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Comportamento

Motor
André da Silva Mello

Universidade Aberta do Brasil Educação Física


Universidade Federal do Espírito Santo
Licenciatura
E ste fascículo analisa criticamente
as possibilidades de interface entre
o campo do Comportamento Motor
e a área da Educação Física. Focaliza
os pressupostos básicos e os fatores
intervenientes nos processos de
aprendizagem e desenvolvimento motor
dos seres humanos. Apresenta, de maneira
introdutória, as principais perspectivas
teóricas sobre a aprendizagem e o
desenvolvimento motor. Aponta as
contribuições dos conhecimentos
produzidos no campo do comportamento
motor para a intervenção pedagógica da
Educação Física.
UNIVERSIDADE F E D E R A L D O E S P Í R I TO S A N TO
Núcleo de Educação Aberta e a Distância

Comportamento Motor

André da Silva Mello

Vitória
2010
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(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Mello, André da Silva.


M527c Comportamento motor / André da Silva Mello. - Vitória : Ufes,
Núcleo de Educação Aberta e à Distância, 2010.
66 p. : il.

Inclui bibliografia.
ISBN:

   1. Capacidade motora. I. Título.

CDU: 796:159.943

Ilustração Editoração
Thiago Dutra Marcela Bertolo e
Thiago Dutra
Capa
Marcela Bertolo e Impressão
Thiago Dutra GM Gráfica e Editora

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escrito, da Coordenação Acadêmica do Curso de Licenciatura em Educação Física, na modalidade a distância.
SuMÁrIo
05 Carta ao Aluno

07 Introdução

10 Capítulo 1 desenvolvimento motor

32 Capítulo 2 aPrendiZagem motora

62 Algumas palavras antes de Terminar

64 Referências
6
Carta ao aluno
Caro(a) aluno(a) do Prolicen,

O meu nome é André da Silva Mello e mediarei a construção dos conhe-


cimentos relativos à disciplina de Comportamento Motor na modalidade de
Ensino a Distância (EAD). Antes, porém, de apresentar a disciplina e a forma
como ela será desenvolvida, quero me apresentar para que vocês possam se
familiarizar comigo. Assim como muitos de vocês, o que me levou a optar
pela Educação Física, como campo de atuação profissional, foi a identidade
com as atividades físicas e esportivas. Pratico esportes desde pequeno, em
especial a capoeira, e a escolha pela Educação Física como profissão se deu
em decorrência do meu desejo em me manter próximo a essas atividades.
Ingressei no Curso de Educação Física da Universidade Federal do Es-
pírito Santo em 1988 e concluí esse curso em 1993. Simultaneamente à
minha formação inicial, atuei em diversos contextos profissionais, como
escolas, academias e atividades ligadas ao lazer, o que me ajudou a iden-
tificar a Educação Física escolar como campo de maior interesse para a
minha inserção profissional. No ano de 1994, cursei uma especialização na
área da Educação Física escolar, ofertada pela UFES. Em 1999, concluí o
Mestrado em Psicologia da Educação na PUC/SP e, em 2007, o Doutorado
em Educação Física na UGF. Atuo no ensino superior desde 1995 e, atual-
mente, sou professor do Centro de Educação Física e Desportos da UFES,
onde leciono na licenciatura, na graduação e no mestrado.
Para mim, será um grande desafio trabalhar com a disciplina Comporta-
mento Motor na modalidade de EAD. Primeiro, pelas próprias especificidades
que essa modalidade de ensino apresenta. Segundo, pela natureza do tema
que vamos tratar. A área do comportamento motor é muito ampla e pode-
mos abordá-la desde uma perspectiva microscópica, no nível intracelular, até
uma dimensão macrossocial. Por isso, em um curso de 60 horas, temos de fa-
zer algumas opções e deixar outras de lado, para que possamos garantir uma
discussão inicial básica sobre o tema em questão. Terceiro, os conhecimentos
produzidos no campo do comportamento motor não são consensuais.
Há divergências entre os pesquisadores da área acerca dos fatores que
determinam o comportamento motor dos seres humanos. Da mesma forma

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que vocês viram na disciplina de Desenvolvimento Humano, a divergên-
cia gravita em torno de três grandes matrizes epistemológicas. A inatista,
que pressupõe que os fatores que determinarão o comportamento motor já
estão dados a priori na herança genética. Nessa perspectiva, o meio tem
pouca influência sobre o comportamento motor, uma vez que o script que
irá determiná-lo ao longo do ciclo de vida já está escrito no DNA dos in-
divíduos. Já a perspectiva empirista (mais conhecida na Psicologia como
comportamentalista, ambientalista ou behaviorista) admite que o meio tem
a prerrogativa sobre o comportamento motor do ser humano. É como se
nascêssemos como uma tábula rasa, um papel em branco e, passivamente,
absorvêssemos o que o ambiente nos imputa. Essa perspectiva supervalo-
riza os processos educacionais, admitindo a possibilidade de “moldar” os
sujeitos de acordo com as intenções pedagógicas preestabelecidas. Por fim,
a perspectiva dialética, sinergista ou interacionista pressupõe que há uma
convergência dos fatores ambientais, sociais e culturais com os fatores
biológicos na configuração do comportamento motor dos seres humanos.
Um quarto desafio posto é de natureza metodológica, já que o nosso ob-
jeto de estudo pressupõe uma interlocução das teorias/pressupostos com
as vivências práticas no processo de construção dos conhecimentos, fato
que se torna prejudicado na modalidade de ensino a distância.
Apesar dos desafios apresentados, o tema do fascículo incide sobre uma
dimensão do comportamento humano na qual todos nós temos uma vasta
experiência. Talvez essa experiência não tenha se constituído de forma
sistematizada no curso de diferentes trajetórias de vida. Contudo, sem
sombras de dúvidas, a nossa ação motora sobre o ambiente físico e socio-
cultural e a ação deste sobre a nossa maneira de se movimentar é que nos
permitiu chegar ao nosso estágio atual de desenvolvimento. Por isso, na
medida do possível, vamos tentar reportar os conceitos sobre o compor-
tamento motor às experiências que vivenciamos no cotidiano das nossas
vidas, tanto no contexto formal de educação quanto fora dele.
Por fim, ressalto a importância dos conhecimentos relativos ao campo
do comportamento motor no processo de formação de professores de Edu-
cação Física, seja na compreensão da dimensão motora do comportamento
humano, seja nos processos de intervenção pedagógica associados à cul-
tura de movimento nos diferentes contextos de atuação profissional.

Desafios postos, possibilidades apresentadas, vamos à luta!


André

8
IntroDuÇÃo
Embora a relação da área do comportamento experimental. São estudos laboratoriais que, an-
motor com a Educação Física seja bastante profí- corados no argumento da fidedignidade, buscam
cua, ela não vem ocorrendo de maneira harmônica. isolar as variáveis que incidem sobre o fenômeno
O livro “Educação Física Escolar: fundamentos investigado. Dessa forma, essas pesquisas acabam
de uma abordagem desenvolvimentista” (TANI perdendo a validade ecológica, ou seja, não re-
et al., 1988) é uma das obras pioneiras no ce- presentam os fenômenos associados ao compor-
nário nacional que apontam as contribuições do tamento motor da mesma maneira que eles se
campo do comportamento motor para sistema- manifestam em situações concretas de ensino-
tizar a intervenção da Educação Física no con- aprendizagem. Além disso, grande parte desses es-
texto escolar, em especial nas séries iniciais do tudos se constituiu como pesquisas básicas e não
Ensino Fundamental. Independentemente do seu estabelece relação direta com os processos peda-
caráter inovador da época, a proposta desenvol- gógicos vivenciados no cotidiano das aulas de
vimentista foi contestada pelas correntes críticas Educação Física. Portanto, o esforço empreendido
da Educação Física brasileira, que a acusavam de neste fascículo foi o de estabelecer uma interlo-
“reducionista e positivista”, pois privilegiava a cução dos conhecimentos produzidos no campo
dimensão biológica na compreensão do compor- do comportamento motor com as situações de
tamento motor, renegando a um plano secundá- ensino-aprendizagem vivenciadas nos diferentes
rio as dimensões sociais e culturais que incidem contextos de intervenção da Educação Física.
sobre o movimento humano. Além disso, não podemos confundir a área do
Na tentativa de superar essa lacuna, Manoel comportamento motor com a própria Educação
(2008) afirma que o ser humano não se movi- Física. Os conhecimentos produzidos nessa área
menta, mas age no ambiente em que está inserido. precisam ser contextualizados com outros conhe-
Há uma diferença substancial entre movimento e cimentos no processo de intervenção pedagógica
ação. O primeiro pode ser explicado pela Física dos professores. Tendo como referência a lingua-
como deslocamento do corpo no espaço e se aplica gem utilizada nas Diretrizes Curriculares para as
a qualquer objeto, por exemplo, uma bola rolando licenciaturas em Educação Física, podemos situar
em um campo de futebol. Já a ação é um movi- os conhecimentos relacionados com o comporta-
mento tipicamente humano, pois está impregnado mento motor na dimensão procedimental, ou seja,
de sentidos, de significados, de história, de cultura, um conhecimento que auxiliará os alunos no do-
de afeto e de subjetividades. Portanto, ao lidarmos mínio de uma atividade da cultura de movimento
com o comportamento motor humano, é impossí- que eles não possuíam, por exemplo, fazer uma
vel separá-lo dessas dimensões que o constituem. bandeja no basquete, realizar um passo de dança
Historicamente, as pesquisas sobre o compor- ou dar uma estrelinha na capoeira. Com isso, não
tamento motor têm assumido uma conotação estamos eximindo a Educação Física da tarefa de

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abarcar conhecimentos relativos às dimensões toras. Já o controle motor focaliza os mecanismos
conceituais e atitudinais associadas ao seu objeto essenciais que regulam e controlam o movimento
de estudo. Mas, afinal, qual é a especificidade da humano. A divisão da área do comportamento
área do comportamento motor? Essa área se preo- motor em subáreas só é viável para fins didáticos,
cupa em estudar a dimensão motora do comporta- pois, na manifestação do fenômeno motor dos se-
mento humano. Cabe ressaltar que a compreensão res humanos, essas subáreas interagem reciproca-
do comportamento motor não está desvincu- mente, sendo impossível separá-las.
lada das outras dimensões que constituem o ser Como foi anunciado na apresentação deste fas-
humano, como a social, a cognitiva e a afetiva, cículo, a construção do conhecimento sobre o
contudo, ao priorizar a dimensão motora do com- comportamento motor ocorrerá a partir da interlo-
portamento, essa área do conhecimento enfatiza cução com a Educação Física. Sendo assim, em um
as particularidades inerentes ao movimento hu- primeiro momento, focalizaremos questões relati-
mano. Essa área está dividida em três subáreas, vas ao desenvolvimento motor e, posteriormente,
conforme ilustra a Figura 1: trataremos da aprendizagem motora, com ênfase
A subárea do desenvolvimento motor busca nos aspetos associados ao “Ensino aprendizagem
compreender as alterações que ocorrem no com- das habilidades motoras”, campo de pesquisas do
portamento motor dos indivíduos ao longo do seu comportamento motor aplicado à Educação Física.
ciclo de vida, desde a concepção até a morte. A Questões inerentes ao controle motor serão evo-
aprendizagem motora estuda os fatores subjacen- cadas na discussão sobre o desenvolvimento e a
tes ao processo de aquisição das habilidades mo- aprendizagem motora.

COMPORTAMENTO MOTOR

DESENVOLVIMENTO APRENDIZAGEM CONTROLE


MOTOR MOTORA MOTOR

Figura 1 – Subáreas do comportamento motor

10
11
1 DESEnVolVIMEnto
Motor

[...] a capacidade para realizar movi- res humanos. Posteriormente, discutiremos como
mentos atua como um parâmetro de os estudos nesse campo do conhecimento têm se
controle para o desenvolvimento de vá- desenvolvido, apontando as principais perspecti-
rios sistemas: cognitivo, afetivo e social. vas teóricas sobre o tema. Por fim, apresentaremos
Mudanças no controle do movimento uma sequência do desenvolvimento motor, ressal-
servem de gatilho para desencadear tando os seus desdobramentos para a intervenção
mudanças nessas outras dimensões do pedagógica do professor de Educação Física em di-
comportamento do bebê e da criança ferentes contextos sociais.
(MANOEL et al., 2001, p. 34). O objetivo do capítulo é caracterizar, de forma
sucinta, o “estado da arte” sobre o desenvolvi-
Neste capítulo, focalizaremos o desenvolvimento mento motor. Portanto, não há a preocupação em
motor ressaltando as implicações dos conhecimen- sistematizar uma única perspectiva teórica sobre o
tos produzidos nesta subárea para a prática pe- fenômeno abordado, tampouco apresentar um ar-
dagógica em Educação Física. Em um primeiro gumento linear. Dessa forma, serão trabalhados
momento, conceituaremos o nosso objeto de estudo alguns conceitos e pressupostos que, do ponto de
e apresentaremos algumas características presen- vista teórico, são contraditórios, mas expressam a
tes no processo de desenvolvimento motor dos se- abordagem multifacetada sobre o tema em questão.

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Desenvolvimento Motor:
conceito e características

O desenvolvimento motor é compreendido como a contínua alteração do


comportamento motor ao longo do ciclo de vida, pela interação entre as ne-
cessidades da tarefa, a biologia do indivíduo e as condições do ambiente. É
um processo sequencial e contínuo, relacionado com a idade, mas não de-
pende exclusivamente dela, pela qual o comportamento motor se modifica. O
organismo passa por diferentes níveis de estabilidade motora e é a mudança
de um nível para o outro que caracteriza o processo de desenvolvimento.
O desenvolvimento motor também se constitui como campo de conheci-
mento, uma subárea do comportamento motor que prioriza “[...] estudar as
mudanças que ocorrem no movimento do ser humano ao longo da vida”
(TANI, 2005, p. 19). O processo de desenvolvimento motor envolve tanto
as mudanças progressivas, ou seja, aquelas relacionadas com a ampliação
do repertório motor dos indivíduos, quanto as mudanças regressivas, que
se associam às adaptações necessárias do organismo às limitações motoras
impostas pelo envelhecimento. A Figura 2, representada a seguir, demons-
tra, em linhas gerais, alguns importantes marcos no processo de desenvol-
vimento motor que ocorrem ao longo do ciclo de vida dos seres humanos:

Acentuada redução de capacidades SENESCÊNCIA A partir de 60-65 anos

Ligeira redução de capacidades ADULTO MATURO


Estabilidade física e motora ADULTO JOVEM Até cerca de 30-35 anos

Fim do crescimento em altura ADOLESCÊNCIA TARDIA 16-22 anos


Aumento ponderal PERÍODO PUBERTÁRIO 11-16 anos
Pico de velocidade em altura PERÍODO PRÉ-PUBERTÁRIO

Especialização/combinação de habilidades 2ª INFÂNCIA Até 9-10 anos


Movimentos fundamentais 1ª INFÊNCIA TARDIA Até 6-7 anos
Movimentos rudimentares 1ª INFÂNCIA INICIAL até 2º ano
Adaptações iniciais NEONATAL 0-2 meses
Figura 2
Marcos do
Crescimento fetal FETAL 8ª - 40ª semana desenvolvimento motor

morfogênese\ organogênese EMBRIONÁRIO -8ª semana

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É comum a associação dos termos desenvolvimento e crescimento,
como se ambos se reportassem ao mesmo fenômeno. Embora se relacio-
nem, crescimento e desenvolvimento são processos distintos. O período
de crescimento e de desenvolvimento é integrado pela maturação, que
abarca mudanças no tamanho e na capacidade funcional do organismo.
Para Haywood e Getchell (2004, p.19):

O termo maturação é também associado ao termo crescimento,


mas isso não é o mesmo que desenvolvimento. Maturação de-
nota o progresso em direção a maturidade física, o estado
ótimo de integração funcional dos sistemas corporais de um
indivíduo e a capacidade de reprodução. Já o desenvolvimento
continua mesmo depois que se atinge a maturidade física.

