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CAPÍTULO 2

TEORIAS DEMOCRÁTICAS
Múltiplos olhares sobre um fenômeno em mutação

Ricardo Fabrino Mendonça


Eleonora Schettini Martins Cunha

Algumas pessoas conversam na sala de uma Organização Não Governamental


(ONG) sobre um assunto vital para o funcionamento da entidade: qual a forma
mais adequada de preparar o cafezinho coletivo que todos beberão ao longo da
manhã: com açúcar ou sem açúcar? De um lado, algumas pessoas argumentam
que o café já adoçado poupa tempo para diversas pessoas, visto que, no fim das
contas, quase todo mundo coloca açúcar na bebida. Sim, haveria alguns descon-
tentes, mas decisões nunca conseguem agradar todo mundo, e o café doce fará
um número maior de pessoas felizes. De outro lado, os partidários da preparação
não adocicada do café defendem que algumas pessoas bebem café sem açúcar,
por gosto ou por recomendação médica, e que outras o tomam com adoçante.
Preparar o café coletivo sem açúcar daria a cada pessoa a possibilidade de bebê-lo
como lhe convier. Estava colocado o impasse…

Se esse impasse surgisse em uma grande empresa, ele seria de fácil resolução.
Uma possível saída seria fazer duas garrafas de café (uma com açúcar e outra sem
açúcar), agradando a todos e a todas. Outra saída seria perguntar ao presidente
da empresa como gostaria que o café fosse preparado. Como o impasse surgiu em
uma ONG, no entanto, ambas as soluções pareciam inadequadas. Primeiro não
havia duas garrafas, nem recursos sobrando para preparar diferentes modalida-
des de café todos os dias. Segundo, como uma boa ONG que se deseja democrática,
as pessoas responsáveis por aquela dolorosa decisão não podiam tomá-la de uma
forma hierárquica, assentada na opinião de uma única pessoa. O jeito foi apelar
para a democracia. Realizou-se uma enquete com todos os “bebedores” de café
da instituição a partir da seguinte pergunta: “como você prefere o cafezinho da

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nossa garrafa coletiva: com ou sem açúcar?” Levantadas as opiniões de todos e


todas que seriam afetados pela decisão, chegou-se a uma solução: dali em diante,
o café coletivo já seria servido com açúcar!

Mas será que essa foi a decisão mais democrática? Será que democracia é
necessariamente realizada por uma enquete? Quais são os elementos definido-
res de democracia? Afinal, o que é uma democracia? Apesar da simplicidade do
exemplo que abre este capítulo, as questões por ele suscitadas não são simples.
Há muito tempo, pensadores de diferentes origens e tradições tentam responder
a essas perguntas. Não há um único conceito de democracia, e as ideias em torno
desse termo guarda-chuva se alteram em contextos diversos e segundo linhas
de pensamento distintas. O objetivo deste capítulo é apresentar, de forma pano-
râmica, algumas teorias democráticas, explorando a forma como essas teorias
buscaram responder às questões listadas. Nesse percurso, passaremos por abor-
dagens protetoras, elitistas, pluralistas, participacionistas e deliberacionistas de
democracia. Não se trata, obviamente, de uma varredura exaustiva das teorias
democráticas ou mesmo das abordagens enfocadas, mas de uma breve introdução
a algumas perspectivas que se mostraram fortes historicamente na definição da
ideia de democracia. Antes de iniciarmos nosso percurso cabe fazer, aqui, algu-
mas ponderações sobre teorias.

1. Teorias como Modos de Ver e de Entender o Mundo

A palavra teoria tem origem grega, vinculando-se a termos ligados ao sentido


da visão: contemplação, observação do mundo, olhar. No latim, a palavra inclui
a ideia de um esquema mental ou concepção de mundo.1 A forma como o termo
circula na produção contemporânea de conhecimento parece agregar essas duas
definições: teoria é um esquema mental utilizado para observar e compreen-
der o mundo. Teorias são como lentes que mobilizamos para dotar o mundo de
sentido. Elas se baseiam em pressupostos que enquadram nosso jeito de entender
a realidade no nosso entorno. Quando falamos de teorias democráticas, portanto,
estamos nos referindo a modos de ver e de entender a democracia. Trata-se de
construções mentais, baseadas em premissas, que nos permitem dizer o que é
democrático e o que não é ou, pelo menos, em qual grau algo se aproxima da
noção de democracia.

Isso nos conduz à necessidade de uma segunda ponderação: esses modos de


ver e entender o mundo descrevem o real tal qual ele é? Sim e não. Teorias dizem
acerca do mundo, mas não são meros espelhos de uma realidade. Elas participam
também da construção do real, informando práticas de pensadores, líderes de
opinião e pessoas comuns. Uma teoria diz de algo do mundo, mas também de

1 Disponível em: <http://origemdapalavra.com.br/site/>. Acesso em: 02 jun. 2015.

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como o mundo poderia (ou deveria) ser. Teorias portam, assim, uma dupla dimen-
são: elas têm uma faceta descritiva e outra normativa.

Nesse sentido, ainda que algumas teorias se pretendam puramente descritivas


do real, seus pressupostos acabam prescrevendo uma organização do mundo. E,
ainda que uma teoria se deseje absolutamente normativa, essa normatividade está
ligada a valores e ideais de mundo que existem de algum modo. Teorias dizem,
pois, tanto da realidade que descrevem, como do contexto em que são produzidas
e das expectativas em relação ao futuro.

No caso das teorias democráticas, foco de nosso texto, elas buscam dizer o que
é uma democracia, mas também justificar sua relevância, apontar suas falhas e,
frequentemente, a forma como democracias deveriam (ou não deveriam) operar.
Essas formas de ver e entender a democracia podem nos auxiliar a compreender
contextos concretos, mas também a projetar novas instituições e práticas que
levem a um aprofundamento ou à efetivação da ideia de democracia.

Importante mencionar, por fim, que esses modos de ver e entender o mundo não
são meras escolhas individuais diante de um cardápio de possibilidades adequa-
das aos gostos do freguês. Teorias não devem ser pensadas como lentes que indi-
cam preferências puramente individuais. Para se consolidarem como teorias, no
âmbito da produção do conhecimento científico, elas precisam sobreviver a testes
concretos, demonstrando sua capacidade explicativa e seu potencial de geração
de novas ideias. Teorias são fruto de um debate amplo e de longo prazo, em que
pensadores buscam atritar esses modos de ver e entender com outras formas
de compreensão e com o próprio mundo. Este texto busca apontar algumas das
correntes mais fortes e visíveis no longo debate ocidental em torno da ideia de
democracia.

