Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O Demônio
O Demônio
Estêvão Tavares
Bettencourt, osb (+2008).
***
Nos últimos decênios, especialmente nos anos mais recentes, autores cristãos têm
negado a existência do demônio através da imprensa escrita e de outros meios de
comunicação.
Outros pretendem provar que o demônio não existe, mas foi introduzido na Bíblia e na
Tradição cristã por influência do paganismo. Tal é o caso do Pe. Oscar Quevedo em seu
livro “Antes que os demônios voltem” (livro já comentado na Revista Pergunte e
Responderemos nº 323, de 1989, pp. 146-156), onde são apontados preconceitos e
sofismas do autor da obra.
Se não existe a palavra grega “daimon” nos escritos hebraicos do Antigo Testamento,
existem palavras hebraicas equivalentes, como são:
c) Asmodeu (=Extermínador) é o anjo mau, que deu morte sucessivamente aos sete
pretendentes de Sara, filha de Raguel; cf. Tobias 3,8; 6,14.
d) Baalzebub (=Senhor das moscas) era o nome de uma divindade filisteia (ou de
Acaron); cf. 2Reis 1,2?16. Os judeus, após o exílio (586-538 a.C.), evitavam pronunciar
o nome de Satã (Berakot 60,1); por isto, em seu lugar, usavam o nome Baalzebub,
deformação de Baalzebul (=dono da casa, isto é, Príncipe da Moral Infernal).
Finalmente os rabinos, querendo escarnecer os ídolos, modificaram o nome para
Baalzebel (=Senhor do Esterco). Ver no Novo Testamento Marcos 3,20.
e) Serpente Tentadora, que induziu os primeiros pais ao pecado: Gênesis 3,1-6. O texto
grego do livro da Sabedoria apresenta essa Serpente como sendo “ho diábolos” (=o
diabo); ver Sabedoria 2,24.
– Mateus 12,27s: “Se eu expulso os demônios por Beelzebu, por quem os expulsam os
vossos adeptos? (…) Mas se é pelo Espírito de Deus que eu expulso os demônios, então
o Reino de Deus já chegou a vós”.
Jesus mesmo praticava exorcismos, como se depreende deste texto e de outros, quais
Mateus 9,32-34; 12,22-24; 15, 21-28; Marcos 1,23-28; Lucas 8,28s; 13,10.17.
– “Ao pôr do sol, todos os que tinham doentes atingidos de males diversos, traziam-nos
e Jesus curava-os. De um grande número saiam também demônios, gritando: ‘Tu és o
Filho de Deus!'”.
– “Os setenta e dois voltaram com alegria, dizendo: ‘Senhor; até os demônios se nos
submetem em teu nome’. Ele lhes disse: ‘Eu via Satanás cair do céu como um
relâmpago! Eis que eu vos dei o poder de pisar serpentes, escorpiões e todo o poder do
inimigo, e nada vos poderá causar dano. Contudo não vos alegreis porque os espíritos se
vos submetem; alegrai-vos, antes, porque os vossos nomes estão inscritos nos céus”.
À vista deste texto e de outros, não se pode dizer, com Dallegrave, que “Cristo nunca
fez exorcismo, nem tampouco recomendou que os apóstolos o fizessem”. Na verdade,
Jesus não fingiu estar diante do Maligno nem exerceu uma arte teatral ao exorcizá-lo,
como se não houvesse possessão diabólica. Adaptando-se a uma crença “errônea” dos
seus contemporâneos, Jesus teria confirmado os judeus no seu “erro” e teria transmitido
aos cristãos a falsa noção de possessão diabólica. Ora, Jesus veio justamente para a
missão de dissipar os erros e dar testemunho da verdade ? o que não se compatibiliza
com fingimento e teatralidade vazia:
– João 18,32: “Para isto nasci e para isto vim ao mundo: para dar testemunho da
verdade. Quem é da verdade, escuta a minha voz”.
Por conseguinte, é forçoso admitir que Jesus, Mestre da verdade, não “fez palhaçadas”,
mas confirmou a crença na possessão diabólica e efetuou exorcismos.