O crescimento se refere às mudanças quantitativas da estrutura corporal.


Está associado à hiperplasia (aumento do número de células) e à hipertrofia
(aumento do volume das células), enquanto o desenvolvimento se relaciona
com a dimensão qualitativa, ou seja, as alterações funcionais do organismo
Figura 3 na execução das tarefas motoras. As imagens da Figura 3 são alguns exem-
Crescimento físico
plos relacionados com o crescimento. Nelas se observam medições que bus-
cam constatar as mudanças estruturais que ocorrem nos bebês.
Em decorrência da maturação do organismo, o crescimento e o desen-
volvimento ocorrem na direção cefalocaudal, ou seja, da cabeça para as
extremidades. Repare na Figura 4, apresentada a seguir, a proporção da
cabeça em relação ao resto do corpo na vida intrauterina (1/2) e na fase
adulta (1/8). Nessa figura, é possível perceber as mudanças morfológicas
que ocorrem durante a vida dos indivíduos:

1/2 1/3 1/4 1/5 1/6 1/7 1/8

Figura 4
Desenvolvimento
cefalocaudal
2 meses 5 meses recém-nascido 2 6 12 25
idade fetal anos

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Pelo fato de não ter o seu desenvolvimento atrelado somente às leis
biológicas (naturais), o ser humano é o “animal” menos pronto ao nascer.
O nosso cérebro, por exemplo, só está 30% formado quando nascemos.
Ao final do primeiro de vida ele se encontra a 70% do seu tamanho final
e, ao final do segundo ano de vida, chega a 80%. A sua maturidade total
só se efetiva, aproximadamente, aos 12 anos de vida. O desenvolvimento
sensório-perceptivo estabelece estreita relação com o controle motor. À
medida que o nosso sistema nervoso central amadurece, importantes alte-
rações ocorrem na maneira como percebemos o ambiente e agimos sobre
ele, por exemplo:

Mudança do domínio tátil-sinestésico


para o domínio visual.

Integração de informações originárias


de diferentes sistemas sensoriais.

Discriminação de informações oriun-


das de diferentes sistemas sensoriais.

Figura 5
Desenvolvimento
sensório-perceptivo

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Embora a maturação (mecanismo regulatório endógeno) seja impor-
tante no processo de desenvolvimento motor do ser humano, ela não é
o único fator interveniente nesse processo. Há uma interação recíproca
entre os fatores ambientais, os individuais e aqueles relacionados com as
diferentes tarefas motoras. É na interseção desses fatores que o desenvol-
vimento motor se efetiva. Universalidade e alteridade são duas dimensões
distintas, muitas vezes antagônicas, mas estão presentes simultaneamente
no desenvolvimento motor da espécie humana.
A presença dessas duas dimensões pode ser percebida nos quatro planos
genéticos de desenvolvimento postulados por Vygotsky.1 Esse autor russo,
alinhado às perspectivas interacionistas, afirma que o desenvolvimento
humano se processa na inter-relação dos planos filogenéticos e ontoge-
néticos (que possuem um determinismo biológico, por isso são mais sus-
cetíveis às leis universais), com os planos sociogenéticos e microgenéticos
(que se constituem de maneira muito específica e singular, em decorrência
dos arranjos sociais e culturais específicos).
Embora seja um princípio não compartilhado por todos os autores do
campo, a intransitividade expressa a relação entre universalidade e alte-
ridade no desenvolvimento motor. Segundo esse princípio, o desenvolvi-
mento motor é um processo ordenado e sequencial, em que a ordem das
mudanças é a mesma para todos; o que varia é a velocidade de progressão
dessas mudanças. Nesse sentido, podemos, por exemplo, constatar que al-
gumas crianças começam a andar antes do que outras, mas jamais uma
criança correrá antes de andar. A ordem das mudanças está atrelada à ma-
turação do organismo, enquanto a velocidade de progressão dessas mu-
danças vincula-se às vivências adquiridas no ambiente sociocultural.
As imagens da Figura 6 ilustram como diferentes culturas organizam a
criação dos seus bebês, o que certamente trará consequências muito parti-
culares para o desenvolvimento motor deles:

Figura 6
Diferenças contextuais

1.  Para maiores informações sobre o autor, consultar o fascículo de Psicologia da Educação.

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As restrições individuais também trazem marcas bastante singulares ao
processo de desenvolvimento motor dos indivíduos. Essas restrições são
de duas naturezas: estruturais e funcionais. As restrições estruturais são
limitações individuais associadas à estrutura corporal dos seres humanos
(peso, altura, massa corporal etc.), enquanto as restrições funcionais são
limitações qualitativas, relacionadas com as funções que a estrutura cor-
Figura 7
poral desempenha. Restrição estrutural
A Figura 7 ilustra uma situação de restrição estrutural. Nela se percebe Cristopher Tronco - (mexicano)
um nadador que nasceu sem os braços e sem uma perna e precisa adaptar nasceu sem braços e com apenas
uma perna - competidor de
a sua estrutura anatômica para realizar a tarefa de nadar: natação no Parapan-Americano

A tarefa é outro aspecto crítico no processo de desenvolvimento motor.


Em algumas atividades motoras, nós seremos bem-sucedidos e em ou-
tras não, por questões culturais – algumas habilidades motoras relacio-
nadas com o esporte configurarão o nosso repertório motor, pois fazem
parte da nossa cultura, enquanto outras não. Por exemplo, é bem razoável
que desenvolvamos, ao longo da nossa trajetória de vida, habilidades as-
sociadas ao futebol, entretanto dificilmente desenvolveremos habilidades
relacionadas com o rugby. Seja pelas capacidades referentes à realização
das diferentes tarefas motoras – por exemplo, podemos ter a flexibilidade
e o equilíbrio bem desenvolvidos, capacidades essenciais para a prática
da capoeira, entretanto podemos apresentar baixos índices para a veloci-
dade, capacidade fundamental para um corredor de provas curtas e rápi-
das, como os 100 metros livres do atletismo.
As imagens da Figura 8 são de diferentes tarefas motoras relacionadas
com o esporte, que são comuns a algumas culturas, mas a outras não. Tam-

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bém é possível perceber que, devido às suas especificidades, elas mobilizam
diferentes capacidades para a sua realização.

Figura 8
Diferentes tarefas motoras

Para refletir sobre o tópico...

Observe seus alunos/alunas de diferentes idades brincando ou


praticando alguma modalidade esportiva e responda:

a) Há diferenças no comportamento motor delas? Caso haja, o


que explica tais diferenças?

b) Em sua opinião, por que algumas crianças apresentam o de-


senvolvimento motor mais acentuado do que outras?

c) Essas diferenças se manifestam em todas as atividades (brin-


cadeiras/esportes)? Ou em algumas atividades sim e em outras
não? Por quê?

d) É possível, por meio da ação pedagógica da Educação Física,


contribuir para a melhoria do desenvolvimento motor dos alunos?

Registre considerações a respeito dessas questões no seu webfólio.

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Caracterização do campo de estudos
em desenvolvimento motor

Os primeiros estudos sobre o desenvolvimento motor se iniciaram na


segunda metade do Século XVIII. Apesar de as pesquisas nessa área não
serem recentes, Manoel (2005) afirma que as dúvidas que incomodavam
os pesquisadores pioneiros permanecem até os dias atuais e incidem, em
síntese, sobre as seguintes questões: maturação versus experiência; inato
versus adquirido; natural versus cultural; gene versus ambiente.
Entre os pesquisadores, não há consenso em relação aos fatores pre-
ponderantes que determinam o processo de desenvolvimento motor, pois
se trata de um fenômeno complexo, em que muitas variáveis atuam sobre
ele. Do ponto de vista metodológico, as pesquisas não abarcam a interação
entre as diferentes dimensões do comportamento, como a biológica, a psi-
cológica, a social e a cultural. De maneira geral, as divergências se situam
em estabelecer quem tem a prerrogativa sobre o desenvolvimento motor:
os fatores biológicos/maturacionais ou os fatores adquiridos (ambientais/
culturais). De acordo com Manoel (2005, p. 34):

[...] ou o desenvolvimento envolve um desenrolar de estruturas e


funções de acordo com um script predeterminado biologicamente,
ou o desenvolvimento implica a aquisição de comportamento ge-
renciada pelo ambiente social em que o individuo vive.

A fim de superar a dicotomia entre os fatores biológicos e os fatores


ambientais na compreensão do desenvolvimento motor, Manoel (2005,
p. 34) afirma que:

[...] o desenvolvimento motor, nos últimos anos, é visto como


um processo que envolve a emergência, a aquisição e o aper-
feiçoamento de funções e habilidades a partir de um script
que vai sendo escrito ao longo da experiência. A extensão do
script, a gramática sobre a qual ele opera, é predeterminada
pela nossa natureza (biológica) humana.

Os estudos no campo do desenvolvimento motor têm se caracterizado


por duas abordagens: uma, denominada de orientação ao produto, que
descreve as mudanças no comportamento motor ao longo do ciclo de vida

19
dos indivíduos; e outra, chamada de orientação ao processo, que busca
explicar os aspectos intervenientes nessas mudanças. A primeira se con-
centra na descrição das mudanças nos resultados do desempenho motor (O
que muda? Quando muda?), enquanto a abordagem orientada ao processo
investiga as mudanças no padrão de desenvolvimento motor de maneira
qualitativa (Como muda? Por que muda?). A abordagem orientada ao pro-
duto também se preocupa em descrever as mudanças num dado compor-
tamento motor ao longo do tempo.
Manoel (2005) afirma que as questões básicas que orientam as pesqui-
sas em desenvolvimento motor podem ser expressas nas seguintes inda-
gações: o que muda? Quando muda? Como muda? Por que muda? Para
esse autor, a área já deu muita atenção as duas primeiras indagações, e o
desafio na atualidade consiste em compreender a natureza das mudanças
que ocorrem no processo de desenvolvimento motor, ou seja, em explicar
os mecanismos subjacentes a essas mudanças.
Os estudos sobre o desenvolvimento motor, quando orientados ao pro-
cesso, envolvem a compreensão de sistemas complexos. Manoel e Con-
nolly (apud MANOEL, 2005) afirmam que há dois modos de descrição
que caracterizam os estudos sobre o desenvolvimento motor orientados ao
processo. São eles: o modo dinâmico e o modo simbólico. Para esses auto-
res, o modo dinâmico e o simbólico interagem de forma complementar na
compreensão da complexidade motora:

No modo dinâmico, as partes interagem de forma autônoma,


sem a necessidade de uma prescrição de ordem superior que
governe suas ações. Esse é o modo que os pesquisadores da
chamada abordagem dos sistemas dinâmicos utilizam para
tratar do desenvolvimento motor. No modo simbólico, há o es-
tabelecimento de níveis de controle com um controlador (nível
superior) e um controlado (nível inferior) (MANOEL; CON-
NOLLY, apud MANOEL, 2005, p. 38).

As teorias sobre o desenvolvimento motor


Os estudos mais consistentes sobre o desenvolvimento motor, do ponto
de vista acadêmico-científico, iniciaram com a Teoria Maturacional. Essa
perspectiva tem como principal expoente Arnold Gesell (1929) e enfatiza a
maturação do sistema nervoso central como fator determinante para o de-

20
senvolvimento dos aspectos físicos e motores do comportamento humano.
Para Gesell (apud MANOEL, 2005, p. 36), “[...] o desenvolvimento motor
abarcaria aquelas mudanças no comportamento resultante de modifica-
ções internas geradas pela maturação”. Nesse sentido, as experiências não
seriam determinantes na promoção das mudanças motoras. Entretanto,
essa perspectiva vem perdendo força no campo acadêmico desde 1970,
quando pesquisas evidenciaram a importância da experiência no processo
de desenvolvimento motor. Assim, tanto as modificações internas (matu-
ração), quanto as experiências agem decisivamente no desenvolvimento
da dimensão motora do ser humano.
Gallahue e Ozmun (2005) classificam as teorias sobre o desenvolvimento
em quatro estruturas conceituais. São elas: a) Fase-estágio; b) Tarefa De-
senvolvimentista; c) Marco Desenvolvimentista; e d) Teorias Ecológicas
do Desenvolvimento Humano, que se divide em dois ramos: Sistemas Di-
nâmicos e Ambiente Comportamental. A seguir, descreveremos resumida-
mente os pressupostos de cada uma dessas estruturas conceituais:

Teoria da Fase-Estágio  É a mais antiga perspectiva conceitual e pre-


coniza que certos tipos de comportamento estão ligados a faixas etárias
universais “[...] duram por períodos de tempo arbitrários e são invariáveis”
(GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 33). Esses autores afirmam que a Teoria da
Fase-Estágio:

[...] concentra-se em alterações com bases amplas, não em


comportamentos isolados ou estreitos. Cada fase, (isto é com-
portamento típico) geralmente cobre um período de um ano
ou mais e pode ser acompanhado por um ou mais estágios
(GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 33).

A Teoria da Fase-Estágio é muito utilizada por pais e educadores


quando se referem a um período comportamental pelo qual a criança está
passando. Nós, professores, muitas vezes sem perceber, incorporamos em
nossos discursos elementos associados a essa perspectiva conceitual. Em
vários momentos da nossa práxis pedagógica, fazemos afirmações do tipo:
“O comportamento deste aluno é típico da fase que ele está passando” ou
“Fulano apresenta um comportamento aquém da fase em que ele se en-
contra”. As teorias associadas ao modelo conceitual da Fase-Estágio ofe-
recem um quadro geral do comportamento motor em diferentes etapas do
processo de desenvolvimento e elas apresentam um comportamento típico,

21
normativo, mas não dão conta de explicar as especificidades e as singula-
ridades que ocorrem nesse processo.

Teoria da Tarefa Desenvolvimentista  A Tarefa Desenvolvimentista


se refere à realização de metas motoras específicas (tarefas) preconizadas
pela sociedade como ideais para as diferentes etapas do desenvolvimento.
Por exemplo, ao completar seis anos de idade, uma criança deve apre-
sentar um padrão maduro para a habilidade de correr. Gallahue e Ozmun
(2005, p. 34) afirmam que

[...] os proponentes da teoria da tarefa desenvolvimentista


consideram a realização de tarefas particulares em certo ciclo
de tempo um pré-requisito à progressão sem problemas à ní-
veis superiores de funcionamento.

