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Um estudo de caso aplicando a técnica de

grupo focal para análise e melhoria de serviço


público de emergência odontológica na região
metropolitana de Belo Horizonte1

Klaus Souza Santos2


Dácio Guimarães de Moura3

Este artigo relata procedimentos e resultados de pesquisa realizada com o objetivo de desenvolvimento
e aplicação de instrumentos de pesquisa qualitativa no processo de avaliação e melhoria do sistema
público de saúde, verificando a aplicabilidade de Grupos Focais para análise de desempenho do setor
de emergência odontológica(serviço público na área de saúde) na região metropolitana de Belo Horizonte
(MG).

PAL AVRAS-CHAVE:
VRAS-CHAVE: GRUPO FOCAL;
ODONTOLOGIA;
ANÁLISE DE DESEMPENHO.

1 INTRODUÇÃO São várias as estratégias metodológicas de obten-


ção de informações empregadas na pesquisa qualitativa,
tais como: a observação participante , o questionário, a
análise documental e a entrevista. De acordo com os di-
Conforme NUTO & NATIONS(1999), avaliação , no versos autores, existem diferentes classificações em rela-
sentido lato, refere-se ao ato de determinar valor a algu- ção a denominações das técnicas qualitativas.
ma coisa, sem necessariamente haver preocupação com o A técnica de Grupo Focal é uma estratégia qualitati-
método. No sentido estrito, de acordo com os autores va que utiliza um grupo de discussão informal, de dimen-
pesquisados, existe uma metodologia avaliativa que deve sões reduzidas, com o propósito de obter informações
ser apropriada à análise desejada. em profundidade, conforme BARBOSA(1999).
Um dos objetivos principais de uma avaliação na O objetivo principal de um grupo focal é revelar
área social consiste em proporcionar opções que permi- percepções dos participantes sobre os tópicos colocados
tam o alcance de metas em projetos dessa natureza. em discussão. As vantagens da técnica de Grupo Focal são
De acordo com o Positivismo, corrente filosófica várias, quais sejam: custo relativamente baixo, rapidez na
encabeçada por Comte, a Lógica e a Matemática são mo- execução, interação forte com os elementos de informa-
delos a serem seguidos pelas demais ciências como ção e profundidade de informações.
paradigma de todo o conhecimento, o que denomina-se A importância de se avaliar serviços na área da saú-
Monismo Metodológico. de, particularmente odontológicos4 , reside no fato que a
A pesquisa quantitativa baseia-se em dados estatísti- Odontologia vem passando por transformações importantes
cos na tentativa de medir o grau de variáveis. Já a pesquisa nos últimos tempos. O paradigma cirúrgico-restaurador
do tipo qualitativa utiliza-se de código qualitativo para clas- vem a cada dia se distanciando da meta preconizada pela
sificação de dados sociais; é de natureza explicativa e Odontologia Moderna, cedendo lugar ao paradigma de
interpretativa, busca a compreensão de fatos e fenômenos Promoção de Saúde, numa visão mais Holística.
e, para tal, leva em consideração o sujeito histórico-social. A técnica de Grupo Focal parece-nos especialmen-

