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Orlando Cruxên 1
Resumo
Este artigo aborda as concepções de Jacques Lacan sobre a homossexualidade masculina, principalmente aquelas contidas no
Seminário, Livro V, As formações do inconsciente. Coteja os paradigmas teóricos acerca do assunto apresentados no referido seminário
com alguns dos recortes apresentados por Freud sobre a mesma temática. Além disso, o artigo chama, ainda, a atenção para
algumas opiniões problemáticas e sem rigor formal, representando preconceitos na abordagem do tema.
Abstract
The presente articleisan approach about Jaques Lacan’sconceptions on malehomosexuality, which were presented in theSeminar,
Book V, The formations o f the unconscious. It considers the theoretic paradigmas about the themeas described in the mentioned
work, which brings also some of Freudian theories on the subject. Besides, the article stresses some problematic considerations
without forma laccuracy, what means a biased approach of the theme.
No tempo do casamento gay, recen- prevalece aqui. Que não nos ve-
temente aprovado na Bahia, faz-se neces- nham dizer, a pretexto de que essa
sário discutir o aporte da psicanálise às es- era uma perversão aceita, aprovada,
truturas homossexuais. Até mesmo porque até mesmo festejada, que não fosse
ao contrário de posições perversas clássi- uma perversão. A homossexualida-
cas, o homossexual é um habitué do divã. de não deixava de ser o que é, uma
A reivindicação gay pelo casamento parece perversão”. (Lacan, 1992, P.39)
acenar para um pedido do sujeito de re-
E mais adiante, ele comenta sobre O
conhecimento de seu desejo. Implica para
Banquete:
uma saída da clandestinidade e do uso ple-
no da palavra. “Porque, afinal de contas, este ban-
quete tomado em seu aspecto exte-
Atemo-nos aqui, às contribuições
rior, por alguém que nele penetre
de Lacan ao tema, principalmente, àque-
inadvertidamente, pelo camponês
las contidas no Seminário, livro V, sobre as
que sai de seu pequeno rincão nos
formações do inconsciente. (Lacan, 1992)
arredores de Atenas, representa,
Vale lembrar que, ao contrário de Freud
convenhamos, uma espécie de as-
(1910/ 2006a), o discurso dos psicanalis-
sembleia de tias, como se diz, uma
tas tem sido preconceituoso ao longo de dé-
reunião de bichas velhas“. (Lacan,
cadas. Temos que levar em conta que, em
1992, p. 47)
sua maioria, o psicanalista atual tem sua
formação universitária nos cursos de gra- Freud, ao situar um dos modelos da
duação em Medicina – com especialidade homossexualidade masculina, como resul-
em Psiquiatria - e no curso de Psicologia, tando de uma deferência ao pai, portanto
que em nosso entendimento são original- ao simbólico, teve uma melhor escuta de
mente lugares de manutenção da norma e posições subjetivas que parecem multiface-
do controle social que se associam ao poder tadas, diversas.
dominante. O desenvolvimento teórico do Semi-
Se as considerações de Lacan são, nário, livro V, situa três estruturações dis-
por vezes, preconceituosas no Seminário, tintas, relativas, uma ao travestismo e duas
livro VIII, quando situa o homossexualismo às homossexualidades masculinas.
enquanto uma perversão e compara o Ban-
quete a uma assembleia de “tias velhas” ,
no Seminário, livro V, ele se mostra mais
versátil e rigoroso. Não podemos esquecer,
O Édipo invertido
como sublinha Coutinho Jorge, que a pos-
tura preconceituosa dos psicanalistas é a O Édipo teria como função a norma-
única coisa em comum entre lacanianos e lização, ou seja, a assunção do sexo pró-
ipeístas. (Jorge, 2010). “Moebianamente” prio. Como cantou Caetano em sua música
(neologismo do autor), Lacan permitiu a intitulada Vaca profana, “De perto ninguém
formação aos homossexuais e considerou é normal”, e Lacan sublinha os destinos
que eles são perfeitamente analisáveis. edípicos tumultuosos no caso do menino.
Vejamos a citação de Lacan, no Se- Retoma, então, a noção freudiana de Édipo
minário, livro VIII: invertido.