Com base no sucesso ou no fracasso na realização das tarefas pro-


pugnadas aos diferentes níveis de desenvolvimento, os proponentes dessa
perspectiva inferem sobre o desenvolvimento normal ou atípico do desen-
volvimento motor dos indivíduos.

Teoria do Marco Desenvolvimentista  Há semelhanças e aproxima-


ções entre as Teorias da Tarefa Desenvolvimentista e a Teoria do Marco
Desenvolvimentista. A diferença é que esta última, ao invés de estabele-
cer tarefas específicas para avaliar o desenvolvimento motor, determina
indicadores estratégicos para constatar o nível de progressão da dimen-
são motora do comportamento. Não são tarefas específicas, mas são um
conjunto de comportamentos preestabelecidos que constituem os marcos
desenvolvimentistas. “Os marcos são meramente orientações convenientes
pelas quais o nível e a extensão do desenvolvimento podem ser medidos”
(GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 34).

Teorias Ecológicas  É uma teoria que deriva dos estudos orientados ao


processo e enfatiza a relação que o ser humano estabelece com o contexto
no qual está inserido para compreender as alterações que ocorrem no seu
comportamento motor, pois “[...] considera o desenvolvimento como função
do ‘contexto’ ambiental e da estrutura temporal histórica na qual se vive”
(GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 35). Os estudos, na perspectiva Ecológica,
descrevem e explicam como o desenvolvimento motor ocorre a partir da
interação entre os indivíduos e os contextos físico e social em que estão

22
inseridos. Essa perspectiva apresenta duas vertentes: a) Teoria dos Sistemas
Dinâmicos – considera o organismo humano um sistema auto-organizado
e alega que as mudanças desenvolvimentistas não são lineares e contínuas,
não acontecem, necessariamente, de forma regular e hierárquica, pois não
obedecem a uma direção previsível a níveis mais complexos de organização
e de competência motora; e b) Teoria do Ambiente Comportamental – parte
da premissa de que não é o ambiente físico e social que determina o com-
portamento motor, mas sim a interpretação que o sujeito faz desse ambiente.
Nesse sentido, não é o sujeito e nem é o ambiente que tem a prerrogativa do
desenvolvimento, mas a relação subjetiva que este mantém com seu o meio.

A sequência do Desenvolvimento Motor


As sequências do desenvolvimento motor descrevem as mudanças do
comportamento motor durante a trajetória de vida das pessoas. Elas ex-
plicitam o que muda e quando muda no repertório motor dos indivíduos
e, de acordo com Manoel (2005), apresentam uma finalidade teórica e
uma prática. No plano teórico, subsidiam a formulação de hipóteses
acerca dos fatores intervenientes nas mudanças nelas descritas e, no
plano prático,

[...] servem de inspiração para o desenvolvimento de currícu-


los, além de servirem como referência para que se identifique
e avalie o estado de desenvolvimento motor dos indivíduos nas
diferentes etapas da vida (MANOEL, 2005, p. 37).

O nosso interesse neste fascículo incide sobre a segunda finalidade das


sequências do desenvolvimento motor, ou seja, na contribuição que elas
oferecem para pensar/sistematizar a intervenção da Educação Física nas
diferentes etapas da vida dos indivíduos. Um erro comum é conceber as
sequências (taxonomias) do desenvolvimento motor como uma “camisa
de força”, em tornar aquilo que é uma referência em uma regra, desconsi-
derando as diferenças individuais e culturais existentes nos processos de
desenvolvimento dos sujeitos.
A sequência do desenvolvimento motor é representada por diferentes
modelos. Os modelos mais conhecidos na área de Educação Física são os
propostos por Harrow (1983), Seaman e DePauw (1982) e Gallahue e Oz-

23
mun (2001). Os autores Gallahue e Ozmun (2005) afirmam que muitos
pesquisadores desenvolvimentistas estão preocupados em descrever e ca-
talogar dados a respeito do desenvolvimento motor, com pouco interesse
em modelos que expliquem teoricamente como esse fenômeno se processa.
A sequência do desenvolvimento motor é representada por diferentes
modelos. Os modelos mais conhecidos na área de Educação Física são os
propostos por Harrow (1983), Seaman e DePauw (1982) e Gallahue e Oz-
mun (2001). Os autores Gallahue e Ozmun (2005) afirmam que muitos
pesquisadores desenvolvimentistas estão preocupados em descrever e ca-
talogar dados a respeito do desenvolvimento motor, com pouco interesse
em modelos que expliquem teoricamente como esse fenômeno se processa.

Figura 9
Sequência do desenvolvimento motor
As Fases do Desenvolvimento Motor
Fonte: Gallahue e Ozmun (2001)

Utilização Utilização Utilização


permanente permanente permanente
na vida diária recreativa competitiva

FAIXAS ETÁRIAS OS ESTÁGIOS DE


APROXIMADAS DE DESENVOLVIMENTO
DESENVOLVIMENTO MOTOR

14 anos acima Estágio de Utilização


Permanente
de 11 a 13 anos Estágio de Aplicação
4 de 7 a 10 anos Estágio Transitório

de 6 a 7 anos Estágio Maduro FASE MOTORA


de 4 a 5 anos
de 2 a 3 anos
Estágio Elementar
Estágio Inicial
4 ESPECIALIZADA
3
de 1 a 2 anos Estágio de Pré Controle
FASE MOTORA FUNDAMENTAL
do nascimento Estágio de Inibição 3
até 1 ano de Reflexos
2
de 4 meses a 1 ano Estágio de Decodificação 2 FASE MOTORA RUDIMENTAR
de Informações
dentro do útero e até Estágio de Codificação
4 meses de idade de Informações
1 1 FASE MOTORA REFLEXIVA

24
A primeira etapa no processo de desenvolvimento motor descrito por
Gallahue e Ozmun (2001) é Fase Motora Reflexiva. Reflexos são movimentos
involuntários, controlados subcorticalmente e que desencadeiam o processo
de desenvolvimento motor dos indivíduos. Os movimentos reflexos surgem,
aproximadamente, no quarto mês de vida intrauterina e prevalecem no
comportamento motor do bebê até o primeiro ano, quando começam a ser
inibidos. Nessa fase, a criança obtém informações sobre o ambiente que a
circunda por meio dos reflexos primitivos, que formam a base das informa-
ções sensoriais e dos reflexos posturais, que, embora pareçam voluntários,
não o são; apenas são ensaios de ações neuromotoras para mecanismos es-
tabilizadores, locomotores e manipulativos que serão usados mais tarde com
controle consciente. A fase motora reflexiva é dividida em dois estágios. No
primeiro, de codificação, as informações sensoriais são reunidas e armaze-
nadas e, no segundo estágio, denominado de decodificação, as informações
sensoriais são processadas. As imagens da Figura 10 demonstram alguns re-
Figura 10
flexos de proteção e de postura presentes no comportamento motor do bebê: Movimentos reflexos

reflexo de flexão palmar reflexo de flexão plantar reflexo de natação

A próxima fase no processo de desenvolvimento motor são os Movi-


mentos Rudimentares. Essa fase se manifesta, aproximadamente, no quarto
mês de vida do bebê e perdura até o segundo ano, coexistindo com os mo-
vimentos reflexos. Os movimentos rudimentares são as primeiras formas
de movimentos voluntários que o ser humano apresenta. Possuem uma se-
quência altamente previsível, pois são determinados maturacionalmente.
Os movimentos, nessa fase, são considerados rudimentares, pois, embora
haja intencionalidade do bebê em realizar a ação, ele ainda não possui
controle e precisão neuromotora.
A inibição dos reflexos é a primeira etapa da fase dos movimentos rudi-
mentares e vai do quarto mês até o primeiro ano de vida. Nessa etapa, em de-
corrência do desenvolvimento do córtex cerebral, os reflexos, gradativamente,
vão sendo inibidos, dando lugar aos movimentos voluntários. A outra etapa

25
dessa fase é denominada de pré-controle e perdura do primeiro ao segundo
ano de vida. Nessa etapa, há a diferenciação entre sistema sensorial e sistema
motor, aparecendo os primeiros padrões fundamentais de movimento: loco-
motores2 arrastar, engatinhar e andar); manipulativos3 (alcançar, pegar e lar-
gar); estabilizadores4 (erguer a cabeça, o tronco, sentar e ficar de pé).

Antes de Prosseguir...

• A BBC de Londres produziu um documentário muito interes-


sante sobre o desenvolvimento humano. No volume 2, da série O
Corpo Humano, há registros em imagens e em computação gráfica
que ilustram as fases dos movimentos reflexos e dos movimentos
rudimentares. Assistam ao documentário e descrevam sobre as
características do desenvolvimento motor nessas fases.

De zero a dois anos, faixa etária que abarca a fase dos movimentos re-
flexos e a fase dos movimentos rudimentares, muitas crianças já iniciaram
o seu processo de escolarização. Dessa forma, a Educação Física, compo-
nente curricular da Educação Infantil, precisa sistematizar a sua ação pe-
dagógica para intervir nesse período. Nesse sentido, proponha elementos
típicos da cultura infantil (parlendas, brinquedos cantados, brincadeiras
historiadas, brinquedos populares etc.) que atendam às seguintes deman-
das relacionadas com as fases em questão (as orientações mais específicas
sobre essa atividade estão na plataforma):
Demandas Atividades
Atividades que estimulem o
mecanismo perceptivo-motor
Atividades que permitam a exploração
do ambiente e o desenvolvimento da
criatividade pela criança
Manuseio de objetos que permitam a
coordenação olho-mão
Brincadeiras que explorem habilidades
simples relacionadas com os seguintes
padrões de movimento: locomotores,
manipulativos, estabilizadores

2.  Movimentos que permitem o deslocamento do corpo no espaço.


3.  Movimentos que permitem o manuseio de objetos.
4.  Movimentos que permitem sustentar determinadas posições do corpo no espaço em relação à força da gravidade.

26
A fase motora fundamental ou das habilidades básicas vai dos dois aos
seis anos de idade e é considerada como o período crítico no processo de
desenvolvimento motor. Considerando que, no desenvolvimento motor, as
aquisições futuras incorporam as aquisições motoras anteriores, as habili-
dades básicas são fundamentais para a constituição das habilidades espe-
cíficas. Pesquisadores, no campo do desenvolvimento motor, afirmam que,
depois da fase das habilidades básicas, não há ações originalmente novas,
pois o que ocorre após essa fase é o refinamento das habilidades básicas
e a sua aplicação em um contexto ambiental específico ou são combina-
ções de habilidades básicas aplicadas a um contexto ambiental singular.
Wickstrom (apud GALLAHUE; OZMUN, 2001, p. 434) reforça essa ideia ao
afirmar que “[...] o refinamento do padrão e variações na forma de estilo
ocorrem à medida que se alcança maior precisão, controle e exatidão, po-
rém, o padrão motor básico, permanece inalterado”. A diversificação e a
complexificação das habilidades básicas contribuem para o aumento da
variabilidade da ação. Segundo Tani (2008, p. 317), o desenvolvimento
motor ótimo implica

[...] aumento de diversificação e complexidade do comporta-


mento motor. Entende-se por aumento de diversificação o au-
mento na quantidade de elementos do comportamento e por
aumento de complexidade, o aumento de interação entre os
elementos do comportamento.

Por exemplo, a diversificação da habilidade de arremessar consiste nas


diferentes formas de realizar essa habilidade: arremessar uma bola sobre o
ombro, arremessar uma bola no boliche, arremessar uma bola com as duas
mãos sobre a cabeça etc. Já a complexidade consiste em integrar diferen-
tes habilidades numa mesma sequência. Essas habilidades podem ser do
mesmo padrão, por exemplo, correr e saltar (ambas são habilidades loco-
motoras), ou de padrões distintos, como saltar e arremessar (a primeira é
locomotora e a segunda é manipulativa). Por isso, a vivência rica e diver-
sificada das habilidades básicas nessa fase é determinante para a consti-
tuição de um rico acervo motor. A Figura 11 é uma adaptação do modelo
proposto por Gallahue e Ozmun (2001). Nele é possível perceber a relação
das habilidades básicas com as habilidades especializadas, em que a aqui-
sição destas últimas ocorre em consequência da combinação e do refina-
mento das primeiras:

27
Figura 11
Relação das habilidades
Habilidades Básicas
Locomoção Manipulação Estabilidade
Caminhar Arremessar Inclinar
Correr Chutar Girar
Pular Rebater Balançar
Saltar Rolar (um objeto) Virar

Combinação de Habilidades Básicas

Galopar Receber Apoios invertidos


Saltar obstáculos Driblar Rolamento corporal
Deslizar Lançar e rebater Esquivar

Habilidades Especializadas Aplicadas

Habilidades para o futebol


Habilidades para o voleibol
Habilidades para o basquete
Habilidades para o handebol
Habilidades para a dança
Habilidades para as lutas
Habilidades para a capoeira

A fase das habilidades básicas é dividida em três etapas: a) inicial –


nessa etapa a habilidade é caracterizada pela ausência de elementos, por
exemplo, correr sem a utilização dos braços, pelo uso exagerado do corpo
na realização das tarefas, pelo fluxo rítmico e pela coordenação deficiente.
Na etapa inicial, a principal demanda é a aquisição das habilidades funda-
mentais; b) elementar – nessa etapa ocorre a gradativa sincronização dos
elementos que compõem o movimento e o aumento do controle e da co-
ordenação rítmica. Na etapa elementar, a prioridade é a estabilização das
habilidades básicas, para que elas adquiram um padrão de regularidade na
sua execução; e c) maduro – nessa etapa as habilidades apresentam um
maior grau de coordenação, de eficiência e de controle. A principal de-
manda neste estágio está relacionada com a diversificação e complexifi-
cação das habilidades básicas.
O aumento da diversificação e da complexidade das habilidades básicas
favorece a ampliação da equivalência motora, que é a capacidade de atin-
gir um objetivo motor por diferentes meios. Por exemplo, imagine um ini-
ciante na modalidade de basquetebol: ele só consegue realizar a “bandeja”
de uma determinada forma. Caso ele se depare com um obstáculo, como
um marcador, possivelmente não conseguirá realizar a sua ação, diferen-

28
temente do atleta experiente que, mesmo com um marcador, consegue
realizar a bandeja, pois tem diferentes recursos motores para superar a
marcação durante a realização da sua ação. A diversificação e a comple-
xificação das habilidades básicas ampliam o repertório motor das crian-
ças, dando-lhes a oportunidade de atingir os objetivos das tarefas motoras
que se apresentam em seu cotidiano de diferentes formas.
Na intenção de materializar esses conceitos, sistematize jogos e brinca-
deiras que atendam aos seguintes objetivos relacionados com a diversifi-
cação e complexificação das habilidades básicas:

Diversificar a habilidade de saltar


por meio de jogos e/ou brincadeiras
(3 atividades)

Diversificar a habilidade de
arremessar por meio de jogos e/ou
brincadeiras (3 atividades)

Combinar, por meio de jogos e


brincadeiras, duas habilidades
locomotoras (2 atividades)

Combinar, por meio de jogos e


brincadeiras, duas habilidades
manipulativas (2 atividades)

Combinar, por meio de jogos e


brincadeiras, uma habilidade
locomotora com uma habilidade
manipulativa (2 atividades)

Após os movimentos fundamentais, inicia-se a fase das habilidades


motoras especializadas. Habilidades específicas são habilidades básicas
que foram refinadas e aplicadas a um contexto ambiental específico ou
habilidades básicas que foram combinadas e aplicadas a um contexto de
ação particular. Nessa fase, há uma grande melhora do desempenho mo-
tor em decorrência do aumento da força, da resistência, da velocidade de
movimento, do tempo de reação e da coordenação dos movimentos. O
desenvolvimento das habilidades especializadas ocorre em três estágios:

• estágio transitório (sete a oito anos) – tem início quando a


criança começa a combinar e aplicar habilidades motoras fun-

29
damentais para desempenhar habilidades especializadas. Os mo-
vimentos ganham forma, precisão e controle mais específicos;

• estágio de aplicação (11 a 13 anos) – ocorre uma crescente so-


fisticação cognitiva e a amplitude de experiências. Nesse estágio,
o indivíduo é capaz de tornar numerosas decisões conscientes de
aprendizado e de participação. Decisões que são tomadas de acordo
com as possibilidades de obtenção de sucesso e satisfação, levando-
o a selecionar melhor a participação em atividades especificas;

• estágio de utilização permanente (14 anos em diante) – é caracte-


rizado pelo uso de todos os movimentos adquiridos pelo indivíduo.
O nível de desempenho permanente pode variar desde atividades
mais complexas até as tarefas simples da vida diária. Em síntese, o
estágio de utilização permanente é o auge do processo de desenvol-
vimento motor e de todos os estágios e fases precedentes.

