Você está na página 1de 7

1

Nome próprio: mais que uma palavra,


uma questão de identidade, de
cidadania, de relação afetiva
Paula Ferreira FREIRE 1

“Como é, como é o seu nome?


Quero conhecer você!
O seu nome é...
Muito prazer em conhecer!”

Domínio público

Músicas que entoam os nomes próprios são bem familiares nas rodas de cantoria e em
atividades de integração e acolhidas envolvendo as crianças pequenas no contexto escolar.
Essas cantigas, além de convidarem à experimentação musical e corporal de forma lúdica e
alegre, auxiliam no processo de identificação de cada um pelo seu nome – o nome próprio!
Este, não constitui apenas uma palavra como outra qualquer, comum, simples... pertence à
cada um, de modo particular e único. Embora existam nomes semelhantes entre as crianças,
o nome próprio completo, com seu (s) sobrenome (s) é totalmente “pessoal e intransferível”.
Então, podemos afirmar que o nome próprio representa o primeiro indício da identidade
pessoal da criança, que a diferencia das demais.
Antes mesmo do nascimento, o processo identitário da criança se inicia, à medida que

Com a palavra, a professora...


O trabalho com o nome próprio traz a questão da identidade.
Penso que vai além das questões cognitivas. O nome traz a relação afe-
tiva, a questão da própria existência de cada um. A educação infantil é
uma das portas pra esse acesso à cultura letrada.
Professora Karine, turma Infantil V, CEI Mario Quintana

A criança já tem contato com o nome muito antes de entrar na


escola. Ela já tem aquela identificação, aquela familiaridade. Eu acho
o nome importantíssimo não só para a alfabetização e o letramento,
mas pra vida social da criança, pra questão da identidade, da autoesti-
ma, da sociabilidade com as demais crianças.
Professora Poliana, Turma Infantil IV,
Escola Municipal Denizard Macedo

1 Mestra em Educação - UECE; Técnica da Coordenadoria de Educação Infantil – SME/Fortaleza; Psicóloga – UNIFOR.

A criança e o seu nome: Identidade, expressão e escrita na educação infantil 13


os pais pensam, desejam, planejam e espe- FIQUE ATENTO
A NOSSA PROPOSTA!
ram a sua chegada. A escolha do nome, por
sua vez, entrelaça-se à história de vida dos O capítulo 9 da Proposta Curricular
para a Educação Infantil da Rede Municipal
pais e parentes, já nascendo imbuído de sen- de Ensino de Fortaleza (FORTALEZA,
timentos e significados, trazendo uma im- 2016) contempla a discussão acerca dos
Campos de Experiência, detalhando cada
portante carga afetiva, que desde cedo lhe um com todos os Diretos de Aprendizagem,
é e será estruturante. Desse modo, o nome especificamente em cada nível dessa etapa.
Como vimos, o processo identitário
próprio, ao mesmo tempo em que diferen- das crianças pequenas pode ser trabalhado
cia cada um dos membros de uma família, continuamente nos tempos da rotina
escolar, perpassando pelos vários direitos
os agrega simbolicamente, integrando todos em especial pelo DIREITO DE CONHECER
em um só grupo (MARTINS, 1991). A SI E AO MUNDO. O Campo O EU,
O OUTRO E O NÓS, da mesma forma,
A criança nasce, recebe o seu nome e contempla, especialmente, “a construção
com ele a impressão, marca ou registro de da identidade individual e coletiva
da criança. Ao mesmo tempo em que
parte de sua história de vida, que também explora as individualidades das crianças e
continuará sendo transmitida aos seus des- incentiva a construção de sua autonomia,
convida-a se construir como ser coletivo,
cendentes. Quanta responsabilidade, não é que conhece o outro, que o respeita
mesmo? Assim, a criança já nasce perten- na sua singularidade e diversidade, a
partir das interações, dos encontros, do
cendo a um contexto histórico, sendo per- diálogo, na busca da constituição do ‘nós’”
sonagem e autora, à medida que vai cons- (FORTALEZA, 2016, p. 63).
Podemos citar, no Infantil I, o
truindo a sua trajetória pessoal e social. O Direito de a criança EXPLORAR a sua
nome próprio representa civil e socialmente imagem, comparando-a com a imagem
de outras pessoas, tendo a identidade
a criança. O nome próprio contribui para a (construção do eu) como conhecimento
individualização da criança, enquanto su- a ser apropriado por ela, mediante a
vivência de ações didáticas que lhes
jeito que já nasce “social”, também determi- proporcionem momentos de expressão
nada pela cultura. Ela vai se diferenciando, corporal e reconhecimento de si mesmas
usando espelhos, fotografias, vídeos, etc.
constituindo-se única, apreendendo e pro- (FORTALEZA, 2016, p.64).
duzindo cultura para que consiga exercer a
cidadania de maneira que lhe seja singular.
QUER SABER MAIS?
Seguindo essa perspectiva, a criança
nasce inserida em um dado tempo histórico
SILVA, M. M. M. de. e SANTIAGO, A.
e social, permeado de contextos que lhe pos- L. B. Alfabetização, nome próprio e
sibilita interações diversas. Assim, atuando subjetividade, 2015. Disponível em
<https://anpedsudeste2014.files.wordpress.
no meio físico e social, ela vai aprendendo e com/2015/07/marlene-maria-machado-da-
se desenvolvendo continuamente (VYGOT- silva-ana-lydia-b-santiago.pdf> (acesso em
02/04//2017)
SKY, 1991). É nesse processo dialético de in-
terações que a construção de sua identidade
acontece.
Destacamos anteriormente que o nome próprio inaugura esse processo de constru-
ção identitária, e ocupa lugar de destaque na constituição do ser, pois é uma palavra que
contém forte conteúdo emocional e simbólico. Porém o nome não está sozinho, outras

