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Unidade II

Unidade II
5 Desenvolvimento intelectual, Motor, Emocional, Sexual e Social
nas diversas etapas da vida

A partir de agora, iniciaremos nosso estudo sobre os diferentes aspectos do desenvolvimento


humano. Antes de começarmos, convido você, aluno, a uma reflexão.

Exemplo de aplicação

Observe crianças que possam estar perto de você em algum momento. Esteja atento à idade da
criança e tente identificar quais são as características que ela apresenta, tanto a nível físico‑motor como
intelectual e social. Se possível, observe crianças de diferentes idades, como uma de dois anos e outra
de quatro ou cinco.

É interessante que, com poucos anos de diferença, cada criança apresenta características muito
diferentes – claro que respeitando os aspectos individuais como o temperamento de cada uma, por
exemplo.

Esse exercício serve para ilustrar o papel da Psicologia do desenvolvimento, que tem por objetivo
estudar o ser humano em seus diferentes aspectos: motor, emocional, sexual e social, em cada etapa da
sua existência.

Outra maneira de conhecer na prática como ocorre o desenvolvimento humano é você procurar se
lembrar de cada fase da sua vida, desde as recordações mais remotas. Veja que cada momento teve suas
particularidades, suas características. Sua capacidade motora, sua maturidade sexual, a inteligência,
enfim, com o passar dos anos foi havendo uma transformação até você chegar ao que é hoje.

É assim que se dá o desenvolvimento humano. Cada etapa, desde o nascimento da criança, apresenta
suas características que se estendem até o final da vida.

Mas é importante destacarmos ser fundamental o acompanhamento da mulher desde o início da


sua gestação, os fatores físicos e hereditários, seu estado psíquico, os fatores ambientais, as relações
familiares, enfim, todos os aspectos que envolvem esse momento tão importante de sua vida.

Toda gestante precisa ser orientada quanto à necessidade do acompanhamento do pré‑natal para
que sua saúde e a do bebê estejam sob cuidados e para que o parto possa ser marcado como o início de
uma nova vida.

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Figura 9 – Gestação

Convido você a caminhar neste estudo, em que aprenderemos sobre cada fase do desenvolvimento
e apresentaremos suas características, além de conhecer os autores que se dedicaram a pesquisa de
cada um dos aspectos dessas fases. Essa é uma oportunidade para que você posteriormente consiga
identificar as características do seu cliente de acordo com o momento do desenvolvimento em que ele
está vivendo.

Exemplo de aplicação

Peço também que você, como futuro fisioterapeuta, reflita sobre o quão importante é para sua
formação conhecer o ser humano em todas as suas dimensões, e não apenas fisicamente – afinal, o
corpo, conforme já estudado, carrega as marcas e a própria história da pessoa, o que inclui todas as
experiências do sujeito e de suas relações com o meio.

Tendo em vista a grande extensão do tema e dos aspectos a serem abordados sobre o desenvolvimento
humano, vamos nos ater apenas a alguns autores, pois nosso objetivo nesse momento é trazer noções
básicas, provocando você para que busque maior profundidade nos estudos, conforme o seu interesse.

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Por uma questão de organização, apresentaremos cada etapa do desenvolvimento intelectual,


emocional, sexual e social num crescente, desde o nascimento até a velhice, com os aspectos mais
relevantes de cada uma delas.

5.1 Desenvolvimento físico‑motor da criança de 0 a 2 anos

Podemos afirmar que o ser humano, se comparado a outras espécies da natureza, é um ser totalmente
dependente para que possa se desenvolver tanto física como emocionalmente. Se não houver um adulto
que assuma seus cuidados, o bebê não terá nenhuma chance de sobrevivência.

O recém‑nascido tem um crescimento acelerado nos três primeiros meses de vida, seguindo em
ritmo crescente durante todo o primeiro ano. De uma condição na qual a criança se apresenta sem
controle sobre sua coordenação motora, por volta dos doze meses, ele já assumiu a postura bípede e
inicia a marcha. Isso representa um grande avanço para o desenvolvimento psicomotor.

O desenvolvimento físico inicial segue os seguintes princípios:

• cefalocaudal, ou seja, seu desenvolvimento ocorre da cabeça para a cauda;

• princípio próximo distal, ou seja, do interior para o exterior. Tanto o crescimento quanto o
desenvolvimento motor ocorrem do centro do corpo para fora.

Das habilidades do recém‑nascido, podemos observar que muitas delas não precisam ser aprendidas,
como agarrar, engatinhar e andar, tendo em vista que a criança necessita apenas de espaço e liberdade
para que possa se movimentar.

Reflexos

O recém‑nascido apresenta uma série de respostas físicas involuntariamente, que são desencadeadas
por estímulos específicos chamados de reflexos. Alguns deles continuam presentes no adulto, como
piscar automaticamente quando há um sopro de ar nos olhos. Outras vezes, os reflexos são adaptativos
e essenciais para a sobrevivência do bebê, mas desaparecem durante o primeiro ano de vida, como é o
caso de sugar e deglutir.

Veja alguns dos reflexos chamados de primitivos e adaptativos:

• agarrar: ao esfregar a palma da mão do bebê com o dedo, ele irá segurar o dedo com força
(desaparece aos 3 ou 4 meses);

• moro: ao emitir um som alto próximo do bebê ou simular que ele esteja sendo derrubado, o bebê estende
os braços, pernas e dedos, arqueia as costas e atira a cabeça para trás (desaparece por volta dos 6 meses);

• marcha automática: segurando o bebê pelas axilas e deixando seus pés tocarem uma superfície
plana, o bebê fará movimentos de passos alternando os pés como se estivesse caminhando
(desaparece por volta de 8 semanas);
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• babinski: ao esfregar a sola dos pés do bebê, começando dos dedos para o calcanhar: o bebê vai
abrir os dedos dos pés como um leque (desaparece por volta dos 8 a 12 meses);

• natação: colocar o bebê na água com o rosto voltado para baixo: o bebê fará movimentos
natatórios coordenados (desaparece por volta dos 4 meses).

Sobre o desenvolvimento motor da criança, Papalia, Olds e Feldman (2006, p. 181) afirmam:

[...] embora o desenvolvimento motor siga uma sequência quase universal,


seu ritmo parece depender de certos fatores contextuais. Quando as
crianças são bem alimentadas e bem cuidadas e têm liberdade física e
oportunidade de explorar seu ambiente, seu desenvolvimento motor
tende a ser normal. Entretanto, o que é normal em uma cultura pode não
ser em outras.

Como vemos, é importante dar à criança oportunidade para que ela possa, na medida do seu
desenvolvimento, explorar o ambiente e crescer com equilíbrio e segurança.

Sobre o estudo do desenvolvimento motor, encontramos Arnold Gesell, cujos estudos estiveram
voltados aos aspectos maturacionais da criança.

Gesell acreditava que o desenvolvimento é o resultado de forças biológicas e evolucionárias, já que


a maturação envolve estrutura e função. Isso que dizer que para que um órgão se estruture é necessário
que antes haja o desenvolvimento da função daquele órgão. Um exemplo é pensarmos sobre a aquisição
da marcha pela criança: para que ela chegue a essa habilidade e possa manter‑se em pé e caminhar, é
necessário que todas as estruturas musculares nervosas estejam aptas.

Lembrete

Para que o desenvolvimento da criança aconteça de modo saudável, é


necessário que os pais se abstenham de uso de drogas, inclusive aquelas
consideradas lícitas, como o álcool e o tabaco.

Passamos agora a descrever algumas habilidades motoras da criança nos dois primeiros anos, de
acordo com Gesell (2000, apud RIBEIRO et al., s.d.):

1 mês

• Se removido o suporte da cabeça, esta penderá para um dos lados (ao sentar o bebê, a cabeça
cairá para trás).

• Quando em posição supina – deitado de costas – o bebê dobrará os braços sobre o tórax.

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• Quando em posição prona – deitado de bruços – ele elevará o tronco e virará a cabeça para
“libertar” o nariz.

• Quando em posição supina, se mostramos um objeto atraente, ele o seguirá até a linha média.

• Quando a palma da mão for tocada, o bebê a fechará e segurará o objeto.

Podemos perceber que, ao nascer e no primeiro mês, o bebê não tem nenhum controle sobre seu
corpo. Quando carregado, é necessário ter muita atenção; quando de bruços, é importante ter cuidado,
pois nem sempre o bebê consegue “liberar” a respiração, já que não há nenhum controle sobre os
movimentos. Isso poderá colocá‑lo em risco.

2 meses

• Quando seguro verticalmente, o bebê sustentará a cabeça momentaneamente.

• Quando em posição prona, o bebê levantará a cabeça de uma superfície plana e a sustentará
por segundos (quando é puxado para a posição sentada, a cabeça pende bastante, mas não
completamente).

• Os olhos seguirão um objeto que se move horizontalmente, pelo menos até a linha média, com o
foco melhorado.

• Olha fixamente rostos próximos a ele.

• Segura momentaneamente um chocalho, quando este for colocado em sua mão.

• Há a presença da ação reflexa quando o agarra.

Observe que no segundo mês o bebê faz um breve ensaio tentando sustentar a cabeça. Além disso,
os olhos também seguem um objeto, mas apenas em um movimento horizontal.

3 meses

• Em posição sentada, o bebê ficará com a cabeça ereta, sem oscilar, por cinco segundos e suas
costas permanecem uniformemente arredondadas.

• Em posição prona, aparece um movimento de alternação de pernas e braços, bastante elementar;


quando é puxado para a posição sentada, a cabeça pende um pouco.

• Em posição prona, levanta o tórax 5 cm da superfície.

• Os olhos seguem continuamente uma argola pendurada em um barbante, à medida que esta se
movimenta em círculos (180 graus de deslocamento).
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• Quando se coloca um objeto na mão do bebê, ele o segurará à frente dos olhos, tentará mordê‑lo
ou baterá nele, normalmente utilizando ambas as mãos.

Procure observar um bebê no terceiro mês de vida. É surpreendente como ele se esforça para se
movimentar e apresenta um controle um pouco melhor da cabeça quando em posição sentada; os olhos
se fixam e se movimentam acompanhando um objeto.

4 meses

• A cabeça se mantém firme quando a criança é segura na posição ereta.

• Quando na posição supina, virará para o lado. Os braços fazem movimentos de natação.

• A posição sentada é a preferida (com apoio). A curvatura das costas limita‑se à região lombar.

• Começa a alcançar os objetos que vê (coordenação ocular‑motora) e a levá‑los à boca.

• Olha e brinca com os dedos. Uma mão segura a outra.

Interessante como gradativamente o bebê vai adquirindo melhor controle sobre o seu corpo. Nesta
fase (4 meses) a criança já insiste em permanecer na posição ereta. Ao brincar portando objetos e
levando as mãozinhas à boca está exercendo o autorreconhecimento.

5 meses

• Quando seguro em pé, consegue erguer momentaneamente um dos pés.

• Apoiando‑se nos dedos de alguém, quando deitado, é capaz de se puxar para a posição sentada,
pois já não pende.

• Quando em posição prona, ao levantar a cabeça, o maior peso está nos antebraços.

• Quando balançamos um objeto à sua frente, ele o puxa em sua direção.

• Consegue segurar um cubo, precariamente.

O desenvolvimento é contínuo e muito rápido, principalmente no primeiro ano de vida da criança.


Aos cinco meses, o bebê já esboça uma interação puxando objetos para si.

6 meses

• Quando em posição prona, toda a parte superior do abdômen fica acima da superfície (o bebê se
apoia nas mãos com os braços estendidos).

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• Tem controle da cabeça em todas as posições, deitando de costas, e levanta a cabeça


espontaneamente.

• Quando em pé, seu peso maior repousa nos pés.

• Quando em posição prona, empurra‑se mais com as mãos do que com os pés, movimentando‑se
para trás.

• Mantém a mão estendida em direção a um objeto, durante diversos segundos, tentando agarrá‑lo
e, se está ao seu alcance, agarra‑o com facilidade.

• É capaz de agarrar um cordão, com pressão palmar, e passa objetos de uma mão para a outra.

• Senta‑se no chão com as mãos para frente para se apoiar.

• Vira‑se da posição de bruços para a de costas.

Observe que o bebê já faz um breve ensaio para as conquistas que fará nos próximos meses. Além de
conseguir virar‑se, segura objetos e tenta se apoiar quando sentado.

7 meses

• Quando em posição prona, consegue levantar o tórax usando somente uma das mãos.

• Quando seguro de pé, pula com prazer.

• É capaz de ficar sentado no chão por alguns momentos sem se apoiar.

• Balança‑se sobre as mãos e os joelhos.

• É capaz de tirar um objeto de dentro do outro (um cubo de dentro de uma caneca, por exemplo).

• Pega objetos com o polegar e os dedos em completa posição, sem o uso da palma das mãos.

• Come bolacha sozinho.

A interação da criança com o mundo a sua volta é evidente e suas conquistas corporais progridem
a cada dia.

8 meses

• Movimenta‑se para frente e para trás, sobre as mãos e os joelhos, os quais trabalham juntos
(engatinhar dois).

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• É capaz de sentar‑se sozinho, sem apoio.

• É capaz de segurar uma bolinha com os dedos permanecendo apoiados na mesa.

• Se um objeto é colocado sobre a mesa, ela pega o objeto e o bate.

Todo ensaio que o bebê fez com seu corpo nos meses anteriores lhe garante agora a exploração do
ambiente, já que ele é capaz de engatinhar.

9 meses

• Levanta‑se da posição prona para a sentada e vice‑versa.

• Na posição sentada, desliza pelo chão.

• Quando sentado, o bebê se inclina para frente e consegue recuperar o equilíbrio.

• As mãos e os joelhos estabelecem movimentos alternativos (engatinhar três).

• É capaz de tocar um sino, imitando alguém.

• Apoiado na grade, sustenta todo seu peso.

Neste momento a criança exercita‑se, inclusive tentando sustentar seu corpo.

10 meses

• Puxa‑se para ficar em pé e mover‑se nessa posição, segurando na mobília ou na mão de alguém.

• Fica em pé sem apoio, vários segundos.

• Engatinha bem e consegue passar sobre obstáculos baixos.

• Rola uma bola, quando sentado.

• Soltará os objetos bruscamente; os dedos abrem‑se para soltar.

• Quando um cubo é dado para o bebê e depois outro, ele normalmente bate um contra o outro,
quando um terceiro é colocado à sua frente, ele tenta pegá‑lo.

• Quando uma bolinha é oferecida ao bebê, ele aproxima o indicador do objeto fazendo oposição
polegar‑indicador em uma preensão em pinça.

Aos dez meses, o bebê vai gradativamente se colocando na posição bípede, apoiando‑se nos móveis
ou objetos, e isso é importante – afinal, seus membros inferiores precisam ser exercitados. Em breve ele
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estará caminhando. Sua interação social também apresenta avanços: o bebê interage mais e melhor
com as pessoas à sua volta.

11 meses

• Quando de pé, com apoio, consegue levantar um dos pés.

• Eleva‑se à posição de pé (com apoio).

• Consegue colocar um objeto pequeno dentro de um maior (primeira evidência de que já pode
soltar).

• Pula agarrado a grades.

• Permanece de pé, sem apoio.

• Engatinha (plantígrado) com apenas pés e mãos no chão (urso).

Além do desenvolvimento motor, observe que o desenvolvimento cognitivo acompanha todas


as etapas. Colocar um objeto pequeno dentro de outro maior é uma ação intelectual importante no
desenvolvimento da criança.

12 meses

• Quando sentado, é capaz de se virar.

• Anda segurando por uma das mãos.

• Tenta fazer construções colocando os cubos um sobre o outro.

• Em seguida a uma demonstração, consegue fazer algum tipo de marca de lápis sobre um papel.

• Consegue fazer a pinça fina.

