se no sentido da punição do ralistas gozaram de grande popula- to nacionalista de reconhecer e exal-
mal (intenção moralizante); a história ridade. Escrevia para o gosto do leitor tar nossas paisagens e costumes,
principal é enxertada com histórias da época, apoiando-se nas tramas desdobrou-se em três direções:
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❑ O passado 3. Autores regionalistas teriza um tipo regional. O cientista


Por meio do romance histórico, q
alemão Mayer, hóspede de Pereira,
Bernardo Guimarães
buscava-se na História e nas lendas expressa, dentro do romance, a visão
(1825-1884)
heroicas a afirmação da nacionalida- europeia e “civilizada” do sertão. A
Trouxe a paisagem do sertão de
de. Na Europa, a Idade Média e as fidelidade na caracterização dos cos-
Minas Gerais e de Goiás, fundindo a
novelas de cavalaria ofereceram a um tumes e do modo de pensar do ser-
idealização romântica e a descrição da
Walter Scott (Ivanhoé) e a um Alexan- tanejo e a reprodução do falar regional
paisagem cheia de adjetivos com os
dre Herculano (Eurico, o Presbítero) são peças fundamentais do romance.
elementos tomados à narrativa oral,
as possibilidades para a reconsti- na base do contador de casos. q Franklin Távora
tuição do clima, dos costumes e das Escreveu o primeiro romance (1842-1888)
instituições da época medieval, per- regionalista brasileiro: O Ermitão de Foi o mais radical e coerente dos
mitindo também largos voos da Muquém (1858). regionalistas românticos, propondo
imaginação e da fantasia. O Ermitão de Muquém e O Semi- uma literatura do Norte, distinta da do
O romancista não tem compro- narista são romances de tese contra Sul, fundada na realidade local vivida
missos com a verdade histórica. o celibato clerical e a vocação forçada, e observada, apoiada em uma atitude
Derivado do romance de “capa-e- inspirados no Monasticon, do documental com relação à História, à
espada” e do romance de mistério, o romancista romântico português Ale- Geografia e aos problemas humanos
romance histórico foi tomado como xandre Herculano (Eurico, o Presbíte- da região açucareira do Nordeste. Foi,
ro e O Monge de Cister). nesse sentido, precursor, entre ou-
substituto da epopeia clássica, mo-
Com A Escrava Isaura, antecipa o tros, de Domingos Olímpio, Manuel
delando heróis nacionais, calcados de Oliveira Paiva, Euclides da Cunha,
nos valores coletivos. filão abolicionista, apesar dos exage-
ros de idealização (Isaura, escrava bran- Rachel de Queirós, José Lins do
No Brasil, os índios de Alencar Rego, José Américo de Almeida,
ca, que fala francês e toca piano) e da
(em O Guarani, Iracema e Ubirajara) Graciliano Ramos, ficcionistas com-
fragilidade do enredo folhetinesco.
são transformados em cavaleiros prometidos com a paisagem nor-
Em Maurício, ou Os Paulistas em São
medievais, vistos como símbolos e destina.
João Del Rei, realiza romance histó-
elementos formadores da Atacou duramente o idealismo e
rico, tematizando a descoberta e
nacionalidade, substituindo a Idade a imaginação de José de Alencar nas
exploração do ouro. O Garimpeiro
Média que não tivemos. Cartas a Cincinato. Sua obra, ainda
focaliza a paisagem dos garimpos da que vazada em um estilo sóbrio e
região de Araxá (MG). bem-ordenado, é inconveniente.
❑ A cidade q Em O Cabeleira focaliza o bandi-
Visconde de Taunay
Com o romance urbano e de (1843-1899) tismo e a violência, personificados no
costumes, retrata-se a vida da corte, Engenheiro militar, participou da bandido José Gomes, que, arrastado
no Rio de Janeiro do século XIX, Guerra do Paraguai, tendo oportuni- ao crime pela sociedade e por seu
fotografando-se, com alguma fidelida- dade de observar a paisagem e os próprio pai, regenera-se pelo amor de
de, costumes, cenas, ambientes e costumes do sertão e do Pantanal uma donzela que ele tentara violentar
tipos humanos da burguesia carioca. e na qual reconhece a companheira
Mato-Grossense, que retrata de ma-
As personagens caracterizam-se de infância que amava. O Matuto e
neira objetiva, “realista”, em Inocência,
Lourenço reconstituem episódios da
por meio de atos, gestos, diálogos, considerado o melhor romance que o Guerra dos Mascates (1710/1711,
roupas. Em Macedo (A Moreninha) regionalismo romântico produziu. Em entre Recife e Olinda), também apro-
não há nenhum aprofundamento A Retirada da Laguna compôs um veitados por Alencar. Louve-se o
psicológico, mas em Alencar (Diva, relato histórico-documental desse equilíbrio das descrições dos costu-
Lucíola, Senhora) se encontram suti- episódio da Guerra do Paraguai. mes regionais nordestinos em Um
lezas devidas a um fino entendedor Aproxima-se do Realismo, no Casamento no Arrabalde.
da sensibilidade feminina. sentido da fidelidade fotográfica com
que fixa a natureza e os costumes da q José de Alencar, nosso primeiro
região mato-grossense. Mas o enre- ficcionista de largo voo, exemplifica,
❑ O elemento regional
do, a trama, é ainda romântico. (Ino- pelo conjunto de sua obra, quase
O regionalismo romântico volta-
cência reproduz um dos clichês mais todos os tipos do romance romântico.
se para o campo, para a província e usados no Romantismo — história de Manuel Antônio de Almeida, em Me-
para o sertão, num esforço naciona- amor com desfecho trágico, provoca- mórias de um Sargento de Milícias,
lista de reconhecer e exaltar a terra e do pela autoridade paterna, pela afasta-se das convenções românti-
o homem brasileiro, acentuando as intriga e pela atuação do vilão.) cas, criando uma obra que destoa do
particularidades de seus costumes e Em Inocência, Pereira simboliza a tom idealizador e heroico dos demais
ambientes. noção de honradez do sertanejo, romancistas de sua época, para
Essa vertente enfoca aspectos intransigente e anacrônica. Inocência aproximar-se da imparcialidade dos
exóticos e pitorescos, oscilando entre personifica a beleza submissa, meiga narradores realistas, ao retratarem as
a idealização (Alencar e Bernardo e singela. Manecão representa a classes sociais do Rio colonial.
Guimarães) e o realismo fotográfico mentalidade rústica e violenta do Ambos os autores serão estudados
(Taunay e Franklin Távora). vaqueiro. Cirino, curandeiro, carac- nos próximos módulos.
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Prosa Romântica no Brasil (II): José de Alencar (I) –


MÓDULO 22
introdução e romance indianista

1. José de Alencar (1829-1877) aristocrática, Alencar foi contra a lítico e crítico, aprofundando a di-
abolição do regime escravagista. mensão psicológica de suas per-
❑ Características É sempre com desprezo e irrita- sonagens, especialmente em Lucíola
Consolida o romance nacional, ção que Alencar observa os costumes e Senhora. Tentando compreender as
compondo um verdadeiro painel do urbanos de seu tempo, bem como a desarmonias e estranhezas da condu-
Brasil, que inclui todas as latitudes, vida da burguesia. A atitude do autor ta e desmascarar e denunciar certos
todos os períodos históricos e todos diante da vida urbana é sempre aspectos profundos da realidade hu-
os grupos étnicos e regionais. saudosista, regressiva e ressentida. mana e social, Alencar foi, sem em-
Ao condenar a cidade, a saída que bargo da idealização romântica,
No plano do espaço, abrange: Alencar entrevê é puramente um modesto precursor de Machado
• o sertão do Nordeste (O Serta- sentimental: o retorno à natureza, ao de Assis.
nejo); índio, ao sertão, aos campos.
• o litoral cearense (Iracema); A intuição nacionalista de Alencar ❑ Evolução
• o pampa gaúcho (O Gaúcho); levou-o a inventar uma imensa saga da obra alencariana
• a zona rural (Til ); brasileira, fundando, bem ou mal, • Primeira fase (1856-1864)
• a zona da mata fluminense (O uma mitologia mestiça, colossal e Alencar iniciou-se publicando crô-
Tronco do Ipê); telúrica, uma verdadeira sinfonia nicas na imprensa carioca, mais tarde
• a cidade, a corte no Rio (Diva, americana. reunidas em Ao Correr da Pena
Lucíola, Senhora) e demais romances Os índios e super-heróis inscre- (1856). Ganha notoriedade nesse mes-
urbanos. vem-se nesse propósito de criar uma mo ano, travando áspera polêmica
literatura nacional com arquétipos, e o acerca do poema épico pseudo-
No plano do tempo, abarca: entusiasmo com que Alencar mergu- indianista A Confederação dos Ta-
• o período pré-cabralino (Ubi- lhou nesse trabalho verdadeiramente moios, de Gonçalves de Magalhães.
rajara); enciclopédico explica os erros de Já havia publicado A Viuvinha, sem
• os primeiros contatos entre o História e Geografia e os exageros nenhuma repercussão, quando, em
índio e o colonizador nos séculos XVI imaginativos, que lhe valeram inúme- 1857, publica O Guarani, que lhe traz
e XVII (Iracema e O Guarani ); ras críticas e zombarias. rápida notoriedade. São dessa fase,
• a colonização (A Guerra dos Ainda o nacionalismo inspirou a entre outros, Lucíola, Diva, As Minas
Mascates, As Minas de Prata); luta que Alencar empreendeu em de Prata e Iracema (1865), além das
• o presente, a vida urbana no defesa do português falado no peças de teatro.
século XIX, em todos os romances Brasil, liberto do rigor das gramáticas • Segunda fase (1866-1869)
urbanos. e dicionários lusitanos. No sentido de Envolvido na política (deputado,
defesa de um uso brasileiro da língua ministro da justiça, candidato rejeita-
No plano étnico, o índio e o portuguesa, escreveu Alencar: do a senador), deixou, nessa fase, os
branco alternam-se como heróis, “Como pode um povo que chupa a escritos políticos intitulados Cartas de
modelados na honradez e galanteria manga, o abacaxi e o cambucá falar Erasmo.
dos cavaleiros medievais: Peri, Poti, como um povo que sorve a uva, a • Terceira fase (1870-1875)
Jaguarê, D. Antônio Mariz e seus pera e a nêspera?”. Abandonando a política e o tea-
cavaleiros, Arnaldo Louredo, Manuel Enriqueceu a nossa língua literária tro, desgostoso e retraído, entrou em
Caño. Alencar omite a violência de que de inúmeros brasileirismos, aprovei- nova fase criadora, publicando cerca
o índio foi vítima, indiscriminadamente; tando vocábulos, expressões e um de dez livros (entre outros, O Gaúcho,
assim, os brancos honrados, na visão fraseado tipicamente nacionais, dando Ubirajara, Senhora e O Sertanejo),
alencariana, irmanaram-se com os à frase um meneio, uma cadência além do romance póstumo Encar-
índios na construção da nacionalidade, tropical. Suas imagens e metáforas nação e da autobiografia Como e por
que o romancista idealizava morena, utilizam com beleza e entusiasmo a que Sou Romancista.
mestiça, resultado da integração da fauna e a flora do país.
natureza (índio) com a civilização Além do vigor descritivo e da jus- ❑ Divisão da obra de Alencar
(branco). teza com que “pinta” a paisagem a) Romances indianistas (for-
O negro aparece como persona- humana e a natureza, apoiado em me- mação da nacionalidade; anteceden-
gem no teatro, em O Demônio Fami- táforas que ressaltam o colorido, fun- tes aborígines):
liar e no dramalhão Mãe, cabendo dindo a realidade humana e a paisa- – O Guarani
lembrar que, fiel à sua posição política gem, Alencar desenvolveu um – Iracema
conservadora e à sua origem rural e contínuo esforço no sentido ana- – Ubirajara

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b) Romances históricos (bos- irmão, que reconduziria o guerreiro Mais rápida que a ema selvagem, a
quejos históricos e crônicas roman- branco, são e salvo, às terras piti- morena virgem corria o sertão e as matas do
ceadas dos tempos coloniais): guaras. Iracema, porém, apaixona-se Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da
grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal ro-
– As Minas de Prata por Martim, traindo o “segredo da jure-
çando, alisava apenas a verde pelúcia que
– Alfarrábios ma”, que guardava como “virgem de
vestia a terra com as primeiras águas.
– A Guerra dos Mascates Tupã” [Iracema entrega-se sexualmen- Um dia, ao pino do sol, ela repousava em
te a Martim, inebriados ambos pela um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a
droga cujo segredo ela deveria pre- sombra da oiticica, mais fresca do que o
c) Romances regionalistas (a
servar]. Acompanha o esposo, deixan- orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre
pátria brasileira; a sociedade rural):
do na sua tribo um ambiente de revol- esparziam flores sobre os úmidos cabelos.
– O Gaúcho
ta, acirrado pelos ciúmes de Irapuã, Escondidos na folhagem os pássaros ameiga-
– O Sertanejo vam o canto.
destemido chefe tabajara. Desenca-
– Til (...)
deia-se a guerra de vingança, e os
– O Tronco do Ipê Rumor suspeito quebra a doce harmonia
tabajaras são derrotados; Iracema con-
da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol
funde as venturas do amor com as
não deslumbra; sua vista perturba-se.
d) Romances urbanos (roman- amargas tristezas que despertam os
Diante dela e todo a contemplá-la, está
ces de complicação sentimental, campos juncados de cadáveres de um guerreiro estranho, se é guerreiro e não
perfis de mulher e quadros da socie- seus irmãos. Ao remorso e saudade algum mau espírito da floresta. Tem nas faces
dade): outra dor se lhe acrescenta: o arrefe- o branco das areias que bordam o mar, nos
– Cinco Minutos cimento do amor de Martim que, para olhos o azul triste das águas profundas.
– A Viuvinha amenizar a nostalgia da pátria distan- Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o
– A Pata da Gazela te, ausentava-se em longas e demo- corpo.
radas jornadas. Num dos seus regres- Foi rápido, como o olhar, o gesto de Irace-
– Sonhos d’Ouro
sos, encontra Iracema às portas da ma. A flecha embebida no arco partiu. Gotas
– Encarnação
morte, exausta pelo esforço que fize- de sangue borbulham na face do desco-
– Diva nhecido.
– Lucíola ra para alimentar o filhinho recém-nas-
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu
– Senhora cido, a quem dera o nome de Moacir,
sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O
que significa, na sua língua, “filho da moço guerreiro aprendeu na religião de sua
dor”. Martim enterra o corpo da espo- mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e
2. Romance indianista sa e parte, levando o filho e a sauda- amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.
de da fiel companheira. (R. M. Pinto, O sentimento que ele pôs nos olhos e no
in Pequeno Dicionário de Literatura rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de
q Iracema Brasileira, Cultrix.) si o arco e a uiraçaba e correu para o guerreiro,
Iracema é um romance lírico que sentida da mágoa que causara.
desenvolve uma antiga lenda sobre a A mão que rápida ferira estancou mais
colonização do Ceará, terra do autor. Iracema, por sua linguagem suge- rápida e compassiva o sangue que gotejava.
A ação, centrada no encontro/desen- stiva e delicada, é um verdadeiro Depois Iracema quebrou a flecha homicida:
contro entre o europeu e o nativo poema em prosa. A narrativa procura deu a haste ao desconhecido, guardando
brasileiro, envolve a rivalidade entre representar, miticamente, o surgimen- consigo a ponta farpada.
as tribos tabajara e pitiguara. Martim to da nacionalidade brasileira pelo (Iracema, cap. II)
é europeu, branco e civilizado; Irace- contato da terra virgem (Iracema é a
ma, a bela selvagem tabajara que “virgem dos lábios de mel”) com o
foge com ele para o litoral, representa europeu civilizado. Quanto a esse
a América virgem e ingênua, cativa e sentido simbólico, já foi notado que o
dominada. nome Iracema é um anagrama de
América (anagrama é palavra formada
pela transposição das letras de outra
q Resumo palavra).
Numa atmosfera lendária, de exó-
tica e delicada poesia, desenrola-se a
história triste dos amores de Martim, TEXTO I
primeiro colonizador português no Cea-
rá, e Iracema, a jovem e bela índia taba-
Além, muito além daquela serra, que
jara, filha de Araquém, pajé da tribo.
ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Martim saíra à caça com seu amigo Iracema, de Antônio Parreiras (1869-1937),
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que
Poti, guerreiro pitiguara, e perdera-se tinha os cabelos mais negros que a asa da graú- inspirado na personagem homônima de José
do companheiro, indo ter aos campos de Alencar. Iracema, “lenda do Ceará”,
na e mais longos que seu talhe de palmeira.
metaforiza a formação de uma nova raça,
dos inimigos dos tabajaras. Encontra O favo da jati não era doce como seu morena, mestiça, tropical, uma utopia
Iracema, que o acolhe na cabana de sorriso, nem a baunilha recendia no bosque romântica e nacionalista, revestida de um
Araquém, enquanto volta Caubi, seu como seu hálito perfumado. intenso lirismo e alta poesia.

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q O Guarani mento de todos pelos selvagens. O Então passou-se sobre esse vasto
final do romance, com a palmeira deserto de água e céu uma cena estupenda,
Publicado primeiramente em fo- heroica, sobre-humana; um espetáculo gran-
arrastada pelas águas da enchente e
lhetins no Diário do Rio de Janeiro, dioso, uma sublime loucura.
abrigando na sua copa os dois seres
em 1857, O Guarani foi o desdobra- Peri alucinado suspendeu-se aos cipós
de raças diferentes, é um símbolo
mento da polêmica de Alencar com que se entrelaçavam pelos ramos das árvores
feliz da futura população do Brasil. (R.
Gonçalves de Magalhães sobre a cria- já cobertas de água e, com esforço deses-
M. Pinto, Pequeno Dicionário de
ção de uma verdadeira epopeia na- perado, cingindo o tronco da palmeira nos seus
Literatura Brasileira, Cultrix.)
cional. O livro procura ser a resposta braços hirtos, abalou-o até as raízes.
de Alencar ao problema que tanto Três vezes os seus músculos de aço,
preocupou os escritores que estabe- estorcendo-se, inclinaram a haste robusta; e
TEXTO II
leceram o Romantismo entre nós. três vezes o seu corpo vergou, cedendo à
Alencar afasta-se da épica tradicional: retração violenta da árvore, que voltava ao
Peri compreendera o gesto da índia; não
lugar que a natureza lhe havia marcado.
não escreve em verso, como fez, porém, o menor movimento para segui-la.
Luta terrível, espantosa, louca, esvairada;
Magalhães, mas em prosa, e sua nar- Fitou nela o seu olhar brilhante e sorriu.
luta da vida contra a matéria; luta do homem
rativa filia-se ao gênero mais em voga Por sua vez a menina também compreen-
contra a terra; luta da força contra a imobi-
naquela época: o romance — no sub- deu a expressão daquele sorriso e a resolução lidade.
gênero romance histórico de aven- firme e inabalável que se lia na fronte serena Houve um momento de repouso em que
turas. do prisioneiro. o homem, concentrado todo o seu poder,
Na realidade, se episódios da Insistiu por algum tempo, mas debalde. estorceu-se de novo contra a árvore; o ímpeto
colonização do Brasil nos albores do Peri tinha atirado para longe o arco e as foi terrível; e pareceu que o corpo ia despe-
século XVII constituem o entrecho da flechas e, recostando-se ao tronco da árvore, daçar-se nessa distensão horrível.
obra, o protagonista é um índio, Peri, conservava-se calmo e impassível. Ambos, árvore e homem, embalançaram-
elevado à categoria de autêntico herói De repente o índio estremeceu. se no seio das águas: a haste oscilou; as raízes
romântico. Logo depois que Filipe ll Cecília aparecera no alto da esplanada e desprenderam-se da terra já minada profunda-
da Espanha ocupa o trono de lhe acenara; sua mãozinha alva e delicada mente pela torrente.
Portugal, D. Antônio de Mariz, fidalgo agitando-se no ar parecia dizer-lhe que espe- A cúpula da palmeira, embalançando-se
da velha estirpe portuguesa, fiel à sua rasse; Peri julgou mesmo ver no rostinho gentil graciosamente, resvalou pela flor da água
pátria, prefere instalar-se no interior de sua senhora, apesar da distância, brilhar um como um ninho de garças ou alguma ilha flu-
raio de felicidade. tuante, formada pelas vegetações aquáticas.
do Brasil a servir à Coroa estrangeira.
(O Guarani, cap. II) Peri estava de novo sentado junto de sua
Com sua família e alguns homens de
senhora quase inanimada: e, tomando-a nos
armas, inicia a formação de uma
braços, disse-lhe com um acento de ventura
fazenda à margem do Rio Paquequer, suprema:
afluente do Paraíba. De um acidente TEXTO III — Tu viverás!...
resulta a morte de uma índia de uma Cecília abriu os olhos e, vendo seu amigo
tribo aimoré, que passa por isso a junto dela, ouvindo ainda suas palavras, sentiu
(...)
hostilizar os brancos colonizadores. o enlevo que deve ser o gozo da vida eterna.
Peri tinha falado com o tom inspirado que
D. Antônio de Mariz conta com a — Sim?... murmurou ela; viveremos!... lá
dão as crenças profundas; com o entusiasmo
amizade de Peri, jovem guerreiro no céu, no seio de Deus, junto daqueles que
das almas ricas de poesia e sentimento.
goitacá, de nobres instintos e amamos!...
Cecília o ouvia sorrindo e bebia uma a
extrema bravura. O selvagem devo- uma as suas palavras, como se fossem as
O anjo espanejava-se para remontar ao
tava a Cecília, a filha do fidalgo, uma berço.
partículas do ar que respirava; parecia-lhe que
adoração quase religiosa e por isso — Sobre aquele azul que tu vês, conti-
a alma de seu amigo, essa alma nobre e bela,
estendia sua proteção providencial a nuou ela, Deus mora no seu trono, rodeado
se desprendia do seu corpo em cada uma das
toda a família. Depois de inúmeros dos que o adoram. Nós iremos lá, Peri! Tu
frases solenes, e vinha embeber-se no seu
viverás com tua irmã, sempre...!
acidentes e peripécias, em que se coração, que se abria para recebê-la.
Ela embebeu os olhos nos olhos do seu
destaca a ação de Peri, conjurando A água subindo molhou as pontas das amigo, e lânguida reclinou a loura fronte.
perigos advindos não só dos indíge- largas folhas da palmeira, e uma gota, resva- O hálito ardente de Peri bafejou-lhe a face.
nas inimigos, mas também do vilão lando pelo leque, foi embeber-se na alva cam- Fez-se no semblante da virgem um ninho
Loredano e seus asseclas, dissimula- braia das roupas de Cecília. de castos rubores e límpidos sorrisos: os lábios
dos entre os “aventureiros” que A menina, por um movimento instintivo abriram como as asas purpúreas de um beijo
serviam a D. Antônio, este, esgotadas de terror, conchegou-se ao seu amigo; e nesse soltando o voo.
as possibilidades de resistência, pede momento supremo, em que a inundação abria A palmeira arrastada pela torrente impe-
a Peri que salve Cecília, levando-a a fauce enorme para tragá-los, murmurou tuosa fugia...
para a Corte, enquanto faz explodir docemente: E sumiu-se no horizonte.
sua casa, a fim de evitar o trucida- — Meu Deus!... Peri!... (O Guarani , Epílogo)

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Prosa Romântica no Brasil (III): José de Alencar (II) –


MÓDULO 23
romance urbano e regionalista

1. Romance Urbano
TEXTO I TEXTO II
q Senhora
(...) Aurélia passava agora as noites solitária.
Publicado em 1875, é o terceiro
Na sala, cercada de adoradores, no meio Raras vezes aparecia Fernando, que ar-
da série “perfis de mulher”. A per- das esplêndidas reverberações de sua beleza, ranjava uma desculpa qualquer para justificar
sonagem principal é Aurélia Camargo, Aurélia, bem longe de inebriar-se da adoração sua ausência. A menina, que não pensava em
rainha dos salões cariocas na época produzida por sua formosura e do culto que lhe interrogá-lo, também não contestava esses
do Segundo Reinado. Herdeira repen- rendiam, ao contrário parecia unicamente pos- fúteis inventos. Ao contrário, buscava afastar
tina de um avô que desconhecia, suída de indignação por essa turba vil e abjeta. da conversa o tema desagradável.
Não era um triunfo que ela julgasse digno Conhecia a moça que Seixas retirava-lhe
passa da pobreza a uma existência de de si, a torpe humilhação dessa gente ante sua seu amor; mas a altivez de coração não lhe
fausto social. Toda a intriga gira em riqueza. Era um desafio, que lançava ao consentia queixar-se. Além de que, ela tinha
torno do tema do casamento por mundo, orgulhosa de esmagá-lo sob a planta, sobre o amor ideias singulares, talvez inspira-
interesse, por meio do contrato e como a um réptil venenoso. das pela posição especial em que se achara ao
dote, fato comum na época. Aurélia, E o mundo é assim feito; que foi o fulgor fazer-se moça.
satânico da beleza dessa mulher a sua maior (Senhora, cap. VI)
enquanto pobre, sofrera amarga
sedução. Na acerba veemência da alma revol-
decepção ao ver Fernando Seixas, por ta, pressentiam-se abismos de paixão, e entre- q Lucíola
quem se enamorara, afastar-se diante via-se que procelas de volúpia havia de ter o
Neste romance, Alencar desen-
do aceno de um dote de trinta contos amor da virgem bacante.
Se o sinistro vislumbre se apagasse de volve um tema romântico que motivou,
de réis, quando ela de nada dispunha.
súbito, deixando a formosa estátua na penum- e ainda motiva, muita paixão. É o tema
Jurou vingar-se e, ao receber a he- da “boa prostituta”, que se redime de
bra suave da candura e inocência, o anjo casto
rança, manda sigilosamente oferecer e puro que havia naquela, como há em todas seu “pecado” por meio do amor since-
ao ex-noivo a quantia de cem contos as moças, talvez passasse despercebido pelo ro de um belo jovem, que a ama, mas
de réis para um casamento com turbilhão. que a sociedade tentará afastar dela.
moça desconhecida. Fernando As revoltas mais impetuosas de Aurélia Ela é Lúcia, meretriz de singular nobre-
repeliu inicialmente a oferta, mas, eram justamente contra a riqueza que lhe servia za de caráter, inspirada na Marguerite
de trono e sem a qual nunca, por certo, apesar da peça A Dama das Camélias, de
necessitando de dinheiro, aceitou-a,
de suas prendas, receberia como rainha
com a condição de receber vinte Alexandre Dumas Filho; ele é Paulo
desdenhosa a vassalagem que lhe rendiam.
contos de réis em adiantamento. Na Silva, um jovem promissor, de boa
Por isso mesmo considerava ela o ouro
noite de núpcias, é recebido com um vil metal que rebaixava os homens; e no família, inspirado no Alfredo da mesma
íntimo sentia-se profundamente humilhada peça. Aqui, como em Senhora,
desprezo, sofrendo a humilhação de
pensando que, para toda essa gente que a Alencar, romanticamente, apresenta o
encarar o recibo da sua compra em
cercava, ela, a sua pessoa, não merecia uma amor como operador de mudanças
posse de Aurélia. Um ano depois, comportamentais nas pessoas —
só das bajulações que tributavam a cada um de
consegue, graças a um negócio seus mil contos de réis. mudanças que trazem purificação,
antigo, receber a quantia de vinte Nunca da pena de algum Chatterton redenção, elevação. No jogo de
contos que entrega à mulher para desconhecido saíram mais cruciantes apóstro- “pecado”, “pureza”, sexo e conven-
compra de sua liberdade. Aurélia fes contra o dinheiro, do que vibrava muitas ções sociais, revela-se a concepção
vezes o lábio perfumado dessa feiticeira meni-
pede-lhe que fique, pois o seu moral de Alencar, que exprime o
na, no seio de sua opulência.
procedimento fizera com que se redi- moralismo da parcela conservadora da
Um traço basta para desenhá-la sob esta
misse de toda a venalidade [venal é face. sociedade de seu tempo.
quem se vende] e infâmia. O Convencida de que todos os seus inúme-
romance retrata os hábitos e vícios da ros apaixonados, sem exceção de um, a
sociedade fluminense da época, pretendiam unicamente pela riqueza, Aurélia TEXTO III
reagia contra essa afronta, aplicando a esses
influenciada pelos hábitos europeus e
indivíduos o mesmo estalão.
em vias de formação urbana. Com Assim costumava ela indicar o mereci- Um embaraço imprevisto, causado por
uma narrativa complexa para o mento relativo de cada um dos pretendentes, duas gôndolas1, tinha feito parar o carro. A
romance da época, é dos melhores dando-lhes certo valor monetário. Em lingua- moça ouvia-me; voltou ligeiramente a cabeça
livros de José de Alencar. (A. gem financeira, Aurélia cotava os seus adora- para olhar-me e sorriu. Qual é a mulher bonita
dores pelo preço que razoavelmente poderiam que não sorri a um elogio espontâneo e um
Coutinho, Enciclopédia de Literatura
obter no mercado matrimonial. grito ingênuo de admiração? Se não sorri nos
Brasileira, MEC) (Senhora, cap. I) lábios, sorri no coração.

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Durante que se desimpedia o caminho, aventuras, foram alguns dos ingre- arreava-se do azul diáfano onde a fantasia se
tínhamos parado para melhor admirá-la; e então dientes que conquistaram de ime- embebe com a voluptuosidade casta da
ainda mais notei a serenidade de seu olhar que diato os leitores. De fato, Alencar criança a aconchegar-se dentro, tão dentro do
nos procurava com ingênua curiosidade, sem grêmio materno.
demonstra um valioso domínio da
provocação e sem vaidade. O carro partiu; Bem longe do céu, porém, e bem presos
técnica narrativa, pois construiu sua
porém tão de repente e com tal ímpeto dos ca- à terra andavam os olhos dos nossos dois
valos por algum tempo sofreados, que a moça
trama em 62 capítulos: os 31 primei- amiguinhos, que nem haviam reparado sequer
assustou-se e deixou cair o leque. Apressei-me ros narram fatos que vão se tornando na limpidez da atmosfera. Ainda estavam na
e tive o prazer de o restituir inteiro. cada vez mais complicados, o que sazão8 feliz, em que respira o céu, como o ar
Na ocasião de entregar o leque apertei-lhe prende a curiosidade, seduzida pelos da vida, e o aroma do campo, quase sem
a ponta dos dedos presos na luva de pelica. mistérios que se lhe vão sentir.
Bem vê que tive razão assegurando-lhe que apresentando; os 31 seguintes Às flores, que a noite desabrochara; aos
não sou tímido. A minha afoiteza a fez corar; dedicam-se a desenrolar os nós da frutos silvestres que enfeitavam a copa das
agradeceu-me com um segundo sorriso e uma primeira metade do romance, o que árvores; aos passarinhos que trinavam
ligeira inclinação da cabeça; mas o sorriso atrai ainda mais a atenção, que vai embalando-se nas franças9 dos coqueiros; ao
desta vez foi tão melancólico, que me fez dizer que era da terra e bem da terra, iam os
vendo todos os mistérios sendo
ao meu companheiro: impulsos desses jovens corações, quando não
desvendados.
— Esta moça não é feliz! se volviam um para o outro, a reverem-se entre
— Não sei; mas o homem a quem ela
Pelo fato de sua história se passar si.
amar deve ser bem feliz! no interior de São Paulo, Til é O céu, essa imensa tela azul, que foi
Nunca lhe sucedeu, passeando em nos- reconhecidamente rotulado como cúpula de um berço, o da luz, e será mais tarde
sos campos, admirar alguma das brilhantes romance regionalista, tendo, portanto, véu de um leito, o da vida; a alma só o procura,
parasitas que pendem dos ramos das árvores, como preocupação a descrição dos só o contempla, quando a dor a prostra. Mas
abrindo ao sol a rubra corola? E quando ao co- costumes daquela localidade, o que para aquela que sorri e folga, o firmamento é
lher a linda flor, em vez da suave fragrância que acaba por contribuir com mais uma uma terra por descobrir e debuxa-se10
esperava, sentiu o cheiro repulsivo de torpe faceta do painel de nossa nacionali- vagamente na imaginação, como a montanha
inseto que nela dormiu, não a atirou com dade que Alencar pretendia erigir. azul desse vale de lágrimas.
desprezo para longe de si? Alguma vez deixava o rapaz de seguir
É o que se passava em mim quando essas com o passo a menina, para acompanhá-la
primeiras recordações roçaram a face da Lúcia TEXTO IV com a vista. De braços cruzados sobre a coro-
que eu encontrara na Glória. Voltei-me no leito nha da clavina11 de caça, fitava os grandes
para fugir à sua imagem e dormi. olhos pardos com tal possança d’alma, que
Eram dois, ele e ela, ambos na flor da
(Lucíola, cap. II) mais parecia absorver e entranhar em si o
beleza e da mocidade.
gracioso vulto, do que enlevar-se em sua
Vocabulário e Notas O viço da saúde rebentava-lhes no
contemplação.
1 – Gôndola: carro puxado por burros. encarnado das faces, mais aveludadas que a
(...)
açucena escarlate recém-aberta ali com os
— Que me está olhando aí? Nunca me
2. ROMANCE REGIONALISTA orvalhos da noite. No fresco sorriso dos lábios,
viu? exclamou com surpresa, mas travada
como nos olhos límpidos e brilhantes, brotava-
sempre da petulância que animava-lhe todos
Aqui está um dos aspectos mais lhes a seiva d’alma.
os movimentos.
admiráveis do autor: dá-nos um painel Ela, pequena, esbelta, ligeira, buliçosa,
— Não era para você! respondeu rápido o
das principais regiões culturais do saltitava sobre a relva, gárrula e cintilante do
moço, baixando a cabeça de modo a ocultar o
País — a região sulina, com seus prazer de pular e correr, saciando-se na delícia
rubor que lhe afogueava o rosto.
inefável de se difundir pela criação e sentir-se
pampas e suas coxilhas (O Gaúcho), a Para confirmar o disfarce, armou a clavina
flor no regaço daquela natureza luxuriante.
vida rural fluminense (O Tronco do e fez pontaria a um cardeal que se embalava
Ele, alto, ágil, de talhe robusto e bem
Ipê), o Planalto Paulista (Til) e o conformado, calcando o chão sob o grosseiro
no topo de uma palmeira.
Nordeste (O Sertanejo). Como no — Miguel!...
soco da bota com a bizarria de um príncipe que
caso do romance histórico, não é a (Til, cap. I)
pisa as ricas alfombras1, seguia de perto a
realidade, a verdade em si, que atrai o gentil companheira, que folgava pelo campo, a
romancista, e sim o tema que volutear2 e fazendo-lhe mil negaças, como a Vocabulário e Notas
possibilite dar largas à fantasia, ao borboleta que zomba dos esforços inúteis da 1 – Alfombra: tapete espesso e muito macio,
seu estilo épico e ao desejo de lançar criança para a colher. de cores e figuras diversas.
os fundamentos de uma literatura Caminhavam por uma rechã3, bordada de 2 – Volutear: andar em roda; girar, rodopiar,
ilhas de mato, que emergiam aqui e ali do voltear.
nacional.
verde gramado. Pela ramagem frondente4 das 3 – Rechã: terreno alto, extenso e plano, ter-
q Til árvores e renovos5 que abrolhavam, percebia- minando em escarpa abrupta.
se a proximidade de um grande manancial, e 4 – Frondente: frondoso, repleto de copas.
Publicado primeiramente em
entre as crepitações da brisa nas folhas, como 5 – Renovo: broto.
folhetim no jornal A República entre
um tom opaco desse arpejo da solidão, ouvia- 6 – Múrmure: murmúreo.
1871 e 1872, Til obteve bastante
se o múrmure6 soturno do Piracicaba, que leva 7 – Acendrado: de acendrar (limpar).
sucesso. Sua linguagem idealizada, a ao Tietê o tributo caudal de suas águas. 8 – Sazão: época, estação.
descrição rebuscada da paisagem, os Sete horas da manhã haviam de ser. A luz 9 – França: copa.
relacionamentos amorosos leves e de um sol esplêndido fluía no éter, que a 10 – Debuxar: esboçar.
inocentes, além do ritmo ágil das trovoada da véspera tinha acendrado7. O céu 11 – Clavina: carabina.