Após Jesus Cristo, a Igreja durante vinte séculos (até hoje) afirmou e afirma a
possibilidade da possessão diabólica; Ela tem também um Ritual de Exorcismo Solene,
a ser utilizado em casos precisos. Todavia o diagnóstico de possessão diabólica hoje em
dia é mais minucioso do que outrora, pois se sabe que vários fenômenos então
inexplicáveis eram atribuídos à ação do Maligno, ao passo que atualmente são
reconhecidos como fenômenos meramente humanos ou psicológicos. Em consequência,
recomenda-se cautela a fim de não se admitir precipitadamente a possessão diabólica.
Ainda se pode notar no artigo de Dallegrave uma grave imprecisão: a história do Antigo
Testamento teria durado 5.000 anos, quando na verdade a vocação de Abraão, que dá
origem a tal história, ocorreu no século XIX a.C.!
2. O Magistério da Igreja
O sentido desses seres invisíveis foi posteriormente explicitado: trata-se dos anjos, dos
quais alguns pecaram e assim se tornaram anjos maus. Foi o que o Concílio do Latrão
IV (1215) declarou:
– “O diabo e os demais demônios foram certamente por Deus criados bons em sua
natureza, mas por si mesmos se tornaram maus” (DS 800).[3]
– “Se alguém diz que o diabo não foi primeiramente um anjo bom, criado por Deus, e
que sua natureza não foi obra de Deus, mas, ao contrário, diz que emergiu do caos e das
trevas e que não tem autor, pois é ele mesmo o princípio e a substância do mal, como
afirmaram Maniqueu e Prisciliano, seja anátema”.
– “Se alguém crê que o diabo fez no mundo algumas criaturas e que por sua própria
autoridade continua produzindo os trovões, os raios, as tempestades e as secas, como
disse Prisciliano, seja anátema” (DS 457s).
– “Ainda que o nosso adversário (o demônio), durante toda a vida, procure e aproveite
ocasiões para poder de um modo ou de outro devorar nossas almas (cf. 1Pedro 5,8), em
tempo algum ele é mais astuto para nos perder totalmente do que no término iminente
da nossa vida” (DS 1694).
6) Pio XII, na encíclica “Humani Generis” (1950), censura a atitude daqueles que
perguntavam “se os anjos (e, portanto, também o diabo) são criaturas pessoais” (DS
3891). O Papa tinha em vista os que pretendiam negar a existência do demônio,
reduzindo-o a figura literária.
7) O Concílio do Vaticano II afirma que o “FiIho de Deus, por sua morte e ressurreição,
nos livrou do poder de Satanás” (Sacrosanctum Concilium 6); (…) “o Pai enviou seu
Filho a fim de por Ele arrancar os homens do poder das trevas e de Satanás” (Ad Gentes
3); (…) “Cristo derrotou o império do diabo” (Ad Gentes 9). Aludindo a Efésios 6,11-
13, o Concllio fala das “ciladas do demônio” (Lumen Gentium 48).
– “É o inimigo número um, o tentador por excelência. Sabemos também que este ser
obscuro e perturbado existe de verdade e que com pérfida astúcia é atuante; é o inimigo
oculto que dissemina erros e infortúnios na história dos homens (…) É o pérfido e
astuto encantador que sabe insinuar-se em nós por meio dos sentidos, da fantasia, da
concupiscência, da lógica utópica ou dos desordenados contatos sociais no exercício das
nossas atividades, para nestas introduzir desvios, muito mais nocivos porque
aparentemente conformes com nossas estruturas físicas ou psíquicas ou com as nossas
instintivas e profundas aspirações (…)
Poderemos supor que esteja atuando sinistramente onde a negaç?o de Deus se faz
radical, sutil e absurda; onde a mentira se afirma hipócrita e poderosa contra a verdade
evidente; onde o amor é eliminado por um egoísmo frio e cruel; onde o nome de Cristo
é impugnado com ódio consciente e rebelde (…); onde o espírito do Evangelho é
mistificado e contraditado; onde se afirma o desespero como última palavra.
Deixa o quadro do ensinamento bíblico e eclesial quem se recusa a reconhecer a
existência do demônio, ou quem faz do demônio um princípio que existe por si e não
tem, como as demais criaturas, a sua origem em Deus, ou ainda quem explica o
demônio como sendo uma pseudo-realidade, uma personificação conceitual e fantástica
das causas desconhecidas de nossas desgraças” (ver LOsservatore Romano de
16/11/1972).
