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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PROCESUAL

DIREITO E LITERATURA – SEMESTRE 2021.1

TURMA NOITE

1ª AVALIAÇÃO PARCIAL – QUESTÕES PARA SEREM RESPONDIDAS


INDIVIDUALMENTE E ENTREGUES ATÉ 24:000 HS DO DIA 03/07/2021, por via de ANEXO de
mensagem eletrônica dirigida a: palbuquerque@ufc.br

Nome: Inácio Duarte Gadelha

Matrícula: 388922

1) No texto “ O Direito à Literatura”, Antonio Cândido diz que a fabulação constitui uma
dimensão importante da vida humana. Tendo isso em vista, como você acha que ela se
manifesta no Direito ?

A fabulação trazida no texto “O Direito à Literatura” é, resumidamente, o conjunto de ações


do ser humano que envolve abstrações e atividades de natureza imaginativa. Fazendo uma
regressão ao homem primitivo, a fabulação representa um intervalo entre os momentos de
pura sobrevivência; quando não estava caçando o próprio alimento ou lutando por sua vida, o
ser humano apreciava batidas de pedras em certo ritmo, provavelmente rabiscos na areia, e, o
principal, desenhos nas cavernas. Os elementos pictóricos das pinturas das cavernas são
produto da fabulação humana, que foi o primeiro passo para a escrita: que nada mais é que
um conjunto de imagens dispostas de forma a traduzir o pensamento humano compreensível.

Desta forma, a fabulação possibilitou a tradução do pensamento humano no sentido de


transmitir costumes e tradições a uma comunidade, estabelecendo assim um padrão de
comunicação que estimulasse a evolução do raciocínio para solucionar eventuais problemas da
sobrevivência do grupo. Assim, o ato de fabular atravessa a arte, a cultura e as emanações da
criatividade humana para a identificação daquele conteúdo de pensamento, que, por sua vez,
é resultado da observação humana. Afinal a fabulação humana também é um produto dos
conhecimentos e experiências de um indivíduo. E é a partir de toda a bagagem adquirida pelo
ser humano, em conjunto da sobrevivência em uma comunidade que surge a necessidade de
estabelecer padrões de convívio que permitam manter a estrutura social em harmonia.

Portanto, ao se manifestar do pensamento à linguagem, a fabulação permite ao ser humano


analisar problemas no meio em que está inserido e modifica-los para preservar seu bem estar
ou o do grupo. Logo, uma consequência desse conjunto seria o Direito, pois este é a
manifestação do senso comum e normas morais consequentes de todo o processamento
humano do pensamento.
2) Pode-se se dizer que François Ost traça um modelo histórico-evolutivo da figura do juiz em
seu texto “No começo era o juiz”? Justifique sua resposta.

No texto “no começo era o juiz”, François Ost inicia sua argumentação discorrendo sobre a
figura do juiz perante o Direito, apresentando-o brevemente como um protagonista da relação
jurídica que tem como missão dizer o Direito. No entanto, nota-se que o autor não
necessariamente constrói a figura do juiz em si de forma cronológica, mas sim, apresenta os
elementos inerentes à construção do Direito baseado na vingança e justiça, “encaixando” a
figura do juiz ao longo da narrativa. Desta forma, o texto nos apresenta uma espécie de
antologia do Direito que evidencia o papel do juiz em cada narrativa e ocasião, com o intuito
de demonstrar que a figura do juiz pode ser um reflexo da concepção de justiça de cada
período e contexto. Assim, ao apresentar um conjunto de obras e situações que invocam a
noção de justiça, o autor traça um paralelo com a inserção da figura do juiz, o que de certo
modo pode ser caracterizado como um modelo evolutivo do magistrado. No entanto, mais
parece que o autor elaborou um modelo histórico-evolutivo da justiça e deu protagonismo ao
juiz, já que o mesmo é tido como o coração do sistema pelo autor.

3) Como a figuras femininas são retratadas na narrativa da história em Dom Casmurro, de


Machado de Assis? Que perspectiva de direitos e/ou ausência de direitos elas manifestam?