1 Este trabalho relata a execução de projeto de pesquisa desenvolvido na disciplina Projetos e Trabalhos Práticos no Processo de Educação em Ciência e Tecnologia, do Curso de
Mestrado em Tecnologia/Área de Concentração Educação Tecnológica, do CEFET-MG, ministrada pelo Professor Dr. Dácio Guimarães de Moura, no 2º semestre de 1999.
2 Mestre em Tecnologia pelo CEFET-MG (klausss@brfree.com.br).
3
Professor do Curso de Mestrado em Tecnologia do CEFET-MG.
4
O autor deste trabalho atua nessa área no setor público estadual.
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te adequada para o procedimento de avaliação de desempe- postas rápidas, flexibilidade, eficiência e adequabilidade
nho de setores da área da saúde, destinados ao atendimento em medir o grau de satisfação das pessoas envolvidas.
ao público, como o que está sendo focalizado neste trabalho. As pesquisas que buscam a compreensão das inten-
Nesse contexto, foi então planejada e executada pes- ções e do significado dos atos humanos, visando uma
quisa de natureza qualitativa, do tipo grupo focal, para o melhor compreensão dos fenômenos, costumam ser iden-
setor de emergência de serviço público na região metropo- tificadas como “pesquisas qualitativas”, conforme MAZZOT-
litana de Belo Horizonte. A pesquisa realizada teve em vista TI(1998), e utilizam procedimentos qualitativos para ob-
ampliar a compreensão sobre o desempenho dos serviços tenção de dados contextuais.
de atendimento desse setor, através da obtenção de infor- A investigação qualitativa, conforme descreve DE-
mações básicas necessárias a essa compreensão e do encami- BUS(1994), possui quatro utilizações principais ou for-
nhamento de sugestões para a melhoria desse serviço. Pro- mas gerais, a saber:
curou-se desenvolver subsídios para a chefia do setor, resul- a) como mecanismo de geração de idéias;
tando no estabelecimento de medidas diversas, de nova b) para contribuir, preliminarmente, em pesquisas
política de ação para o aprimoramento e melhoria dos servi- futuras do tipo quantitativa;
ços prestados, contribuindo, conseqüentemente, para a c) como meio complementar em pesquisa quanti-
melhoria da qualidade de vida da população assistida . tativa;
d) como método principal para obtenção de dados.
De acordo com MAZZOTTI(1998), as pesquisas qua-
2 JUSTIFICATIVA litativas são multimetodológicas, ou seja, utilizam grande
variedade de técnicas e instrumentos de coleta de dados,
sendo os mais utilizados:
a) observação (direta e indireta);
b) entrevista (questionário, Grupo Focal e entre -
A perspectiva de uma ciência objetiva, neutra, atem-
vista individual);
poral, capaz de formular leis gerais sobre o funcionamen-
c) análise documental.
to da natureza, tem sido questionada em diversas instân-
A entrevista possui natureza interativa permitindo
cias. Sabe-se que o conhecimento pode não ser comple-
tratar de temas complexos que dificilmente, de outra ma-
tamente objetivo e que é possível a existência de interfe-
neira, poderiam ser investigados adequadamente. As téc-
rências nesse processo, inclusive por parte do pesquisa-
nicas de entrevista, de acordo com DEBUS(1994), surgi-
dor, ainda que de maneira não intencional.
ram principalmente da Teoria Psicoanalítica.
Mesmo resguardando a referida atenuação, todos
A técnica de Grupo Focal, de acordo com BARBOSA
os cuidados e rigores metodológicos possíveis são funda-
(1999), utiliza-se de um grupo de discussão informal, com
mentais tanto na pesquisa de natureza quantitativa quanto
a finalidade de obter informações de caráter qualitativo em
naquela de natureza qualitativa. Conforme analisado por
profundidade . É uma técnica de rápida execução com
BARBOSA(1998), um sistema de avaliação e monitoramen-
possibilidade de fornecer uma grande riqueza de informa-
to de projetos (em geral, segundo nossa compreensão)
ções qualitativas sobre o desempenho de atividades desen-
só pode ser implementado com sucesso, através da defi-
volvidas, prestação de serviços , dentre outras situações.
nição de meios para obtenção de dados confiáveis de pro-
Conforme WESTPHAL et al.(1996), desde 1989, a
cessos, produtos e resultados. Um sistema de avaliação,
área de Educação em Saúde Pública da Universidade de
mesmo bem planejado, pode fracassar inteiramente, caso
São Paulo (USP), Brasil, vem utilizando a técnica de Gru-
os dados necessários para análise não puderem ser obti-
po Focal para diagnóstico de problemas educativos e ava-
dos, ou obtidos de maneira incompleta.
liação de programas em desenvolvimento. De acordo com
Métodos e técnicas de coleta de dados são objeto de
experiências descritas, a técnica demonstrou ser eficien-
estudo em disciplinas de avaliação e gerência de projetos. te, possibilitando, em curto período de tempo, a identifi-
Esta área de conhecimento envolve uma gama de aspectos a cação e análise aprofundada de problemas a partir do
considerar: definição de instrumentos de coleta de dados, ponto de vista da população.
estimativa de custos, controle de qualidade e confiabilida- Os dados obtidos pela técnica de Grupo Focal per-
de, seleção de amostras, métodos de processamento e aná- mitem o conhecimento de percepções, conceitos, opini-
lise, validação de resultados, dentre outros. ões, expectativas, representações sociais do universo cul-
Determinados Projetos de Avaliação em pesquisa tural e vocabular da população. Através dessa técnica, ad-
social podem ser desenvolvidos com custo reduzido e ministradores e educadores podem planejar e avaliar pro-
resultados bastante satisfatórios, mediante a aplicação de gramas educativos, a partir de necessidades levantadas, a
técnicas adequadas de natureza qualitativa. Essas técnicas partir do ponto de vista da população em estudo. Essa
podem possuir vantagens especiais em relação às técnicas técnica permite colocar em prática pressupostos educati-
do tipo quantitativa, como por exemplo: execução e res- vos de grande contribuição social.