2. O Governo Representativo e a Proteção do Cidadão

Como explorado no Capítulo 4 do presente volume, a democracia foi reinven-


tada na modernidade, passando a ser entendida, genericamente, como uma forma
de governo caracterizada pela representação política, ideia de igualdade política
entre os cidadãos e separação entre Poderes. Essas características seriam inviá-
veis em um mundo feudal, no qual a própria noção de igualdade, por exemplo,
não fazia muito sentido. Tampouco faria sentido imaginar que o poder emana
do povo ou que o “soberano” deveria ser controlado. No entanto, a modernidade
tanto desenvolve o conceito de indivíduo e sua importância para a organização
social e política quanto viabiliza o renascimento da noção de autogoverno, a
partir do questionamento da concentração de poder e da contestação da ideia de
que a autoridade poderia prescindir do consentimento dos cidadãos. O poder polí-
tico seria distinto do poder da Igreja, por exemplo, e estaria, em última instância,
vinculado ao povo (ou, mais precisamente, ao conjunto daqueles considerados

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cidadãos). Ademais, o poder precisaria ser freado por outros poderes, de modo a
evitar sua apropriação por uma vontade política particular que o utilizasse a seu
bel-prazer.

Nesse contexto, o governo representativo surgiu como uma configuração


institucional que viabilizaria o autogoverno, sem transformá-lo numa ditadura da
maioria. O governo representativo não deveria ser a simples concretização das
preferências da maior parte da população. Isso não seria justo, mas apenas uma
forma de imposição dos interesses de um grupo (os mais pobres, por exemplo)
sobre a sociedade como um todo. A base do governo representativo seria a criação
de um sistema que evitasse a concentração de poder tanto nas mãos de uma maio-
ria quanto nas mãos de uma minoria. Isso seria importante para assegurar que
os cidadãos não fossem constrangidos ou cerceados na busca por seus interesses.
Fortalecido no bojo das revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, o governo
representativo aparece como forma de institucionalizar a proteção às liberdades
individuais num contexto de construção da igualdade política.

Justamente por isso, alguns autores que tentam organizar o conjunto das
teorias democráticas, como C. B. Macpherson (1977) e David Held (1987), denomi-
nam certas teorias desenvolvidas nesse momento da história de teorias protetoras
da democracia. A ideia é a de que o governo representativo (termo preferido em
relação à democracia) seria um modo de proteger os cidadãos do poder do Estado
(que não seria, pois, absoluto) e de seus concidadãos. Cada cidadão teria direitos
fundamentais, que deveriam ser assegurados e protegidos. O governo deveria ser
responsivo à multiplicidade de cidadãos para evitar que uma pessoa ou grupo se
apoderasse do poder político e se impusesse sobre todos os outros. Assim, seria
fundamental assegurar o direito ao voto, as liberdades fundamentais, os controles
entre Poderes e a possibilidade de competição política permanente.

Três pensadores podem ser compreendidos dentro dessa ótica que entende
o governo representativo como uma proteção aos cidadãos. O primeiro deles é
James Madison (1751-1836), considerado um dos pais fundadores dos Estados
Unidos da América, país do qual foi o quarto presidente. Madison participou da
escrita de alguns artigos muito importantes que fizeram uma defesa da ratificação
da Constituição norte-americana no final do século XVIII. Inicialmente publicados
por dois jornais de Nova York e, posteriormente, compilados em um livro intitu-
lado O federalista, esses artigos apresentam os pilares fundamentais do sistema
político dos EUA.

No contexto dessa obra, Madison faz uma crítica à ideia de que o autogoverno
poderia ser promovido por meio da democracia direta (como a ateniense). Essa
forma de governo seria intolerante e injusta, conduzindo à já mencionada dita-
dura da maioria, que acabaria por cercear as liberdades fundamentais de parce-
las da população. Em seu lugar, Madison advogava, no artigo 10, que a melhor
forma de organizar politicamente uma sociedade seria assegurando a delegação
do poder político por meio da representação eleitoral em um contexto de larga
escala.

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Madison não afirma, portanto, que a representação é um jeito de viabilizar o


autogoverno em sociedades grandes, nas quais a participação direta seria inviá-
vel. Ao contrário, ele defende que a representação é melhor do que a participação
direta e que a amplitude da escala traz benefícios. O principal deles seria uma
difusão de diferenças que levaria a sobreposições entre diversos grupos, impe-
dindo a constituição de uma maioria monolítica contra minorias. Como numa
sociedade complexa as várias facções (ou grupos de interesse) se cruzam, o modo
mais adequado de assegurar o balanceamento dos vários interesses seria por meio
da representação política, submetida à responsividade2 possibilitada pelas elei-
ções. O governo representativo protegeria a continuidade da competição entre
essas facções e a liberdade de que cada um busque seus interesses.

O trabalho de dois outros autores do século XVIII também é comumente lido


nessa perspectiva protetora da democracia. Referimo-nos, aqui, a Jeremy Bentham
(1748-1832) e a James Mill (1773-1836), que escrevem no contexto do Reino Unido.
Bentham advogou uma ética utilitarista,3 calcada no cálculo hedonístico,4 segundo
o qual os seres humanos procurariam maximizar suas satisfações e minimizar
seus sofrimentos. A partir dessa equação, ele conclui que uma boa sociedade
seria aquela que promoveria a maior felicidade do maior número de pessoas.
De acordo com Bentham, no plano político, o governo representativo seria etica-
mente defensável por proteger os cidadãos do poder exercido pelos governos,
mantendo a segurança necessária à persecução individual de interesses. Afinado
com a proteção da liberdade, o governo representativo acabaria por promover,
na visão de Bentham, uma produção material abundante que seria essencial para
a maior felicidade do maior número de pessoas.

Discípulo de Bentham, o historiador escocês James Mill opera com as mesmas


premissas, desenvolvendo a importância de elementos como o voto secreto e com
peso igual (“uma pessoa, um voto”), para que os cidadãos estivessem protegidos
no exercício vigoroso de fazer seus governos responsivos. A democracia garante
que os governantes não se apoderem do poder político e se imponham aos cida-
dãos. Ela tem, portanto, um papel protetor.

Como assinalam Macpherson (1977) e Held (1987), nenhum desses autores


foi um entusiasta da democracia. Eles sequer chegaram a defender que todas as
pessoas deveriam poder votar. As mulheres, por exemplo, continuaram (ao fim e
ao cabo) sem uma defesa vigorosa de uma inclusão imediata no corpo de eleitores.
Esses autores trouxeram, contudo, a ideia de que a democracia (entendida como
governo representativo) tinha um papel importante para a mediação de interesses
2 Por responsividade, entende-se o processo pelo qual um governante deve tanto dar respostas às expectativas
e demandas pelas quais se tornou responsável ao assumir o governo quanto prestar contas aos governados
pelos atos que praticou e decisões que tomou no intuito de dar essas respostas.
3 A ética utilitarista orienta-se pelo princípio de que são consideradas ações justas aquelas que produzem maior
bem-estar ao indivíduo, ou seja, são consideradas “boas” as ações que levam à felicidade, e que os indivíduos
devem articular seus interesses particulares a interesses comuns, de modo que a ação seja útil a todos os que
estão com ela envolvidos.
4 O hedonismo orienta-se pelo princípio de que as ações praticadas pelo indivíduo são consideradas boas ou
más à medida que elas produzam (ou não) felicidade e bem-estar. Nesse sentido, o cálculo que o indivíduo
realiza é em relação ao bem-estar ou ao sofrimento que a ação produzirá.

