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Em um de meus estudos sobre temas em psicologia acabei conhecendo o interessante blog de uma

psicóloga de Curitiba, a professora Ana Luisa Testa (Terapia em Dia). Cheguei até o blog da professora
Ana Luisa ao fazer uma pesquisa sobre o arquétipo do Trickster, e caí diretamente em um texto sobre o
tema (O arquétipo do Trickster - O pregador de peça).
Gostei muito da definição que Ana Luisa deu para arquétipo, clara e simples. Vamos a ela:  Arquétipos
seriam como imagens que residem dentro da estrutura do inconsciente coletivo, seriam como modelos
de comportamento humano herdados psicologicamente. Temos vários deles: o herói, a mãe, o pai, o
curador, o salvador, o deus, o diabo, etc. e esses modelos configuram a forma que nos relacionamos
com o mundo.
De certa forma, todos nós temos uma ideia do que representam essas figuras que são chamadas
arquetípicas, e suas imagens costumam ser muito semelhantes ao longo da história da humanidade. O
arquétipo da mãe, a representação psicológica da figura materna, é ainda hoje praticamente a mesma
desde o início das civilizações. 
O arquétipo do trickster (trapaceiro, louco, brincalhão, pregador de peças), foi descrito por Carl Gustav
Jung em um ensaio publicado no livro Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Trata de uma imagem
arquetípica, que pode ser encontrada em diversos mitos das mais variadas civilizações. Hermes, na
Grécia como um deus astuto e pregador de peças, Loki, nos países nórdicos, um deus anárquico que
trama contra os demais deuses, Exu no sincretismo religioso brasileiro como um agente de uma nova
ordem, e ao longo da história da humanidade como bobos da corte, palhaços, malandros e bufões que
que já eram descritos no Egito antigo, na China, no Tibet. 

Em seu ensaio Jung cita situações em


que o arquétipo do trickster surge: Em contos picarescos, na alegria desenfreada do carnaval, em
rituais de cura e magia, nas angústias e iluminações religiosas, o fantasma do "trickster"se imiscui em
figuras ora inconfundíveis, ora vagas, na mitologia de todos os tempos e lugares (OC 9/1 - parágrafo
465). 
O trickster, para ficar mais claro para o leitor, é um agente da desordem para gerar uma nova ordem, do
caos (como cita a própria Ana Luisa Testa em seu já referido texto sobre o tema), da brincadeira, da
falta de sentido, da irracionalidade. De certa forma, quando o trickster manifesta, normalmente é para
questionar o momento em que vivemos e causar uma transformação.
Jung segue conduzindo seu ensaio para uma temática que se aproxima do campo da saúde humana
quando diz: Considerada sob o ângulo causal e histórico, a origem da figura do "trickster" é
praticamente incontestável. Tanto na psicologia como na biologia, não podemos negligenciar ou
subestimar a resposta à indagação acerca so porquê de uma manifestação, embora em geral ela nada
nos ensine sobre seu sentido funcional. Por isso, a biologia não deveria jamais renunciar à indagação
do para que, pois é só através da resposta a ela que o sentido do fenômeno se revela. Até mesmo na
patologia, quando se trata de lesões insignificantes, a observação exclusivamente causal mostra-se
inadequada, uma vez que inúmeros fenômenos patológicos só revelam seu sentido quando inquirimos
quanto a seu propósito (OC 9/1 - parágrafo 465). 

