Ser o Sinthoma terpretação dos Sonhos, apoiado na elaboração
realizada no Projeto, ocupa-se da abertura de Bernardino C. Horne - EBP-Bahia - horneba@terra.com.br uma linha principal desta substância gozante, a do espaço escópico articulado com a satisfação No Seminário 23, O Sinthoma, Lacan (2007) afir- do prazer oral-digestivo. ma que o analista é o Sinthoma. Pergunto-me, Organizam-se, dessa forma, os eixos da cons- que significa ser o Sinthoma e como sê-lo. tituição do Real, do Simbólico e do Imaginário. Inicio investigando a origem do Sinthoma, seu Assim se vai tecendo a trama íntima de cada singular núcleo de real plantado no corpo, no registro: como cordas esticadas. Em algum mo- corpo gozoso de cada “falasser”, pelos Signifi- mento, as leis da linguagem, que funcionam cantes Um de Lalangue . como Nome do Pai, impõem-se ao capricho gozoso de lalangue, colocando a metáfora em A SATISFAÇÃO EM LALANGUE ação. A metáfora produz o amor e o saber. Em uma perspectiva de lalangue, a experiência Lacan cria a ideia de substância gozante a partir de satisfação se produz no momento inaugural da elaboração cartesiana de substância pen- do espaço onde se efetiva a primeira ressonân- sante e substância extensa. Diz em Mais, Ainda cia. Esse é o campo de Gozo, que o próprio “[...] Nós nao sabemos o que é estar vivo, senão Lacan chama Campo Lacaniano, definindo-o apenas isto, que um corpo é algo que se goza.” como uma orientação ao real dentro do Cam- (Lacan, 1985, p. 35). po Freudiano. É resultado do impacto do Sig- Se a pulsão é “no corpo, o eco do fato de que nificante Um no corpo vivo. Abre-se, assim, há um dizer” (Lacan, 2077, p. 18), esse dizer é um espaço novo, o da substância gozante. Ali sempre da lalangue. o real reina absoluto. Os significantes se agru- pam por suas relações com o gozo e se alinham O ATO E O SIGNIFICANTE DA por deslizamento, mobilizando consigo gozo TRANSFERÊNCIA fixo, transformando-o em volátil, leve e em mo- O analista encarna, no semblante, o Um do ana- vimento. Assim se inicia o espaço do mental lisante. Encarnar implica o ato. É pelo ato que (Lacan, 1970/2003). A satisfação que a criança ele, o analista, é o Sintoma. Assim se inicia a recebe em seu corpo vivo pelos estímulos dian- transferência e, portanto, a análise. O ato ocor- te dos quais se encontra em posição de objeto, re no momento em que o analista se coloca no pode exercê-la depois ativamente, produzindo lugar onde, nesse discurso, o sintoma clama. os sons e olhando o mundo ao seu redor. Cer- Deixa-o encarnar-se nele. Faz-se ele. Une, no tamente, tal espaço se amplia pelas seguintes Significante da transferência, o Sintoma, que ressonâncias, assim como pela incorporação tem sua origem nas ressonâncias da substância do colorido e as imagens dos objetos, que se in- gozosa do Um, com o analista, estabelecendo o cluem, juntam-se ou se unem em várias circuns- primeiro passo da transferência, abrindo a pos- tâncias, como espaços de prazer iniciados em sibilidade de histerizar o discurso. É um passo lugares distintos. A experiência de satisfação de S2 S1 dando como resultado (a), o analista; que Freud (1976) trabalha no capítulo 7 de A In- assim o define Lacan (1975) em sua Conferência
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#07 no MIT − Impromptu sur le Discours Analytique da vida. Existe uma parte leve, sutil no desloca- −, que deve deslizar sua posição como (a) para mento da economia libidinal da metonímia. Por o lugar da verdade, configurando, assim, o sin- estar articulada com o gozo, na minha imagina- toma no discurso da Histeria $/a. Lacan (1992) ção, sempre pensei a metonímia movendo-se o disse também no Seminário sobre O Avesso com esforço, como arrastando pesadas corren- da Psicanálise. tes. Freud fala de viscosidade. Mas há a meto- “O que o analista institui como experiência ana- nímia de deslocamento leve, veloz, sutil e penso lítica [...] é a histerização do discurso”, diz La- firmemente que o faz pela via das ressonâncias can (1992, p. 31). Ele acrescenta que sua fun- e da transmissão luminosa. Isso implica supô- ção, a do analista, é dar introdução estrutural -lo à velocidade da luz. O sintoma é, assim, um ao discurso da histérica, por meio de condições sinal fixo, desde o qual a aranha se lançará no artificiais. Essas condições parece-me possível vazio e construirá sua rede, como construção endendê-las precisamente de como, em que feita do próprio gozo, animada pelas ressonân- momento e em que situação singular realizar o cias e o colorido dos sentidos. ato que traslade o objeto (a), enquanto encarna Em outras palavras, o significante da transferên- o elemento opaco do discurso, ou seja, o resto cia é o analista, encarnando o sintoma, ao as- de gozo sintomático, ao lugar da verdade. Ten- sumir a posição do resto de Real, no lugar que tei dar algumas respostas sobre como entender indica o sujeito, próximo de algumas bordas que essas condições em várias oportunidades, es- o fantasma