A AMPULHETA
Modelo de Desenvolvimento Motor durante
o Cilco da Vida de Gallahue

Controle Motor de Competência Motora

Hereditariedade Ambiente

FASE MOTORA
ESPECIALIZADA

FASE MOTORA FUNDAMENTAL

FASE MOTORA RUDIMENTAR

FASE MOTORA REFLEXIVA

Figura 12
Ampulheta do desenvolvimento motor
Fonte: Gallahue e Ozmun (2001)
FATORES

30
A Figura 12 exibe o modelo da ampulheta, que explica a dinâmica do
desenvolvimento motor proposta por Gallahue e Ozmun (2001). Nesse mo-
delo, fatores como a hereditariedade e o ambiente são considerados como
a “areia” dentro da ampulheta. A influência hereditária é fixa, já está tra-
çada no código genético, por isso tem tampa. A influência do ambiente
não tem “tampa”, podendo-se acrescentar areia inúmeras vezes durante o
processo de desenvolvimento. São essas duas dimensões (genética e meio)
que movem os debates há décadas no campo do desenvolvimento motor,
não havendo consenso entre os pesquisadores acerca de qual dessas di-
mensões tem a prerrogativa sobre o desenvolvimento.
As fases do desenvolvimento motor constituem-se em importantes pa-
râmetros para a intervenção da Educação Física no contexto da Educação
Infantil, auxiliando o professor a identificar as demandas motoras especí-
ficas relacionadas com cada fase. Cabe ressaltar que essas fases são ape-
nas “trilhas” e não devem ser tomadas como uma regra fixa, como algo
imutável no processo de desenvolvimento motor da criança, uma vez que
o desenvolvimento dessa dimensão do comportamento é marcado pela di-
versidade, pela descontinuidade, pela variabilidade do desempenho e he-
terogeneidade (MANOEL, 2008).
Visto dessa forma, um novo elemento ganha força na compreensão do
processo de desenvolvimento motor e, consequentemente, nos processos
de intervenção do professor de Educação Física: o contexto do desenvolvi-
mento. Ao considerarmos que movimento é diferente de ação, pois o pri-
meiro refere-se apenas ao deslocamento do corpo no espaço, enquanto o
segundo é um movimento constituído de sentidos, de significados, de cul-
tura e de intersubjetividade, ou seja, é um fenômeno tipicamente humano,
torna-se necessário, na abordagem sobre a cultura de movimento no con-
texto escolar, considerar a intencionalidade do sujeito e o ethos5 da comu-
nidade em que ele está inserido. Na perspectiva em que o contexto da ação
assume papel central no processo de desenvolvimento motor, o sujeito é
considerado ator do seu próprio desenvolvimento. Dessa forma, em vez de
trabalhar com movimentos estereotipados, preconcebidos e mecanizados,
as intervenções da Educação Física, no contexto escolar, deveriam valori-
zar as ações em que os indivíduos resolvam problemas e tomem decisões
em situações relacionadas com as suas experiências motoras. Para Manoel
(2008, p. 482-483), uma nova perspectiva para compreensão do processo
de desenvolvimento motor deve considerar os seguintes aspectos:

5.  “[...] conjunto de padrões comportamentais – gestos, rituais, danças, expressões corporais etc. – típicas de uma determinada cultura” (MANOEL, 2008, p. 485).

31
1 · Desenvolvimento é um processo de construção em que o su-
jeito é ator do seu próprio desenvolvimento. Para a visão siner-
gética do desenvolvimento, a questão central para o estudo e a
intervenção sobre o desenvolvimento é a compreensão de como
a experiência é construída pelo bebê, pela criança, pelo jovem,
pelo adulto e pelo idoso.

2 · Não há desenvolvimento motor, mas sim, desenvolvimento da


ação. O enfoque muda do movimento, dos padrões fundamentais
de movimento para a ação motora, trazendo à cena a intencio-
nalidade, o significado e o contexto.

3 · Não há uma seqüência de desenvolvimento, mas trilhas de-


senvolvimentistas. Surge um novo elemento de peso no estudo e
na intervenção: o contexto do desenvolvimento, dando vazão à
necessidade de se considerar a intersubjetividade nas ações, jun-
tamente com o ethos de cada comunidade.

4 · A idéia de progresso no desenvolvimento é equivocada, a ubi-


quidade6 é a essência do desenvolvimento e nela há diversidade.

6.  Ubiquidade: repertório de ações motoras que nos permite interagir diariamente em nossos meios físico e social.

32
ATIVIDADE AVALIATIVA

Como vocês perceberam nessa breve discussão sobre o desenvolvimento


motor, há divergências entre os pesquisadores acerca de como esse pro-
cesso ocorre. Edson de Jesus Manoel e Go Tani são dois importantes pes-
quisadores brasileiros que estudam o desenvolvimento motor e são autores
de um dos livros de maior impacto na Educação Física brasileira: “Educa-
ção Física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista”
(1988). Passados mais de vinte anos da publicação dessa obra, esses au-
tores foram convidados por uma revista para fazer uma releitura do livro.
Nessa releitura, eles apresentaram visões divergentes sobre o desenvol-
vimento motor. Nesse sentido, leiam os artigos desses autores que estão
disponíveis na plataforma e construam uma resenha crítica contendo os
seguintes aspectos:

1 · pressupostos sobre o desenvolvimento motor defendido pe-


los autores;
2 · pontos de divergência entre os autores acerca do tema;
3 · posicionamento de vocês em relação à discussão.

33
2 aPrEnDIZaGEM
Motora

Neste capítulo, a nossa discussão será focali- tágios em que a aprendizagem ocorre e as suas
zada na aprendizagem motora, o que não signi- implicações para a aquisição e estabilização das
fica que questões relativas ao desenvolvimento e habilidades motoras. Também serão apresenta-
ao controle motor sejam descartadas. Aliás, esse das, em linhas gerais, as principais teorias que
último campo estabelece uma estreita relação explicam o processo de aprendizagem e controle
com os conhecimentos produzidos na aprendiza- do movimento. Posteriormente, evidenciaremos os
gem motora. Em um primeiro momento, apresen- fatores intervenientes nesse processo e, por fim,
taremos alguns conceitos e características gerais traremos à tona discussões associadas ao campo
sobre essa área do comportamento motor, evi- “Ensino aprendizagem de habilidades motoras”,
denciado os limites e as possibilidades que ela que estuda a aplicabilidade das pesquisas básicas
oferece para a intervenção pedagógica dos pro- em aprendizagem motora nas situações concretas
fessores de Educação Física em seus diferentes relacionadas com a prática pedagógica do profes-
contextos de inserção social. Discutiremos os es- sor de Educação Física.

34
Aprendizagem Motora: conceitos
e características gerais

A aprendizagem motora busca compreender como os indivíduos adqui-


rem as habilidades motoras e quais são os fatores subjacentes a essa aquisi-
ção. Contudo, antes de apresentar alguns conceitos sobre o tema, é preciso
definir o que são habilidades motoras. Para Magill (2000, p. 6), habilidades
motoras são “[...] movimentos voluntários do corpo ou parte do corpo para
atingir um objetivo”. Já que são movimentos voluntários, os reflexos não
são considerados habilidades motoras. Toda habilidade motora possui um
objetivo ambiental, ou seja, uma finalidade específica. Esse objetivo pode
ser curto e rápido, como apertar um interruptor para acender uma lâmpada
(habilidade motora discreta) ou longo, como correr uma Maratona (habi-
lidade motora continua).7 Outra características das habilidades motoras é
que elas precisam ser adquiridas; não são dadas geneticamente.
Embora estejam intrinsecamente relacionadas, é comum, no contexto
da Educação Física, a confusão entre habilidades e capacidades. A capa-
cidade, como o próprio nome diz, é aquilo que nos torna capazes, aptos, a
realizar as habilidades motoras. Alguns exemplos ajudam a compreender
melhor essa questão. Imagine um halterofilista: levantar o halter (peso) é
uma habilidade que só é possível de ser realizada graças à força (capaci-
dade física); correr uma prova de 100 metros no atletismo é uma habili-
dade que necessita, dentre outras capacidades, da velocidade (capacidade
física); rebater uma bola no tênis é uma habilidade que requer, dentre ou-
tras capacidades, percepção espaço-temporal (capacidade perceptiva). O
termo habilidade pode assumir duas conotações: a) como indicador de de-
sempenho – nesse caso, ele é utilizado para adjetivar a ação, por exemplo:
“Ronaldinho Gaúcho é um jogador habilidoso”; ou b) como ato ou tarefa –
nesse caso, ele serve para designar uma ação, por exemplo: “A manchete é
uma habilidade do vôlei”. No contexto da aprendizagem motora, emprega-
se o segundo sentido ao termo habilidade motora.

Pesquisadores do campo conceituam aprendizagem motora como

[...] mudança interna do indivíduo, deduzida em seu desempe-


nho, como resultado da prática (MAGILL, 1984, p. 12).

7.  Maiores detalhes sobre os sistemas de classificação das habilidades motoras veremos adiante.

35
[...] conjunto de processos associados à prática ou à experiên-
cia, conduzindo a mudanças relativamente permanentes para
executar performance habilidosa (SCHMIDT, 1988, p. 153).

[...] reflexo de uma variação, relativamente permanente, na


obra ou no potencial de execução, como resultado da prática
ou experiências anteriores (SINGER, 1986).

[...] uma série de processos associados à prática ou a experi-


ência, que levam a mudanças relativamente permanentes na
capacidade de produzir uma ação (SHUMWAY-COOK; WO-
OLLACOTT, 2003, p. 26).

Vamos explorar o conteúdo desses conceitos. Aprender é um processo


de aquisição permanente, decorrente da prática ou da experiência. Qual a
diferença entre prática e experiência? A primeira se refere aos processos
sistematizados, deliberados, conscientes e intencionalmente planejados
para a aquisição das habilidades motoras. Por exemplo, um adolescente
que frequenta aulas de basquete segunda, quarta e sexta-feira, em um ho-
rário específico, aulas com uma determinada duração, e lá é submetido
a metodologias que favoreçam a aquisição das habilidades do basquete.
Esse adolescente está realizando uma prática. Já o aprendizado pela expe-
riência é aquele que ocorre de maneira incidental, assistemática, esporá-
dica e ocasional. Por exemplo, uma criança pode aprender a jogar futebol
nas “peladas” que são realizadas nos finais de semana no seu bairro. Essa
aprendizagem ocorre sem um planejamento prévio, sem uma intenciona-
lidade explícita, ela aprende “jogando”. A aprendizagem pode ocorrer por
uma via ou por outra, e também pela junção dessas duas vias. Geralmente
a intervenção do professor de Educação Física está atrelada à prática, pois
é justamente a ação planejada e intencional que caracteriza a sua práxis
pedagógica. Cabe ressaltar, mais uma vez, que a ação pedagógica do pro-
fessor não está reduzida somente ao processo de ensino-aprendizagem das
habilidades motoras.
A aprendizagem motora não é um fenômeno diretamente observável,
mas seus produtos sim. Quando aprendemos uma nova habilidade mo-
tora, ocorrem mudanças internas no nosso sistema nervoso central, novas
conexões neurológicas são estabelecidas. Entretanto, essas mudanças só
podem ser constatadas pelo comportamento motor, ou seja, pelo produto
observável desse processo, que é o desempenho motor. Por isso, são as ca-

36
racterísticas observáveis do movimento que permitem ao professor inferir
sobre o processo de aprendizagem motora dos seus alunos.
Mudanças na aprendizagem são relativamente permanentes, não são
transitórias, subsistem às mudanças de outras condições ou à passagem do
tempo. Os processos de aprendizagem motora estão associados à memória
de longa duração, por isso, mesmo que não pratique, uma pessoa não es-
quece o que aprendeu. Por exemplo, um sujeito que aprendeu a andar de
bicicleta na infância, mesmo que não ande durante toda a adolescência,
não terá esquecido essa habilidade na fase adulta. É óbvio que, depois de
um longo período de inatividade, ele apresentará insegurança e receio nas
primeiras tentativas, mas os seus programas motores permanecerão intac-
tos. A inserção da palavra “relativamente” no conceito se deve ao fato de
que, caso não aconteça nada de extraordinário na trajetória de vida das
pessoas, como um acidente vascular cerebral que afete as regiões respon-
sáveis pelas aprendizagens, elas se manterão.
Embora as contribuições da aprendizagem motora sejam bastante sig-
nificativas para a área da Educação Física, historicamente essa relação
vem se constituindo de forma conturbada. O principal foco de tensão
nessa relação são os pressupostos epistemológicos que subsidiam a pro-
dução de conhecimentos no campo da aprendizagem motora. Tais conhe-
cimentos se vinculam a uma matriz comportamentalista,8 que concebe
o ser humano como “um processador de informações”. O desafio para a
aprendizagem, nessa perspectiva, consiste em fornecer os estímulos ade-
quados para produzir as respostas desejadas e suprimir aqueles que pro-
duzem respostas indesejadas. Ao conceber o ser humano apenas como
um “processador de informações”, as dimensões cultural, social, afetiva
e subjetiva que incidem sobre os processos de ensino-aprendizagem das
habilidades motoras são ignoradas.
De acordo com Oliveira (1997), as teorias sobre a aprendizagem motora
têm assumido um caráter não-histórico, neutro e universal, desconsiderando
as diferenças culturais entre os indivíduos. Já Daolio (1997, p. 22) afirma:

Se é necessário saber como ensinar uma habilidade motora, é


igualmente necessário saber o significado desta habilidade em
nossa cultura, sob o risco dos profissionais de Educação Física
transmitir aos alunos de forma acrítica, porém tecnicamente
competente, certos modismos ou práticas que pouco contribui-
rão para o acervo cultural dos mesmo.

8.  Ver o fascículo da Psicologia da Educação para relembrar os pressupostos associados à perspectiva comportamentalista.