Retrato do Saci - J Marconi


Em medicina, a pergunta sobre o por que uma doença surge é algo que exige uma resposta médica
sobre a causa do problema. Quando atendo meus pacientes, vejo intensamente seus desejos por
explicações sensatas, coerentes e científicas sobre o porque de estarem vivenciando suas quedas de
cabelo. 
Na medida que me aprofundo nos conhecimentos sobre a psiquê humana, mais entendo que as doenças
tem mais do que uma causa a ser combatida. Elas tem um propósito. É aqui que cabe a pergunta
sugerida pelo doutor Jung: para que? 
Ao médico a sugestão seria entender, em parceria com seu atendido, para que o paciente está
vivenciando a manifestação clínica? Qual o sentido, o significado, da doença? O que ela precisa
mostrar ao paciente e que transformação ela precisa produzir em sua vida. 
Há muito de trickster na queda capilar. Um sinal clínico que desestrutura os mais fortes alicerces de
quem sofre com o problema. A queda de cabelo é um agente de desordem, do caos, da falta de sentido,
da irracionalidade. Eis aqui o pregador de peças cumprindo seu papel. 
Segundo Jung, há também um
pouco de curador em trickster (OC 9/1 - parágrafo 457). E é aqui que passo a crer que o paciente que
entende o trickster que está agindo em sua vida criando desordem, doença ou desconforto, de certa
forma, pode ter uma revelação de para que o sintoma se manifestou. 
O paciente, ou a pessoa que vivencia um momento em que o trickster parece estar presente deveria se
perguntar: Para que estou vivendo isso? E, através de uma intensa reflexão, buscar revelar o sentido
para o qual a desordem e o caos parecem existir no momento e na hora que surgem. 
Afinal, para que você está perdendo cabelos?

OUYTRO SITE:

https://spsicologos.com/2018/07/29/o-querido-agente-do-caos-chamado-
trickster/

O Querido Agente do Caos


Chamado Trickster
29 de julho de 2018 sociedadedospsicologos Sem categoria

Preâmbulo
Este texto faz parte de uma apresentação de trabalho
acadêmico, que realizei em 2015, com o tema “o arquétipo do
trickster e a figura do saci”, pela disciplina de Teoria e
Técnica Analítica, do Curso de Psicologia, das Faculdades
Metropolitanas Unidas (FMU). Foi revisado e ampliado para
as finalidades desta publicação.

O Mito do Heroi e o Mito do Trickster


O trickster é um objeto de estudo de muitas áreas, como a
mitologia, religião, antropologia, psicologia, e até o cinema.
Para contextualizar os estudos mais relevantes sobre o
trickster, vamos começar fazendo alguns recortes. Um militar
britânico pré-junguiano, chamado Lord Raglan, disse, após ter
estudado mitologia e se aventurado pela poesia, em meados do
século XIX, que o mito do herói representaria o homem
tornando-se Deus. Neste caso, podemos entender o mito do
herói como a busca pelo sagrado, isto é, há um chamado –
geralmente divino – direcionado a um homem comum que se
encontra, inicialmente, em sua zona de conforto e é impelido a
se separar dela para iniciar uma jornada que, de uma forma
resumida, quase vai matá-lo, sendo que o mesmo vai ou
enfrentar e derrotar essa morte ou retornar do mundo dos
mortos. Ambas as formas vão culminar com o retorno do herói
ao seu local inicial de partida, onde, desta vez, seu estatuto não
é mais de um homem comum.
E por que estamos falando do mito do herói? Bem, uma das
coisas que este Lord Raglan observou em seu estudo, foi que,
sobre a infância do herói, não nos é dito nada. É um espaço
vazio. E a sugestão dele, é que ali se esconde o mito do
Trickster.

A Função do Trickster

The Trickster,
por Mel Ramos, 1962.
Então, o que seria o trickster? De acordo com alguns
dicionários e traduções literais, podemos chamá-lo de
trapaceiro, malandro, impostor, vigarista, intrujão,
embusteiro e até pícaro. Mas não devemos confundi-lo com o
vilão. O vilão ocupa um outro lugar no mito do herói e possui,
além de outras características, outro objetivo ou outra função.
“Aqui vale a pena fazer uma pausa para explicar que o Diabo e
o trickster não são a mesma coisa, embora tenham sido
confundidos com frequência.* Os que os confundem o fazem
porque deixaram de perceber a grande ambivalência do
trickster. O Diabo é um agente do mal, mas o trickster
é amoral”.
(Hyde, 2017, p. 20)
Sendo assim, antes de entrarmos nas características e funções
do trickster, eu vou trazer um outro recorte teórico que vai
complementar a explanação anterior sobre o mito do herói e
preparar o terreno para compreendemos melhor a figura do
trickster.