Sabemos que muitas crianças iniciam a marcha aos 12 meses, mas a cronologia é apenas uma
referência, pois sabemos que algumas crianças iniciam a marcha um pouco antes e outras iniciarão um
pouco depois. Observe que as construções com cubos são ações intelectuais que se aprimoram cada vez
mais.

14 meses

• É capaz de andar três metros sozinho, de forma normal, com alteração equidistante dos pés.

• Quando anda, é capaz de parar, recuperar o equilíbrio e começar a andar novamente.


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• A única forma que a criança consegue para sair da posição de pé para a sentada é deixando‑se
“cair”.

• É capaz de segurar, tirar e recolocar encaixes simples no tabuleiro (dando‑se o tabuleiro com as
formas dentro).

O desenvolvimento motor apresenta grandes avanços, permitindo à criança cada vez mais a
exploração do ambiente.

16 meses

• Anda bem, com alteração equidistante dos pés, e cai raramente.

• É capaz de subir escadas, de gatinhas.

• Abaixa‑se e volta à posição em pé depois de curvar‑se.

• Depois de um exemplo, é capaz de colocar um cubo sobre outro (torre dois).

• Depois de uma demonstração, o bebê rabiscará um papel com um lápis com a mão fechada.

• Pode alimentar‑se sozinho e beber em um copo.

Nesse momento não há mais como conter a criança. A marcha lhe garante a autonomia para
explorar o ambiente. É importante que ela receba estímulos para as atividades manuais, mas também é
necessário garantir sua segurança, afinal, suas explorações não têm limites e podem colocá‑la em risco.

18 meses

• É capaz de arremessar um objeto independentemente do estilo e da direção.

• O andar é harmônico, embora parar quando corre ainda seja difícil.

• Corre desajeitadamente (parece incapaz de dobrar os joelhos).

• Puxa brinquedos de rodas.

• Não é capaz de chutar uma bola, dá um passo em direção a ela; entretanto, na hora de chutar,
erra o alvo.

• Faz torre de três cubos.

• Rabisca espontaneamente (garatujas). Os rabiscos tendem a ser circulares.

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• Vira páginas de um livro, diversas páginas de cada vez.

• Imita traços.

• Controla a colher.

Grandes avanços foram conquistados, movimentos de puxar, agarrar e arremessar são atividades de
grande descoberta para a criança. Agora ela explora suas possibilidades de ação sobre o ambiente.

21 meses

• Chuta uma bola sem direção.

• É capaz de descer deliberadamente de uma cadeira.

• Destampa uma caixa em forma de paralelepípedo.

• Desembrulha uma bala ou tira a casca de uma banana.

• Faz torre de 5 ou 6 cubos.

Próxima dos dois anos de idade, a criança se sente livre e em condições para abrir e fechar, assim
como fazer chutes e movimentos sem fim.

24 meses

• Atira um objeto por cima do outro (lançamento).

• Recolhe objetos do chão sem cair (agachado).

• Corre mais do que anda.

• Anda para trás.

• Sobe e desce escada sozinho, colocando os dois pés em cada degrau.

• Faz torre de 6 ou 7 cubos.

• Vira uma página de livro de cada vez.

• É capaz de fazer dobras identificáveis, seguindo um modelo adulto.

• Desembrulha embalagens.

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Comparativamente, aos observarmos uma criança em suas primeiras semanas de vida e aos
dois anos de idade, temos que as conquistas motoras, cognitivas e sociais são enormes no período.
Afinal, a criança deixa uma condição de total dependência para, gradativamente, conquistar sua
autonomia.

5.1.1 Desenvolvimento cognitivo da criança de 0 a 2 anos

Usaremos como referência para o estudo sobre o desenvolvimento cognitivo da criança o estudo
realizado por Jean Piaget.

Formado em Biologia, iniciou seu trabalho na área da educação observando a interação dos seus
filhos com o meio, quando percebeu que as crianças possuem uma forma particular de pensar e aprender.

Para Piaget, o conhecimento construído pelo homem é resultado do seu esforço de compreender e
dar significado ao mundo. Nessa tentativa de interação e compreensão do meio, o homem desenvolve
equipamentos neurológicos herdados que facilitam o funcionamento intelectual, havendo coincidência
entre a atividade psíquica e a atividade biológica.

Em seu trabalho, Piaget dividiu o desenvolvimento no que ele chamou de estágios. De acordo com
ele, o primeiro estágio sensório‑motor está composto por seis subestágios que vão fluindo de um para o
outro à medida que o bebê vai adquirindo padrões mais organizados de comportamento. Apresentamos
a seguir uma síntese desses subestágios:

• 1º estágio (sensório‑motor):

– de 0 a 1 mês: o bebê apresenta‑se centrado nas estruturas básicas (reflexos e sentidos);

– de 1 a 4 meses: experimentação com o próprio corpo, como colocar o dedo na boca. Experiências
que inicialmente ocorrem por acaso e, posteriormente, já são feitas intencionalmente;

– de 4 a 10 meses: experimentação com objetos externos, como o móbile. Compreende, no final


deste subestágio, que suas ações produzem efeitos externos. Exemplo: bater a mão no móbile
e esse se mover;

– de 10 a 12 meses: combinação de ações para alcançar um objetivo;

– de 12 a 18 meses: busca novas maneiras de manipular, de brincar com os objetos. Nesse


momento as capacidades motoras também já são mais amplas;

– de 18 a 24 meses: a criança já se utiliza de imagens e palavras para significar os objetos.

É evidente que há outros teóricos que estudaram o desenvolvimento cognitivo, mas conforme já
colocado, estamos nos atendo aos aspectos básicos dos temas aqui apresentados.

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5.1.2 Desenvolvimento psicossocial da criança de 0 a 2 anos

Embora os bebês apresentem padrões comuns de desenvolvimento, podemos observar que desde o
nascimento cada um demonstra uma personalidade diferente, o que nos leva a questionar as influências
inatas como do ambiente onde estão inseridas. Vejamos alguns autores que voltaram seus estudos para
o desenvolvimento da personalidade da criança.

Sigmund Freud, médico psiquiatra, desenvolveu seu trabalho sobre o desenvolvimento humano e
infantil afirmando que a sexualidade está presente na pessoa desde o seu nascimento. A libido, nas
palavras de Freud (apud BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999, p. 74), é “a energia dos instintos sexuais”. No
início da vida, a função sexual está ligada à sobrevivência; portanto, o prazer é encontrado no próprio
corpo.

Para ele, o período de desenvolvimento da sexualidade é longo e complexo até chegar à sexualidade
adulta, em que as funções de reprodução e obtenção do prazer podem estar associadas tanto no homem
como na mulher.

A primeira fase do desenvolvimento psicossexual foi chamada por Freud de:

• fase oral (de 0 a 2 anos): a manifestação mais precoce é a sucção, que tende a ser exercida
por si mesma na ausência de um estímulo específico em outros objetos ou regiões do corpo,
tornando‑se essas zonas erógenas, isto é, geradoras de prazer.

Conforme a criança vai se desenvolvendo, outras fases vão ocorrendo. Veremos isso mais adiante.

Figura 10 – Fase oral

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Outro teórico que se dedicou ao estudo do desenvolvimento foi Erick Erickson, que desenvolveu seu
trabalho partindo do aprofundamento da teoria psicossexual de Freud, mas rejeitando que se explique
a personalidade apenas com base na sexualidade. Erickson acredita na importância da infância para o
desenvolvimento da personalidade; para ele, esta continua a se desenvolver para além dos cinco anos
de idade.

Em seu trabalho, Erickson propõe oito estágios do desenvolvimento psicossocial por meio dos
quais um ser humano em desenvolvimento saudável deveria passar da infância para a idade adulta. É
importante que cada fase do desenvolvimento seja bem resolvida para que a fase seguinte possa ser
superada sem problemas.

De acordo com Erik Erickson, os bebês, nos primeiros 18 meses de vida, experimentam a primeira de
oito crises e que irão influenciar o desenvolvimento da personalidade por toda vida:

• Confiança versus desconfiança básica: confiança na mãe ou no principal cuidador e na própria


capacidade de fazer as coisas acontecerem. O elemento essencial para que a confiança seja
estabelecida é um apego inicial seguro. A desconfiança vem do oposto, ou seja, quando não há
uma pessoa que estabeleça um vínculo seguro e há negligência no cuidado com a criança, ela
crescerá com sentimento de que o mundo não é um lugar seguro. Evidentemente isso irá refletir
na relação dela com o mundo quando adulta.

5.1.3 Desenvolvimento físico‑motor da criança de 2 a 6 anos

Nessa fase o desenvolvimento motor da criança tem grandes avanços. Ela pode pular, saltar e correr,
envolvendo os grandes músculos corporais.

Outras habilidades da criança nessa fase são reproduzidas aqui de acordo com Gesell (2000, apud
RIBEIRO et al., s.d.):

2 anos e meio

• Anda na ponta dos pés; salta com os pés juntos.

• Ao passear na rua, corre à frente do acompanhante ou deixa‑se ficar para trás.

• Empurra um brinquedo, mantendo‑o no caminho desejado.

• Corre, galopa e requebra ao ritmo de uma música.

• É capaz de transportar um objeto frágil.

Aos dois anos e meio, é interessante como a criança gosta de fazer experimentos, como andar na
ponta dos pés, correr e exercitar os membros superiores. Tais atividades fazem com que ela aprenda a
reconhecer suas capacidades motoras.
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3 anos

• Caminha e tem segurança e agilidade nos pés.

• Anda mais do que corre; é capaz de se equilibrar momentaneamente sobre um pé.

• Atira uma bola sem perder o equilíbrio.

• Galopa, salta, anda e corre ao som de música.

• Revela um aumento de tensão e pode cair ou tropeçar.

Conforme a criança vai ganhando controle sobre a marcha e também equilíbrio corporal, suas
atividades corporais também vão se ampliando.

4 anos

• Muito ativa, tem um raio de ação maior.

• Corre pelas escadas para baixo e para cima. Corre velozmente no triciclo.

• Gosta de atividades que exigem equilíbrio. É capaz de transportar uma xícara com líquido sem
entornar.

• Prefere brincar com blocos grandes e constrói estruturas mais complicadas.

• Atira uma bola, levantando o braço acima do ombro.

• Desenha objetos com pouco pormenor.

• É capaz de imitar a figura de um quadrado (copia aos 4 anos e meio).

• Ao pintar, trabalha com precisão durante algum tempo, mas muda de ideia.

• Faz bonecos toscos e letras.

• Gosta de ver seu nome escrito nos desenhos que faz e começa a copiar.

• Pode ter a noção do número de letras do nome e pode desenhar primeiro duas letras e marcá‑las
no modelo para não se enganar. Identifica várias letras. Utiliza a tesoura e tenta cortar em linha
reta.

• Constrói estruturas grandes e complicadas, combinando numerosas formas de maneira simétrica.

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• Amarra os sapatos e abotoa os botões da frente.

• Dedilha no piano com ambas as mãos.

Observe que, aos quatro anos, as atividades se ampliaram e a interação da criança com o ambiente
começa a esboçar as atividades que irão prepará‑la para a alfabetização.

5 anos

• Há maior facilidade e melhor domínio da atividade física geral, e também mais economia de
movimento.

• O domínio dos grandes músculos continua a ser maior do que o dos pequenos.

• Brinca no mesmo lugar durante períodos mais longos, mas muda de postura (de pé para sentado
ou de cócoras).

• Gosta de pular cercas e muda frequentemente de atividade. Salta de cima de uma mesa.

• Gosta de dar movimento a uma história que está contando. Corre, salta por cima da mesa e das
cadeiras ou mete‑se por baixo delas. Atira coisas, inclusive lama e neve, e começa a utilizar mais
as mãos do que os braços para agarrar uma bola, mas falha com frequência.

• Desce escadas colocando alternadamente um pé em cada degrau e salta alternadamente sobre


um e outro pé.

• Constrói com blocos, geralmente no chão, edifica torres de vários andares ou estruturas baixas, de
plano irregular, com caminhos e pequenos cercados.

• Manipula areia, fazendo estradas e casas. Modela objetos de barro.

• Gosta de colorir figuras com lápis de cor e de colar coisas simples, mas o faz desajeitadamente.

• Faz um desenho representando o contorno de uma figura (faz, em geral, uma em cada página) e
reconhece que ficou “esquisito”.

É interessante que nessa fase do desenvolvimento a criança seja estimulada em sua criatividade, pois
é comum haver o interesse pelo desenho, assim como pelas brincadeiras que possibilitam o exercício
corporal.

• Pinta sobre um cavalete ou no chão, com pincéis grandes e em grandes folhas de papel. Pode
gostar de fazer letras dessa maneira.

• É capaz de amarrar os sapatos e de abotoar e desabotoar os botões da roupa que consegue ver.
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• Coloca bem os dedos sobre as teclas do piano e pode experimentar tocar acordes.

• Esta é a idade focal, visualmente. A criança tende a sentar‑se com o tronco direito, com o trabalho
diretamente em frente de si. Tem consciência da totalidade de espaço, mas não o abrange todo ao
mesmo tempo. Em vez disso, move‑se de um ponto restrito para o próximo.

• Pode prestar atenção em qualquer coisa sem olhar diretamente para ela – pode olhar através dela
ou mesmo em uma direção diferente.

Assim como nas etapas anteriores, há sempre a integração de todos os aspectos do desenvolvimento.
Vemos que a criança desenvolve habilidades de coordenação motora fina, como é o caso de amarrar
os sapatos, e a parte cognitiva também se faz presente, visto que esta é uma atividade intelectual
importante no processo de aprendizagem da criança.

5 anos e meio

• Pede que troque seu triciclo por uma bicicleta; muitas crianças experimentam, com agrado, andar
de bicicleta.

• Muitas crianças mostram interesse em aprender a desenhar o seu nome próprio e gostam de
sublinhar letras maiúsculas e palavras em um livro de seu conhecimento.

• Pode copiar, de maneira reconhecível, o interior de um triângulo dividido.

• Mais visualidade experimental do que aos cinco anos; porém, pode perder facilmente a orientação
e, desse modo, inverter números ou letras.

6 anos

• Estende braços e pernas ao andar.

• Muito ativa; quase constantemente em movimento. Atividade por vezes desastrada; a criança
exagera e dá um trambolhão.

• O corpo está em equilíbrio ativo quando anda de balanço, pratica jogos de atividade entoando
canções ou salta ao som da música.

• Entretém‑se com frequência lutando, dando cambalhotas, engatinhando e brincando com outra
criança de luta ou de pegador.

• Muda os blocos grandes e as peças do mobiliário de um lugar para o outro, para fazer casa, e salta
para cima ou para dentro delas. Atira bolas para cima ou de encontro a uma parede e às vezes
consegue agarrá‑las antes de cair no chão.

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• Experimenta andar de patins, saltar em comprimento com corrida e fazer exercício de barras.

• Alguns meninos entretêm‑se bastante fazendo escavações.

• Gosta de andar e balançar‑se nos muros.

• Começa bem muitos de seus trabalhos, mas precisa de ajuda e orientação para completá‑los.

• Mostra‑se agora mais decidida, ainda que, vez ou outra, ainda seja hesitante, mas maneja
ferramentas e materiais.

• Corta e cola papel para fazer livros e caixas.

• É capaz de desenhar letras minúsculas, mas as faz muitas vezes ao contrário.

• Em geral é capaz de desenhar o próprio nome.

• Pode necessitar do dedo para seguir a leitura.

Como podemos observar, há um amplo desenvolvimento nas habilidades físico‑motoras da criança,


e tudo que ela precisa é um ambiente que propicie o treinamento de suas capacidades e o incentivo dos
adultos para que seu corpo se desenvolva adequadamente.