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MÓDULO 24 Manuel Antônio de Almeida

1. Manuel Antônio de Almeida populares, a arraia-miúda (saloias, Luisinha. (A. S. Amora, verbete “Me-
(1831-1861) meirinhos, parteiras, barbeiros, deso- mórias de um Sargento de Milícias”,
cupados etc.), as mazelas, o jeitinho e in Pequeno Dicionário de Literatura
q Vida e obra o empreguismo são retratados direta Brasileira, Cultrix.)
Memórias de um Sargento de e objetivamente, distorcidos apenas
Milícias, seu único romance, apare- pelo tom galhofeiro e bem-humorado q Características
ceu em folhetim publicado no suple- do narrador que, divertido, Resumindo e esquematizando, as
mento dominical “A Pacotilha”, do desmascara os mecanismos de uma características principais das Memó-
Correio Mercantil, entre junho de sociedade minada pela hipocrisia e rias de um Sargento de Milícias são
1852 e julho de 1853, sob o pseu- pelo falso moralismo. as seguintes:
dônimo “Um Brasileiro”. • semelhança voluntária com o estilo
Médico (não exerceu a profissão), q Resumo da crônica histórica, assumido em
jornalista, diretor da Tipografia Nacio- As Memórias são uma narrativa tom irônico e crítico;
nal, Manuel Antônio de Almeida pare- vibrante e cheia de peripécias, o que • filiação à tradição do romance pica-
ce não ter tido pretensões à carreira torna qualquer resumo inapropriado e resco, por centrar-se nas aventuras
literária, embora revele inegável talen- pálido. Em linhas gerais, trata-se da de um herói de posição social
to na pequena obra-prima que deixou. história da vida de Leonardo, filho de inferior, a partir do qual se traça um
O estilo despretensioso, a lingua- dois imigrantes portugueses, a saloia retrato da sociedade em seus diver-
gem coloquial direta, a ausência de [camponesa, rústica] Maria da Horta- sos estratos. O pícaro, para sobre-
descrições pomposas, o apego ao liça e Leonardo, “algibebe” [vendedor viver na pobreza, dribla as condi-
concreto imediato, a presença das de roupas grosseiras] em Lisboa e ções adversas por meio de peque-
camadas populares (trabalhadores depois meirinho [oficial de justiça] no nos engodos e variados empregos;
braçais, malandros, vadios), a ausên- Rio no tempo do Rei D. João Vl: • representação de usos e costumes
cia de heróis e vilões e a imparciali- nascimento do “herói”; sua infância da sociedade carioca à época de D.
dade do narrador fizeram das Memó- de endiabrado; suas desditas de filho João (valor documental e artístico);
rias uma obra excêntrica em relação à abandonado mas sempre salvo de • ausência do idealismo heroico que
corrente formada pela ficção idea- dificuldades pelos padrinhos (a caracteriza os romances românti-
lizadora, galante, heroica e sentimen- parteira e um barbeiro); sua juventude cos, o que faz de Manuel Antônio
tal, tão ao agrado do leitor da época. de valdevinos [vagabundo]; seus de Almeida um autor de transição
Como Memórias fugisse à tipicidade amores com a dengosa mulatinha entre este período e o Realismo;
da ficção romântica, não obteve êxito Vidinha; suas malandrices com o descrição de diversos tipos popula-
no tempo em que foi publicado. truculento Major Vidigal, chefe de res, por vezes apresentados cari-
A crítica mais recente tirou-o da polícia; seu namoro com Luisinha; sua caturalmente: ciganos, barbeiros,
vala comum das obras menores, ven- prisão pelo major; seu engajamento, militares aposentados, beatas, poli-
do nele antecipações de Machado de por punição, no corpo de tropa do ciais etc.;
Assis e Lima Barreto, ao retratar o coti- mesmo major; finalmente, porque os • completo afastamento de qualquer
diano carioca, e de Mário de Andrade, fados [o destino] acabaram por Ihe forma de moralismo: o malandro
pelo humor e pelo cinismo que fazem ser propícios e não Ihe faltou a Leonardinho não é condenado, as-
do protagonista, Leonardo, um ances- proteção da madrinha, tudo tem sim como são apresentados com
tral de Macunaíma, na mais legítima “conclusão feliz”: promoção a sargen- naturalidade episódios em que se
linhagem do malandro nacional, do to de milícias e casamento com evidencia o funcionamento “ma-
“herói sem nenhum caráter”. landro” da sociedade
Como Macunaíma, Leonardo é um em todos os seus ní-
anti-herói, com características de pícaro veis, com transgres-
(tipo vadio, que vive ao sabor do sões da lei cometidas
acaso). Bastardo, “filho de uma pisa- até pelas altas figuras
dela e de um beliscão”, Leonardo en- que têm o dever de
carna um amoralismo relacionado com zelar pelo respeito à
a necessidade de sobrevivência, lei.
fome e toda sorte de sujeições que
oprimem as camadas populares.
Memórias de um Sargento de Mi-
lícias, escrito no reinado de D. Pedro II,
refere-se ao período de D. João VI,
fase de transição entre a condição Uniforme militar,
colonial e a independência. As festas em desenho de Debret.

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pescoço, outro na cabeça, um rosário — Ora! respondeu a cigana, rindo-se.


TEXTO I pendurado no cós da saia, um raminho de E começou a cantarolar o estribilho de
arruda atrás da orelha, tudo isto coberto por uma modinha.
Era no tempo do rei. uma clássica mantilha, junto à renda da qual se (Manuel Antônio de Almeida,
Uma das quatro esquinas que formam as pregava uma pequena figa de ouro ou de osso. Memórias de um Sargento de Milícias, cap. XV)
ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortando-se (...)
Vocabulário e Notas
mutuamente, chamava-se nesse tempo — O (...)
1 – Mestre-de-cerimônias: padre que dirige o
canto dos meirinhos1 —; e bem lhe assentava Mas a mantilha era o traje mais
cerimonial litúrgico.
o nome, porque era aí o lugar de encontro favo- conveniente aos costumes da época; sendo as
2 – Ex-abrupto: de súbito; sem preparação;
rito de todos os indivíduos dessa classe (que ações dos outros o principal cuidado de quase
intempestivamente.
gozava então de não pequena consideração). todos, era muito necessário ver sem ser visto.
A mantilha para as mulheres estava na razão
Os meirinhos de hoje não são mais do que a
das rótulas3 para as casas; eram o observatório TEXTO IV
sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei;
da vida alheia. (...)
esses eram gente temível e temida, respeitável
(Manuel Antônio de Almeida,
e respeitada; formavam um dos extremos da Era um sábado de tarde; em casa de
Memórias de um Sargento de Milícias, cap. VII)
formidável cadeia judiciária que envolvia todo o D. Maria havia um lufa-lufa1 imenso; andavam
Rio de Janeiro no tempo em que a demanda as crias e mais escravos de dentro para fora;
era entre nós um elemento de vida: o extremo Vocabulário e Notas espanava-se a sala; arrumavam-se as cadeiras;
oposto eram os desembargadores. Ora, os corria-se, falava-se, gritava-se.
1 – Finório: astuto, esperto.
extremos se tocam, e estes, tocando-se, A dona da casa trajava, fora do ordinário,
2 – Lila: tecido de lã, lustroso e fino.
fechavam o círculo dentro do qual se passavam um rico vestido de cassa2 bordado de prata, de
3 – Rótula: janela.
os terríveis combates das citações, provarás2 , corpinho muito curto e mangas de um volume
razões principais e finais e todos esses trejeitos enorme. Seja dito de passagem que a prata do
judiciais que se chamava o processo. bordado estava já mareada3, e o mais do
TEXTO III vestido um pouco encardido. Trazia ainda D.
Daí sua influência moral.
(Manuel Antônio de Almeida, Maria um penteado de desmedida altura, um
Memórias de um Sargento de Milícias, cap. I) Apesar de tudo quanto havia já sofrido por formidável par de rodelas de crisólitas4 nas
amores, o Leonardo de modo algum queria orelhas e dez ou doze anéis de diversos
emendar-se; enquanto se lembrou da cadeia, tamanhos e feitios nos dedos.
dos granadeiros e do Vidigal esqueceu-se da Luisinha trajava também um vestido que
Vocabulário e Notas
cigana, ou antes só pensava nela para jurar qualquer menos entendido na matéria
1 – Meirinho: antigo funcionário judicial, corres- desconfiaria que era filho legítimo do de sua
esquecê-la; quando, porém, as caçoadas dos
pondente ao oficial de justiça de hoje. companheiros foram cessando, começou a tia; trazia um toucado5 de plumas brancas na
2 – Provará: cada um dos artigos de um reque- renovar-se a paixão, e teve lugar uma grande cabeça e um rosário de ouro de contas mui
rimento judicial. luta entre a sua ternura e a sua dignidade, em grossas na cintura.
que esta última quase triunfava, quando uma Acabavam de sair as duas assim prepara-
descoberta maldita veio transtornar tudo. Não das do quarto de vestir, quando sentiu-se rodar
sabemos por que meio o Leonardo descobriu uma carruagem e parar na porta da casa.
TEXTO II Luisinha estremeceu; D. Maria levou o lenço
um dia que o rival feliz que o pusera fora de
combate era o reverendo mestre-de-ce- aos olhos e tirou-o em pouco tempo molhado
Era a comadre uma mulher baixa, rimônias1 da Sé! Subiu-lhe com isto o sangue de lágrimas. (...) A carruagem era um
excessivamente gorda, bonachona, ingênua ou à cabeça: formidável, um monstruoso maquinismo de
tola até um certo ponto, e finória1 até outro; — Pois um padre!?... dizia ele; é preciso couro, balançando-se pesadamente sobre
vivia do ofício de parteira, que adotara por que eu salve aquela criatura do inferno, onde quatro desmesuradas rodas. Não parecia coisa
curiosidade, e benzia de quebranto; todos a ela se está metendo já em vida... muito nova; e com mais dez anos de vida
conheciam por muito beata e pela mais E começou de novo em tentativas, em poderia muito bem entrar no número dos restos
desabrida papa-missas da cidade. Era a promessas, em partidos para com a cigana, infelizes do terremoto, de que fala o poeta. (...)
folhinha mais exata de todas as festas que a coisa alguma queria dobrar-se. Um dia É inútil observar que a vizinhança estava
religiosas que aqui se faziam; sabia de cor os que a pilhou de jeito à janela abordou-a e toda à janela e via todo aquele movimento com
dias em que se dizia missa em tal ou tal igreja, começou ex-abrupto2 a falar-lhe deste modo: olhos regalados pela mais desabrida
como a hora e até o nome do padre; era — Você está já em vida no inferno!... pois curiosidade. (...)
pontual à ladainha, ao terço, à novena, ao logo um padre?!... (Manuel Antônio de Almeida,
setenário; não lhe escapava via-sacra, pro- A cigana interrompeu-o: Memórias de um Sargento de Milícias, cap. XXXV)
cissão, nem sermão; trazia o tempo habil- — Havia muitos meirinhos para escolher,
mente distribuído e as horas combinadas, de mas nenhum me agradou... Vocabulário e Notas
maneira que nunca lhe aconteceu chegar à — Mas você está cometendo um pecado 1 – Lufa-lufa: corre-corre, agitação.
igreja e achar já a missa no altar. De madrugada mortal... está deitando sua alma a perder... 2 – Cassa: tecido fino, transparente, de linho ou
começava pela missa da Lapa; apenas acabava — Homem, sabe que mais? Você para de algodão.
ia à das oito na Sé, e daí saindo pilhava ainda a pregador não serve, não tem jeito... eu como 3 – Mareado: embaçado, sem brilho, oxidado.
das nove em Santo Antônio. O seu traje estou, estou muito bem; não me dei bem com 4 – Crisólita: variedade de gema (pedra); no
habitual era, como o de todas as mulheres da os meirinhos; eu nasci para coisa melhor... caso, trata-se das pedras de cor verde de que
sua condição e esfera, uma saia de lila2 preta, — Pois então tem alguma coisa que dizer são feitos os brincos.
que se vestia sobre um vestido qualquer, um de mim?... Hei de me ver vingado... e bem 5 – Toucado: conjunto de adornos para a
lenço branco muito teso e engomado ao vingado. cabeça.

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MÓDULO 25 Introdução ao Realismo-Naturalismo

1. Contexto histórico-cultural procurava assimilar os costumes ci- q Os antecedentes europeus


vilizados de Paris e de Londres. Em sentido amplo, a atitude rea-
q A Revolução Industrial – Opondo-se ao idealismo e ao es- lista sempre existiu, em todos os
O Materialismo – piritualismo românticos, os realistas tempos e em todas as escolas literá-
O Cientificismo fazem da ciência e do materialismo rias, como um dos polos da criação
Da segunda metade do século uma nova religião. Nada que não pu- artística, voltada para a tendência de
XIX ao início do século XX, o mundo desse ser visto, apalpado, medido e reproduzir nas obras os traços
ocidental assistiu ao triunfo da Revo- examinado por meio dos sentidos de- observados no mundo real, seja nas
lução Industrial, à consolidação e ao veria merecer atenção do cientista e coisas, seja nas pessoas ou nos
fortalecimento da burguesia como do artista. Assim, as noções de alma, sentimentos. Essa atitude realista,
classe dominante e à expansão do de religião, de Deus, de transcendên- universal no tempo e no espaço,
capitalismo industrial às antigas áreas cia, tão caras aos românticos, são opõe-se à atitude romântica (também
coloniais da América, da África e da abandonadas. Tornam-se comuns o universal), caracterizada pela fantasia,
Ásia, agora sob a denominação de anticlericalismo e a crítica ao cris- pela tendência a inventar um mundo
capitalismo avançado, alicerçando-se tianismo (Guerra Junqueiro, Eça de novo, diferente e muitas vezes
no avanço científico e tecnológico Queirós, Inglês de Sousa, Aluísio oposto às leis do mundo real. Os
(locomotiva a vapor, eletricidade, Azevedo, dentre outros, fizeram dos autores e as modas literárias oscilam
telégrafo sem fio etc.). padres os vilões de suas obras). incessantemente entre ambas as
Surge a civilização industrial e Dentre as correntes científicas e atitudes e é da sua combinação, mais
acentuam-se os seus desdobramentos: filosóficas em voga no Realismo e no ou menos variada, que se faz a
a explosão urbana, as massas Naturalismo, destacam-se Literatura.
trabalhadoras, os sindicatos, as reivindi- • o Positivismo de Auguste A ficção moderna constitui-se jus-
cações do proletariado (socialismo Comte, propondo o primado da ciên- tamente da tendência de se buscar,
utópico de Proudhon, o socialismo cia positiva no conhecimento do ho- cada vez mais, comunicar ao leitor o
científico de Marx e Engels). mem e do mundo; sentimento da realidade, por meio da
Ciência, Progresso e Razão pas- • o Evolucionismo de Charles observação exata do mundo e dos
sam a ser as palavras de ordem da Darwin e de Herbert Spencer, subme- seres. Nesse sentido, o romance
classe dominante, interessada na tendo o homem às leis da Biologia e romântico esteve pleno de realismo.
estabilização de suas conquistas, à evolução natural das espécies. O Autores como Stendhal e Balzac, na
substituindo o ímpeto revolucionário, homem passa a ser visto como um França, Charles Dickens, na
contestatório e individualista da épo- animal, submetido às mesmas leis Inglaterra, Gogol, na Rússia, todos da
ca romântica. A paixão e o impulso que regem todos os animais. Daí a primeira metade do século XIX, ainda
pessoal cedem lugar à reflexão, à preferência pelos aspectos biológi- que frequentemente relacionados ao
observação, à análise e à disciplina. cos, fisiológicos e instintivos que Romantismo, foram os verdadeiros
As ideias avançadas do cientifi- determinam as ações das persona- fundadores do Realismo na ficção
cismo e do materialismo europeu gens, superando a vontade e a razão. contemporânea.
contaminam a elite brasileira, ainda A realidade passa a ser interpre-
que nossa realidade social e eco- tada como um todo orgânico em que 2. Características
nômica fosse diferente da situação o universo, a natureza e o homem
europeia. Éramos ainda uma socie- estão intimamente associados e su- q Objetivismo
dade agrária, recém-saída do escra- jeitos, em igualdade de condições,
Preocupação com a verdade não
vagismo, fundada na produção agrí- aos mesmos princípios, leis e apenas verossímil, mas exata, apoia-
cola (café, açúcar, borracha) e gover- finalidades; da na observação e na análise.
nada por uma República Oligárquica, • o Determinismo de Hippolyte
instável e frequentemente abalada Taine, o qual propõe que o compor-
por conflitos de interesses no seio da tamento humano seja determinado q Predomínio das sensações
própria classe dominante (aristocracia pelos fatores biológicos (instinto, A realidade é captada e transcrita
decadente da cana-de-açúcar, raça, hereditariedade), sociológicos por meio de impressões sensoriais
aristocracia ascendente do café, as e ambientais (Ecologia, Geografia, nítidas, precisas. Daí o predomínio da
oligarquias regionais e a aparição de meio ou classe social), além das descrição objetiva e minuciosa. Os
novos atores na cena política — os circunstâncias históricas. Em sín- detalhes são da maior importância:
militares). Porém, nossa elite pensava tese: determinismo de raça, meio e nada é desprovido de interesse na
segundo os modelos europeus e momento. reconstituição exata da realidade.

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Enquanto o romântico capta o q Romance social, psicológico e visão mais mecanicista, mais deter-
mundo por meio do coração, do senti- de tese; poesia urbana e agres- minista, e o enquadramento do ho-
mento, o realista é, sobretudo, te (Carvalho Júnior, Bernardino mem como produto das leis da Bio-
sensorial. O amor perde a conotação Lopes, Cesário Verde); poesia logia; da hereditariedade, da Sociolo-
espiritualizante, para privilegiar o filosófico-científica (Sílvio Ro- gia e da Ecologia, contra as quais a ra-
aspecto físico. Ocorre uma “sexuali- mero); poesia social (Antero de zão e a vontade humana nada podem.
zação” do amor, e o sexo torna-se Quental, Guerra Junqueiro e Apresenta preferência pelos
tema quase obrigatório. Teófilo Braga). temas escabrosos, pela patologia
humana e social (taras, vícios,
sedução, adultério, incesto, assas-
q q Preocupação formal
Temas contemporâneos sinato, homossexualismo). A aborda-
Só o presente interessa; desa- Buscam-se a clareza, o equilíbrio,
gem dos aspectos degradantes da
parece o romance histórico. A ficção a harmonia da composição.
condição humana implica certo mo-
centra-se na crítica social (contra a ralismo, não importando a opinião
burguesia, contra o clero, contra o q Correção gramatical sobre os atos, mas os atos em si
capitalismo selvagem, contra o obs- Purismo, vernaculidade, econo- mesmos.
curantismo) e na análise psico- mia vocabular, precisão lexical. É frequente a zoomorfização, ou
lógica, voltada para a investigação seja, a aproximação, por meio de sí-
das causas profundas das ações miles, entre o homem e o animal,
q Predomínio da denotação com propósito depreciativo em rela-
humanas.
A metáfora cede lugar à meto- ção ao homem-larva, ao homem-
nímia. Linguagem simples, direta. besta, regido pelo instinto cego e
q Impassibilidade – Preferência pela narração. Uma brutal:
Contenção Emocional contribuição importante do Realismo
O autor ausenta-se da narrativa, foi a superação do tom excessiva- Rita Baiana... uma cadela no cio
assumindo uma posição neutra, im- mente declamatório e do verbalismo
parcial, desinteressado pelo destino adjetival dos românticos.
O Cortiço... uma geração que parecia
das personagens, fotografadas “por
brotar espontânea... e multiplicar-se como
dentro” (Machado de Assis) e “por 3. O Naturalismo
larvas no esterco.
fora” (Aluísio Azevedo). Busca-se
uma explicação lógica e cientifi- Surgiu na França, e seu criador e
camente aceitável para o compor- Leandra... a ‘Machona’, portuguesa feroz,
principal teórico foi Émile Zola
tamento e para as ações das perso- berradora, pulsos cabeludos e grossos, anca
(Thérèse Raquin, Germinal ). Foi Zola
nagens. de animal do campo.
que cunhou a expressão romance
(A. Azevedo, O Cortiço)
experimental como designativa de
q suas aproximações com as ciências.
Personagens esféricas
Ainda no âmbito das propostas Focaliza, de preferência, as
Opondo-se à linearidade das per-
realistas, o Naturalismo representa camadas sociais inferiores, o
sonagens românticas (herói x vilão),
uma exacerbação, uma radicalização proletariado e os marginalizados.
as personagens realistas são com-
do cientificismo, do materialismo e Denuncia os aspectos degradantes,
plexas, multiformes, imprevisíveis,
do determinismo. Buscou analisar o com o propósito de tomada de
repelindo qualquer simplificação. São comportamento humano à luz das
também dinâmicas, porque evoluem consciência, visando à redenção
teorias científicas do fim do século moral e social do homem. Arte enga-
e têm profundidade psicológica. XIX, ressaltando os aspectos jada, a serviço de ideais políticos e
instintivos e biológicos do homem, sociais.
q Materialismo – submetido ao peso dos fatores que O Naturalismo peca, quase
Cientificismo determinavam sua conduta: a here- sempre, pelo reducionismo e pelo
A realidade é de caráter exclu- ditariedade, a raça, o meio am- esquematismo, restringindo-se às
sivamente material. Oposição à meta- biente e a sociedade. explicações mecanicistas, à exterio-
Inspirado no experimentalismo ridade, aos condicionamentos, inca-
física e à religiosidade.
científico de Claude Bernard (a pazes de apreender o homem em
Medicina Experimental), o Natu- toda a sua complexidade.
q Narrativa lenta ralismo assimilou a objetividade das Nos textos que se seguem, a
Ao se valorizarem as minúcias, a Ciências Naturais, fazendo do ro- passagem de O Cortiço ilustra a típica
ação e o enredo perdem a importân- mance uma espécie de laboratório da descrição naturalista, e a de A Cidade
cia para a caracterização das persona- vida, e encarando o homem como um e as Serras satiriza a atitude cientifi-
gens e dos ambientes. “caso” a ser analisado. Daí decorre a cista daquele tempo.
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(...) mecanismos inventados desde Terâmenes,


TEXTO I Entretanto, das portas surgiam cabeças criador da roda, se torna um magnífico Adão,
congestionadas de sono; ouviam-se amplos quase onipotente, quase onisciente, e apto
Noventa e cinco casinhas comportou a bocejos, fortes como o marulhar3 das ondas; portanto a recolher dentro de uma sociedade e
imensa estalagem. pigarreava-se grosso por toda a parte; nos limites do progresso (tal como ele se
Prontas, João Romão mandou levantar na começavam as xícaras a tilintar; o cheiro comportava em 1875) todos os gozos e todos
frente, nas vinte braças que separavam a venda quente do café aquecia, suplantando todos os os proveitos que resultam de saber e de
do sobrado do Miranda, um grosso muro de outros; trocavam-se de janela para janela as poder... Pelo menos assim Jacinto formulava
dez palmos de altura, coroado de cacos de primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se copiosamente2 a sua ideia, quando conversa-
vidro e fundos de garrafa, e com um grande conversas interrompidas à noite; a pequenada mos de fins e destinos humanos, sorvendo
portão no centro, onde se dependurou uma cá fora traquinava já, e lá dentro das casas bocks3 poeirentos, sob o toldo das cervejarias
lanterna de vidraças vermelhas, por cima de vinham choros abafados de crianças que ainda filosóficas, no Boulevard Saint-Michel.
uma tabuleta amarela, em que se lia o seguin- não andam. No confuso rumor que se formava, Este conceito de Jacinto impressionara
te, escrito a tinta encarnada e sem ortografia: destacavam-se risos, sons de vozes que os nossos camaradas de cenáculo4, que, tendo
“Estalagem de São Romão. Alugam-se
altercavam4, sem se saber onde, grasnar de surgido para a vida intelectual, de 1866 a 1875,
casinhas e tinas para lavadeiras”.
marrecos, cantar de galos, cacarejar de entre a batalha de Sadowa e a batalha de
As casinhas eram alugadas por mês e as
galinhas. De alguns quartos saíam mulheres Sedan, e ouvindo constantemente, desde
tinas por dia; tudo pago adiantado. O preço de
que vinham pendurar cá fora, na parede, a então, aos técnicos e aos filósofos, que fora a
cada tina, metendo a água, quinhentos réis;
gaiola do papagaio, e os louros, à semelhança espingarda de agulha que vencera em Sadowa
sabão à parte. As moradoras do cortiço tinham
dos donos, cumprimentavam-se ruidosa- e fora o mestre-escola quem vencera em
preferência e não pagavam nada para lavar.
mente, espanejando-se à luz nova do dia. Sedan, estavam largamente preparados a acre-
Graças à abundância de água que lá havia,
Daí a pouco, em volta das bicas era um ditar que a felicidade dos indivíduos, como a
como em nenhuma outra parte, e graças ao
muito espaço de que se dispunha no cortiço zum-zum crescente; uma aglomeração das nações, se realiza pelo ilimitado desen-
para estender a roupa, a concorrência às tinas tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após volvimento da Mecânica e da erudição. Um
não se fez esperar; acudiram lavadeiras de outros, lavavam a cara, incomodamente, desses moços mesmo, o nosso inventivo Jor-
todos os pontos da cidade, entre elas algumas debaixo do fio de água que escorria da altura de ge Carlande, reduzira a teoria de Jacinto, para
vindas de bem longe. E, mal vagava uma das uns cinco palmos. O chão inundava-se. As lhe facilitar a circulação e lhe condensar o
casinhas, ou um quarto, um canto onde mulheres precisavam já prender as saias entre brilho, a uma forma algébrica:
coubesse um colchão, surgia uma nuvem de as coxas para não as molhar; via-se-lhes a
tostada nudez dos braços e do pescoço, que suma ciência
pretendentes a disputá-los.
E aquilo se foi constituindo numa grande
lavanderia, agitada e barulhenta, com as suas
elas despiam, suspendendo o cabelo todo para
o alto do casco5; os homens, esses não se
X
suma potência
} = suma felicidade

cercas de varas, as suas hortaliças verdejantes preocupavam em não molhar o pelo, ao


e os seus jardinzinhos de três e quatro palmos, contrário metiam a cabeça debaixo da água e E durante dias, do Odeon à Sorbona, foi
que apareciam como manchas alegres por esfregavam com força as ventas e as barbas, louvada pela mocidade positiva a equação
entre a negrura das limosas tinas transbor- fossando6 e fungando contra as palmas da metafísica de Jacinto.
dantes e o revérbero1 das claras barracas de mão. As portas das latrinas não descansavam, Para Jacinto, porém, o seu conceito não
algodão cru, armadas sobre os lustrosos era um abrir e fechar de cada instante, um era meramente metafísico e lançado pelo gozo
bancos de lavar. E os gotejantes jiraus2, entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam elegante de exercer a razão especulativa; mas
cobertos de roupa molhada, cintilavam ao sol, lá dentro e vinham ainda amarrando as calças constituía uma regra, toda de realidade e de
que nem lagos de metal branco. ou as saias; as crianças não se davam ao utilidade, determinando a conduta, modalizan-
E naquela terra encharcada e fumegante, trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no do a vida. E já a esse tempo, em concordância
naquela umidade quente e lodosa, começou a capinzal dos fundos, por detrás da estalagem com o seu preceito, ele se surtira5 da Pequena
minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, ou no recanto das hortas. Enciclopédia dos Conhecimentos Universais
uma coisa viva, uma geração, que parecia bro- (Aluísio Azevedo, O Cortiço, cap. III) em setenta e cinco volumes e instalara, sobre
tar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e
Vocabulário e Notas os telhados do 202, num mirante envidraçado,
multiplicar-se como larvas no esterco.
1 – Indolência: preguiça. um telescópio. Justamente com esse teles-
(Aluísio Azevedo, O Cortiço, cap. I)
2 – Tenro: brando. cópio me tornou ele palpável a sua ideia, numa
Vocabulário e Notas noite de agosto, de mole e dormente calor.
3 – Marulhar: agitação.
1 – Revérbero: reflexo. Nos céus remotos lampejavam relâmpagos
4 – Altercar: debater.
2 – Jirau: varal. lânguidos. Pela Avenida dos Campos Elísios,
5 – Casco: couro cabeludo, crânio.
6 – Fossar: fuçar, revolver. os fiacres6 rolavam para as frescuras do
TEXTO II Bosque, lentos, abertos, cansados, transbor-
TEXTO III dando de vestidos claros.
Eram cinco horas da manhã e o cortiço (Eça de Queirós,
acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua A Cidade e as Serras, cap. I)
(...) Ora, nesse tempo Jacinto concebera
infinidade de portas e janelas alinhadas. uma ideia... Este Príncipe concebera a ideia de
Um acordar alegre e farto de quem dormiu que “o homem só é superiormente feliz Vocabulário e Notas
de uma assentada sete horas de chumbo. Como quando é superiormente civilizado”. E por ho- 1 – Robustecer: fortalecer.
que se sentiam ainda na indolência1 de neblina mem civilizado o meu camarada entendia 2 – Copiosamente: abundantemente.
as derradeiras notas da última guitarra da noite aquele que, robustecendo1 a sua força 3 – Bock: cerveja preta.
antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra2 pensante com todas as noções adquiridas 4 – Cenáculo: grupo de amigos.
da aurora, que nem um suspiro de saudade desde Aristóteles e multiplicando a potência 5 – Surtir-se: servir-se.
perdido em terra alheia. corporal dos seus órgãos com todos os 6 – Fiacre: carruagem.

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MÓDULO 26 O Realismo em Portugal – Antero de Quental

1. O contexto português raça (fatores hereditários, biológicos), • visão objetiva e natural da


o meio (social, geográfico) e o realidade: o escritor deveria construir
As teorias positivistas do século XIX momento (fatores históricos); suas personagens utilizando tipos
surgiram em decorrência das solicita- – a filosofia positivista de concretos existentes na vida social,
ções materiais ou ideológicas da Re- Auguste Comte (1798-1857), que pro- observando suas relações com o
volução Industrial, nos países mais pugnava por uma espécie de “religião meio. A personalidade desses tipos
desenvolvidos. Não era o caso de da ciência”, já que todos os fatos do seria a do meio ambiente, em menor
Portugal, que possuía ainda formas mundo físico, social ou espiritual escala, pelos seus componentes
capitalistas primárias, associadas a possuem conexões imediatas, mecâ- psicofisiológicos, isto é, pela
sobrevivências feudais. O Realismo nicas. Precursor na moderna tecnocra- influência dos órgãos e glândulas do
vai chegar ao país por importação. Foi cia, defendia o primado do conheci- corpo humano em sua conduta;
mais uma posição intelectual de mento empírico, baseado na observa- • preocupação com a reforma
grupos reformistas minoritários. ção, experimentação e comparação; (e não com a revolução) da sociedade,
Contudo, sua influência será bastante – o socialismo “utópico” de com o objetivo de democratizar
importante em setores burgueses Pierre-Joseph Proudhon (1809- (sobretudo numa perspectiva
mais progressistas. 1865), que, contrário à luta política, republicana) o poder político e de
A ausência de uma base social propunha a organização dos peque- instituir amplas reformas sociais.
similar à da França atenuará a con- nos produtores em associações de Procuravam diagnosticar os proble-
tundência que o Realismo teve na- auxílio mútuo. Ateu e antiburguês; mas da vida social e apontar soluções
quele país. As produções mais tími- – o evolucionismo de Charles reformistas, de caráter às vezes
das e mesmo os escritores mais ra- Robert Darwin (1809-1882), que socialista, mas mantendo-se a estru-
dicais mostram em suas obras traços fundamentou a teoria de que os seres tura do regime capitalista;
ideológicos do Romantismo, que tanto vivos evoluíram por causa da seleção • representação da vida con-
combatiam. natural das espécies, e as espécies temporânea, procurando mostrar
Os realistas-naturalistas portu- mais simples teriam, gradativamente, todos os seus detalhes significativos.
gueses oscilaram entre duas posi- dado origem às mais complexas; Há a preocupação de se estabelecer
ções: a dos republicanos, adeptos – o experimentalismo de conexões rigorosas de causa e efeito
de uma maior intervenção social do Claude Bernard (1813-1878), fisio- entre os fenômenos observados, já
governo para promover a demo- logista, fundador da “medicina experi- que as leis naturais são equivalentes,
cratização do liberalismo, e a dos mental”, na qual propunha que a ver- por exemplo, nos campos da Física,
socialistas utópicos, defensores, de dade “científica” só poderia ser con- Química e Biologia.
acordo com o modelo proudhoniano, cebida como tal após sua compro-
da criação de cooperativas operárias, vação “experimental” ou laboratorial; 3. A Questão Coimbrã
que se contrapusessem à força do – o criticismo e o anticleri-
grande capital. calismo de Joseph-Ernest Renan q Antecedentes
(1823-1892), propondo a revisão da Romântico, no começo do século
história e do papel da Igreja Católica. XIX, já não era somente o literato
2. Características do Podemos sintetizar o sentido filiado à Escola, mas designava um
realismo portugues ideológico de construção da escrita estado de alma: misto de melan-
do Realismo-Naturalismo português colia, tédio, abandono da vida,
Os modelos literários do Realis- nos seguintes pontos: inquietação — tudo em com-
mo português foram franceses: • crítica ao tradicionalismo portamento liricamente choroso.
Balzac e Stendhal (advindos do vazio da sociedade portuguesa, Em oposição, o século XIX ama-
Romantismo) e, especialmente, Gus- produto, segundo eles, da educação durecia em conquistas científicas:
tave Flaubert e Émile Zola, autores romântica, muito convencional e de um lado crescia a indus-
que o viés positivista e a crítica social distante da realidade. Há um compro- trialização, trazendo novos hábitos
fizeram paradigmáticos da nova misso ético do escritor em relação à de vida; de outro, firmavam-se a
escola. realidade, a ser representada com Física, Química, Biologia, Psi-
As teorias que fundamentaram toda a veracidade, e o seu papel é cologia, promovendo novos conhe-
ideologicamente o Realismo-Natura- semelhante ao de um profeta, com cimentos e exigindo alterações de
lismo foram, dentre outras, uma missão a cumprir; base do homem diante da vida.
– a teoria determinista de Hip- • crítica ao conservadorismo A literatura, nutrida dessas novas
polyte Taine (1825-1893), segundo a da Igreja, uma instituição voltada para concepções, abandona o Romantis-
qual o homem (e a própria arte) o passado e que impedia o de- mo — completamente divorciado da
resultava de três condicionantes: a senvolvimento natural da sociedade; realidade da vida —, e surge o Rea-

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lismo, preocupado em ser objetivo e Branco, Júlio de Castilho e Organizou as Conferências


exato. Surgiram novas ideias sobre Ramalho Ortigão. Democráticas do Cassino Lis-
poesia, romance, crítica, filosofia. Cerca de quarenta opúsculos bonense (1871), proferindo a con-
Em Coimbra, um grupo de rapa- circularam durante a contenda. ferência “A Causa da Decadência dos
zes vivia em pleno tumulto mental. Os moços de Coimbra, em Povos Peninsulares”.
Identificados com a renovação que verdade, não “derrubaram” o Roman- Publicou, além disso, artigos em
vinha da França, exasperavam-se tismo, mas prepararam o campo ideo- jornais republicanos e folhetos de pro-
diante da indiferença do resto do país. lógico no qual o Realismo cresceu paganda socialista para as organiza-
Em Lisboa, pontificava Castilho. imponente e fértil. ções operárias. Fundou, com José
Era o mentor de um grupo de poetas Castilho simboliza o Romantismo Fontana, a seção portuguesa da
e críticos, reunidos no mundo do em agonia; Antero é profeta dos Organização Internacional dos Traba-
“elogio mútuo”. Bem se poderia novos tempos, e o Realismo não foi lhadores.
dizer: Coimbra simbolizava a reno- só um “momento” literário, mas o Candidatou-se a deputado (sim-
vação, a ideia nova, o Realismo; Lis- sinal da nova civilização, alicerçada bolicamente) por duas vezes. Desi-
boa, o passado, o pieguismo, o nas conquistas do século XIX. ludiu-se das possibilidades revolu-
Romantismo. A Questão Coimbrã é considerada cionárias das camadas populares,
A primeira desavença entre os o marco inicial do Realismo português. passando a integrar o Grupo dos
dois grupos surgiu quando Castilho, Vencidos da Vida.
prefaciando o poema D. Jaime, de q As Conferências do Cassino Oscilando sempre entre o mate-
Tomás Ribeiro, declarou que Os Lisbonense rialismo e o idealismo, entre a
Lusíadas já não tinham mais razão de Realizadas na primavera de 1871, dúvida e a fé, teve vida agitada.
ser; que nenhum poeta de seu tempo foram consequências da Questão Acometido de uma psicose de-
subscreveria uma única oitava de to- Coimbrã, espécie de aplicação das pressiva, suicidou-se.
dos os dez cantos. João de Deus se ideias defendidas, arregimentação Antero de Quental constitui,
insurgiu contra o “ditador das letras” prática dos gênios da época. com Camões e Bocage, o trio dos
e achou que a atitude do leviano crí- Realizaram-se quatro conferên- maiores sonetistas da Língua Por-
tico era a de profanação. Isto foi a pri- cias. Anunciada a quinta, o Cassino foi tuguesa.
meira clarinada do combate. fechado pela polícia.
Antero de Quental fez-se q Obras
q A Questão Coimbrã ou a socialista; Teófilo Braga, positivista e
republicano; Eça de Queirós, • Prosa
polêmica Bom Senso e – Bom Senso e Bom Gosto
Bom Gosto (1865) Ramalho Ortigão, Guerra Jun-
queiro e Oliveira Martins, críticos e – A Dignidade das Letras e as
A contrarresposta de Castilho Literaturas Oficiais
apareceu em sua Carta que acom- negativistas: todos esses constituíam
o conhecido Grupo dos Vencidos da – Tendências Gerais da Filosofia
panhava, como posfácio, o Poema da na Segunda Metade do Século
Mocidade, de Pinheiro Chagas. Tal Vida, marcado pelo ceticismo risonho
e conformista. Embora “vencedo- XIX
poema, ingênuo e ultrarromântico, – Causas da Decadência dos
explora assunto banal e gasto: Artur, res”, em termos de reconhecimento
social, consideravam-se “vencidos” Povos Peninsulares nos Sécu-
enamorado de Ema, é traído por ela. los XVII e XVIII
Bate-se em duelo com o rival e se em termos de ideais. E em alegres
desgraça, a si e à amante... Mas jantares comemoravam a crise e o
Castilho considerou-o excelso; louvou desalento ideológico. • Poesia
o poema, discutiu política, filosofia, a) Primeira Fase: O Idealismo –
estética e educação. E, em tudo, 4. Antero Tarquínio de O Lirismo Amoroso – As
sempre, ironicamente, fez refe- Quental(1842-1891) Aproximações com o Ro-
rências desairosas aos moços de mantismo
Coimbra e aos impulsos (moder- q Vida Em Primaveras Românticas e em
nizadores) da rapaziada. Formado em Direito por Coimbra; alguns momentos de Raios da Extinta
Antero de Quental foi quem ainda como estudante liderou a Luz, Antero parece buscar a trans-
respondeu à Carta de Castilho, no chamada Campanha do Bom Senso e cendência do amor espiritual. Na linha
célebre folheto Bom Senso e Bom Bom Gosto (Questão Coimbrã), de Petrarca e de Camões, encon-
Gosto. O moço foi desabrido e irre- publicando os folhetos Bom Senso e tramos o dualismo psicológico quanto
verente, não respeitando as cãs de Bom Gosto e A Dignidade das Letras ao amor: a beleza espiritual x a
seu antigo professor de primeiras e as Literaturas Oficiais, ambos em atração carnal, o amar x o querer.
letras: “queremos puxar-lhe as 1865. Interessado no movimento Antero espiritualiza a mulher a ponto
orelhas”, diz. operário, instalou-se em Paris, como de projetar nela a excelência e a
A favor de Castilho militaram tipógrafo, para acompanhar o movi- pureza da figura materna, da irmã, da
Pinheiro Chagas, Camilo Castelo mento operário francês. criança.