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plurais em sociedades cada vez mais complexas. O governo representativo ofere-


cia uma proteção aos indivíduos (e a suas liberdades), balizando o conflito entre
seres humanos e criando mecanismos de expressão política dessas preferências.

3. Elitismo Democrático:
a Democracia como Forma de Escolha de Lideranças

Uma segunda concepção teórica, para a qual gostaríamos de chamar a atenção


aqui, é o chamado elitismo democrático que se constrói como proposta conceitual
na primeira metade do século XX. Obviamente, a teoria democrática não deu um
salto do século XVIII ao XX. Muita coisa foi elaborada nesse período, e voltaremos
a um autor do século XIX na próxima seção. Fiéis à nossa proposta de um voo
panorâmico por algumas concepções, todavia, faz-se importante agora apresentar
essa abordagem.

De modo geral, na teoria política, a chamada teoria das elites foi elabo-
rada a partir do final do século XIX por autores como Vilfredo Pareto (1848-1923),
Gaetano Mosca (1858-1941) e Robert Michels (1876-1936). Na sua base, está uma
crença de que o surgimento de elites é inerente à associação humana. Como
explica Miguel (2014, p. 138), o objetivo geral dessa abordagem “era desinflar
as expectativas de igualdade, afirmando de maneira categórica a inevitabilidade
da manutenção de assimetrias de poder e de riqueza, em qualquer sociedade
humana possível”.

No tocante ao elitismo democrático, mais especificamente, pode-se vincular


suas sementes na obra mais tardia de Max Weber (1864-1920). A democracia
aparece em sua obra no contexto do diagnóstico do processo de modernização
burocrática, com a ambivalência que lhe era característica. Se a organização buro-
crática do Estado trazia contribuições inegáveis, como as ideias de leis univer-
sais e impessoais e a especialização técnica dos funcionários, havia o risco de
uma hipertrofia sistemática do corpo burocrático, que dispunha de uma série de
poderes e poderia agir em causa própria. Esse superpoder burocrático deveria ser
constrangido pela economia de mercado e pela democracia representativa.

Em um livro de 1917, chamado Parlamento e governo na Alemanha reordenada,


Weber fez um diagnóstico da situação política da Alemanha e concluiu que um
de seus problemas era a fraqueza do parlamento, que não conseguia cumprir
algumas de suas funções, como a de promover a seleção e o treinamento de líde-
res políticos. Para Weber, isso seria, em grande medida, resultado da atuação
centralizadora do Chanceler alemão Otto von Bismarck, que enfraquecera parti-
dos e o próprio parlamento no final do século XIX. Weber defende a necessidade
de revigoramento do parlamento para que efetivos estadistas pudessem surgir.
A política necessitava de líderes, capazes de assumir responsabilidades por suas
ações, conforme ele explicaria em outro texto chamado A política como vocação.

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Nesse cenário, Weber já deixa muito claro o papel que atribuía à democracia. O
governo representativo seria essencial para a seleção de líderes de que a política
necessitava para que a sociedade não fosse dominada pelo poder da burocracia.
A visão de Weber sobre a democracia fica clara no diálogo entre ele e um general
alemão, relatado por sua esposa e biógrafa Marianne Weber:

LUDENDORFF: O que entende por democracia?

WEBER: Numa democracia o povo escolhe um líder no qual confia. O escolhido


diz, então: “Agora, calem-se e obedeçam-me”. Povo e partido deixam então de
ter liberdade de interferir em sua atuação.

LUDENDORFF: Eu poderia gostar dessa democracia.

WEBER: Mais tarde, o povo pode fazer o julgamento. Se o líder tiver cometido
erros – à forca com ele! (WEBER, 1995, p. 30 apud VITULLO, 2010, p. 8).

O foco de Weber na liderança política ganha ainda mais força na sua progres-
siva migração de apoio ao sistema parlamentar para uma defesa do presidencia-
lismo no final de sua vida, como relatado por Carlos Sell (2010). Para Weber, a
vantagem da democracia era concentrar poder legítimo nas mãos de um político
profissional que pudesse ser responsabilizado por suas escolhas e decisões. É esse
foco na democracia como procedimento para seleção de líderes que caracteriza o
elemento mais fundamental da visão elitista de democracia.

É a Joseph Schumpeter (1883-1950), contudo, que se atribui a formulação mais


clara e sistemática do elitismo democrático. Em uma obra publicada em 1942,
chamada Capitalismo, socialismo e democracia, o autor faz uma defesa eloquente
da necessidade de que a democracia seja entendida como um método para a auto-
rização do exercício do poder político, sendo despida de sua aura moral e de
crenças como a de que ela promoveria a justiça e o bem comum. Na visão de
Schumpeter, democracia era um procedimento para viabilizar a competição polí-
tica sem violência e para colocar um grupo de pessoas no poder.

Para entender as ideias de Schumpeter, é muito importante atentar para o


contexto de sua vida e de sua produção. Nascido no território do Império Austro-
-Húngaro, Schumpeter morou na Alemanha entre a segunda metade dos anos
de 1920 e o início dos anos de 1930: justamente no momento da ascensão do
nazismo. Isso o levou a emigrar para os Estados Unidos, onde se baseou até o fim
da vida. Schumpeter conheceu de perto a violência do nazismo e publicou o livro
que mencionamos sob o impacto da Segunda Guerra Mundial. Schumpeter viu,
na prática, o perigo da massa nas ruas. Ele presenciou os riscos de um discurso
nacionalista centrado na defesa de uma comunidade étnica, bem como o terror
daí derivado.

Por isso, Schumpeter advertia para os riscos de se definir a democracia como


uma busca do bem comum. Para ele, a própria noção de bem comum não exis-
tia e seria apenas um jeito de um grupo legitimar sua visão perante os demais.
Mesmo que, hipoteticamente, se imaginasse uma ideia de bem comum (como a

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defesa da vida), haveria divergências sobre seu significado e sobre as soluções


para atingi-lo.

Além disso, Schumpeter criticava a ideia de que a opinião pública seria racio-
nal e unificada. Mesmo porque os indivíduos não agiriam de forma essencial-
mente racional. A psicologia social de Le Bon e a psicanálise de Freud já teriam
evidenciado que os indivíduos se pautam por impulsos vagos e obscuros, expres-
sando dimensões irracionais ou extrarracionais em suas ações. Os sujeitos opera-
riam com uma lógica de curto prazo, sem se responsabilizar por seus atos ou
compreender a política de uma forma mais ampla. A questão para Schumpeter é
que isso não seria um problema superável, por exemplo, via educação. As pessoas
são assim e se tornaram mais fortemente assim em uma sociedade de massas.