No romance Dom Casmurro, tem-se uma narrativa intencionalmente machista e falocêntrica,


visto que toda a estória é contada do ponto de vista do protagonista. O discurso levantado por
Bentinho, o narrador, assume contornos narrativos que enxergam a mulher a partir de uma
cultura patriarcal enraizada em costumes e valores que somente a desvalorizam. Tendo Capitu
como a figura feminina principal da obra, visto que a personagem representa o
desmoronamento emocional de Bentinho, a mesma é sempre colocada numa posição de
inferioridade, já que é enxergada sempre com a imagem negativa de mulher adúltera. Logo,
como dito anteriormente, Capitu, ao invés de ser retratada por um ponto de vista imparcial e
até mesmo verdadeiro, é um produto de especulações desesperadas do narrador-personagem.

Vale ressaltar ainda que na fase juvenil de Bentinho, Capitu era retratada como uma menina
dotada de inigualável beleza, inteligência e olhar único; características evidenciadas por um
olhar apaixonado do narrador, evidenciando mais uma vez suas idealizações e conjecturas
sobre Capitu.

Ademais, Machado de Assis também apresenta Dona Glória, mãe de Bentinho. A personagem
é representada como uma dona de casa que tenta seguir a vida normalmente após a viuvez, de
forma natural, demonstrando diversas vezes ( pelo ponto de vista do autor) que somente o
matrimônio fora capaz de definir as boas memórias de sua mãe, que era nada mais que um
modelo feminino de mãe, esposa que se dedica a vida familiar com prazer, delineando um
determinado perfil social da época. Por fim, tem-se a Dona Fortunata, mãe de Capitu, que
assim como Dona Glória, também é definida como uma dona de casa dedicada, porém com
uma postura mais determinada e altiva, o que contrasta com seu marido, que assume uma
personalidade mais pacífica.
A personagem Dona Glória, como é destacado no livro, representa a mulher, dona de casa,
que tenta seguir a vida normalmente, mesmo após o falecimento do marido. Podemos inferir,
que essa mulher, ao seguir sua vida de forma natural, demonstra que o matrimônio lhe deixou
boas memórias, o que é confirmado por Bentinho, no trecho em que ele menciona uma
fotografia em que seus pais estavam juntos e felizes. Logo, Dona Glória também figura um
modelo feminino real, o de mãe, esposa, e, posteriormente, viúva, que se dedica a vida
familiar, e de alguém que cumpre a rotina com prazer.

No entanto, em razão da narrativa assumir uma postura falocêntrica, observa-se que as figuras
femininas em Dom Casmurro acabam tendo sua voz tolhida, já que o livro retrata a verdade
para Bentinho, de acordo com sua insegurança e imaginação. A ausência do direito à voz é o
que relega imagens negativas às mulheres na obra, sobretudo a Capitu, que sequer foi ouvida
a respeito de seu suposto relacionamento com Escobar. Além disso, é demonstrado que a
figura feminina não possui direitos intelectuais nivelados com o homem, tendo em vista que
para Bentinho, o homem possui uma superioridade intelectual em razão à mulher, decerto por
frequentarem ambientes voltados a estímulos intelectuais masculinos.

4) È correto dizer que a narrativa de Kafka no livro Na colônia penal testa os limites do
direito e da civilização ?

Inicialmente, na Colônia Penal retratada no texto, era inimaginável a noção do acusado dispor
de princípios como contraditório e ampla defesa, visto que foi demonstrado que o acusado do
desvio de conduta não tinha qualquer domínio sobre as razões de sua sentença.

Ademais, acerca da sentença, observa-se que há uma discussão acerca da mutabilidade da


mesma. O oficial era a última figura na colônia que defendia as penalidades envolvendo
utilização da tortura, que, por sua vez, não era mais o método adotado por outros funcionários
do governo. O explorador inclusive julga a execução da pena por tortura um método injusto e
claro de degradação humana. Observa-se, a partir da manifestação do visitante da colônia
penal, a opinião social muda progressivamente, demonstrando uma repulsa quanto a
execução. O método utilizado na colônia penal era ultrapassado, visto que não respeitava o
básico da dignidade da pessoa humana no contexto penal.

Trazendo as concepções do Direito à obra, percebe-se que um modelo totalitário de governo


que adota a tortura como meio de execução de pena é intolerável num estado de Direito, o
que claramente testa seus limites. A obra desperta ainda a consciência dos direitos
fundamentais e, sobretudo das conquistas sociais – que não podem ser reprimidas sob pena
de retrocesso social. Deste modo, ao testar os limites do Direito, a Colônia Penal,
inevitavelmente testa os limites da civilização, visto que tais conceitos são intrínsecos.

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