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IDEAL Mas a ideia é um mundo inalterável, O PALÁCIO DA VENTURA


Num cristalino céu, que vive estável...
Sonho que sou um cavaleiro andante.
Aquela, que eu adoro, não é feita Tu, pensamento, não és fogo, és luz!
Por desertos, por sóis, por noite escura,
De lírios nem de rosas purpurinas, Paladino do amor, busco anelante
Vocabulário e Notas
Não tem as formas lânguidas, divinas O Palácio encantado da Ventura!
1 – Bacante: integrante do cortejo de Baco.
Da antiga Vênus1 de cintura estreita...
2 – Lúbrico: sensual. Mas já desmaio, exausto e vacilante,
3 – Medeia: figura mitológica; abandonada pelo Quebrada a espada já, rota1 a armadura...
Não é a Circe2, cuja mão suspeita marido, Jasão, vinga-se assassinando os E eis que súbito o avisto, fulgurante
Compõe filtros mortais entre ruínas, filhos de maneira horrenda. Na sua pompa e aérea formosura!
Nem a Amazona3, que se agarra às crinas 4 – Pelouro e obus: munição e peça de arti-
Do corcel 4 e combate satisfeita... lharia, respectivamente. Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais!
A mim mesmo pergunto e não atino O soneto, de inspiração hegelia-
Com o nome que dê a essa visão, na, expressa o sentido contraditório do Abrem-se as portas d’ouro, com fragor2...
Que ora amostra, ora esconde o meu comportamento humano: a ideia é su- Mas dentro encontro só, cheio de dor,
[destino... Silêncio e escuridão — e nada mais!
blime, mas o homem, para implantá-
É como uma miragem que entrevejo,
la, comete desmandos e a falsifica. Vocabulário e Notas
Ideal, que nasceu da solidão... 1 – Roto: estragado.
TORMENTO DO IDEAL 2 – Fragor: estrondo, barulho.
Nuvem, sonho impalpável do Desejo...

Conheci a Beleza que não morre A GERMANO MEIRELES


Vocabulário e Notas
E fiquei triste. Como quem da serra
1 – Vênus: deusa do amor. Mais alta que haja, olhando aos pés a terra Só males são reais, só dor existe;
2 – Circe: feiticeira lendária. E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre, Prazeres só os gera a fantasia;
3 – Amazona: mulher guerreira que montava a
Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre; Em nada, um imaginar, o bem consiste,
cavalo.
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra Anda o mal em cada hora e instante e dia.
4 – Corcel: cavalo.
Perder a cor, bem como a nuvem que erra
Ao pôr-do-sol e sobre o mar discorre. Se buscamos o que é, o que devia
b) Segunda Fase: A Poesia de Por natureza ser não nos assiste;
Pedindo à forma, em vão, a ideia pura, Se fiamos num bem, que a mente cria,
Combate – O Socialismo – O
Tropeço, em sombras, na matéria dura, Que outro remédio há aí senão ser triste
Humanitarismo E encontro a imperfeição de quanto existe.
Nas Odes Modernas, a visão
Oh! quem tanto pudera que passasse
cristã do mundo é substituída por Recebi o batismo dos poetas
E assentado entre as formas incompletas, A vida em sonhos só e nada vira...
uma religiosidade naturalista, pan- Mas, no que se não vê, labor1 perdido!
Para sempre fiquei pálido e triste.
teísta (= identificação de Deus com o
mundo concreto). A revolução é vista Quem fora tão ditoso2 que olvidasse3...
em termos dessa religiosidade: O poeta frustra-se por não con- Mas nem seu mal com ele então dormira,
ideais como liberdade, igualdade e seguir uma síntese entre o conhe- Que sempre o mal pior é ter nascido!
justiça são transformados em valo- cimento subjetivo (ideia) e o
objetivo (formas reais). Uma “ideia Vocabulário e Notas
res santificados. O próprio ato de
pura” pediria uma forma plena, 1 – Labor: trabalho, esforço.
escrever transforma-se em um ato
2 – Ditoso: feliz.
de fé revolucionária, uma utopia que totalizadora, para assim chegar-se a
3 – Olvidar: esquecer.
o escritor procura alcançar seguindo uma síntese de absolutos.
o humanismo proudhoniano.
c) Terceira Fase: O Pessimismo
– A Poesia Dilemática e Me-
TESE E ANTÍTESE tafísica – O Transcendenta-
I
lismo – A Morte e a Busca de
Já não sei o que vale a nova ideia,
Deus
Quando a vejo nas ruas desgrenhada, Nas partes finais dos Sonetos
Torva no aspecto, à luz da barricada, Completos, agrava-se a divisão do
Como bacante1 após lúbrica2 ceia! poeta, já expressa nas fases ante-
riores, entre o Ideal (que leva ao
Sanguinolento o olhar se lhe incendeia... Absoluto, a Deus) e o Real (que leva
Aspira fumo e fogo embriagada...
às ciências experimentais). Os poe-
A deusa de alma vasta e sossegada
mas dilemáticos dessa fase oscilam
Ei-la presa das fúrias de Medeia3!
entre a sensação de aniquilamento
Um século irritado e truculento (“O Palácio da Ventura”, “A Germano
Chama à epilepsia pensamento, Meireles” etc.) e o conformismo mís- Antero Tarquínio de Quental na juventude.
Verbo ao estampido de pelouro e obus4... tico (“Na Mão de Deus”). Foto de autor desconhecido, 1864.

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MÓDULO 27 Eça de Queirós (I)

1. José Maria Eça de Queirós sociedade leiriense é o cenário, com tempo, uma ampla crônica da alta
(1845-1900) os serões da Sra. Joaneira. Romance sociedade lisboeta. Se, em O Crime
malicioso, farto de observações do Padre Amaro (1875), Eça focalizou
q Vida agudas e belos quadros psicológicos. a vida devota da Província, e, em O
“Eu sou apenas um pobre O herói é o padre Amaro, que Primo Basílio (1878), retratou a classe
homem de Póvoa do Varzim.” mantém relações íntimas com média da Capital, com Os Maias
Assim Eça de Queirós se apresen- Amélia, e depois a abandona. (1888) o escritor retrata a vida das
tava. Em 1866, forma-se em Direito, • O Primo Basílio altas esferas da política, do governo,
pela Universidade de Coimbra. Exerce Análise da família burguesa. da aristocracia e dos literatos, em
o cargo de advogado, influenciado Neste romance, Eça cria tipos de- meio a jogos e festas.
pelo pai, que era juiz de direito. É sim- finitivos. O Conselheiro Acácio, que
ples espectador da Questão é o formalismo oficial: “Era alto, TEXTO I
Coimbrã, ligando-se aos realistas em magro, vestido todo de preto, com o
Lisboa, no grupo Cenáculo. Viaja, em pescoço entalado num colarinho di- Foi no domingo de Páscoa que se soube
1869, para o Egito; participa, em reito. O rosto, aguçado no queixo, ia- em Leiria que o pároco da Sé, José Miguéis,
1871, das Conferências do Cassino; se alargando até a calva, vasta e tinha morrido de madrugada com uma
vai para Leiria, como administrador do polida, um pouco amolgada no alto. apoplexia1. O pároco era um homem san-
conselho. Em 1873, vai como cônsul (...) Era muito pálido; nunca tirava as guíneo e nutrido, que passava entre o clero
para Havana; viaja pela América e, lunetas escuras. (...) Fora, outrora, diocesano pelo comilão dos comilões.
finalmente, segue para a Inglaterra e diretor-geral do Ministério do Reino e Contavam-se histórias singulares da sua
depois para a França, onde, já casado, sempre que dizia — El-Rei! erguia-se voracidade. O Carlos da botica — que o detes-
tava — costumava dizer, sempre que o via sair
vem a falecer. um pouco na cadeira. Os seus gestos
depois da sesta, com a face afogueada de
eram medidos, mesmo a tomar rapé.
sangue, muito enfartado:
q Obras Nunca usava palavras triviais, não — Lá vai a jiboia esmoer2. Um dia estoura!
a) Primeira fase: de 1866 a dizia vomitar, fazia um gesto Com efeito estourou, depois de uma ceia
1875. Há apego romântico e fanta- indicativo e empregava restituir.” de peixe — à hora em que defronte, na casa do
sioso. Escreveu folhetins na Gazeta Luísa, a heroína que se entregara, Dr. Godinho, que fazia anos, se polcava3 com
de Portugal, depois reunidos no vo- durante a ausência do marido, aos alarido. Ninguém o lamentou, e foi pouca
lume Prosas Bárbaras. Ainda a essa amores de um primo conquistador, gente ao seu enterro. Em geral não era
fase pertencem O Mistério da Estra- Basílio, encarna o papel da adúltera estimado. Era um aldeão; tinha os modos e os
da de Sintra, romance originalíssimo, que sofre desesperadamente. pulsos de um cavador, a voz rouca, cabelos nos
escrito em parceria com Ramalho Juliana, a criada, que “personifica o ouvidos, palavras muito rudes.
Nunca fora querido das devotas; arrotava no
Ortigão. Eça estava em Lisboa. Ra- descontentamento azedo e o tédio da
confessionário e, tendo vivido sempre em fre-
malho, em Liz. Durante dois meses, profissão”, possuía cartas compro-
guesias da aldeia ou da serra, não compreendia
sem nenhum plano da obra, cada metedoras da ama, e explorou plena- certas sensibilidades requintadas da devoção:
escritor remetia um folhetim ao jornal mente a situação, pondo a patroa no perdera por isso, logo ao princípio, quase todas as
Diário de Notícias, continuando o trabalho e maltratando-a. Eça declara: confessadas, que tinham passado para o polido
enredo. Também da primeira fase é “A família lisboeta é produto do na- Padre Gusmão, tão cheio de lábia!
Uma Campanha Alegre, coletânea de moro, reunião desagradável de egoís- E quando as beatas, que lhe eram fiéis,
seus artigos publicados em As Farpas mos que se contradizem, e, mais tar- lhe iam falar de escrúpulos de visões, José
— periódico de combate, que de ou mais cedo, são centros de bam- Miguéis escandalizava-as, rosnando:
analisava e criticava Portugal em bochata. Uma sociedade sobre estas — Ora histórias, santinha! Peça juízo a
todos os setores de atividade: falsas bases não está na verdade: Deus! Mais miolo na bola!
As exagerações dos jejuns sobretudo
política, educação, arte, literatura, atacá-la é um dever”.
irritavam-no:
saúde, finanças. • O Mandarim
— Coma-lhe e beba-lhe — costumava
b) Segunda fase: de 1875 a Romance de influência orienta- gritar —, coma-lhe e beba-lhe, criatura!
1888, quando Eça se integra na lista. As lutas de consciência travadas Era miguelista — e os partidos liberais, as
técnica realista (“Sobre a nudez em um homem que substitui o suas opiniões, os seus jornais enchiam-no
forte da verdade, o manto diáfano trabalho pelo enriquecimento ines- duma cólera irracionável:
da fantasia”), e aparecem os crupuloso. — Cacete! cacete! — exclamava, me-
romances: • Os Maias neando o seu enorme guarda-sol vermelho.
• O Crime do Padre Amaro Romance de crítica social, último (O Crime do Padre Amaro, cap. I)
Este livro é o introdutor do da série pertencente à segunda fase Vocabulário e Notas
romance realista em Portugal. A obra do autor. É a história do amor inces- 1 – Apoplexia: derrame cerebral.
tem a preocupação de fixar tuoso de Carlos da Maia com sua 2 – Esmoer: fazer a digestão.
instantâneos da vida provinciana. A irmã, Maria Eduarda, e, ao mesmo 3 – Polcar: dançar a polca.
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Vinha de lá, daquela aldeola de Paris! — Falava moedas de cinco mil-réis, peças, muitas,
TEXTO II devagar, recostado, com um ar íntimo, muitas, profusamente; não conhecia o
estendendo sobre o tapete, comodamente, os homem; tinha um chinó2 vermelho e uma
Luísa espreguiçou-se. Que seca ter de se seus sapatos de verniz. pera3 impudente4. Seria o diabo? Que lhe
ir vestir! Desejaria estar numa banheira de Luísa olhava-o. Achava-o mais varonil, importava? Estava rica, estava salva! Punha-se
mármore cor-de-rosa, em água tépida1, mais trigueiro. No cabelo preto anelado havia a chamar, a gritar por Juliana, a correr atrás
perfumada e adormecer! Ou numa rede de agora alguns fios brancos; mas o bigode dela, por um corredor que não findava e que
seda, com as janelinhas cerradas2, embalar-se, pequeno tinha o antigo ar moço, orgulhoso e começava a estreitar-se, a estreitar-se, até que
ouvindo música! (...) intrépido5; os olhos, quando ria, a mesma era como uma fenda por onde ela se arrastava
Tornou a espreguiçar-se. E saltando na doçura amolecida, banhada num fluido. de esguelha5, respirando mal e apertando
ponta do pé descalço, foi buscar ao aparador Reparou na ferradura de pérola da sua gravata sempre contra si o montão de libras que lhe
por detrás de uma compota um livro um pouco de cetim preto, nas pequeninas estrelas punha frialdades de metal sobre a pele nua do
enxovalhado3, veio estender-se na voltaire4, brancas bordadas nas suas meias de seda. A peito. Acordava assustada; e o contraste da
quase deitada, e, com o gesto acariciador e Bahia não o vulgarizara. Voltava mais sua miséria real com aquelas riquezas do
amoroso dos dedos sobre a orelha, começou a interessante! sonho era como um acréscimo de amargura.
ler toda interessada. — Mas tu, conta-me de ti — dizia ele com Quem lhe poderia valer? — Sebastião!
Era a Dama das Camélias5. Lia muitos um sorriso, inclinado para ela. — És feliz, tens Sebastião era rico, era bom. Mas mandá-lo
romances; tinha uma assinatura, na Baixa, ao um pequerrucho... chamar e dizer-lhe ela, ela Luísa, mulher de
mês. — Não — exclamou Luísa, rindo. — Não Jorge: — Empreste-me seiscentos mil-réis. —
(Eça de Queirós, O Primo Basílio, cap. I) tenho! Quem te disse? Para quê, minha senhora? E podia lá
— Tinham-me dito. E teu marido demora-se? responder: para resgatar umas cartas que
Vocabulário e Notas — Três, quatro semanas, creio. escrevi ao meu amante. Era lá possível! Não,
1 – Tépido: morno. Quatro semanas! Era uma viuvez! estava perdida. Restava-lhe ir para um con-
2 – Cerrado: fechado. Ofereceu-se logo para a vir ver mais vezes, vento.
3 – Enxovalhado: manchado, sujo. palrar6 um momento, pela manhã... (Eça de Queirós, O Primo Basílio, cap. Vlll)
4 – Voltaire: cadeira de encosto alto, muito con- (Eça de Queirós, O Primo Basílio, cap. III)
fortável. Vocabulário e Notas
5 – Dama das Camélias: romance de Alexandre 1 – Frêmito: agitação.
Dumas Filho, publicado em 1848. Vocabulário e Notas 2 – Chinó: peruca.
1 – Peau de suède (francês; pronúncia: pô de 3 – Pera: barba no queixo, cavanhaque.
süéd): couro acamurçado e macio. 4 – Impudente: desavergonhado, atrevido, sen-
2 – Escarlate: vermelho.
TEXTO III sual.
3 – Paquete: navio a vapor. 5 – De esguelha: de lado.
4 – Degredo: exílio, afastamento; local onde
Luísa desceu o véu branco, calçou vive o degredado.
devagar as luvas de peau de suède1 claras, deu 5 – Intrépido: arrojado, corajoso.
duas pancadinhas fofas ao espelho na gravata 6 – Palrar: conversar.
de renda e abriu a porta da sala. Mas quase
recuou; fez “ah!”, toda escarlate2. Tinha-o
reconhecido logo. Era o primo Basílio.
Houve um shake-hands demorado, um TEXTO IV
pouco trêmulo. Estavam ambos calados; ela
com todo o sangue no rosto, um sorriso vago; Que noite para Luísa! A cada momento
ele fitando-a muito, com um olhar admirado. acordava num sobressalto, abria os olhos na
Mas as palavras, as perguntas vieram logo, penumbra do quarto, e caía-lhe logo na alma,
muito precipitadamente: — Quando tinha ele como uma punhalada, aquele cuidado pungen-
chegado? Se sabia que ele estava em Lisboa? te: Que havia de fazer? Como havia de arranjar
Como soubera a morada dela? dinheiro? Seiscentos mil-réis! As suas joias
Chegara na véspera no paquete3 de valiam talvez duzentos mil-réis. Mas depois,
Bordéus. Perguntara no ministério; disseram- que diria Jorge? Tinha as pratas... Mas era o
lhe que Jorge estava no Alentejo; deram-lhe a mesmo!
adresse... A noite estava quente, e na sua inquie-
— Como tu estás mudada, Santo Deus! tação a roupa escorregara; apenas lhe restava
— Velha? o lençol sobre o corpo. Às vezes a fadiga
— Bonita! readormecia-a de um sono superficial, cortado
— Ora! de sonhos muito vivos. Via montões de libras
E ele, que tinha feito? Demorava-se? reluzirem vagamente, maços de notas agita- Eça de Queirós, por volta de 1868.
Foi abrir uma janela, dar uma luz larga, rem-se brandamente no ar. Erguia-se, saltava Fotografia de Henrique Nunes.
mais clara. Sentaram-se. Ele no sofá muito para as agarrar, mas as libras começavam a
languidamente; ela ao pé, pousada de leve à rolar, a rolar como infinitas rodinhas sobre um A terceira fase da obra de Eça de
beira de uma poltrona, toda nervosa. chão liso, e as notas desapareciam, voando
Queirós, que constitui uma profunda
Tinha deixado o “degredo”4 — disse ele. muito leves com um frêmito1 de asas irônicas.
— Viera respirar um pouco à velha Europa. Ou então era alguém que entrava na sala,
reviravolta em alguns elementos im-
Estivera em Constantinopla, na Terra Santa, curvava-se respeitosamente e começava a tirar portantes da fase anterior, será estu-
em Roma. O último ano passara-o em Paris. do chapéu, a deixar-lhe cair no regaço libras, dada na próxima aula.

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MÓDULO 28 Eça de Queirós (II)

q Obras (continuação) do Conde Nuno Mendes, aquele agigantado


TEXTO I Ordonho Mendes, senhor de Treixedo e de
c) Terceira fase: a partir de 1897. Santa Ireneia, que casou em 967 com Dona
Desde as quatro horas da tarde, no calor
Elduara, Condessa de Carrion, filha de
É considerada a fase de maturidade, e silêncio do domingo de junho, o Fidalgo da
Bermudo, o Gotoso, Rei de Leão.
em que Eça retorna aos valores Torre, em chinelos, com uma quinzena1 de
(Eça de Queirós,
tradicionais portugueses. Sua obra, linho envergada sobre a camisa de chita cor-de-
A Ilustre Casa de Ramires, cap. I)
agora, tem preocupação moral. A rosa, trabalhava. Gonçalo Mendes Ramires
(que naquela sua velha aldeia de Santa Ireneia,
sátira corrosiva é substituída por uma Vocabulário e Notas
e na vila vizinha, a asseada e vistosa Vila-Clara, 1 – Quinzena: jaquetão comprido.
ironia condescendente. Em lugar do
e mesmo na cidade, em Oliveira, todos 2 – Escaiolado: que recebeu escaiola (reves-
pessimismo, entra um otimismo es- conheciam pelo “Fidalgo da Torre”) trabalhava timento feito de gesso e cola).
perançoso. Abandonam-se os esque- numa Novela Histórica, A Torre de D. Ramires, 3 – Carneira: pele curtida de carneiro.
mas naturalistas. Pertencem a essa destinada ao primeiro número dos Anais de 4 – Poial: assento de madeira, pedra etc. unido
fase os romances: Literatura e de História, revista nova, fundada à parede ou a muro de entrada de uma casa.
por José Lúcio Castanheiro, seu antigo 5 – Uma pouca: um pouco.
camarada de Coimbra, nos tempos do 6 – Cunhal: pilastra de pedras lavradas na
• A Ilustre Casa Cenáculo Patriótico, em casa das Severinas. junção de duas paredes; cada uma dessas
de Ramires A livraria, clara e larga, escaiolada2 de pedras.
Publicado em 1897, e de forma azul, com pesadas estantes de pau-preto onde 7 – Ameia: cada um dos parapeitos denteados
completa em 1900, o romance con- repousavam no pó e na gravidade das no alto de muralhas ou torres de castelos.
fronta a realidade do século XIX com lombadas de carneira3 grossos fólios de 8 – Coevo: que é da mesma época de outro;
o universo heroico e fantasioso dos convento e de foro, respirava para o pomar por contemporâneo.
romances da Idade Média. Desse duas janelas, uma de peitoril e poiais4 de pedra
almofadados de veludo, outra mais rasgada, de • A Cidade e as Serras
contraste surge, por um lado, a ironia
varanda, frescamente perfumada pela
e, por outro, o sentimento de amor à Publicado em 1901, um ano após
madressilva que se enroscava nas grades.
terra, à gente e à paisagem portu- a morte do autor, A Cidade e as
Diante dessa varanda, na claridade forte,
guesa. pousava a mesa — mesa imensa de pés
Serras é seu último romance, desen-
Em A Ilustre Casa de Ramires torneados, coberta com uma colcha desbotada volvido a partir do conto “Civilização”
ocorrem duas histórias paralelas: a de damasco vermelho e atravancada nessa (1892). Desencantado com a civiliza-
primeira é a história central, ambien- tarde pelos rijos volumes da História ção urbana, Eça compõe um hino à
tada no século XIX, que focaliza os Genealógica, todo o Vocabulário de Bluteau, natureza e à vida rural. Como o
valores da aristocracia decadente, tomos soltos do Panorama, e ao canto, em próprio título indica, a obra baseia-se
representada pelo protagonista Gon- pilha, as obras de Walter Scott sustentando em uma antítese, dividindo-se em
um copo cheio de cravos amarelos. E daí, da duas partes. A primeira, que vai até a
çalo Mendes Ramires; a segunda é a
sua cadeira de couro, Gonçalo Mendes metade do capítulo oitavo, narra a
novela medieval, escrita por esse
Ramires, pensativo diante das tiras de papel vida de Jacinto em Paris. A segunda,
mesmo protagonista, que narra a vida almaço, roçando pela testa a rama de pena de
de seu antepassado, Tructesindo. que encerra a obra, relata a ida de
pato, avistava sempre a inspiradora da sua
Temos assim uma história dentro da Jacinto para o campo e seu encontro
Novela — a Torre, a antiquíssima Torre,
outra. Ambas são narradas em ter- quadrada e negra sobre os limoeiros do pomar
com os ideais da vida rústica, o amor
ceira pessoa, por narradores onisci- que em redor crescera, com uma pouca5 de e a felicidade. Neste romance, Eça
entes. As diferenças estão no hera no cunhal6 rachado, as fundas frestas critica a elite portuguesa afrancesada
comportamento dos dois persona- gradeadas de ferro, as ameias7 e a miradoura e defende um retorno às raízes e à
gens (o primeiro é covarde e bem cortadas no azul de junho, robusta cultura lusitana.
sobrevivência do Paço acastelado, da falada A obra é estruturada de forma
ganancioso, e o segundo, heroico e
Honra de Santa Ireneia, solar dos Mendes dialética. Semelhante a um silogismo,
honrado), no tempo (século XIX e XII)
Ramires desde os meados do século X. apresenta uma tese, a antítese e a
e na linguagem das duas narrativas (a Gonçalo Mendes Ramires (como síntese. Primeiro, o protagonista Jacin-
primeira é realista, e a segunda, de confessava esse severo genealogista, o to proclama a vida na cidade como o
caráter épico, parodia os romances morgado de Cidadelhe) era certamente o mais
suprassumo da civilização; depois,
históricos, à moda de Herculano). genuíno e antigo Fidalgo de Portugal. Raras
passa a contestar o artificialismo da
No final do romance, Gonçalo famílias, mesmo coevas8, poderiam traçar a
vida urbana, voltando-se para as delí-
parte para a África em busca de sua ascendência, por linha varonil e sempre
pura, até aos vagos Senhores que entre Douro
cias do campo. Por fim, a cidade e as
fortuna, viagem que significará sua
e Minho mantinham castelo e terra murada serras se conciliam, e a personagem
redenção moral e, numa alegoria ao
quando os barões francos desceram, com usa as conquistas da civilização para
antigo império português de ultramar, melhor aproveitar a vida rural.
pendão e caldeira, na hoste do Borguinhão. E
a renovação das energias ancestrais O romance é narrado na primeira
os Ramires entroncavam limpidamente a sua
do país. casa, por linha pura e sempre varonil, no filho pessoa por Zé Fernandes, amigo
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íntimo de Jacinto. Trata-se de um mangas de camisa, descarregavam caixotes grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua
narrador-testemunha, que apresenta de madeira, fardos de lona, que se miséria. (...) Na cidade findou a sua liberdade
os fatos segundo sua óptica pessoal, despregavam e se descosiam8 numa sala moral; cada manhã ela lhe impõe uma
asfaltada, ao fundo do jardim, por trás da sebe9 necessidade, e cada necessidade o arremessa
ou seja, subjetivamente, de acordo
de lilases. E eu descia, reclamado pelo meu para uma dependência; pobre e subalterno, a
com o seu humor, sua simpatia ou
Príncipe, para admirar uma nova máquina que sua vida é um constante solicitar, adular,
antipatia. nos tornaria a vida mais fácil, estabelecendo de vergar, rastejar, aturar; e rico e superior como
A ação se passa no período que um modo mais seguro nosso domínio sobre a um Jacinto, a sociedade logo o enreda em
vai de 1820 a 1893. O protagonista, substância. Durante os calores, que apertavam tradições, preceitos, etiquetas, cerimônias,
Jacinto, tinha o apelido de “Príncipe depois da ascensão10, ensaiamos praxes, ritos, serviços mais disciplinares que
da Grã-Ventura”, devido à sua riqueza, esperançadamente, para refrescar as águas os dum cárcere ou dum quartel... (...) Os
saúde e sorte. Vivendo em Paris, no minerais, a Soda Water11 e os Medocs12 sentimentos mais genuinamente humanos
palacete número 202 da Avenida ligeiros13, três geleiras14, que se amontoaram logo na cidade se desumanizam! (...) Mas o
Campos Elíseos e convivendo com a na copa sucessivamente desprestigiadas. Com que a cidade mais deteriora no homem é a
alta classe local, seu ideal de vida era os morangos novos apareceu um inteligência, porque ou lha arregimenta dentro
instrumentozinho astuto, para lhes arrancar os da banalidade ou lha empurra para a extra-
expresso na “equação metafísica”:
pés, delicadamente. Depois recebemos outro, vagância. Nesta densa e pairante camada de
prodigioso, de prata e cristal, para remexer ideias e fórmulas que constitui a atmosfera

}
suma ciência freneticamente as saladas; e, na primeira vez mental das cidades, o homem que a respira,
X = suma felicidade que experimentei, todo o vinagre nela envolto, só pensa todos os pensamentos
suma potência esparrinhou15 sobre os olhos do meu Príncipe, já pensados, só exprime todas as expressões
que fugiu aos uivos! Mas ele teimava... Nos já exprimidas (...) Todos, intelectualmente, são
atos mais elementares, para aliviar ou apressar carneiros, trilhando o mesmo trilho, balando1 o
o esforço, se socorria Jacinto da dinâmica. E mesmo balido, com o focinho pendido para a
No entanto, decorrido algum tem-
agora era por intervenção de uma máquina que poeira onde pisam, em fila, as pegadas
po, ele começa a enfadar-se de sua abotoava as ceroulas. pisadas; e alguns são macacos, saltando no
vida repleta de luxo e riqueza, mas (Eça de Queirós, topo de mastros vistosos, com esgares2 e
pobre de espírito. Atacado por uma A Cidade e as Serras, cap. V) cabriolas3. Assim, meu Jacinto, na cidade,
melancolia crescente que afeta sua nesta criação tão antinatural onde o solo é de
saúde, Jacinto parte para o campo, Vocabulário e Notas pau e feltro e alcatrão, e o carvão tapa o céu, e
indo viver em sua propriedade na 1 – No mês de abril é primavera na Europa. a gente vive acamada nos prédios como o
Serra de Tormes, em Portugal. Em 2 – Pó de caliça: argamassa ressequida. paninho nas lojas, e a claridade vem pelos
contato com a natureza e o trabalho 3 – Retininte: ruidoso. canos, e as mentiras se murmuram através de
rural, ele recupera o antigo vigor e 4 – Rancho: grupo (de pessoas). arames, o homem aparece como uma criatura
5 – Petit-Bleu (francês; pronúncia aproximada: anti-humana... (...) E aqui tem o belo Jacinto o
disposição. O amor de Joaninha
peti blö – ö = som e com lábios arredondados que é a bela cidade!
completa o quadro de sua felicidade.
de o): canção popular francesa. E ante estas encanecidas4 e veneráveis
6 – Em fralda: vestido somente de camisa invectivas5, (...) o meu Príncipe vergou6 a nuca
comprida. dócil, como se elas brotassem, inesperadas e
TEXTO II 7 – Estacar: parar. frescas, duma revelação superior, naqueles
8 – Descoser: descosturar. cimos de Montmartre:
No entanto Jacinto, desesperado com
9 – Sebe: cerca. — Sim, com efeito, a cidade... É talvez uma
tantos desastres humilhadores — as torneiras
10 – Ascensão: entrada da primavera. ilusão perversa!
que dessoldavam, os elevadores que
11 – Soda Water: refrigerante; soda. (Eça de Queirós,
emperravam, o vapor que se encolhia, a
12 – Medoc: vinho dessa região francesa. A Cidade e as Serras, cap. VI)
eletricidade que se sumia —, decidiu
13 – Ligeiro: leve.
valorosamente vencer as resistências finais da
14 – Geleira: equivalente à atual geladeira.
matéria e da força por novas e mais poderosas Vocabulário e Notas
15 – Esparrinhar: espirrar.
acumulações de mecanismos. E nessas 1 – Balar: o mesmo que balir: berrar como ove-
semanas de abril1, enquanto as rosas lha, soltar balidos.
desabrochavam, a nossa agitada casa, entre TEXTO III 2 – Esgar: trejeito, careta.
aquelas quietas casas dos Campos Elísios, que 3 – Cabriola: cambalhota.
preguiçavam ao sol, incessantemente tremeu, Neste trecho de A Cidade e as 4 – Encanecido: de encanecer: embranquecer
envolta num pó de caliça2 e de empreitada, Serras, Jacinto e Zé Fernandes ob- os cabelos; experiente; antigo.
com o bruto picar de pedra, o retininte3 5 – Invectiva: ataque, crítica feroz.
servam a cidade de Paris do alto de
martelar de ferro. Nos silenciosos corredores, 6 – Vergar: curvar, dobrar.
uma colina. Essa visão panorâmica
onde me era doce fumar antes do almoço um
pensativo cigarro, circulavam agora, desde
encoraja Zé Fernandes a falar sobre
os males da civilização urbana: Entre as demais obras de Eça de
madrugada, os ranchos4 de operários, de
Queirós, estão A Relíquia, A Capital,
blusas brancas, assobiando o Petit-Bleu5, e
intimidando meus passos quando eu — Sim, é talvez tudo uma ilusão... E a A Tragédia da Rua das Flores, Contos,
atravessava em fralda6 e chinelas para o banho cidade a maior ilusão! Cartas de Inglaterra.
ou para outros retiros... (...) Certamente, meu Príncipe, uma
Cada dia estacava7 diante do portão ilusão! E a mais amarga, porque o homem
alguma lenta carroça, de onde os criados, em pensa ter na cidade a base de toda a sua

– 59
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MÓDULO 29 Realismo no Brasil: Machado de Assis (I)