“Isso não impede que o amor gre- Pode ocorrer no desenrolar do Édi-
go permaneça uma perversão, por po que o menino se encontre numa posi-
maior sublimação que seja. Ne- ção passiva em relação ao pai. O pai, que
nhum ponto de vista culturalista interditou tanta coisa, torna-se amante no
masculino e sua ausência no objeto amado ne. Sua atração sexual e seu desejo, entre-
é intolerável. tanto, eram dirigidos a jovens. Suas cartas
à Madeleine se constituíram como fetiche.
“Más tarde hemos llegado a conocer
Uma vez rasgadas por Madeleine, provoca-
todavía, como poderoso motivo para
ram em Gide um estremecimento no fundo
la elección homosexual de objeto, la
do ser e verdadeiros gritos de fêmea.
deferencia por el padre o la angustia
No Seminário, livro XX, Mais ainda,
frente a él, pues la renuncia a la mu-
Lacan (1985, p.105) simplifica as posições
jer tiene el significado de “hacerse a
sexuais em termos de sexuação. É faculta-
un lado” en la competência con el (o do ao falasser colocar-se no lado homem,
con todas las personas de sexo mas- ou no lado mulher, das fórmulas de sexu-
culino que hacem sus veces”. (Freud, ação. São João da Cruz é citado como al-
(1922 [1921] / 2006b, p.224) guém que se situou com afinidade no lado
mulher das fórmulas. Afinal, heterossexu-
Freud, em seguida, descobriu que alidade advém da diferença oposicional dos
uma forte deferência ao pai, na altura do significantes e deve ser mesmo todo tipo de
complexo de castração, motiva a homosse- amor pela diferença.
xualidade. A posição de Freud foi mais atenta
Em um modelo que pode ser articu- e aberta. Aliás, o repúdio ao feminino, en-
lado ao precedente, Freud postula na ori- carnado na aversão atual ao homossexua-
gem da homossexualidade um ciúme arcai- lismo, parece uma nova forma de repressão
co, dirigido contra os irmãos mais velhos. sexual. Como assinala Jorge (2011, p.62)
Ciúme este, derivado do complexo materno. referindo-se ao último tópico, do terceiro
Esses impulsos sofrem o recalque e experi- ensaio de Os três ensaios sobre a teoria da
mentam uma transformação, de forma que sexualidade:
os antigos rivais surgem como os primeiros “Nele podemos observar a maneira
objetos amorosos homossexuais. sub-reptícia pela qual Freud prati-
camente traz a homossexualidade
Este processo, em contraste com-
para o campo da normalidade. Ao
pleto com o desenvolvimento da paranoia,
observar que a atração que os ca-
demonstra uma exageração do movimento
racteres sexuais antagônicos exer-
que conduz ao nascimento de pulsões so-
cem um sobre o outro não é sufi-
ciais no indivíduo.
ciente para excluir a perversão, ele
O quadro é caracterizado por uma
pondera que a interdição desta pela
mudança muito precoce das pulsões agres-
sociedade é um fator proeminente
sivas tanto quando pelo fato da identifica-
para realizar tal exclusão. E acres-
ção com a mãe retroceder para segundo
centa que: `quando a inversão não é
plano. Há, aqui, um amor pela diferença
considerada um crime, ver-se-á que
que convive com a heterossexualidade e
ela responde amplamente às incli-
não contém traços do horror feminae.
nações sexuais de um número não
Outras considerações de Lacan sobre a ho- pequeno de pessoas`.
mossexualidade masculina
Apenas a título de informação, assi-
nalamos que Lacan (2000) também tratou
de homossexualidade masculina em A ju- Referências
ventude de Gide, texto dos Escritos. Ali, ele
pondera sobre a disjunção entre a corren- FREUD, S. (2006a) Um recuerdo infantil de
te do amor e a do desejo. Gide, realmente, Leonardo da Vinci Buenos Aires: Amor-
amava sua prima e futura esposa Madelei- rortu. (Original de 1910)
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Psicanalista. Professor Associado II do Departamento de Psicologia da UFC. Membro do Laboratório de Psicanálise da
UFC e do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise – Seção Fortaleza. Av. Santos Dumont, 3131 - A / 521Shopping Del
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