5.1.4 Desenvolvimento cognitivo da criança de 2 a 6 anos

De acordo com Piaget, nesta fase a criança viverá o segundo estágio do desenvolvimento cognitivo,
chamado de pré‑operatório, que segue dos dois aos sete anos, aproximadamente.

O predomínio é o egocentrismo, pois a criança não consegue colocar‑se abstratamente no lugar


do outro. A leitura da realidade é parcial e incompleta, pois a criança prioriza aspectos que são mais
relevantes aos seus olhos. Sua percepção abstrata começa a ser aguçada à medida que aumenta sua
capacidade de simular, imaginar situações, figuras e pessoas semelhantes.

Algumas características desta fase:

• animismo: a compreensão da realidade física é muito mais limitada do que aquela que aparece nos
anos posteriores. A criança tende a confundir os aspectos objetivos com os subjetivos, acredita em
histórias mágicas e fantasiosas e costuma atribuir vida e características aos objetos inanimados.
Por exemplo: pensa que a mesa é responsável por ter batido nela. Confunde, com frequência, os
sonhos com a realidade;

• conservação: a criança atém‑se a uma coisa por vez. Ela consegue perceber um aspecto do
objeto por vez; por exemplo, se percebe o comprimento, não percebe a largura;

75
Unidade II

• falta de reversibilidade: a criança não percebe que as coisas podem ser somadas ou subtraídas.
A quantidade de água de um recipiente continua o mesmo, apesar de apresentar forma diferente.

5.1.5 Desenvolvimento psicossocial da criança de 2 a 6 anos

Nesta etapa do desenvolvimento a criança estará vivendo duas das fases do desenvolvimento
psicossexual, conforme Freud. São elas:

• fase anal: em que a zona de erotização é o ânus (de 2 a 4 anos de idade);

• fase fálica: na qual a zona de erotização é o órgão sexual (de 4 a 6 anos de idade). Sobre essa
fase, Stratton e Hayes (2003, p. 91) afirmam:

[...] na teoria freudiana, é o terceiro estágio psicossexual, em que o interesse


da criança volta‑se para o pênis. Por ter fundamentado parte considerável
do desenvolvimento da personalidade em algo possuído por apenas metade
dos membros da espécie humana, Freud encontrou, no que diz respeito a
este estágio, todos os tipos de complicações, além de algumas acusações
de chauvinismo masculino. O estágio termina com o conflito edipiano e
ocupa‑se fundamentalmente com questões referentes à potência. O termo
“fálico” é empregado quando a ênfase está centrada nos aspectos simbólicos
do pênis.

A teoria freudiana foi encarada com muito espanto pela sociedade de sua época e até hoje
encontramos opositores ao trabalho por ele desenvolvido. Entretanto, é importante conhecer seu
trabalho em profundidade para que possamos criticá‑lo.

Nesta etapa do desenvolvimento, Erick Erickson irá afirmar que a criança precisa lidar com os
seguintes conflitos:

• autonomia versus dúvida (dos 2 aos 3 ou 4 anos): nesse momento a criança precisa treinar
suas habilidades motora e mental e se orgulha de suas realizações. Se os pais dão oportunidade
e liberdade para que ela possa executar tarefas simples, mas que a fazem se sentir capaz, irá
prevalecer o sentido de autonomia. Porém, se os pais se mostram superprotetores e tiram da criança
a oportunidade de exploração, o sentimento será de dúvida quanto à sua própria capacidade. Vale
lembrar que nessa fase a criança está sendo treinada para deixar de usar fralda e é importante que
os pais a incentivem para isso, pois atitudes de repressão exagerada irão despertar sentimentos de
dúvida com relação a si mesma;

• iniciativa versus culpa (dos 4 aos 5 ou 6 anos, aproximadamente): coincide com a fase fálica de
Freud. A criança manifesta, em geral, o desejo de executar tarefas tanto motoras como intelectuais.
Os pais podem incentivar, mas também gerar na criança sentimentos de incapacidade e culpa por
não conseguir executar aquilo que esperam dela. É nessa fase que a criança descobre as diferenças
sexuais e a diferença nos papéis do homem e da mulher na sociedade.
76
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

5.1.6 Desenvolvimento físico‑motor da criança de 6 a 12 anos

Nesta fase do desenvolvimento o foco das atenções está voltado para a vida escolar da criança. A
socialização e as novas aprendizagens podem ser encaradas como um desafio tanto para ela como para
a família, que também precisa se adaptar às grandes diferenças que a criança passa a apresentar em
todos os aspectos do seu desenvolvimento.

Quanto às suas habilidades motoras, apresentamos as aquisições, conforme Gesell (2000, apud
RIBEIRO et al., s.d.):

7 anos

• Procede com mais cautela em muitas atividades motoras violentas.

• A atividade é variável. Às vezes a criança é bastante ativa; outras, inativa.

• Repete com persistência as suas atividades.

• Tem “revoadas” em relação a algumas atividades, como patins de rodas, pular corda, jogar bola ou
peteca.

• Deseja imensamente ter uma bicicleta sua e é capaz de guiar até certa distância, embora o seu
domínio da bicicleta seja ainda limitado.

• Gosta de “galopar” e de dar uns passos de dança simples, ao compasso da música.

• Segura com força no lápis e o pega muitas vezes perto da ponta. A força que faz para escrever é
variável, mas tende a ser exagerada. À medida que a letra se torna menor a pressão diminui.

• Muitas fazem restrições visuais, escolhendo objetos menores do que antes.

• A maior parte distrai‑se menos com o movimento periférico do que aos seis.

8 anos

• Os movimentos corporais são mais rítmicos e mais graciosos.

• A criança tem agora consciência de sua própria postura e da dos outros.

• Aprende a jogar futebol e gosta das mudanças de atividade no decorrer do jogo.

• Aprende a pular corda e pode desistir quando começa a falhar, mas não é capaz de variar o ritmo
enquanto está pulando.

77
Unidade II

• Possui atitudes e movimentos livres quando está pintando.

• Teatraliza muito nas atividades que envolvem gestos característicos e descritivos.

• Muitas crianças gostam de danças populares, mas só lhes agradam os ritmos de natureza dramática
e espontânea.

• A coordenação de olhos e mãos é mais rápida e mais natural; larga com facilidade um objeto.

• Segura o lápis, o pincel e as ferramentas de forma um pouco menos tensa.

• Gosta que controlem o tempo para fazer um trabalho, mas não se esforça por concluí‑lo no
tempo marcado.

• É provável que haja um desnível entre aquilo que quer fazer pelas suas mãos e aquilo de que é
capaz.

• Escreve ou desenha todas as letras e algarismos com precisão, mantendo o alinhamento e a


inclinação da escrita, assim como o espaçamento das palavras.

• Começa a desenhar com perspectiva; desenha as figuras de uma cena com boas proporções.

• Não toca o que vê com a frequência anterior.

• Realiza atividade binocular de modo mais regular.

9 anos

• Trabalha e brinca ativamente.

• Interessa‑se por mostrar a sua força e gosta de levantar objetos pesados.

• Os meninos gostam de lutar.

• Há grande interesse nos jogos de grupo e em aprender a jogá‑los bem.

• Verificam‑se variações individuais de aptidões.

• Executa estruturas complexas com jogos de encaixe.

• A escrita é agora um utensílio de trabalho.

• Começa a desenhar esboços. Os seus desenhos têm, frequentemente, bastantes pormenores.

78
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

• Vestem‑se rapidamente. Algumas crianças mostram interesse em se pentear.

• A preocupação ou o cuidado com a nutrição e a prática de esportes adequada é relevante nessa


faixa etária.

5.1.7 Desenvolvimento cognitivo da criança de 6 a 12 anos

Neste período ocorre uma profunda modificação na capacidade intelectual da criança. O egocentrismo
e as características da fase anterior são abandonados e ela passa a entender o mundo a partir de uma
nova perspectiva na qual ela consegue realizar uma ação objetiva, acompanhá‑la e revertê‑la se assim
o desejar.

Piaget denominou este período como:

3º estágio (operações concretas): é o período em que a lógica começa a se desenvolver e a


criança já consegue, a seu modo, organizar e sistematizar situações e relacionar aspectos diferentes da
realidade. Sua compreensão do mundo não é mais tão prática, mas ainda depende do mundo concreto
para realizar abstrações. Principais características:

• a criança é capaz de realizar as operações matemáticas básicas;

• apresenta noções de peso, volume, quantidade, classificação e seriação de objetos;

• o mundo concreto recebe maior atenção, já que ela pode perceber as coisas, compará‑las,
colocá‑las em ordem e separá‑las;

• apresenta o raciocínio indutivo, partindo da própria experiência para o geral;

• a linguagem é mais socializada, considerando a perspectiva do outro. Espera que as pessoas


possam se dirigir a ela de forma adequada.

Em geral, nesta fase, as crianças são menos egocêntricas do que na fase anterior e mais preparadas
para tarefas que exigem raciocínio lógico, embora se constate que seu pensamento ainda está voltado
para o aqui e agora, ou seja, para as experiências concretas.

Observação

O egocentrismo é uma atitude psicológica, normal na segunda infância,


caracterizada por uma ausência de distinção entre as realidades pessoal e
objetiva. Se persiste no adulto, é a atitude do indivíduo cuja concepção do
mundo tem como ponto de partida sua própria personalidade.

79
Unidade II

5.1.8 Desenvolvimento psicossocial da criança de 6 a 12 anos

Nesta fase a criança não possui ainda uma plena compreensão de emoções dirigidas para si
mesma, como a vergonha e o orgulho. Por esta razão ela encontra dificuldade para reconciliar emoções
aparentemente conflitantes, ou seja, reconhecer que pode experimentar diferentes reações emocionais
ao mesmo tempo.

É nessa crise de desenvolvimento da personalidade que Erick Erickson estabelece a quarta crise
denominada como:

• indústria versus inferioridade: esta fase coincide com o período da latência descrito por Freud.
Nesta fase a criança aprende que é capaz de realizar e dominar tarefas. Quando ela recebe
incentivo, aprende a ter prazer naquilo que faz e sente orgulho de estar produzindo (indústria),
sentindo motivação para continuar. Ao contrário, quando sente frustração por não conseguir
realizar uma tarefa, recebe excesso de críticas (por exemplo, com palavras desmotivadoras), e se
sentirá frustrada, desenvolvendo um senso de incompetência.

É importante que a criança se sinta valorizada na execução de suas tarefas, pois isso irá permitir que
ela construa uma autoestima de confiança e adquira autonomia para continuar desenvolvendo suas
habilidades.

Em alguns momentos ela irá se deparar com a frustração de não conseguir realizar determinadas
tarefas, mas de acordo com Erickson, para o enfrentamento dessa crise e o equilíbrio nas relações da
criança, é necessário em alguns momentos que ela também viva a frustração.

Quanto ao desenvolvimento psicossexual, Freud denominou essa fase como latência, pois para ele
os desejos sexuais ficam reprimidos e o interesse da criança está voltado para a socialização.

Laplanche e Pontalis (2001, p. 263) explicam:

[...] o período de latência, que vai do declínio da sexualidade infantil (dos


cinco ou seis anos) até o início da puberdade, marca uma pausa na evolução
da sexualidade. Observa‑se nele, deste ponto de vista, uma diminuição
das atividades sexuais, a dessexualização das relações de objeto e dos
sentimentos (e, especialmente, a predominância da ternura sobre os desejos
sexuais), o aparecimento de sentimentos como o pudor ou a repugnância e
de aspirações morais e estéticas. Segundo a teoria psicanalítica, o período de
latência tem origem no declínio do complexo de Édipo; corresponde a uma
intensificação do recalque – que tem como efeito uma amnésia que cobre
os primeiros anos –, a uma transformação dos investimentos de objetos em
identificações com os pais e a um desenvolvimento das sublimações.

Para sua melhor compreensão, é importante esclarecer que o complexo de Édipo ocorre, de acordo
com a teoria freudiana, na fase fálica e se caracteriza pelo desejo amoroso e hostil da criança em relação
80
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

aos pais. A criança deseja para si o genitor do sexo oposto ao seu, demonstrando ciúmes do outro, que
é visto como rival.

Valores morais aparecem, conforme descrevem os autores, e a criança tem preferência em estar
próximo de outras do mesmo sexo, havendo certa rejeição pelo oposto, já que no período de latência o
interesse da criança se volta para a socialização, ampliando as relações interpessoais.

Lembrete

No período de alfabetização, é importante que a criança seja estimulada


e valorizada em cada conquista, para que possa prevalecer em si a
autoconfiança e o senso de competência.

5.1.9 Desenvolvimento físico‑motor do adolescente

Esta é uma fase em que o desenvolvimento físico apresenta grandes transformações. Você saberia
explicar quais são as diferenças entre adolescência e puberdade? Com certeza deve ter uma noção, mas
para que possamos esclarecer sob o ponto de vista científico, recorremos a Papalia, Olds e Feldman
(2006, pp. 440‑441):

[...] em geral, considera‑se que a adolescência começa com a puberdade,


processo que conduz à maturidade sexual ou fertilidade, ou seja, à
capacidade de reprodução. [...] As mudanças biológicas da puberdade, que
sinalizam o fim da infância, resultam em rápido crescimento em altura e peso,
mudanças nas proporções e na forma do corpo e obtenção de maturidade
sexual. Essas mudanças físicas radicais fazem parte de um longo e complexo
processo de amadurecimento que se inicia mesmo antes do nascimento, e
suas ramificações psicológicas continuam até a idade adulta.

Assim, puberdade é um marco no que se refere às mudanças biológicas que a criança terá agora que
enfrentar. Para tanto, ela terá que se adaptar às profundas transformações do seu corpo, marcando o
final da infância.

São momentos importantes nesta fase a primeira ejaculação dos meninos, que ocorre por volta dos
14 anos, e o primeiro período menstrual das meninas, chamado de menarca, que acontece por volta dos
13 anos de idade.

Quanto à adolescência, ela é marcada pelas transformações psicossociais. Podemos considerar que
esta é a fase mais complexa e dinâmica, do ponto de vista físico e emocional, na vida do ser humano.

Com o corpo em franco desenvolvimento, o jovem agora necessita se reconhecer tanto fisicamente
quanto emocionalmente. Papalia, Olds e Feldman (2006, p. 443) apresentam as características das
mudanças fisiológicas na adolescência.
81
Unidade II

• Características femininas:

– crescimento dos seios;

– crescimento dos pelos pubianos;

– crescimento corporal;

– menarca;

– pelos axilares.

• Características masculinas:

– crescimento dos testículos e do escroto;

– crescimento dos pelos pubianos;

– crescimento corporal;

– crescimento do pênis, da próstata e das vesículas seminais;

– alteração na voz;

– primeira ejaculação de sêmen;

– pelos faciais e axilares;

– aumento na produção das glândulas sebáceas e sudoríparas.

Se em alguns momentos ele se vê como um adulto, em outros poderá sentir o inverso, ou seja, se ver
como uma criança. Nesse sentido, os pais também precisam se adaptar, pois o filho deixou de ser uma
criança e agora questiona e demonstra sua própria vontade com firmeza e até com certa intolerância.

De acordo com Papalia, Olds e Feldman (2006), as mudanças biológicas da puberdade, que sinalizam o
fim da infância, resultam em rápido crescimento em altura e peso, mudanças nas proporções e na forma
do corpo e obtenção de maturidade sexual. Essas mudanças físicas radicais fazem parte de um longo e
complexo processo de amadurecimento que se inicia mesmo antes do nascimento, e suas ramificações
psicológicas continuam até a vida adulta.