Nesse contexto, a ideia de democracia precisaria ser reduzida, na opinião de


Schumpeter, a um mínimo descritivo que possibilitasse entender o que ela real-
mente é. Para Schumpeter, a democracia é um procedimento de seleção de elites
políticas. O papel dos cidadãos é votar e escolher um grupo de governantes. Não
cabe ao povo tentar participar das decisões políticas, porque ele acabaria atrapa-
lhando. A democracia deve concentrar poder nas mãos de um grupo e permitir
que ele tome as decisões. Não cabe a ela promover o bem comum e a igualdade
social, por exemplo. Trata-se apenas de um método – um procedimento – para
possibilitar a competição por poder político entre partidos.

4. Pluralismos Competitivos:
a Democracia como Expressão da Pluralidade

Nas duas seções anteriores, apresentamos visões distintas de democracia: a


democracia protetora e o elitismo democrático. É interessante observar, contudo,
que há alguns pontos que parecem ligá-las, como a aposta na competição polí-
tica e a centralidade da proteção a liberdades fundamentais, que são importantes
para essa mesma competição. Nessa seção, continuamos a expor algumas teorias
que estão fundadas na percepção da democracia como uma forma de governo
capaz de lidar com a pluralidade de interesses em competição no mundo real.
Trata-se, contudo, de concepções que não poderiam ser vistas como elitistas e
que tampouco têm a relutância democrática dos autores da democracia protetora.

Dito isso, reconhecemos, contudo, que elas não são teorias muito articuladas
como um modelo mais amplo. A aproximação proposta em torno da ideia de plura-
lismo competitivo é meramente didática, já que essas teorias apontam em direções
muito diferentes e baseadas em premissas teóricas distintas. Nosso esforço por
apresentá-las didaticamente apenas reconhece essa aposta no pluralismo como
definidor da democracia.

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O primeiro autor a ser abordado é Anthony Downs (1930-), que propõe uma
Teoria econômica da democracia, em obra lançada em 1957. Downs é um econo-
mista americano e sua visão da democracia parte do princípio de que governos
representativos são formados a partir de escolhas individuais que são agregadas
por meio dos votos nas eleições. Sua proposição visa explicar o que leva esses
indivíduos a realizarem suas escolhas. Para isso, parte da premissa de que os indi-
víduos são racionais e que buscam realizar um cálculo de utilidade para alcançar
benefícios para si e/ou para os grupos a que pertencem. Nessa busca, avaliam os
custos da participação e os evitam (ou transferem) sempre que possível. É o que
explica, por exemplo, o fato de muitos cidadãos não se informarem para tomar
sua decisão de voto. Na medida em que tais cidadãos ou já têm uma preferência,
ou são indiferentes ao resultado ou têm consciência do pouco peso de seu voto,
faz sentido que optem por não se informar e que se apoiem em outros indivíduos
nos quais confiam para tomar suas decisões.

A teoria democrática de Downs considera que a sociedade está organizada em


grupos que competem entre si, inclusive na política (constituindo os partidos),
por meio da qual pretendem alcançar poder, prestígio e renda. Nessa perspectiva,
a democracia é um processo de competição eleitoral, baseada em regras consti-
tucionais que visam reduzir os custos da participação política. O resultado da
competição democrática é a constituição de governos que exercem o poder por
consentimento dos governados e tomam decisões políticas por eles.

Interessante observar, assim, que a visão de Downs tem semelhanças e dife-


renças em relação ao elitismo schumpeteriano. Por um lado, vê-se uma diferença
fundamental na concepção de racionalidade dos sujeitos. O diagnóstico da desin-
formação dos sujeitos é atribuído não a causas extrarracionais, mas justamente à
racionalidade individual calculadora de utilidade. Por outro lado, Downs sustenta
uma visão que se pretende descritiva da democracia, fundando-a na competição
entre atores políticos.

Alguns autores trabalham com o pluralismo numa perspectiva menos descri-


tiva e mais voltada à elaboração de uma justificativa moral de democracia. Esse
é o caso, por exemplo, de John Stuart Mill (1806-1873), filósofo e economista
britânico, que teve a liberdade como um de seus conceitos fundamentais. Nesse
sentido, foi forte opositor das ideias que defendiam a subordinação das mulhe-
res aos homens e um ferrenho defensor da liberdade individual, desde que não
produzisse danos a outros.

Stuart Mill entendia que a democracia era o regime político que possibilitaria
o autodesenvolvimento moral dos indivíduos, por propiciar o envolvimento ativo
de cada um na determinação das condições que recaem sobre sua existência.
Esse desenvolvimento das capacidades de cada indivíduo dependia fortemente do
encontro com o outro e do choque público de interesses. A democracia, efetivada
por meio de governos representativos, teria um papel fundamental em assegurar
esses choques de perspectivas, reafirmando tanto a pluralidade humana quanto
a possibilidade de sua expressão política. Ademais, ela asseguraria a limitação do

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poder do Estado e seria um meio eficiente de controlar a burocracia pública. Ao


fazê-lo, ela protegeria as liberdades fundamentais ao desenvolvimento humano.

Como já dito, Stuart Mill foi um forte defensor das liberdades que hoje são
associadas com os governos democráticos: de expressão, de imprensa, de associa-
ção. Considerava que as desigualdades sociais e econômicas existentes poderiam
dificultar ou mesmo impedir que os trabalhadores se desenvolvessem plenamente
e vivessem humanamente, preocupando-se com as condições que sustentariam
a democracia representativa. Além disso, ele apontava para o papel pedagógico
da participação política, defendendo uma ampliação do sufrágio na Inglaterra de
meados do século XIX. Ainda assim, ele não defendia a igualdade política plena,
mas um sistema plural de votação, que atribuiria maior peso aos votos dos cida-
dãos mais educados. Um médico ou uma pessoa graduada em uma universidade
deveriam ter um voto com peso pelo menos seis vezes superior ao de um traba-
lhador sem qualificações.

Por fim, mencionamos o trabalho de Robert Dahl (1915-2014), cientista polí-


tico norte-americano, e mais conhecido como defensor de uma abordagem plura-
lista de democracia. A teoria desenvolvida por Dahl considera que o poder não
está concentrado numa elite, mas distribuído entre diversos grupos que agre-
gam diferentes forças sociais, culturais, econômicas e políticas, conforme inte-
resses comuns. A multiplicidade de grupos e a pluralidade de interesses indicam
a existência de conflitos que necessitam de regulação e mediação, o que cabe ao
governo. No entanto, nenhum desses grupos, isoladamente, consegue constituir o
governo, apontando para a articulação entre eles.