1. Localização histórico-cultural de Meneses. Mas o segmento Almeida, em Memórias de um Sar-


boêmio e irreverente acabava sempre gento de Milícias, focalizou, com sur-
q O contexto brasileiro absorvido pela respeitabilidade preendente imparcialidade, os costu-
O período realista foi o primeiro, acadêmica. Até o irreverente Emílio mes do Rio de Janeiro, no fim da Era
em nossa literatura, a apresentar um de Meneses acabou eleito para a Colonial.
panorama completo da vida literária, Academia.
com todos os gêneros modernos A importância desse período q Observação importante
florescendo, com a multiplicação das completa-se com o relevo adquirido No Brasil, os movimentos realis-
instituições culturais e dos órgãos de pela oratória civil (Rui Barbosa); pelos ta, naturalista e parnasianista são
imprensa (A Revista Brasileira, A estudos históricos (Joaquim Nabuco, simultâneos, e não sucessivos. Os
Gazeta Literária, A Semana, entre Capistrano de Abreu e Oliveira Lima); três ocorreram no mesmo período
outros). pelo jornalismo (José do Patrocínio e cronológico: 1881-1893. O Realismo
Esse incremento na vida cultural Alcindo Guanabara); pelos estudos de inaugura-se em 1881, com a publi-
projetou a maturação da nacionalida- gramática (Júlio Ribeiro e João cação de Memórias Póstumas de
de e a dinamização e consolidação da Ribeiro); pela crítica literária (Sílvio Brás Cubas, de Machado de Assis. O
vida nacional (modernização das cida- Romero, José Veríssimo e Araripe Naturalismo aparece também em
des, codificação racional das leis, mo- Júnior) e pelo ensaísmo (Tobias 1881, com a publicação de O Mulato,
dernização do equipamento técnico e Barreto, Farias Brito, Euclides da de Aluísio Azevedo. Costuma-se iden-
do ensino superior, penetração nas Cunha e Clóvis Bevilácqua). tificar como marco inicial do Par-
zonas internas, estabilização das nasianismo o aparecimento, em
fronteiras com os países limítrofes). 1882, do livro de poemas Fanfarras,
O escritor passa a ser socialmen- q Os antecedentes literários de Teófilo Dias.
te reconhecido. Nesse sentido, a fun- brasileiros É comum, portanto, designar-se
dação da Academia Brasileira de No Brasil, especialmente na como período realista o conjunto
Letras (1897) veio, de certo modo, ficção regionalista e urbana, os auto- desses três movimentos ou cor-
oficializar a literatura, logrando o reco- res românticos procuraram a descri- rentes: o Realismo propriamente dito,
nhecimento do mundo oficial e da ção da vida social e a observação do o Naturalismo (ou Realismo Natura-
opinião pública e exercendo a inter- ambiente, contrabalançando os exa- lista) e o Parnasianismo.
mediação entre a produção geros da imaginação e da fantasia. Esse período irá desdobrar-se
intelectual, o poder e o público, papel José de Alencar, em Senhora, muito além de seus limites cronoló-
exercido, timidamente, no Roman- desmascarou e pôs a nu certas ideali- gicos estritos, projetando-se no Pré-
tismo, pelo Instituto Histórico e zações da moral burguesa, aprofun- Modernismo (Euclides da Cunha,
Geográfico. dando a análise psicológica e a crítica Monteiro Lobato, Lima Barreto) e fun-
Se, por um lado, a Academia deu social; Bernardo Guimarães, em O dindo-se, por vezes, com a prosa de
respeitabilidade à literatura perante o Seminarista, descreveu o amor com cunho impressionista. A atitude rea-
corpo social, por outro lado, acabou acentuada franqueza, antecipando lista de observação direta e de crítica
gerando o academicismo (no mau aspectos do determinismo biológico social será retomada, em pleno
sentido), dando à literatura um cunho dos naturalistas; Taunay, em Inocên- Modernismo, pela ficção regiona-
oficial e ajustando-a aos ideais da cia, fotografou, com muita fidelidade, lista do Nordeste (Neorrealismo),
classe dominante. os costumes e a paisagem do sertão na década de 1930. Essa atitude
Ao lado da tendência acadêmica, de Mato Grosso; Franklin Távora, realista, modernizada quanto ao
respeitosa do decoro, que tem em nas Cartas a Cincinato, censurou código linguístico e tornada mais agu-
Machado de Assis um verdadeiro duramente José de Alencar pela falta da quanto ao propósito de análise e
paradigma de sobriedade, equilíbrio e de observação adequada dos crítica da sociedade, é evidente nos
dignidade, surge a figura do escritor costumes e da paisagem e pelas autores regionalistas, ou neorrealis-
boêmio, à margem dos padrões inverdades, que são comuns em O tas, Graciliano Ramos, José Lins do
burgueses, livre e sem preconceito, Sertanejo, O Gaúcho e A Guerra dos Rego, Rachel de Queirós, Jorge
cujo exemplo mais vivo é o de Emílio Mascates; Manuel Antônio de Amado e José Américo de Almeida.
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2. Machado de Assis os melhores contos: Papéis Avulsos, a relação de dependência do mundo


(Rio de Janeiro, 1839-1908) Histórias sem Data, Várias Histórias e interior em face da conveniência do
Relíquias de Casa Velha. mais forte. É dessa relação que se
q Vida ocupa, enquanto narrador.
Machado de Assis é o grande A1) Na fase romântica, a angús- É a móvel combinação de desejo,
representante do Realismo no Brasil. tia, oculta ou patente, das persona- interesses e valor social que funda-
De origem humilde, foi autodidata, gens é determinada pela necessidade menta as estranhas teorias do com-
venceu limitações pessoais (era gago de obtenção de status, quer pela portamento expressas nos contos “O
e epilético) e sociais (era mulato e aquisição de patrimônio, quer pela Alienista”, “Teoria do Medalhão”, “O
pobre). Foi aprendiz de tipógrafo na consecução de um matrimônio com Segredo do Bonzo”, “A Sereníssima
Tipografia Nacional, sob as ordens e parceiro mais abonado. “Segredo de República”, “O Espelho”, “A Causa
proteção de Manuel Antônio de Augusta” e “Miss Dollar” antecipam Secreta”, “Conto Alexandrino”, “A
Almeida (o autor de Memórias de um a temática de A Mão e a Luva: o Igreja do Diabo”.
Sargento de Milícias) e iniciou sua dinheiro como móvel do casamento. É exatamente isso que nos diz o
carreira literária aos dezesseis anos. O tema da traição (suposta ou real), mais sábio dos bonzos:
Ocupou cargos públicos importantes antes de aparecer em Dom Casmurro,
e foi o fundador e primeiro presiden- já estava nos contos “A Mulher de Se puserdes as mais sublimes
te da Academia Brasileira de Letras. Preto” e “Confissões de uma Viúva virtudes e os mais profundos conheci-
Considerado um agudo “analista Moça”. mentos em um sujeito solitário, remoto de
da alma humana”, Machado de Assis Nessa primeira fase, a mentira é todo contato com outros homens, é
começou escrevendo poesia e prosa punida ou desmascarada. Há nisso como se eles não existissem. Os frutos
romântica. Em 1881 inaugura o Rea- um laivo de moralismo romântico, na de uma laranjeira, se ninguém os gostar,
lismo, com o romance Memórias pregação de casos exemplares. Mas valem tanto como as urzes e as plantas
Póstumas de Brás Cubas, um dos essa linha será, a seguir, superada, bravias, e, se ninguém os vir, não valem
livros mais extraordinários de nossa ainda na fase romântica. Em “A Para- nada; ou, por outras palavras mais
língua. Seus contos chegam a ser tão sita Azul”, o enganador triunfa pela enérgicas, não há espetáculo sem
importantes quanto seus mais notá- primeira vez. O cálculo frio, o cinismo, espectador. (“O Segredo do Bonzo”)
veis romances. Escreveu também pe- a máscara e o jogo de interesses
ças teatrais, mas no teatro, assim constituem o cerne desse pragmatis- B) Poesia
como na poesia, não conseguiu ele- mo ou utilitarismo para o qual pen- Em Crisálidas, Falenas e Ameri-
var-se acima do nível mediano da dem especialmente as personagens canas, livros que encerram a poesia
produção de seu tempo. Como cro- femininas, capazes de sufocar a pai- romântica de Machado de Assis, são
nista e como crítico literário publicou xão e o amor em nome da “fria elei- evidentes as sugestões temáticas e
páginas notáveis, que estão entre o ção do espírito”, da “segunda nature- formais da poesia de Gon çal ves
que se escreveu de melhor nesses za, tão imperiosa como a primeira”. A Dias, Casimiro de Abreu e Fagundes
gêneros no Brasil. segunda natureza do corpo é o Varela: o lirismo sentimental, a poe-
status, a sociedade que se incrusta sia indianista, a natureza americana.
q A ficção machadiana na vida. Já Ocidentais revela maior apuro
A) Conto formal e contenção de linguagem,
O contista Machado de Assis, A2) Na fase realista, a partir dos aproximando-se das diretrizes do
para muitos, supera o romancista. contos de Papéis Avulsos, Machado Parnasianismo. A poesia de cunho
Coube a ele dar ao conto densidade começa a cunhar a fórmula mais filosófico, a reflexão sobre o ser, o
e excelência insuperáveis em nossa permanente de seus contos: a contra- tempo e a moral constituem os mo-
literatura, fundando esse gênero e dição entre parecer e ser, entre a mentos mais bem realizados do livro,
abrindo caminhos, pelos quais, mais máscara e o desejo, entre a vida pú- que são os poemas: “Soneto de
tarde, iriam trilhar Mário de Andrade blica e os impulsos escuros da vida Natal”, “Suave Mari Magno”, “A
e Clarice Lispector, para ficarmos em interior, desembocando sempre na Mosca Azul”, “Círculo Vicioso”, “No
apenas dois contistas modernos. fatal capitulação do sujeito à aparên- Alto” e “Mundo Interior”. É sempre
Distinguem-se duas fases: a pri- cia dominante. uma poesia discreta, sem arrebata-
meira, dita romântica, com os livros Machado procura roer a substân- mentos, reflexiva e densa, culta, teó-
Contos Fluminenses e Histórias da cia do “eu” e do fato moral conside- rica, correta, mas quase sempre ca-
Meia-Noite; a segunda, realista, inclui rados em si mesmos, mas deixa nua rente de emoções e vibração.

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C) Teatro E) Crítica simples elementos busquei o interesse


Quase todas as comédias de Apesar de pequena, a produção do livro, a crítica decidirá se a obra
Machado são da década de 1860, machadiana no gênero revela honesti- corresponde ao intuito, e sobretudo se o
contemporâneas, portanto, das pro- dade, senso estético, fina capacidade operário tem jeito para ela.
duções “românticas” na poesia. São analítica e independência intelectual, É o que peço com o coração nas
mais contos dialogados que propria- que o colocaram acima dos modis- mãos.
mente peças teatrais; revelam-se me- mos de sua época.
lhores quando lidas do que quando Entre seus melhores trabalhos, 1 – Nossas dúvidas são traidoras / E fazem-
encenadas. incluem-se as apreciações sobre os nos perder o bem que muitas vezes

Essas comédias foram represen- poemas de Castro Alves (em carta a poderíamos obter, / Por medo de tentar.
José de Alencar), as considerações
tadas com algum êxito durante a vida Ainda que se tenha vulgarizado a
sobre a pouca originalidade da poesia
do seu autor, e são: A Queda que as designação de romances “românti-
arcádica e o estudo sobre Eça de
Mulheres Têm para os Tolos, Desen- cos”, essas primeiras experiências
Queirós, que suscitou verdadeira po-
cantos, Quase Ministro, O Caminho com a ficção de maior fôlego não se
lêmica.
da Porta, O Protocolo, Não Consultes enquadram nos estreitos limites da
o Médico, Os Deuses de Casaca e ficção propriamente romântica: a ideali-
F) Romance
Tu, só Tu, Puro Amor, inspirada no zação das personagens centrais não é
F1) A Fase Romântica
episódio de Inês de Castro, de Os total, reservando lugar para aspectos
Os primeiros romances de Ma-
Lusíadas, e encenada em come- problemáticos de sua conduta, e a
chado de Assis (Ressurreição, A Mão
moração do tricentenário da morte do tensão bem versus mal, herói versus
e a Luva, Helena e Iaiá Garcia) podem
poeta português. vilão, não é nítida. Caberia melhor a
ser considerados experiências para o
designação de romances
salto qualitativo que viria com
“convencionais”. Já existem nesses
Memórias Póstumas de Brás Cubas
D) Crônica romances os traços que serão cons-
(1881), que inaugura a fase realista de
Machado de Assis militou na tantes na fase realista: a observação
Machado.
imprensa diária do Rio de Janeiro psicológica e o interesse como o mó-
O caráter de “experiência” fica
durante quase toda a sua vida: pas- vel principal das ações humanas.
evidente na “Advertência” com que
sou pelas redações, entre outras, do Mesmo as heroínas ditas “românti-
Machado apresenta a primeira edição
Correio Mercantil, do Diário do Rio de cas” de Machado de Assis agem
do romance Ressurreição:
Janeiro, da Gazeta de Notícias, de O movidas pelo interesse, pelo desejo
Século. As crônicas que escreveu iam Não sei o que deva pensar deste de ascensão social, e não pelo amor.
da linguagem sarcástica, dos tempos livro; ignoro sobretudo o que pensará
de militância liberal, ao intimismo das dele o leitor. A benevolência com que
páginas de Relíquias de Casa Velha. foi recebido um volume de contos e
Nomeado funcionário público, novelas, que há dois anos publiquei, me
subordinado à Secretaria de Estado, animou a escrevê-lo. É um ensaio. Vai
não pôde atuar de forma mais despretensiosamente às mãos da crítica
e do público, que o tratarão com a justiça
ostensiva no Movimento Abolicio-
que merecer.
nista, o que serviu de base a ideias de
que ele não teria tido interesse na E, concluindo a “Advertência”:
sorte dos escravos, dos quais Minha ideia ao escrever este livro foi
descendia pelo lado paterno. pôr aquele pensamento de Shakespeare:
As crônicas, pela maior liberdade Our doubts are traitors,
que permitem, revelam a tendência And make us lose the good we oft
de Machado para o divertissement, a might win,
brincadeira, o texto leve e divertido. By fearing to attempt1.
Vão do corriqueiro ao sublime, do Não quis fazer romance de costu-
cotidiano ao clássico, do pequeno ao mes; tentei o esboço de uma situação e o
grandioso, do real ao imaginário. contraste de dois caracteres; com esses Machado de Assis aos 45 anos.

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MÓDULO 30 Machado de Assis (II)

F2) O Romance Realista o acaso, o ciúme, a irracionalidade, a q O pessimismo


É a partir de Memórias Póstumas usura, a crueldade. Machado revela sempre uma vi-
de Brás Cubas (1881) que Machado A pobreza de descrições, a quase são desencantada da vida e do ho-
atinge o ponto mais alto e equilibrado ausência da paisagem são ainda mem. Não acreditava nos valores do
da ficção brasileira. Alinhavamos, a desdobramentos dessa concentração seu tempo e, a rigor, não acreditava
seguir, alguns aspectos da ficção ma- na análise psicológica e na reflexão em nenhum valor. Mais do que pes-
chadiana. filosófica. As tramas dos romances simista ou negativista, sua postura é
machadianos poderiam, sem grandes “niilista” (nihil = nada). O desmasca-
prejuízos à narrativa, ser transplanta- ramento do cinismo e da hipocrisia,
q A ruptura com das para qualquer época e qualquer do egoísmo e do interesse, que se
a narrativa linear cidade. camuflavam sob as convenções so-
Os fatos e as ações não seguem ciais, é o móvel de grande parte da
um fio lógico ou cronológico; obede- ficção machadiana, como se lê nas
cem a um ordenamento interior, são q As influências Memórias Póstumas de Brás Cubas,
relatados à medida que afloram à Machado de Assis esteve acima no capítulo “Das Negativas”:
consciência ou à memória do narra- dos modismos da época. Enquanto Não tive filhos, não transmiti a nenhu-
dor, num processo que se aproxima Gustave Flaubert, pai do Realismo, ma criatura o legado de nossa miséria.
do impressionismo associativo. defendia a superioridade do “roman-
q A ironia, o humor negro
ce que narra a si mesmo”,
ocultando por completo a figura do A forma de revolta de Machado
q A organização era o riso, quase sempre um riso
narrador, Machado subverte essa
metalinguística do regra, intrometendo o narrador na amargo, que exteriorizava o desen-
discurso narrativo narrativa, fazendo que o leitor o iden- canto e o desalento ante a miséria fí-
É comum, na ficção machadiana, tifique sempre, por trás e acima das sica e moral de suas personagens:
que o narrador interrompa a narrativa convenções de verossimilhança “... Em verdade vos digo que toda
para, com saborosa e bem-humorada (= aparência de realidade) da ficção. sabedoria humana não vale um par de
bisbilhotice, comentar com o leitor a Autodidata, Machado adquiriu botas curtas.
própria escritura do romance, fazendo- sólida formação clássica: Shakes- Tu, minha Eugênia, é que não as
o participar de sua construção; ou, peare, Dante Alighieri, Cervantes e descalçaste; foste aí pela estrada da vida,
ainda, para dialogar sobre uma perso- Goethe eram suas leituras obriga- manquejando da perna e do amor, triste
nagem, refletir sobre um episódio do tórias. Mas os modelos que seguiu como os enterros pobres, solitária,
enredo ou tecer suas digressões sobre mais de perto foram os do século calada, laboriosa, até que vieste também
os mais variados assuntos. XVIII: Voltaire, com sua ironia cor- para esta outra mensagem... O que eu
Machado assume a posição de tante, além do refinado sense of não sei é se a tua existência era muito
quem escreve e, ao mesmo tempo, se humor dos autores ingleses Sterne e necessária ao século. Quem sabe? Talvez
vê escrevendo. Esses comentários à Swift. um comparsa de menos fizesse patear a
margem da narração têm interesse
tragédia humana.”
central, pois neles se encontram im-
“Antes cair das nuvens que de um
portantes ideias do autor sobre sua
q Os grandes arquétipos terceiro andar.”
arte — sobre a narrativa e sua rela-
Uma das linhas mestras da ficção “Deus, para a felicidade do homem,
ção com a vida.
machadiana parte do aproveitamento criou a religião e o amor. Mas o demônio,
dos arquétipos (arquétipo = modelo invejoso do sucesso de Deus, fez com
q O universalismo de seres criados; padrão, exemplar; que o homem confundisse a religião com
Machado captou, na sociedade imagens psíquicas do inconsciente a Igreja, e o amor com o casamento.”
carioca do século XIX, os grandes coletivo e que são o patrimônio co-
temas de sua obra. O seu interesse mum a toda a humanidade), remon- q O psicologismo
jamais recaiu sobre o típico, o pitores- tando à tradição clássica e aos textos Ação e enredo perdem a impor-
co, a cor local, o exótico, tão ao gosto bíblicos. tância para a caracterização das per-
dos românticos. Buscou, na socie- Assim, o conflito dos irmãos Pe- sonagens.
dade do seu tempo, o universal, a dro e Paulo, em Esaú e Jacó, remonta Os acontecimentos exteriores
essência humana, os grandes temas ao arquétipo bíblico da rivalidade entre são considerados somente à medida
filosóficos: a essência e a aparência, Caim e Abel; a psicose do ciúme de que revelam o interior, os motivos
o caráter relativo da moral humana, as Bentinho, em Dom Casmurro, aproxi- profundos da ação, que Machado de-
convenções sociais e os impulsos ma-se do drama de Otelo e vassa e apresenta detalhadamente.
interiores, a normalidade e a loucura, Desdêmona, de Shakespeare. Daí a narrativa lenta, pois o menor

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detalhe e o menor gesto são significa- Brás Cubas”, esperança frustrada de Shakespeare, parece advertir que
tivos na composição do quadro renome e riqueza. Brás Cubas conta tanto a realidade quanto as percep-
psicológico; nada é desprovido de sua infância, fala da família, de ções humanas são abaladas pelas
interesse. Essa fixação pelo porme- Marcela — a primeira amante — e de paixões. Assim, todas as “provas” e,
nor é o que se denomina microrrealis- Virgília, que foi sua namorada e que em particular, a semelhança de
mo. acaba se casando com o deputado Ezequiel, o filho do casal, com Esco-
Lobo Neves, homem ambicioso. bar, o suposto amante, são relativas,
q O estilo machadiano Virgília, que se torna amante de Brás duvidosas. Machado atinge o objetivo
Machado prima pelo equilíbrio, Cubas, é uma das grandes persona- de mostrar que a realidade é algo
pela disciplina clássica, correção gra- gens femininas de Machado. Nessa móvel e enganador. Capitu, de “olhos
matical, concisão e economia voca- obra já aparece o filósofo-mendigo de ressaca”, “oblíqua e dissimulada”,
bular. Ao contrário da nossa congênita Quincas Borba, que será a persona- brilha entre todas as personagens de
tendência ao uso imoderado do gem principal do romance seguinte Machado, não só as femininas.
adjetivo e do advérbio, tão ao gosto de Machado. Fundamentalmente
de Castro Alves, de Alencar, de Rui pessimista, Brás Cubas é também
um homem cínico, até cruel, figura q Quincas Borba (1891)
Barbosa etc., Machado é parcimo-
nioso, sóbrio, quase “britânico”. Não elegante e típica da ociosa elite cario- Quincas Borba é continuação de
é, contudo, uma linguagem simétrica ca do século XIX. Memórias Póstumas de Brás Cubas,
e mecânica, porém medida pelo seu pois, como vimos, o filósofo-mendigo,
ritmo interior, donde o segredo da personagem que dá nome a este ro-
unidade da obra. São frequentes as mance, e a sua filosofia, o Humanitis-
experiências narrativas antecipadoras mo, já tinham aparecido nas Memó-
da modernidade, pelo aspecto irônico rias, nas quais, na verdade, há um pe-
e antinarrativo. ríodo de tempo em que Quincas
Em Memórias Póstumas de Brás Borba desaparece, só voltando para
Cubas, em vez de narrar a morte de morrer na casa de Brás Cubas. O
D. Eulália Damasceno de Brito, Brás romance Quincas Borba narra em ter-
Cubas “fotografa” seu epitáfio, trans- ceira pessoa as aventuras de Quincas
pondo o ícone, a inscrição tumular: nesse intervalo, nas quais interveio,
novamente, o acaso: Quincas recebeu
uma herança e foi viver num local
Capítulo CXXV tranquilo, Barbacena, mais adequado
Epitáfio Capitu, em pintura de J. da Rocha Ferreira. à sua filosofia. Lá se passaram os
fatos principais da história. Apaixo-
AQUI JAZ nado e recusado por Maria Piedade,
q Dom Casmurro (1899) Quincas adoeceu e foi tratado por
D. EULÁLIA DAMASCENO DE BRITO Dom Casmurro é considerado Rubião, seu amigo. Este, a quem
um romance sobre o adultério. Nem o Quincas tentara explicar o Humanitis-
MORTA adultério é fato certo na história, nem mo, se interessava na verdade pela
o tema do romance se limita a ele. É fortuna do outro. E Rubião, de fato,
AOS DEZENOVE ANOS DE IDADE antes a abordagem da vaidade mas- tornou-se herdeiro universal do filó-
culina, e do vazio das instituições que sofo sob a condição de cuidar de seu
ORAI POR ELA! domina, e do mistério da mulher. cão (que se chama também Quincas
Assim, todo o conjunto de certezas Borba). Despreparado para a riqueza,
da realidade (e do Realismo) torna-se ele é explorado pelo casal Sofia e Cris-
q Memórias Póstumas frágil, ilusório e enganador. Todos os tiano Palha. Apaixona-se por ela, que é
de Brás Cubas (1881) acontecimentos narrados na obra incentivada pelo marido a ser recep-
Neste romance, em primeira ganham esta aura de dúvida por cau- tiva a seus favores. Aos poucos, vai
pessoa, o narrador-personagem Brás sa do ciúme que o próprio narrador- perdendo tudo, sem conquistar o
Cubas relata sua vida a partir de uma personagem — Bentinho, um ser me- amor de Sofia, e enlouquece, como
estranha situação: já está morto, díocre — tem de Capitu, amiguinha Quincas. Nesse romance, é desenvol-
sendo, por isso, como ele mesmo diz, de infância, depois namorada, noiva vida a teoria do Humanitismo e sua
um “defunto autor”. Com um texto e, enfim, esposa. Não há nenhuma máxima, “ao vencedor, as batatas”.
cheio de digressões e de humor, prova conclusiva do adultério de Trata-se de satirização de correntes
narra o grande projeto de sua vida, Capitu; ao contrário, a relação inter- filosóficas da época, como o Positivis-
criar o “emplasto anti-hipocondríaco textual do romance com Otelo, de mo e o Evolucionismo.

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q Esaú e Jacó (1904) q Memorial de Aires (1908) personalidade e da vida de Machado


O título alude à famosa passa- Neste romance em forma de de Assis.
gem do Antigo Testamento, em que diário, o narrador, Aires, diplomata, Escrito após a morte de sua espo-
dois irmãos disputam o privilégio da relata episódios de sua vida após se sa, Carolina, revela uma visão melan-
bênção do pai. Machado, utilizando a aposentar, o retorno ao Brasil, a vidi- cólica da velhice, da solidão e do
ideia da rivalidade entre irmãos, cons- nha em Petrópolis. Por meio de Fidé- mundo. D. Carmo, esposa do velho
trói as personagens Pedro e Paulo, lia, Aires e sua irmã, Rita, entram em Aguiar, seria a projeção da própria
cujo desentendimento e inimizade contato com o casal de velhinhos esposa de Machado, já falecida. A iro-
não têm explicação racional. Aguiar e Carmo e o drama de sua vida, nia e o sarcasmo dos livros anteriores
Brigavam desde o útero materno. a impossibilidade de ter filhos. Conso- são substituídos por um tom compas-
Flora é a mulher que se apaixona lam-se no amor paternal que dedi- sivo e melancólico, as personagens
pelos dois, e que ambos amavam. cavam a um afilhado, Tristão. Deses- são simples e bondosas, muito distan-
Nem a morte dela nem a de sua peram-se quando este vai para a tes dos paranoicos e psicóticos dos
própria mãe os reconcilia. Seu ódio Europa e reencontram alegria com romances anteriores. Alguns veem no
destruía as pessoas em redor. Nessa Fidélia, até que de novo a fatalidade Memorial de Aires uma obra de
obra já aparece o Conselheiro Aires, intervém: Tristão casa-se com Fidélia retrocesso a concepções romantiza-
personagem central do romance e a leva consigo para a Europa. das do mundo; outros tomam o ro-
seguinte, o último de Machado de Memorial de Aires é apontado mance como o testamento literário e
Assis. como o romance mais projetivo da humano de Machado de Assis.

MÓDULO 31 Machado de Assis (III)

Nas obras dos grandes escritores que parecem formar o substrato de


é mais visível a polivalência do verbo muitos dos seus contos e romances.
literário. Elas são grandes porque são Sob a forma branda, é o problema da
extremamente ricas de significado, divisão do ser ou do desdobramento
permitindo que cada grupo e cada da personalidade, estudado por
época encontrem as suas obsessões Augusto Meyer. Sob a forma extrema
e as suas necessidades de expres- é o problema dos limites da razão e
são. Por isso, as sucessivas gerações da loucura, que desde cedo chamou a
de leitores e críticos brasileiros foram atenção dos críticos, como um dos
encontrando níveis diferentes em temas principais de sua obra.
Machado de Assis, estimando-o por
motivos diversos e vendo nele um q “O Alienista”
grande escritor devido a qualidades Quanto ao problema da loucura,
por vezes contraditórias. O mais podemos citar o conto “O Alienista”.
curioso é que provavelmente todas (...) Um médico funda um hospício
essas interpretações são justas, para os loucos da cidade e vai
porque ao apanhar um ângulo não diagnosticando todas as manifes-
podem deixar de ao menos pressentir tações de anormalidade mental que
Machado de Assis. os outros. (...) observa. Aos poucos o hospício se
Muitos dos seus contos e alguns enche; dali a tempos já tem a metade
Análise crítica dos seus romances parecem aber- da população; depois quase toda ela,
tos, sem conclusão necessária, ou até que o alienista sente que a
Nesta aula, você lerá trechos de permitindo uma dupla leitura, como verdade, em consequência, está no
um texto de Antonio Candido que ocorre entre os nossos contempo- contrário da sua teoria. Manda então
versa sobre alguns dos temas presen- râneos. (...) soltar os internados e recolher a
tes e característicos da obra de Talvez possamos dizer que um pequena minoria de pessoas equili-
Machado de Assis. No texto, origi- dos problemas fundamentais da sua bradas, porque, sendo exceção, esta
nalmente uma palestra proferida em obra é o da identidade. Quem sou eu? é que é realmente anormal. A minoria
1968, o crítico ressalta a importância O que sou eu? Em que medida eu só é submetida a um tratamento de
e modernidade das “situações ficcio- existo por meio dos outros? Eu sou “segunda alma”, para usar os termos
nais” criadas por Machado de Assis, mais autêntico quando penso ou do conto precedente: cada um é
citando, respectivamente, alguns de quando existo? Haverá mais de um tentado por uma fraqueza, acaba
seus contos e romances: ser em mim? Eis algumas perguntas cedendo e se equipara deste modo à

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maioria, sendo libertado, até que o q Esaú e Jacó em diversos contos e sobretudo num
hospício se esvazia de novo. O alienis- Neste caso, que sentido tem o dos mais belos e pungentes que
ta percebe então que os germes de ato? Eis outro problema fundamental escreveu: “Um Homem Célebre”.
desequilíbrio prosperaram tão facil- em Machado de Assis, que o apro- Trata-se de um compositor de
mente porque já estavam latentes em xima das preocupações de escritores polcas, Pestana, o mais famoso do
todos; portanto, o mérito não é da sua como o Conrad de Lord Jim ou de momento, reconhecido e louvado por
terapia. Não haveria um só homem The Secret Sharer, e que foi um dos onde vá, procurado pelos editores,
normal, imune às solicitações das ma- temas centrais do existencialismo abastado materialmente. No entanto,
nias, das vaidades, da falta de pon- literário contemporâneo, em Sartre e Pestana odeia as suas polcas que
deração? Analisando-se bem, vê que Camus, por exemplo. Serei eu algu- toda a gente canta e executa, porque
é o seu caso; e resolve internar-se, só ma coisa mais do que o ato que me o seu desejo é compor uma peça
no casarão vazio do hospício, onde exprime? Será a vida mais do que erudita de alta qualidade, uma sonata,
morre meses depois. E nós pergun- uma cadeia de opções? Num dos uma missa, como as que admira em
tamos: quem era louco? Ou seriam seus melhores romances, Esaú e Beethoven ou Mozart. À noite, posta-
todos loucos, caso em que ninguém o Jacó, ele retoma, já no fim da carreira, do no piano, leva horas solicitando a
é? Notemos que este conto e o este problema que pontilha a sua obra inspiração que resiste. Depois de
anterior manifestam, no fim do século inteira. Retoma-o sob a forma simbó- muitos dias, começa a sentir algo que
XIX, o que faria a voga de Pirandello a lica da rivalidade permanente de dois prenuncia a visita da deusa e a sua
partir do decênio de 1920. irmãos gêmeos, Pedro e Paulo, que emoção aumenta, sente quase as no-
representam invariavelmente a alter- tas desejadas brotando nos dedos,
nativa de qualquer ato. Um só faz o atira-se ao teclado e ... compõe mais
q Dom Casmurro contrário do outro, e evidentemente uma polca! Polcas e sempre polcas,
Outro problema que surge com as duas possibilidades são legítimas. cada vez mais brilhantes e populares
frequência na obra de Machado de O grande problema suscitado é o da é o que faz até morrer. A alternativa é
Assis é o da relação entre o fato real e validade do ato e de sua relação com negada também a ele; só lhe resta
o fato imaginado, que será um dos o intuito que o sustém. Através da fazer como é possível, não como lhe
eixos do grande romance de Marcel crônica aparentemente corriqueira de agradaria.
Proust, e que ambos analisam princi- uma família da burguesia carioca no
palmente com relação ao ciúme. A fim do Império e começo da Repú- q Conclusão
mesma reversibilidade entre a razão e blica, surge a cada instante este deba-
Isto é dito para justificar um con-
a loucura, que torna impossível demar- te, que se completa pelo terceiro per-
selho final: não procuremos na sua
car as fronteiras e, portanto, defini-las sonagem-chave, a moça Flora, que
obra uma coleção de apólogos nem
de modo satisfatório, existe entre o ambos os irmãos amam, está claro,
uma galeria de tipos singulares. Pro-
que aconteceu e o que pensamos que mas que, situada entre eles, não sabe
curemos sobretudo as situações fic-
aconteceu. (...) Uma estudiosa norte- como escolher. É a ela, como a outras
cionais que ele inventou. Tanto aque-
americana, Helen Caldwell, no livro mulheres na obra de Machado de
las onde os destinos e os aconteci-
The Brazilian Othello of Machado de Assis, que cabe encarnar a decisão
mentos se organizam segundo uma
Assis, levantou a hipótese viável, ética, o compromisso do ser no ato
espécie de encantamento gratuito;
porque bem machadiana, de que na que não volta atrás, porque uma vez
quanto as outras, ricas de significado
verdade Capitu não traiu o marido. praticado define e obriga o ser de
em sua aparente simplicidade, mani-
Como o livro é narrado por este, na quem o praticou. Os irmãos agem e
festando, com uma enganadora neu-
primeira pessoa, é preciso convir que optam sem parar, porque são as alter-
tralidade de tom, os conflitos essen-
só conhecemos a sua visão das nativas opostas; mas ela, que deve
ciais do homem consigo mesmo,
coisas, e que para a furiosa “cris- identificar-se com uma ou com outra,
com os outros homens, com as
talização” negativa de um ciumento, é se sentiria reduzida à metade se o
classes e os grupos. A visão resul-
possível até encontrar semelhanças fizesse, e só a posse das duas
tante é poderosa, como esta palestra
inexistentes, ou que são produtos do metades a realizaria; isto é impos-
não seria capaz sequer de sugerir. O
acaso (como a de Capitu com a mãe sível, porque seria suprimir a própria
melhor que posso fazer é aconselhar
de Sancha, mulher de Escobar). Mas o lei do ato, que é a opção. Simbo-
a cada um que esqueça o que eu
fato é que, dentro do universo macha- licamente, Flora morre sem escolher.
disse, compendiando os críticos, e
diano, não importa muito que a
abra diretamente os livros de Macha-
convicção de Bento seja falsa ou q “Um Homem Célebre”
do de Assis.
verdadeira, porque a consequência é Parece evidente que o tema da
exatamente a mesma nos dois casos: opção se completa por uma das
imaginária ou real, ela destrói a sua obsessões fundamentais de Macha- (SOUZA, Antonio Candido de Mello e.
casa e a sua vida. E concluímos que do de Assis, muito bem analisada por Esquema de Machado de Assis.
neste romance, como noutras situa- Lúcia Miguel-Pereira — o tema da In: Vários Escritos. São Paulo:
ções da sua obra, o real pode ser o que perfeição, a aspiração ao ato com- Livraria Duas Cidades, 1970.)
parece real. pleto, à obra total, que encontramos
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MÓDULO 32 Naturalismo: Aluísio Azevedo