Meninos e meninas crescem de maneira diferente. Um menino torna‑se maior em geral; os ombros
alargam‑se, as pernas tornam‑se mais longas em relação ao peito e os antebraços mais longos em
relação aos braços e à altura. A pélvis de uma menina alarga‑se para facilitar o parto e camadas de
gordura formam‑se logo abaixo da pele, dando‑lhe uma aparência mais arredondada.
82
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

5.1.10 Desenvolvimento cognitivo do adolescente

Do ponto de vista cognitivo, Piaget, afirma que os adolescentes entram no nível mais elevado de
desenvolvimento cognitivo e chamou esse período de:

• período das operações formais: neste momento se desenvolve a capacidade para o pensamento
abstrato. Surge então um modo novo e mais flexível de pensar e manipular as informações. O
adolescente não está mais limitado ao aqui e agora, sendo capaz de compreender o tempo
histórico e o espaço. É capaz de utilizar símbolos, podendo assim aprender álgebra e cálculos.

Sobre o desenvolvimento no período das operações formais de Piaget, Papalia, Olds e Feldman (2006)
escrevem que, em síntese:

[...] no estágio das operações formais de Piaget, as pessoas são capazes


de raciocínio hipotético‑dedutivo. Elas podem pensar em termos de
possibilidades, lidar flexivelmente com problemas e testar hipóteses. Uma
vez que a experiência desempenha um papel importante para se chegar a
esse estágio, nem todas as pessoas tornam‑se capazes de operações formais.
O desenvolvimento cerebral imaturo dos adolescentes pode permitir que
as emoções interfiram no pensamento racional (PAPALIA; OLDS; FELDMAN,
2006, p. 472).

A capacidade de pensar, agora de modo abstrato, traz, consequentemente, implicações emocionais.


Assim, quando criança era possível amar os pais ou detestar um colega. Sendo adolescente, é possível
amar a liberdade e detestar a exploração, por exemplo.

O raciocínio hipotético‑dedutivo permite que o jovem crie hipóteses e possa pensar nos resultados
possíveis para sua hipótese sem haver necessidade de comprovação concreta, conforme ocorria na fase
anterior.

Em todas as etapas do desenvolvimento é importante que haja estímulo para que o sujeito continue
sua caminhada e obtenha cada vez mais condições e preparo para viver as etapas seguintes. Assim,
poderá enfrentar o mundo e construir uma vida adulta saudável tanto física como psicologicamente.

5.1.11 Desenvolvimento psicossocial do adolescente

De acordo com a teoria de Erick Erickson, a principal tarefa do adolescente é confrontar a seguinte
crise:

• identidade versus confusão de identidade: o desenvolvimento coincide com a puberdade


e adolescência. Pode ocorrer a crise de identidade, tratada por Erickson como crise normativa
(normal). Caso o adolescente fracasse, ficará sem uma identidade sólida e em confusão acerca de
seu próprio lugar no mundo.

83
Unidade II

Sabemos que a adolescência é marcada como uma fase difícil tanto para o jovem quanto para a
família; afinal, os pais de certa maneira perdem a criança e precisam reconhecer o filho, que agora se
apresenta com vontade própria e, na maioria das vezes, questionando e contestando tudo (o mundo, de
maneira geral). Por sua vez, o adolescente também precisa se reconhecer e descobrir quem de fato ele
é, conforme Erickson descreve.

É um momento difícil e faz com que o jovem busque no grupo de amigos a referência para sua
identidade. Assim, é possível que ele frequente diferentes grupos, sejam eles da escola, grupos religiosos
ou tantos outros. Todos os valores sociais e familiares são questionados. O que até então era aceito sem
dificuldades é agora contestado.

Aberastury e Knobel (1981) sintetizam as características da adolescência, descrevendo os sintomas


que caracterizam o que eles chamam de síndrome normal da adolescência. São elas:

• busca de si mesmo e da identidade;

• tendência grupal;

• necessidade de intelectualizar e fantasiar;

• crise religiosa, que pode ir desde o ateísmo mais intransigente até o


misticismo mais fervoroso;

• deslocalização temporal, em que o pensamento adquire as


características de pensamento primário;

• evolução sexual manifesta, que vai do autoerotismo até a


heterossexualidade genital adulta;

• atitude social reivindicatória com tendências anti ou associais de


diversa intensidade;

• contradições sucessivas em todas as manifestações da conduta,


denominada pela ação, que constitui a forma de expressão conceitual
mais típica desse período da vida;

• separação progressiva dos pais;

• constantes flutuações do humor e do estado de ânimo (ABERASTURY;


KNOBEL, 1981, p. 29)

Como vemos, são características que demandam uma grande flutuação emocional por parte do
jovem. Por isso há a justificativa dos autores em considerarem isso como uma síndrome: não há uma
patologia, mas a série de contradições justifica o uso da palavra síndrome.
84
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Passando para o trabalho de Freud, a adolescência é a fase que ele denominou:

fase genital: última fase descrita por Freud. Precede o estado final do desenvolvimento sexual e a
organização genital definitiva. A libido não está mais voltada para o próprio corpo, mas se projeta para
o outro.

Saiba mais

O livro Adolescência e família integra a coleção “Durma com esse


barulho 2”, da editora Arte & Ciência, escrita por Marcus Vinícius Mathias
(2005) e traz histórias de adolescentes que vivem os conflitos e desafios do
cotidiano.

Figura 11 – Adolescentes

Os adolescentes tendem a passar mais tempo com os amigos do que com os pais, embora o
relacionamento com eles continue sendo próximo. O grupo pode exercer uma influência tanto positiva
como negativa no adolescente.

5.1.12 Desenvolvimento do jovem adulto: físico, cognitivo e social

É considerada adulta a pessoa capaz de estruturar o ambiente e de se perceber objetivamente nos


outros, assim como o indivíduo, de qualquer sexo, que adquiriu uma identidade pessoal e uma integração
da personalidade total.

Seguindo as afirmações de Papalia, Olds e Feldman (2006), dividiremos o estudo sobre o


desenvolvimento do adulto em:

• jovem adulto: de 20 a 40 anos, aproximadamente;


85
Unidade II

• idade adulta: dos 40 aos 65 anos.

De acordo com as autoras, do ponto de vista físico, os jovens geralmente se encontram em uma fase
em que suas capacidades físicas e de saúde estão normais, sendo que é na fase adulta que se assenta a
base para o funcionamento físico de todo o restante da vida. É também no período que estão no auge
do funcionamento sensório e motor.

Por volta dos 20 anos, a maioria das funções corporais está plenamente desenvolvida. A acuidade
visual é máxima aproximadamente dos 20 aos 40 anos; e o paladar, o olfato e a sensibilidade à dor e à
temperatura geralmente permanecem inalterados até pelo menos os 45 anos.

É importante que a pessoa desenvolva nessa fase hábitos saudáveis, mantenha uma alimentação
equilibrada e não faça uso de substâncias que irão por em risco sua vida.

Atualmente, observamos que a obesidade está cada vez mais presente na população em geral.
O uso de tabaco e principalmente álcool e outras drogas se faz presente e compromete a saúde das
pessoas, o que faz com que as autoridades considerem os comportamentos de risco um problema de
ordem pública.

Quanto aos aspectos cognitivos do jovem adulto, as estruturas intelectuais se encontram em seu
apogeu. É possível que a escolha profissional se dê pela conclusão do Ensino Médio ou pela continuidade
do Ensino Superior. Embora Piaget considerasse o estágio das operações pós‑formais como o auge do
desenvolvimento cognitivo, outros autores afirmam que a mudança na capacidade cognitiva do jovem
adulto ultrapassam o último estágio de Piaget e apresentam o:

• estágio do pensamento pós‑formal: nele, o pensamento é mais


complexo e se caracteriza pela capacidade de lidar com as incertezas,
a inconsistência e as contradições. O pensamento pós‑formal lida com
a informação do contexto social (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006, p.
532).

Do ponto de vista psicossocial, Erick Erickson apresenta nesta fase a sexta crise de desenvolvimento
psicossocial:

• intimidade versus isolamento: ocorre da fase final da adolescência até os primeiros anos
da maturidade (meia‑idade). A intimidade está na capacidade do indivíduo em estabelecer
relacionamentos não somente sexuais, mas também amizades intensas e duradouras.

A base dos relacionamentos íntimos tem início no começo da vida adulta jovem. Esse é um período
de profundas mudanças nos relacionamentos pessoais, em que as pessoas estabelecem, renegociam ou
consolidam laços baseados na amizade, na sexualidade e no amor.

Na vida adulta, as amizades tendem a se centrar nas atividades de trabalho e de criação dos filhos e
no compartilhamento de segredos e conselhos. Geralmente se baseiam em interesses e valores mútuos
86
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

e desenvolvem‑se entre pessoas da mesma geração ou da mesma etapa de vida familiar, que validam as
crenças e o comportamento uma das outras.

Idade adulta

Também conhecida como meia‑idade, é, em termos gerais, um período movimentado, às vezes difícil,
que costuma ser repleta de muitas responsabilidades e de múltiplos papéis.

Nessa fase é tempo de olhar tanto para frente como para trás, ou seja, para aquilo que já se viveu
e para o que ainda virá. Pode ser uma época para fazer um balanço, reavaliar objetivos e aspirações e
decidir como melhor utilizar a parte restante do ciclo de vida.

Com relação aos aspectos físicos, ocorrem mudanças fisiológicas resultantes do envelhecimento
biológico e da constituição genética, mas o acúmulo de fatores comportamentais e de estilo de vida,
desde a infância, afetam a probabilidade e a extensão das mudanças físicas. A saúde e os hábitos de estilo
de vida nos anos intermediários também influenciam o que acontece nos anos posteriores. Algumas
alterações que ocorrem nessa fase:

• perda da visão de perto. É comum também a perda na acuidade visual ou nitidez da visão, entre
outros problemas;

• perda auditiva gradual, acelerando‑se após os 50 anos;

• a sensibilidade gustativa e olfativa costuma começar a diminuir na meia‑idade, principalmente


para as pessoas que fazem uso de medicações;

• a pele pode tornar‑se menos tesa e lisa, pois os tecidos imediatamente abaixo da superfície
perdem gordura e colágeno;

• a perda óssea acelera‑se após os 50 anos, ocorrendo duas vezes mais rápido nas mulheres do que
nos homens, levando à osteoporose;

• doenças cardíacas tornam‑se mais comuns ao final dos 40 e início dos 50 anos, principalmente
nos homens.

Próximo aos 50 anos, a mulher terá a perda da menstruação, marcando assim o fim do ciclo
reprodutivo, e entrará na fase da menopausa. Além dos sintomas físicos, como secura vaginal, dores
articulares ou musculares, dores de cabeça, fadiga, insônia e ganho de peso, ocorrem também os
problemas psicológicos.

Tal período pode ser estressante para a mulher por se tratar de um marco no seu desenvolvimento. É
necessário estar atento e oferecer apoio para que ela atravesse esta fase sem muitos transtornos.

Pesquisas apontadas por Cattel, 1965; Horn, 1967, 1968, 1970, 1982a, 1982b; Horn e Hofer, 1992
(apud PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006, p. 609) distinguem dois tipos de inteligência nesta fase:
87
Unidade II

• inteligência fluída: capacidade de aplicar as faculdades mentais a novos problemas que exigem
pouco ou nenhum conhecimento prévio, envolvendo a percepção de relações, a formação de
conceitos e a extração de inferências. Tais capacidades são determinadas pela condição neurológica
e tendem a declinar com a idade;

• inteligência cristalizada: capacidade de recordar e utilizar informações adquiridas durante toda


a vida. É medida por testes de vocabulário, pela cultura geral e pelas respostas a situações e a
dilemas sociais.

As autoras afirmam ainda que tipicamente a inteligência fluída atinge o máximo nos anos iniciais
da vida adulta, e que a inteligência cristalizada tende a melhorar com a meia‑idade ou mesmo próximo
do final da vida do indivíduo.

Em relação as aspectos psicossociais, Erick Erickson (apud PAPALIA, 2006) considerava o período
em torno dos 40 anos como a época em que as pessoas passam pela sétima crise normativa, que ele
descreveu como:

• Geratividade versus estagnação: a preocupação que adultos maduros apresentam com o


estabelecimento e a orientação da próxima geração. Prevendo o declínio de sua vida, as pessoas
sentem a necessidade de deixar um legado. As pessoas que não encontram um escape para a
geratividade tornam‑se absortas em si mesmas, excessivamente entregues aos próprios prazeres
ou estagnadas (inativas ou inertes).

Nesta fase já não há mais a preocupação com a criação ativa dos filhos e com o fato deles terem
saído definitivamente para ter sua própria vida. Quando os filhos tornam‑se adultos, os laços entre pais
e filhos geralmente diminuem de importância, mas esses laços normalmente duram enquanto os pais
viverem.

A saída dos filhos de casa (síndrome do ninho vazio) não indica o fim da paternidade e da maternidade,
e sim uma transição para uma nova etapa: o relacionamento entre pais e filhos adultos.

5.1.13 Desenvolvimento da terceira idade: físico, cognitivo e social

Com o prolongamento do ciclo da vida, os cientistas estão cada vez mais concentrando a atenção
sobre o que acontece com o corpo humano na passagem do tempo.

As mudanças fisiológicas na terceira idade são altamente variáveis. Muitos dos declínios comumente
associados ao envelhecimento podem, na verdade, ser efeitos de doenças em vez de causas.

Alguns sistemas corporais declinam mais rápido do que outros. Entre as mudanças mais graves
estão aquelas que acometem o coração. Seu ritmo tende a tornar‑se mais lento e irregular, depósitos
de gordura acumulam‑se ao seu redor, podendo interferir em seu funcionamento, e a pressão arterial
costumar aumentar.

88
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Com relação à altura, ela diminui da idade adulta inicial à velhice porque os discos entre as vértebras
da coluna atrofiam‑se. Os indivíduos podem parecer ainda mais baixos devido à postura encurvada.

Os homens tendem a sofrer de osteoporose 10 anos mais tarde do que as mulheres devido à maior
massa óssea e a perdas hormonais mais graduais. Outro aspecto importante que pode afetar a saúde
é um declínio na capacidade de reserva orgânica, que ajuda os sistemas corporais a funcionar em
momentos de estresse.

Embora o declínio físico geralmente seja imperceptível na vida cotidiana, as pessoas mais velhas
geralmente não conseguem responder às demandas físicas de situações estressantes com a mesma
rapidez e eficiência que antes.

Adultos mais velhos são particularmente suscetíveis a quedas devido à reduzida sensibilidade das
células receptoras que levam ao cérebro informações sobre a posição do corpo no espaço – informações
necessárias para manter o equilíbrio. Reflexos mais lentos, menor força muscular e perda de visão e de
percepção de profundidade também contribuem para a perda de equilíbrio.

Falhas na memória costumam ser consideradas um sinal de velhice, mas no que se refere à memória,
assim como em outras capacidades cognitivas, o funcionamento das pessoas mais velhas varia bastante.
Mudanças neurológicas, assim como a piora na velocidade perceptual, podem explicar grande parte do
declínio no funcionamento da memória em adultos mais velhos.

Figura 12 – Terceira idade

Quanto ao funcionamento sexual na terceira idade, o fator mais importante na sua manutenção é a
atividade sexual regular ao longo dos anos. Muitas pessoas mais velhas são sexualmente ativas, embora
a frequência e a intensidade da experiência geralmente sejam menores do que para adultos jovens.

A aprendizagem vitalícia pode manter pessoas mais velhas mentalmente alertas. Adultos mais velhos
aprendem melhor quando os materiais e métodos são adaptados às necessidades dessa faixa etária.

89
Unidade II

Do ponto de vista psicossocial, a idade adulta já foi considerada um período relativamente estável.
Freud acreditava que a partir dos 50 anos de idade a personalidade estivesse permanentemente formada
e que os processos mentais fossem inflexíveis a partir de então.