Nessa perspectiva, a democracia possibilita que o governo faça a mediação dos


conflitos entre os grupos. Para isso, precisa-se assegurar o máximo de representa-
ção dos interesses presentes na sociedade, o que inclui a existência de uma série
de associações e organizações sociais independentes, bem como a oportunidade
para que todos os cidadãos possam influenciar o processo decisório. Dahl chama
a atenção, assim, para a necessidade de que, em uma democracia, o governo seja
responsivo, sendo que ele só pode sê-lo se todos os cidadãos podem: 1) formular
preferências; 2) expressar essas preferências; 3) ter suas preferências considera-
das. Isso significa que os cidadãos devem ser livres para pensar e se expressar e de
que tais expressões precisam ser levadas a sério, mesmo quando forem rejeitadas.

As eleições – livres, justas e frequentes – viabilizam a participação política


ampliada e evidenciam a competição entre grupos. Além disso, democracias em
grande escala também requerem funcionários eleitos, liberdade de expressão e
alto grau de cidadania inclusiva. Esse conjunto de instituições deve assegurar
a participação efetiva, a plena inclusão, a igualdade de voto, o entendimento
esclarecido e controle sobre os que governam, de modo a assegurar um governo
responsivo aos cidadãos.

Para Dahl, as democracias possuem duas dimensões fundamentais, que podem


ser percebidas em graus variados nas democracias reais: a inclusividade e a
contestação pública. Processos de democratização devem incluir mais pessoas

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CAPÍTULO 2
TEORIAS DEMOCRÁTICAS 39

em uma disputa justa e plural por poder político. Com base nessas dimensões,
ele propõe o conceito de poliarquia para definir “regimes que foram substancial-
mente popularizados e liberalizados, isto é, fortemente inclusivos e amplamente
abertos à contestação pública” (DAHL, 2005, p. 31). Para o autor, a existência de
um regime plenamente democrático é muito difícil, e a variação nessas duas
dimensões indica o grau de democratização do regime. As poliarquias, portanto,
podem ser entendidas como as democracias existentes, ainda que incompletas se
comparadas a todos os requisitos democráticos.

Robert Dahl, ao enfatizar a participação política como uma das dimensões


fundamentais da democracia, diferencia-se de outros autores pluralistas. Cabe
destacar, ainda, que pouco a pouco, ao longo de sua carreira, ele foi destacando
a centralidade da dimensão econômica na geração de desigualdades estruturais
que podem comprometer a democratização de poliarquias. O autor também se
destaca pela ênfase que confere aos processos políticos, em geral, e aos processos
decisórios, particularmente.

De modo geral, e apesar das diferenças profundas entre os autores tratados


nesta seção, é importante chamar a atenção para o peso que todos eles colocam
na competição de interesses. Democracias são construções políticas que, de algum
modo, permitem à coletividade lidar com suas disputas sem suprimi-las. O objetivo
da democracia seria justamente assegurar que a pluralidade humana se expresse,
em uma disputa permanente de visões de mundo, interesses e perspectivas.

5. A Ressignificação da Participação Democrática

Nos anos de 1960 e 1970, o mundo assistiu a importantes transformações polí-


ticas. A forte atuação de movimentos sociais diversos (feminista, estudantil, paci-
fista e ambientalista, entre outros) contribuiu para uma defesa da expansão do
conceito de política e para uma ressignificação da ideia de participação. Pouco a
pouco se argumentou que a atuação política dos cidadãos não poderia se restrin-
gir ao voto, como desejava, por exemplo, o elitismo democrático. A forma como as
pessoas se tratavam, o que faziam em suas casas, o que vestiam e o que comiam
eram de relevância política. Alguns autores e algumas autoras defenderam, assim,
que a democracia precisava ser reconceituada para que a ideia de autogoverno
fizesse sentido. A democracia precisava sair dos limites do Estado e estender-se
pela sociedade, promovendo a estruturação da igualdade política em relações
menos assimétricas e violentas.

É nesse contexto que a noção de participação política ganha força. É preciso


deixar claro que qualquer teoria democrática opera com alguma defesa da ideia
de participação política, para vincular o poder político ao corpo de cidadãos. O que
algumas teorias começam a fazer, nesse momento, é justamente expandir o que
conta como participação e enfatizar sua centralidade, afirmando a necessidade

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40 INTRODUÇÃO À TEORIA DEMOCRÁTICA

do engajamento dos cidadãos na produção das decisões a que estão submetidos.


O cidadão passa a ser visto como protagonista, numa perspectiva democrática de
alta intensidade (SANTOS; AVRITZER, 2002).

Carole Pateman (1940-) tem um importante papel nesse processo de fortaleci-


mento da ideia de participação. Sua tese de doutorado, defendida em Oxford, em
1971, tornou-se um marco da virada participativa. Para a autora, a participação
não se restringe a estar presente numa atividade nem a influenciar um determi-
nado processo, mas está relacionada à própria tomada de decisões e à igualdade
de poder. De acordo com Pateman (1992), a participação em arenas sociais diver-
sas é essencial para que os cidadãos desenvolvam o sentimento de eficácia política,
ao verem que suas ideias, opiniões e expectativas podem ser consideradas nos
processos de decisão. Ademais, a participação pode levar as pessoas a pensarem
sobre problemas por uma ótica mais ampla. Ela tem, portanto, uma dimensão
pedagógica, permitindo o desenvolvimento de qualidades e habilidades necessá-
rias à manutenção da democracia.

Pateman considera que a apatia política é consequência da falta de oportu-


nidade de participação efetiva das pessoas nas decisões relativas às suas vidas
diárias, seja nos locais de trabalho ou nas comunidades onde vivem. Ela sugere a
democratização das relações e das decisões nos locais de trabalho como principal
elemento de uma democracia mais ativa. Isso não significa, todavia, a substituição
da democracia representativa pela democracia direta no nível local. Como já dito,
Pateman acredita que a participação em vários contextos educaria os cidadãos a
atuarem de forma mais efetiva no plano da política nacional, ressignificando, por
exemplo, o ato de votar.

Crawford B. Macpherson (1911-1987) é outro autor a salientar a importância


da participação nos anos de 1970. Ao chamar a atenção para a estreita relação
entre baixa participação e injustiças sociais, o autor propunha a ampliação do
engajamento político para gerar uma sociedade mais justa. Há aqui, como se nota,
uma visão radicalmente distinta da advogada por um autor como Schumpeter. A
democracia não apenas precisa de mais participação política como não se resume
a um método para mediar a competição por poder político. A democracia, em
Macpherson, teria um papel concreto na produção de um mundo melhor.