como o Realismo), com a publicação 3. Características das obras


de O Mulato, de Aluísio Azevedo.
q Obra heterogênea
2. Aluísio Azevedo Alterna romances naturalistas, de
(1857-1913) vigor crítico e estofo cientificista, com
melodramas românticos, publicados
q Vida em folhetins pela imprensa e que
Filho de vice-cônsul português em foram, durante algum tempo, o ga-
São Luís, transfere-se para o Rio de nha-pão do autor.
Janeiro após ter atacado a conser-
vadora sociedade maranhense com a
publicação de O Mulato. No Rio,
juntou-se ao irmão, o famoso come-
diógrafo Artur Azevedo. Foi jornalista e
escreveu romances, contos, operetas
e revistas teatrais. Era também bom
desenhista, hábil na arte da caricatura.
Aluísio Azevedo. Esse seu talento, aliás, tem relação
com a força plástica de suas
1. Naturalismo no Brasil descrições. Tentou sobreviver de sua
Os Britadores de Pedra (1849), de
profissão de escritor e, para isso, teve
Caracterizando-se como um Real- Gustave Courbet (1819-1877), óleo sobre
de aceitar encomendas de editores, tela, coleção particular, Milão.
ismo mais extremado, o Naturalismo que lhe pediam romances românticos
tem como elemento fundamental o ao gosto do público, em completo q Romance social
determinismo cientificista, que diver- contraste com seus ideais literários. Nos livros mais bem realizados,
ge do determinismo sociopolítico, tí- Aos 38 anos abandonou a carreira Aluísio Azevedo revela extraordinário
pico do Realismo. No final do século literária, ingressando na diplomacia. poder de dar vida aos agrupamentos
XIX, junto ao avanço da ciência surge humanos, às habitações coletivas,
uma nova visão de mundo, diversa da q Os folhetins romanescos onde os protagonistas vão, social e
idealização romântica: Verdade, Decorrem da atividade de Aluísio moralmente, se degradando, por for-
Razão e Ciência são agora os ideais. Azevedo como escritor profissional; ça da opressão social e econômica e
Observação e análise são seus têm escasso valor literário e represen- dos impulsos irreprimíveis da sexuali-
métodos. Produzir uma arte do- tam meras concessões ao gosto do dade, das taras e dos vícios.
cumental é seu objetivo. O autor na- leitor da época. Escritos sem muito
turalista constrói enredo, trama e per- cuidado, para publicação na imprensa q Visão rigorosamente
sonagens com a intenção de compro- diária, o próprio autor reconhecia a determinista
var certas teorias, nas quais acredita, fragilidade desses trabalhos. Para o autor, o Homem e a socie-
sobretudo aquelas das ciências Essas obras são: Uma Lágrima dade estavam submetidos às leis
biológicas: Evolucionismo, Genética, de Mulher, Condessa Vésper, Girân- inexoráveis da raça (instinto, heredi-
Patologia. A nova visão teórica dola de Amores, Filomena Borges e tariedade), do meio (geográfico, so-
A Mortalha de Alzira. cial) e do momento (circunstâncias
repercute na prática política de vários
históricas).
autores, por meio da qual se mani-
festam as preocupações socialistas, q Os romances q Influências de Eça
atividades abolicionistas e a tendên- realistas-naturalistas de Queirós e Émile Zola
cia anticlerical. Constituem o segmento apreciá- Utilizou a técnica do tipo, defor-
Os principais autores naturalistas vel da obra de Aluísio Azevedo, ainda mando, pelo exagero, os traços,
brasileiros foram Aluísio Azevedo, que seja um conjunto bastante hete- criando verdadeiras caricaturas. Não
Júlio Ribeiro, Adolfo Caminha, Do- rogêneo, sem resíduos românticos, conseguiu criar personagens que
mingos Olímpio e Inglês de Sousa. com documentação realista, experi- pudessem transcender as condições
Todos seguiram o mestre francês Émile mentação naturalista etc. O Mulato, sociais que as geraram. As persona-
Zola, o mais importante escritor des- Casa de Pensão, O Coruja, O Ho- gens são psicologicamente superfi-
se movimento. O Naturalismo, no mem, O Cortiço e O Livro de uma So- ciais e subsistem apenas em função
Brasil, tem início em 1881 (assim gra são as obras dessa vertente. de contextos predeterminados. Não
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há drama moral; os protagonistas são vida e morte de um cortiço, meio pelo “gentalha”, caracterizada como um
vistos “de fora”, e a tragédia em que qual seu dono, o português João conjunto de animais, movidos pelo
as tramas desembocam decorre ape- Romão, pretende enriquecer. Ao lado, instinto e pela fome:
nas do fatalismo das doutrinas deter- há um sobrado, que simboliza um E naquela terra encharcada e fu-
ministas. nível social mais elevado e cujo megante, naquela umidade quente e
Não há o refinamento estilístico de proprietário é também um português, lodosa, começou a minhocar, a fervilhar, a
Machado de Assis, nem a potência o comendador Miranda. Os portugue- crescer um mundo, uma coisa viva, uma
verbal de Raul Pompeia, mas os diá- ses conseguem ascensão econômica geração que parecia brotar espontânea,
logos se salvam pela vivacidade, pela e social rápidas, que obtêm por meio ali mesmo, daquele lameiro e multiplicar-
frase sempre incisiva. Há visível ten- da exploração do brasileiro, repre- se como larvas no esterco.
dência lusitanizante, o que se explica sentado coletivamente pelo povo do (...)
pela origem luso-maranhense do autor. cortiço. É nesse espaço social que as As corridas até a venda reproduziam-
leis ambientais interferem no indiví- se num verminar de formigueiro
q O Mulato (1881) duo e determinam seu comportamen- assanhado.
Obra de crítica ao preconceito to. O cortiço e a negra Bertoleza,
racial e à Igreja. O mulato Raimundo, amásia de João Romão, só lhe inte- A redução das criaturas ao nível
educado na Europa, retorna a São ressam enquanto lhe são úteis. animal (zoomorfismo) é caracterís-
Luís para conhecer suas origens. Quando João Romão se casa com tica do Naturalismo e revela a in-
Apaixona-se por sua prima Ana Rosa, Zulmira, a filha do comendador, e atin-
fluência das teorias da Biologia do
mas a família lhes impede o casa- ge a posição social desejada, nem
século XIX (darwinismo, lamarquis-
mento. Pretendem fugir, mas Bertoleza, que o ajudara a subir na
mo) e do determinismo (raça, meio,
Raimundo é perseguido e morto a vida, nem o cortiço, com o qual
momento):
mando do padre Diogo, que represen- enriquecera, são mais necessários: o
... depois de correr meia légua,
ta a degradação do clero. Ana Rosa cortiço sofre um incêndio e passa por
puxando uma carga superior às suas
acaba se casando com o assassino, remodelação, e Bertoleza, rejeitada e
forças, caiu morto na rua, ao lado da car-
com quem viverá de modo feliz. denunciada à polícia (era uma escrava
roça, estrompado como uma besta.
foragida), suicida-se.
(...)
q Casa de Pensão (1884) Leandra... a ‘Machona’, portuguesa
Narrativa intermediária entre o feroz, berradoura, pulsos cabeludos e
4. Características de O Cortiço
romance de personagem (O Mulato) e grossos, anca de animal do campo.
o romance de espaço ou de cole- (...)
tividade (O Cortiço). Inspirado em um q Romance social Rita Baiana... uma cadela no cio.
caso verídico, a Questão Capistrano, Desistindo de montar um enredo
crime que sensibilizou o Rio de Janei- em função de pessoas, [Aluísio] ateve-
se à sequência de descrições muito q A força do sexo
ro entre 1876 e 1877, expressa uma
visão determinista. Amâncio Vascon- precisas onde cenas coletivas e tipos O sexo é, em O Cortiço, força
celos, personagem central, tem suas psicologicamente primários fazem, no mais degradante que a ambição e a
ações e comportamento determi- conjunto, do cortiço a personagem cobiça. A supervalorização do sexo,
nados pela formação (a educação mais convincente do nosso romance típica do determinismo biológico e do
severa, a superproteção materna, a naturalista. (Alfredo Bosi, História Con- Naturalismo, conduz Aluísio a buscar
sífilis contraída da ama de leite). Ele, cisa da Literatura Brasileira) quase todas as formas de patologia
um jovem e rico maranhense, chega Todas as existências se entrela- sexual: desde o “acanalhamento”
ao Rio de Janeiro para estudar das relações matrimoniais até o adul-
çam e repercutem umas nas outras.
Medicina. Boêmio e extravagante, tério, prostituição, lesbianismo etc.
O cortiço é o núcleo gerador de tudo
hospeda-se na pensão de João
e, feito à imagem de seu proprietário,
Coqueiro, que trama casá-lo com sua q A situação da mulher
cresce, desenvolve-se e se trans-
irmã, Amélia, para apossar-se da As mulheres são reduzidas a três
fortuna de Amâncio. Com a recusa do forma com João Romão. condições: a primeira, de objeto, usa-
rapaz, Coqueiro o denuncia falsamen- das e aviltadas pelo homem: Berto-
te por violência sexual contra a irmã, é q A crítica ao leza e Piedade; a segunda, de objeto
derrotado na justiça e, inconformado, capitalismo selvagem e sujeito, simultaneamente: Rita
mata Amâncio. O tema é a ambição e a explora- Baiana; a terceira, de sujeito — são
ção do homem pelo próprio homem. as que independem do homem,
q O Cortiço (1890) De um lado, João Romão, que aspira prostituindo-se: Léonie e Pombinha.
Ambientado no Rio de Janeiro, à riqueza, e Miranda, já rico, que
este romance narra o nascimento, aspira à nobreza. Do outro, a

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MÓDULO 33 Raul Pompeia

1. Raul Pompeia personifica o poder), professores, – elementos impressionistas:


(1863-1895) funcionários e alunos, e a escola evidenciam-se no trabalho da memó-
como microcosmo da sociedade. ria como fio condutor. O passado é
“Vais encontrar o mundo” é a pri- recriado por meio de “manchas” de
meira sentença do livro. recordação — daí a existência de um
Narrado em primeira pessoa por certo esfumaçamento da realidade,
Sérgio, um homem que revê seu pas- pois o internato é reconstituído por
sado e conta passagens de sua vida meio das impressões, mais subje-
de menino, o romance estrutura-se tivas que objetivas.
por meio de “manchas de recorda- A técnica impressionista que
ção”, ou seja, de uma sucessão de Pompeia utiliza consiste em destacar
episódios, cujo fio condutor é a me- antecipadamente do objeto que
mória do personagem-narrador. A descreve um ou mais traços e seu
evocação do passado faz que a se- efeito no observador. Há quem, por
quência cronológica de fatos (o tem- isso, rotule O Ateneu de romance
po objetivo) seja entrecortada por impressionista:
associações e semelhanças sub- Transformara-se em anfiteatro uma
conscientes (o tempo subjetivo, a das grandes salas da frente do edifício,
duração interior). Esse procedimento exatamente a que servia de capela;
evidencia certa ruptura do romance paredes estucadas de suntuosos relevos,
com os modos realista e naturalista e o teto aprofundado em largo medalhão,
Raul Pompeia. de mera observação objetiva da vida. de magistral pintura, onde uma aberta de
B) Há uma superposição de céu azul despenhava aos cachos delicio-
q Vida diversos estilos, o que torna proble- sos anjinhos, ostentando atrevimentos
Nascido em Angra dos Reis (RJ), mática a vinculação de O Ateneu a róseos de carne, agitando os minúsculos
em 1863, Raul Pompeia estudou uma determinada corrente estética. pés e, as mãozinhas, desatando fitas de
Direito e ocupou cargos públicos. Assim, podemos identificar gaza no ar.
Militou no movimento abolicionista e
– elementos expressionistas: a – elementos naturalistas:
no republicano e colaborou na Gazeta
de Notícias, de José do Patrocínio. linguagem do livro aproxima-se da decorrem da concepção instintiva e
técnica expressionista, que consiste animalesca das personagens, cujo
Envolveu-se em diversas polêmicas e
na deformação grotesca e mórbida do comportamento é determinado pela
num duelo com Olavo Bilac. Suicidou-
que se descreve. Apresenta enorme sexualidade, condição social etc. Há
se na noite de Natal de 1895, aos 32
poder para a caricatura (distorção ou um certo gosto “naturalista” pelas
anos.
ênfase dos elementos dominantes de “perversões”. É o que ocorre nas
q um objeto ou de uma pessoa) e descrições de Ângela e na tensão do
Obra
grandes recursos de imagens visuais homossexualismo que existe nas
A) Prosa
e sonoras. A frase transmite uma relações de Sérgio com Sanches,
– Uma Tragédia no Amazonas
forte carga emocional. O estilo é Bento Alves e Egbert:
(romance)
nervoso, ágil. A redução das persona-
– Microscópicos (contos) Ângela tinha cerca de vinte anos;
gens a caricaturas parece proveniente
– As Joias da Coroa (romance) parecia mais velha pelo desenvolvimento
da intenção de deformar, de exagerar,
– O Ateneu (romance) das proporções. Grande, carnuda, sanguí-
como se Raul Pompeia estivesse se
– Agonia (romance inacabado e nea e fogosa, era um desses exemplares
“vingando” de tudo e de todos:
inédito) excessivos do sexo que parecem
Os companheiros de classe eram conformados expressamente para espo-
B) Poesia cerca de vinte; uma variedade de tipos sas da multidão — protestos revolu-
– Canções sem Metro (poemas que divertia. O Gualtério, miúdo, redondo cionários contra o monopólio do tálamo.
em prosa) de costas, cabelos revoltos, motilidade
brusca e caretas de símio palhaço dos Mas é um naturalismo dissiden-
q O Ateneu: outros, como dizia o professor. O te, que nada tem a ver com o aprio-
crônica de saudades Nascimento, o bicanca, alongado por um rismo ou com o esquematismo
A) O romance O Ateneu, Crônica modelo geral de pelicano, nariz esbelto, característicos dessa corrente. O
de Saudades (1888) focaliza a vida curvo e largo como uma foice; (...) o doutor Cláudio, conferencista que
em um internato, apresentando pene- Negrão, de ventas acesas, lábios algumas vezes pontifica no internato,
trante análise social e psicológica das inquietos, fisionomia agreste de cabra, e que exterioriza algumas ideias
personagens: Aristarco, o diretor (que canhoto e anguloso... artísticas do próprio Raul Pompeia,
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define a arte como o processo sub- de decifrar o sistema de ideias que se sons, lentos, pungidos, angústia deliciosa de
jetivo da “evolução secular do ins- poderia depreender. extremo gozo em que pode ficar a vida porque
fora uma conclusão triunfal. Notas graves,
tinto da espécie”. 1.a) Fala sobre a cultura brasi- uma, uma; pausas de silêncio e treva em que
Seria possível rastrear, em O leira, em que os desejos republica- o instrumento sucumbe e logo um dia claro de
Ateneu, aproximações também com nos de Pompeia se mostram, renascença, que ilumina o mundo como o
o Parnasianismo, com o Simbolismo investigando o “pântano das almas” momento fantástico do relâmpago, que a
e, até, antecipações modernistas. da vida emocional, sob a “tirania escuridão novamente abate...
Há reminiscências sonoras que ficam per-
C) O comportamento sexual é o mole de um tirano de sebo”. pétuas, como um eco do passado. Recorda-me,
traço mais valorizado na personali- 2.a) Fala sobre a arte, entendida às vezes, o piano, ressurge-me aquela data.
dade dos adolescentes do internato, pré-freudianamente como “educa- Do fundo repouso caído de convalescente,
divididos em “machos” e “fêmeas”, ção do instinto sexual”, e anteci- serenidade extenuada em que nos deixa a
em dominadores e dominados. Ob- pando também Nietzsche como febre, infantilizados no enfraquecimento como
a recomeçar a vida, inermes contra a sensação
serve o que diz o narrador em relação “expressão dionisíaca”: por um requinte mórbido da sensibilidade —
ao seu colega Bento Alves: Cruel, obscena, egoísta, imoral, in- eu aspirava a música como a embriaguez
Estimei-o femininamente, porque dômita, eternamente selvagem, a dulcíssima de um perfume funesto; a música
era grande, forte, bravo; porque me arte é a superioridade humana acima envolvia-me num contágio de vibração, como
podia valer, porque me respeitava, dos preceitos que se combatem, aci- se houvesse nervos no ar. As notas distantes
cresciam-me n’alma em ressonância enorme
quase tímido, como se não tivesse âni- ma da ciência que se corrige: de cisterna; eu sofria, como das palpitações
mo de ser amigo. Para me fitar espera- “embriaguez como a orgia e como o fortes do coração quando o sentimento
va que eu tirasse dele os meus olhos. êxtase”. exacerba-se — a sensualidade dissolvente dos
D) Raul Pompeia projeta no 3.a) Fala sobre as relações entre a sons.
internato toda a problemática do mundo escola e a sociedade: Lasso, sobre os lençóis, em conforto ideal
de túmulo, que a vontade morrera, eu deixava
adulto. O Ateneu é uma redução, em martirizar-me o encanto. A imaginação de asas
(...) Não é o internato que faz a sociedade;
escala, da visão que o autor tinha da o internato a reflete. A corrupção que ali viceja crescidas fugia solta.
sociedade como um todo. O móvel das vai de fora. (...) (...)
ações de Aristarco era o dinheiro, e os (...) (Raul Pompeia, O Ateneu, cap. XII)
alunos eram tratados pelo diretor A educação não faz as almas; exercita-as.
(Raul Pompeia,
conforme o segmento social a que Vocabulário e Notas
O Ateneu, cap. XI)
pertenciam seus pais. 1 – Gottschalk: Louis Moreau Gottschalk (1829-
Raul Pompeia não deixa ao arbí- Música estranha, na hora cálida. Devia ser 1869), pianista e compositor nascido em Nova
trio dos futuros intérpretes o trabalho Gottschalk1. Aquele esforço agonizante dos Orleans (EUA) e falecido no Rio de Janeiro.

MÓDULO 34 Parnasianismo

1. Origens Fócida, na Grécia, que a mitologia 2. Antecedentes brasileiros


contemplava como a morada dos
O Parnasianismo remete-nos deuses e poetas, ali isolados do Em 1878, desfere-se pelas páginas
ao mesmo contexto histórico-cultu- mundo para dedicarem-se exclusiva- do Diário do Rio de Janeiro a “Batalha
ral do Realismo e do Naturalismo e mente à arte). Isso sugere a apro- do Parnaso”, polêmica, em versos
compartilha, com esses dois movi- ximação às fontes e aos ideais agressivos (e de má qualidade), entre
os defensores da “IDEIA NOVA” e os
mentos, de alguns ideais e de algu- clássicos da arte (o Belo, o Bem, a
epígonos do Romantismo.
mas atitudes: a negação do subje- Verdade, a Perfeição, o Equilíbrio, a Influenciados pela Questão Coim-
tivismo, a postura antirromântica Disciplina e o rigor formal, a obe- brã e pelas obras dos poetas realistas
e a luta contra “o uso profissional diência às regras e aos modelos, a portugueses Teófilo Braga (Visão dos
e imoderado das lágrimas”. arte como imitação da natureza — a Tempos) e Antero de Quental (Odes
O movimento parnasiano surgiu mimese aristotélica, a Razão, o Modernas), os arautos da “IDEIA
na França em 1866, com a edição da antropocentrismo). São frequentes as NOVA” combatiam os “Abreus e
antologia Le Parnasse Contem - alegorias fundadas na mitologia e na Varelas”, opondo-se ao sentimenta-
porain. Abrigando poetas de tendên- história da Grécia e de Roma: “O lismo piegas e à frouxidão dos versos
cias diversas, como Théophile Sonho de Marco Antônio”, “A Sesta dos últimos românticos, e propunham
Gautier, Leconte de Lisle, Charles de Nero”, “O Triunfo de Afrodite”, algumas atitudes:
• a poesia participante, que
Baudelaire, Heredia, Banville, havia “O Incêndio de Roma”, “A Tentação
pregasse a justiça, a república frater-
em comum a oposição ao sentimen- de Xenócrates”, “O Julgamento de nal, o progresso científico e material,
talismo romântico. Frineia”, “Delenda Cartago”, todos atacando, algumas vezes de forma
A denominação Parnasianismo de Olavo Bilac, “O Vaso Grego” e “A desabrida, as instituições; é o caso de
remete-nos à antiguidade greco- Volta da Galera”, de Alberto de Lúcio de Mendonça, Martins Júnior e
romana (Monte Parnaso = região da Oliveira. Sílvio Romero.
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• a poesia “realista”, com q A impassibilidade – abandonado pelos românticos), além


abandono dos eufemismos relativos A contenção lírica da sextina, da balada e do rondó.
ao amor por uma descrição mais dire- Para desidentificar-se da anti- O emprego de enjambements
ta do corpo e dos desejos, e ainda a quíssima síntese entre eu e mundo, como meio de quebrar a monotonia
poesia realista urbana e agreste; se- introduzindo um hiato entre essas rítmica (enjambement — palavra fran-
guem nessa direção: Carvalho Júnior, duas instâncias do real, o narrador cesa que se pronuncia ãjãbemã — cor-
Bernardino Lopes e Teófilo Dias. parnasiano (o eu lírico) procura trans- responde ao prolongamento sintático e
Cabe observar que os sonhos de formar a poesia em puro trabalho, semântico de um verso no verso
justiça e a república fraternal já ha- artefato, construção. seguinte, com supressão da pausa
viam encontrado em Castro Alves, Daí a aproximação com os ideais característica do final do verso):
no último romantismo, uma expres- das artes plásticas — o poeta-
são muito mais talentosa, convin- ourives, o poeta-escultor, o poeta- E, de súbito, paramos na estrada
cente e eloquente. Da vida, longos anos, presa à minha
arquiteto, o poeta-pintor; o poeta A tua mão, a vista deslumbrada
Costuma-se considerar as Fanfar-
que modela pacientemente sua obra, Tive, da luz que seu olhar continha.
ras, de Teófilo Dias, como o primeiro
sem confundir-se com ela. (Olavo Bilac, “Nel Mezzo del Camin”)
livro parnasiano, em seu sentido
próprio. O Parnasianismo tal como Invejo o ourives quando escrevo:
q A poesia descritiva,
hoje o concebemos só se definiria Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo plástica e visual
com Alberto de Oliveira, Raimundo
Faz de uma flor. Os parnasianos pretendem apre-
Correia e Olavo Bilac, que cons-
ender descritivamente o real, por meio
tituíram a Trindade Parnasiana e
realizaram suas obras sob os prin-
(...) de impressões sensoriais nítidas, apoi-
cípios da “arte pela arte”, da impas- ando-se em imagens visuais, que se
Torce, aprimora, alteia1, lima convertem em verdadeiros cromos,
sibilidade e da perfeição formal, A frase; e, enfim,
ainda que tivessem, todos eles, tal a intensidade das cores e do
No verso de ouro engasta 2 a rima,
estreado com versos românticos. brilho.
Como um rubim.
Concentram-se na descrição de
Quero que a estrofe cristalina, fenômenos da natureza (o anoi-
3. Características Dobrada ao jeito tecer, a primavera, as árvores); na
Do ourives, saia da oficina fixação de cenas históricas e mito-
q A arte pela arte – Sem um defeito. lógicas (“O Incêndio de Roma”, “O
O esteticismo Triunfo de Afrodite”); na contempla-
(...)
Sintetizada na forma latina ars ção de objetos de arte, exóticos e
(Olavo Bilac, “Profissão de Fé”)
gratia artis (arte pela arte), a poesia requintados (“O Vaso Grego”, “O
parnasiana propõe que a beleza Vocabulário e Notas
Leque”, “A Estátua”), privilegiando,
formal justifica a existência do 1 – Altear: elevar. 2 – Engastar: encravar, embutir.
também, a beleza física da mulher.
poema, e que a arte não deve ter ou- q Perfeição formal
tros compromissos senão com o q O mito da objetualidade
Centrados no puro fazer poético,
belo, com a perfeição formal. e o Kitsch
os parnasianos instauram o mate-
Negando a poesia realista, filosó- O gosto pelo exótico, pelo
fico-científica e socialista de seus rialismo da forma. A palavra é tra-
balhada como matéria-prima, que deve diferente, o prazer da raridade visa
precursores, os parnasianos impõem
ser lapidada, burilada, cinzelada. especialmente a satisfazer “o bom
uma atitude de distanciamento da
A poesia deve ser fruto do esfor- gosto” burguês, sua ânsia pelo raro,
vida, de afastamento do cotidiano,
ço intelectual, da elaboração. Por isso, pelo prestigioso, pela negação da
de alienação dos problemas do
mundo, de desprezo pela plebe e os parnasianos, exímios conhecedo- vulgaridade (sem esquecer que um
pelas aspirações populares e de res da língua, são “poetas de dicio- dos aspectos mais repelentes da
recusa de temas vulgares. nário”, obcecados pela correção vulgaridade é o esforço medido e
Assim, os parnasianos se fecham gramatical, pela pureza da lin- planejado para fugir dela).
em suas “torres-de-marfim”, entre- guagem, pela vernaculidade, pela Buscando o raro e o requintado, o
gues ao puro fazer poético: seleção vocabular. parnasiano cai, muitas vezes, na
Outro aspecto desse formalismo superficialidade, na obsessão do
é a valorização de alguns procedimen- adorno, esquecido da essência.
Longe do estéril turbilhão da rua,
tos, tais como É nesse sentido que se alinham
Beneditino1 escreve! No aconchego
• o culto das rimas ricas, raras e algumas objeções à atitude parna-
Do claustro, na paciência e no sossego,
preciosas; siana:
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!
(Bilac, “A um Poeta”) • a preferência pelos versos • privilegiando a organização
alexandrinos (12 sílabas métricas) e léxica e gramatical do discurso poé-
Vocabulário a metrificação rigorosa; tico, os parnasianos se esquecem de
1 – Beneditino: abnegado como um monge • o gosto pelas formas fixas, que a grande poesia consiste “na
beneditino. especialmente o soneto (quase linguagem carregada de signi-
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ficação no mais alto grau possível” conferências literárias e um tratado quer do ímpeto romântico, quer do
(Ezra Pound). Por isso os de versificação. convencionalismo parnasiano, valori-
modernistas, entendendo que, na Estreou em 1888 com Poesias, zando o aspecto reflexivo e filosófico
grande poesia, cada palavra deve livro saudado com entusiasmo por e as cenas da natureza, vazado em
vibrar como um novo significado, Alberto de Oliveira e Raimundo Cor- linguagem simples e acessível, já dis-
atacaram duramente o reia, que formariam, com Bilac, a tante do artificialis mo dos livros
parnasianismo, no que ele tinha de “Trindade Parnasiana”. anteriores.
ornamental e estereotipado; As Poesias, além de uma introdu- Em Tarde, Bilac procura, nos poe-
• diz-se que um artista pratica o ção em verso, chamada “Profissão mas descritivos, captar a tonalidade
Kitsch quando ele mistura formas e de Fé” — espécie de manifesto do momento fugaz, valorizando a su-
truques para impressionar o aprecia- parnasiano —, continham três partes gestão e a notação impressionista:
dor, sugerindo, por meio de efeitos distintas:
previamente estudados, conotações • Panóplias: poemas descritivos, CANTILENA
prestigiosas, ostentando falsa riqueza obedecendo rigorosamente aos câno-
nes parnasianos, aproveitando suges- Quando as estrelas surgem na tarde, surge
ou cultura. [a esperança...
O Kitsch está na base da cha- tões da antiguidade greco-romana, com
referências que tendem à super- Toda alma triste no seu desgosto sonha um
mada indústria cultural, por meio da [Messias:
ficialidade e ao puramente ornamental.
reprodução em série de obras de arte Quem sabe? o acaso, na sorte esquiva,
• Via-Láctea: trinta e cinco so-
e objetos “raros” para deleite da clas- [traz a mudança
netos, tematizando o lirismo amoroso
se média neurotizada pelo status —
platônico, com o aproveitamento de E enche de mundos as existências que
(móveis Luís XV; porcelana inglesa do sugestões românticas e clássicas. [eram vazias!
século XVIII; escultura oriental da Obra de inegável êxito junto ao leitor,
Dinastia Ming; quadros de grandes resvala o Kitsch, reeditando, em tom Quando as estrelas brilham mais vivas,
mestres e pequenos pintores, Rem- menor, a lírica de Camões e Bocage. [brilha a esperança...
brandt e Di Cavalcanti, lado a lado; O título Via-Láctea alude a uma Os olhos fulgem; loucas, ensaiam as asas
peças do artesanato marajoara, constante na poesia de Bilac: as frias:
nordestino etc., tudo adquirido no estrelas (“Ora (direis) ouvir estrelas! Tantos amores há pela terra, que a mão
supermercado da esquina). Certo / Perdeste o senso!”). [alcança!
O Parnasianismo tem muito dis- • Sarças de Fogo: poemas eróti- E há tantos astros, com outras vidas, para
so: provocar efeitos, valorizando o cos, centrados na beleza física da mu- [outros dias!
que é logro e ostentação, sob a lher e no amor carnal, reduzido a um
máscara da beleza e do prestígio. jogo bem-arranjado de palavras, Mas, de asas fracas, baixando os olhos, o
Nenhum dos nossos parnasianos foi buscando mais o efeito que a genuína [sonho cansa;
helenista, mas quase todos recor- sensualidade. É um erotismo decla- No céu e na alma, cerram-se as brumas,
reram a evoluções estereotipadas da matório, que descamba, muitas ve- [gelam as luzes:
Antiga Grécia (galerias, mármores, zes, para algo próximo à pornografia. Quando as estrelas tremem de frio, treme a
vasos, pártenons), transformadas em É o caso de “Tentação de Xenócra- [esperança...
verdadeiros fetiches. tes”, “Satânia”, “O Julgamento de
Frineia”, “Alvorada do Amor” e Tempo, o delírio da mocidade não
4. Autores outras. [reproduzes!
q Olavo Bilac (1865-1918) Em 1902, as Poesias foram Dorme o passado: quantas saudades e
Olavo Brás Martins dos Guimarães acrescidas de três outros livros: Alma
[quantas cruzes!
Bilac, já no próprio nome um alexan- Inquieta e Viagens, marcados por um Quando as estrelas morrem na aurora,
drino perfeito, cursou Medicina e veemente temperamento romântico,
[morre a esperança...
Direito, sem concluir nenhum dos cur- controlado pela disciplina formal
(Olavo Bilac)
sos. Viveu como jornalista, funcioná- aprendida com os parnasianos fran-
rio público, boêmio e poeta de largo ceses (Gautier, Leconte de Lisle e q Alberto de Oliveira
prestígio no seu tempo. Foi eleito em Heredia), além do poema épico- (1859-1937)
1913, pela revista Fon-Fon, o Prín- patriótico “O Caçador de Esmeral- Foi o mais ortodoxo dos nossos
cipe dos Poetas Brasileiros. das”, escrito em sextilhas e alexan- parnasianos e o que seguiu com
Ativista nas campanhas abolicio- drinos, evocando a figura de Fernão maior rigor as propostas da escola:
nista, republicana, civilista, pelo ser- Dias Pais, apoiado na tradição objetivismo, impassibilidade, preo-
viço militar obrigatório, pela vacina ufanista e motivado pelo civismo, cupação esteticista, rigor formal e
obrigatória, pela reurbanização do Rio que Bilac praticou na frequente tecnicismo. Coerente com as pro-
de Janeiro, pela entrada do Brasil na exaltação da pátria, de seus símbolos postas parnasianas, afastou-se do
Primeira Grande Guerra; autor da letra e heróis. sentimentalismo e da pieguice, reali-
do Hino à Bandeira, Bilac deixou, • Em 1919, aparece o livro pós- zando uma poesia descritiva, plástica,
além da obra poética que veremos, tumo Tarde, em que o poeta se em- visual, apoiada nos modelos clássicos
crônicas, novelas, poesias infantis, penha em um maior comedimento, renascentistas e arcádicos.
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Obras q Raimundo Correia Outras obras


– Canções Românticas (1859-1911) – Versos e Versões
– Meridionais Em Primeiros Sonhos, livro de es- – Aleluias
treia (1879), que reúne a poesia de
– Sonetos e Poemas
adolescência, revela a aproximação q Vicente de Carvalho
– Versos e Rimas com o Romantismo, na idealização da (1886-1924)
– Por Amor de uma Lágrima mulher, recorrendo a formas e moti- Assumiu uma postura indepen-
– O Livro de Ema vos que se aproximam de Casimiro dente em relação às tendências for-
– Alma em Flor de Abreu e dos românticos menores. malistas do Parnasianismo, manten-
Sinfonias marca a adesão do poe- do o veio romântico e sentimental que
ta ao Parnasianismo, reunindo seus marcou sua estreia, nos livros Arden-
VASO GREGO melhores e mais conhecidos poemas: tias e Relicário. Absorveu também a
“As Pombas”, “Mal Secreto”. fluidez, a musicalidade, a melancolia
Esta de áureos relevos, trabalhada e a emotividade do Simbolismo.
MAL SECRETO Em Poemas e Canções e Rosa,
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada, Rosa de Amor, firma-se como um
Se a cólera que espuma, a dor que mora
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia. grande lírico da natureza, fundindo o
N’alma e destrói cada ilusão que nasce,
sensorial e o emotivo, em uma lingua-
Tudo o que punge, tudo o que devora
gem nova e pessoal, marcada pela
Era o poeta de Teos que a suspendia O coração, no rosto se estampasse;
plasticidade, pela musicalidade e
Então, e, ora repleta ora esvazada,
pelas ressonâncias psicológicas.
A taça amiga aos dedos seus tinia, Se se pudesse o espírito que chora
Toda de roxas pétalas colmada. Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora q Francisca Júlia (1874-1920)
Nos causa, então piedade nos causasse! Mármores, sua obra mais expres-
Depois... Mais o lavor da taça admira,
siva, submete-se rigorosamente aos
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às
Quanta gente que ri, talvez, consigo preceitos parnasianos: esteticismo,
[bordas
Guarda um atroz, recôndito inimigo, contenção lírica, perfeccionismo. A
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,
Como invisível chaga cancerosa! poetisa paulistana, muito considerada
em sua época pelos mestres parna-
Ignota voz, qual se da antiga lira Quanta gente que ri talvez existe, sianos, configurou, ao lado de Alberto
Fosse a encantada música das cordas, Cuja ventura única consiste de Oliveira, a vertente mais ortodoxa
Qual se essa voz de Anacreonte fosse. Em parecer aos outros venturosa! da escola.