Jung e Campbell

Carl G. Jung
É sabido que Carl G. Jung foi um nome de referência no
estudo da mitologia e dos arquétipos e, tendo contato com este
trabalho, um estudioso norte-americano chamado Joseph
Campbell sentiu-se levado a fazer uma análise profunda das
ideias deste psicólogo suíço, produzindo um trabalho
riquíssimo conhecido como monomito ou a jornada do herói.
Trata-se esta, de uma visão do fenômeno mitológico, apoiada
no método estruturalista, ao passo que vai afirmar que existem
padrões, ou seja, estruturas universais que alicerçam todas as
narrativas. A tese do autor é de que todos os mitos seguem
essa estrutura em algum grau. Isto é, as histórias de Prometeu,
Osíris, Buda, Jesus Cristo, todas seguem este paradigma quase
exatamente. Em 1949, Campbell publicou o livro “O Herói de
Mil Faces”, em que demonstra que cada herói adquire a face
de sua cultura específica, mas sua jornada é sempre a mesma,
vivendo sempre o mesmo mito, um “monomito”. Então vamos
descobrir que jornada é essa! Lembrem-se que os personagens
principais dividem-se em: protagonistas, que agem e fazem
as  coisas acontecerem, e os antagonistas que assumem uma
posição oposta aos primeiros – é o clássico conflito de luz x
sombra.

Renart the fox, por Ernest


Griset, 1869.
Os 12 Estágio da Jornada do Heroi
1. “Mundo Comum – O mundo normal do herói antes da
história começar.
2. O Chamado da Aventura – Um problema se
apresenta ao herói: um desafio ou a aventura.
3. Reticência do Herói ou Recusa do Chamado – O
herói recusa ou demora a aceitar o desafio ou aventura,
geralmente porque tem medo.
4. Encontro com o mentor ou Ajuda Sobrenatural –
O herói encontra um mentor que o faz aceitar o chamado e o
informa e treina para sua aventura.
5. Cruzamento do Primeiro Portal – O herói
abandona o mundo comum para entrar no mundo especial ou
mágico.
6. Provações, aliados e inimigos ou A Barriga da
Baleia – O herói enfrenta testes, encontra aliados e enfrenta
inimigos, de forma que aprende as regras do mundo especial.
7. Aproximação – O herói tem êxitos durante as
provações
8. Provação difícil ou traumática – A maior crise da
aventura, de vida ou morte.
9. Recompensa – O herói enfrentou a morte, se sobrepõe
ao seu medo e agora ganha uma recompensa (o elixir).
10. O Caminho de Volta – O herói deve voltar para o
mundo comum.
11. Ressurreição do Herói – Outro teste no qual o herói
enfrenta a morte, e deve usar tudo que foi aprendido.
12. Regresso com o Elixir – O herói volta para casa com o
“elixir“, e o usa para ajudar todos no mundo comum.”

(Adaptado por C. Vogler, sobre os trabalho de Campbell)


Exemplos clássicos de utilização da Jornada do Heroi no
cinema são: Star Wars; O Senhor dos Anéis; Harry Potter; O
Mágico de Oz; Matrix; O Rei Leão; entre outros…

O Agente do Caos Encarnado


Trickster, por Pabel&9.
Dentro desta estrutura, vai aparecer o trickster, que sempre
vai trazer a questão de rever o status quo – isto é, como as
coisas eram antes de sua aparição. Este arquétipo carrega em
si o desejo de mudança da realidade. A sua função é acordar o
Herói para a realidade, denunciando a hipocrisia e as
incoerências. Para acontecer o ciclo heroico, deve aparecer o
trickster em algum momento. Ele é o deus das encruzilhadas,
do comércio, da malícia; a representação física de
aleatoriedade, é um agente do caos. Muitas vezes ele prega
peças em outro – seja ele humano, deus ou até elemento da
natureza. Mas além disso, o trickster também é o portador do
conhecimento, ele rouba o fogo dos deuses, e é alguém que por
quebrar as regras, cria novas.
Suas encarnações são, entre outros Mercurius, Hermes e
Prometheus em Roma e Grécia antiga, Eshu e Anansi na
África, na mitologia nórdica é Loki, e na brasileira seria tanto o
Curupira quanto o Saci-Pererê e assim por diante de cultura
em cultura. Na televisão, podemos citar, por exemplo, o
Pernalonga, o Pica-Pau, o Máscara, a Pantera cor de rosa,  o
Gato Felix, o Doutor de Doctor Who, o Coringa do Batman, o
Groot dos Vingadores, o R2-D2 de Star Wars, o Didi de Os
Trapalhões.