Carl Gustav Jung (apud PAPALIA, 2006), afirmava que o desenvolvimento saudável na meia‑idade
exige individuação. Até os 40 anos, os adultos concentram‑se nas obrigações com a família e com
a sociedade, desenvolvendo os aspectos da personalidade que os ajudarão a alcançar os objetivos
externos.

As mulheres enfatizam expressividade e zelo; os homens orientam‑se, sobretudo, às realizações.

Na meia‑idade, as pessoas direcionam sua preocupação aos “eus” interiores, espirituais. Jung ainda
afirma que duas tarefas necessárias, embora difíceis nessa fase do desenvolvimento, são abrir mão da
juventude e reconhecer a imortalidade.

Saiba mais

Assista ao filme As confissões de Schmidt (About Schmidt), filme com


Jack Nicholson dirigido por Warren Schmidt. Ele conta a história de um
homem de 60 anos que, após, se aposentar, perde a esposa inesperadamente
e se sente incerto quanto ao seu futuro.

Em seu oitavo e último ciclo, Erick Erickson denomina esta crise como:

• integridade versus desespero: é necessário que o adulto mais velho avalie, resuma e aceite a
própria vida para poder então aceitar o fim dela. O desespero advém daqueles que não alcançam
à aceitação e percebem que o tempo é curto demais para buscar outros caminhos para si.

Como nas fases anteriores, Erickson coloca a inevitável e necessária condição de se viver o lado
aparentemente “negativo” da crise. No caso, as pessoas precisam lamentar sua vulnerabilidade e a
condição transitória da existência.

Com relação à saúde mental e também no nível comportamental, suas manifestações na velhice são
devastadoras. Aproximadamente dois terços dos casos de demência podem ser causados pelo mal de
Alzheimer, distúrbio degenerativo e progressivo do cérebro.

Já o mal de Parkinson é o segundo distúrbio mais conhecido envolvendo degeneração neurológica


progressiva. Caracteriza‑se por tremor, rigidez, retardamento dos movimentos e postura instável.

Sintomas de depressão são comuns também em pessoas mais velhas, mas, muitas vezes, são ignorados
por serem erroneamente considerados um acontecimento natural do envelhecimento.

90
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Algumas pessoas mais velhas deprimem‑se como resultado de perdas físicas e emocionais. Alguns
aparentes “distúrbios cerebrais”, na verdade, devem‑se à depressão, mas esta pode ser abrandada se as
pessoas mais velhas procurarem ajuda.

Concluindo, algumas características sobre o dinamismo psíquico do envelhecimento:

• perda de entes queridos e de papéis;

• modificação do próprio corpo. Nas mulheres, a cristalização pela menopausa; no homem, a


calvície. Para ambos: diminuição da performance tanto no nível muscular quanto no perceptivo;

• as capacidades intelectuais podem permanecer, mas frequentemente é necessário mais tempo


para fixar o que lhe é perguntado;

• a memória imediata e a de curto prazo são as primeiras atingidas pelas perturbações


mnemônicas, o que pode se explicar pela perda do sono profundo, assim como pelo não
investimento no presente.

Lembrete

O mal de Parkinson, assim como o mal de Alzheimer, são doenças


degenerativas do sistema nervoso central e, embora não sejam curáveis até
o momento, podem ser controladas a partir de tratamento médico.

Concluímos aqui esta breve apresentação sobre o ciclo do desenvolvimento humano. Teríamos muito
mais a discorrer, mas diante de outros temas também importantes para a sua formação, deixaremos que
você busque maior aprofundamento e use os conhecimentos que foram aqui trazidos para aumentar
seu conhecimento sobre as dimensões do ser humano.

5.2 Noções de psicomotricidade

Caro aluno, passamos agora para o estudo da psicomotricidade. Iniciaremos conhecendo um pouco
da sua história, na Grécia Antiga, período em que Platão discutia o dualismo corpo‑alma, que seria
abordado posteriormente também por Descartes. Sobre esse assunto, encontramos no Dicionário de
Filosofia a seguinte explicação:

[...] o dualismo corpo‑alma pode ser entendido de vários modos. O mais


conhecido são os mantidos por Platão (em alguns diálogos) e por Descartes.
Comum a eles é a ideia de que o corpo e a alma são dois tipos distintos de
realidade, ou, em termos cartesianos, duas substâncias. Todo dualismo deve
manter que o corpo e a alma são ontologicamente independentes. Contudo,
todo dualismo se esforça para explicar por que há correspondências entre
processos mentais e processos corporais (MORA, 2000, p. 589).
91
Unidade II

Para a Filosofia da época, o centro das discussões era a alma, que Platão definia como princípio ou
essência e cuja natureza era imortal – ao contrário do corpo, que é visto como mortal e considerado
apenas “abrigo” da alma.

Sobre esta discussão, Le Boulch (1987), educador físico, doutor em Medicina e especialista nas áreas
de reabilitação funcional e psicomotricidade, comenta:

[...] a concepção ocidental das relações da alma com o corpo é herdeira


da formulação platônica de um dualismo axiológico. Opostamente ao
que comumente se pensa, Platão não visa a um equilíbrio entre o corpo
e a mente; ao contrário, o conjunto de sua obra contribui para firmar um
dualismo radical distinguindo, no ser, duas realidades substanciais distintas.
“O homem é alma e corpo”, mas “é a alma que domina, é a parte soberana,
o princípio e o fim”. Não apenas são distintas as duas substâncias, mas a
valorização da alma acarreta como consequência um aviltamento do corpo
expresso no Phédon (LE BOULCH, 1987, p. 11).

Para Platão, a alma humana é perfeita e faz parte de um mundo perfeito das ideias; o corpo vive em
contínuo processo de mudança de aparência, mas a alma nunca muda.

Passando para o século XIX, encontramos Charcot (1825‑1893), que é considerado o primeiro
psiquiatra do mundo. Ele fez experimentos sobre o fenômeno do “membro fantasma”, ou seja, quando
um indivíduo amputado conserva a impressão da existência do membro que perdeu. Um exemplo dessa
situação ocorre quando a pessoa tem uma das pernas amputada e, mesmo sabendo que aquele membro
não mais existe, sente dores e até coceiras, como se ele existisse. A pessoa com deficiência, ao viver tais
momentos, demonstra grande sofrimento, tendo em vista que as sensações são percebidas como reais.

Após essa breve discussão inicial, vemos que atualmente o debate nos parece invertido, ou seja, se
na antiguidade ele era centrado na alma, hoje em dia, opostamente, encontramos o culto ao corpo, a
valorização da beleza física, o que nem sempre é possível alcançar.

5.2.1 Definição de psicomotricidade

Para entender exatamente o que vem a ser psicomotricidade, apresentamos inicialmente a


definição proposta pela Sociedade Brasileira de Psicomotricidade (2003), que nos traz que o termo
psicomotricidade aparece no discurso médico‑neurológico no início do século XIX a partir da
necessidade de nomear as zonas do córtex cerebral situadas mais além das regiões motoras.

A palavra psicomotricidade é formada pelo termo grego psyché, que significa alma, e mais a palavra
moto, originada do latim e que significa movimento frequente.

No senso comum, encontramos no dicionário Michaelis (1998) o seguinte significado: “sf


(psico+motricidade) Psicol Autocontrole muscular”.

92
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

A Sociedade Brasileira de Psicomotricidade, entidade de caráter científico‑cultural que busca a


regulamentação da profissão por meio de projetos de lei, define psicomotricidade da seguinte forma:

[...] é a ciência que tem como objeto de estudo o homem através do seu
corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno e externo.

Está relacionada ao processo de maturação, em que o corpo é a origem


das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. É sustentada por três
conhecimentos básicos: o movimento, o intelecto e o afeto.

Psicomotricidade, portanto, é um termo empregado para uma concepção


de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas
pelo sujeito cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e
sua socialização.

Fonte: <http://www.psicomotricidade.com.br/>. Acesso em: 4 mar. 2013.

O prof. Dr. Júlio de Ajuriaguerra define psicomotricidade, conforme citado pelo Instituto Superior de
Psicomotricidade e Educação (s.d.), da seguinte forma:

A psicomotricidade se conceitua como ciência da Saúde e da Educação,


pois indiferente das diversas escolas, psicológicas, condutistas, evolutistas,
genéticas etc. ela visa à representação e à expressão motora, através da
utilização psíquica e mental do indivíduo.

A profa. Dra. Maria Beatriz da Silva Loureiro, diretora do mesmo instituto e presidente da Organization
Internationale de Psychomotricité et Relaxation Paris‑France – OIPR no Brasil define psicomotricidade
conforme visto a seguir:

A psicomotricidade é a otimização dos potenciais neuro, psicocognitivo


funcionais, sujeitos as leis de desenvolvimento e maturação, manifestados
pela dimensão simbólica corporal próprio, original e especial do ser humano
(INSTITUTO SUPERIOR DE PSICOMOTRICIDADE E EDUCAÇÃO, s.d.).

Após essa breve exposição, vamos iniciar com o trabalho realizado pelo neurologista Henry Head,
que em 1911 deu origem à noção de “esquema postural”, conceito desenvolvido posteriormente por
Schilder.

Para melhor compreensão do trabalho realizado por Head, citamos Tavares e Cunha (2003), que nos
trazem a seguinte explicação:

Henry Head deixou importantes contribuições nas pesquisas sobre a imagem


corporal. É importante que saibamos interpretar sua “visão global” da imagem
corporal como resultado da influência da hipótese do campo agregado, e

93
Unidade II

não, como muitas vezes considerada, como resultante de visão integrada do


corpo ou perspectiva sistêmica da imagem corporal. [...] Head não especificou
como o “esquema corporal” é organizado ou como ocorria essa comparação
entre o “esquema corporal” e o novo movimento. Entretanto, apontou que
esse modelo está sempre mudando, se reconstruindo. E cada mudança entra
na consciência carregando sua relação com o modelo anterior. Além disso,
sugeriu que o esquema corporal serviria de referência para a interpretação
de outros tipos de experiências. Observamos em seu raciocínio uma visão
sequencial, em que cada nova experiencia é englobada para a reorganização
do modelo postural atual (TAVARES; CUNHA, 2003, p. 39).

De acordo com Head (apud COSTE, 1978), a noção de imagem espacial – quer dizer, a presença do
corpo no espaço – vem a somar com a dimensão temporal. Isso quer dizer que esse mesmo corpo se
apresenta orientado no tempo, tendo em vista que o esquema postural não é algo estático (ou seja, algo
inativo), e sim essencialmente plástico, dinâmico, em constante construção, tendo que se haver com as
aferências sensoriais, quer dizer, dirigida para os centros nervosos, e interoceptivas (proveniente das
víceras) e proprioceptivas (dos músculos e das articulações).

Coste (1978, p. 20) apresenta os tipos de esquemas apresentados por Head:

• os esquemas posturais, que asseguram a apreciação do tono postural e da posição (das partes)
do corpo no espaço;

• os esquemas de superfície do corpo, que garantem a localização das estimulações periféricas;

• os esquemas temporais, que asseguram o afastamento temporal das diferentes estimulações


percebidas.

O trabalho de Head aponta para a imagem tridimensional, ou seja, a imagem que temos de nós
mesmos, essencialmente dinâmica e que integra todas as experiências perceptivas motoras, afetivas e
sexuais – que de acordo com Gonçalves (1994) fazem parte das estruturas psicobiológicas com as quais
o indivíduo conta.

Foi a partir desse esquema postural que decorreu a noção mais clássica e admitida que Schilder
utiliza para descrever e desenvolver a imagem do corpo, definida como uma representação mental da
forma como nosso corpo nos aparece ou se torna presente.

Os estudos da neurologia e da fisiologia somados aos de Head e Pick, mais a contribuição de Schilder,
os dados da Psicologia e as experiências da psicanálise, irão culminar com uma abordagem global do
corpo concebido, conforme afirma Coste (1978, p. 21), como uma “entidade psicológica e fisiológica
indissociável”. Segundo o autor,

[...] em todos os estudos de Schilder, o indivíduo histérico oferece um


terreno privilegiado de investigação, em virtude da estrutura particular
94
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

dessa patologia, a qual se organiza em torno da percepção do corpo;


assim, Schilder mostra, como Freud, que a representação que nós fazemos
de nosso corpo tem poucos pontos comuns com a descrição que dele
nos faz a anatomia. Nossa imagem do corpo é, portanto, o resultado,
em grande parte, da experiência vivida, por meio dos acasos e das
circunstâncias aleatórias da comunicação com seu meio circundante
(COSTE, 1978, p. 21).

Foi com Bonnier (1833, apud COSTE) que surgiu a ideia da representação topológica do corpo, que se
baseia na noção de um espaço não quantitativo, o primeiro esquema cujas alterações patológicas
determinam o surgimento de certos distúrbios – ou seja, doenças.

Sobre a conceituação da psicomotricidade pela psicanálise, temos que o corpo tem um papel central
e dinâmico e que os fenômenos inconscientes têm um papel fundamental nas estruturas e significações
vividas pelo corpo, no comportamento humano, sobre suas obras e em seus pensamentos mais abstratos.

De acordo com Sigmund Freud (1856‑1939), médico psiquiatra e autor da psicanálise, o corpo está
na origem de todas as pulsões vitais e orgânicas do ser humano. É por meio dele que se inscrevem as
experiências do prazer, ligadas às da satisfação – por exemplo, a criança com fome irá experimentar
o sofrimento e também o prazer ao receber o alimento. Independentemente da satisfação, a criança
poderá reviver sua necessidade chupando seu dedinho ou levando um objeto até a boca.

Vamos à definição da palavra pulsão, tendo em vista que é um termo com significado específico e
muito encontrado nos trabalhos de Freud:

[...] pulsão é um processo dinâmico que consiste numa pressão ou força


(carga energética, fator de motricidade) que faz o organismo tender para
um objetivo. Segundo Freud, uma pulsão tem a sua fonte numa excitação
corporal (estado de tensão); o seu objetivo ou meta é suprimir o estado de
tensão que reina na fonte pulsional; é no objeto ou graças a ele que a pulsão
pode atingir a sua meta (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 394).

A construção do corpo investido pela libido está presente do nascimento até o período mais elaborado
do narcisismo secundário, e somente é possível no desenvolvimento de uma vida relacional satisfatória
da criança com as pessoas em sua volta – em primeiro lugar, um relacionamento com a mãe, que como
se espera deve ser a pessoa central na qual a criança irá organizar suas percepções. Conforme afirma
Coste (1978), é ela, a mãe, quem cultiva e prepara o corpo da criança e, posteriormente, fará com que
esta simbolize e dê nomes às coisas.

Devido à complexidade do trabalho desenvolvido por Freud, é necessário compreender alguns


dos termos específicos do seu trabalho, que foram criados por ele com a finalidade de explicar seus
estudos. Para nós, sua compreensão se faz necessária a fim de entendermos o seu uso no estudo da
psicomotricidade.

95
Unidade II

O termo libido, utilizado por Freud em seus trabalhos, significa, de acordo com Laplanche e Pontalis
(2001, p. 267),

[...] que na medida em que a pulsão sexual representa uma força que
exerce uma “pressão”, a libido é definida por Freud como a energia dessa
pulsão. É este aspecto quantitativo que vai prevalecer no que se tornará,
a partir da concepção do narcisismo e de uma libido do ego, a “teoria
da libido”.

A compreensão correta dos termos criados por Freud para explicar sua teoria são fundamentais
no nosso estudo, visto que sem a sua compreensão não conseguiremos entender sua aplicação na
psicomotricidade. O termo narcisismo é explicado por Laplanche e Pontalis (2001) do seguinte modo:
“[...] o narcisismo primário designa um estado precoce em que a criança investe toda a sua libido em si
mesma. O narcisismo secundário designa um retorno ao ego da libido retirada dos seus investimentos
objetais” (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 290).