De forma circular, a redução das desigualdades sociais e econômicas seria


importante para que houvesse uma democracia mais participativa, ao mesmo
tempo que derivaria dela. Macpherson considera que a participação em movi-
mentos comunitários e em processos decisórios do trabalho potencializa a cons-
ciência acerca da importância da participação e dos custos da apatia política. Para
o autor, a participação direta em sociedades complexas é possível no nível local,
em que acontece o contato face a face, sendo que a representação caberia aos
demais âmbitos. Ele sugere, assim, um sistema piramidal de conselhos em diver-
sos níveis, compostos por delegados, que tomariam as decisões sucessivamente.

Também contribuiu para a virada participacionista a obra de Benjamin Barber


(1939-), cuja proposta de uma democracia forte ficou célebre a partir dos anos de

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CAPÍTULO 2
TEORIAS DEMOCRÁTICAS 41

1980. Na abordagem do autor, o conflito é visto como inerente à política, sendo


que a busca de sua solução deve ocorrer publicamente. Para Barber (1984, p. 151),
em situações conflituosas que exigem ação política e uma escolha pública razoá-
vel deve haver um processo participativo de autolegislação contínua que possibi-
lite criar uma comunidade política capaz de transformar indivíduos privados em
cidadãos livres e interesses parciais em bens públicos. Essas seriam as caracterís-
ticas de uma democracia forte.

A partir dos anos de 1990 e 2000, ganham projeção as ideias de Boaventura de


Sousa Santos (1940-), que defende certa radicalização da abordagem participa-
tiva. O autor parte do pressuposto de que o processo de globalização na contem-
poraneidade, marcado por relações sociais desiguais, tem sido realizado sem a
pretensão de um projeto futuro de emancipação social. Para que a emancipação
seja possível, o princípio da comunidade deve ser fortalecido frente ao Estado e ao
mercado, o que demanda mais participação e engajamento políticos.

Para Santos, a democracia participativa seria a forma de confronto à domi-


nação autoritária exercida no âmbito do Estado e implicaria a transformação
dessa relação específica de poder em uma forma de autoridade partilhada. Contra
a ideia de uma democracia vista como um procedimento de escolha daqueles
que irão governar, a democracia participativa deve sustentar-se na participação
ampliada dos cidadãos e no controle sobre os atos do governo. Nessa visão, Santos,
em parceria com Avritzer, defende que é preciso que haja espaços com algum
grau de institucionalização para a efetivação desses objetivos (SANTOS; AVRITZER,
2002).

Alguns desses espaços têm sido criados e estão em pleno funcionamento no


Brasil, como é o caso dos Orçamentos Participativos, conselhos de políticas, comi-
tês de bacias hidrográficas, entre outros. Esses espaços são criados vinculada-
mente ao Estado e possibilitam a participação institucionalizada, ou seja, que
atores sociais sejam formalmente membros de instituições que debatem e deci-
dem acerca das políticas públicas. Essas inovações institucionais, baseadas na
participação democrática, não são uma exclusividade do nosso país e têm sido
experimentadas em contextos tão diversos como da Índia e da França. De certa
forma elas concretizam aspectos apontados como relevantes pela teoria.

6. A Democracia Deliberativa e a Centralidade do Discurso

No bojo das teorias que buscaram ampliar a ideia de democracia e o engaja-


mento político dos cidadãos, é preciso mencionar, ainda, um conjunto de abor-
dagens que costuma ser chamado de teoria deliberacionista de democracia. Aqui,
como nas outras teorias mencionadas, também é preciso reconhecer que há abor-
dagens muito diferentes e baseadas em premissas muito distintas. No entanto,

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42 INTRODUÇÃO À TEORIA DEMOCRÁTICA

alguns pressupostos vinculam vários autores, sobretudo a aposta na troca de


discursos, no diálogo, como a forma mais adequada de produzir decisões coletivas.

Ainda que a concepção de um modelo deliberativo de democracia tenha surgido


nos anos de 1980 e se popularizado nos anos de 1990, as ideias que estão em sua
base são muito mais antigas e remontam à invenção da democracia ateniense.
Entre os precursores da abordagem, cabe destacar, contudo, o papel de um pensa-
dor norte-americano chamado John Dewey (1859-1952). Filósofo famoso por suas
contribuições à pedagogia, à psicologia social e à ciência política, Dewey sustenta
que a igualdade deve ser um princípio básico das relações humanas e que a demo-
cracia seria a expressão máxima desse princípio, devendo ser considerada, mais
do que um regime político, como um modo de vida que se sustenta na associação,
na experiência conjunta, na comunicação que é estabelecida entre os sujeitos.

Para Dewey, uma democracia se configura à medida que uma sociedade se


percebe partilhando as consequências das interações entre os vários indivíduos.
É essa percepção que leva os sujeitos a buscarem gerir, coletivamente, aquilo que
é público. Tal gestão demanda o diálogo entre pessoas, para que diferentes abor-
dagens, valores e opiniões sejam ponderados na construção de decisões. É essa
comunicação voltada para o interesse comum que distingue comunidades huma-
nas de outros tipos de associação. É ela que permite a construção da igualdade e
o exercício da liberdade, que possibilita que todos sejam singulares. A democracia
é essa forma de vida marcada pela igualdade e pela liberdade, essencial para que
cada um se realize no interior de uma vida coletiva.

A capacidade reflexiva dos indivíduos, tão destacada pelo autor, e o seu desen-
volvimento a partir das interações humanas são a base da crítica feita por Dewey
aos elitistas de sua época, como Walter Lippmann. Dewey foi um crítico da confi-
guração da democracia como forma de governo, mas recusava-se a enfraquecer a
ideia de democracia. Ele acreditava nos seres humanos e na capacidade de refle-
tirem sobre o mundo em que se inserem.

Essas ideias têm semelhanças importantes com aquelas que seriam desenvol-
vidas, anos depois, pelo pensador que é considerado como a pedra fundamental
da teoria deliberativa da democracia, o filósofo alemão Jürgen Habermas (1929-).
Na década de 1960, Habermas discute o conceito de esfera pública e propõe que
o cerne da prática política seja o debate público entre pares. Nos anos de 1980, ele
sistematiza insights teóricos trabalhados por 20 anos em uma teoria da ação comu-
nicativa, onde propõe duas formas de racionalidade humana – a estratégica, orien-
tada para o sucesso, e a comunicativa, orientada para o entendimento mútuo.
Esta última é considerada a base da reflexividade humana e da emancipação, por
possibilitar a revisão coletiva do mundo em que nos inserimos. É justamente essa
reflexividade coletiva engendrada pelo intercâmbio comunicativo que relaciona a
abordagem com a política: na troca de discursos, os sujeitos podem afetar as relações
de poder estabelecidas e os rumos assumidos por uma coletividade.