2) O diabo depende de Deus Criador. Foi criado por Deus; por conseguinte, foi criado
bom. A maldade do diabo se deve ao fato de que pecou. Afastou-se livremente de Deus,
condenando-se a estar privado de Deus para sempre, pois os seres espirituais (no caso,
os anjos) são imortais por sua própria natureza.
3) Por permissão de Deus, o diabo atua astuciosamente, tentando levar o homem ao mal,
sem poder anular a liberdade humana. O homem, ao pecar, entrega-se à influência do
Maligno.
3. A atividade do demônio
Por ser um espírito sem corpo, o demônio não pode ter relações sexuais com mulheres,
como pensavam os antigos. Por ser espírito, goza de conhecimento mais perspicaz do
que o do homem; a sua intelecção não passa pelos sentidos, que são sempre muito
limitados em sua apreensão. Todavia os anjos maus não são todo-poderosos; estão sob a
regência de Deus, que não lhes permite tentar o homem acima das suas forças
(1Coríntios 10,13).
Os teólogos observam que o tentador não pode agir diretamente sobre o conhecimento e
a vontade do homem, nem mesmo os pode penetrar. Por conseguinte, só indiretamente
pode tomar conhecimento do que o homem pensa e quer, e só indiretamente, mediante
objetos externos, pode influir sobre o conhecimento e o querer do homem. O demônio
nunca pode anular a liberdade e a responsabilidade de alguém; não há pecado sem
consentimento voluntário e livre.
O demônio não é a única fonte de tentações. Existem duas outras, que são as próprias
paixões existentes no homem e as influências negativas do mundo (ou do mundanismo).
Em consequência, é difícil dizer de onde provém alguma tentação. Na prática, não se
deveria atribuir tanta importância ao demônio; os afetos desregrados que toda criatura
humana traz dentro de si, são, muitas vezes, suficientes para explicar tal ou tal tentação.
Acima de tudo, importa ao cristão não dar ocasião ao pecado, afastando-se de todas as
situações que a ele possam levar direta ou indiretamente. De resto, será sempre possível
ao cristão vencer o mal, pois Deus não preceitua coisas impossíveis, mas, ao preceituar
algo, Ele nos admoesta a fazer o que podemos e a pedir o que não podemos; além disto,
ajuda-nos para que o possamos cumprir, como declarou o Concílio de Trento (1547),
retomando palavras de Santo Agostinho (+ 430); cf. DS 1535.
– “Dentre os 65% dos teólogos católicos que não aceitam a existência absoluta do
demônio, cito no momento dois, entre outros, de certa importância, por serem muito
conhecidos: o Dr. Boaventura Kloppenburg e Oscar G. Quevedo (sj), que escreveram
numerosas obras, todas com aprovações eclesiásticas”.
A propósito observamos:
1) Donde recebeu o Sr. Dallegrave uma estatística tão precisa, a ponto de saber que 65%
dos teólogos católicos não aceitam a existência do demônio? Pode-se perguntar se a
fonte seria o livro muito obscuramente citado: “Diabo, Demônios, Possessões”, de
Walter Karper e K.L.; K.K. e J.M. “Página 111 ? Edições Loyola, dirigida pelos padres
jesuítas” (sic!). Realmente tal modo de citar é muito pouco científico ou pouco apto a
suscitar crédito.
_________
NOTAS
[1] Os deuterocanônicos são livros que os judeus não aceitam precisamente por terem
sido escritos em grego ou em aramaico e não em hebraico. Os católicos, porém, os
aceitam, baseados na própria Tradição dos judeus de Alexandria (Egito).
[2] Entre outras coisas, os antigos acreditavam que houvesse demônios íncubos e
demônios súcubos. Demônio íncubo seria o demônio masculino que viria de noite
copular com uma mulher, causando-lhe pesadelos. Demônio súcubo seria o demônio
feminino que, de noite, copularia com um homem, causando-lhe pesadelos. ? É claro
que a cópula de demônios e seres humanos é impossível mas tal crença era transmitida
de geração em geração no povo de Deus desde os tempos pré-cristãos; sim, os rabinos
julgavam que os filhos de Deus que se uniram às filhas dos homens, conforme Gênesis
6,1, eram anjos que copularam com mulheres. Segundo bons exegetas, haveria alusão a
esta concepção em Judas 6 e 2Pedro 2,4.
[3] A sigla DS designa: “Enquirídio de Símbolos, Definições e Declarações da Igreja”.