Muitos autores, baseados nos trabalhos desenvolvidos por Freud, deixaram contribuições importantes,
cada um abordando determinado aspecto do desenvolvimento da criança. Um exemplo é Renné Spitz
(1887‑1974), outro importante estudioso que teve como formação a medicina e tornou‑se psicanalista.
Seu trabalho esteve voltado para o estudo sobre a afetividade e a formação da personalidade da criança
no primeiro ano de vida.

Observação

Conforme Kury (2008, p. 278), Narciso foi um deus grego que


segundo a lenda era impedido de ver seu próprio rosto. Quando o fez
apaixonou‑se por si mesmo e no desespero de sua paixão acabou se
suicidando.

Aprofundando um pouco mais nosso estudo sobre os conceitos psicomotores, vamos aos seus
principais aspectos, iniciando com o “esquema corporal”.

I – Esquema corporal

A expressão esquema corporal supõe conceitos e doutrinas diferentes, variando de acordo com o
ângulo pelo qual ela for encarada e se há maior destaque ao aspecto motor, sensorial ou aos processos
psíquicos inconscientes.

O esquema corporal é um elemento básico indispensável para a formação da


personalidade da criança. É a representação relativamente global, científica
e diferenciada que a criança tem do seu próprio corpo (WALLON, 1968 apud
MEUR; STAES, 1989, p. 9).

96
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Wallon (apud LE BOULCH 1986, p. 37) afirma que:

[...] o esquema corporal ou imagem do corpo pode ser considerado como


uma intuição de conjunto ou um conhecimento imediato que temos de
nosso corpo em posição estática ou em movimento, na relação de suas
diferentes partes entre si e, sobretudo, nas relações com o espaço e os
objetos que nos circundam.

Ainda sobre o esquema corporal, Wallon (apud LE BOULCH 1986, p. 37) afirma que:

[...] não se trata de um dado inicial nem de uma entidade biológica ou física.
É o resultado e a condição para relações adequadas entre o indivíduo e seu
meio.

Sobre as relações que se estabelecem entre o sujeito e o meio, Meur e Staes (1989) afirmam que a
criança percebe‑se e percebe os seres e as coisas que a cercam, em função de sua pessoa. É importante
observar que os autores não especificam exatamente em que fase do desenvolvimento da criança isso
ocorre, citando apenas o termo “a criança”.

Se usarmos o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), que considera como criança a
pessoa até doze anos incompletos, podemos concluir, sobre a afirmativa dos autores, que o “perceber e
perceber‑se” da criança ocorre a partir de um processo e durante todo o seu desenvolvimento.

Meur e Staes (1989) também colocam que o desenvolvimento da personalidade se dará


progressivamente, a partir da consciência de seu corpo, de seu ser e das suas possibilidades de agir e
transformar o mundo à sua volta.

À medida que a criança percebe que seu corpo lhe obedece, que ela o conhece e que pode utilizá‑lo
não apenas para se movimentar, mas também para agir, ela se sentirá cada vez melhor.

II –Tônus

O tônus é fundamental na abordagem psicomotora humana, pois abrange muitos aspectos. Coste
(1978, pp. 24‑25) explica que o tônus:

• é um fenômeno nervoso muito complexo, a trama de todos os


movimentos, sem desaparecer na inação (falta de ação, inércia);

• investe‑se em todos os níveis da personalidade psicomotora e participa


de todas as funções motrizes (equilíbrio, coordenação; dissociação
etc.). É, sobretudo, o veículo da expressão de emoções;

• é o suporte essencial da comunicação, “infraverbal”, da “linguagem


corporal”;
97
Unidade II

• é um critério de definição da personalidade, pois varia segundo a


inibição, a instabilidade e a extroversão que a caracterizam.

Figura 13

Coste (1978) apresenta a distinção entre diferentes movimentos baseado na teoria de Pavlov,
pesquisador russo que viveu de 1849 a 1935 e elaborou uma importante teoria sobre o comportamento
que inclui os:

• reflexos: movimentos imediatos e automáticos do organismo sem interferência da consciência


do sujeito ou da sua vontade, estando divididos em:

– inatos, que ocorrem independentes da aprendizagem e são determinados pela bagagem


biológica. É um exemplo a diminuição das pupilas quando há uma grande quantidade de luz
no ambiente;

– adquiridos ou condicionados, que como o próprio nome diz, vamos aprendendo por
meio das experiências positivas ou negativas pelas quais passamos. Podemos dizer que os
reproduzimos de maneira “automática”. Como exemplo, citamos os comportamentos e ritos
socioculturais, como as festas de carnaval ou junina. Nessas ocasiões há uma visível alteração
no comportamento das pessoas, que pode variar de acordo com o seu envolvimento com essas
realidades.

Quanto aos níveis de desenvolvimento do tônus, temos:

• hipertonia: aumento do tono, que pode ocorrer em determinado ou em vários grupos musculares.
Fonseca (1995) descreve que a criança hipertônica se apresenta menos extensível, ativa e com um
desenvolvimento postural mais precoce, vindo daí a sua predisposição para a marcha e para a
exploração do espaço envolvente. Consequentemente, as suas atividades mentais surgem mais
impulsivas, dinâmicas e, por esta razão, mais descoordenadas e inadequadas.

98
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

• hipotonia: diminuição do tono, o que pode ocorrer em determinado ou em vários grupos


musculares. Fonseca (1995) descreve que, ao contrário das características anteriores, na hipotonia
a criança é mais extensível e calma em termos de atividade. O seu desenvolvimento postural é
normalmente mais lento e sua predisposição motora centra‑se mais frequentemente na preensão
e nas praxias finas; como consequência, as atividades mentais se apresentam mais elaboradas,
reflexivas e controladas.

• Rigidez: acomete vários grupos musculares.

• Espasticidade: aumento de tono em determinado grupo muscular.

• Espasmo: modificação rápida do tono.

• Distonia: tono flutuante.

• Contração tônica: resistência do músculo diante de uma mobilização passiva.

• Reflexo miotático: quanto maior o alongamento muscular, maior a tensão.

• Laço gama: mecanismo desvendado por Sherrington (1896, apud COSTE, 1978), explica o processo
da contração muscular independente da influência do sistema nervoso.

Quando usamos a palavra tônus, estamos nos referindo à tonicidade, pois ambas se referem ao
mesmo tema. Sobre isso, Fonseca (1995, p. 122) esclarece que:

[...] tonicidade abrange todos os músculos responsáveis pelas funções


biológicas e psicológicas, além de toda e qualquer forma de relação e
comunicação social não verbal, tendo como característica essencial o
seu baixo nível energético, que permite ao ser humano manter‑se de pé
por grandes períodos de tempo sem a manifestação de sinais de fadiga.
Como consequência, a tonicidade envolve também a apreciação do poder
muscular, visto que é neurologicamente indissociável dele.

Podemos afirmar que não é possível o estudo da psicomotricidade sem que haja o conhecimento
sobre o tônus ou a tonicidade, pois toda a motricidade necessita do suporte da tonicidade.

III – Do movimento ao gesto: o projeto motor

Inicialmente, vamos entender o sentido de movimento no seu aspecto mais amplo, apoiados no que
traz o dicionário Michaelis (1998), no qual o termo significa:

1 Ato de mover ou de se mover. 2 Mudança de lugar ou de posição; deslocação. 3


Maneira como alguém move o corpo. 4 Ação, animação, variedade. 5 Mudança
no viver e pensar dos povos. 6 Impulso da paixão que se eleva na alma.
99
Unidade II

Ao buscarmos no campo científico, encontramos em Coste (1978, p. 35), que:

[...] movimento é um termo genérico, que abrange indistintamente os


reflexos, os atos motores conscientes ou não, normais ou patológicos,
significantes ou desprovidos de significado.

Apesar da generalidade citada pelo autor, é importante entender movimento como canal de
expressão de todos os aspectos do desenvolvimento: cognitivo, afetivo, relacional e social. Temos então
que movimento é um canal de expressão de todo tipo de afeto e emoções da pessoa.

Figura 14

Na imagem podemos observar o movimento que o grupo realiza e que há uma sincronicidade entre
o esquema corporal, a função tônica e o movimento por meio do gesto representado a partir da ação do
grupo. É tão real que expressamos nossos sentimentos e emoções por meio do corpo.

Exemplo de aplicação

É possível analisar a figura e refletir sobre o que ela nos transmite. Outro exercício interessante é
analisar fotografias que temos guardadas em nossa casa. Quanto mais antigas, mais interessante se

100
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

torna a observação. Tente fazer esse exercício, observe as expressões e disposições das pessoas; além da
análise, você poderá se divertir com os modismos representados da época.

Por meio do corpo expressamos nossos sentimentos e emoções. Podemos afirmar que será a partir
do movimento que tais expressões poderão ser efetivadas.

Há um ato motor presente mesmo nos estágios mais primitivos do desenvolvimento humano, como
acontece com o recém‑nascido, quando os movimentos são reflexos e acontecem independentes da
vontade e sem que a criança tenha conhecimento dele.

IV – A comunicação

Podemos considerar a comunicação, conforme o dicionário Michaelis (1998), como função essencial
na reeducação psicomotora, sendo definida em seu sentido comum como:

1 Ação, efeito ou meio de comunicar. 2 Aviso, informação; participação;


transmissão de uma ordem ou reclamação. 3 Mec Transmissão. 4 Relação,
correspondência fácil; trato, amizade. 5 Sociol Processo pelo qual ideias e
sentimentos se transmitem de indivíduo para indivíduo, tornando possível
a interação social.

Coste (1978, pp. 30‑40) nos chama a atenção sobre a possibilidade de haver uma deturpação do
significado real da comunicação, que muitas vezes é usada fora do seu verdadeiro propósito. Usado no
seu sentido científico, afirma o autor que:

[...] a comunicação é a propagação de uma certa informação de um emissor


a um receptor. Neste caso, o modelo nos é fornecido pela informática; é o
modelo da “caixa preta”, a qual é simplesmente comparável ao amplificador
de um eletrofone que trata uma mensagem (elétrica) para traduzir
informação.

Voltando‑se para o aspecto dos meios de comunicação, Aristóteles e Descartes já assinalavam que a
linguagem, como meio de comunicação, distingue o homem dos outros animais – o que significa dizer
que há comunicação entre os outros seres, mas apenas o homem é capaz de fazer uso da língua. Assim,
o homem é capaz de se comunicar e organizar o mundo.

Quando usamos os termos língua e linguagem, temos que estar atentos de que há diversos meios
ou recursos que o homem utiliza para se comunicar. Na figura a seguir, vemos uma mão, simbolizando
a linguagem das pessoas com dificuldade ou ausência da audição.

101
Unidade II

Figura 15

Coste (1978) afirma que vivemos em um mundo de significados, onde a comunicação acontece em
diferentes situações, como os gestos e os movimentos corporais. Em tudo há uma comunicação, um
significado que precisa ser traduzido e interpretado.

Como vimos, o corpo é o veículo que usamos para transmitir nossos pensamentos, nossos sentimento
e emoções. Entretanto, podemos afirmar também que o corpo é o transmissor de uma mensagem e isso
independente do nosso desejo ou da nossa autorização, pois todos os nossos gestos e atitudes podem
sempre ser interpretados pelas outras pessoas de acordo com aquilo que elas veem.

É fundamental que você, como profissional, esteja atento a todas as formas de sinais de comunicação
que a pessoa possa estar transmitindo. Muitas vezes estamos condicionados a interpretar a linguagem
oral e corremos o risco de não nos atentarmos às outras formas de comunicação da pessoa, assim como
de não atendermos de maneira integral as necessidades que o outro apresenta. Assim, é importante
que você esteja atento como profissional e observe todos os mecanismos que o sujeito utiliza para se
comunicar.

5.2.2 Psicomotricidade: áreas de atuação

Para a atuação profissional no campo da psicomotricidade, é importante inicialmente que haja o


interesse da pessoa em trabalhar com as dificuldades do indivíduo, embora haja também a atividade
preventiva. Os campos englobam áreas como a educação, a saúde, a pesquisa e o trabalho organizacional.

A pessoa que busca atuar na aplicação da psicomotricidade deve ter interesse em atender à criança
desde o seu nascimento (passando por todas as etapas dessa fase), o adolescente e as características que
lhe são peculiares, o adulto e também o idoso.
102
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

O profissional da psicomotricidade pode trabalhar com pessoas de diversas características. Por


exemplo:

• crianças em fase de desenvolvimento e que necessitam de orientação;

• bebês de alto risco;

• crianças com dificuldades/atrasos no desenvolvimento global;

• pessoas portadoras de deficiências;

• pessoas com deficiências sensoriais, motoras, mentais e psíquicas.

Outras possibilidades de trabalho para o profissional da psicomotricidade são também junto à família
e nas organizações. Dessa forma, o mercado de trabalho pode ser desenvolvido em:

• creches;

• escolas maternais;

• escolas de educação regular;

• academias;

• clínicas multidisciplinares;

• postos de saúde;

• hospitais.

Como você pode notar, são muitas as áreas em que o profissional pode estar desenvolvendo
seu trabalho. O importante é que você se identifique com uma delas, se especialize e invista para
que possa desenvolver seu trabalho de maneira a atender às necessidades daqueles que irão
procurá‑lo.

Saiba mais

Assista ao vídeo Cirque du Soleil: alegria. O tema da psicomotricidade irá


proporcionar uma inter‑relação com os conteúdos apresentados.

103
Unidade II

6 AS ESPECIALIDADES MÉDICAS E SUAS ESPECIFICIDADES: ASPECTOS


PSICOLÓGICOS DO PACIENTE, ASPECTOS FAMILIARES E ATUAÇÃO DOS
PROFISSIONAIS DE SAÚDE

Tão importante quanto conhecer as etapas do desenvolvimento humano é conhecer o comportamento


do sujeito diante de algumas doenças específicas. Abordaremos esse assunto a partir de agora.

Conforme mencionamos anteriormente, adoecer traz inúmeros transtornos para a vida de qualquer
pessoa e, consequentemente, para a família. A doença transforma e invade o sujeito, muitas vezes
deixando‑o em uma posição de impotência e de dependência.

Quando isso ocorre por um breve período, a pessoa passará por um sofrimento; porém, passando
aquele momento, ela terá condições de se recuperar e assumir novamente seu papel na família e no
meio em que convive.

Vamos iniciar nosso tema tratando dos aspectos psicológicos do paciente cardíaco e/ou com
problemas pulmonares.

6.1 Cardiologia e pneumologia

É necessário esclarecer que em nosso estudo sobre algumas doenças não estaremos detalhando os
aspectos fisiológicos e nem os tipos de patologias que podem ocorrer em determinado órgão. Nosso
estudo estará voltado para a representação da doença e para os aspectos psicoemocionais referentes a
ela.

O coração tem uma conotação muito particular para as pessoas. Quando aflitos e ansiosos, sentimos
nosso coração acelerar. Simbolicamente ele representa nossas emoções – que o digam as pessoas
apaixonadas. É comum ouvirmos a expressão “falar com o coração”. Mesmo na tristeza e na angústia,
ouve‑se falar que o coração está “partido”. Assim, encontramos uma forte ligação entre o coração e as
emoções, o que nos leva a pensar que adoecer do coração é como ter as emoções sem o seu principal
abrigo. E aí todo o ser fica doente, tanto física quanto emocionalmente.

Figura 16 – Coração

104
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Da mesma forma que o coração, os pulmões também têm sua representação simbólica; afinal, a vida
“sopra” e entra nos pulmões, garantido a existência de todos.