Trickster, por
Bill Lewis, 1992.
Jung estudou o trickster como um arquétipo humano básico.
Ele acreditava que era parte do inconsciente coletivo
compartilhado pela raça humana. Ele supôs que o trickster
estaria  representado pela nossa própria natureza básica, o
animal que tínhamos deixado para trás e como nós
aprendemos a dominar ferramentas e fogo. Dentro da
psicologia o trickster tem sido visto como uma espécie de id,
ou, em se tradando de Jung, uma sombra de nossa
verdadeira natureza. O que nos faz voltar para o começo do
texto, colocando o trickster na lacuna, na sombra do herói. “O
trickster é ao mesmo tempo criador e destruidor, doador e
negador, ele engana os outros e está sempre enganando a si
mesmo”.
“Em contos picarescos, na alegria desenfreada do carnaval, em
rituais de cura e magia, nas angústias e iluminações religiosas,
o fantasma do “trickster” se imiscui em figuras ora
inconfundíveis, ora vagas, na mitologia de todos os tempos e
lugares , obviamente um “psicologema”, isto é, uma estrutura
psíquica arquetípica antiqüíssima. Esta, em sua manifestação
mais visível, é um reflexo fiel de uma consciência humana
indiferenciada em todos os aspectos, correspondente a uma
psique que, por assim dizer, ainda não deixou o nível animal”.
(Jung, 2000, p. 256)

Referencias
Campbell, J. (1989). O herói de mil faces. São Paulo:
Cultrix/Pensamento.
Hyde, L. (2017). A astúcia cria o mundo. Trickster: trapaça,
mito e arte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
Jung, C. G. (2000). Os arquétipos e o inconsciente coletivo.
Petrópolis: Vozes.
Radin, P. (1956). The trickster: a study in american indian
mythology. New York: Schocken Books.

OUTRO:

https://www.ligajunguiana.com.br/post/o-arqu%C3%A9tipo-trickster

kaueluizdavid



o 1 de Nov de 2019
o
o 6 minutos para ler

O Arquétipo Trickster
Atualizado: Mai 18
Após algumas inspirações, decidi falar sobre esse que é um dos arquétipos
que mais chama a atenção dentro de estudos psicológicos e também
antropológicos. Vamos falar um pouco hoje sobre o contorno arquetípico do
trickster e suas características nas mitologias e breves correlações com a
psicoterapia analítica.
"O "trickster" é um ser originário "cósmico", de
natureza divino-animal, por um lado, superior ao
homem, graças à sua qualidade sobre-humana e, por
outro, inferior a ele, devido à sua insensatez
inconsciente." (Jung, OC, Vol 9/1)

Muitas vezes retratado de um palhaço a um sábio, o trickster se faz presente


em diversas mitologias e folclores das mais diversas culturas. Com sua
ironia, senso de humor e astúcia, ele distorce tudo aquilo que se imagina ser
possível e apresenta uma nova ordem através de sua figura muitas vezes
caótica. Como a carta O Louco do tarô, é alguém que vê o mundo de cabeça
para baixo, uma lógica invertida, percebe as coisas como ninguém mais,
conseguindo ir e vir dos lugares mais inusitados, sendo alguém que transita
com tranquilidade entre o submundo e caminha por travessias impossíveis,
um quebrador/formador de regras, sempre levando as histórias ao inesperado
em toda narrativa que se faz presente.

"...o "trickster" continua a ser uma fonte de


divertimento que se prolonga através das civilizações,
sendo reconhecível nas figuras carnavalescas de um
polichinelo e de um palhaço." (Jung, OC, Vol 9/1)

Estamos falando de um personagem plural e multifacetado; tanto que outro


de seus aspectos é o de ser um transmorfo, ou seja, um ser capaz de assumir
várias formas, seja de um homem, mulher, criança, velho ou animal, como
encontramos, por exemplo, na mitologia nórdica e seu deus Loki, o deus da
mentira, trapaça e magia, tendo assumido várias formas em suas muitas
histórias com a intenção de gerar certos acontecimentos em determinados
contextos, todos com a intenção de provocar mudanças, chocar o público,
gerar conexão com o novo. Muitos personagens em outras culturais tem a
forma animal, como é o caso do Coiote, da Raposa e do Corvo.

