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Compreensão da Ocupação Humana: perspectiva

filosófica, social e evolutiva


Profª Zayanna C. L. Lindôso
Referência
Trujillo R. et al. Compreensão da Ocupação Humana. In: Rojas C. et al. Ocupación : sentido,
realización y libertad. Diálogos ocupacionales en torno al sujeto, la sociedad y el medio ambiente.
Bogotá: Universidad Nacional de Colombia. Facultad de Medicina. Departamento de la Ocupación
Humana, 2011.
Ocupação Filosofia, Ciências Sociais, Ciências Biológicas e
Ciência Ocupacional enriquecem a compressão
da Ocupação.
Ocupação: O que diziam os pensadores?

• Aristóteles (Estagira-Grecia, 384-322 a. C.)

Significado para o que se realiza. Valor


Ocupação simbólico, humanizador e relacionado
com a transformação do ser.
Ocupação: O que diziam os pensadores?
• Aristóteles (Estagira-Grecia, 384-322 a. C.)
Defendia a atividade de uma
Influenciou outros grandes pensadores pessoa livre (“Praxis”). 
como Tomás de Aquino, David Hume e apenas para cidadãos livres.
Immanuel Kant.

Trabalho Alienado  realizado Vida Contemplativa  forma mais


somente por escravos em Atenas. plena de práxis ou atividade que se
Trata-se de um trabalho repetitivo e dedica a busca pela verdade.
sem reflexão.
Ocupação: O que diziam os pensadores?

• Santo Tomás de Aquino (Roccasecca-Italia, 1225-1274)

Vida diária, vida


contemplativa, quietude
interior e conhecimento
espiritual são os pontos de
compreensão.
Ocupação
Ocupação: O que diziam os pensadores?
• Santo Tomás de Aquino (Roccasecca-Italia, 1225-1274)

Relações entre razão e fé X filosofia escolástica.


Ficou conhecido como o “Príncipe da Escolástica” por ser o maior
representante desta filosofia.
Buscou conciliar a filosofia aristotélica com a teologia agostiniana.

Concordava que a Vida Contemplativa era a forma mais elevada


da atividade humana. Possível graças a quietude interior e ao
conhecimento espiritual.
Ocupação: O que diziam os pensadores?

• Aristóteles (Estagira-Grecia, 384-322 a. C.)

Filosofia escolástica  Foi inspirada em Platão e Aristóteles e tem uma


fundamentação cristã que está baseada nas revelações da bíblia sagrada. Durou o
período da idade média e influenciou as disciplinas dadas nas universidades na época
medieval. O método consistia em leituras críticas e comparações dos pensamentos dos
autores e os documentos especialmente relacionados a igreja.
Ocupação: O que diziam os pensadores?

• Santo Tomás de Aquino (Roccasecca-Italia, 1225-1274)

Reconheceu que a vida diária, a vida ativa era de grande valia e produzia bem-estar.

Esse valor só seria atribuído caso o foco da atividade fosse de fato o bem-estar e que o
indivíduo fosse capaz de controlar suas paixões e seu corpo.
Ocupação: O que diziam os pensadores?

• Spinoza (Ámsterdam-Holanda, 1632-1677)

Existe uma constante relação entre a tarefa humana e o bem-estar/mal-estar individual e


coletivo.

Ocupação: faz parte do fazer


humano  tarefa.
Ocupação: O que diziam os pensadores?

• Spinoza (Ámsterdam-Holanda, 1632-1677)

Foi o primeiro pensador moderno a demonstrar que a saúde e a doença mental são produtos de
boa e má vida respectivamente.

Define a atividade e a passividade como aspectos fundamentais do processo mental.

A atividade, a razão, a liberdade, o bem-estar, a alegria e a imperfeição estão relacionadas da


mesma maneira que a passividade, a irracionalidade, a submissão, a impotência e os esforços que
se opõe a natureza humana.
Ocupação: O que diziam os pensadores?

• David Hume (Edimburgo-Escocia, 1711-1776)

As impressões que temos do mundo são as únicas que contam para o conhecimento.

É através das impressões e sensações que obtemos o contato com os objetos do mundo
que formam as representações mentais e ideias.

Isto é, no que é feito na


Ocupação.
Ocupação: O que diziam os pensadores?

• David Hume (Edimburgo-Escocia, 1711-1776)

É o que mais nos leva a pensar sobre o


fazer habitual e o que há por trás das
experiências diárias da vida cotidiana.