Habermas, a partir da ideia do agir comunicativo, enfatiza a importância da


participação e da argumentação na teoria democrática. Nesse sentido, opera com

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CAPÍTULO 2
TEORIAS DEMOCRÁTICAS 43

um princípio que considera que a democracia fundamenta-se em um procedi-


mento ideal de deliberação e decisão coletivas, do qual participam aqueles que
possivelmente estarão sujeitos a essas decisões. Esse princípio é a base da legitimi-
dade de uma decisão, considerando que a argumentação, apoiada em diferentes
razões, é capaz de alterar as preferências dos indivíduos ou de justificar as deci-
sões tomadas que são contrárias às suas posições. As formulações de Habermas
dão origem a um amplo e profícuo debate acerca das formas como a deliberação
democrática deve ser pensada e/ou experimentada.

A partir da década de 1990, desenvolve-se o modelo deliberacionista de demo-


cracia, sendo construída a sua base conceitual. O que orienta os autores nessa
construção é: 1) a percepção do debate como instância final de legitimação de
decisões; 2) a compreensão deste não apenas como uma contenda discursiva entre
oponentes, mas como um mecanismo de produção de preferências; e 3) a busca
pela institucionalização, em sociedades complexas, de espaços democráticos de
diálogo. Acredita-se que a troca pública de razões pode alimentar o esclarecimento
recíproco, gerando soluções mais complexas a partir da ponderação de múltiplas
opiniões. Esse processo viabiliza, ainda, a educação cívica dos cidadãos, que teriam
estímulos para reconhecer as dificuldades envolvidas em decisões aparentemente
simples, bem como para se engajarem com mais afinco na vida democrática de
sua cidade, estado ou país, inclusive ampliando as perspectivas individuais.
Seriam ainda novas formas de responsividade, capazes de alterar a relação entre
cidadãos e seus representantes políticos.

No percurso de construção dessa abordagem, destacam-se o estudo de Joshua


Cohen (1989) sobre legitimidade e a primeira aplicação da teoria da ação comu-
nicativa habermasiana à teoria democrática, realizada por John Dryzek (1990).
O próprio Habermas se encarrega da mesma empreitada em um livro de 1992,
chamado Direito e democracia. Nesse livro, o autor frisa a necessidade de o
sistema político ser permeável aos fluxos comunicativos da sociedade, possibili-
tando o efetivo autogoverno coletivo. Em meados dos anos 1990, pensadores como
Bohman James, Amy Gutmann, Dennis Thompson e Simone Chambers desenvol-
vem de forma mais robusta a ideia de deliberação, explicam alguns pressupos-
tos da teoria e começam a enfrentar problemas mais concretos para pensar sua
viabilidade em situações reais.

Nas duas primeiras décadas do século XXI, verificam-se dois importantes movi-
mentos nesse campo: a construção de procedimentos metodológicos de modo a
atritar o modelo normativo com as práticas políticas existentes; e a criação, por
pesquisadores e realizadores, de vários experimentos destinados a promover a
deliberação em práticas políticas. O esforço é para compreender o funcionamento
da deliberação em contextos concretos e, a partir disso, desenhar arenas e fóruns
mais propícios à promoção da deliberação pública. Justamente, por isso, vários
autores têm proposto a estruturação de inovações democráticas chamadas minipú-
blicos, que tentam criar espaços indutores de processos de deliberação. Archon Fung

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44 INTRODUÇÃO À TEORIA DEMOCRÁTICA

(2004, p. 174) destaca a existência de, pelo menos, três razões para prestar muita
atenção a esses experimentos:

Embora pequenos, eles estão entre os atuais esforços construtivos mais promis-
sores para o engajamento cívico e a deliberação pública na política contem-
porânea. Em segundo lugar, dada a fragmentação da vida cultural e política,
reformas efetivas de larga escala na esfera pública podem consistir em grande
medida na proliferação de melhores minipúblicos ao invés de um melhora-
mento do único grande público. Por último, mesmo aqueles que subscrevem
concepções de aperfeiçoamento tectônico, macroscópico, precisarão saber algo
sobre os detalhes do desenho institucional para a deliberação pública efetiva
(FUNG, 2004, p. 174).

Isso não significa que a deliberação só possa ocorrer nesses espaços planeja-
dos. Os defensores do modelo deliberacionista de democracia têm realizado um
esforço considerável para conceituar o processo de debate público de maneira
bastante ampla, salientando que ele não se localiza em uma única arena ou
conversa. A noção de sistemas deliberativos, inicialmente proposta por Jane Mans-
bridge (2006), ressalta exatamente como o processo de discussão pública depende
de várias arenas distintas que se conectam, incluindo desde conversações infor-
mais cotidianas até as arenas decisórias do sistema político, passando por ambien-
tes como a mídia e a internet. Para os defensores dessa visão, a institucionalização
da democracia deliberativa requeria compreender de que maneira diferentes
arenas e instituições podem promover elementos essenciais à deliberação.

7. Considerações Finais

Este texto buscou mostrar que democracia não é um conceito simples e


consensual. Há muitas e diferentes abordagens para defini-lo. Aqui, tendo em
vista o caráter introdutório do capítulo, ativemo-nos apenas a algumas das teorias
democráticas consideradas canônicas, embora um olhar mais amplo demandasse
menção a muitos outros autores e autoras que têm deslocado as fronteiras da
teoria democrática. Uma visão mais contemporânea sobre o conceito demanda-
ria, por exemplo, atenção às interessantes contribuições que certas feministas
têm feito no campo da política. Tendo em vista a amplitude e a importância desta
discussão, contudo, optou-se por dedicar um capítulo inteiro do presente volume
a tais contribuições (ver Capítulo 13). Aqui, dedicamo-nos a um panorama amplo,
expondo algumas definições clássicas.

Importante salientar, ainda, que se há diferentes definições, obviamente, há


muitas críticas a elas. A visão protetora de democracia, por exemplo, reduz a
democracia ao governo representativo e teme uma atuação mais efetiva dos cida-
dãos. Na mesma trilha, o elitismo democrático é visto como uma abordagem que
sustenta a fraqueza das democracias contemporâneas, acomodando-se a uma

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CAPÍTULO 2
TEORIAS DEMOCRÁTICAS 45

imagem negativa dos seres humanos e despindo a democracia da demanda pela


promoção de mais igualdade. O pluralismo, por sua vez, é acusado por algumas
pessoas de prestar pouca atenção à dinâmica da sociedade civil, sobretudo às
ações de movimentos sociais e às inovações requeridas pela democracia. Além
disso, algumas versões do pluralismo (embora não todas) são tidas como condes-
cendentes com as assimetrias econômicas e de gênero que marcam as democra-
cias reais existentes.