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COTRIM (1996) descreve e discute a utilização da Para a realização do Grupo Focal, selecionou-se um
técnica de Grupo Focal em Saúde Pública. CURY (1995) grupo de 12 pessoas, funcionários do mesmo setor do
desenvolveu um estudo-piloto, também na área da Saú- serviço público focalizado. A seção de discussão foi dirigida
de, utilizando-se dessa mesma técnica. O autor colheu por duas pessoas, também funcionários do setor, sendo
uma série de informações importantes sobre uma deter- uma delas para a função de moderador e outra para função
minada doença (espondilite anquilosante) buscando re- de registro e relato.
lacioná-la com a qualidade de vida da população em Procurou-se registrar aspectos como: opiniões,
estudo. O método mostrou-se bastante eficaz no sentido experiências, idéias, observações, preferências,
de captar informações fundamentais para elaboração de necessidades apresentadas pelos participantes.
medidas alternativas de trabalho, com vistas a proporcio- O moderador tinha como funções: incentivar a
nar maior bem-estar psíquico e mental aos pacientes. participação de todos, buscando evitar o predomínio de
SILVA(1993), em sua pesquisa, apresenta um dimen- algum participante sobre os demais, e manter a discussão
sionamento de serviço odontológico em unidade de emer- nos limites dos tópicos de interesse. Não era função do
gência do Hospital Municipal Professor Waldomiro de moderador fazer quaisquer julgamentos.
Paula, na grande São Paulo. O autor verificou a possibili- A duração da sessão de discussão foi de 01 hora e
dade de variação da produção de tal serviço, determinada 30 minutos e contou ainda com a presença de um
por fatores diversos, tais como tipos de procedimentos observador externo, sem manifestação. Os participantes
realizados e recursos disponíveis. Por meio da observa- foram informados, no início da reunião , pelo moderador,
ção da conduta adotada pela equipe odontológica, bus- da finalidade e do formato da discussão, do caráter informal
cou-se traçar diretrizes para um padrão ideal de atendi- da reunião e da necessidade da participação de todos. A
mento naquele setor. seção foi realizada em ambiente de harmonia apropriado
Outra contribuição importante, relacionada a servi- às finalidades propostas. Procurou-se contribuir para que
ços de emergência odontológica, é a de RODRIGUEZ(1990). as naturais divergências de opiniões não interferissem no
Em seu trabalho de pesquisa, o autor verificou característi- desenvolvimento da sessão.
cas epidemiológicas de pacientes que são atendidos no Os dados obtidos foram anotados, registrando-se a
serviço de emergência de uma importante universidade fala de cada participante procurando-se refletir sobre o
da Venezuela, permitindo um levantamento de necessida- conteúdo da discussão.
des do serviço, o que poderá levar a uma melhoria dos Posteriormente à realização da seção de discussão,
serviços prestados nesse tipo de atendimento. a equipe organizadora reuniu-se para analisar os dados
obtidos mediante leitura cuidadosa dos registros. Na
análise dos dados, procurou-se verificar as tendências e
padrões das opiniões apresentadas.
3 PLANEJAMENTO E EXPERIMENTAÇÃO Foram feitos 02 (dois) relatórios: ata da reunião e
análise das discussões do grupo com definição de
diagnóstico e levantamento de sugestões.