Privilegia a percepção do mundo antes que


os pensamentos ocupem um espaço na
consciência.

A sensação é a causa direta da ideia que se


esconde na consciência.

Os sentimentos nos levam a ação  se opõe ao


pensamento racionalista (focado na razão, aspecto
racional do conhecimento).
Ocupação: O que diziam os pensadores?

• Immanuel Kant (Königsberg-Alemania, 1724-1804)

O que importa não é a ocupação em si mais a forma como a mente as interpreta.


Esse é um ponto de vista fundamental para a Ciência Ocupacional e na Terapia
Ocupacional.
Ocupação: O que diziam os pensadores?

• Immanuel Kant (Königsberg-Alemania, 1724-1804)

Se refere a natureza e à
Saber humano resposta da pergunta.
Razão Humana
O que posso saber?
O que posso fazer?
O que me é permitido esperar? É a atividade do homem.
Fazer Humano Diz respeito à sua
personalidade e liberdade.
Ocupação: O que diziam os pensadores?
• Immanuel Kant (Königsberg-Alemania, 1724-1804)

Reconheceu o pensamento empirista de Hume e foi mais


além ao ressaltar que se a base do conhecimento está só
na experiência, a conclusão é que não há conhecimento.

Introduziu então dois novos elementos ao


conhecimento: o componente sensorial e o
componente racional.
Ocupação: O que diziam os pensadores?
• Immanuel Kant (Königsberg-Alemania, 1724-1804)

Componente Sensorial: seguia os pensamentos de Hume.


Componente Racional: originário da própria mente. É dotada de conceitos que permitem a
organização do fluxo sensorial.
Para Kant a fraqueza de Hume é afirmar que o conhecimento depende somente da percepção
sensorial.
O pensamento necessita da percepção sensorial e dos conceitos que possuímos a priori que nos
permite entender as coisas.
• Karl Marx (Tréveris-Alemania, 1818-1883)

O trabalho representa a
A atividade consciente e livre é atividade humana e esta é a
o caráter da espécie humana. vida.

Parte da dialética de que é necessário


O foco é restaurar completamente a analisar as mudanças constantes dos
humanidade do indivíduo fenômenos que geram mudanças e
restaurando a atividade em todos os relações permanentes com outros
campos da vida.
fenômenos.

Aqui se tem então uma desconstrução do conceito de Ocupação  é vista como um fenômeno em mudança e
relacionado a história individual, sociocultural e ecológica de seus atores.
• John Dewey (Burlington-Estados Unidos, 1859-1952)

A mente não observa o mundo somente para


aprender sobre ele, mas, inicia um processo de
análise dos obstáculos em relação ao sucesso da
Pragmatismo associado com a teoria construtivista ação humana. Ela prossegue para testar sua
da aprendizagem. hipótese e depois readapta o organismo ao meio
ambiente, o que novamente permite a continuação
da ação.

Defende a unidade entre a teoria e a prática por ter Existe uma estreita relação entre filosofar como
sido um questionador dos dualismos existentes forma de ver uma melhor maneira de viver e a
entre a mente-mundo, pensamento-ação. experiência orientada conscientemente como a
práxis desse filosofar.

O conhecimento surge da capacidade adaptativa do


ser humano ao meio ambiente e no centro desse
processo se encontra a ação humana.
• Martin Heidegger (Messkirch-Alemania, 1889-1976)

A partir deste autor iniciam as reflexões Ampliou o conceito do “Ser”  “ser lá” – existir no
mundo. “Ser-no-mundo” – confrontar o mundo
existencialistas e crítico-sociais. constantemente para cuidar de si.

Concentrou-se na autenticidade da existência A Ocupação pode ser vista como uma ferramenta
humana. para o cuidado do ser-no-mundo e de chegar a ser
por meio de projetos ocupacionais.

Trouxe duas modalidades para o pensamento: o Isso permite alguns questionamentos como o que é
calculista e o meditativo. a ocupação, que é o seu sentido, o interesse em
saber o que é e o sentido que tem a ocupação na
vida do sujeito.
• Erich Fromm (Frankfurt-Alemania, 1900-1980)
Trouxe uma visão mais humanista e afirma que
“Ser” implica em “Ser Ativo”. Se refere não só ao
comportamento como também à pessoa por trás
desse comportamento.