MÓDULO 35 Simbolismo: Características, Autores e Obras

1. Conceito e âmbito transcendem a possibilidade de com- da ciência, em fins do século XIX e


provação objetiva, na busca de um início do século XX, orientou-se para
q A reação antimaterialista, modo suprarracional de conheci- caminhos semelhantes aos trilhados
antipositivista e mento, que pudesse penetrar as ca- por aqueles grandes pensadores e
antirrealista madas profundas do “eu” e traduzir poetas. Assim, a física relativista de
A ciência e a técnica permitiram os “mistérios” da vida. Einstein colocou em questão alguns
ao homem do fim do século XIX um A oposição ao racionalismo, às postulados básicos da ciência tradi-
extraordinário conforto material (tele- pretensões cientificistas e ao pro- cional, enquanto Freud inaugurou o
fone, motor a explosão, microfone, gressismo da sociedade industrial estudo do inconsciente e abalou
fonógrafo, raios X, cinematógrafo, tem como precursores alguns filóso- crenças fundamentais a respeito da
telégrafo, lâmpada incandescente), fos — como Schopenhauer e lógica do comportamento humano.
provocando enorme euforia. O espí- Kierkegaard — e alguns escritores e
rito científico, o materialismo, o poetas “estranhos”, como o ameri- q Decadentismo e
positivismo, o determinismo transfor- cano Edgar Allan Poe. Charles Simbolismo
maram-se numa verdadeira religião. Baudelaire, grande poeta que se O termo decadentismo foi aplica-
Contudo, alguns intelectuais, dis- afasta dos padrões do Parnasianismo do às primeiras manifestações da lite-
tanciados dessa euforia, começaram de seu tempo, é um dos pais da nova ratura simbolista, que ocorreram em
a expressar a necessidade de superar poética, de que serão expoentes Paris, em torno dos anos 1880-90. A
a visão racionalista e mecanicista do Stéphane Mallarmé, Paul Verlaine e designação perdeu a conotação pejo-
universo, colocando questões que Arthur Rimbaud. O desenvolvimento rativa inicial, que lhe foi atribuída

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pelos opositores da nova literatura, e Mas, contrariamente aos românti- CORRESPONDÊNCIAS


passou a designar um conjunto de cos, os simbolistas entendiam que a
elementos típicos como: gosto por poesia não é somente emoção, A natureza é um templo onde vivos pilares
signos do refinamento e da elegância mas a tomada de consciência Podem deixar ouvir confusas vozes: e estas
intelectual de certas épocas tidas dessa emoção; que a atitude Fazem o homem passar através de florestas
como “decadentes” (o helenismo de poética não é unicamente afetiva, De símbolos que o veem com olhos familiares.
Alexandria, o fim do Império Roma- mas ao mesmo tempo afetiva e
no); a predileção por experiências cognitiva. Por outras palavras: a
Como os ecos além confundem seus rumores
raras, sutis, artificiosas, “proibidas”; a poesia carrega em si uma certa
Na mais profunda e mais tenebrosa unidade,
recuperação de um ideal esgotado de maneira de conhecer.
Tão vasta como a noite e como a claridade,
beleza; a evocação de um Oriente b) O mergulho no “eu pro-
Harmonizam-se os sons, os perfumes e as
misterioso e sensual; o desprezo pe- fundo”, no inconsciente, a in-
[cores.
las ideias humanitárias e socialísticas; tuição, a sugestão.
a recusa do positivismo burguês; a Buscando as esferas inconscien-
exaltação do irracional e o interesse tes, o “eu profundo”, os simbolistas Há perfumes frescos como carnes de criança,
no esotérico, no oculto, na ascese iniciam a exploração do mundo inte- Doces como os oboés, verdes como as
mística ou, no outro extremo, no rior, rompendo os níveis do razoável, [campinas,
inferno do submundo da prostituição do lógico e atingindo os estratos E outros, corrompidos, mas ricos e
e da marginalidade. Um exemplo des- mentais anteriores à fala e à lógica. [triunfantes,
se clima decadentista na literatura de Mais do que tocar os desvãos do
língua portuguesa se encontra na inconsciente, pretendiam senti-los, Que possuem a efusão das coisas infinitas
narrativa A Confissão de Lúcio, de examiná-los. Como o sândalo1, o almíscar2, o benjoim3 e
Mário de Sá-Carneiro. Também Fer- O problema mais difícil era o de [o incenso,
nando Pessoa, contemporâneo e ami- como transportar as vivências abissais Que cantam o êxtase do espírito e dos
go de Sá-Carneiro, inicia a obra de seu para o plano do consciente a fim de [sentidos.
heterônimo Álvaro de Campos com comunicá-las a outrem. Era necessário (Charles Baudelaire,
um grande poema de explícito teor inventar uma linguagem nova, fundada trad. de Jamil A. Haddad)
decadentista, “Opiário”, confissão de numa gramática e numa sintaxe
um viciado em ópio que viaja por um psicológica, utilizando arcaísmos,
Oriente fantástico (“um Oriente ao termos exóticos e litúrgicos, recor- Vocabulário e Notas
oriente do Oriente”). Coincidente- rendo a neologismos, a inesperadas 1 – Sândalo. 2 – Almíscar. 3 – Benjoim: subs-
mente, aquele que é talvez o maior combinações vocabulares e a recursos tâncias aromáticas.
poeta simbolista da literatura de gráficos (maiúsculas alegorizantes, uso
língua portuguesa, Camilo Pessanha, de cores na impressão dos poemas). A teoria das correspondências
foi viciado em ópio e viveu no Oriente Para tentar traduzir as mensa- propõe um processo cósmico de
(China). gens cifradas do “eu profundo”, das aproximação entre as realidades que
O nome simbolismo, que veio a partes nebulosas do ser, os simbo- se expressam por meio de sineste-
substituir decadentismo, foi proposto listas apelaram para a evocação, para sia, um tipo de metáfora que consis-
por Jean Moréas, em manifesto pu- a sugestão, empregando uma te na transferência (ou “cruzamen-
blicado em 1886 em defesa da nova linguagem indireta que apenas to”) de percepção de um sentido para
escola. sugerisse os conteúdos emotivos e outro, ou seja, a fusão, num só ato de
sentimentais, sem narrá-los ou des- percepção, de dois sentidos ou mais.
q As propostas do Simbolismo crevê-los. A metáfora e o símbolo É o que ocorre em “ruído áspero”
ganharão, a partir daí, nova estrutura (audição e tato); “música doce”
• Características e fisionomia, buscando as múltiplas (audição e gustação); “som colorido”
a) O Simbolismo pode ser consi- relações entre a essência do “eu (audição e visão).
derado um prolongamento ou uma profundo”, a palavra e o objeto. d) A música antes de tudo – as
radicalização do Romantismo: retoma c) A teoria das correspon- aliterações e assonâncias.
o subjetivismo, o individualismo, o dências – a sinestesia. Para os simbolistas, a música
espiritualismo, o sentido confli- Propunha Baudelaire: “tudo, for- ocupa o primeiro lugar entre todas as
tuoso “eu x mundo”, e leva às ma, movimento, número, cor, perfu- artes porque, liberta de toda referên-
últimas consequências a concepção me, no [mundo] espiritual, como no cia específica aos diversos objetos da
de mundo inaugurada com as dou- natural, é significativo, recíproco, vontade, poderia exprimi-la em sua
trinas romântico-liberais. conversível, correspondente”: essência.

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É o que propõe Verlaine: Visando à sugestão, à nuance, ao laústres”, “mádidas”, “dormências”,


indeciso dos estados da alma, ao “clepsidra”, “litanias”, “antífona”,
ARTE POÉTICA vago do coração, ao nebuloso, ao “turíbulos”, “aras”, “cabalístico”,
quimérico, ao místico, ao “quimérico”, “tantálico”, “hialino”,
Antes de tudo, a Música. Preza inexprimível, ao transcendente, os “ebúrneo”, “cinamomos”, “quintes-
Portanto o Ímpar. Só cabe usar simbolistas querem tocar o ouvido, sências” etc.
O que é mais vago e solúvel no ar, sem feri-lo, por meio de Esta musicalidade do Simbolismo
Sem nada em si que pousa ou que pesa. procedimentos sonoros, tais como apoia-se na valorização do su-
d1) a rima aproximativa, nem gestivo e na diminuição do sig-
Pesar palavras será preciso, rica nem agressiva. nificado lógico das palavras: à
Mas com algum desdém pela pinça: d2) as aliterações: (sequência de medida que não entendemos o signi-
Nada melhor do que a canção cinza
fonemas consonantais idênticos ou ficado de uma frase, tendemos a pres-
Onde o Indeciso se une ao Preciso.
de mesma área de articulação, dentro tar mais atenção a seu aspecto sonoro.
do mesmo verso): e) A alquimia do verbo – o
Uns belos olhos atrás do véu,
ilogismo – o hermetismo.
O lusco-fusco no meio-dia,
O verso simbolista é obscuro,
A turba azul de estrelas que estria1 E as cantilenas de serenos sons amenos
hermético, distanciando-se do vulgar
O outono agônico2 pelo céu! fogem fluidas fluindo à fina flor dos fenos.
e do profano. Construído por sucessi-
(Eugênio de Castro)
vas implicações de sentidos de sons,
Pois a Nuance é que leva a palma,
Nada de Cor, somente a nuance!
de ritmos, vale pelas sugestões, e
Vozes veladas veludosas vozes
Nuance, só, que nos afiance3
não por suas descrições ou explica-
Volúpias dos violões, vozes veladas.
O sonho ao sonho e a flauta na alma!
ções. A função do poema não é
(Cruz e Sousa)
significar ou dizer, mas existir por si
Foge do Chiste4, a Farpa mesquinha, mesmo, como objeto ideal, perfeito,
d3) as assonâncias (sequência
Frase de espírito, Riso alvar5, oposto à impureza do mundo.
dos mesmos fonemas vocálicos nas
Que o olho do Azul faz lacrimejar, e1) Rimbaud, antecipando ca-
sílabas tônicas de palavras sucessivas
Alho plebeu de baixa cozinha! minhos que os modernistas retomaram,
ou próximas):
propunha a palavra poética acessível
A eloquência? Torce-lhe o pescoço! a todas as significações; a fixação do
Ó formas Alvas, brAncas, formas clAras
E convém empregar de uma vez inexprimível; a alquimia do verbo,
(Cruz e Sousa)
A rima com certa sensatez buscando a Beleza por meio da
Ou vamos todos parar no fosso! vertigem, do delírio, da alucinação
d4) as onomatopeias (combi-
sensorial, daí a alucinação e o
nação ou repetição de palavras, cujos
Quem nos dirá dos males da rima! mistério da palavra.
sons, numa espécie de harmonia
Que surdo absurdo ou que negro louco “... ser vidente por meio de um
imitativa, transmitem ideias
Forjou em joia este toco oco longo, imenso e racional desregra-
Que soa falso e vil sob a lima?
aproximadas ou exatas do objeto ou
mento de todos os sentidos; buscar a
ação a que se refere o texto):
si, esgotar em si todos os venenos, a
Música ainda, e eternamente! fim de só reter a quintessência.”
Que teu verso seja o voo alto A catedral ebúrnea do meu sonho
e2) Cabe ressaltar que os simbo-
Que se desprende da alma no salto Aparece na paz do céu risonho
listas tinham verdadeira fixação pela
Para outros céus e para outra mente. Toda branca de sol,
notação cromática, especialmente
pela cor branca e suas variáveis se-
Que teu verso seja a aventura E o sino canta em lúgubres responsos:
mânticas: cisne, lírio, linho, neve, né-
Esparsa ao árdego6 ar da manhã “Pobre Alphonsus! Pobre
voa, nívea, alvo; ou por objetos trans-
Que enchem de aroma o timo7 e a hortelã... Alphonsus!”
lúcidos (astros, sol, luz, lua). Em Cruz
E todo o resto é literatura.
e Sousa há verdadeira obsessão pela
(Verlaine, trad. de Augusto de Campos)
d5) as palavras raras e mu- cor branca, que traduzia os ideais de
Vocabulário e Notas sicais, escolhidas pela sonoridade: vaguidão, do mistério, da languidez,
1 – Estriar: riscar. arcaísmos, neologismos, termos litúr- da espiritualidade, da pureza, do eté-
2 – Agônico: aflito. gicos, combinações vocabulares ines- reo, do oculto, do transcendente etc.
3 – Afiançar: garantir.
peradas, numa verdadeira verboma- e3) Stéphane Mallarmé repre-
4 – Chiste: gracejo.
5 – Alvar: grosseiro.
nia: “absconso”, “adamantino”, senta o ponto mais radical que atingi-
6 – Árdego: impetuoso. “cíto-las”, “crótalos”, “lactescen- ram as experiências simbolistas.
7 – Timo: tomilho. tes”, “oaristos”, “cornamusas”, “ba- Abandonando a retórica e a discursi-
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vidade romântica e parnasiana, sua tões mundanas (os poetas das mais relacionado com as experiências
poesia espanta pela intensidade e “torres de marfim”, os “nefeli- de outras partes do mundo,
pelas inovações. Apoiado nas corres- batas”). notadamente de Paris, do que com a
pondências sinestésicas (sons / cores j) Antecipações da moderni- realidade portuguesa. A influência
/ imagens / sentimento), propõe uma dade: francesa foi fundamental para a
instrumentação verbal, uma poesia – ruptura com o descritivo e divulgação das novas experiências
nem descritiva nem narrativa, mas linear; rítmicas e estilísticas, por meio de
sugestiva; “nomear um objeto é – monólogo interior, captação do duas revistas editadas em Coimbra,
suprimir três quartos do prazer do fluxo de consciência; em 1889, Insubmissos e Boêmia
poema, que é feito da felicidade de – desarticulação sintática e se- Nova, e da obra que serve de marco
adivinhar pouco a pouco; sugeri-lo, mântica; inaugural da nova estética —
eis o sonho, (...) pois deve haver – sondagem infinitesimal da Oaristos, de Eugênio de Castro, de
sempre enigma em poesia, e é o memória. 1890.
objetivo da literatura — e não há outro
— evocar os objetos”. 2. Simbolismo português q Antônio Nobre (1867-1900)
f) Espiritualismo, misticismo, Autor de Primeiros Versos, Des-
subjetivismo intenso, ocultismo. q O contexto histórico pedidas e Só, representa a vertente
Ânsia de superação, de fuga do Não são nítidas as relações entre simbolista de raízes neorromânticas.
terreno, comunhão com os Astros, o a arte simbolista e a vida política e Esse retorno ao Romantismo
Espírito, o Alto, a Alma, o Infinito, a social portuguesa, e as ligações que evidencia-se não só na recuperação
Essência, o Desconhecido. Fixação se estabelecem nesse nível não da tradição literária, na influência de
pela Idade Média e por vocabulário esclarecem absolutamente os proble- Garrett, como no tom acentuada-
litúrgico de ambiência eclesiástica mas da poesia simbolista. mente subjetivista, marcado pela
(antífona, missal, ladainha, hinos, A Proclamação da República saudade e pela tristeza.
breviário, turíbulos, aras, incenso). parece ter definido certas tendências Suas poesias comunicam ao lei-
g) As maiúsculas alegorizantes. pré-simbolistas, numa atmosfera tor intensa depressão e profundo
Os simbolistas empregavam, sis- neorromântica, que correspon- pessimismo. O temperamento de
tematicamente, substantivos comuns deriam a duas posições ideológicas: a artista tuberculoso, descrente de
escritos com inicial maiúscula, no monárquica e a republicana. À tudo e de todos, desalentado, dava às
interior do verso, para realçá-los primeira, monárquica, corresponderia suas poesias um estranho sabor de
semanticamente, aumentando a sua o neogarrettismo (ou nacionalismo, amargura e infelicidade. O “sosis-
expressividade: integralismo), representado por mo” (expressão que deriva do título
Alberto de Oliveira e Afonso Lopes do livro Só) criou uma legião de imi-
Indefiníveis músicas supremas, Vieira. À segunda, republicana, estaria tadores idólatras e tem ressonância,
Harmonia da Cor e do Perfume... ligado o saudosismo de Teixeira de no Brasil, na poesia de Manuel Ban-
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas, Pascoaes, representando o misticis- deira e Ribeiro Couto, entre outros.
Réquiem do sol que a Dor da luz resume mo panteísta que já impregnara a Antônio Nobre afastou-se do pre-
(Cruz e Sousa) Geração de 1970 (Guerra Junqueiro, ciosismo vocabular de seus contem-
entre outros). Essa vertente saudo- porâneos, utilizando o registro colo-
sista serviu de aproximação entre o quial da linguagem, inspirado na
h) É frequente o uso de reticên- neorromantismo, o simbolismo e o dicção popular, no decadentismo
cias, sugerindo a vaguidão, o indefi- modernismo da revista Orpheu, o francês (Jules Laforgue) e na lírica
nível, o inefável, bem como do co- orfismo. romântica de Garrett.
nectivo bíblico e no início do verso. A afirmação mais radical do este- A caracterização de ambientes
i) Pontos de contato com o ticismo simbolista repelia, contudo, provincianos, as recordações da in-
Parnasianismo: as correntes saudosista, naciona- fância, a atmosfera crepuscular, a
– preocupação formal, culto da lista ou regionalista, encaminhando- nostalgia, o pessimismo, a evasão do
rima, preferência pelo soneto se para a arte “pura”, sem qualquer presente e a projeção na sua infância
(não sistematicamente); compromisso, a não ser com sua dos mitos pátrios são ainda aspectos
– distanciamento da vida, des- própria elaboração. Essa é a situação dessa aproximação de Antônio Nobre
compromisso com as ques- de Eugênio de Castro, poeta muito ao Romantismo.

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TEXTO ta poética, incorporando proce- TEXTO II


dimentos próximos aos do deca-
dentismo de Verlaine, em especial
SONETO no que se refere à aproximação CAMINHO
entre a poesia e a música.
Ó Virgens que passais, ao Sol-poente, I
Pelas estradas ermas, a cantar! • Uma poética da
Eu quero ouvir uma canção ardente, desagregação Tenho sonhos cruéis; n’alma doente
Que me transporte ao meu perdido Lar. A percepção de mundo em Sinto um vago receio prematuro.
Camilo Pessanha é fragmentária, apa- Vou a medo na aresta do futuro,
Cantai-me, nessa voz onipotente, rentemente desarticulada, expressa Embebido em saudades do presente...
O Sol que tomba aureolando o Mar, por meio de sensações que o poeta
A fartura da seara reluzente, considera sem sentido. A desagre- Saudades desta dor que em vão procuro
O vinho, a Graça, a formosura, o luar! gação formal parece corresponder à Do peito afugentar bem rudemente,
desagregação do próprio poeta
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cantai! cantai as límpidas cantigas! opiômano, hipersensível e
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...
Das ruínas do meu Lar desenterrai inadaptado.
Todas aquelas ilusões antigas Lírico da desesperança, da dor e
da ilusão, seu pessimismo tem laivos Porque a dor, esta falta d’harmonia,
Que eu vi morrer num sonho, como um ai... do decadentismo francês e do Toda a luz desgrenhada1 que alumia
Ó suaves e frescas raparigas, budismo que conheceu em Macau. É As almas doidamente, o céu d’agora,
Adormecei-me nessa voz... Cantai! constante a sensação de estranheza
diante do mundo, da alucinação, Sem ela o coração é quase nada:
q Camilo Pessanha expressas numa linguagem poderosa, Um sol onde expirasse a madrugada,
(1867-1926) sugestiva, tecida com metáforas Porque é só madrugada quando chora.
Filho natural de um estudante e insólitas, símbolos, sinestesias e
uma moça do povo, nasceu em Coim- intensa musicalidade (alterações,
bra, onde cursou Direito. Formado, assonâncias etc.). II
segue para a China, onde se orien- Aproximou-se do rigor formal de
talizou e se viciou em ópio. Viveu Mallarmé, sem a determinação Encontraste-me um dia no caminho
como funcionário público no Oriente, intelectual do poeta francês. A Em procura de quê, nem eu o sei
publicando esporadicamente nos jor- intelectualização dos poemas de — Bom dia, companheiro — te saudei,
nais de província alguns poemas. Camilo Pessanha é marcada pelo Que a jornada é maior indo sozinho.
Numa visita a Portugal, em 1915, pessimismo em relação ao mundo,
ditou a João de Castro Osório as com- que lhe parecia em degenerescência.
É longe, é muito longe, há muito espinho!
posições que viriam a ser coletadas no A adesão do poeta à estética de-
Paraste a repousar, eu descansei...
volume Clepsidra, aparecido em 1920. cadentista-simbolista não era simples
Na venda em que pousaste, onde pousei,
Consumido pelo ópio, morre em Macau. modismo — era existencial.
Bebemos cada um do mesmo vinho.

Obra
TEXTO I
Clepsidra – 1920 É no monte escabroso2, solitário.
China – Coleção de artigos sobre Corta os pés como a rocha dum calvário
a cultura chinesa, reunidos em 1944. INSCRIÇÃO E queima como a areia!... Foi no entanto
Foi o poeta mais autentica-
mente simbolista de Portugal, e Eu vi a luz em um país perdido. Que choramos a dor de cada um...
um grande inovador da poética de seu A minha alma é lânguida1 e inerme2. E o vinho em que choraste era comum:
país, cuja influência se estende até os Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído! Tivemos que beber do mesmo pranto.
modernistas, como Fernando Pessoa. No chão sumir-se, como faz um verme...
Afastou-se do discursivismo
neorromântico dos poetas do seu Vocabulário e Notas Vocabulário e Notas
tempo (Antônio Nobre, Augusto Gil, 1 – Lânguido: abatido, sem forças. 1 – Desgrenhado: desordenado.
Afonso Lopes Vieira) e inovou a escri- 2 – Inerme: indefeso. 2 – Escabroso: escarpado.

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MÓDULO 36 Simbolismo no Brasil

1. Simbolismo no Brasil literários e do poder público. O Par- Impedido de assumir o cargo de


nasianismo era a poesia “oficial”, promotor da cidade de Laguna, por
q Limites cronológicos que condicionou, pelo seu prestígio, causa do preconceito, muda-se para o
• Início: 1893 a fundação da Academia Brasileira Rio de Janeiro, onde forma o primeiro
Publicação de Missal (poemas de Letras, e que não deixou margem grupo simbolista brasileiro, com Ber-
em prosa) e Broquéis (poesia), de a que se reconhecesse o valor e nardino Lopes e Oscar Rosas, colabo-
Cruz e Sousa. alcance do movimento simbolista. rando também com a Folha Popular.
• Término: 1902 “O Simbolismo Brasileiro, apesar Casa-se com uma jovem negra,
de ter produzido um Cruz e Sousa e Gavita, de quem teve três filhos. Vi-
Em sentido amplo, os limites do um Alphonsus de Guimaraens, foi su- vendo aperturas econômicas, minado
Simbolismo se estendem até a Se- focado (...) e, só hoje recebe a devida pela tuberculose, abalado com a lou-
mana de Arte Moderna, em 1922, e, consideração, negligenciado como era cura da esposa, morre em Sítio, esta-
em sentido estrito, até 1902, quando sob o regime artificialmente prolon- ção climática, em Minas Gerais, aos
se reconhece a publicação de Os gado do Parnasianismo. 36 anos de idade.
Sertões, de Euclides da Cunha, e de (...) O Modernismo, Simbolismo
Canaã, de Graça Aranha, como mar- inconsciente a meu ver, possibilitou a
cos iniciais de um novo período lite- transformação do Simbolismo privado q Obras
rário, o Pré-Modernismo, cujo ad- em poesia pública.” Missal (poemas em prosa)
vento não significou a interrupção do (Otto Maria Carpeaux) Broquéis (poesias)
Simbolismo. Evocações (poemas em prosa)
No Brasil, os movimentos artísti- Faróis (poesias)
Apelidados de nefelibatas (ou se-
cos finisseculares (fins do século XIX Últimos Sonetos (poesias recolhi-
ja, “habitantes das nuvens”), os sim-
e início do século XX) são muito mais das por Nestor Vítor, amigo e admira-
bolistas eram, pejorativamente, iden-
simultâneos que sucessivos, o que dor do poeta; obra publicada em 1905)
tificados pelos parnasianos como so-
torna problemáticos os já em si pre- nhadores, que se valiam de uma lin-
cários critérios de periodização. For- guagem de conotação imponderável, q Características
çoso é admitir que os limites cronoló- puramente sugestiva, estratosférica. • Não convém ler a poesia de
gicos do Realismo, Naturalismo, Par- Além de Cruz e Sousa e Al- Cruz e Sousa do ponto de vista da
nasianismo, Impressionismo, Simbo- phonsus de Guimaraens, pode ser biografia sentimental. Ocorre que, ain-
lismo e Pré-Modernismo são quase estudado também Augusto dos da que sua visão trágica da existência
sempre discutíveis, dada a simulta- Anjos, que não foi propriamente sim- tenha íntima relação com a sua vida,
neidade em que esses movimentos bolista, mas assimilou grande in- não há alusões diretas à autobiografia
se desenvolvem. fluência dessa estética. Augusto dos e à confissão: a transfiguração das
O primeiro núcleo simbolista no Anjos será estudado no Pré-Moder- experiências manifesta-se em seus
Brasil formou-se no jornal carioca Fo- nismo (no livro de Literatura, porém, textos nas alusões a realidades
lha Popular, por volta de 1890-1891, este autor é estudado no capítulo sociais degradantes e degradadas,
reunindo Bernardino Lopes, Emi- dedicado ao Simbolismo). como a doença, a loucura, a miséria e
liano Perneta e Oscar Rosas, o preconceito de cor.
liderados por Cruz e Sousa, que, a • Resíduos Parnasianos
propósito do ambiente intelectual 2. Cruz e Sousa (1861-1898) Na predileção pelo soneto, pelas
daquela época, diria: rimas ricas, pela chave de ouro, pelo
“Era uma politicazinha engenho- q Vida vocabulário raro, especialmente em
sa de medíocres, de tacanhos, de per- Negro retinto, filho de escravos Broquéis (broquel era um tipo de es-
feitos imbecilizados ou cínicos, que alforriados, Cruz e Sousa foi educado cudo espartano, bem ao gosto parna-
faziam da Arte um jogo capcioso, na cidade natal, Desterro, atual Floria- siano de reviver objetos raros e an-
maneiroso, para arranjar relações e nópolis, Santa Catarina, como criança tigos).
prestígio no meio, de jeito a não branca, graças ao tutor, um marechal • Formação Filosófica e Cien-
ofender, a não fazer corar o diletantis- que o protegeu até a adolescência. tífica, Realista e Naturalista
mo das suas ideias (...)”. Ponto de companhia teatral, pu- No emprego de termos científi-
No Brasil, o Simbolismo foi “su- blica seus primeiros versos na impren- cos e na visão pessimista, combinada
focado” pelo prestígio que, entre nós, sa catarinense, e, em 1885, com Vir- com as imprecisões e musicalidades
gozou o Parnasianismo, cujos poe- gílio Várzea, Tropos e Fantasias, al- vagamente espiritualistas do Simbo-
tas, de mais fácil leitura e dóceis ao ternando páginas sentimentais e poe- lismo e com um individualismo
regime, gozavam de inequívoca pre- sias contra a escravidão, à maneira do neorromântico, na transfiguração de
ferência da elite “culta” dos salões condoreirismo de Castro Alves. seus impulsos pessoais.
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• Influência de Baudelaire • É comum identificarem-se em SIDERAÇÕES


A quem deve o domínio do poe- sua trajetória espiritual estes marcos Para as Estrelas de cristais gelados
ma em prosa, certo satanismo, o sen- bem definidos: As ânsias e os desejos vão subindo,
so dos contrastes e das correspon- 1 – a revolta contra a condição hu- Galgando azuis e siderais noivados
De nuvens brancas a amplidão vestindo...
dências (sinestesias), além do gosto mana, especialmente os negros, os (Cruz e Sousa)
pela forma lapidar. humilhados, os miseráveis (a dor de
• O culto da noite, o pendor pela ser homem); • O Emparedamento –
poesia filosófica e a tensão meditativa 2 – a busca da transcendência, A Dor e a Revolta
o aproximam de Antero de Quental. aceitação da dor (a dor e a glória de Em Faróis e Evocações, o esteticis-
• O professor Antonio Candido ser espírito). mo dos primeiros livros transforma-se
ressalta, como traço fundamental, a num lirismo trágico, tétrico, mórbido.
potência verbal de Cruz e Sousa, • A Obsessão do Branco Basta um inventário nos títulos
aproximando-o de Raul Pompeia e Roger Bastide, crítico e admirador para termos uma ideia do mundo que
Coelho Neto, e que terá como desdo- incondicional de Cruz e Sousa, localizou povoa estes poemas: “Tristeza do
bramento radical a poesia de Augusto em sua obra a aparição, por 169 vezes, Infinito”, “Sem Esperança”, “Cavei-
dos Anjos. de imagens apoiadas na cor branca e ra”, “A Flor do Diabo”, “Música da
Para essa potência verbal contri- em palavras associadas à área Morte”, “A Ironia dos Vermes”, “Con-
buem o verbalismo requintado e ora- semântica do branco, do brilho, da denado à Morte”, “Dor Negra”,
tório, o senso exaltado de melodia da transcendência (“lírio”, “linho”, “neve”, “Anjos Rebelados”, “No Inferno”,
palavra e o poder de criar imagens de “névoa”, “nuvem”, “luminoso”, “bri- “Talvez à Morte?”, “Abrindo
grande beleza que revestem a con- lhante”, “marfim”, “espuma”, “opa- Féretros”, “O Emparedado”, “Tédio”.
cepção trágica da vida e a busca da co”, “pérola”, entre outros exemplos). Segundo um crítico, “do ponto de
transcendência. Procurou-se uma explicação psi- vista da aceitação social, a biografia do
• Imbuído de alto fervor quanto à cológica para essa recorrência à cor preto Cruz e Sousa, poeta ‘maldito’, é
missão do poeta, é, a um só tempo, branca: seria uma forma compensató- o inverso da do mulato Machado de
poeta expressivo e construtivo, ria à negritude, que o poeta teria se Assis, que teve a sua carreira de escri-
harmonizando seus impulsos pes- recusado a assumir; um instrumento tor glorificada pelo poder cultural (...).
soais e a consciência estética dos de “clarificação”, de ascensão social. Considerando-se o ‘emparedado
procedimentos estilísticos adequados Essa interpretação tem sido refu- de uma raça’, Cruz e Sousa registrou
à expressão. É esse equilíbrio que faz tada. Ocorre que a cor branca, além em Evocações ‘a batalha formidável
de Cruz e Sousa, segundo Roger Bas- de simbolizar, na liturgia religiosa, a de um temperamento fatalizado pelo
tide, um dos três maiores nomes do pureza, a espiritualidade, é, de velha sangue’.
Simbolismo mundial. data, símbolo da ânsia de totalidade, Daí a aproximação com Baudelaire,
• A cosmovisão de Cruz e Sousa de transcendentalização, de supera- com a poesia enraizada no sangue e na
lembra o Barroco: o mundo terreno é ção da dor pela elevação espiritual, carne, a mesma que Augusto dos
um grande cárcere de dor e infortú- atitudes que o poeta assumiu com Anjos irá retomar pouco depois.”
nio; o homem, um ser oprimido, vil e fervor. Como místico excepcional, faz TÉDIO
desprezível. A única solução seria a da Dor motivo para a superação es-
fuga, a separação, a transcendentali- piritual, para a grandeza moral, para a Vala comum de corpos que apodrecem,
zação, a ascensão para outro mundo, purificação e o êxtase. Esverdeada gangrena
Cobrindo vastidões que fosforescem
espiritual, puro, etéreo, branco. Da Sobre a esfera terrena.
tensão “eu” versus “mundo” decorre ANTÍFONA
o emparedamento, a sensação aguda (...)
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
de que a existência é uma prisão. O De luares, de neves, de neblinas!... Mudas epilepsias, mudas, mudas,
próprio poeta autodefinia-se como o Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas... Mudas epilepsias,
Incensos dos turíbulos das aras... Masturbações mentais, fundas, agudas,
“grande triste”. (Cruz e Sousa) Negras nevrostenias1.

FLORES DA LUA Flores sangrentas do soturno vício


Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
Que as almas queima e morde...
De luares, de neves, de neblinas!... Brancuras imortais da Lua Nova,
Música estranha de letal suplício,
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas... Frios de nostalgia e sonolência...
Vago, mórbido acorde...
Incensos dos turíbulos das aras... Sonhos brancos da Lua e viva essência
(“Longe de Tudo”) Dos fantasmas noctívagos1 da Cova.
(...)
(Cruz e Sousa)
(Cruz e Sousa)
Vocabulário Vocabulário Vocabulário
1 – Sidéreo: celeste. 1 – Noctívago: que vagueia de noite. 1 – Nevrostenia: irritação dos nervos.

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• “Vê como a dor te transcen- q Apreciações críticas grosso modo. Em Broquéis é,


dentaliza” – A maturidade dos Transcrevemos, a seguir, algumas substancialmente, a dor de ser negro
Últimos Sonetos apreciações feitas pela crítica a res- que se exprime; em Faróis, a dor de
Se nos primeiros livros o sensualis- peito da obra de Cruz e Sousa: ser homem, o que já representa, com
mo forte, o desejo carnal, é diretamen- Três principais direções tomou a relação a Broquéis, um ponto muito
te estetizado (sem sublimação), com sua inspiração: a sondagem do mun- mais alto na escalada; em Últimos
os Últimos Sonetos é que o poeta ob-
do interior, donde arrancou a tragédia Sonetos, a dor, mas também a alegria
tém em maior grau a espiritualização
de todas as suas revoltas, de todos e a glória de ser espírito, de comungar
sublimatória da experiência dos senti-
os seus delírios (vejam-se, a título de com o eterno e heroicamente sobre-
dos. O eu lírico forceja por libertar-se
da carne. A caridade e a piedade exemplo, “Só”, “Emparedado”), mas voar os abismos e as sombras da po-
insinuam-se como o caminho de sal- também onde encontrou raios de fé, bre terrenalidade. Claro que se trata de
vação e conforto. Liberto dos apetites de esperança e de caridade (“Renas- simples esquematização, para efeitos
sensuais e sociais, o poeta se despoja, cimento”, “Assim Seja”); a visão da didáticos. (Tasso da Silveira, Cruz e
se humilha rendido, pondo-se nu existência no que esta oferece de es- Sousa)
diante do Mistério, cujo recesso petáculo trágico de dores, de misé- Dois aspectos são constantes na
almeja conhecer integralmente. rias, de injustiças, de vícios, de insani- obra de Cruz e Sousa: a tendência
Nessa etapa, a palavra e a subs- dade (“Crianças Negras”, “Vida formal (o grosso de suas composições
tância poética, o tecido expressivo, Obscura”, “Meu Filho”, “Acrobata da são sonetos) e a constante da atitude
fundem-se numa só entidade, reali- Dor”, “Lésbia”, “Tuberculosa”), des- mística, formada numa filosofia da vida
zando o ideal simbolista de explorar
graçadas sinas humanas que só a es- que se representa pelo esquema: vida
até o seu limite último o conteúdo se-
perança da libertação do espírito pode material — restrição do espírito (empa-
mântico e musical das palavras.
consolar (“Triunfo Supremo”); final- redamento); morte — libertação do
mente o sentido muito íntimo e inten- espírito. Essa atitude passa por três
SORRISO INTERIOR
samente lírico da realidade circun- fases, que coincidem com a
O ser que é ser e que jamais vacila dante (“Violões que Choram”, “Tris- cronologia de seus escritos: 1.a – em
Nas guerras imortais entra sem susto, te”). que a temática se prende à dolorosa
Leva consigo esse brasão augusto Possuído de inspiração por vezes contingência material do Homem;
Do grande amor, da grande fé tranquila. delirante, de capacidade invulgar de animam-na preocupações puramente
expressão, sobretudo para os ele- estéticas, que se refletem em
Os abismos carnais da triste argila
mentos plásticos dos seus delírios já atitudes escassamente humanizadas.
Ele os vence sem ânsias e sem custo...
Fica sereno, num sorriso justo, próximos do surrealismo, deu-nos uma A ela pertence Broquéis, com o
Enquanto tudo em derredor oscila. poesia que tem, a par de densidade e poema “Antífona”, verdadeira profis-
intensidade dramática, uma imagética são de fé simbolista (melopeia, poesia
Nessa mesma linha, você deve simbolista estranha e algumas vezes do inconsciente, tédio, ânsia); 2.a –
ler outros sonetos de Cruz e Sousa, preciosa e esotérica, o que sem tentativa de carrear para a poesia uma
tais como “Cárcere das Almas”, dúvida contribuiu para que viesse a experiência humana, menos inte-
“Assim Seja!” e “Alma das Almas”. ser poeta apenas de uma aristocracia lectualizada, entretanto negativista e
intelectual, se bem que seja, in- pessimista, muito semelhante à de
contestavelmente, um poeta autênti- Raimundo Correia, destacando-se a
co, dos maiores em língua ânsia de descobrir o absoluto (nirva-
portuguesa. (Antônio Soares Amora, na), a essência das coisas; 3.a – em que
História da Literatura Brasileira) aparece a sublimação da vivência
Pondo de parte os poemas iniciais humana, agora integralmente trans-
publicados ainda em Santa Catarina, e ferida para o campo da poesia, e se-
que não passam de simples guida de uma doação, onde os an-
aprendizagem, assim como os volu- seios cedem lugar à pregação do
mes de prosa do poeta, consideremos amor, numa mensagem de fé suprar-
apenas os volumes dos poemas dados racional, de um cristianismo incons-
a lume no Rio, alguns postumamente: ciente, valorizando, especialmente, a
Cruz e Sousa. Broquéis, Faróis, Últimos Sonetos, libertação do espírito, por meio da

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morte, de sua contingência material abolicionistas (“25 de Março”, Filho meu, de nome escrito
perecível, para que a Alma possa atin- “Escravocratas”, “Dilema”, “Auréola da minh’alma no Infinito.

gir as camadas do Absoluto e desco- Equatorial”, “Na Senzala”, “Dor Ne-


Escrito a estrelas e sangue
brir o “mistério de todas as coisas”. gra”). Poucos textos de protesto tur- no farol da lua langue...
(Naief Sáfady, Dicionário de Literatura) vam contudo a nitidez de Broquéis ou
Em que consiste a singularidade arranham o polimento de Faróis: a “Li- Das tuas asas serenas
da poesia de Cruz e Sousa? Andrade tania dos Pobres” (em que Alfredo faz manto para estas penas.
Murici, respeitável estudioso do Sim- Bosi sente traços de Blok, suponho
Dá-me a esmola de um carinho
bolismo brasileiro, se empenhou em que do Blok dos Doze):
como a luz de um claro vinho.
destruir ou ao menos atenuar o mito
Os miseráveis, os rotos
do poeta negro fechado em sua Com tua mão pequenina
são as flores dos esgotos.
alienada torre literária, surdo a qual- caminhos em flor me ensina.
quer reclamo racial e aos grandes pro- São espectros implacáveis ...
blemas (a Abolição) que ocorrem ao os rotos, os miseráveis Faz brotar nevados lírios
... das cruzes dos meus martírios.
seu redor e comovem todo o país; ou
São os grandes visionários
no máximo interessado neles so- Dá-me um sol de estranho brilho,
dos abismos tumultuários
mente em primeira pessoa, para fugir Flor das lágrimas, meu filho.
...
individualmente da sua própria con- Bandeiras rotas, sem nome
dição de negro: com o álibi do ódio das barricadas da fome. (...) Ao fechado, autossuficiente
universo do parnasiano, à estátua, ao
Ó meu ódio...
Meu ódio santo e puro, benfazejo, E a litania continua, em versos mármore, mas também à Distinção
orgulhoso com os seres sem Desejo, acoplados, como um cortejo de Breu- civil e ao sorriso, o simbolista Cruz e
sem Bondade, sem Fé... ghel, como uma marcha da fome de Sousa contrapõe o seu universo si-
Ódio são, ódio bom! sê meu escudo... um filme expressionista. Procedimen- nuoso, instável, inquietante, misterio-
tos expressionistas podem-se colher so, alucinante. Brumas, névoas, mar-
ou com a agulha do desejo sempre por toda parte. Baste a autobiográfica fins, pratas, crânios, lua, o beijo da
apontada para um “branco” que enche “Canção Negra”: múmia, “Lésbia nervosa, fascinante e
os seus versos de gelos, de “nuvens doente”. Mas também “o Cristo de
Ó boca em tromba retorcida
brancas”, de cândidas luas, fantasmas bronze do Pecado, ... o Cristo de
cuspindo injúrias para o Céu
de “brancuras vaporosas”, de “formas aberta e pútrida ferida bronze das luxúrias”; o Mistério, a
claras de luares, de neves, de em tudo pondo igual labéu, Morte, o Sonho, o Infinito, o Luar, a
neblinas”, de “brancas opulências, Formosura, a treva, o Inferno, o
brumais brancuras, fúlgidas brancuras, imagem barroca, selada com o dístico:
Tédio,
alvuras castas, virginais alvuras, bendita seja a negra boca
latescências das raras latescências”. Tédio que pões nas almas olvidadas
que tão malditas coisas diz!
ondulações de abismo...
Aquele mito, apoiado como é sobre
uma honesta estatística lexical, natu- Tanto em Broquéis como em Fa- e ondas, ondas, ondas:
ralmente resiste. Mas, para corrigir a róis se prolonga ainda o gosto parna-
Ondulação da vaporosa Iua
interpretação sociológica para a qual siano pelo soneto (fechado sempre
“o Simbolismo produzia exatamente o com magistral “chave de ouro”), pela ...
As sonoras
tipo de arte e de literatura que naquele rima rigorosa (quase irônica às vezes),
ondulações e brumas do Mistério
momento mais convinha aos manejos as quadras clássicas de decassílabos ...
da contrarrevolução” (Astrojildo alternados; mas os conteúdos e a Agora fundos, no ondular da poeira
Pereira), temos a seu lado, tímida, a sensibilidade são sem dúvida ...
realidade de um homem negro diferentes. Não descreve, mas suge- Ondula, ondeia, curioso e belo
...
crescido literariamente à sombra das re: com o som sobretudo. Rimas em
De ondulações fantásticas, brumosa
“Vozes d’África” e do Navio Negreiro fim de verso e rimas internas (das
...
de Castro Alves, diretor de um jornalzi- quais em seguida nascerá o milagre Trêmulo, triste, vaporoso, ondeante
nho ilustrado de título racialmente pro- desta prosa simbolista), aliterações, ...
vocativo (O Moleque, Desterro – 1885) assonâncias, reminiscências litúrgi- E o teu perfil oscila, treme, ondula, (...)
e autor de sonetos, poemas e prosas cas e hínicas: pelos abismos eternais circula,

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e chamas que rompem em fachos o q Obras além-túmulo ou na esfera transcen-


limbo branco cinza argênteo do cos- • Poesia dente. Daí o elogio da morte que se
mo: Kiriale (publicado somente em materializa numa simbologia fune-
1902) rária.
Não sei se é sonho ou realidade todo Setenário das Dores de Nossa A obsessão da morte não tem
esse acordar de chamas e de lodo Senhora (1899) em Alphonsus o caráter negativo de
Câmara Ardente (1899) horror, de fobia. Ela é desejada, an-
até o grito desesperado: Dona Mística (1899) siada, porque encarna a possibilidade
Pauvre Lire (1921) de aproximação da amada e/ou do
Por toda a parte escrito em fogo eterno
Pastoral aos Crentes do Amor e
Inferno! Inferno! Inferno! Inferno! Inferno!” Absoluto, representado por Deus,
(Luciana Stegagno Picchio, da Morte (1923)*
oferecendo-lhe o tão procurado apazi-
La Letteratura Brasiliana) Escada de Jacó (1938)*
guamento e a superação da vida, vista
Pulvis (1938)*
como miséria, pó, infâmia, lama e
3. Alphonsus de Guimaraens
podridão. Observe os fragmentos:
(1870-1921) • Prosa
Os Mendigos (1920)
q O Solitário de Mariana – (...)