Sobre as doenças cardíacas, Silva e Machado (2008, p. 14) afirmam que estudos mostram que
fatores psicossociais acarretam impactos emocionais, comportamentais e biológicos, contribuindo
significativamente para a origem da expressão doença coronariana. Comentam os autores:

Reconhecer as características psicossociais e da dinâmica da personalidade


do paciente que impliquem mau prognóstico da evolução é de suma
importância para nortear o planejamento da assistência psicológica ao
paciente cardiopata, tanto para favorecer o enfrentamento funcional do
impacto psicológico suscitado pelo adoecer durante a internação quanto
para a continuidade dos cuidados pós‑alta.

É fundamental para toda equipe conhecer as características e o comportamento da pessoa cardíaca,


e incluímos aqui também aqueles que apresentam problemas cardiorrespiratórios, tendo em vista que
também apresentam o mesmo perfil.

Há ampla literatura sobre o tema. Diversos autores apontam para características de personalidade
de comportamento associadas ao paciente cardíaco, com a descrição de dois padrões, conhecidos como
tipo A e tipo D, descritos do seguinte modo:

• tipo A: pessoa mais impaciente; apresenta autoritarismo, baixa tolerância à frustração e expressão
inadequada do afeto;

• tipo D: apresenta inibição social, baixa assertividade, hostilidade velada e expressão emocional
contida.

Podemos observar que o traço comum entre esses dois padrões é a hostilidade. Devemos considerar
também que essas características podem se manifestar de diferentes formas, dependendo de outros
elementos da personalidade, de suas crenças e expectativas e também das experiências já vividas com
situações de adoecimento, além dos fatores sócio‑familiares.

6.2 Dermatologia

Assim como o coração tem suas representações simbólicas, a pele também apresenta suas
características.

De acordo com Paul Schilder (1935, apud MONDARTO; CUTRIM JÚNIOR; MELLO FILHO, 2007), o
conceito de imagem corporal ganhou destaque na classe médica pela sua veracidade, visto que todos têm
uma imagem interna que corresponde às fantasias sobre o que somos. Sobre a doença de pele, escreve:
“[...] obviamente, o advento da doença a pele, que é sempre visível, confere as sensações de impureza,
sujeira e fealdade” (SCHILDER, 1935, apud MONDARTO; CUTRIM JÚNIOR; MELLO FILHO, 2007, p. 223).
Neste sentido, temos que a pele é uma roupagem contínua e flexível, nos envolvendo completamente;
105
Unidade II

assim, não há como disfarçar ou esconder os problemas e alterações que nela aparecerem, e a pessoa
com alterações dermatológicas ficará totalmente exposta.

Figura 17 – Vitiligo

A figura confirma a dificuldade da pessoa com alteração na pele, que não tem como ocultar isso,
pois as manchas se espalham pelo corpo da pessoa. Além de sofrerem os transtornos com a própria
doença, muitos se sentem constrangidos pelas reações e questionamentos que as outras pessoas fazem
a respeito.

Observação

Representação é um termo clássico em Filosofia e em Psicologia para


designar “aquilo que se representa, o que forma o conteúdo concreto de
um ato de pensamento” e “em especial a reprodução de uma percepção
anterior” (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 448).

A pele é o mais antigo e sensível dos nossos órgãos e por meio dela nos comunicamos; podemos
considerar a pele como nosso mais eficiente protetor. Quando afirmamos que a pele reveste todo o
corpo, é importante saber que parte modificada da pele recobre a córnea transparente de nossos olhos;
ela também se vira para dentro para revestir orifícios como a boca, as narinas e o canal anal.

Usando como referência Ashley (1988, pp. 27‑28) para nossa apresentação, temos que a pele se
renova continuamente durante toda nossa existência, o que ocorre por meio da atividade das células de
suas camadas profundas.

Após o nascimento, a pele é chamada a constituir muitas respostas adaptativas novas a um meio
ambiente ainda mais complexo do que aquele ao qual esteve exposta no útero.

106
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

A pele está equipada para responder a todos os estímulos transmitidos pelo meio atmosférico,
como gases, partículas, parasitas, vírus, bactérias e mudanças na pressão, umidade, temperatura,
luz, radiação etc. Das muitas funções físicas da pele, segundo Ashley (1988, pp. 27‑28), temos que
ela é:

• base dos receptores sensoriais, localização do mais delicado de todos


os sentidos;

• fonte, organizadora e processadora de informações;

• barreira entre o organismo e o ambiente externo;

• fonte imunológica de hormônios para a diferenciação de células


protetoras;

• barreira contra materiais tóxicos e organismos estranhos;

• responsável por um papel de destaque na regulação da pressão e do


fluxo de sangue;

• órgão reparador e regenerativo;

• produtora de queratina;

• órgão de absorção de substâncias nocivas e outras, que possam ser


excretadas junto com os resíduos corporais eliminados;

• reguladora da temperatura;

• órgão implicado no metabolismo e armazenamento de gordura e no


metabolismo de água e sal, por meio da transpiração;

• reservatório de alimento e água;

• órgão da respiração e facilitadora de entrada e saída de gases através


dela mesma;

• sintetizadora de vários compostos importantes, inclusive da vitamina


D, responsável pelo controle do raquitismo;

• barreira ácida que protege contra muitas bactérias;

• autopurificadora.

107
Unidade II

Além disso, a secreção produzida pelas glândulas sebáceas lubrifica a pele e os pêlos, isolando o
corpo contra chuva e frio e provavelmente ajudando no extermínio de bactérias.

6.3 Ortopedia e traumatologia

A traumatologia e a ortopedia são especialidades da Medicina que cuidam dos defeitos físicos e
também dos acidentes, colaborando tanto na prevenção quanto na correção dos defeitos da criança.

Muitos são os defeitos e as ocorrências que podem acontecer nessa área da Medicina. Um deles diz respeito
aos defeitos congênitos e que necessitam de correção, como é o caso do chamado “pé torto congênito”.

Nesse caso, a criança nasce com o pé torcido para dentro, com a planta do pé apontando para a
linha mediana do corpo, e a impressão que se tem é a de que a criança apoiaria o pé no solo como se
fosse caminhar. E isso poderá acontecer, ou seja, ela passará a caminhar assim se não for submetida à
correção.

No caso das correções cirúrgicas é importante que a criança seja acompanhada até a puberdade ou
por mais tempo, tendo em vista que há chance de o problema voltar mesmo tendo sido tratado. Outro
defeito congênito e de difícil percepção é a “luxação congênita do quadril”, caso em que a cabeça do
fêmur está deslocada de seu encaixe natural. Em todos os casos a criança deve ser levada ao especialista,
pois quanto antes for realizada a correção, maiores são as chances de recuperação.

Além dos casos congênitos, acidentes das mais diversas naturezas geram preocupação, em especial
os acidentes de trânsito, que necessitam de atenção das autoridades e cuidado por parte das equipes
de saúde.

O fisioterapeuta encontra nas unidades de ortopedia e traumatologia um campo amplo para o seu
trabalho, tendo em vista que se inserem nesta área desde problemas considerados mais simples até os
mais complexos, como a amputação de membros.

6.4 Psiquiatria

Nesta área médica, assim como nas demais, é necessário que os profissionais estejam capacitados
para trabalhar com pessoas que apresentam dificuldades psíquicas e/ou mentais. Seus pacientes podem
apresentar comportamentos psiquiátricos ou perturbações que vão desde os mais leves aos mais
profundos.

Sobre este tema, Bock, Furtado e Teixeira (1999, p. 346) comentam:

[...] em muitos momentos de sua vida uma pessoa pode viver situações
difíceis e de sofrimento tão intenso que pensa que algo vai arrebentar
dentro de si, que não vai suportar, que vai perder o controle sobre si mesma
[...] que vai enlouquecer. Isto pode ocorrer quando se perde alguém muito
próximo e querido, em situações altamente estressantes, em que o indivíduo
108
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

se vê com muitas dúvidas e não percebe a possibilidade de pedir ajuda e/ou


resolver sozinho tal situação.

Nos dias atuais, podemos observar que chega até a ser comum encontrarmos pessoas ansiosas e
inseguras que necessitam de ajuda para poder superar suas dificuldades.

Sobre as emergências psiquiátricas, Meleiro (2002) identifica os quadros de:

• agitação extrema: a pessoa não consegue permanecer quieta ou


parada. Seu comportamento é de ansiedade exagerada;

• delirium: caracterizado por crenças em fatos irreais ou imaginativos,


sem fundamentação real;

• psicose: há um desajuste em todos os níveis da personalidade; a pessoa


não apresenta autocontrole normal e sua percepção da realidade se
difere das demais pessoas;

• suicídio: faz com que a pessoa atente contra a própria vida;

• ansiedade: caracteriza‑se por mal estar tanto psíquico quanto físico,


com sentimentos de insegurança e medo difuso.

São esses quadros que, provavelmente, mais provocam catástrofes clínicas e exigem que haja uma
intervenção imediata por parte dos profissionais (MELEIRO, 2002).

Sobre o suicídio, Morris e Maisto (2004) comentam que as pessoas que pensam em cometer suicídio
estão muito desesperançadas. Consideram que as coisas não podem melhorar e não veem saída para as
suas dificuldades. Essa percepção é a depressão ao extremo, e não um estado mental do qual a pessoa
pode sair com facilidade.

Dizer que as coisas não são tão ruins não irá ajudar –ao contrário, pode até agravar a situação,
pois o suicida tenderá a pensar que ninguém entende o seu sofrimento. É fundamental que a família
seja orientada e possa ajudar também a equipe no acompanhamento da pessoa suicida, que deve ser
mantida sob vigilância até que receba o atendimento adequado.

Encerramos aqui o estudo sobre as especialidades médicas e suas especificidades. Quero lembrá‑lo
de que em todas as situações é fundamental que o profissional decida sobre a área que deseja atuar,
aquela com a qual sinta maior afinidade. É também primordial que busque aprofundar‑se a partir de um
profundo estudo teórico‑prático.

Quanto à participação da família, não podemos nos esquecer que esta tem um papel importantíssimo
no acompanhamento e na recuperação da pessoa doente.

109
Unidade II

Conforme você também já aprendeu, a doença atinge também a família, que precisa ser ouvida e
orientada, pois sua colaboração irá afetar diretamente a pessoa em tratamento.

6.5 Estresse, estratégia de enfrentamento e saúde

Prezado aluno, para iniciar nossos estudos sobre o estresse, convido você a analisar a figura a seguir:

Figura 18

O que você acha que pode estar acontecendo ao rapaz? Tudo nos leva a pensar que algo não está
bem. Poderíamos perguntar: “Está o rapaz estressado?” Parece que sim.

Tornou‑se comum ouvir pessoas dizendo que estão com estresse – mas sabemos exatamente o que
é o estresse? Novaes e Knobel (2008, p. 231) dão a seguinte explicação sobre o assunto:

[...] foi Hans Selye (1907‑1982) quem, na década de 1930, descreveu o


que hoje conhecemos como síndrome geral de estresse. Selye observava
que organismos diferentes apresentavam um mesmo padrão de resposta
fisiológica como forma de adaptação e estímulos sensoriais ou psicológicos,
descritos como “fatores estressores”, e que isso, invariavelmente, produzia
efeitos, possivelmente nocivos, em quase todos os órgãos tecidos ou
processos metabólicos.

A síndrome geral de estresse descrita por Selye (apud Lipp, 2002) apresenta três estágios, sendo eles:

• reação de alarme: ocorre a mudança característica do organismo em resposta ao estímulo. Nesta


fase, o organismo é exposto à situação de estresse;

• estágio de resistência: surge quando a ação do estressor é prolongada, exigindo uma adaptação
do organismo. No caso de a pessoa conseguir retirar ou eliminar aquilo que provocou o estresse

110
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

ou se lograr o restabelecimento do equilíbrio, o processo de estresse se encerra. Caso não consiga,


ele entrará na terceira fase;

• estágio de esgotamento: ocorre quando a ação do estressor é prolongada, exigindo uma


adaptação do organismo. Nesse momento reaparecem os sintomas do estágio de alarme. O
organismo é atingido no plano biológico ou físico e no plano psicológico ou emocional.

Pesquisadora do estresse, Lipp (2002) identificou uma fase intermediária no trabalho desenvolvido
por Seley em 1936 que denominou de “quase exaustão”. Ela descreve as fases do estresse da seguinte
maneira:

• fase de alerta: considerada a fase positiva do estresse. O ser humano energiza‑se por meio
da produção de adrenalina, a sobrevivência é preservada e uma sensação de plenitude é
frequentemente alcançada;

• fase de resistência: a pessoa automaticamente tenta lidar com seus estressores de modo a
manter a homeostase interna. Se os fatores estressantes persistirem em frequência e intensidade,
há uma quebra na resistência da pessoa e ela passa à fase seguinte;

• fase de quase‑exaustão: nessa fase, o processo de adoecimento se inicia e os órgãos que


possuírem uma maior vulnerabilidade genética ou adquirida passam a mostrar sinais de
deterioração. Caso não haja alívio para o estresse pela remoção dos estressores ou pelo uso de
estratégias de enfrentamento, o estresse atinge sua fase final;

• fase de exaustão: quando doenças graves podem ocorrer nos órgãos mais vulneráveis, como
enfarte, úlceras e psoríase, entre outras. A depressão passa a fazer parte do quadro de sintomas
do estresse na fase de quase‑exaustão e se prolonga na fase de exaustão.

Como vemos, o estresse é algo sério e necessita ser encarado dessa forma. Há casos de pessoas que
são às vezes acometidas por doenças graves e até vítimas de morte súbita, o que pode ter ocorrido pelo
fato de a pessoa estar na fase de exaustão do estresse. Entretanto, muitas vezes a pessoa se queixa e até
admite que precisa mudar, mas infelizmente acaba deixando que o pior lhe aconteça.

De acordo com Morris e Maisto (2004), o termo estressor refere‑se a qualquer exigência do
ambiente que cria um estado de tensão ou ameaça e requer mudança ou adaptação. Muitas situações
nos levam a mudar nosso comportamento de alguma maneira, mas somente algumas provocam o
estresse.

O estresse não está limitado apenas a situações perigosas ou desagradáveis. As coisas boas também
provocam estresse porque “[...] requerem mudança ou adaptação se o indivíduo quiser ir ao encontro de
suas necessidades” (MORRIS, 1990, p. 72, apud, MORRIS; MAISTO, 2004, p. 374).

Lazarus (1981, apud MORRIS; MAISTO, 2004), afirma que não são os acontecimentos dramáticos que
fazem a diferença, mas os acontecimentos do dia a dia, sejam provocados ou não por acontecimentos
111
Unidade II

maiores. Os acontecimentos maiores, assim como os menores, são estressantes porque provocam
sentimentos de pressão, frustração e conflito, que são definidos como se vê a seguir:

• pressão: ocorre quando nos sentimos forçados a acelerar, intensificar ou mudar a direção de nosso
comportamento, ou quando nos sentimos compelidos a melhorar nosso desempenho (MORRIS,
1990, apud MORRIS; MAISTO, 2004);

• frustração: ocorre quando uma pessoa é impedida de alcançar um objetivo pelo fato de haver
alguma coisa ou alguém no caminho;

• conflito: de todos os problemas da vida, o conflito é provavelmente o mais comum. Surge


quando nos deparamos com oportunidades, necessidades, objetivos ou demandas incompatíveis.
Nós nunca podemos resolver totalmente um conflito. Temos de abrir mão de nossos objetivos,
modificá‑los, adiar sua busca ou aceitar o fato de que nunca iremos atingi‑los. O que quer que
façamos, é inevitável que nos sintamos frustrados e estejamos, consequentemente, aumentando
o nível de estresse dos conflitos.

Com relação ao estresse, é importante que estejamos atentos não apenas às pessoas a nossa volta,
mas a nós mesmos, pois é fato que há um nível de exigência cada vez maior em cima de todos. A
competitividade e a necessidade de galgar níveis cada vez maiores tanto no nível pessoal como no
profissional faz com que a pessoa não perceba que muitas vezes ela esteja adoecendo, e não relaciona
isso com o seu nível de estresse.