Apresenta a diferença entre estar ativo e estar


ocupado  corresponde aos termos "não
alinhados" e "alienados" nas atividades. Na
atividade alienada o ser não se sente o sujeito ativo
de sua atividade. Em vez disso, ele percebe o
produto de sua atividade e se torna inconsciente do
resultado.

Na atividade “não alinhada” o ser sente que é objeto de sua atividade, consiste em dar à luz a algo, para
produzir algo e permanecer ligado ao que é produzido.  Atividade Produtiva: denota um estado de
atividade interior.
• Gehlen (Leipzig-Alemania, 1904-1976)

Coloca que a constituição humana apresenta deficiências que não o permitem sobreviver
nas mesmas condições que os animais e por isso que transforma essas condições através do
seu fazer.

Para fazer-se capaz de existir, o homem está construído para transformação e domínio da
natureza por ele mesmo para a possibilidade de vivenciar o mundo.

O homem é um ser práxico porque não é especializado e carece de um ambiente adaptado


pela natureza.
• Victor Frankl (Viena-Austria, 1905-1997)
Figura central da análise existencial. O ser humano está fundamentalmente orientado
para realização dos valores, orientação que se
encontra determinada pela subsistência de cada
pessoa em uma situação concreta da vida.

Desenvolveu um método psicoterapêutico que se


fundamenta na busca do significado em todas as
formas de existência como razão para manter o
vínculo com a vida.

Apresenta três categorias de valores: a criação, que são as atividades que o ser humano realiza; a
experiência, que enfatizam o que o homem recebe do mundo e de atitude, que são aqueles que se
manifestam na pessoa diante de situações dolorosas, absurdas e inevitáveis. Terapia Ocupacional e
Ciência Ocupacional.
• Hanna Arendt (Linden-Alemania, 1906-1975)

A relação do homem com o mundo resulta do distinto acordo entre três modalidades:
atividade de trabalho, ação e atuação e trabalho e ação.

Trabalho e Ação: organiza a Estreita ligação com a


vida em comum com outros Ocupação, Ciência
Atividade de trabalho: Ação e Atuação: cria tudo seres humanos de modo que a
através do trabalho o que é necessário para contemplação seja assegurada. Ocupacional e Terapia
homem produz tudo o que abrigar o corpo. O fazer Ato significa pluralidade,
é necessário para manter ocorre num ambiente Ocupacional!
indivíduos, inovação, escolha e
seu corpo vivo, realizações especificamente humano intervenção em seu próprio
para satisfazer enquanto o “homem fazer” sentido. A atividade, a ação e a
necessidades, produzindo “cria o mundo”, é afirmado ação de trabalho são estilos de
exclusivamente de acordo em objetos de uso e atividade, todos pertencentes
ao homem e estão ligados e
com o consumo. consumo.
superpostos em cada ação
concreta.
• Jerome Bruner (Nueva York-Estados Unidos, 1915)
Representante do construtivismo. Apresenta ideias importantes para educação.
Três são apropriadas para a concepção da Ocupação:
1- O valor do fazer
2- Criação dos significados (sentidos) como instrumento para compreensão, adaptação e transformação do
mundo.
3- Estreita vinculação dos significados com a cultura.
Em terceiro lugar eleva as ações com significado como
Primeiro Bruner sugere a relação entre o dizer, fazer e parte da cultura humana e da inexistência da natureza
as circunstâncias em que o que é dito e o que está humana independente da cultura. O ser humano
acontecendo ocorre. participa da cultura e realiza suas potencialidades
através da cultura.

Em segundo lugar ele se refere a aprendizagem e


ressalta que os alunos deveriam ter experiências no
uso de criação de significado e construção de
realidade para melhor se adaptar ao mundo e poder
muda-lo conforme necessidade.
• Anselm Strauss (Nueva York, 1916-1996)

O objetivo era construir uma explicação teórica para


a ação/interação dos fenômenos estudados e as
Juntamente com Barney Glaser desenvolveu a consequências que surgem deles, o qual é útil para
Teoria Fundamentada na década de 60 no séc. XX. as ocupações, as quais embasam permanentemente
a ação humana e os ajustes ou mudanças de acordo
com as interações e efeitos pessoais, questões
sociais e ambientais que ocorrem.

Esta teoria é entendida como uma metodologia


fundamentada nos dados obtidos e analisados
sistematicamente.