“O trickster é o idiota criativo, portanto, o tolo sábio, o


bebê de cabelos grisalhos, o travesti, o que profere
profanidades sagradas.” (HYDE, Lewis, p. 17)
Segue sua própria linha de conduta, vivencia seus desejos, faz suas
travessuras, envolve-se em situações complicadíssimas por causa disso, que
resolve não com a força do herói, mas sua astúcia e malandragem, por isso o
mesmo é considerado em certas literaturas como um "herói negativo", longe
de ser um cavaleiro nobre e honrado. Aqui já podemos começar a inferir a
importância de experiências tricksters dentro da clínica, pois são as
inversões e torções que mostram à rigidez do ego que nem tudo pode/deve
ser do jeito que o "eu" almeja. Muitas vezes é justamente o sintoma, aquilo
que nos aflige, mais uma armadilha trickster da psique que nos coloca em
uma posição inusitada, nos fazendo perceber as coisas por novas
perspectivas.

Se observarmos exemplos de personagens tricksters de diversas mitologias,


como Exu na mitologia Yorubá, Ganesha na mitologia Hindu, Tote na
mitologia egípcia, Hermes na mitologia grega, são deuses ligados ao
conhecimento, sabedoria, estradas, caminhos, sorte, viagens, encruzilhadas e
comunicação. Psicologicamente falando, o fenômeno trickster é aquele que
nos coloca diante de nossas fronteiras egoicas, comunica os aspectos da
sombra psíquica, nos levando ao encontro do Outro e propondo diálogo
(amistoso ou não), possibilitando uma transcendência, um ir além dos
limiares conhecidos pela consciência, se nos empenharmos a debruçar sob
os conteúdos apresentados, muitas vezes, de maneira obscena.

“O trickster é a corporificação mítica da ambiguidade e


ambivalência, da dubiedade e da duplicidade, da
contradição e do paradoxo.” (HYDE, Lewis, p. 17)
Quando sofremos de ansiedade ou depressão, a primeira reação do ego é
buscar resolver e extirpar toda a qualquer sensação tida como negativa,
como o herói que quer derrotar a todos os seus inimigos. Mas se toda
expressão psíquica diz algo sobre a psique, o que nossos sintomas e dores
estariam falando da nossa alma? Seria essa mais uma armadilha do trickster?
Aqui, podemos apostar que sim, pois o trickster nos lembra que existe
necessidade em tais expressões desprazerosas, que diante da busca por
resoluções, devemos primeiro nos questionar, olhar por outras vias, adotar
uma perspectiva mais cômica, lúdica, humorada, para reconhecer e acolher a
dor que sentimos para assim tomarmos um novo rumo, adotar uma nova
lógica, algo que somente essa ruptura proporciona, essa quebra de
paradigma que os aspectos tricksters da psique é capaz de realizar.

Diante de encruzilhadas psíquicas, esses movimentos trickster estão no dia a


dia, seja num tropeço que nos faz atrasar para o trabalho e tal atraso
reverbera numa série de consequências, ou mesmo a chave que esquecemos
e temos que voltar para casa e no caminho vemos lugares antes não vistos,
cruzamos com pessoas novas, chegamos em casa e encontramos algo
perdido enquanto procuramos a chave, isso tudo é a alma do mundo nos
mostrando como não temos controle algum sob a vida, mas a vida tem sob
nós e como podemos (e não podemos) lidar com isso, diante dessas
travessuras trickster da alma.

Sabendo que o trickster, em toda sua errância, segue uma lógica própria,
jamais a estabelecida pela norma vigente, pode-se dizer que ele não é um
fruto do meio mas, sim, uma extensão da psique coletiva; ele é justamente o
agente que quebra com a norma do meio, questiona com toda a sua
sagacidade aquilo que se conhece conscientemente. Um fato importante é
relatar que muitos dos personagens tricksters são retratados como homens.
São raríssimas as personagens tricksters femininas, um exemplo seria no
folclore japonês a raposa Kitsune, animal capaz de assumir forma humana,
normalmente belas mulheres que enganam as pessoas e também podem ser
fiéis guardiãs de templos sagrados.