Burnout

De acordo com Lipp (2002), burnout, além de significar “consumir‑se em chamas” é considerado
um estresse ocupacional, caracterizando‑se pelo sentimento profundo de frustração e exaustão com
relação ao trabalho.

Em geral, atividades profissionais que exigem o cuidado para com o outro são mais propensas a
desenvolver o burnout em seus profissionais, como ocorre com as pessoas da saúde e com os professores.

Gradativamente, a pessoa com burnout passa a ter sentimentos de desânimo com relação ao seu
trabalho; isso vai aos poucos tomando conta de todas as áreas da sua vida. Inicialmente como uma
sensação de inquietação, vai aos poucos tirando a disposição para o que até então era motivo de alegria.
É o caso, por exemplo, do fisioterapeuta, que acumula excesso de trabalho e reserva cada vez menos
tempo para si mesmo. Lipp (2002, p. 65) explica que:

[...] o burnout se instala muitas vezes a partir de expectativas elevadas


e não realizadas. Pessoas que trabalham em profissões sociais são
frequentemente dotadas de grande idealismo, desejam intensamente
ajudar os outros, e esperam ter um alto grau de liberdade pessoal e
autonomia em seu trabalho.

112
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

É importante estar atendo para que as expectativas com relação ao outro não estejam além da
possibilidade do que ele pode desenvolver; caso contrário, haverá a frustração para o profissional, e o
acúmulo de expectativas acabam por gerar o burnout.

Vale notar que os sinais do burnout vão surgindo gradativamente, sendo quase imperceptíveis
no início. De modo acumulativo, levam a pessoa a desenvolver rejeição pelo seu trabalho. Suas fases,
conforme descritas por Lipp (2002), são as seguintes:

• idealismo: momento de energia e entusiasmo;

• realismo: quando o profissional percebe que suas expectativas iniciais são irreais;

• estagnação e frustração: o entusiasmo e a energia iniciais se transformam em frustração. Há


diminuição na produtividade e na qualidade do trabalho, ocorrendo sentimentos de frustração;

• apatia e burnout total: marcado pela sensação de desespero, fracasso e perda da autoestima e
da autoconfiança. Há pessimismo e falta de perspectiva.

Além de sintomas físicos, o burnout provoca também sintomas psíquicos, conforme descreve
Benevides‑Pereira (2002, pp. 39‑40):

• falta de atenção e de concentração: a pessoa denota dificuldade


de ater‑se ao que está fazendo. Parece estar sempre “distante”.
Por vezes, sua atenção é seletiva, isto é, mostra‑se distraída, sem
interesse, concentrando‑se por alguns instantes quando o assunto
ou acontecimento tenha alguma importância pessoal, voltando ao
estado anterior em seguida;

• alteração de memória: tanto evocativa como de fixação. Apresenta


lapsos de memória; muitas vezes para de realizar uma atividade que
estava em curso por não saber mais por que a realizava, precisando
retornar ao local ou momento anterior para tentar recordar‑se. “O
que foi mesmo que vim fazer aqui?”;

• lentificação do pensamento: os processos mentais tornam‑se mais


lentos, como o tempo de resposta do organismo;

• sentimento de alienação: a pessoa sente‑se distante do ambiente e


das pessoas que a rodeiam, como se nada tivesse a ver com ela, como
se as coisas fossem irreais;

• sentimento de solidão: muitas vezes decorrente do traço anterior, a


pessoa sente‑se só e não compreendida pelos demais;

113
Unidade II

• impaciência: há uma constante pressão no que se refere ao tempo,


sentindo que este é sempre menor do que gostaria. Torna‑se
intransigente com atrasos, e esperar passa a ser insuportável;

• sentimento de impotência: há a sensação de que não pode fazer nada


para alterar a atual situação, sentindo‑se vítima de uma conjuntura
superior às suas capacidades;

• labilidade emocional: presença de mudanças bruscas do humor.


Em um momento pode estar bem, rindo, mas passa a um estado
de tristeza ou agressividade em poucos minutos, por vezes sem um
motivo manifesto ou diante de um acontecimento aparentemente
insignificante;

• dificuldade de autoaceitação, baixa autoestima: a imagem idealizada


e a observada em si mesmo encontram‑se distantes. Sente que a
percepção de si e seus ideais estão longe do que vem apresentando,
trazendo uma sensação de insuficiência e de fracasso, levando a uma
deteriorização de sua autoimagem;

• astenia, desânimo, disforia, depressão: realizar uma atividade, mesmo


que de pouca monta, é sempre custoso. Suas reações tardam mais
que o habitual. Há um decréscimo do estado de ânimo, perda do
entusiasmo, levando à disforia que, sem a devida intervenção, pode
evoluir para uma depressão.

Tão importante quanto o estresse é também o burnout; portanto, é fundamental que o profissional
esteja atento e evite chegar ao esgotamento extremo, que culminará com os sintomas descritos.

Outra questão se refere à diferença entre estresse e burnout. Vale lembrar que o estresse é negativo,
mas encontramos em sua primeira fase o aspecto positivo, ou seja, a fase de alerta. No caso do burnout
não há nada positivo, pelo contrário: ele sempre tem um caráter negativo.

Resumo

No estudo sobre o desenvolvimento humano, foram abordados os


aspectos intelectual, motor, emocional, sexual e social nas diversas etapas
da existência, iniciando com o nascimento, passando pelas fases da criança
e da adolescência, atingindo então a idade adulta e culminando em sua
trajetória na velhice.

Embora neste estudo a abordagem não tenha tido início na formação


uterina, não podemos deixar de comentar que esse é um período de
114
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

extrema importância no desenvolvimento da pessoa, pois além dos fatores


genéticos e hereditários, o estilo de vida da mãe e seus cuidados com a
saúde irão interferir diretamente na formação do bebê.

O desenvolvimento físico da criança segue o princípio cefalocaudal, ou


seja, da cabeça para a cauda, e próximo distal, o que significa do interior
para o exterior. As respostas físicas involuntárias desencadeadas por meio
de estímulos específicos são chamadas de reflexos primitivos e adaptativos.

Conforme a criança vai se desenvolvendo, suas habilidades físico‑motoras


vão se aprimorando e avançando para etapas mais avançadas, conforme
descreve Arnold Gesell (1880‑1961),

Sobre o aspecto cognitivo, Jean Piaget, biólogo de formação,


interessou‑se pela Educação, observando a interação da criança com
o meio. Ele concluiu que o conhecimento construído pelo homem é
resultado de seu esforço para compreender o mundo. Dividiu seu trabalho
em estágios, sendo eles: sensório‑motor (0‑2 anos), pré‑operacional
(2‑6 anos), operacional concreto (7‑12 anos) e operatório formal ou
hipotético‑dedutivo (adolescência). O primeiro estágio, sensório‑motor,
Piaget dividiu em seis subestágios. Conforme o bebê vai se desenvolvendo,
adquire padrões mais organizados de comportamento.

No que se refere ao desenvolvimento psicossocial, Sigmund Freud


(1859‑1939) ocupou‑se com o estudo da sexualidade humana. Ele dividiu
em fases as etapas vivenciadas pela criança, sendo elas: fase oral (0‑2 anos),
fase anal (2 aos 4 anos), fase fálica (4‑6 anos), período de latência (dos 7
anos até o início da adolescência) e fase genital (adolescência). Erick Erickson
dedicou‑se ao estudo do desenvolvimento psicossocial e na importância da
infância para o desenvolvimento da personalidade, que para ele continua a
se desenvolver além dos cinco anos de idade. O autor propôs oito estágios
do desenvolvimento: confiança básica versus desconfiança básica (0 a 2
anos), autonomia versus vergonha e dúvida (2 a 3 anos), iniciativa versus
culpa (4 a 5 anos), construtividade versus inferioridade (dos 6 aos 11 anos),
identidade versus confusão de papéis (12 aos 18 anos), intimidade versus
isolamento (jovem adulto‑adulto) e produtividade versus estagnação
(meia‑idade até a velhice).

A fase adulta está dividida em: jovem adulto (20‑40 anos) e idade
adulta (40‑65 anos). Piaget considera que neste estágio o pensamento é
pós‑formal, caracterizado pela capacidade que o adulto tem de lidar com
as incertezas, inconsistências e contradições. A partir da idade adulta, o
indivíduo apresenta alterações físicas importantes, sendo mais comuns aos
homens as doenças cardíacas, e as mulheres encerram o ciclo reprodutivo,
115
Unidade II

entrando na menopausa. Quanto à inteligência, alguns autores a distinguem


entre inteligência fluída (capacidade para lidar com novos problemas) e
inteligência cristalizada (capacidade de recordar e utilizar informações
adquiridas durante toda a vida).

Na terceira idade, os reflexos estão mais lentos e há o declínio das


capacidades corporais, maior possibilidade de quedas e diminuição da
atividade sexual. Com relação à saúde mental e comportamental, alguns
idosos podem apresentar o mal de Alzheimer (distúrbio degenerativo e
progressivo do cérebro) ou o mal de Parkinson (degeneração neurológica
progressiva, caracterizada por tremor, rigidez, retardamento dos movimentos
e postura instável). É possível encontrar também sintomas de depressão
nas pessoas mais velhas.

Sobre a psicomotricidade, estudamos a história do corpo a partir


da Grécia Antiga. Ao contrário do poeta Homero, que exaltava em seus
poemas as habilidades corporais, Platão preocupava‑se com o dualismo
corpo‑alma. Seguindo o mesmo pensamento de seu mestre, o filósofo
Aristóteles afirmava que o homem era entendido como uma certa quantia
de matéria moldada pela alma. Acreditava o filósofo que o homem é um ser
em ação e a mulher um ser incompleto e passivo.

O período renascentista abriu caminho para a ciência e descobriu o


homem como um ser racional. Descartes identificou a mente como a alma
ou a consciência e o corpo como uma máquina física, secundária, podendo
ser separado da alma.

Estudamos as áreas de atuação da psicomotricidade e sua relação


com as atividades práticas, contemplando a interdependência existente
na relação entre profissional, paciente com dificuldade psicomotora e
família, personagens importantes no processo de tratamento de educação
e reeducação psicomotora.

A síndrome geral de estresse de Selye apud Lipp (2002) apresenta os


estágios de reação de alarme, resistência e esgotamento. Lipp pesquisou
outras fases e apresenta aquela de quase exaustão, denominando a última
como fase de exaustão. Sobre o estresse ainda temos o burnout, cujo
significado é “consumir‑se em chamas”. Em geral, profissionais da área da
saúde e professores estão mais propensos a apresentar esse caso por ser
considerado um estresse ocupacional, que desencadeia um sentimento
profundo de frustração e exaustão em relação ao trabalho.

Embora o estresse seja algo negativo, sua primeira fase é positiva, tendo
em vista que ela faz com que o indivíduo se movimente e busque solução
para aquilo que o causa. No caso do burnout, ele é sempre negativo.
116
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Exercícios

Questão 1. Vinícius, 4 anos de idade, nasceu de parto normal e sua saúde tem sido excelente até o
momento. Seus pais procuram desenvolver no filho hábitos saudáveis no que se refere à alimentação e
também ao sono. Desde os 2 anos Vinícius frequenta a escola, pois seus pais consideram que é importante
que o filho tenha convivência com outras crianças e também porque ambos passam a maior parte do
dia em atividades profissionais.

Analise as características físicas, cognitivas e psicossociais de Vinícius a partir das alternativas a


seguir e assinale a única correta:

A) Vinícius está na fase oral do desenvolvimento psicossocial. Seu estágio cognitivo é o pós‑formal
e, com relação à atividade físico‑motora, amarra sapatos.

B) Vinícius se apresenta na fase de latência – afinal, ele já está na escola. Quanto ao desenvolvimento
cognitivo, sua fase é a operacional concreta. A respeito do aspecto físico‑motor, nessa idade já é
capaz de andar de bicicleta.

C) Vinícius apresenta nessa idade prazer nas atividades que exigem equilíbrio, no que se refere ao seu
desenvolvimento físico‑motor. Quanto ao aspecto psicossocial, encontra‑se na fase fálica. Seu
estágio cognitivo é o pré‑operacional.

D) Vinicius, aos 4 anos, acaba de entrar na fase cognitiva que Piaget denominou sensório‑motora.
Com relação ao seu desenvolvimento psicossocial, está na fase anal e seu desenvolvimento
físico‑motor lhe permite andar na ponta dos pés e saltar com os pés juntos.

E) Vinícius está no estágio cognitivo chamado de pré‑operacional. Seu desenvolvimento


psicossocial é a fase genital. Quanto ao aspecto físico‑motor, é capaz de copiar letras e palavras
com perfeição.

Resposta correta: alternativa C.

Anális das alternativas:

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: em relação ao desenvolvimento psicossocial, a fase oral se dá de 0 a 2 anos de idade.


O estágio cognitivo pós‑formal ocorre na idade adulta. O desenvolvimento físico‑motor que permite
amarrar sapatos se dá aos 4 anos de idade.

117
Unidade II

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: em relação ao desenvolvimento psicossocial, a latência ocorre dos 7 aos 12 anos de


idade. O estágio cognitivo operacional concreto se dá dos 7 aos 12 anos. O desenvolvimento físico‑motor
que permite andar de bicicleta ocorre por volta dos 5 anos e meio de idade.

C) Alternativa correta.

Justificativa: em relação ao desenvolvimento psicossocial, a fase fálica se dá dos 4 aos 6 anos de idade.
O estágio cognitivo pré‑operatório ocorre dos 2 aos 6 anos de idade. O desenvolvimento físico‑motor
que permite prazer nas atividades de equilíbrio se dá aos 4 anos de idade.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: em relação ao desenvolvimento psicossocial, a fase anal ocorre entre 0 e 2 anos de


idade. O estágio cognitivo sensório‑motor também de dá entre 0 e 2 anos de idade. O desenvolvimento
físico‑motor que permite andar na ponta dos pés e saltar com os pés juntos ocorre aos 2 anos e meio
de idade.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: em relação ao desenvolvimento psicossocial, a fase genital se dá entre 2 e 4 anos


de idade. O estágio cognitivo pré‑operatório ocorre entre 2 e 6 anos de idade. O desenvolvimento
físico‑motor que permite copiar letras e palavras com perfeição ocorre aos 8 anos de idade.

Questão 2. Glória trabalha em um grande banco há cinco anos atuando diretamente com o
público na resolução de seus problemas de conta corrente. Os conflitos que surgem no dia a dia e a
constante falta de solução e de apoio de seus superiores tem feito com que Glória comece a apresentar
desinteresse por seu trabalho. Nas últimas semanas, após sentir fortes dores na região do estômago,
teve o diagnóstico de úlcera.

Avalie o caso, identificando em que fase do estresse Glória se apresenta:

A) Fase de resistência.

B) Fase de exaustão.

C) Fase de alerta.

D) Fase de quase exaustão.

E) Fase de burnout.

Resposta correta: alternativa B.


118
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Análise das alternativas:

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: na fase de resistência, a pessoa tenta lidar com seus estressores de modo a manter a
homeostase interna. Se a pessoa não conseguir resolver a causa, haverá a quebra da resistência e ela
passará para a próxima fase.

B) Alternativa correta.

Justificativa: na fase de exaustão, doenças graves ocorrem nos órgãos mais vulneráveis. A depressão
passa também a fazer parte do quadro de sintomas do estresse.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: a fase de alerta é considerada a fase positiva do estresse. Nela, a pessoa se energiza,
produzindo adrenalina e a sobrevivência é preservada.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: na fase de quase‑exaustão, há o início do processo de adoecimento e os órgãos mais


vulneráveis começam a dar sinais de deteriorização.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: o burnout é considerado um estresse ocupacional, sendo mais frequente em profissionais


da saúde e professores.

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