37
Outro problema que tem dificultado um diálogo mais próximo entre a
área da aprendizagem motora e a Educação Física é a natureza das pes-
quisas produzidas nessa área que, em sua grande maioria, se constituem
como pesquisas básicas, pois buscam explicar o fenômeno da aprendi-
zagem, mas não estabelecem uma relação direta com as necessidades e
as demandas que professores encontram no cotidiano das suas aulas.
Como a comunicação entre a comunidade científica e os professores
é restrita, muitos conhecimentos produzidos na área da aprendizagem
motora são inteligíveis a estes, constituindo-se em um emaranhado de
teorias que pouco contribuem para a prática pedagógica vivenciada nas
escolas, nos clubes, nos projetos sociais e em outros contextos de inser-
ção da Educação Física.

Estágios da Aprendizagem Motora


Suponha que a letra E corresponda aos erros que o sujeito comete na
tentativa de realizar uma nova habilidade e a letra A aos acertos. Agora
responda: a aprendizagem de uma habilidade motora ocorre de acordo
com o primeiro modelo ou de acordo com o segundo modelo apresen-
tado na Figura 13?

Primeiro modelo
EEEEEEEEEEAAAAAAAAAAA

Figura 13 Segundo modelo


Modelos de
aprendizagem motora EEEAEEAEAEAAEAEAEAAA

O segundo modelo é mais razoável para explicar a aprendizagem das


habilidades motoras, pois se trata de um processo que ocorre de forma
gradativa. Em um primeiro estágio, há a predominância dos erros sobre os
acertos. Em um estágio intermediário, há o equilíbrio entre os erros e os
acertos. Já na etapa final desse processo, os acertos predominam sobre os
erros. É importante que o professor identifique as características de cada
estágio para que ele propicie aos seus alunos intervenções adequadas às
suas necessidades. Existem várias propostas teóricas que buscam explicar
o processo de aprendizagem motora. Por questões didáticas, utilizaremos

38
a proposta de Fitts e Posner (1967). Para esses autores, a aprendizagem
ocorre em três estágios. São eles:

1° Estágio: Cognitivo

Esse estágio é denominado de cognitivo, pois o aprendiz não conse-


gue desvincular a atenção da ação, ou seja, precisa pensar no que está
fazendo, o que demanda grande atividade mental. O desempenho nesse
estágio é bastante inconsistente e os erros na execução das habilidades
são grosseiros e frequentes. Como os executantes ainda não possuem
muitos parâmetros acerca da nova habilidade, eles não conseguem per-
ceber os próprios erros e a ajuda do professor, nesse estágio, torna-se
bastante relevante. Analise a Figura 14 e responda: o procedimento do
professor com a aluna iniciante está correto? Ele deve fornecer um nú-
mero elevado de informações?
Fornecer excesso de informações no início da aprendizagem é preju-
dicial, pois o sistema nervoso central tem uma
capacidade limitada em processá-las. Por isso, é OK, eu quero que você se prepare para
golpear mais cedo, balanço de baixo para
importante que, nesse estágio, o professor dire- cima, mantenha o pulso firme, flexione
9 seus joelhos e mantenha seus olhos na
cione o foco de atenção do aprendiz para aspec- bola. E lembre-se de permanecer relaxada.
tos relevantes na realização da habilidade. O foco ?
de atenção pode variar na interação entre duas dimensões: direção do
foco (interno e externo) e amplitude do foco (estreito e amplo). O foco
é interno e estreito quando a atenção do aprendiz é direcionada a um
ponto específico no seu corpo. Por exemplo, “Flexione o joelho da perna
da frente na ginga da capoeira”. O foco é interno e amplo quando a aten-
ção é direcionada para o corpo, mas não a um ponto específico e sim
para aspectos gerais na realização da habilidade. Por exemplo, “Preste
atenção no balanço do corpo na ginga da capoeira”. O balanço do corpo,
nesse caso, está atrelado à movimentação dos membros superiores, do
tronco e dos membros inferiores. O foco é considerado externo e estreito,
quando a atenção é direcionada a um ponto específico no ambiente. Por
exemplo, na realização de uma bandeja no basquete, o professor orienta
o seu aluno: “Jogue a bola no quadradinho da tabela”. O foco é conside-
rado externo e amplo, quando a atenção do aprendiz não é direcionada
a um aspecto específico do ambiente, mas sim a aspectos gerais. O foco Figura 14
Fornecimento de
externo e amplo exige a “visão periférica”, por exemplo, em uma situa- informações

9.  Direcionar a atenção do aprendiz para aspectos relevantes na produção do movimento.

39
ção de marcação por zona no handebol, o professor orienta o seu aluno:
“Preste atenção nos adversários que entrarem neste setor da quadra”. É
importante salientar que, à medida que a aprendizagem se processa, os
focos de atenção se alteram. Por exemplo, uma pessoa que está apren-
dendo a se esquivar na capoeira. Em um primeiro momento da aprendiza-
gem, os focos são internos, como prestar atenção ao posicionamento dos
braços, à flexão das pernas e do quadril etc. À medida que o movimento
se automatiza, os focos passam para o ambiente, como prestar atenção à
direção, altura e velocidade do golpe do oponente.

2° Estágio: Associativo

Esse estágio é denominado de associativo devido à associação entre a


ação e a percepção na execução da habilidade. Como o aprendiz já possui
alguns parâmetros sobre a nova habilidade, o feedback intrínseco10 por
ele produzido ajuda-o na compreensão dos ajustes necessários às próxi-
mas tentativas de execução dessa habilidade. Nesse estágio, há um refi-
namento da habilidade, e os erros, além de se tornarem menos frequentes,
são menos “crassos”.11

3° Estágio: Autônomo

Nesse estágio há a automatização da habilidade. Ela se torna habitual e


é submetida a níveis inferiores de controle pelo sistema nervoso central,
por isso o indivíduo executa a habilidade sem pensar nela. Um exemplo
clássico em relação à automatização acontece no ato de dirigir. No início
desse processo, os motoristas iniciantes precisam de um alto grau de con-
centração para coordenar todas as funções (acelerar, frear, trocar as mar-
chas, olhar no retrovisor etc.). Quando essas funções são automatizadas,
os indivíduos as realizam “naturalmente”, conversando com alguém que
está no banco do carona ou cantarolando uma música que toca no rádio.
O processo de automatização das habilidades é decorrente de uma grande
quantidade de prática. Nesse estágio, o executante consegue perceber os
próprios erros e fazer os ajustes necessários.

10.  O feedback intrínseco (proprioceptivo e exteroceptivo) são informações sensórias produzidas pelo sujeito durante a execução de uma habilidade motora.
11. Licinius Crassus foi um general do Triunvirato Romano que cometeu um grande erro de estratégia, levando o seu exército à destruição total.

40
A aprendizagem motora na perspectiva
do processo adaptativo

Embora os modelos de equilíbrio12 apresentem uma boa explicação do


que acontece no início do processo de aprendizagem das habilidades mo-
toras, até o ponto em que elas se automatizam (estabilizam), esses modelos
não conseguem explicar o que acontece desse ponto em diante. As teorias
correntes de aprendizagem motora explicam apenas o processo de mu-
dança do comportamento até a estabilização do desempenho, no qual os
sujeitos passam de um estágio inicial para um estágio final. A fim de su-
perar essa lacuna, surgem os modelos de não equilíbrio, que concebem os
seres humanos como sistemas abertos, que estão em constante interação
com o ambiente incerto, logo sofrem perturbações e precisam se ajustar às
mudanças. Nessa perspectiva, não ocorre somente a formação da estrutura
(automatização da habilidade), mas também a sua modificação em estru-
turas novas, mais complexas. Essas alterações são denominadas de Pro-
cesso Adaptativo e se manifestam por meio de um movimento cíclico entre
estabilidade e instabilidade, como ilustra a Figura 15:

INSTABILIDADE ESTABILIDADE

HABILIDADE
MOTORA

ESTABILIDADE INSTABILIDADE

Figura 15
Processo adaptativo

12. Modelos que consideram o processo de aquisição das habilidades motoras como fi nito. No caso do modelo proposto por Fitts e Posner (1967), esse 
processo se encerraria com a automatização da habilidade.

41
Para que uma habilidade alcance níveis mais complexos de organi-
zação, é necessário que haja variabilidade na sua execução. A variabili-
dade é um aspecto inerente ao comportamento motor humano. Manoel
e Connolly (1995) denunciam que a variabilidade tem sido considerada,
no contexto da aprendizagem motora, como um ruído, um fator nega-
tivo para o desempenho, que deve ser reduzido ou eliminado para que a
aprendizagem tenha êxito. A variabilidade é uma fonte de instabilidade
do sistema e exerce um papel fundamental na emergência de novos es-
tados de organização desse sistema. Por isso, à medida que a habilidade
se estabiliza,13 é recomendável que se varie a sua prática, para que haja
a desestabilização dessa habilidade e a sua posterior (re)estabilização em
níveis mais complexos de organização.
Embora a inserção de perturbações seja um procedimento desejável na
prática de habilidades que já foram estabilizadas, é preciso ter critérios
claros para inseri-las de forma adequada. O excesso de perturbação pode
gerar o colapso na estrutura da habilidade, por isso duas questões se tor-
nam fundamentais: como e quando inserir as perturbações? Para Ugrino-
witsch e Tani (2005), em situações em que se estudam as inter-relações
entre os tipos e os níveis de perturbações, verificou-se que existe uma
organização hierárquica entre elas. Essa hierarquia resulta em perturbar
inicialmente as capacidades perceptivas, depois as capacidades motoras
e, finalmente, as capacidades perceptivo-motoras. No estágio de pré-es-
tabilização, não é possível haver uma adaptação à perturbação, porque
a estrutura da habilidade ainda não foi formada. A inserção das pertur-
bações é aconselhável nos estágios de estabilização e superestabilização
da habilidade motora.
Estudos sobre a hierarquização dos níveis de perturbação (TANI, 2000;
BENDA, 2001), indicam que, no estágio de estabilização, devemos, num
primeiro momento, introduzir as perturbações perceptivas e, posterior-
mente, as perturbações motoras. No estágio de superestabilização, as per-
turbações perceptivas e motoras devem ser introduzidas simultaneamente.
A superestabilização não está na uniformidade da resposta e sim na ca-
pacidade da habilidade em se adaptar às perturbações. A Figura 16 de-
monstra a relação entre o nível de estabilização e o tipo de perturbação,
auxiliando o profissional de Educação Física na inserção de perturbações
que contribuam para estabilizar as habilidades em níveis cada vez mais
complexos de organização:

13. Aumento da consistência do movimento.

42
Figura 16
Relação entre
estabilização e
Nível
Nível de
de estabilização
estabilização Pré-Estabilização Estabilização Superstabilização perturbação
(Habilidade (Habilidade (Habilidade muito
Tipo deperturbação inconsistente) consistente) consistente)

PERCEPTIVA NÃO SIM SIM


MOTORA NÃO SIM SIM

PERCEPTO-MOTORA NÃO NÃO SIM

Teorias sobre a aprendizagem motora

Neste tópico, apresentaremos, de maneira bastante resumida, as prin-


cipais teorias sobre a aprendizagem motora que circulam no contexto
acadêmico. Não é nossa intenção esgotar a discussão sobre o tema, mas
simplesmente traçar, em linhas gerais, os sistemas explicativos sobre a
aprendizagem motora que mais tiveram impacto na comunidade científica.
A Teoria do Circuito Fechado, proposta por Adams (1971), foi a primeira
teoria de destaque e discute o papel do feedback14 no controle motor e na
aprendizagem motora. Para o autor, o feedback é utilizado continuamente
na produção da ação. Essa teoria parte da premissa de que, durante a exe-
cução da habilidade motora, há a comparação do feedback sensorial com
a memória armazenada do movimento pretendido. Nessa perspectiva, duas
estruturas de memória interagem na produção do movimento: o “traço de
memória”, responsável pela seleção e iniciação do movimento; e o “traço
perceptivo”, que regula o movimento a partir das informações sensoriais
fornecidas pelo feedback. Essa teoria recebeu inúmeras críticas relacionadas
com o armazenamento de informações, pois exigiria do sistema nervoso
central o armazenamento de um traço de memória e de um traço percep-
tivo para a incontável quantidade de movimentos que os seres humanos
executam. A teoria de Adams também foi contestada na realização de ações
rápidas, em que não há tempo suficiente para a utilização do feedback du-
rante a sua execução.

14. Feedback são informações sensoriais captadas no organismo (propriocepção) ou no ambiente (exterocepção) que ajudam a compatibilizar a ação com
as alterações ambientais que ocorrem durante a execução das habilidades motoras. No processo de aprendizagem motora, o feedback fornece parâme-
tros ao iniciante para a realização das próximas ações.
43
A fim de superar as lacunas apresentadas pela Teoria do Circuito Fe-
chado, Keele formulou o conceito de Programa Motor, que pode ser compre-
endido como um “[...] conjunto pré-estruturado de comandos musculares
que executa o movimento na ausência de feedback periférico” (SCHMIDT,
1983, p. 205). Nessa perspectiva, para cada movimento aprendido, há um
programa motor correspondente armazenado na memória. Assim como a
Teoria do Circuito Fechado, a perspectiva do Programa Motor foi criticada
por não explicar o problema de estocagem, ou seja, como a memória ar-
mazenaria uma quantidade imensa de programas motores.
Diante dos problemas apresentados por essas duas teorias, Schmidt
(1975) propôs um modelo híbrido para explicar o processo de controle
motor e de aprendizagem motora: a Teoria do Esquema. Essa teoria in-
corpora princípios das teorias anteriormente citadas, só que, ao invés de
propor um programa motor específico, propugna a existência de um pro-
grama motor generalizado, ou seja, mantém a ideia de um planejamento
central para a ação, mas só que esse planejamento conserva registrado na
memória apenas os parâmetros invariantes do movimento. Os parâmetros
específicos de uma determinada ação são estabelecidos pouco antes da sua
execução pelo feedback intrinseco.15 Nessa perspectiva, em vez de arma-
zenar a estrutura específica de uma ação, o indivíduo estoca regras gerais
que estabelece relação com outras ações. Essas regras gerais são chama-
das de “esquemas”. Schmidt e Wrisberg (2001, p. 165) definem o programa
motor generalizado como

[...] um padrão de movimento em vez de um movimento espe-


cífico; essa flexibilidade permite que os executantes adaptem o
programa generalizado para produzir variações do padrão que
satisfaçam às demandas ambientais alteradas.

As teorias do Circuito Fechado, do Programa Motor e do Esquema par-


tem da premissa de que o processo de controle e de aprendizagem motora é
dirigido por programas motores centrais, configurados no sistema nervoso
central. Em sentido oposto a essas perspectivas, o fisiologista russo Berns-
tein (1967) afirma que o controle e a aprendizagem não ocorrem a partir
da formação de programas motores no sistema nervoso central e sim em
decorrência da interação entre diversas estruturas que compõem o aparelho
locomotor, o ambiente e a tarefa. Essa perspectiva, conhecida como Teo-
ria dos Sistemas Dinâmicos ou Abordagem Ecológica, nega a ideia de um

15. O feedback intrínseco é produzido pelo próprio indivíduo (propriocepção ou exterocepção).

44
controle central e propõe o conceito de “estrutura coordenativa”, em que o
movimento é aprendido e controlado por meio de unidades auto-organiza-
das de ossos, músculos e articulações, que atuam em interação com as de-
mandas ambientais e as características específicas da tarefa a ser realizada.