"Todos os tricksters-padrão são masculinos. Há três


razões relacionadas para que isso aconteça. Primeiro,
esses tricksters podem pertencer a mitologias
patriarcais [...] Em segundo lugar, pode ser que haja
um problema com o próprio padrão; pode haver
tricksters femininas que foram simplesmente
ignoradas. Por fim, pode ser que as histórias de
trickster articulem alguma distinção entre homens e
mulheres, de forma que até mesmo em um cenário
matriarcal essa figura seria masculina." (HYDE,
Lewis, p. 479)
Importante destacar que muitos personagens podem ter atitudes e momentos
tricksters mas, ainda assim, não são uma personificação trickster, da mesma
forma que um sujeito pode ter um momento de agressividade, mas isso não
o torna uma pessoa predominantemente agressiva.

Por exemplo, quando Hércules está realizando seus famosos 12 trabalhos, o


penúltimo requer que o herói consiga uma maçã, algo que demanda o favor
do titã Atlas, que segura o mundo em suas costas. Hércules faz um acordo
com Atlas, enquanto o titã pega a maçã, Hércules o substitui segurando o
mundo. Ao retornar, Atlas decide que não entregará a maçã pois se vê
finalmente livre de seu castigo, mas Hércules é astuto e o engana, fazendo
com que o titã retorne a sua tarefa, conseguindo o que quer e seguindo com
sua jornada.

Não é por esse ato singular que Hércules se torna um trickster, mas mostra
que este arquétipo é um aspecto que habita o próprio herói, faz parte da
realidade da psique coletiva. E já que falamos de psique coletiva,
encontramos tricksters em praticamente qualquer narrativa, como o Saci
Pererê e sua astúcia no folclore tupi-guarani; Zé Pelintra e sua malandragem
como figura popular afro-brasileira.

Na própria cultura pop contemporânea, personagens como o Pernalonga que


sempre se safa dos problemas; Jack Sparrow com toda a sua esperteza e
imprevisibilidade; Tom Bombadill em Senhor dos Anéis e suas habilidades
sobrenaturais; Deadpool e sua amoralidade e constante quebra da quarta
parede.

Popularmente associa-se também a figura do Coringa, vilão do universo do


Batman, como um exemplo de trickster, mas isso já é algo que gostaria de
abrir para discussão no próximo texto que estou escrevendo sobre o
personagem que em breve estará disponibilizado.

Agradeço por terem lido até aqui, finalizo com uma última citação que
dialoga perfeitamente com o vídeo na sequência, aonde vemos o deus
africano Anansí, senhor das histórias, dando o exemplo de como um
trickster age dentro de uma narrativa. Aproveitem!

“Quando a concepção de alguém o deixa incapaz de


agir, o trickster surgirá para sugerir uma ação amoral,
algo certo/errado que porá a vida novamente em
marcha.” (HYDE, Lewis, p. 17)
Wikpedia

Um trickster é, na mitologia, e no estudo do folclore e religião, um deus, deusa, espírito,