Participacionistas também recebem muitas críticas, seja pelos riscos que o


engajamento mais efetivo de cidadãos pode representar à coletividade em condi-
ções de assimetria informacional, seja pela dificuldade de promover essa parti-
cipação de maneira efetiva. No tocante aos deliberacionistas, há quem diga que
a visão deles é utópica e pouco atenta aos efetivos jogos de poder que marcam a
política. Outros argumentam que ela apenas legitima a forma como as democra-
cias atuais funcionam. Alguns pesquisadores alegam, ainda, que o modelo deli-
beracionista é redutor pelo fato de enfatizar em demasia o papel das razões no
funcionamento democrático.

Autores e autoras de todas essas correntes têm se engajado com as críticas


dirigidas às suas perspectivas, buscando responder a elas. Essa é, contudo, uma
disputa em aberto. Faz parte do processo de construção teórica essa discussão
de conceitos e o teste empírico destes para apontar a capacidade explicativa e os
limites dos mesmos. Para nossos propósitos, interessava uma primeira cartografia
panorâmica de algumas das posições nesse amplo debate.

E é de posse desse grande mapa que precisamos retornar ao exemplo que


abre o presente texto, sobre a forma de se fazer café em uma dada organização.
É importante observar, de saída, que nenhuma das concepções discutidas defen-
deria como democrática uma simples imposição da maioria. Como explorado, a
democracia sempre se opôs ao autoritarismo, seja de uma pessoa, de uma minoria,
ou da maioria. Democratas protetores poderiam argumentar, por exemplo, que
é preciso proteger minorias e que a melhor forma de fazê-lo seria assegurando
a representatividade da instância efetivamente responsável pela decisão. Elitis-
tas poderiam argumentar que as pessoas não deveriam perder tempo com essas
discussões, mesmo porque olhariam apenas para seus interesses particulares,
trajando-os com uma roupagem coletiva. Os funcionários deveriam deixar a deci-
são nas mãos daqueles escolhidos para fazê-la, participando apenas do processo
de escolha desses tomadores de decisão e assegurando o direito de, depois de um
tempo, removê-los do “cargo”.

Pluralistas teriam especial atenção à disputa entre grupos e advogariam pela


construção de uma decisão que garantisse a sobrevivência de maiorias e mino-
rias. É provável que criticassem a preparação da bebida já adoçada, visto que
ela fere os direitos de alguns funcionários de virem a consumir a bebida, sendo
que o café não adoçado pode acomodar as preferências de diferentes grupos.
Participacionistas advogariam um amplo engajamento de todos os funcionários
nessa decisão, repelindo a ideia de que ela deva ser tomada por um pequeno

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46 INTRODUÇÃO À TEORIA DEMOCRÁTICA

grupo. Deliberacionistas, por sua vez, defenderiam um amplo processo discursivo,


informado por diversas fontes de conhecimento, que permitiria aos funcionários
trocar opiniões sobre a forma como o café é cotidianamente preparado. Eles acre-
ditariam na possibilidade da legitimação argumentativa de uma das decisões ou
mesmo na construção de uma terceira alternativa (a decisão dos funcionários,
por exemplo, de arcar pessoalmente com a compra de mais uma garrafa térmica).

Nota-se, assim, que decisões coletivas democráticas podem ser pensadas por
uma miríade de perspectivas, com suas vantagens e desvantagens. Mais do que
defender a democracia na atualidade, é preciso deixar claro de qual democra-
cia estamos falando, seja para decidir os rumos do país, seja para preparar um
simples cafezinho.

Do que falamos aqui…

Sobre teorias • Esquema mental utilizado para observar e compreender


o mundo.
• Teorias têm dupla dimensão: descritiva (como o mundo
é) e normativa (como o mundo poderia ou deveria ser).
• Teorias se consolidam quando sobrevivem a testes
quanto à sua capacidade explicativa e ao seu potencial
de gerar novas ideias.
Sobre teorias • Modos de ver e de entender a democracia, justificar sua
democráticas relevância e como deve operar.
• Algumas importantes teorias democráticas:
1) Teorias protetoras da democracia (séculos XVII e XVIII):
associam democracia a governos representativos, que de-
vem proteger os cidadãos do poder do Estado e assegurar
seus direitos fundamentais, especialmente à liberdade.
Principais pensadores: James Madison, Jeremy Bentham
e James Mill.
2) Elitismo democrático (séculos XIX e XX): a democracia
é associada com governos representativos e entendida
como um método de competição que possibilita a seleção
de líderes políticos. Principais pensadores: Max Weber,
Joseph Schumpeter.
3) Abordagens pluralistas competitivas (séculos XIX e XX):
há diferentes abordagens pluralistas, que têm em comum
a compreensão de que a sociedade se organiza em grupos
com interesses diversos, sendo que as democracias são
construções políticas que possibilitam a expressão da
pluralidade humana, bem como lidar com as disputas que
ocorrem entre esses grupos. Principais pensadores: John
Stuart Mill, Anthony Downs, Robert Dahl.

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CAPÍTULO 2
TEORIAS DEMOCRÁTICAS 47

4) Teorias participacionistas: expandem o conceito de


participação política e enfatizam sua centralidade para
as democracias, seja como meio de propiciar o pleno de-
senvolvimento humano, seja como forma de os governos
partilharem sua autoridade. Principais pensadores: Ben-
jamin Barber, Carole Pateman, Crawford B. Macpherson,
Boaventura de Sousa Santos, Leonardo Avritzer.
5) Teorias deliberacionistas: consideram que a democracia
é a expressão máxima do princípio da igualdade humana
e enfatizam o diálogo como a melhor forma de se produ-
zir e legitimar decisões coletivas, bem como de produzir
preferências. Principais pensadores: John Dewey, Jürgen
Habermas, Joshua Cohen, John Dryzek, Bohman James,
Amy Gutmann, Dennis Thompson, Simone Chambers,
Jane Mansbridge.

Para pensar…
1. Como podemos definir a democracia?
2. Quais as principais teorias que buscam compreender a democracia?
3. Como essas teorias compreendem os indivíduos, a sociedade e a participação política?
4. É possível associar a formulação dessas teorias aos contextos sociais, políticos e
culturais nos quais foram geradas. Faça este exercício de associação.
5. Quais as principais críticas a essas teorias?

Referências

BARBER, Benjamin. Strong Democracy. Berkeley: University of California Press, 1984.


COHEN, Joshua. Deliberation and Democratic Legitimacy. In: BOHMAN, James; REHG, William
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DAHL, Robert. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Edusp, 2005.
DRYZEK, John S. Discursive Democracy: Politics, Policy, and Political Science. New York/Oakleigh:
Cambridge University Press, 1990.
FUNG, Archon. Receitas para esferas públicas: oito desenhos institucionais e suas consequências.
In: COELHO, Vera Shattan; NOBRE, Marcos (Ed.). Participação e deliberação: teoria democrática
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HELD, David. Modelos de democracia. Belo Horizonte: Paideia, 1987.
MACPHERSON, Crawford B. A democracia liberal: origens e evolução. Rio de Janeiro: Zahar
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PATEMAN, Carole. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

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