Fatores intervenientes no
processo de ensino-aprendizagem
das habilidades motoras

Neste tópico, aproximaremos as discussões referentes à aprendizagem


motora das demandas que os professores de Educação Física encontram
no cotidiano de suas aulas. Imagine que você ensinará uma determinada
habilidade relacionada com a uma modalidade esportiva. Quais são os
aspectos que você deve considerar para iniciar esse processo? Schmidt e
Wrisberg (2001) argumentam que todo processo de ensino-aprendizagem
das habilidades motoras deve considerar as seguintes indagações: quem?
Qual? Onde? A pergunta “quem?” se refere ao aprendiz; a questão “qual?”
remete à habilidade que será ensinada; e a indagação “onde?”, aos contex-
tos físicos e socioculturais em que essa aprendizagem ocorrerá. A seguir,
discutiremos questões associadas a cada uma dessas indagações.

Quem? (o aprendiz)
AAo considerar as necessidades, as possibilidades, os interesses e as ex-
pectativas de cada indivíduo no processo de ensino-aprendizagem das ha-
bilidades motoras, negamos a ideia de “sujeito universal”, ou seja, a noção
de que todos são iguais e possuem as mesmas demandas nesse processo.
É preciso que os professores tratem seus alunos em sua singularidade, não
generalizando métodos e procedimentos. O conceito de zona de desenvol-
vimento proximal, cunhado por Vygotsky e que vocês viram na disciplina
de Psicologia da Educação, é muito útil para pensarmos a intervenção do
professor. Segundo esse conceito, a boa intervenção é aquela que incide
sobre a zona de desenvolvimento proximal dos indivíduos, ou seja, sobre
uma “faixa” que fica um pouco além dos conhecimentos que os sujeitos já

45
internalizaram e que sozinhos não conseguem transitar, pois necessitam
da mediação de alguém mais experiente. No caso da aprendizagem das
habilidades motoras, é necessário que identifiquemos o nível de desen-
volvimento real dos indivíduos com quem vamos lidar para proporcionar
intervenções pedagógicas adequadas, pois submeter os aprendizes a situ-
ações que estão muito além ou aquém das suas possibilidades de realiza-
ção gera a desmotivação e a consequente perda de interesse pelo objeto
da aprendizagem.
Portanto, é preciso identificar as experiências prévias dos sujeitos em
relação à habilidade que estão aprendendo. Essas experiências podem se
manifestar em diferentes dimensões. As experiências podem ser motoras,
nesse caso há uma transferência positiva do padrão de movimento de si-
tuações anteriores para a nova situação. Por exemplo, uma criança que,
durante a sua infância jogou muita “queimada”, possivelmente aprovei-
tará padrões do arremesso desse jogo na aprendizagem do arremesso do
handebol. As experiências também podem estar circunscritas na dimensão
perceptiva. Por exemplo, a recepção do saquei de vôlei (manchete) e a re-
cepção do saque de tênis são duas habilidades completamente distintas do
ponto de vista da biomecânica do movimento, entretanto pode haver uma
transferência positiva de uma situação para a outra em termos perceptu-
ais, já que ambas trabalham com a noção espaço-temporal. A transferên-
cia de experiência também pode ocorrer na dimensão conceitual, em que
conceitos relacionados com a noção espacial podem ser aproveitados de
uma situação para outra. Por exemplo, manter distância adequada entre os
companheiros do mesmo time.
O nível de maturação do aprendiz em relação à habilidade a ser apren-
dida é outra variável importante a ser considerada. Por mais que se “treine”,
dificilmente uma criança andará aos seis meses, pois, nessa idade, o seu
sistema osteomuscular ainda não está pronto para realizar essa habilidade.
Nesse caso, há um desequilíbrio entre a demanda da tarefa e a possibili-
dade do indivíduo em executá-la. Dessa forma, é preciso identificar o de-
senvolvimento maturacional do aprendiz para oferecer-lhe intervenções
condizentes com as suas possibilidades de realização.
A motivação também interfere decisivamente no processo de aprendi-
zagem das habilidades motoras. Devido ao seu caráter subjetivo, a moti-
vação para a ação varia de uma pessoa para outra. Dificilmente alguém
aprenderá algo que não deseja, por isso é fundamental que o professor
estabeleça uma relação dialógica com seus alunos para identificar o ní-
vel de interesse deles em relação aos objetos da aprendizagem. Além dos

46
aspectos pessoais, a motivação também perpassa pelas questões cultu-
rais. Betti e Liz (2003), ao discutirem sobre o desinteresse do jovem pela
Educação Física, ao chegar nas séries finais do Ensino Fundamental,
afirmam que, apesar das mudanças de natureza psicossocial da juven-
tude, essa área continua com os mesmos modelos educacionais de déca-
das atrás. Esse autor constatou que os jovens, fora do ambiente escolar,
possuem um grande interesse pelas atividades físicas e esportivas, con-
tudo não encontram motivação para as atividades que são desenvolvidas
nas aulas de Educação Física.
O nível das capacidades que os indivíduos apresentam para a realização
de determinadas habilidades é outro fator decisivo no processo de apren-
dizagem. Magill (2000, p. 302) define capacidade como “[...] um traço ou
qualidade geral do indivíduo relacionada ao seu desempenho numa diver-
sidade de habilidades ou de tarefas [e aponta que] [...] uma diversidade de
capacidades motoras diferentes está subjacente ao desempenho de habi-
lidades motoras”. Quando se trata da seleção de atletas para o esporte de
rendimento, as capacidades são critérios decisivos. É bastante improvável
que uma pessoa que possua baixa velocidade de reação se torne um velo-
cista. Entretanto, a Educação Física escolar não está interessada em for-
mar atletas de alto nível, mas sim em desenvolver as potencialidades dos
alunos, apesar das suas possíveis limitações. Grande parte das capacidades
são geneticamente determinadas e pouco modificáveis com a prática ou a
experiência. Em uma linguagem metafórica, as capacidades representam o
hardware que os indivíduos trazem consigo no processo de aprendizagem
das habilidades motoras.
Schmidt e Wrisberg (2001, p. 42) a caracterizam como “[...] traços es-
táveis e duradouros que, na sua maior parte, são geneticamente determi-
nados e que embasam a performance habilidosa dos indivíduos”. Algumas
capacidades são mais “treináveis” do que outras, ou seja, são mais susce-
tíveis a alterações em decorrência da prática ou da experiência. É impor-
tante que o professor identifique as capacidades relacionas às habilidades
que ele irá ensinar e verifique no aprendiz em que níveis essas capacidades
se encontram. Por exemplo, um aprendiz da capoeira encontrará dificul-
dades em realizar um “macaco”16 (habilidade), se tiver pouca flexibilidade
(capacidade) da coluna vertebral. Não estamos afirmando que um indi-
víduo com pouca flexibilidade na coluna não possa realizar um macaco,
mas indicando que se trabalhe essa capacidade para que a execução da
habilidade seja viável.

16. Movimento coreográfico da capoeira que exige um alto grau de flexibilidade da coluna vertebral.

47
Grosso modo podemos dividir as capacidades em duas grandes catego-
rias: físicas e perceptivas. Entretanto, para fins didáticos, utilizaremos o
modelo proposto por Gallardo (2000), que classifica as capacidades em três
grupos, como mostra a página ao lado.

Quando realizamos uma determinada habilidade motora, diferentes ca-


pacidades estão envolvidas nesse processo. Um halterofilista, por exemplo,
quando levanta um peso, necessita de coordenação, de equilíbrio, de ve-
locidade de reação, contudo a capacidade preponderante para a execução
dessa habilidade é a força.

ATIVIDADE AVALIATIVA

Proponha jogos ou brincadeiras que contemple cada uma das capacida-


des dos três grupos (um jogo ou uma brincadeira em que essas capaci-
dades sejam preponderantes). Descreva detalhadamente a atividade, para
que a presença da capacidade trabalhada fique evidente (dirija-se a pla-
taforma para receber orientações mais específicas).

Qual? (a tarefa)
Qual a melhor forma de se ensinar uma habilidade? É melhor fragmen-
tar essa habilidade (prática parcial) ou trabalhá-la como um todo (prática
global)? A resposta correta para essas questões é: “Depende”. Não deve-
mos ensinar todas as habilidades da mesma forma, pois algumas variáveis
são importantes para escolhermos qual o melhor método a ser empregado
no processo de ensino-aprendizagem. Dentre as variáveis que interferem
nesse processo, a natureza da habilidade a ser ensinada é fundamental. As
habilidades motoras possuem características distintas que determinam a
melhor maneira de ensiná-las. Na intenção de conhecermos melhor essas
características, abordaremos alguns critérios propostos pelos pesquisado-
res no campo da aprendizagem motora (MAGILL, 2000; SCHMIDT; WRIS-
BERG, 2001; GALLARDO, 2000) para classificar as habilidades motoras,
apontando as suas implicações para o processo de ensino-aprendizagem.

48
GRUPO I

Capacidades que dependem principalmente das fontes energéticas na execu-


ção das habilidades motoras:
• Força muscular: contração muscular necessária para vencer uma resistência.
• Velocidade de contração muscular: permite o deslocamento do corpo ou parte do
corpo, numa determinada unidade de tempo (velocidade de reação, velocidade de ação,
velocidade de resistência).
• Resistência: geral ou local / aeróbia ou anaeróbia.
• Potência: capacidade de contração muscular para vencer uma resistência em um
mínimo de tempo.

GRUPO II

Capacidades que dependem principalmente da qualidade das estruturas orgâ-


nicas e do controle do movimento por parte do sistema nervoso central:
• Coordenação motora: atuação conjunta do sistema nervoso central e do sistema
muscular esquelético na execução de movimentos harmônicos e econômicos.
• Flexibilidade: capacidade de executar movimentos de grande amplitude angular por
si mesmo ou sob influência de forças externas.
• Equilíbrio motor: capacidade que demanda controle e postura corporal, em relação
à força da gravidade. Variáveis de equilíbrio: estático, dinâmico e recuperado.

GRUPO III

Capacidades que dependem primordialmente das experiências adquiridas:


• Orientação sinestésica: capacidade de reconhecer a posição do corpo ou parte do
corpo em relação aos objetos e ao ambiente.
• Orientação espaço temporal: capacidade de perceber informações relativas às es-
truturas do ambiente (espaço) e à duração dos eventos que nele acontecem (tempo).
• Esquema corporal: capacidade de reconhecer as diferentes partes do corpo e o que
pode ser feito com ele durante a execução de tarefas motoras.
• Expressão corporal: capacidade que permite ao ser humano manifestar-se corpo-
ralmente com determinados objetivos, de maneira original e criativa.

49
Quanto à estabilidade do ambiente
O termo ambiente, nesse caso, refere-se ao contexto da ação (lugar onde
a habilidade é realizada) e ao objeto da ação (caso a realização da habili-
dade envolva a utilização de algum objeto, como uma bola, por exemplo).
Em relação a esse critério, as habilidades podem ser divididas em duas ca-
tegorias: a) Habilidade motora fechada – é realizada em um ambiente está-
vel, que não se altera durante a realização da habilidade. O contexto ou o
objeto esperam pela ação do executante. Alguns exemplos: correr em uma
pista de atletismo, dar uma tacada na sinuca, realizar um solo na ginástica
olímpica; b) Habilidade motora aberta – é realizada em um ambiente ins-
tável, que se altera durante a execução da habilidade. Dessa forma, a ação
do executante está condicionada às alterações do contexto, do objeto ou
de ambos. Alguns exemplos: recepcionar uma bola depois de um saque no
vôlei; chutar uma bola em movimento; correr no meio de uma multidão,
em que é preciso desviar das pessoas a todo o momento.
Há modalidades esportivas em que as habilidades são executadas em
situações fechadas e em situações abertas. No basquete, por exemplo, o
lance livre é uma habilidade motora fechada, já o arremesso com marca-
ção é uma habilidade motora aberta. O critério de estabilidade do ambiente
traz importantes desdobramentos para a intervenção pedagógica. O ensino
das habilidades fechadas requer uma maior atenção aos aspectos internos
do movimento. Nesse caso, privilegia-se a repetição da habilidade em uma
mesma situação, para que ela adquira consistência, ou seja, um padrão de
regularidade na sua execução. Já as habilidades motoras abertas, aquelas
que são típicas dos esportes com bola, exigem uma variabilidade na sua
realização, pois, se trabalharmos a sua execução apenas de uma mesma
maneira, dificilmente ela se adaptará às diferentes circunstâncias presen-
tes nas situações concretas em que essas modalidades ocorrem.

Quanto à distinguibilidade de movimentos


Nesse critério, as habilidades são classificadas em três categorias, de
acordo com os movimentos que as compõem: a) habilidade motora dis-
creta – ccomposta de movimentos balísticos, rápidos, uma única ação e
a habilidade se concretiza. Alguns exemplos: tirar uma foto, tiro ao alvo,
acender um interruptor; b) habilidade motora serial – são vários movi-
mentos ordenados em uma sequência. Alguns exemplos: bandeja no bas-
quete, salto triplo, saque “viagem” no vôlei; c) habilidade motora contínua

50
– composta por movimento contínuos, que repetem sempre o mesmo ciclo
na sua execução. Alguns exemplos: nadar, correr, andar. Do ponto de vista
pedagógico, esse critério oferece dicas importantes para a intervenção do
professor. Por exemplo, fornecer instrução ao aprendiz durante a execução
de uma habilidade motora discreta é um procedimento inadequado, pois
não há tempo suficiente para que o sujeito utilize o feedback aumentado
(a dica) e altere a sua ação.

Quanto à dimensão da musculatura

Nesse critério, as habilidades são classificadas em duas categorias de


acordo com o acionador primário, ou seja, conforme o músculo principal
(agonista) para a execução da habilidade. a) habilidades motoras grossas
– são habilidades realizadas pelos grandes grupos musculares, não reque-
rem precisão para a sua execução, pois são controladas pelas vias extrapi-
ramidais.17 Alguns exemplos: correr, andar, saltar; b) habilidades motoras
finas – são habilidades realizadas pelos pequenos grupos musculares, exi-
gem precisão, coordenação oculomanual e são controladas pelas vias pira-
midais.18 Alguns exemplos: colocar a linha numa agulha, escrever, comer
sushi com hashi (pauzinho utilizado como talher na culinária japonesa). É
importante frisar que as habilidades devem ser classificadas a partir da ideia
de continuum, e não de maneira maniqueísta (ou é isso ou é aquilo). Por
exemplo, o arremesso de um disco no atletismo é uma habilidade motora
grossa, já um arremesso de dardo a um alvo é uma habilidade motora fina,
pois, apesar de utilizar grandes grupos musculares, requer a precisão pro-
porcionada pelos pequenos grupos musculares.