14 A criança e o seu nome: Identidade, expressão e escrita na educação infantil


atividades e ações complementam e contribuem para dotar de mais sentido a construção
identitária da criança pequena, possibilitando a sua expressão a partir de linguagens múl-
tiplas, que integram as dimensões: cognitiva, socioafetiva, psicomotora e cultural de seu
desenvolvimento integral.
Dentre as ações, destacam-se as que vão desde a percepção sonora do vocábulo de
seu nome em situações cotidianas, passando pela visualização e identificação da grafia do
nome em roupas, utensílios e demais pertences da criança até a escrita, espontânea e con-
vencionalmente do próprio nome. Dessa forma, desde cedo a criança vai reconhecendo e
identificando a função social da escrita do nome próprio, isto é, para quê, quando e por que
é importante possuir um nome e aprender a grafá-lo.
Por isso, merece atenção especial o trabalho com o nome próprio na educação infantil,
considerando-o como propulsor de todo o desenrolar da construção identitária das crian-
ças pequenas nesse contexto educativo. Contudo, não deve estar vinculado unicamente à
grafia do mesmo. Gradativamente e de maneira significativa as crianças vão se aproprian-
do da escrita do nome próprio; vale assinalar, todavia, que essa escrita configura o primei-
ro triunfo da criança nas letras, segundo Bosco (2005).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2010) pro-
põem que as práticas pedagógicas da educação infantil, por meio das interações e brinca-
deiras, promovam às crianças o conhecimento de si e do mundo mediante a ampliação de
experiências sensoriais, expressivas e corporais, que possibilitem movimentação ampla,
expressão da individualidade e respeito pelos seus ritmos e desejos. Essa orientação apon-
ta a integralidade do currículo desde essa primeira etapa da educação; portanto, favorece
a construção da identidade da criança de maneiras variadas.
A vivência de situações de aprendizagem que proporcionem o desenvolvimento da
autonomia das crianças também contribui para o fortalecimento de sua identidade, tais
como as ações de cuidado pessoal e auto-organização, promotoras da saúde e do bem-estar
infantil. Da mesma forma, é essencial que as crianças interajam em ambientes seguros e
desafiadores, que lhes estimule a realizar experimentações sensoriais, motoras e corpo-
rais, as mais diversas, possibilitando a cada uma a liberdade de expressão de seus senti-
mentos, ideias, preferências e interesses. E que elas sejam respeitadas e acolhidas verda-
deira e amorosamente!
O desenvolvimento do processo identitário das crianças no ambiente escolar ainda
pode ser enriquecido com a realização de atividades e experiências nos variados tempos
que não podem faltar presentes nas rotinas da educação infantil da rede municipal de en-
sino de Fortaleza, que possibilitem vivências éticas e estéticas com outras crianças e gru-
pos culturais, a fim de ampliar os seus padrões de referência e de identidades, permeados
pelo diálogo, conhecimento e respeito à diversidade (BRASIL, 2010).
Atualmente, contamos com as orientações da Base Nacional Comum Curricular –
BNCC (BRASIL, 2016 – 2ª versão), especificamente na etapa da educação infantil, que esta-