O Trovador Enfermiço – • Tradução


Foi-lhe a vida um eterno mês de maio,
O Poeta Lunar Nova Primavera (de Heine) (1938)* Cheio de rezas brancas a Maria,
Afonso Henriques da Costa Gui-
Que ela vivera como num desmaio.
marães era o nome real do poeta. * publicações póstumas.
Perdeu, aos 18 anos, uma prima Tão branca assim! Fizera-se de cera...
— Constança — de quem se enamo- q O Amor e a Morte Sorriu-lhe Deus, e ela, que lhe sorria,
rara, e cuja presença é constante em Alphonsus de Guimaraens foi um Virgem voltou como do céu descera.
sua lírica. poeta monotemático. Quase tudo (“Pulchra ut Luna” —
que escreveu gravita em torno do expressão latina que pode ser
traduzida por “bela como a lua”.)
amor e da morte, da morte da
amada (a prima Constança) ou da
Virgem Maria, com quem esse ca- (...)
tólico mariano e devoto termina por
identificar a amada perdida. A lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
O tom lírico predominante é o
Entre lírios e pétalas de rosa.
elegíaco, perpassado pela tristeza
das cidades antigas de Minas, das Os meus sonhos de amor serão defuntos...
quais o verso plangente de Alphon- E os arcanjos dirão no azul, ao vê-la,
sus nunca destoou, com suas Pensando em mim: — “Por que não vieram
igrejas, catedrais, procissões, [juntos?”
réquiens, fins de tarde, flores roxas. (“Hão de Chorar por Ela os Cinamomos”)
Quando o fantasma da amada
morta assola o poeta, a morte se lhe
repropõe como a presença do corpo q A poesia mística –
morto, como o luto circunstante — os A lírica mariana
Alphonsus de Guimaraens. círios, o cantochão, o esquife, o Foi o maior poeta místico da Lite-
féretro, os panos roxos, o réquiem, o ratura Brasileira, não apenas pela par-
Cursou Direito em São Paulo e, sepultamento no campo santo, as
te diretamente referente à liturgia
formado, exerceu a magistratura em orações fúnebres. Kiriale é um dobre
católica e à exaltação da Virgem, mas
Mariana, Minas Gerais, isolado da agi- de finados, até pelos títulos dos poe-
também pela atmosfera de sonho e
tação dos grandes centros, com mas: “Luar sobre a Cruz da Tua Co-
va”, “À Meia-Noite”, “Ocaso – Im- mistério, pela tonalidade medieval,
catorze filhos, que sustentou a duras
penas. Burocrata, boêmio, levando pressões de Véspera de Finados”, pelo tom de ternura e melancolia.
uma vida pacata, “entre a rotina e a “Spectrum”, “Ossea Mea”. “O fato de ter transformado a reli-
quimera”, realizou uma poesia sem O platonismo místico conduz ao gião numa experiência profunda lhe
desníveis — das mais puras que a desalento do amor que não se cum- possibilitou não só adotar a moda
nossa lírica conheceu. priu e que jamais se cumprirá, salvo simbolista da poesia litúrgica, mas
82 –
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vivê-la interiormente, tornando-se o E como um anjo pendeu q Apreciações críticas


único a exprimir uma religiosidade As asas para voar... Antônio Soares Amora, em sua
Queria a lua do céu,
que não parece receita da escola.” História da Literatura Brasileira, assim
Queria a lua do mar...
(Antonio Candido) se refere a Alphonsus de
As asas que Deus lhe deu Guimaraens:
“No poeta mineiro, passadista e Ruflaram2 de par em par... Embora poeta de alta estirpe, não
decadente, há um homem preso às Sua alma subiu ao céu, conseguiu, em vida, fazer sentir toda
franjas de uma religiosidade espan- Seu corpo desceu ao mar... a significação literária da sua obra.
tada, cujo fim último é evocar o fan- (Pastoral dos Crentes Modernamente vem-lhe fazendo, a
do Amor e da Morte)
tasma da morte para reprimir os as- crítica, a justiça que merece. Simbo-
Vocabulário
saltos obsedantes dos três ‘inimigos lista desde as primeiras horas do
1 – Desvario: loucura. 2 – Ruflar: agitar-se.
da alma’: diabo, carne e mundo.” movimento, definiu, entre 1899/1902,
(Alfredo Bosi) A CATEDRAL com Setenário das Dores de Nossa
Senhora, Câmara Ardente, Dona Mís-
Entre brumas 1, ao longe, surge a aurora.
Como lírico religioso, es- O hialino2 orvalho aos poucos se evapora,
tica e Kiriale, os caminhos da sua
sencialmente mariano, coloca-se co- agoniza o arrebol3. inspiração dentro do movimento geral
mo um emotivo da religiosidade, A catedral ebúrnea4 do meu sonho de renovação da poesia brasileira: 1)
simples e devoto. Esse veio elegíaco aparece, na paz do céu risonho, lirismo amoroso de caráter espiri-
irá ramificar, no Modernismo, em toda branca de sol. tualista, ou mais precisamente, platô-
certas páginas de Manuel Bandeira, nico; o que significou, no seu caso, o
E o sino canta em lúgubres5 responsos6:
Ribeiro Couto, Henriqueta Lisboa e, regresso ao idealismo amoroso de
“Pobre Alphonsus, pobre Alphonsus!”
especialmente, em Cecília Meireles. Petrarca, de Camões, e de todos os
O astro glorioso7 segue a eterna estrada. medievais e clássicos do amor espiri-
Mãos que os lírios invejam, mãos eleitas Uma áurea seta lhe cintila8 em cada tualizado, o que, entretanto, não o
Para aliviar de Cristo os sofrimentos, refulgente raio de luz. impediu de ser original, e comovida-
Cujas veias azuis parecem feitas A catedral ebúrnea do meu sonho,
Da mesma essência astral dos óleos bentos:
mente sincero. Nesta atitude perante
onde os meus olhos tão cansados ponho,
a Mulher e o Amor, ditada por in-
recebe as bênçãos de Jesus.
Mãos de sonho e de crença, mãos afeitas fluências muito sugestivas do Sim-
A guiar do moribundo os passos lentos, E o sino clama em lúgubres responsos: bolismo europeu, mas também con-
E em séculos de fé, rosas desfeitas “Pobre Alphonsus, pobre Alphonsus!” dizente com o seu caráter e o seu
Em hinos sobre as torres dos conventos temperamento, pôde construir uma
(Setenário das Dores de Nossa Senhora) (...)
obra cheia de belezas, rica de emoção
O céu é todo trevas: o vento uiva. e muito significativa na história da
q Trabalhou com a mesma qualidade
as redondilhas medievais e as Do relâmpago a cabeleira ruiva nossa literatura (Kiriale, Dona Mística,
vem açoitar9 o rosto meu. Pastoral aos Crentes do Amor e da
formas e gêneros arcaicos da medida
E a catedral ebúrnea do meu sonho Morte); 2) lirismo religioso, impreg-
velha, bem como os decassílabos,
afunda-se no caos do céu medonho
em sonetos de grande expressividade. nado de intenso sentimento místico,
como um astro que já morreu.
comovido, docemente encantado
ISMÁLIA ante todas as belezas concebidas
E o sino geme em lúgubres responsos:
“Pobre Alphonsus, pobre Alphonsus!” pelo Cristianismo: as doçuras da vida
Quando Ismália enlouqueceu,
(Alphonsus de Guimaraens, piedosa e penitente; as inefáveis
Pôs-se na torre a sonhar...
in Pastoral dos Crentes do Amor e da Morte) delícias da vida celeste; o profundo e
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar. Vocabulário arrebatador sentido do simbolismo
1 – Bruma: nevoeiro. hierático, litúrgico e mortuário; a poe-
No sonho em que se perdeu, 2 – Hialino: transparente como o vidro. sia que envolve todas as manifes-
Banhou-se toda em luar... 3 – Arrebol: vermelhidão ao nascer do Sol. tações de Fé, e de culto aos mortos;
Queria subir ao céu, 4 – Ebúrneo: de marfim.
o profundo significado da vida de
Queria descer ao mar... 5 – Lúgubre: triste, fúnebre.
Nossa Senhora, plena de Virtudes,
6 – Responso: conjunto de versículos pronun-
E, no desvario1 seu, ciados ou cantados alternadamente. “Mater Dolorosa” (Setenário das Do-
Na torre pôs-se a cantar... 7 – Astro glorioso: o Sol. res de Nossa Senhora, Dona Mística,
Estava perto do céu, 8 – Cintilar: brilhar. Escada de Jacó); 3) evasão da vida,
Estava longe do mar... 9 – Açoitar: chicotear. da humana dor, fuga para o mundo
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encantado da fantasia, onde, e só isso, inovou ele os metros (...) É fato que há na poesia de Al-
onde, conseguiu realizar-se, ou como consagrados, alterando e deslocando phonsus de Guimaraens um aspecto
um “cavaleiro” da mística e amatória acentos, conferindo-lhes o tom musi- lúdico, de travesti intelectualístico (o
cavalaria medieval, ou como um cal que, juntamente com o voca- medievalista, o petrarquista, o ena-
“trovador” vagabundo, de cantigas de bulário tão peculiar, criam a nota que é morado da menina morta e, talvez, o
amor, ou, num extremo de desmateri- dele e só dele na poesia brasileira. poeta simbolista: um Alphonsus lu-
alização, como espírito puro a passear E Luciana S. Picchio (La tuoso que sorri de si mesmo nos ver-
e a viver num éden de supremas Letteratura Brasiliana): sos franceses, autodenominando-se,
belezas, de suprema felicidade (A Poesia de amor e poesia místico- com transparente calembour,
Escada de Jacó, Pulvis). religiosa da qual participa, como “Vicomte de Grandeuil”), que não foi
evocação, uma paisagem de meias- ainda suficientemente estudado.
Fernando Góes fez a seguinte tintas, enfumaçada de luz crepuscular Tendentes a construir um cliché
caracterização da poesia de Alphon- (não por acaso o Penumbrismo existencial, esquecemos por vezes
sus de Guimaraens (Pequeno Di- brasileiro terá raízes também na poe- que, como queria Fernando Pessoa
cionário de Literatura Brasileira): sia de Alphonsus) ou banhado de luar. “o poeta é um fingidor”, e despre-
A poesia de A. de G. é uma poe- A mulher amada aparece sobre o leito zamos certos aspectos de Alphonsus
sia de tons velados, poesia de música de morte com a marmórea rigidez, a que aparentemente contrastam com
de câmara, que o ambiente em que inexorável juventude de uma estátua
a sua máscara oficial: o republicano, o
viveu marcou profundamente, com as sepulcral:
poeta juvenil não ainda “castigado”:
procissões, as igrejas, a vida devota,
os sinos tocando de manhã à noite. Mãos de finada, aquelas mãos de neve,
de tons marfíneos, de ossatura rica, Ó minha amante, eu quero a volúpia
Poesia elegíaca, em que a lembrança
pairando no ar, num gesto brando e leve, [vermelha
da noiva que ele perdeu na mocidade dos teus beijos febris receber sobre a
que parece ordenar, mas que suplica ...
está presente dando um tom de [boca...
amargurada tristeza. O vocabulário ou:
utilizado casa-se bem a essa
Hirta e branca... Repousa a sua áurea cabeça o autor de versos satânicos que são o
sensibilidade e são frequentes as
Numa almofada de cetim bordada em lírios. reverso da medalha angélica e funé-
referências a flores roxas, a violetas, a Ei-la morta afinal como quem adormeça rea, e também o Alphonsus que se
virgens mortas, a fins de tarde. Tinha Aqui para sofrer Além novos martírios.
compraz em escrever — sem todavia
também o gosto de criar vocábulos,
assiná-los — versos facetos em jor-
tão em voga entre os simbolistas, ao De mãos postas, num sonho ausente, a
naizinhos das cidades mortas que o
mesmo tempo que a influência de [sombra espessa
hospedaram: Mariana, Conceição do
língua arcaica, o que o fez arcaizar o Do seu corpo escurece a luz dos quatro círios:
Ela faz-me pensar numa ancestral Serro.
próprio nome. A redondilha foi um dos
metros que preferiu, e o soneto Condessa Da Idade Média, morta em
[sagrados delírios,
decassílabo o que mais utilizou, Acrescente-se à lista de L. S.
dando-lhe, entretanto, uma caracte- Picchio mais um aspecto da obra de
ou, com insistência sobre o tema da
rística própria, um módulo todo pes- Alphonsus de Guimaraens que a crí-
castelã morta:
soal. Verlaine e Mallarmé foram seus tica tem descurado: a reflexão meta-
mestres, do primeiro traduzindo A suave castelã das horas mortas linguística, a poesia que tematiza o
belamente alguns poemas, ao segun- Assoma à torre do castelo. As portas,
próprio fazer poético, utilizando-se de
Que o rubro ocaso em onda ensanguentara,
do dedicando um dos seus sonetos um símbolo que remete à ave célebre
Brilham do luar à Luz celeste e clara,
em francês, em que confessa o que de Edgar Allan Poe: trata-se de um
lhe deve. Poesia pouco descritiva, que ou ainda: poema estranho e único na obra do
consegue muito mais sugerir do que Solitário de Mariana, “A Cabeça de
Quando as folhas caírem e tu fores
dizer, a música tem, nela, grande Procurar minha luz no campo-santo, Corvo” (poema que se encontra
importância: os versos de A. de G. são Hás de encontrá-la, meu amor, num canto, transcrito no capítulo sobre o
finamente melodiosos. Para alcançar Circundada de flores. Simbolismo, no livro 4).

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Morfologia e Redação FRENTE 4

MÓDULO 11 Acentuação Gráfica

1. INTRODUÇÃO ❑ Oxítonos

As palavras, quando são pronunciadas, apresentam Palavras cuja sílaba tônica é a última:
uma sílaba emitida com maior intensidade sonora e
sílaba(s) emitida(s) com menor intensidade sonora. As
que apresentam maior intensidade na pronúncia – acarajé; Salomé; marajá; dendê; urutu; juruti
chamam-se tônicas e as que têm menor intensidade
chamam-se átonas.

• Sílaba tônica é a que se emite com maior intensi-


dade. ❑ Paroxítonos

• Sílaba átona é a que se emite com menor intensi- Palavras cuja sílaba tônica é a penúltima:
dade.

Exemplificando
– janela; telefone; parede; porta; agenda; repórter

átonas: pa - le
– paletó
tônica: tó
❑ Proparoxítonos
átonas: pa - to
– palito Palavras cuja sílaba tônica é a antepenúltima:
tônica: li

átonas: li - do
– pálido – paralelepípedo; eólico; exército; bávaro
tônica: pá

2. CLASSIFICAÇÃO DAS PALAVRAS


3. REGRAS DE ACENTUAÇÃO GRÁFICA
QUANTO À POSIÇÃO DA SÍLABA TÔNICA

❑ Monossílabos ❑ Monossílabos tônicos


Acentuam-se apenas os terminados por a(s), e(s),
a) átonos: uma única sílaba com pronúncia fraca: o(s). Também seguem essa regra as formas verbais
monossilábicas no infinitivo, quando seguidas dos
pronomes átonos: lo(s), la(s).
– me; se; lhe; mas
Exemplificando

b) tônicos: uma única sílaba com pronúncia forte:


– pá, pás – lê, lês – dá-lo

– sol; mar; tu; nós – pé, pés – nó, nós – pô-lo

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❑ Oxítonos
– ditongos seguidos ou não de s
Acentuam-se apenas os terminados por a(s), e(s),
o(s), em, ens. Também seguem essa regra as formas
verbais oxítonas no infinitivo, quando seguidas dos Exemplificando
pronomes átonos: lo(s), la(s).
– glória, histórias
Exemplificando – tênue, vácuos
– remédio, próprios
– série, cáries
– guaraná, guaranás – armazém, armazéns
– jérsei, úteis
– você, vocês – criticá-lo
– até, através – vendê-lo
– avô, avôs – compô-lo
Nota
Não se usa o acento circunflexo nas palavras termi-
❑ Paroxítonos
nadas em oo(s) .
Acentuam-se apenas os terminados por:

– R , X , N , L , PS Exemplificando

Exemplificando – perdoo; magoo; voo; voos

– açúcar, câncer ❑ Proparoxítonos


– tórax, sílex
– pólen, hífen (no entanto, no plural não são
acentuados: polens, hifens) – Acentuam-se todos os da língua portuguesa.
– útil, agradável
– bíceps, fórceps
Exemplificando

– I(s) , U(s) – crisântemo; lúdico; míope; ínterim; álibi;


Niágara; Lúcifer

Exemplificando

4. São acentuados os ditongos orais abertos éi ,


– júri, dândi
éu , ói seguidos ou não de s , nas palavras
– lápis, oásis
– meinácu (= índio do Xingu) oxítonas.
– vírus, lótus
Exemplificando

– Ã(s) , ÃO(s) , ONS , UM , UNS


– papéis – réu, céus – herói, lençóis
Exemplificando

Nota
– órfã, órfãs – elétrons, prótons Não se usa o acento nos ditongos abertos tônicos
– bênção, bênçãos – álbum, álbuns ei e oi de palavras paroxítonas.

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Exemplificando 7. TREMA
O trema (¨) é usado somente nas palavras estran-
geiras e em suas derivadas.
– ideia, colmeia.
– heroico
Exemplificando
5. São acentuados i e u tônicos, seguidos ou
não de s , quando eles formarem hiato com a – Müller, mülleriano
vogal anterior. – Hübner, hübneriano

Exemplificando Nota
Não receberá acento agudo ( ) o u dos grupos
– saída, faísca – baú, balaústre gua , gue , gui , guo , que , qui , seguidos ou

não de s , quando esse u for pronunciado e tônico.

6. São acentuadas as oxítonas com i e u na


posição final depois de um ditongo. Exemplificando

Exemplificando – que eu averigue (= a - ve - ri - gu - e)


– que tu averigues (= a - ve - ri - gu - es)
– Piauí, tuiuiú – ele argui (= ar - gu - i)
– tu arguis (= ar - gu - is)

Notas – que eu oblique (= obli - qu - e)


a) Caso i e u nos hiatos não estiverem isola- – que tu obliques (= o - bli - qu - es)

dos ou seguidos de nh na sílaba posterior a eles, não


serão acentuados. 8. ACENTO DIFERENCIAL

Exemplificando Ainda é mantido em:

– ruim (= ru - im) ≠ { ás (substantivo)


as (artigo definido feminino plural)
– Raul (= Ra - ul)
– ainda (= a - in - da) pôde (terceira pessoa do singular do pretérito


sair (= sa - ir)
raiz (= ra - iz) → porém: raízes (ra- í -zes)

isolado

{ do indicativo)
pode (terceira pessoa do singular do presente
do indicativo)

– ventoinha (= ven - to - i - nha) pôr (verbo, faz parte do composto pôr-do-sol;

b) Não se acentuam i e u tônicos que



{ seus derivados não são acentuados no infinitivo:
repor, supor, dispor, decompor, sotopor etc.)
por (preposição)
aparecem depois de um ditongo em palavras paro-
xítonas. ≠ { porquê (substantivo)
porque (conjunção)

Exemplificando quê (substantivo: interjeição, pronome em final de

– baiuca, feiura.

{ frase)
que (pronome, advérbio, conjunção ou partícula
expletiva)

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Nota 3. Os elementos de palavras compostas, com hífen,


No caso da palavra forma, o uso do acento devem ser analisados e acentuados, se for o caso,
separadamente.
diferencial é facultativo, para conferir clareza à frase.
Exemplificando

Observações Complementares

– cana-de-açúcar
1. Observe que os verbos crer , dar , ler , – pé-de-meia
ver e seus derivados dobram o e na terceira – água-viva

pessoa do plural e perdem o acento: – arraia-miúda

ele crê ele descrê


{ eles creem { eles descreem 4. As palavras com letras maiúsculas devem receber
normalmente o acento gráfico.

que ele dê que ele redê


{ que eles deem { que eles redeem
Exemplificando

ele lê ele relê CRISE NO COMÉRCIO ATINGE SEU PONTO


{ eles leem { eles releem
MÁXIMO

ele vê ele prevê


{ eles veem { eles preveem 5. As palavras compostas cujos elementos estão
justapostos são acentuadas de acordo com as regras
gerais e específicas.
Observe que os verbos ter e vir recebem
Exemplificando
acento na 3.a pessoa do plural do Presente do Indicativo
e que seus derivados recebem acento agudo no singular
e acento circunflexo no plural.
– agrotóxico
– geógrafo
– arranha-céu
{ ele vem
eles vêm
ele intervém
{ eles intervêm

{ ele tem
eles têm { ele mantém
eles mantêm
6. As abreviaturas devem ser acentuadas quando o
acento gráfico ocorrer antes do ponto abreviativo.

2. Os nomes próprios devem ser acentuados de


acordo com as regras de acentuação gráfica. Exemplificando

Exemplificando
– técnicas → téc.
– páginas → pág.
Cláudia, Luísa, Júnior, Antônio, César, Estêvão,
Anhangabaú, Paraná etc. – século → séc.

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MÓDULO 12 Interpretação de Tema

justificativas, devem apresentar exemplos da história


passada ou atual para melhor fundamentar o ponto de
vista de quem escreve. A conclusão deve arrematar as
ideias discutidas ao longo do texto ou retomar a tese.

Use os dotes que tiver: os bosques seriam muito


silenciosos se neles só cantassem as aves que
cantam melhor.
(Henry Van Dyke)

Para interpretar a conotação do trecho acima, que


poderia ser um tema de vestibular, precisamos
decodificar a mensagem, estabelecendo determinadas
relações:

1º)“Use os dotes que tiver” é um apelo para que se


utilizem os dons natos, o talento que todos têm, em
algum grau, para alguma atividade;

2º)“os bosques seriam muito silenciosos se neles


só cantassem as aves que cantam melhor”:
compreende-se que todos devem fazer uso do seu
canto para que haja música no bosque, ou seja, se cada
um colaborar com sua parcela de talento, o resultado
Alguns vestibulares, a Fuvest por exemplo, apre- final será mais rico e mais belo.
sentam uma proposta de redação que precisa ser inter- Dessa forma, sintetizando as relações apontadas,
pretada. A determinação do tema é decisiva, pois a teremos:
correção de textos cujo tema exige interpretação leva – cada um é talentoso do seu jeito e, para que se
em conta principalmente itens como adequação ao obtenha o melhor resultado, todos devem fazer uso do
tema proposto (o que depende do entendimento talento que têm.
adequado do tema), coerência (ideias distribuídas em
progressão — sem repetições, sem circularidade de
ideias) e coesão (elementos de coesão — advérbio, Temos então, para elaborar uma dissertação, a
conjunções e preposições — usados convenientemente seguinte discussão: a variedade de talentos, habili-
para encadear frases, orações, períodos e parágrafos). dades e aptidões promove o equilíbrio nas relações
Tais itens têm peso 2, enquanto gramática e sociais, econômicas, institucionais, educacionais
informatividade (repertório de conhecimentos e etc.
informações utilizado) recebem peso 1.
O que se espera do candidato, quando a proposta Esse tema, portanto, pode ser reduzido ao ditado
induz a interpretar e delimitar o tema, é que ele “uma andorinha só não faz verão”, considerando-se que
demonstre capacidade para discorrer sobre assuntos toda andorinha tem o seu canto, o seu talento, e que o
abstratos (o individualismo, o misticismo, a amizade bom resultado coletivo (o verão) depende da
etc.) com desenvoltura. Para tanto, a tese deve ser colaboração de todas as andorinhas, cada qual dentro
genérica. Os parágrafos argumentativos, além de das suas possibilidades.

conotação ou linguagem conotativa: a palavra assume decodificar: decifrar, traduzir, esclarecer, interpretar.
sentido figurado, adquirindo significados diferentes daqueles sintetizando: resumindo.
encontrados no dicionário.

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MÓDULO 13 Ortografia e Emprego do Porquê

A palavra ortografia é formada por dois radicais 3. Os verbos dizer , fazer e trazer , por apresen-
gregos: orto (= correto) e grafia (= escrita).
tarem Z no seu infinitivo, são grafados com Z
Embora não possamos sistematizar o estudo de durante a sua conjugação.
ortografia como foi feito na acentuação gráfica, podemos
estabelecer algumas regras práticas para facilitar a Exemplos
escrita de certas palavras.
– ele diz, eu dizia
1. O SUFIXO IZAR
– eu fiz, ele fez

Esse sufixo grafa-se com Z quando auxilia a – ele traz, ele trazia
formar verbos, a partir de substantivos e adjetivos.

Exemplos 4. OS SUFIXOS ES E ESA

– canal + izar = canalizar Esses sufixos são grafados com S quando eles
– capital + izar = capitalizar denotam origem, nacionalidade, títulos de nobreza.
– suave + izar = suavizar Exemplos
– atual + izar = atualizar
– burguês, burguesa
– inglês, inglesa
Porém, alguns verbos são formados pelo sufixo AR ,
– marquês, marquesa
o qual é somado a uma palavra que já apresenta S .

Exemplos
5. O SUFIXO ISA

– friso + ar = frisar Esse sufixo é grafado com S quando ele ajuda a


– improviso + ar = improvisar formar o feminino de certas palavras.

– pesquisa + ar = pesquisar Exemplos


– catálise + ar = catalisar
– papa → papisa
– diácono → diaconisa

2. OS SUFIXOS EZ E EZA – profeta → profetisa

Esses sufixos são grafados com Z quando eles


ajudam a formar substantivos, a partir de adjetivos. 6. O SUFIXO OSO

Esse sufixo é grafado com S quando indica cheio


Exemplos
de, pleno de.

– pálido + ez = palidez Exemplos


– escasso + ez = escassez
– apetite + oso = apetitoso
– grande + eza = grandeza
– jeito + oso = jeitoso
– pobre + eza = pobreza
– maneira + oso = maneiroso
– alto + eza = alteza

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Porém, os verbos pôr ; querer e usar , por 9. Após a inicial EN , é usado X .


não apresentarem Z no seu infinitivo, são grafados
Exemplos
sempre com S .

– enxada
Exemplos
– enxoval
– eu pus, quando eu puser, se eu pusesse
– enxugar
– eu quis, quando eu quiser, se eu quisesse
– eu usei, quando eu usar, se eu usasse – enxurrada
– enxuto

7. Os verbos terminados por AIR , UIR e OER


Porém, há exceções para essa regra.
são grafados com I .
Quando houver a inicial EN , se a palavra for
Exemplos derivada de outra iniciada por CH , prevalece o CH .

Exemplos
– atrair na segunda e terceira pessoa do
presente do indicativo: tu atrais, ele atrai – encharcar (charco)
– encher (cheio)
– possuir na segunda e terceira pessoa do – enchente (cheio)
presente do indicativo: tu possuis, ele possui – enchouriçar (chouriço)

– corroer na segunda e terceira pessoa do


presente do indicativo: tu corróis, ele corrói 10.Há muitas palavras em que o fonema / z / é represen-
tado pela letra X .

Exemplos
Porém, os verbos terminados por UAR são grafa-
E . – exalar
dos, no presente do subjuntivo, com
– executar
Exemplos – exequível
– exótico
– continuar: que eu continue, que tu – inexorável
continues... – exorbitar

– atuar: que eu atue, que tu atues...

11. A letra X , por sua vez, pode representar diversos


fonemas; ela também representa, em alguns casos, dois
8. Após ditongo , é usado X .
fonemas / ks /.
Exemplos
Exemplos

– baixo – amplexo
– frouxo – clímax
– fixo
– peixe
– nexo
– queixa – paradoxo

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12. O G é usado nos substantivos terminados por Exemplos:


agem , igem , ugem .
O túnel por que deveríamos passar desabou ontem.
Os motivos por que não veio são desconhecidos.
Exemplos

POR QUÊ
– aragem
– barragem
1. Final de frase ou seguido de pontuação.
– fuligem
– vertigem
Exemplos:
– ferrugem
– rabugem
— Você ainda tem coragem de perguntar por quê?
— Não sei por quê!
Eles condenam, gostaria de saber por quê, o compor-
13. O G também é usado nas palavras terminadas tamento dela.
em ágio , égio , ígio , ógio , úgio .
PORQUE
Exemplos
1. Conjunção indicando explicação ou causa, equiva-
lendo a pois, já que, uma vez que, como.
– presságio
– colégio
Exemplos:
– prestígio
– necrológio
Volte durante o dia, porque a estrada é muito ruim.
– refúgio
A situação agravou-se porque ninguém reclamou.
Porque ele sempre se atrasa, ninguém mais o espera.
2. Conjunção indicando finalidade, equivalendo a para
que, a fim de.
Emprego do Porquê
Exemplo:

POR QUE “— Não julgues porque não te julguem.”

1. Oração interrogativa com preposição (por) e um PORQUÊ


pronome interrogativo (que); pode ser substituído
por qual motivo ou por qual razão. – Substantivo, sendo acompanhado de palavra deter-
minante (artigo ou pronome).
Exemplos:
Exemplos:
— Por que devemos nos preocupar com o meio
ambiente? Não é fácil encontrar o porquê de toda essa confusão.
Não é fácil saber por que a situação persiste em não — Dê-me ao menos um porquê para sua atitude.
melhorar.
Não sei por que você se comportou daquela maneira. AONDE

2. Preposição (por) e pronome relativo (que); equiva- – Indica ideia de movimento ou aproximação, é usado
lendo a pelo qual. com verbos de movimento.

92 –
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Exemplos: Exemplos:

— Aonde você vai? Tomara que chova, senão estaremos arruinados.


— Aonde você quer chegar com essas ideias? Estude, senão será reprovado.
Ninguém sabe aonde se dirigir para retirar os ingressos.

3. Conjunção aditiva: pode ser substituído por (não


ONDE
só...) mas sim, (não apenas...) mas também.

– Indica o lugar em que se está ou em que se passa


algum fato, é usado, normalmente, com verbos que Exemplos:
exprimem estado ou permanência.
Ele não era só conhecido dos amigos, senão de todo o
Exemplos: bairro.
Agora não falará apenas por uma rede de TV, senão por
— Onde você está? todas as emissoras.
— Onde você vai ficar nas próximas férias?
Discrimine os locais onde as tropas permaneceram
estacionadas. 4. Conjunção adversativa: pode ser substituído por
mas, porém.
SE NÃO
Exemplos:
Quando o se tem função específica, pode-se retirar a
negação (não) que o valor do se não se altera.
Ninguém ama o que deve, senão o que deseja.
Não fez isso para irritá-lo, senão para adverti-lo.
Exemplos:

1. Conjunção integrante: Perguntou se não iria à festa. 5. Substantivo: pode ser substituído por falha, defeito,
2. Conjunção condicional: Falarei se não chegarem mácula, obstáculo.
agora. (caso)
3. Pronome apassivador: Há coisas que se não dizem. Exemplos:
4. Índice de indeterminação do sujeito: Lugares onde
não se vive.
Só tinha um senão: falava demais.
Não há beleza sem algum senão.
SENÃO

1. Preposição: pode ser substituído por com exceção HÁ, A


de, exceto, salvo, a não ser.

1. Há indica tempo passado e pode ser substituído por


Exemplos: faz.

Marcos jamais amou outra pessoa, senão a mim.


