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O Diálogo Como Princípio Pedagógico - Elli Benincá
O Diálogo Como Princípio Pedagógico - Elli Benincá
Elli Benincá
Introdução
Relações pedagógicas
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Publicado originalmente in: FÁVERO, Altair; TROMBETTA, Gerson Luís; RAUBER, Jaime José
(Orgs.). Filosofia e Racionalidade. Festschrift em homenagem ao 45 anos do curso de Filosofia da
Universidade de Passo Fundo. Passo Fundo: UPF, 2002, p. 107-117.
trabalhos inverter a ordem das exposições, e meu amigo Jota, também, achou natural que
assim o fosse.
Por isso, a desigualdade entre professor-aluno passa a ser uma exigência requerida
pela instituição escolar. Não se trata de uma atitude voluntária do professor ou do aluno,
mas de uma exigência institucional. A instituição, na medida em que estabelece a
diferenciação entre professor e aluno, caracteriza a desigualdade entre um e outro e impõe
ao primeiro a investidura da autoridade. Deduz-se dessa observação que a relação
assimétrica entre professor-aluno é relativa a uma instituição, ou a outro fator. Em nosso
caso, a referência que permitiu a diferenciação foi a sala de aula.
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O consenso a que nos referimos é próprio do senso comum; não se trata de um consenso fruto de um
diálogo, mas de opiniões não refletidas.
e posso prende-lo. Lá na sala de aula o senhor pode me fazer repetir a disciplina, porque
o senhor tem poder e eu sou aluno”. A inversão da assimetria é possibilitada pela
instituição de referência. O professor detém a autoridade relativamente à instituição
escolar, mas, frente à instituição policial, é um cidadão comum. O policial, frente a sua
instituição, detém o poder de prender o professor, porém, na condição de aluno,
dependeria da avaliação do professor para ser aprovado.
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A análise da simetria na relação entre os diversos papéis institucionais tem como referência a instituição
como fonte de poder. Admitir tal pressuposto não significa aceitar a instituição como legítima por si mesma.
A legitimidade da instituição é concedida pelas necessidades que produziram e geraram suas finalidades.
Enquanto as necessidades persistirem, a instituição com seus papéis tem a legitimidade garantida, desde
que atenda as finalidades para as quais foi criada.
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Max Weber, em sua obra Sociologia (p. 128-141), fala de três tipos puros de dominação legítima: domínio
legal, tradicional e carismática. São três modos autoritários de exercer o poder. A respeito da dominação
carismática, tenho manifestado meu ponto de vista num artigo sobre o exercício do poder publicado na
revista Caminhando com o Itepa (p. 33-42), no qual é avaliado o poder conquistado.
Os papéis são a vida da instituição, que é definida como um conjunto de papéis.
Quando alguém é investido num papel, tem por objetivo exercer as funções inerentes ao
papel. Nesse sentido, o papel transforma-se num encargo, ou seja, num serviço. Ser
investido num papel institucional significa comprometer-se com as finalidades e objetivos
da instituição. Nas instituições maiores, como Universidade, República, Estado é muito
comum ouvir dos pretendentes a cargos institucionais expressões como: “sinto-me
honrado por ter sido eleito para o papel de...”; “a honra que me concederam para dirigir
esta instituição”. Parece que, nesses casos, se opera uma inversão na ordem dos sujeitos
do papel. Os investidos apropriam-se do papel, usurpando-o da instituição e, por causa
do poder inerente ao papel, instituem-se a si mesmos como papel. Esquecem-se de que o
investimento num papel institucional, antes de ser uma honraria é um serviço. O papel é
um poder-serviço, e não um status social. Os procedimentos referidos podem ser
definidos como “usurpação” e “corrupção”. O investido deixa de servir à instituição para
servir-se a si mesmo; a instituição passa a ser um mero instrumento a serviço do instituído.
Cria-se uma inversão de finalidades; enquanto investido, tinha a função de servir a
instituição, na medida, porém, em que usurpa o papel da instituição, esta passa a servi-lo.
O autoritarismo, por sua vez, não pode ser entendido como uma atitude
pedagógica decorrente da objetividade das relações assimétricas. Se a assimetria gerasse
atitudes, naturalmente, autoritárias, estaríamos nas malhas do determinismo pedagógico
e não haveria mais espaço para qualquer relação dialogal. A referência às relações
assimetricamente objetivas é a instituição e não o sujeito das relações. Se o papel, como
núcleo de poder, pertence à instituição e é gerador da assimetria, podemos entender que
a assimetria se fundamenta na instituição e, por isso, suas relações são objetivas. O
exercício do poder, porém, refere-se a uma relação entre sujeitos investidos em papéis
diferenciados, muitas vezes, geradores de desigualdades. Se aquele que ocupa um papel
com um núcleo de poder superior ao outro componente da relação, ao exercer sua
autoridade, assume como norma ética a manutenção da diversidade dos papéis,
certamente o exercício do poder será autoritário. A decisão de apelar para a instituição,
enquanto referência para poder exercer o poder de forma autoritária não é da natureza da
instituição, mas da vontade subjetiva da autoridade. Ora, tal atitude pode ser mais cômoda
para a autoridade, pois, apelando para a instituição como protetora, não se responsabiliza
pela sua decisão. Invoca a instituição como suporte e a assimetria na relação pedagógica,
como natural. A tendência da autoridade de jogar a responsabilidade para fora de si
mesma, para uma estrutura social ou para um neutro não só faz agir autoritariamente,
como também a torna irresponsável e aética.
O diálogo é aqui definido como uma relação entre sujeitos. Significa dizer que é
uma relação horizontal. Se a relação se estabelecer de forma assimétrica, assume a
dicotomia entre sujeito-objeto e não a dialogicidade de sujeito-sujeito. O diálogo é a
relação de um “eu” frente a um “tu”. Pressupõe-se, portanto, a existência de saberes nos
dois sujeitos que compõem os pólos da relação. O confronto de saberes, porém, requer
dos sujeitos a partilha da palavra e a concessão de que seus saberes não são absolutos. A
palavra não é concedida como no caso da relação sujeito-objeto, ou seja, professor-aluno.
É “proferida” em condições subjetivas de igualdade, mesmo que os sujeitos que a
proferem sejam investidos em papéis assimetricamente desiguais.
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O fenômeno da reificação é trabalhado por Lukács em sua obra história e consciência de classe (p. 97-
118) e por Peter Berger e Thomas Luckmann, na obra A construção social da realidade (p. 69-172).
“absoluta” segurança existencial. Como a objetividade parece oferecer maior segurança
do que a subjetividade e o diálogo se situa no campo da subjetividade, a tendência
individual é a de optar pelas estruturas que supostamente se apresentam como objetivas
e, por isso, geradoras de segurança. O diálogo, então, para instaurar-se e sustentar-se,
requer o rompimento permanente de tais condições reificadoras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENINCÁ, Elli. O exercício do poder. Caminhando com o Itepa. Passo Fundo, ano XIV,
n. 45, p. 33-42, jun. 1997.
BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Petrópolis:
Vozes, 1985.
LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe. Rio de Janeiro: Elfos, 1989.
WEBER, Max. Sociologia. São Paulo: Ática, 1989.