A criança e o seu nome: Identidade, expressão e escrita na educação infantil 15


belecem os Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento
para os bebês, as crianças bem pequenas e as crianças pe-
quenas2 (conviver, brincar, participar, explorar, expressar, Pensando e
repensando a
conhecer-se). Estes, para que realizem significativa interlo- minha prática...
cução com os conhecimentos já sistematizados pelas crian-
ças, estão distribuídos em Campos de Experiências (O eu, Tenho organizado,
sistematicamente, ações e
o outro e o nós; Corpo, gestos e movimentos; Traços, sons, atividades diferentes que
cores e imagens; Escuta, fala, linguagem e pensamento; Es- valorizem a percepção
sonora, identificação e o
paços, tempos, quantidades, relações e transformações). reconhecimento do nome
próprio das crianças? Nos
O direito de CONHECER a si e o mundo refere-se di- Tempos que não podem
retamente ao processo identitário da criança, pois a partir faltar, tenho conseguido
possibilitar que as crianças
desse conhecimento desenvolve-se a construção de sua expressem livremente as
identidade pessoal, social e cultural, constituindo uma suas ideias e sentimentos,
sendo acolhidas e respeitadas
imagem positiva de si e de seus grupos de pertencimento, em suas especificidades? Nas
nas diversas experiências de cuidados, interações e brin- vivências que proponho,
as crianças podem realizar
cadeiras vivenciadas na instituição de Educação Infantil. escolhas a partir de suas
(BRASIL, 2016, p. 62). preferências pessoais?

O campo de experiência O EU, O OUTRO E O NÓS tam-


bém contempla de forma especial a construção da iden-
tidade pela criança e o seu processo de diferenciação, de tornar-se singular, a partir da
interação com outras crianças e adultos, em práticas sociais recíprocas, vivenciadas na
família, na comunidade ou na instituição escolar. Assim, as crianças constroem percep-
ções e perguntas sobre si, diferenciando-se e, simultaneamente, identificando-se com os
demais, além de aprenderem a distinguir e a expressar sensações, percepções, emoções e
pensamentos que lhes são próprios. (BRASIL, 2016).
Como vimos, o direito de CONHECER-SE pode ser contemplado em todos os campos
de experiências, e mais especificamente no campo O EU, O OUTRO E O NÓS. Pode-
mos, assim, concluir que o processo de construção da identidade pelas crianças deve ser
garantido como um DIREITO, vivenciado de maneiras diferentes, incluindo o trabalho
com o nome próprio, a partir de suas interações nos contextos em que atuam e perten-
cem, dentro e fora da creche e da escola.

2
Nomenclatura adotada na BNCC – 2ª versão: bebês (crianças de 0 a 1 ano e 7 meses de idade); crianças bem pe-
quenas (1 ano e 8 meses a 3 anos e 11 meses) e crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses).

16 A criança e o seu nome: Identidade, expressão e escrita na educação infantil


REFERÊNCIAS

BELUZO, A. F.; FARAGO, A. C. O trabalho com o nome próprio na Educação Infantil.


Cadernos de Educação: Ensino e Sociedade, Bebedouro - SP, 3 (1): 100-118, 2016. Dis-
ponível em (http://unifafibe.com.br/revistasonline/arquivos/cadernodeeducacao/
sumario/40/30042016104350.pdf (acesso em 24/03/2017)

BOSCO, Z. A errância da letra: o nome próprio na escrita da criança. (Tese de douto-


rado). UNICAMP, Campinas, 2005. Disponível em http://repositorio.unicamp.br/bits-
tream/REPOSIP/270365/1/Bosco,%20Zelma%20Regina.pdf (Acesso em 21/03/20017)

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curricu-


lares nacionais para a educação infantil/Secretaria de Educação Básica. – Brasília:
MEC, SEB, 2010.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Co-


mum Curricular. Proposta preliminar. Segunda versão revista/Secretaria de Educa-
ção Básica. – Brasília: MEC, SEB, 2016.

CIAMPA, A. C. Identidade. In: Psicologia Social: o homem em movimento. São Paulo:


Editora Brasiliense, 1994.

FERREIRO, E; TEREROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Mé-


dicas, 1999.

MARTINS, F. O. Nome próprio: da gênese do eu ao reconhecimento do outro. Brasília:


Editora Universidade de Brasília, 1991.

MORAIS, A. G. de. Sistema de escrita alfabética. São Paulo: Editora Melhoramentos,


2012.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 4ª ed. Brasileira. São Paulo: Martins


Fontes, 1991.

____________. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

A criança e o seu nome: Identidade, expressão e escrita na educação infantil 17


18 A criança e o seu nome: Identidade, expressão e escrita na educação infantil
Do direito de conhecer seu nome
ao processo de alfabetização

A criança e o seu nome: Identidade, expressão e escrita na educação infantil 19

Você também pode gostar