Exemplos:
Não faz outra coisa, senão reclamar.
Não tinha outros parentes, senão a eles.
Há cinco minutos eles chegaram.
2. Conjunção alternativa: pode ser substituído por ou, Elas se encontraram há pouco.
de outro modo, do contrário. As eleições ocorreram há três meses.

– 93
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Observações: Exemplos:

a) Usa-se havia quando equivale a fazia. Ele não é mau aluno.


Escolheste um mau momento.
Exemplos: Ele tem um coração mau.

Havia quase dois anos que não o encontrava. MAL


Estava sem dormir havia três meses.
1. Advérbio e significa irregularmente, erradamente,
O lugar parecia abandonado havia anos.
de forma inconveniente ou desagradável. Opõe-
se a bem.
b) O uso de há rejeita atrás quando se refere a tempo,
pois o emprego dos dois numa mesma frase é
Exemplos:
redundante (pleonástico).
Era previsível que ele se comportaria mal.
Exemplos: Os atletas jogaram mal.
Falou mal de você embora não estivesse mal-
Há dois anos estive em Brasília. intencionado.
Dois anos atrás, estive em Brasília.
2. Conjunção temporal, equivalendo a quando, assim
2. A exprime distância ou tempo futuro.
que, no momento em que.

Exemplos:
Exemplos:

Daqui a três anos, ele estará se formando. Mal cheguei, vi que ela estava triste.
De hoje a três dias, esgota-se o prazo para o pagamento. Mal começou a chover, ele saiu.
O atirador estava a cinco metros de distância.
A cidade mais próxima fica a cem quilômetros. 3. Substantivo, sendo acompanhado de palavra deter-
minante (artigo ou pronome).
MAU
Exemplos:
– É adjetivo e significa “ruim, de má índole, de má
qualidade”. Opõe-se a bom e apresenta a forma Isto é um mal necessário.
feminina má. O mal é que ninguém tomou nenhuma atitude.

94 –
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MÓDULO 14 Níveis de Linguagem

1. LÍNGUA E LINGUAGEM trutura da língua, que só as incorpora nifesta na conversação diária, na sen-
muito lentamente, depois de aceitas sibilidade e na liberdade de expressão
Língua é um sistema de códigos por todo o grupo social. Muitas novi- do falante. Nessas situações
usado para facilitar o entendimento dades criadas na linguagem não vin- informais, muitas regras determina-
entre os elementos de um grupo so- gam na língua e caem em desuso. das pela língua padrão são quebradas
cial. Por isso, a língua é uniforme e em nome da naturalidade, da
visa a padronizar a linguagem. 2. LÍNGUA ESCRITA liberdade de expressão e da sensibili-
A linguagem, porém, é individual E LÍNGUA FALADA dade estilística do falante.
e flexível e pode variar dependendo Sob o impacto do cinema, do rá-
da idade, cultura, posição social, A língua escrita não é a simples dio, da televisão, das histórias em
profissão etc. A maneira de articular reprodução gráfica da língua falada, quadrinhos e do computador, a língua
as palavras, organizá-las na frase, no porque os sinais gráficos não conse- escrita tende a ser direta, sintética,
texto, determina nossa linguagem, guem registrar grande parte dos ele- despojada, eficaz. A língua falada, por
nosso estilo (forma de expressão pes- mentos da fala, como o timbre da sua vez, ganha um espaço
soal). voz, a entonação, e ainda os gestos e privilegiado nesta época em que pre-
As inovações linguísticas, criadas a expressão facial. Na realidade a lín- dominam os meios de comunicação
pelo falante, provocam, com o de- gua falada é mais descontraída, es- audiovisual.
correr do tempo, mudanças na es- pontânea e informal, porque se ma-

– 95
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3. LINGUAGEM POPULAR e caracteriza-se pela obediência às “viajar na maionese”, “delirar na goia-


E LINGUAGEM CULTA normas gramaticais. Mais comumen- bada”, “pirar na batatinha”, “galera”,
te usada na linguagem escrita e lite- “mina”, “chuchuzinho”, “tipo as-
A língua falada e a escrita podem rária, reflete prestígio social e cultural. sim”.
valer-se tanto da linguagem popular É mais artificial, mais estável, menos
quanto da linguagem culta. Obvia- sujeita a variações. Está presente nas
mente a linguagem popular é mais aulas, conferências, sermões, discur-
Primeiro, ela pinta como quem
usada na fala, nas expressões orais sos políticos, comunicações científi-
cotidianas. Porém, nada impede que não quer nada. Chega na moral,
cas, noticiários de TV, programas
ela esteja presente em poesias (o dando uma de Migué, e acaba
culturais etc.
Movimento Modernista Brasileiro caindo na boca do povo. Depois
procurou valorizar a linguagem po- desbaratina, vira lero-lero, sai de
4. GÍRIA
pular), contos, crônicas e romances fininho e some. Mas, às vezes, vol-
em que o diálogo é usado para repre- ta arrebentando, sem o menor
Segundo Mattoso Câmara Júnior,
sentar a língua falada. aviso. Afinal, qual é a da gíria?
“estilo literário e gíria são, em ver-
dade, dois polos da Estilística, pois gí-
(Cássio Schubsky,
ria não é a linguagem popular, como
❑ A Linguagem Popular Superinteressante)
pensam alguns, mas apenas um
ou Coloquial
estilo que se integra à língua po-
É aquela usada espontânea e
pular”. Tanto que nem todas as pes-
fluentemente pelo povo. Mostra-se
soas que se exprimem através da lin-
quase sempre rebelde à norma gra- 5. LINGUAGEM VULGAR
guagem popular usam gíria.
matical e é carregada de vícios de
A gíria relaciona-se ao cotidiano
linguagem (solecismo – erros de Existe uma linguagem vulgar, se-
de certos grupos sociais “que vivem
regência e concordância; barbarismo gundo Dino Preti, “ligada aos grupos
à margem das classes dominantes:
– erros de pronúncia, grafia e flexão; extremamente incultos, aos analfa-
os estudantes, esportistas, prostitu-
ambiguidade; cacofonia; pleonasmo), betos”, aos que têm pouco ou ne-
tas, ladrões” (Dino Preti) como arma
expressões vulgares, gírias e prefe- nhum contato com centros civili-
de defesa contra as classes dominan-
rência pela coordenação, que ressalta zados. Na linguagem vulgar multi-
tes. Esses grupos utilizam a gíria
o caráter oral e popular da língua. A plicam-se estruturas com “nóis vai,
como meio de expressão do cotidia-
linguagem popular está presente nas ele fica”, “eu di um beijo nela”,
no, para que as mensagens sejam de-
conversas familiares ou entre amigos, “Vamo i no mercado”.
codificadas apenas por eles mesmos.
anedotas, irradiação de esportes, pro-
Assim a gíria é criada por deter-
gramas de TV e auditório, novelas, na
minados grupos que divulgam o pa-
expressão dos estados emocionais
lavreado para outros grupos até 6. LINGUAGEM REGIONAL
etc.
chegar à mídia. Os meios de comu-
nicação de massa, como a televisão e Regionalismos ou falares locais
❑ A Linguagem Culta o rádio, propagam os novos vocá- são variações geográficas do uso da
ou Padrão bulos, às vezes, também inventam língua padrão, quanto às construções
É aquela ensinada nas escolas e alguns. A gíria que circula pode acabar gramaticais e empregos de certas
serve de veículo às ciências em que incorporada pela língua oficial, palavras e expressões. Há, no Brasil,
se apresenta com terminologia es- permanecer no vocabulário de peque- por exemplo, os falares amazônico,
pecial. É usada pelas pessoas ins- nos grupos ou cair em desuso. nordestino, baiano, fluminense,
truídas das diferentes classes sociais Ex.: “chutar o pau da barraca”, mineiro, sulino.

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Ex.: falar gaúcho. Ex.: falar caipira.

Pues, diz que o divã no consultório do analista de Aos dezoito anos pai Norato deu uma facada
Bagé é forrado com um pelego. Ele recebe os num rapaz, num adjutório, e abriu o pé no mundo.
pacientes de bombacha e pé no chão. Nunca mais ninguém botou os olhos em riba dele,
— Buenas. Vá entrando e se abanque, índio afora o afilhado.
velho. — Padrinho, evim cá chamá o sinhô pra mode i
— O senhor quer que eu deite logo no divã? morá mais eu.
— Bom, se o amigo quiser dançar uma marcha, — Quá, fio, esse caco de gente num sai daqui
antes, esteja a gosto. Mas eu prefiro ver o vivente mais não.
estendido e charlando que nem china da fronteira, — Bamo. Buli gente num bole, mais bicho... O
pra não perder tempo nem dinheiro. sinhô anda perrengado...

(Luis Fernando Verissimo, (Bernardo Élis,


O Analista de Bagé) Pai Norato)

PAPOS

— Me disseram... corrigir-me. — Esquece.


— Disseram-me. — É para o seu bem. — Não. Como “esquece”?
— Hein? — Dispenso as suas corre- Você prefere falar errado? E o certo
— O correto é “disseram-me”. ções. Vê se esquece-me. Falo é “esquece” ou “esqueça”?
Não “me disseram”. como bem entender. Mais uma Ilumine-me. Mo diga. Ensine-lo-
— Eu falo como quero. E te correção e eu... me, vamos.
digo mais... Ou é “digo-te”? — O quê? — Depende.
— O quê? — O mato. — Depende. Perfeito. Não o
— Digo-te que você... — Que mato? sabes. Ensinar-me-lo-ias se o
— O “te” e o “você” não com- — Mato-o. Mato-lhe. Mato soubesses, mas não sabe-o.
binam. você. Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem? — Está bem, está bem. Des-
— Lhe digo? — Eu só estava querendo... culpe. Fale como quiser.
— Também não. O que você ia — Pois esqueça-o e pára-te. — Agradeço-lhe a permissão
me dizer? Pronome no lugar certo é elitismo! para falar errado que mas dás. Mas
— Que você está sendo gros- — Se você prefere falar não posso dizer-lo-te o que dizer-
seiro, pedante e chato. E que eu errado... te-ia.
vou te partir a cara. Lhe partir a — Falo como todo mundo fala. — Por quê?
cara. Partir a sua cara. Como é que O importante é me entenderem. — Porque, com todo este pa-
se diz? Ou entenderem-me? po, esqueci-lo.
— Partir-te a cara. — No caso... não sei.
— Pois é. Partila-hei de, se — Ah, não sabe? Não o sabes? (Luis Fernando Verissimo)
você não parar de me corrigir. Ou Sabes-lo não?

– 97
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MÓDULO 15 Verbos I

1. Definição 3. Tempos verbais


São três:

Verbo é a palavra que, exprimindo ação ou apre- q Presente


sentando estado ou mudança de um estado a outro, • Em referência a fatos que se passam no momen-
pode fazer indicação de pessoa, tempo, modo e voz. to em que falamos:
(Evanildo Bechara) O que você faz aqui a esta hora da noite? Estou cor-
rigindo os exercícios.
Gritei é uma forma verbal, porque exprime a ação de • O presente pode indicar, também, uma verdade
gritar (referência à voz), exercida pela 1ª pessoa geral (Dois mais dois são quatro), sendo comum em
(referência à pessoa) do singular (referência ao número) expressões proverbiais. Trata-se do presente durativo ou
do Pretérito Perfeito (referência ao tempo) do Indi- universal:
cativo (referência ao modo). Devagar se vai ao longe. Quem tudo quer, tudo perde.

• Também pode indicar uma ação praticada regular-


mente, um hábito. Trata-se do presente frequentativo:
2. Introdução aos verbos
Lavo a calçada no domingo, depois do almoço.

q Conjugação • É comum, na linguagem do dia a dia, empregar-


mos o presente ao invés do futuro para indicar a rea-
São três:
lização próxima de uma ação:
1ª conjugação: AR (amar) Amanhã passo na sua casa.

• Muito comum nas manchetes dos jornais e em


2ª conjugação: ER (vender)
narrativas históricas é o emprego do presente para narrar
fato já ocorrido. Trata-se do presente histórico ou nar-
3ª conjugação: IR (partir)
rativo, que confere vivacidade e, mesmo, dramaticidade
ao que se narra.
Nota Exemplo
O verbo pôr (bem como seus derivados: compor, Morre Tancredo Neves. (A manchete está falando de
depor etc.) não constitui conjugação à parte, sendo um fato que já aconteceu, mas se usa o presente.)
considerado verbo da 2ª conjugação, pois, no português
arcaico, era poer. Mas ainda hoje podemos ver algum q Pretérito
vestígio do “e” que desapareceu da forma do infinitivo; Em referência a fatos que se passam anterior-
assim, galinha poedeira é a que põe ovos; poente é o pôr mente ao momento em que falamos:
do sol, o lugar onde o sol se põe. • eu estudei (perfeito, que significa, etimologica-
mente, “completamente acabado, terminado” e indica
q Número e pessoas uma ação concluída).
• eu estudava (imperfeito, que significa, etimolo-
eu gicamente, “não completamente acabado”, pois se tra-
singular
{ tu
ele / ela / você
ta de uma ação anterior ao momento em que se fala,
mas que tem uma certa duração no passado).

Exemplo
nós
plural
{ vós
eles / elas / vocês
Naquela época, eu ia à missa todo domingo – aqui,
o imperfeito denota um hábito, uma ação que se repetia
no passado.

98 –
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• eu estudara ou tinha estudado (mais-que- Exemplos


perfeito simples e composto, que denota uma ação O cantar do pássaro alegrava a mata (infinitivo com
concluída antes de outra que já era passada, um passado valor de substantivo, equivalendo a canto).
anterior a outro passado). Homem sabido (particípio com valor de adjetivo,
qualificando o substantivo homem. Como adjetivo, fle-
Exemplo
xiona-se de acordo com o substantivo que ele modifica:
Quando o professor chegou (perfeito), os alunos já
mulher sabida, homens sabidos).
tinham realizado (mais-que-perfeito composto) os
Recebemos um telegrama contando a verdade (ge-
exercícios.
rúndio com valor de adjetivo).
q Futuro
Em referência a fatos que se passam posterior- Note que as formas acima têm duplo estatuto: são
mente: verbos (indicam processos: cantar, saber, contar; têm
• ao momento em que falamos, isto é, o referencial voz ativa ou passiva), mas ao mesmo tempo têm carac-
para esse futuro é o presente: eu estudarei mais tarde terísticas e comportamentos dos nomes (flexão de
(futuro do presente); gênero e número, como no caso do particípio;
• a um momento do passado, isto é, a ação é poste- possibilidade de receber artigo à semelhança dos
rior a um referencial do passado: eu disse (pretérito substantivos, como no caso do infinitivo etc.).
perfeito) que estudaria até passar de ano (futuro do Observe também que as formas nominais em si não
pretérito). indicam tempo (Digo/disse/direi isso sorrindo – o tempo
está marcado pela forma verbal conjugada, não pelo
4. Modos verbais gerúndio) nem modo; empregadas em locução verbal, é
São três: o auxiliar que o faz (além de indicar, nesse caso, número
q Indicativo e pessoa):
É o modo do real, não havendo dúvida ou hipótese. Tinhas feito (pretérito imperfeito do indicativo, se-
gunda pessoa do singular).
Exemplo Ele começou a nadar às duas (pretérito perfeito do
Eu aprendi os verbos. indicativo, terceira pessoa do singular).
Se estivéssemos admirando a paisagem...
q Subjuntivo
(pretérito imperfeito do subjuntivo, primeira pessoa do
É o modo do possível, do provável, da suposição, do
plural).
desejo etc.

Exemplos
Se eu aprendesse os verbos...
Espero que você aprenda os verbos!

q Imperativo
É o modo da ordem, da súplica, do pedido etc.

Exemplo
—Aprenda os verbos.

5. Formas nominais
São três:
– gerúndio
– particípio
impessoal
– infinitivo
{
pessoal

As três formas acima (gerúndio, particípio e in-


finitivo), além de seu valor verbal, podem desempenhar
função de nomes.
– 99
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FORMAÇÃO DOS TEMPOS


ativo
Quanto à ação reflexivo
PRIMITIVOS DERIVADOS
passivo
transitivo direto

{
1. Presente do
Quanto ao transitivo indireto Subjuntivo
complemento de ligação I – Presente 2. Imperativo
intransitivo do Afirmativo
transitivo direto e indireto Indicativo 3. Imperativo
1ª – vogal temática em A Negativo
Três 2ª – vogal temática em E
3ª – vogal temática em I

{
1. Pretérito Mais-
regular
que-Perfeito
Quanto à irregular
do Indicativo
conjugação anômalo II – Pretérito 2. Pretérito
Classificação defectivo Perfeito do Imperfeito do
abundante Indicativo Subjuntivo
auxiliar
3. Futuro do
impessoal
Subjuntivo
pessoal
Formação primitivo e derivado
do verbo simples e composto

{
1. Infinitivo Pessoal
2. Particípio
indicativo 3. Gerúndio
modos subjuntivo
VERBO

4. Pretérito
imperativo Imperfeito do
formas gerúndio III – Infinitivo Indicativo
infinitivo pessoal Impessoal 5. Futuro do
nominais impessoal
particípio Presente do
Indicativo
presente 6. Futuro do Preté-
imperfeito simples
composto rito do Indicativo

simples PRESENTE DO INDICATIVO


pretérito perfeito
composto E SEUS DERIVADOS

mais-que- simples 1. Presente do Subjuntivo


Flexão verbal
perfeito composto É formado a partir da primeira pessoa
do presente simples do singular do presente do indicativo.
composto
futuro
simples Para a primeira conjugação, trocamos
do pretérito
composto a desinência o por e.
número singular eu louvo → que eu louve
plural
1ª Para a segunda e terceira, trocamos a
pessoas 2ª
desinência o por a.

ativa
eu vendo → que eu venda
voz passiva sintética eu parto → que eu parta
Locução verbal analítica
reflexiva

100 –
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Exemplificando:

Presente do Indicativo origina Presente do Subjuntivo

–o +e

eu louvo ⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯→ que eu louve


tu louvas que tu louves
ele louva que ele louve
nós louvamos que nós louvemos
vós louvais que vós louveis
eles louvam que eles louvem

–o +a

eu vendo ⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯→ que eu venda


tu vendes que tu vendas
ele vende que ele venda
nós vendemos que nós vendamos
vós vendeis que vós vendais
eles vendem que eles vendam

–o +a

eu parto ⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯→ que eu parta


tu partes que tu partas
ele parte que ele parta
nós partimos que nós partamos
vós partis que vós partais
eles partem que eles partam

CONJUGAÇÃO DE ALGUNS VERBOS Pres. do Subjuntivo → (que eu) águe, águes,


NO PRESENTE DO INDICATIVO E águe, aguemos, agueis, águem.
PRESENTE DO SUBJUNTIVO
Conjugam-se como aguar: enxaguar, desaguar
1) ADERIR etc.
Pres. do Indicativo → adiro, aderes, adere,
aderimos, aderis, aderem. Nota:
Atenção para com os verbos terminados por IGUAR
Conjugam-se como aderir os seguintes (= averiguar e apaziguar) que se conjugam assim:
verbos: ferir, despir, repelir, competir etc. Pres. do Indicativo → averiguo, averiguas,
averigua, averiguamos, averiguais, averigam.

2) AGREDIR Pres. do Subjuntivo → (que eu) averigúe,


averigúes, averigúe, averiguemos, averigueis, averigúem.
Pres. do Indicativo → agrido, agrides, agride,
agredimos, agredis, agridem. 4) CABER
Pres. do Indicativo → caibo, cabes, cabe,
Conjugam-se como agredir: progredir, regredir, cabemos, cabeis, cabem.
transgredir, denegrir, cerzir, prevenir etc.
5) COLORIR
3) AGUAR
Pres. do Indicativo → ––, colores, colore,
colorimos, coloris, colorem.
Pres. do Indicativo → águo, águas, água,
aguamos, aguais, águam. Pres. do Subjuntivo → não existe.
– 101
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6) CRER 12) POLIR


Pres. do Indicativo → creio, crês, crê, cremos, Pres. do Indicativo → pulo, pules, pule,
credes, crêem. polimos, polis, pulem.

7) HAVER
Pres. do Subjuntivo → (que eu) pula, pulas,
pula, pulamos, pulais, pulam.
Pres. do Indicativo → hei, hás, há, havemos,
haveis, hão. 13) PÔR
Pres. do Indicativo → ponho, pões, põe,
Pres. do Subjuntivo → (que eu) haja, hajas, pomos, pondes, põem.
haja, hajamos, hajais, hajam.
14) PROVER
É conjugado como o verbo VER.
8) IR
Pres. do Indicativo → provejo, provês, provê,
Pres. do Indicativo → vou, vais, vai, vamos,
provemos, proveis, proveêm.
ides, vão.
15) REAVER
Pres. do Subjuntivo → (que eu) vá, vás, vá, É um verbo defectivo, derivado do verbo HAVER e
só é conjugado quando o verbo haver apresenta a letra V.
vamos, vades, vão.
Pres. do Indicativo → nós reavemos, vós
9) MAQUIAR reaveis.
Pres. do Indicativo → maquio, maquias, Pres. do Subjuntivo → não existe.
maquia, maquiamos, maquiais, maquiam.
16) REQUERER
Pres. do Subjuntivo → (que eu) maquie, Pres. do Indicativo → requeiro, requeres,
maquies, maquie, maquiemos, maquieis, maquiem. requer, requeremos, requereis, requerem.

10) NOMEAR 17) RIR


Pres. do Indicativo → nomeio, nomeias,
Pres. do Indicativo → rio, ris, ri, rimos, rides,
riem.
nomeia, nomeamos, nomeais, nomeiam.
Pres. do Subjuntivo → (que eu) ria, rias, ria,
Pres. do Subjuntivo → (que eu) nomeie, riamos, riais, riam.
nomeies, nomeie, nomeemos, nomeeis, nomeiam. 18) TER
Pres. do Indicativo → tenho, tens, tem, temos,
Conjugam-se como nomear os verbos tendes, têm.
passear, bloquear, barbear-se, banquetear-se, 19) VER
titubear etc. Pres. do Indicativo → vejo, vês, vê, vemos,
vedes, vêem.

11) ODIAR 20) VIR


Pres. do Indicativo → venho, vens, vem, vimos,
Pres. do Indicativo → odeio, odeias, odeia,
vindes, vêm.
odiamos, odiais, odeiam.
21) ADEQUAR, PRECAVER-SE, FALIR etc. são
Pres. do Subjuntivo → (que eu) odeie, odeies, verbos defectivos, ou seja, só se conjugam na 1.a e 2.a
odeie, odiemos, odieis, odeiem. pessoa do plural do Presente do Indicativo, não
apresentando Presente do Subjuntivo.

Exemplo: Presente do Indicativo:


Conjugam-se como odiar os verbos mediar, adequar – nós adequamos, vós adequais
ansiar, remediar, incendiar. precaver-se – nós nos precavemos, vós vos precaveis
falir – nós falimos, vós falis

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MÓDULO 16 Verbos II

1. Imperativo Afirmativo 2. Imperativo Negativo


Não possui a primeira pessoa do singular; e as É inteiramente igual ao presente do subjuntivo (não
segundas pessoas (singular e plural) são formadas a perde “s”), apenas com apresentação formal diferente.
partir das correspondentes no presente do indicativo, Nota
com a eliminação do “s” final. O verbo ser é uma exceção para o imperativo
As demais pessoas são extraídas diretamente do afirmativo:
presente do subjuntivo, sem alterações. Sê tu
Sede vós
As demais pessoas seguem a regra geral

Presente Ind. Imperativo Afirm. Pres. Subjuntivo Imperativo Negativo

eu vejo veja

tu VÊS – s final ⎯⎯⎯→ VÊ (tu) vejas ⎯⎯⎯→ Não vejas (tu)

ele vê VEJA (você) ←⎯⎯⎯ VEJA ⎯⎯⎯→ Não veja (você)

nós vemos VEJAMOS (nós) ←⎯⎯⎯ VEJAMOS ⎯⎯⎯→ Não vejamos (nós)

vós VEDES – s final ⎯⎯⎯→ VEDE (vós) vejais ⎯⎯⎯→ Não vejais (vós)

eles vêem VEJAM (vocês) ←⎯⎯⎯ VEJAM ⎯⎯⎯→ Não vejam (vocês)

FORMAS NOMINAIS DO VERBO (3) Particípio

(1) Infinitivo Pessoal |


am ___
ar
é derivado do Infinitivo Impessoal + ado = amado

Exemplificando:
amar eu vender eu partir eu
vend ___
er |
+ ido = vendido
amares tu venderes tu partires tu
amar ele vender ele partir ele
amarmos nós vendermos nós partirmos nós
|
part ___
ir
+ ido = partido
amardes vós venderdes vós partides vós
amarem eles venderem eles partirem eles
Notas:
a) O particípio regular dos verbos se caracteriza por
(2) Gerúndio terminar por ADO ou IDO. Porém, alguns verbos têm o
seu particípio irregular.
|
ama ___
r
+ ndo = amando
Exemplificando:
– fazer → feito
vende ___
r | – dizer → dito
+ ndo = vendendo – escrever → escrito
– ver → visto
|
parti ___
r
– vir → vindo
+ ndo = partindo
– pôr → posto

– 103
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b) Às vezes, um verbo apresenta duplo particípio: uma forma regular e outra irregular.

Exemplificando:

Infinitivo Particípio regular Particípio irregular

aceitar aceitado aceito, aceite


assentar assentado assento, assente
entregar entregado entregue
enxugar enxugado enxuto
expressar expressado expresso
expulsar expulsado expulso
fartar fartado farto
findar findado findo
ganhar ganhado ganho
gastar gastado gasto
isentar isentado isento
juntar juntado junto
limpar limpado limpo
matar matado morto
pagar pagado pago
salvar salvado salvo
acender acendido aceso
desenvolver desenvolvido desenvolto
eleger elegido eleito
envolver envolvido envolto
prender prendido preso
suspender suspendido suspenso
desabrir desabrido desaberto (só usados
como adjetivos)
erigir erigido ereto
exprimir exprimido expresso
extinguir extinguido extinto
frigir frigido frito
imprimir imprimido impresso
inserir inserido inserto
tingir tingido tinto

EMPREGO DO PARTICÍPIO

a) as formas regulares do particípio são empregadas com os verbos ter e haver.


Exemplificando:
– A direção da escola havia expulsado o seu pior aluno.
– A polícia não teria prendido uma pessoa inocente?
– Muitas vezes tenho pegado o bonde errado.

b) as formas irregulares do particípio são empregadas com os verbos ser e estar.


Exemplificando:
– O pássaro foi pego pelo menino.
– Percebi que as lâmpadas estavam acesas.
– A criança fora morta por uma bala perdida.

104 –
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MÓDULO 17 Verbos III


A) O PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu
E SEUS DERIVADOS
crera, tu creras... eles creram
1. Pretérito Mais-que-Perfeito do Indicativo
Futuro do Subjuntivo → quando eu crer,

quando tu creres, ... quando eles crerem


|
eles dera ____
m = dera
Imperfeito do Subjuntivo → se eu cresse, se
– eu dera, tu deras, ele dera
tu cresses, ... se eles cressem
– nós déramos, vós déreis, eles deram

2. Futuro do Subjuntivo
3) HAVER

|
eles der ____
am = der Pret. Perfeito do Indicativo → eu houve, tu

houveste, ... eles houveram


– quando eu der, tu deres, ele der
– nós dermos, vós derdes, eles derem Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu

houvera, tu houveras, ... eles houveram


3. Pretérito Imperfeito do Subjuntivo
Futuro do Subjuntivo → quando eu houver,

quando tu houveres, ... quando eles houverem


|
eles de ____
ram
____ = desse
+ sse Imperfeito do Subjuntivo → se eu houvesse,

– se eu desse, tu desses, ele desse se tu houvesses, ... se eles houverem


– nós déssemos, vós désseis, eles dessem

CONJUGAÇÃO DE ALGUNS VERBOS 4) IR / SER


NO PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO E
SEUS DERIVADOS
Pret. Perfeito do Indicativo → eu fui, tu foste,

... eles foram


1) CABER
Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu
Pret. Perfeito do Indicativo → eu coube, tu fora, tu foras, ... eles foram
coubeste... eles couberam Futuro do Subjuntivo → quando eu for, quando
Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu tu fores, ... quando eles forem
coubera, tu couberas,... eles couberam Imperfeito do Subjuntivo → se eu fosse, se tu
Futuro do Subjuntivo → quando eu couber, fosses, ... se eles fossem

quando tu couberes... quando eles couberem

Inperfeito do Subjuntivo → se eu coubesse, se 5) PÔR (e seus derivados: depor, repor, antepor,


supor, compor etc.)
tu coubesses,... se eles coubessem
Pret. Perfeito do Indicativo → eu pus, tu
2) CRER puseste, ... eles puseram
Pret. Perfeito do Indicativo → eu cri, tu creste, Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu

ele creu,... eles creram pusera, tu puseras, ... eles puseram

– 105
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Futuro do Subjuntivo → quando eu puser, 9) QUERER

quando tu puseres, ... quando eles puserem Pret. Perfeito do Indicativo → eu quis, tu

Imperfeito do Subjuntivo → se eu pusesse, se quiseste, ... eles quiseram

tu pusesses, ... se eles pusessem Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu

quisera, tu quiseras, ... eles quiseram

6) PREVER (segue o verbo VER, em todos os Futuro do Subjuntivo → quando eu quiser,


tempos e modos) quando tu quiseres, ... quando eles quiserem
Pret. Perfeito do Indicativo → eu previ, tu Imperfeito do Subjuntivo → se eu quisesse, se
previste, ... eles previram tu quisesses, ... se eles quisessem
Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu
10) REQUERER (é regular no Pretérito Perfeito do
previra, tu previras, ... eles previram
Indicativo e seus derivados, conjugando-se como
Futuro do Subjuntivo → quando eu previr, VENDER)
quando tu previres, ... quando eles previrem Pret. Perfeito do Indicativo → eu requeri, tu
Imperfeito do Subjuntivo → se eu previsse, se requereste, ele requereu, nós requeremos, vós
tu previsses, ... se eles previssem requerestes, eles requereram

Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu


7) PROVER (segue o verbo VENDER) requerera, tu requereras, ... eles requereram
Pret. Perfeito do Indicativo → eu provi, tu Futuro do Subjuntivo → quando eu requerer,
proveste, ... eles proveram quando tu requereres, ... quando eles requererem
Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu Imperfeito do Subjuntivo → se eu requeresse,
provera, tu proveras, ... eles proveram se tu requeresses, ... se eles requeressem
Futuro do Subjuntivo → quando eu prover,
11) REAVER (no Pret. Perf. do Ind. e seus derivados,
quando tu proveres, quando eles proverem
segue o verbo HAVER)
Imperfeito do Subjuntivo → se eu provesse, se
Pret. Perfeito do Indicativo → eu reouve, tu
tu provesses, ... se eles provessem
reouveste, ... eles reouveram

Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu


8) PROVIR (segue o verbo VIR)
reouvera, tu reouveras, ... eles reouveram
Pret. Perfeito do Indicativo → eu provim, tu
Futuro do Subjuntivo → quando eu reouver,
provieste, ... eles provieram
quando tu reouveres, ... quando eles reouverem
Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu
Imperfeito do Subjuntivo → se eu reouvesse,
proviera, tu provieras, ... eles provieram
se tu reouvesses, ... se eles reouvessem
Futuro do Subjuntivo → quando eu provier,

quando tu provieres, ... quando eles provierem 12) SABER


Imperfeito do Subjuntivo → se eu proviesse, Pret. Perfeito do Indicativo → eu soube, tu
se tu proviesses, ... se eles proviessem soubeste, ... eles souberam

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Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu Futuro do Subjuntivo → quando eu vier,

soubera, tu souberas, ... eles souberam quando tu vieres, ... quando eles vierem

Futuro do Subjuntivo → quando eu souber, Imperfeito do Subjuntivo → se eu viesse, se tu

quando tu souberes, ... quando eles souberem viesses, ... se eles viessem
Também merecem atenção no Pretérito Perfeito e
Imperfeito do Subjuntivo → se eu soubesse,
seus derivados:
se tu soubesses, ... se eles soubessem

16) DIZER

13) TER (e seus derivados: deter, manter, reter, Pret. Perfeito do Indicativo → eu disse, tu
entreter etc.) disseste, ele disse, nós dissemos, vós dissestes, eles
Pret. Perfeito do Indicativo → eu tive, tu disseram
tiveste, ... eles tiveram Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu
Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu dissera, tu disseras, ...eles disseram
tivera, tu tiveras, ... eles tiveram Futuro do Subjuntivo → quando eu disser,

Futuro do Subjuntivo → quando eu tiver, quando tu disseres, ... quando eles disserem

quando tu tiveres, ... quando eles tiverem Imperfeito do Subjuntivo → se eu dissesse, se

Imperfeito do Subjuntivo → se eu tivesse, se tu dissesses, ... se eles dissessem

tu tivesses, ... se eles tivessem


17) FAZER
Pret. Perfeito do Indicativo → eu fiz, tu fizeste,
14) VER (e seus derivados: rever, antever, prever,
ele fez, nós fizemos, vós fizestes, eles fizeram
entrever etc.)

Pret. Perfeito do Indicativo → eu vi, tu viste, ...


Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu
fizera, tu fizeras, ...eles fizeram
eles viram
Futuro do Subjuntivo → quando eu fizer,
Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu
quando tu fizeres, ... quando eles fizerem
vira, tu viras, ... eles viram
Imperfeito do Subjuntivo → se eu fizesse, se
Futuro do Subjuntivo → quando eu vir, quando
tu fizesses, se ele fizesse, ... se eles fizessem
tu vires, ... quando eles virem

Imperfeito do Subjuntivo → se eu visse, se tu 18) TRAZER


visses, ... se eles vissem Pret. Perfeito do Indicativo → eu trouxe, tu
trouxeste, ... eles trouxeram

15) VIR (e seus derivados: intervir, provir, advir, Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu
desavir-se etc.) trouxera, tu trouxeras, ... eles trouxeram
Pret. Perfeito do Indicativo → eu vim, tu vieste, Futuro do Subjuntivo → quando eu trouxer,
... eles vieram quando tu trouxeres, ... quando eles trouxerem
Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu Imperfeito do Subjuntivo → se eu trouxesse,

viera, tu vieras, ... eles vieram se tu trouxesses, ... se eles trouxessem

– 107
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19) APRAZER amar ia


Pret. Perfeito do Indicativo → eu aprouve, tu
aprouveste, ele aprouve, ... eles aprouveram amar íamos
Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo → eu
aprouvera, tu aprouveras, ... eles aprouveram amar íeis

Futuro do Subjuntivo → quando eu aprouver,


quando tu aprouveres, ... quando eles aprouverem amar iam

Imperfeito do Subjuntivo → se eu aprouvesse,


se tu aprouvesses, ... se eles aprouvessem Nota:
Merecem atenção, no Futuro do Presente do Indica-
tivo e no Futuro do Pretérito do Indicativo, os verbos:
20) ESTAR
FAZER, DIZER, TRAZER (nos quais desaparece o ZE).
Pret. Perfeito do Indicativo → eu estive, tu
Exemplificando:
estiveste, ... eles estiveram
Pret. Mais-que-Perfeito do Indicativo
estivera, tu estiveras, ... eles estiveram
→ eu
[ – fa ze r + ei = farei
– fa ze r + ia = faria

Futuro do Subjuntivo → quando eu estiver, [ – di ze r + ei = direi


– di ze r + ia = diria
quando tu estiveres, ... quando eles estiverem
Imperfeito do Subjuntivo → se eu estivesse, [ – tra ze r + ei = trarei
– tra ze r + ia = traria
se tu estivesses, ... se eles estivessem
(3) Pretérito Imperfeito do Indicativo
B) INFINITIVO IMPESSOAL E SEUS
DERIVADOS também é derivado do Infinitivo Impessoal

(1) Futuro do Presente do Indicativo


ama __
r |
amar ei + va = amava

amar ás
vend ___
er |
+ ia = vendia
amar á

amar emos |
part ___
ir
+ ia = partia

amar eis
Fazem exceção os verbos:

amar ão
– SER → eu era

– ESTAR → eu estava
(2) Futuro do Pretérito do Indicativo
– TER → eu tinha

amar ia – VIR → eu vinha

– PÔR → eu punha
amar ias

108 –

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