Quanto à organização e à complexidade


Esses dois critérios de classificação das habilidades motoras serão tra-
balhados em conjunto, pois a relação entre eles traz importantes desdo-
bramentos para a intervenção pedagógica. Organização se refere ao nível
de interação entre as partes que compõem uma habilidade. Uma habili-
dade é classificada como de baixa organização, quando as partes que a
compõem são relativamente independentes uma das outras, permitindo
que ela seja fragmentada no seu processo de ensino-aprendizagem. Por
exemplo, a bandeja no basquete. Nas habilidades de alta organização, as

17. São vias de controle do movimento que não exigem uma atenção voluntária, a pessoa executa a habilidade sem pensar na mesma.
18. São vias de controle do movimento que exigem atenção voluntária do indivíduo para a execução da habilidade.
51
partes são altamente interdependentes, e é pouco viável realizá-las de ma-
neira separada. Por exemplo, um salto mortal. Já a complexidade se refere
ao número de elementos (partes) de uma determinada habilidade. As ha-
bilidades de baixa complexidade são compostas por um número reduzido
de elementos, por exemplo, um toque do voleibol. As habilidades de alta
complexidade são compostas de vários elementos (partes), por exemplo,
um arremesso no handebol. Magill (2000) propõe que as habilidades de
alta organização e de baixa complexidade sejam trabalhadas pelo método
global19 e as habilidades de baixa organização e de alta complexidade se-
jam trabalhadas pelo método parcial.20
Gentile (apud MAGILL, 2000) propôs um sistema bidimensional de classi-
ficação das habilidades motoras que é muito útil à intervenção pedagógica
do professor de Educação Física. A Taxonomia Bidimensional de Gentile
apresenta importantes subsídios para a efetivação de um processo seguro e
eficaz na aquisição das habilidades motoras. Ao relacionar duas dimensões,
contexto ambiental e função da ação, essa taxonomia fornece parâmetros
de progressão gradativa no processo de ensino-aprendizagem, em que di-
ferentes variáveis são inclusas nesse processo à medida que as habilidades
se estabilizam. Cada dimensão se desdobra em duas categorias e essas em
mais duas. Sendo assim, o contexto ambiental é subdividido em condições
reguladoras e variabilidade intertentativas e a função da ação em transporte
corporal e manipulação de objetos.
As condições reguladoras podem ser estacionárias, quando o ambiente
se apresenta estável, ou em movimento, quando o ambiente se modifica
durante a execução das habilidades. A variabilidade intertentativa se re-
fere à variação na execução de uma habilidade entre uma tentativa e ou-
tra. Dessa forma, uma habilidade pode ser executada sem variabilidade
intertentativa, quando as condições de execução não se alteram de uma
tentativa para outra, ou com variabilidade intertentativa, quando há alte-
ração entre as tentativas. O transporte corporal está associado ao desloca-
mento do corpo de um ponto ao outro.
Nesse caso, uma habilidade pode ser executada sem transporte corporal,
quando executada em um ponto fixo, ou com transporte corporal, desde
que apresente deslocamento do corpo de um ponto ao outro. Por fim, a
manipulação de objetos relaciona-se com a utilização de objetos durante
a execução da habilidade. Uma habilidade motora pode ser executada sem
manipulação de objeto, a exemplo do salto em distância, ou com mani-
pulação, como no salto com vara. Cabe salentar que nem todas as habi-
19. Procedimento pedagógico em que uma habilidade é trabalhada como um todo em seu processo de ensino-aprendizagem.
20. Procedimento pedagógico em que há uma fragmentação da habilidade motora em partes no seu processo de ensino-aprendizagem
52
lidades apresentam as características descritas na taxonomia de Gentile, Quadro 1
Taxonomia Bidimensional
portanto devemos utilizar somente aquelas categorias que se relacionam de Gentile
com a habilidade que pretendemos ensinar. A inter-relação entre as cate- Fonte: Magill (2000)

gorias acima descritas, fornece 16 estágios de classificação, em que, gra-


dativamente, há o aumento na demanda para realização das habilidades
motoras, conforme indica o Quadro 1:

1 2 3 4
CR: estacionárias CR: estacionárias CR: estacionárias CR: estacionárias
Sem variabilidade Sem variabilidade Sem variabilidade Sem variabilidade
intertentativa Intertentativa intertentativa intertentativa
Sem transporte corporal Sem transporte corporal Com Com transporte corporal Com transporte corporal
Sem manipulação de objeto manipulação de objeto Sem manipulação de objeto Com manipulação de objeto

5 6 7 8
CR: estacionárias CR: estacionárias CR: estacionárias CR: estacionárias
Com variabilidade Sem variabilidade Com variabilidade Com variabilidade
intertentativa Intertentativa intertentativa intertentativa
Sem transporte corporal Sem transporte corporal Com Com transporte corporal Com transporte corporal
Sem manipulação de objeto manipulação de objeto Sem manipulação de objeto Com manipulação de objeto

9 10 11 12
CR: em movimento CR: em movimento CR: em movimento CR: em movimento
Sem variabilidade Sem variabilidade Sem variabilidade Sem variabilidade
intertentativa intertentativa intertentativa intertentativa
Sem transporte corporal Sem transporte corporal Com transporte corporal Com transporte corporal
Sem manipulação de objeto Com manipulação de objeto Sem manipulação de objeto Com manipulação de objeto

13 14 15 16
CR: em movimento CR: em movimento CR: em movimento CR: em movimento
Com variabilidade Com variabilidade Com variabilidade Com variabilidade
intertentativa intertentativa intertentativa intertentativa
Sem transporte corporal Sem transporte corporal. Com Com transporte corporal Com transporte corporal
Sem manipulação de objeto manipulação de objeto Sem manipulação de objeto Com manipulação de objeto

A fim de facilitar a compreensão da Taxonomia Bidimensional de Gen-


tile e as suas contrbuições para o processo de ensino-aprendizagem das
habilidades motoras, descreveremos uma pesquisa em que utilizamos esse
instrumento para o aprendizado da esquiva da capoeira (MELLO et al.,
2005). Participaram da pesquisa 16 sujeitos, todos leigos em relação à
capoeira e que foram submetidos ao aprendizado da esquiva a partir dos
pressupostos sugeridos pela Taxonomia de Gentile. A coleta e o procedi-
mento de análise dos dados ocorreram por meio das imagens registradas
em filmagem e por relatos dos participantes.
Nesta pesquisa, utilizamos quatro estágios da taxonomia de Gentile. Ini-
ciamos com o estágio número 1, em que a habilidade foi realizada a partir
de condição reguladora estacionária, sem variabilidade intertentativa, sem

53
transporte corporal e sem manipulação de objeto. Assim, a partir da posição
estática da ginga, realizamos a esquiva de chão. Cabe ressaltar que o estágio
inicial da aprendizagem, também denominado de cognitivo (FITTS; POS-
NER, 1967), exige uma intensa demanda mental do aprendiz na realização
da habilidade. Ele não consegue desvincular sua atenção da ação. Portanto,
nesse estágio, não é apropriado fornecer muitas informações ao iniciante,
sob o risco de desviar a sua atenção dos aspectos importantes para execu-
ção da habilidade, pois o sistema nervoso central não consegue processar
um número muito grande de informações. O aprendiz não consegue detec-
tar o erro e fazer os ajustes necessários, pois o seu feedback intrínseco ainda
não está bem estruturado. Cabe ao professor fornecer o feedback aumentado
(SCHIMIDT; WRISBERG, 2001), indicando o foco de atenção adequado para
a realização da habilidade.
Foco de atenção é o direcionamento da atenção para aspectos relevantes
na produção do movimento. Geralmente, na fase inicial da aprendizagem,
a direção do foco é interna – estreito ou amplo – ao movimento. No caso
específico da esquiva, solicitamos aos alunos que observassem a flexão
das pernas e do quadril, o posicionamento do braço na proteção do rosto
e a inclinação adequada do tronco. Após percebermos que a realização da
esquiva ocorria sem dificuldades, incluímos uma nova exigência à tarefa.
Utilizamos o estágio número 3 da taxonomia. A diferença em relação
ao estágio anteriormente utilizado foi a inclusão do transporte corporal.
Nessa nova situação, a esquiva não era realizada estaticamente e sim em
movimento, a partir da execução da ginga associada ao deslocamento la-
teral. Percebemos que inicialmente a incorporação desse novo elemento
desestabilizou o padrão anteriormente adquirido, mas, após algumas repe-
tições, houve adaptação à nova estrutura motora (TANI, 2005). Pelo fato
de as condições reguladoras serem estacionárias, o foco de atenção, tanto
no primeiro estágio quanto no terceiro, foram direcionados internamente.
Após a estabilização desse novo padrão de realização da esquiva, acres-
centamos outra exigência, agora uma demanda ambiental.
Utilizamos, como referência, o estágio número 11 da taxonomia. O as-
pecto central desse novo estágio é que a condição reguladora está em movi-
mento. O ambiente não é estável e a habilidade precisa adaptar-se as essas
alterações. Portanto, é imprescindível a percepção do ambiente, pois a exe-
cução da habilidade está atrelada às suas determinações. O foco de atenção
deve ser direcionado a aspectos externos ao movimento. No caso da esquiva,
passamos a trabalhar em duplas, em que um aluno golpeava enquanto o ou-
tro esquivava em situação predeterminada. A execução da esquiva não era

54
estabelecida apenas pelo aluno; estava condicionada à velocidade e à altura
do golpe do seu parceiro. A atenção do aluno foi direcionada para um foco
externo, para a observação da trajetória da perna de quem golpeava.
A última etapa abordada no processo de aquisição da habilidade de es-
quivar corresponde ao estágio número 15 da taxonomia de Gentile. Nela, as
condições reguladoras estão em movimento, há variabilidade intertentativa,
transporte corporal presente e sem manipulação de objeto. A nova variável
em relação ao estágio anterior é a presença de variabilidade intertentativa.
Assim, os golpes eram realizados sem uma predeterminação, aleatoriamente.
Os aprendizes tinham que se esquivar a partir de situações imprevistas. Es-
sas situações simulam uma condição bem próxima do "jogo da capoeira".
As imagens captadas demonstraram que o processo de aquisição da es-
quiva de chão ocorreu de maneira satisfatória no grupo investigado. Ape-
sar das diferenças individuais, todos conseguiram êxito na realização da
nova habilidade. Os relatos individuais também ratificaram as interpre-
tações advindas das imagens, e os participantes conseguiram identificar
o processo gradativo de complexificação ao qual foram submetidos, res-
saltando a sua importância para compreensão, adaptação e segurança na
aquisição da esquiva.

Onde? (o contexto)
O contexto é outra variável importante a ser considerada no processo de
ensino-aprendizagem das habilidades motoras. O contexto pode ser divi-
dido em duas grandes categorias: físico e sociocultural. O contexto físico
está relacionado com as características ambientais onde as habilidades são
realizadas. Por exemplo, as habilidades do vôlei de praia possuem singula-
ridades em relação às do vôlei de quadra. Interferências ambientais, como
o Sol, o vento e a areia, fazem com que a execução das habilidades na
praia se diferencie em relação às habilidades executadas na quadra. Essas
singularidades apresentadas em cada contexto precisam ser contempladas
no processo de ensino-aprendizagem das habilidades.
A outra dimensão contextual, a sociocultural, é bem mais complexa do
que a física e exige dos professores uma leitura social bem elaborada. Par-
tindo do pressuposto de que o ser humano não é universal, biologicamente
determinado, mas é um sujeito social, historicamente situado, é preciso
compreender os “lugares” onde os processos de aprendizagem ocorrem.
Por exemplo, aprender uma habilidade relacionada com a dança no con-

55
texto escolar tem uma conotação completamente distinta do que aprender
em uma academia de dança. O primeiro contexto tem objetivos educacio-
nais mais amplos e já o segundo tem objetivos mais pragmáticos, associa-
dos à aquisição e estabilização da habilidade. Outro exemplo: o ensino de
uma habilidade associada ao ballet em uma escola pública de um bairro
de periferia possui sentidos e significados diferentes do ensino dessa ha-
bilidade em uma escola localizada em um bairro nobre, frequentada pelas
classes sociais de maior poder aquisitivo. Mais uma questão para ilustrar
a complexidade da dimensão sociocultural no processo de aprendizagem
das habilidades motoras: ensinar capoeira para um baiano é a mesma
coisa do que ensiná-la para um japonês? Certamente não. Há implicações
culturais nesse processo que fazem com que a aprendizagem do primeiro
não se constitua da mesma forma que no segundo. Para problematizar
ainda mais: quais são as implicações de se ensinar a capoeira na Educa-
ção Física escolar para alunos evangélicos? Ou ainda: Por quê, no geral, as
meninas norte-americanas jogam futebol melhor do que as meninas brasi-
leiras? Com esses poucos exemplos e questionamentos, é possível perceber
a complexidade da dimensão sociocultural e as suas implicações no pro-
cesso de ensino-aprendizagem das habilidades motoras. A negligência do
contexto sociocultural onde as aprendizagens ocorrem é uma das maiores
lacunas apresentadas pelas pesquisas na área da aprendizagem motora.
Os motivos para a ação dos sujeitos estão diretamente relacionados com
os contextos socioculturais em que estão inseridos, uma vez que as suas
subjetividades são objetivadas pelas influências do meio que fazem parte.

Ensino-aprendizagem das
habilidades motoras

Na área da aprendizagem motora, cresce um campo de interesse que


busca investigar a aplicabilidade das pesquisas básicas em situações con-
cretas da prática profissional. Esse campo é denominado de “Ensino-
aprendizagem das habilidades motoras” e preocupa-se

[...] com a verificação experimental da aplicabilidade de co-


nhecimentos, princípios e hipóteses, derivados da pesquisa

56
básica em aprendizagem motora, numa situação mais próxima
do real, ou seja, da prática profissional (TANI, 2005, p. 113).

Dentre as variáveis que o professor pode manipular no processo de en-


sino e aprendizagem das habilidades motoras, a prática e o fornecimento
de feedback aumentado são as que mais se destacam, pois apresentam uma
grande contribuição para a aquisição, estabilização e organização das ha-
bilidades motoras em estruturas cada vez mais complexas de controle.
Neste tópico, focalizaremos a discussão sobre essas duas dimensões da in-
tervenção pedagógica.

A prática
A prática é uma das principais variáveis que o professor pode alterar
no processo de ensino-aprendizagem de habilidades motoras. De maneira
geral, a prática pode ser definida como execução ou repetição de movi-
mentos. Entretanto, em uma análise mais apurada, é possível perceber que
alguns autores divergem dessa ideia geral, fugindo à compreensão de que
prática seja apenas a repetição mecânica de gestos estereotipados. Para
Bernstein (1967, apud TANI, 1999, p. 8), a prática é a repetição do pro-
cesso de solução de problemas motores e não a simples repetição de um
determinado movimento. Tani (1999) entende a prática como exploração
de diferentes alternativas para resolução de situações motoras, que levam
à estabilização de respostas apropriadas a essas situações.
A prática, no processo de ensino-aprendizagem das habilidades mo-
toras, não deve ser uniforme, precisa variar de acordo com uma série
de circunstâncias, como o nível de maturação do aprendiz, o estágio da
aprendizagem em que ele se encontra, a natureza da habilidade a ser en-
sinada e o contexto onde essa aprendizagem acontece. Nesse sentido, o
campo da aprendizagem motora sistematizou diferentes alternativas de
práticas adequadas à variedade de circunstâncias em que esse processo
ocorre. Schmidt e Wrisberg (2001) classificam os diferentes tipos de prática
da seguinte maneira:

• Prática Global: procedimento de ensino em que uma habilidade é


praticada como um todo, sem fragmentação.