Na parte inicial desta pesquisa, planejou-se o roteiro


de discussão, em vista de algumas observações
preliminarmente realizadas. Esse roteiro, mostrado a seguir, 4 RESULTADOS OBTIDOS
continha perguntas abertas, em número de cinco, sendo a
primeira relacionada ao escopo e à abrangência do serviço
focalizado; as duas perguntas seguintes, mais específicas,
referiam-se a detalhes dos serviços em andamento, e as duas As informações produzidas pelo processo descrito
últimas perguntas visavam a obtenção de sugestões. foram apresentadas como subsídios aos chefes dos seto-
Roteiro de discussão: res envolvidos, contribuindo para a implementação de
a) você considera que o serviço de emergência em medidas de políticas de ação que resultaram em melhoria
que você atua atende plenamente ou parcial- geral de desempenho do setor de emergência focaliza-
mente as necessidades do paciente? do. A partir dos relatórios elaborados, iniciou-se um pro-
b) qual a sua opinião com relação ao desempenho cesso de sugestões e melhorias que resultaram na elabo-
do C.D. e a qualidade do serviço prestado? ração de documento, contendo diretrizes relacionadas
c) quais as dificuldades encontradas nesse tipo de ao atendimento de urgência do referido setor.
serviço de atendimento ? Constatou-se que o bom desenvolvimento do servi-
d) você tem alguma proposta para melhorar o grau ço de emergência focalizado depende de três fatores, rela-
de satisfação do usuário? cionados a habilidades do profissional de emergência que
e) você tem alguma proposta para melhorar o grau irá atender o caso: o bom-senso, a capacidade de resolu-
de satisfação do C.D.? ção e a capacidade de bem orientar; considerando que o

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tratamento definitivo estará a cargo de outro profissional. 3 CURY, S.E. et al. Qualidade de vida e espondilite
Com base nas considerações mencionadas, foram fi- anquilosante: estudo-piloto. REVISTA BRASILEIRA
xadas normas de atendimento com vistas a evitar possíveis DE REUMATOLOGIA, local, v.35, n.2, p.77-87, mar.-
transtornos, criando-se a Clínica de Urgência, com priori- abr. 1995.
dade de atendimento para pacientes das unidades que não
prestam esse tipo de atendimento. Fixou-se escala de servi- 4 DEBUS, M. Manual para excelência en la
ço, buscando a participação de todos os profissionais da investigacion mediante grupos focales.
área e rodízio de atendimento prestado, evitando-se so- Washington: HealthCom, 1994.
brecargas no setor de emergência. Foram delimitadas as
atribuições de cada funcionário do setor, procurando-se 5 BARBOSA , E.F.; GOMES, M.E.S. A técnica de grupos
evitar interferências e melhor a fluidez do atendimento. focais para a obtenção de dados qualitativos.
Educativa, fev. 1999.

6 MAZZOTI, Aldo Judith. O método nas ciências


naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa.
5 ABSTRACT
São Paulo: Pioneira, 1998.

7 NUTO, S.A S.; NATIONS, M.K. Avaliação qualitativa


dos serviços de construção de cidadania. REVISTA
This article reports procedures and results of a
AÇÃO COLETIVA, vol.2, n.3, jul./set. 1999.
research carried out aiming at the qualitative research
instruments application and development in the
8 RODRÍGUEZ, M.S. Características epidemiológicas
evaluation and improvement of the public health system,
de los pacientes que acuden al serviço de
checking the usefulness of Focal Groups for the
emergência de La Faculdade de Odontologia de la
odontological emergency area performance analysis in
U.C. Venezuela. Caracas: FOUCV, 1990.
public health service in the Belo Horizonte (MG) area.
9 SILVA, O.M.P. Dimensionamento do serviço de
odontológico de emergência do Hospital Municipal
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Prof. Waldomiro de Paula. São Paulo: USP, 1993.

10 WESTPHAL, M.F. et al. Grupos focais: experiências


precursoras em programas educativos em saúde no
1 BARBOSA, E. F. Instrumentos de coleta de dados em Brasil. BOL. OFICINA SANIT. Panamericana; v.120,
pesquisas educacionais. Educativa, out. 1998. n.6, p.472-482, jun. 1996.

2 CARLINI COTRIN, B. Potencialidades da técnica


qualitativa grupo focal em investigações sobre abuso
de substâncias. REVISTA SAÚDE PÚBLICA, v.30,
n.3, p. 285-293, jun. 1996.

E d u c . Te c n o l . , B e l o H o r i z o n t e , v. 5 , n . 2 , p . 4 3 - 4 6 , j u l . / d e z . 2 0 0 0

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