não recobre, para retornar a seu lu- pecialmente nos pacientes que se movem no gar de agente do discurso e iniciar o trabalho do contexto do discurso do Capitalista que rejeita começo de uma análise, já montado, estrutura- o amor e não lhe interessa saber. Lacan insiste: do desde a transferência, a crua transferência, o que leva ao saber é o discurso da histérica ao mesmo tempo em que se instala a crença (Lacan, 1992). É pela transferência que o sujeito sobre um saber da estrutura que dá lugar ao se implica na experiência de sua análise, na ten- SSS. Desde o sintoma, como objeto (a), que é tativa de confessar seu gozo, diz Lacan (1985, um semblante, o analista histeriza o discurso do p. 111) no capítulo Saber e Verdade do Semi- inconsciente deslizando-o, metonimicamente, nário Mais Ainda. É por ele que aceita entender desde o lugar do que o inconsciente produz, ao algumas coisas que se sustêm nesse ponto fixo; lugar da verdade, dando base sintomática ao seu Sinthoma, que, se bem que tenha na sua Sujeito dividido. firmeza sua vantagem, isso traz como proble- Em 1994, Miller (2009) deu uma palestra no ma formar o “grão de areia”, como a ostra, para Centro Descartes, publicada em Conferências novas e múltiplas fixações de outras categorias. Portenhas, intitulada O Significante do Passe. Eles são pontos de fixação de gozo, dependen- Disse que ao que se aspira na análise é o signi- tes dessa relação à fixierung Ur, originária, que ficante do passe, e o articula com o Significante bloqueiam e impedem, não só a metáfora, mas da Transferência do matema da Proposição de também a metonímia. Isso freia o desejo. Mate- Lacan (1967/2003). Reconhece um longo perí- rializam o mortífero do gozo fixo, sem movimen- odo de equívocos sobre como conceitualiza- to, com satisfação na inércia, Nirvana. mos esse Significante. Conclui que se trata do O gozo leve em movimento é alegria de viver, o Significante que, antes do pedido de análise, fixo e viscoso é a angústia e o sentido trágico precipita o “falasser” à análise. Localizar esse
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#07 ponto onde se aloja esse núcleo de gozo, que Referências não consegue permanecer na homeostase, que FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. não mais se sustém, e encarnar nele; levando a Rio de Janeiro: Imago, 1976. (Edição Standard questão ao lugar da verdade. Esse é o início da Brasileira das Obras Psicológicas Completas de tarefa do analista. Sigmund Freud., v. 4) (Obra original publicada Exemplo: é um jovem perfeito em tudo. Pela pri- em 1900). meira vez em sua vida, enfrenta um problema, LACAN, Jacques. Impromptu sur le discours não consegue dormir. É tal sua preocupação analytique. In: Scilicet, Paris, Seuil, n. 6-7, p. 62- que se viu obrigado a tirar férias para reduzir a 63, 1975. pressão a que ele se sentia submetido. Apresen- ______. Proposição de 9 de outubro de 1967 so- ta uma conspiração de dúvidas sobre se poderá bre o psicanalista da Escola. ______. Outros es- ou não dormir naquela noite. Em sua vida, nota critos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: 10 em tudo, mas principalmente em matemática J. Zahar, 2003. p. 248-264. e finanças, além de desportista de títulos; teve ______. Radiofonia. In: ______. Outros escri- de abandonar um esporte em razão de uma de- tos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: J. terminada dor corporal. Em certo momento, o Zahar, 2003. p. 400-447. (Obra original publica- analista lhe disse que não é a primeira vez, re- da em 1970). lacionando essa dor que o obrigou a parar seu ______. O Seminário, livro 17: o avesso da psi- esporte com sua situação atual, que o obrigou canálise. Tradução de Ari Roitman. Rio de Janei- a tirar férias do trabalho. O analista produz um ro: J. Zahar, 1992. (Obra original publicada em efeito de verdade inesperada, que suspende 1969-1970). suas certezas e põe o sintoma para trabalhar. É ______. O Seminário, livro 20: Mais, ainda. Tra- o trabalho da transferência. O analista articula o dução de M. D. Magno. Rio de Janeiro: J. Zahar, primeiro sintoma, dor em uma articulação, com 1985. (Obra original publicada em 1972-1973). o medo de não dormir, impotências que dão a ______. O Seminário, livro 23: o sinthoma. Rio ele um sentimento de estar na iminência de um de Janeiro: J. Zahar, 2007. fracasso. Sua associação o leva a recordar que MILLER, Jacques-Alain. El significante de la seus pais se separaram quando criança e teve transferencia. In: ______. Conferencias Por- pouco contato, a partir de então, com seu pai, teñas. Buenos Aires: Paidós, 2009. (Obra origi- pois viveu com a avó, a irmã e a mãe. O homem nal publicada em 1994). da casa, disse o analista Não conseguia mais sustentar a perfeição e a precocidade em sua história. O analista se orienta em uma dor, Sin- toma, que tem sua origem nas ressonâncias da substância gozosa. É o que fazemos todos os dias.
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