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As artes liberais e mecânicas como uma via preparatória

para a aquisição da sapiência, segundo Hugo de São Vitor


Wesley Athayde
PUC/SP, São Paulo

Na idade média foram destacadas de modo especial sete ciências para fazerem parte do
programada de estudo acadêmico, a saber: o “Trívio” contemplando as artes da gramática,
dialética e retórica, e o “Quadrívio” com as artes da aritmética, música, geometria e astronomia.
Nestas artes, foram encontradas tantas utilidades em comparação com todas as outras artes que,
qualquer um que adquirisse firmemente o conhecimento delas, chegaria ao conhecimento de
qualquer outra arte, mais pesquisando e praticando do que ouvindo. Elas eram como
instrumentos pelos quais ao espírito é preparada a via para o pleno conhecimento da verdade
filosófica. Por esta razão se chamaram “Trívio” e “Quadrívio”, pois por elas, como se fosse por
algumas vias, o espírito vivo penetra nos segredos da sabedoria.

No século XII, Hugo de São Vítor apresenta uma outra divisão das artes que constituem a
filosofia. Nessa nova divisão, o “Trívio” e o “Quadrívio” deixam de ser o todo do saber
filosófico passando, dessa forma, a ser “parte” dessa nova divisão da filosofia. Essa nova
divisão da filosofia apresentada por Hugo se constitui em quatro grandes ciências: Teórica,
Prática, Mecânica e Lógica. Cada uma dessas ciências contém, por sua vez, diversas artes: a
tríade teórica é composta pelas artes da teologia, matemática e física, já a tríade prática se
compõe das artes da ética, econômica e política. A ciência Mecânica é composta por sete artes:
lanifício, armadura, navegação, agricultura, caça, medicina e teatro, as artes do “Trívio”
(gramática, dialética e retórica) são incluídas na ciência lógica. O “Quadrívio” (aritmética,
geometria, astronomia e música) é identificado como artes pertencentes à matemática. Embora
Hugo desmembre as sete artes liberais, identificando o “Quadrívio” à matemática, uma parte da
filosofia teórica, e incluindo o trívio na lógica, continua a lhes atribuir um papel relevante.

Toda disciplina ensinada por Hugo de São Vítor a seus alunos, está embasada na Sapiência
que, para ele, é a mente divina: “De todas as coisas a serem buscadas, a primeira é a Sapiência,
na qual reside a forma do bem perfeito”. Com essa frase, Hugo inaugura o primeiro livro do
Didascálicon de studio legendi. A Sapiência é a mente divina, a mente de Deus; é ela que tudo
rege que tudo conhece e que possui o saber de todas as coisas. Assim, quando é colocada acima
da razão humana, ou seja, quando a razão do homem é submetida ao poder da Sapiência, ele se
aproxima do estado mais puro de ser. Iluminado pela Sapiência, passa a conhecer a si mesmo,
tomando conhecimento do que ele realmente é e porque existe. Essa iluminação da Sapiência se
dá na alma do homem e, quando iluminada, “a alma, com efeito, conhece os elementos e as
coisas que derivam dos elementos, pois pela inteligência compreende as causas invisíveis das
coisas, e pelas impressões dos sentidos, recolhe as formas visíveis das coisas corpóreas”.

A filosofia procura esse conhecimento, e procurando, ela se aproxima de Deus criando certa
afeição com a divindade. Mas, para chegar a essa proximidade, há uma preparação, um caminho
a ser percorrido e o primeiro passo, para palmilhar esse caminho é o conhecimento de si mesmo,
ou seja, o conhecimento da alma humana. A alma possui uma potência tripla, necessária para a
subsistência humana. A primeira potência age em função da manutenção do corpo, a segunda é
a capacidade de discernir perante a percepção e a terceira é a força da mente, ou razão. Sem
essas potências o homem não tem condição de entender, para que, entendendo, possa conhecer
e, com o conhecimento e o entendimento, chegue, através da razão, a uma proximidade com
Deus. A primeira potência relaciona-se com o corpo físico e sua manutenção, higiene e
preservação; a segunda com o discernimento das coisas materiais, ou seja, a capacidade de
arbitrar perante o mundo material e a terceira com a razão e a mente. Apenas os homens
possuem essa tripla potência. As plantas possuem apenas a primeira potência e os animais, a
primeira e segunda.

Existem ainda outras duas partes em no qual o homem se constitui: a parte mortal e a parte
imortal. A parte mortal é passageira, está condenada a ter um fim, a parte imortal é eterna, sendo
está, que o homem deve voltar toda sua atenção e desempenho em preservá-la..

É na preservação de sua parte imortal, que está incluído o trabalho da ciência teórica (que
trata da investigação da verdade), é ela que preservará sua constituição eterna e a reintegrará ao
seu estado de origem.

Desta forma, para que o homem possua uma vida virtuosa é necessário que em suas ações
haja uma sinergia entre inteligência e ciência, pois tal sinergia permite preparar o homem para a
ciência teórica ou Sapiência Divina.

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