57
• Prática Parcial: procedimento de ensino em que uma habilidade é
dividida em partes, em fragmentos. A prática parcial apresenta as se-
guintes variações:

a) fracionalização: procedimento em que duas ou mais partes de uma ha-


bilidade são praticadas separadamente. Depois de aprendidas, essas partes
são fundidas;

b) segmentação: prática no qual uma parte da habilidade é trabalhada até


que seja aprendida, então a segunda parte é adicionada à primeira e ambas
são trabalhadas conjuntamente e, assim por diante, até que toda a habi-
lidade seja aprendida. A segmentação também é conhecida como prática
parcial progressiva;

c) simplificação: tipo de prática parcial que busca reduzir o nível de difi-


culdade da tarefa. Exemplo: no ensino do vôlei para crianças, permitir que
a bola dê um toque no chão antes de executar a ação (manchete ou toque).

• Prática em blocos: sequência prática na qual os indivíduos treinam


repetidamente a mesma tarefa.

• Prática randômica: sequência prática na qual os indivíduos realizam


uma variedade de diferentes tarefas sem ordem específica, evitando a
repetição consecutiva de uma única tarefa.

• Prática constante: sequência prática na qual os indivíduos treinam


apenas uma variação de uma dada classe de tarefas durante uma sessão.

A compreensão de prática está diretamente associada à concepção de


aprendizagem motora adotada pelo pesquisador ou pelo professor de Edu-
cação Física. Até meados do Século XX, a visão dominante de aprendi-
zagem esteve relacionada com modelos de equilíbrio, que pressupõem a
aprendizagem motora como um processo finito, o qual se encerra com a
estabilização e automatização da habilidade motora.
Nessa perspectiva, são propostos modelos de aprendizagem baseados
em estágios, como os de Adams (1971) e Fitts e Posner (1967). Tais mo-
delos explicam como se adquire e se mantém a estrutura de uma habili-
dade, porém não conseguem explicar como se formam novas estruturas a
partir daquelas já existentes. No modelo de equilíbrio, o papel da prática

58
é contribuir para a estabilização da estrutura da habilidade por meio da
prática constante.
Em oposição aos modelos de equilíbrio, surge uma nova visão que con-
cebe a aprendizagem como um processo contínuo, alinhado à concepção
geral na ciência que trata dos sistemas abertos. Os sistemas abertos se ca-
racterizam pela troca constante de matéria, energia e informação com o
meio ambiente, o que garante um estado de não equilíbrio e, consequen-
temente, possibilidade de desenvolvimento do sistema. Como já vimos, a
formação de novas estruturas pressupõe instabilidade ou quebra de estabi-
lidade. Na perspectiva da aprendizagem, além da estabilização, admite-se
a formação de estruturas mais complexas a partir daquelas já existentes,
mediante a quebra de estabilidade que induz a outro nível de estabilidade,
em patamar superior de complexidade. Tal perspectiva é denominada de
processo adaptativo e diz respeito à formação de habilidades com estrutu-
ras motoras mais complexas a partir de habilidades já estabilizadas.
O processo adaptativo apresenta duas fases: a primeira, denominada
estabilização, é compreendida como a fase em que se busca a estabilidade
funcional e que resulta na padronização espacial e temporal do movimento
(formação da estrutura); a segunda, por sua vez, conhecida como fase de
adaptação, é aquela em que o sistema se ajusta às perturbações, tanto do
ambiente quanto do próprio sistema. O processo adaptativo é caracteri-
zado pelo ciclo contínuo entre instabilidade-estabilidade-instabilidade da
estrutura da habilidade. Dessa forma, a concepção de prática no processo
adaptativo muda radicalmente em relação aos modelos de equilíbrio.

A prática na perspectiva do processo adaptativo


Os seres humanos são sistemas abertos, pois estão em busca constante
de estados mais complexos de organização. Por estarmos em permanente
troca de informação com o meio, sofremos desequilíbrios e somos obriga-
dos a nos adaptarmos a estruturas cada vez mais elaboradas. A estrutura
da prática e seus efeitos na aquisição de habilidades motoras no processo
adaptativo têm sido intensamente investigados. No entanto, podemos di-
zer que as investigações a esse respeito estão em estágios iniciais e, por-
tanto, existe ainda um longo caminho a ser percorrido.
Na perspectiva do processo adaptativo, a prática ocorre em duas fases:
estabilização e adaptação. A fase de adaptação pode acontecer por meio
da flexibilidade da própria estrutura. Nesse caso, ocorrem alterações nos

59
aspectos periféricos da habilidade, sem modificar a sua estrutura. Esse pro-
cesso é denominado de adaptação paramétrica. Em outros casos, a pertur-
bação imposta à execução da habilidade pode extrapolar a flexibilidade
do sistema, exigindo a adaptação em um dos seguintes níveis: adaptação
estrutural, que requer a modificação na estrutura da habilidade, mediante
a reorganização dessa estrutura em níveis superiores de complexidade ou
adaptação auto-organizacional, em que há emergência de uma estrutura
completamente nova.
Corrêa (2001) analisou os efeitos de diferentes práticas na aquisição de
habilidades motoras. Ele realizou experimentos com quatro tipos de prá-
ticas. Foram testadas as práticas constante, randômica, randômica-cons-
tante e constante-randômica. Essa última demonstrou ser mais eficiente
na promoção do processo adaptativo, pois, por meio da prática constante,
é possível promover a formação da estrutura da habilidade (estabilização)
e, pela prática randômica, a formação de novos padrões de movimento, a
partir da estrutura anterior (adaptação). A prática randômica é aquela em
que ocorre um nível alto de interferência contextual, uma vez que várias
tarefas são praticadas conjuntamente, causando interferência uma nas ou-
tras. As pesquisas de Corrêa, Benda e Tani (apud CORRÊA; TANI, 2001)
também evidenciaram que a prática constante-randômica é mais eficiente
na promoção do processo adaptativo do que outros tipos de práticas. Já
Shea e Morgan (1979) constataram que a prática em blocos foi mais efi-
ciente na aquisição das habilidades e a prática randômica mais eficiente
na retenção e transferência da aprendizagem.

O fornecimento do feedback aumentado


Imaginem um professor de Educação Física ensinando uma determi-
nada habilidade motora. Ele fornece aos seus alunos instruções e dicas que
facilitem a compreensão da habilidade ensinada. No contexto da apren-
dizagem motora, essas instruções e dicas são denominadas de “feedback
aumentado” e constituem-se em uma importante variável relacionada com
o processo de ensino-aprendizagem das habilidades motoras.
O feedback pode ser definido como informação sensorial que fornece
pistas sobre o resultado de uma ação ou o estado real do movimento (SCHI-
MIDT; WRISBERG, 2001). Sua função principal consiste em fornecer parâ-
metros para a realização das habilidades motoras, seja durante, seja após a
execução dessas habilidades. Podemos classificar o feedback em duas gran-

60
des categorias. A primeira categoria, denominada de feedback intrínseco,
refere-se às informações sensoriais produzidas pelos próprios indivíduos. O
feedback intrínseco é subdividido em proprioceptivo, quando a informação
sensorial advém do interior do organismo, ou em exteroceptivo, quando
a informação sensorial é captada no ambiente. A segunda categoria, de-
nominada de feedback extrínseco ou aumentado, caracteriza-se pelas in-
formações externas que são fornecidas ao aprendiz por outras pessoas ou
instrumentos. São informações adicionais que, somadas ao feedback intrín-
seco, auxiliam os iniciantes no seu processo de aquisição e estabilização
das habilidades motoras.
O feedback aumentado pode incidir sobre o conhecimento de resulta-
dos, quando focaliza o resultado do desempenho da habilidade, ou pode
incidir sobre o conhecimento de desempenho, quando focaliza as carac-
terísticas da performance que levam ao resultado (MAGILL, 2000). O for-
necimento do feedback aumentado é uma das formas mais eficientes com
que os professores podem contribuir para aprendizagem das habilidades
motoras. Contudo, é preciso observar alguns critérios para que a informa-
ção fornecida seja benéfica. O excesso de informações ou dicas fornecidas
de maneira inadequada pode gerar efeitos negativos para a aprendizagem
das habilidades motoras. Por exemplo, as informações fornecidas imedia-
tamente após a execução das habilidades (feedback instantâneo)interferem
negativamente na aprendizagem. No início da aprendizagem, esse tipo de
informação é prejudicial, pois inibe os indivíduos para que processem o seu
próprio feedback, reduzindo, dessa forma, a capacidade de eles perceberem
os seus próprios erros. Assim, os professores devem retardar por alguns se-
gundos o fornecimento do feedback aumentado, permitindo que os apren-
dizes utilizem as informações advindas do seu feedback intrínseco. Cabe
ressaltar que as informações fornecidas aos aprendizes, após cada tentativa
em realizar uma habilidade, podem gerar a dependência do feedback au-
mentado (SCHIMIDT; WRISBERG, 2001; MAGILL, 2000).
O feedback de desempenho, ou seja, as informações que fornecem parâ-
metros relativos à qualidade do movimento, é prejudicial nas etapas ini-
ciais da aprendizagem, pois os iniciantes não são capazes de interpretar as
características cinemáticas dos seus movimentos, como a velocidade, ace-
leração e o padrão do movimento (SCHIMIDT; WRISBERG, 2001).
O excesso de informações também é prejudicial à aprendizagem, uma
vez que a capacidade de processamento de informações e de memória, es-
pecialmente em crianças e jovens, é limitada. Muitas informações causam
a alta ativação. Esse estado mental, decorrente do excesso de excitação

61
do sistema nervoso central, inibe a aprendizagem. Schimidt e Wrisberg
(2001) preconizam que a alta ativação provoca o estreitamento perceptivo,
levando as pessoas a perderem certos tipos de informação. Também de-
vemos considerar que a capacidade de atenção do ser humano é seriada,
pois focalizamos uma informação de cada vez. Dessa forma, os professores
deveriam restringir suas informações para os aspectos mais relevantes na
produção do movimento relacionados com cada estágio da aprendizagem.
O feedback dde acerto, ou seja, as informações que ressaltam os aspectos
da habilidade realizados com êxito pelo aprendiz, é benéfico à aprendiza-
gem. No início da aprendizagem, esse tipo de informação desempenha uma
função motivadora, contibuindo para incentivar o aprendiz na execução
da habilidade trabalhada. Para Schimidt e Wrisberg (2001), durante o pro-
cesso de aprendizagem das habilidades motoras, o professor deve admitir
uma margem de tolerância em relação aos erros, e as execuções que não
ultrapassem essa margem (parâmetro) podem ser consideradas como ten-
tativas bem-sucedidas, devendo ser incentivadas. Esse autor propõe que,
para cada quatro feedbecks de erro – informação que ressalta as falhas na
execução da habilidade – o professor deve fornecer um feedback de acerto.
As informações breves são mais eficentes no início da aprendizagem. Elas
devem ser curtas e constituídas de poucas palavras (MAGILL, 2000).
No início do processo de aprendizagem motora, o feedback prescritivo
é mais eficiente do que o feedback descritivo. Segundo Schimidt e Wris-
berg (2001, p. 284), o primeiro tipo de feedback “[...] descreve os erros co-
metidos pelos indivíduos durante o desempenho da habilidade e sugere
algumas dicas que o aprendiz deveria fazer para corrigir esses erros”, já o
segundo tipo apenas descreve os erros.

62
63
ALGUMAS PALAVRAS
ANTES DE TERMINAR
Ao longo deste fascículo e dos nossos en- venciados, experimentados, confrontados com as
contros virtuais, discutimos muitos conceitos e demandas concretas encontradas no cotidiano da
pressupostos relacionados com o campo do com- prática pedagógica de vocês e isso leva tempo, não
portamento motor. Talvez a grande quantidade está circunscrito nos moldes de uma disciplina de
de informações trabalhadas nessa disciplina te- 60 horas. Por isso, muito mais do que trazer so-
nha deixado muitos de vocês perplexos, sem sa- luções prontas, a minha intenção foi desafiá-los,
ber o que fazer com elas. Não tenho nehuma apresentando um amplo corpus de conhecimen-
pretensão de que vocês terminem esta etapa do- tos relativos ao campo do comportamento motor.
minando todas as informações apresentadas. O contato com o novo potencializa o nosso desen-
Aliás, concordo com Bondía (2002), que diz volvimento, pois nos desestabiliza e faz com que
que as informações só se transformam em co- busquemos caminhos para solucionar os problemas
nhecimentos quando são mediadas pela experi- impostos.
ência. Informação é o que passam para a gente, Além disso, compartilho com a ideia de consumo
enquanto conhecimento é o que se passa com a produtivo, proposta por Certeau (1994). Para esse
gente. Por isso, para que os pressupostos aqui autor, os dispositivos culturais não são assimilados
trabalhados sejam úteis, eles precisam ser vi- passivamente pelos sujeitos. À sua maneira cria-

64
tiva e inovadora, os praticantes do cotidiano res- As várias comunidades de saber têm,
significam as informações que lhes são passadas assim, uma aptidão notável para ne-
ao seu próprio favor, ou seja, eles se apropriam dos gociar sentidos, encenar presenças,
bens culturais (informações) de acordo com as suas dramatizar enredos, amortizar diferen-
possibilidades e contingências. Dessa forma, cabe a ças, deslocar limites, esquecer princí-
vocês decidirem o que é importante aproveitar das pios e lembrar contingências. É nisso
discussões aqui empreendidas, dando a elas signi- que reside sua dimensão utópica e
ficados singulares no contexto de inserção das suas emancipadora num mundo saturado de
práticas pedagógicas. demonstrações científicas, de necessi-
Despeço-me de vocês não com a sensação de fim dades técnicas e princípios sem fim.
de uma relação pedagógica, mas com a perspectiva
de ampliação de uma rede dialógica, de uma co-
munidade discursiva, em que os sujeitos interagem Um grande abraço a todos(as) e espero, em breve,
para solucionar os problemas que afligem a seu co- revê-los pessoalmente.
tidiano profissional. Como nos diz Boaventura de
Souza Santos (1989, p. 155):

65
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André da Silva Mello
Possui licenciatura plena em Educação
Física pela Universidade Federal do Espírito
Santo (1993); Especialização em Educação
Física Escolar pela Universidade Federal
do Espírito Santo (1994); Mestrado em
Psicologia da Educação pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo
(1999); e Doutorado em Educação
Física pela Universidade Gama Filho/
RJ (2007). Atualmente é professor do
Centro de Educação Física e Desportos da
Universidade Federal do Espírito Santo;
Pesquisador do grupo de pesquisa em
Educação e Educação Física Proteoria
(UFES); e do grupo Semiótica das Atividades
Humanas (UGF); Pesquisa os seguintes
temas: Educação Física na Educação
Infantil; Intervenção da Educação Física
nos Projetos Sociais; Representações sobre
atividades físicas e esportivas.

69
www.neaad.ufes.br
70
(27) 4009 2208

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