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Laís Alegretti
https://www.bbc.com/portuguese/geral-52998256
“Não era amor quando me afastei de todos os meus amigos para estar numa relação.”
“Não era amor quando eu tinha que me desculpar por algo que eu não tinha culpa só para
que as coisas ficassem ‘bem’.”
“Não era amor quando ele me dizia que eu tinha sorte dele me amar tanto porque ninguém
me suportaria.”
Essas são algumas das mensagens que circularam no Twitter na semana do Dia dos
Namorados, comemorado em 12 de junho no Brasil. Elas são parte da campanha
#NãoEraAmorQuando, criada para alertar sobre características comuns em relacionamentos
abusivos.
‘Ele não me batia, mas deixou cicatrizes’: atriz, vítima de abuso emocional, narra sua história
No momento em que fotos de casais apaixonados inundam os comerciais e as redes sociais,
o objetivo da campanha é expor sinais de relacionamentos abusivos, sejam eles físicos ou
psicológicos. Esses relacionamentos são marcados por controle, manipulação e até
agressões.
“As mulheres que estão em casa com agressores na pandemia estão encurraladas. Elas não
têm mais nem mesmo o momento de levar o filho para a escola ou a distância de quando o
marido ou namorado sai para trabalhar.”
Nos últimos 12 meses, 243 milhões de mulheres e adolescentes de 15 a 49 anos foram
submetidas a violência sexual e/ou física por um parceiro íntimo, segundo estimativa da
Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres. “Como resultado do isolamento imposto
para impedir a disseminação da covid-19, dados mostram que esse tipo de violência se
intensificou”, aponta a entidade.
As vítimas são sempre mulheres? Não necessariamente, diz Abreu, mas na maioria das
vezes. Diferentes pesquisas apontam, segundo ela, que em mais de 80% dos casos o abusador
é um homem e a vítima é uma mulher.
Uma em cada três mulheres já sofreu violência sexual ou física, segundo a ONU, que aponta
que a maioria é praticada por parceiros.
Em entrevista à BBC News Brasil, a psicóloga tira dúvidas sobre relacionamentos abusivos.
A seguir, veja os principais pontos:
Para caracterizá-lo, são levados em conta fatores como o sofrimento causado em uma pessoa,
a frequência dos abusos, ciclos de agressão e escalonamento da violência.
“Ele tira o poder social dessa mulher principalmente com pessoas que teriam condições de
alertá-la. E isso pode acontecer de forma sutil, como comprando propositalmente uma casa
lá do outro lado da cidade, ou falando que as amigas não prestam. As coisas vão se escalando
e a última etapa, em alguns casos, é o feminicídio, ou seja, quando essa mulher é morta.”
A psicóloga aponta que, nessas relações, o outro se torna o centro da sua vida e seu
comportamento é moldado com referência ao que ele espera de você. Aí, o resultado é que
isso interfere na sua relação com a família, amigos, trabalho e, principalmente, na forma com
que você se enxerga.
Mas só há momentos de agressão nesse tipo de relacionamento? Não. “Mas até as partes que
as pessoas costumam chamar de partes boas pode ser uma compensação ou manipulação pós
abuso. É uma promessa de mudança que nunca vai vir, uma estratégia.”
São três as fases presentes nessas relações, e uma delas é exatamente o que a especialista
chama de lua de mel.
A primeira fase, segundo ela, é a tensão. “É quando a mulher vai cedendo: não corta o cabelo
porque ele disse pra não cortar, troca a roupa que ele pediu, vai perdendo a identidade.”
A terceira fase é a lua de mel. “São conversas íntimas, sexo intenso, é quando ele promete
que vai mudar.”
Esse ciclo se repete, segundo Abreu, mas tem durações diferentes em cada relação. “Uma
mulher pode apanhar uma vez por ano e ao longo do resto do ano ele só a ameaça sutilmente.
E uma outra mulher que não sofre violência física pode passar por todas essas etapas em um
mesmo dia (no discurso).”
“A mesma sociedade que cria solo fértil para um relacionamento abusivo é a que culpa essa
mulher porque ela não consegue sair desse relacionamento. Falta ajuda desde o atendimento
psicológico, passando por polícia e pela aplicação da lei.”
Além disso, o abuso financeiro é um dos principais motivos para o alto número de violência
contra a mulher. Sem renda própria elas são manipuladas, humilhadas, controladas e até
agredidas física e sexualmente. “Isso não quer dizer que mulheres independentes
financeiramente também não entrem em relacionamentos abusivos, mas a dependência
financeira dificulta a saída desses relacionamentos.”
O abuso financeiro pode começar de forma sutil, com o parceiro tomando as decisões
financeiras pela mulher, e chegar a situações em que ele pega o cartão de crédito, pergunta
onde ela iria morar se eles se separassem, diz que ela não teria dinheiro para pagar um
advogado.
Outro problema, segundo a psicóloga, é que desde crianças meninos e meninas aprendem
que violência pode significar amor. “A gente aprende desde pequena que abuso é amor. O
menininho bate em você e algum adulto diz que ele bateu em você porque ele gosta de você.
Você escuta isso desde pequena.”
Além desses casos, a psicóloga diz que é importante oferecer ajuda para a vítima, perguntar
como ela está, ajudá-la a entender o que ela está passando. Também é recomendado oferecer
ajudas práticas: oferecer para ela dormir na sua casa ou ajudá-la no pagamento de um
advogado ou atendimento psicológico, se você puder.
“Essa mulher está culpada, isolada, com vergonha de pedir ajuda, sem dinheiro, e muitas
vezes já teve ajuda negada.”
O que não ninguém deve fazer, segundo Abreu, é colocar mais culpa nessa mulher, como
perguntar o que ela fez para isso acontecer. Nem mesmo dizer para ela terminar o
relacionamento na hora é recomendado, de acordo com a especialista.
“Não exija que essa mulher termine se ela não tiver forte o suficiente. Exigir o término vai
ter efeito contrário: ela vai se sentir pouco acolhida, cobrada e retomar a relação ainda mais
forte com o abusador porque não encontrou apoio fora da relação.”
Ela recomenda sugerir leituras e vídeos para que a vítima se informe sobre o tema, sugerir
uma terapia e, sobretudo, não julgá-la.
“Não julgar, não cobrar, não pressionar, oferecer ajuda do coração e saber que quando a
gente ajuda uma mulher nesse contexto pode ser que o tempo dela não tenha chegado ainda,
mas saiba que você plantou uma sementinha e ela saberá que pode recorrer a você.”
A experiência de Abreu com atendimentos nessa área aponta, segundo ela, que esse apoio
continuado normalmente vem de amigas ou familiares mais próximas. Quando é um caso de
emergência, normalmente a intervenção é feita por uma vizinha ou vizinho.
“O término é o maior ‘não’ que esse abusador recebeu dessa mulher na vida. O que acontece
depois é um show de horrores. Ele vai no ponto fraco dela: pode dizer que agora vai fazer
terapia, que agora aceita ter filho, ou se o sonho dela é se mudar, ele vai dizer que vai se
mudar. Ou pode ficar ainda mais agressivo e mais manipulador.”