A teoria surgiu durante um processo de investigação


através do diálogo permanente entre a análise e a
coleta dos dados.
• Michel Foucault (Poitiers-Francia, 1926-1984)

Procura elucidar como os seres humanos estão se tornando sujeitos de conhecimento /


assuntos epistemológicos ao longo do tempo e como eles são transformados em assuntos
de ação / assuntos de poder e assuntos morais com a vontade de cuidar de si mesmos.

Nesse sentido, pode-se dizer que as ocupações, como expressões de pessoas, estão ligadas
de uma forma ou de outra à práticas de poder, por causa de suas raízes no cotidiano e nas
trocas sociais.

A ciência ocupacional afirma que nas experiências ocupacionais ocorrem interações em


que são geradas tensões ou relações de poder e que eles devem ser reconhecidos.
• Pierre Bourdieu (Denguin-Francia, 1930-2002)

Suas teorias geram grande valor na educação, teoria social e estilos de vida que são enriquecedoras para
examinar a ocupação humana, além das motivações individuais e contextualização no campo social.

Introduziu dois novos conceitos: hábito e campo (ambiente).


Hábito: são as formas de atuar, pensar e sentir que originam a posição que uma pessoa ocupa na estrutura
social.
Campo (ambiente): se refere ao espaço social que é avaliado de acordo com os fatos sociais como a arte, a
ciência, a política as quais competem pelo capital econômico e capital simbólico.

Nesta linha de pensamento, pode-se dizer que as ocupações que são selecionadas assumem-se como
influenciados pela localização social da pessoa e que, portanto, não são apenas o produto de um processo
individual.
• Marcos Arruda (2005) (Brasil, 1959)

Economia Solidária: ver material complementar (página 114).

Os conceitos de economia solidária considera que as ocupações como o trabalho e a educação são fatores
ontológicos do ser humano que o permitem tornar-se sujeito de seu próprio desenvolvimento e realizar
seus sentidos humanos e sociais.

O conceito de ciência ocupacional concebe 4 objetivos humanos no desempenho das ocupações:


organização, integração, produtividade e realização. Esses objetivos estão embutidos no modelo da prática
colombiana bem como na proposta de Wilcok sobre o fazer com o propósito de “chegar a ser.”
OBS: Ann Allart Wilcok – Escola de Terapia Ocupacional da Universidade do Sul da Austrália.
• Humberto Maturana (Santiago de Chile-Chile, 1928)

A partir deste autor temos a visão biológica da ocupação. Nesta frase, enfatiza-se que todas as atividades humanas
aparecem como expressões da vida diária que ocorrem em
diferentes espaços relacionais e operacionais de
características especiais, e através do qual objetivos
específicos e desejos são perseguidos.

Maturana foi um construtivista radical. É uma abordagem coerente com os postulados de Dewey.

Embasado em resultados empíricos da neurobiologia, Através das atividades cotidianas o indivíduo constroi e
contribuindo para a biologia do conhecimento. reconstroi sua história.

Sua postura é valiosa para a compreensão da ocupação.

O autor menciona que "a existência humana é realizada na


vida cotidiana."
• Cela (España, 1916-2002) e Ayala (España, 1906)

Sugerem que a evolução humana continua em condições de diversidade genética e reprodução


diferencial, ou seja, modificação genética de geração a geração, o que é vital para a sobrevivência
em contextos que são permanentemente modificados.

A relação de ocupação-evolução humana foi inicialmente vista a partir da interação entre mudanças
anatômicas-morfológicas e mudanças no estilo de vida dos hominídeos. Com especial ênfase no uso
de utensílios e construção, desde a libertação das mãos para manipular objetos, como processos
importantes no desenvolvimento da inteligência, a capacidade de antecipação e o surgimento da
linguagem, a consciência de si mesmo e a cultura.
• John Jairo Uribe (Grupo de Investigación Ocupación y Realización Humana, Universidad Nacional
de Colombia, sede Bogotá)

Reflete a ocupação humana desde as categorias de trabalho, ludicidade, autocuidado e cotidianidade


e hipotetiza três questões que a ciência ocupacional deve responder:

1- Ocupação como vida diária a partir da dinâmica gerada entre sujeito e sociedade.

2- Ocupação como cultura emergente e como fazer diário (tarefa cotidiana).

3- Ocupação como processo político, na qual se dinamiza as tensões entre as necessidades humanas,
ordem social e práticas de saúde a qual agregaria as práticas de trabalho, educativas e de bem-estar
social.

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