homem, mulher, ou animal antropomórfico que prega peças ou fora isso desobedece
regras normais e normas de comportamento.
Enquanto o malandro cruza várias tradições culturais, há diferenças significantes entre
malandros nas tradições de muitos povos indígenas e aqueles na tradição
euroamericana.
Mitologia[editar | editar código-fonte]
O trickster quebra as regras dos deuses ou da natureza, às vezes mal-intencionado (por
exemplo, Loki), mas, normalmente, ainda que involuntariamente, em última análise, com
efeitos positivos. Frequentemente, a quebra das regras toma a forma de um "truque"
(daí o termo, "trickster", que significa "pregador de peças"). O trickster pode ser astuto
ou tolo, ou ambos. Frequentemente são engraçados e cômicos, mesmo quando
considerados sagrados. Um exemplo é o Heyoka sagrado, cujo papel e lançar truques e
jogos e, por isso, aumenta a consciência e atua como um equilibrador.
Em muitas culturas, (como podemos observar na grega, na norueguesa ou em contos
eslavos) o trickster e o herói civilizador são frequentemente combinados. Como
exemplo: Prometeu é um herói cultural pois roubou o fogo dos deuses e entregou ao
homem, dando origem à civilização. No entanto, não é um herói trickster ou trapaceiro
típico. Em muitas das mitologias dos povos nativos norte-americanos, as Primeiras
Nações, o Coiote (Sudoeste dos Estados Unidos) ou Corvo (litoral noroeste do pacífico,
Columbia Britânica, Alasca e extremo oriente russo) roubou o fogo dos deuses (estrelas,
lua, e / ou sol) e são mais Malandros (tricksters) do que heroicos. Isto é principalmente
devido a outras histórias que envolvem esses espíritos: Prometeu era um Titã, enquanto
o Coiote e Corvo são geralmente vistos como palhaços e brincalhões. Exemplos de
malandros (tricksters) nas mitologias do mundo são dadas por Hansen (2001), que
lista: Mercúrio na mitologia romana, Hermes na mitologia
grega, Exu na Cosmovisão iorubá e Wakdjunga na mitologia Winnebago. Mircea Eliade
mostra que o Malandro, por sua característica de burlar os limites, é frequentemente
andrógino (masculino e feminino ao mesmo tempo - o que não se equivale a
homossexualidade), como o Shiva indiano.
Frequentemente a figura do trickster pode mudar de gênero e de forma, alterando seu
papel sexual. Nas mitologias dos Povos Nativos Americanos, ou Primeiras Nações,
chega mesmo a engravidar, onde se diz ter uma dupla natureza espiritual. Para Jung, tal
simbolismo se refere à harmonização psíquica de Animus e Anima (imagens internas da
Psiquê para masculino e feminino), dinâmica importante no processo de individuação.
Loki, o trickster nórdico, também troca de sexo. Curiosamente, ele compartilha a
capacidade de alterar os sexos com Odin, o deus nórdico que preside ao panteão, que
também possui muitas características tricksters (malandro). No caso da gravidez de
Loki, ele foi obrigado pelos deuses a parir um gigante, ele resolveu o problema ao se
transformar em uma égua e atrair o cavalo mágico do gigante para longe. Voltou algum
tempo depois com uma criança que tinha dado à luz, o cavalo de oito patas Sleipnir, que
serviu como montaria a Odin.
Em algumas culturas, podemos encontrar os mitos da dualidade, como dois demiurgos
que criam o mundo, ou dois heróis civilizadores - de modo complementar. Cosmologias
dualistas estão presentes em todos os continentes habitados e mostram uma grande
diversidade: podem apresentar dois heróis culturais, mas também demiurgos
(exemplificando um mito da criação dualista, neste último caso), ou outros seres, os dois
heróis podem competir ou colaborar, podendo ser concebidos como neutros ou
contrapostos como "bem contra o mal", seja da mesma importância ou distinguidos
"como poderoso versus fraco"; podem ser irmãos (mesmo gêmeos) ou não. Entre os
Romanos, o exemplo é o mito de Cástor e Pólux. Entre os Nagõ-Iorubá, Exu é uma
figura tipicamente trickster. Sua mitologia está na raiz da figura do malandro carioca,
com sua navalha lenço de seda e seu terno branco. Exu é frequentemente considerado
andrógino. A dualidade também se apresenta como uma espécie e "ambiguidade" que
lhe é característica. Em uma narrativa, no qual é figurado como uma criança travessa,
Exu veste um chapéu metade azul e metade vermelho. Ao passar entre dois
agricultores, um pergunta ao outro "você viu aquele menino de chapéu vermelho", ao
que o outro responde "não, eu vi um menino de chapéu azul" - e ambos começam a
brigar enquanto Exu se diverte. Em outra narrativa, colhida pela tradição oral de Mestre
Didi, Exu é um homem que veste um traje dividido em vermelho e preto e passa por dois
amigos que nunca brigaram e pela divergência no que tinham visto acabam brigando [1].
Exu é o orixá mensageiro, ligando homens e deuses. É o transportador do axé (energia)
e mobilizador de tudo que existe. Enquanto movimento, é a própria vida e a dinâmica do
mundo, sobretudo relacionado ao imprevisto e ao acidente (daí a ginga, o improviso e o
drible, característicos das expressões afro-brasileiras).
Na cultura de massa de origem norte-americana, são expressões do trickster: o
Pernalonga, o Pica Pau e O Máscara.

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