Você está na página 1de 18

5º ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES

INTERNACIONAIS (ABRI)
REDEFININDO A DIPLOMACIA NUM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO

29 A 31 DE JULHO DE 2015
BELO HORIZONTE – MG

A DUPLA FORMAÇÃO DO ESTADO-NACIONAL MODERNO


ESTRUTURA INSTITUCIONALIZADA E INSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE
INTERNACIONAL

DANIEL GONÇALVES FERRARESI

Bacharel em Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e


mestrando em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação em Relações
Internacionais (PPGRI) da UFSC. Bolsista CAPES-DS. E-mail para contato:
danielferraresi@hotmail.com.
1

RESUMO

O presente artigo científico versa sobre uma dupla ótica perante a formação do Estado-nacional
moderno: ao não propor vê-lo como uma estrutura de poder unitária para propósitos de análise
das relações internacionais (modelo de bola de bilhar), propõe-se analisá-lo pelo conceito
institucional weberiano e, também, como constructo social conscientemente produzido, atando-
lhe o propósito de instituição internacional das mais primordiais. Para tanto, elabora os
conceitos principais tanto da sociologia histórica quanto da escola inglesa das relações
internacionais para evidenciar essas diferentes perspectivas sobre o objeto em tela, o Estado.
Faz-se, também, uma análise metateórica e metodológica, para esmiuçar as compatibilidades e
incomensurabilidades das duas vertentes teóricas acerca do Estado e sua inter-relação com o
sistema internacional. Conclui-se com a contribuição do pluralismo metodológico no que pode
oferecer para organizar as contribuições teóricas sobre o Estado de forma coerente e
organizada.

Palavras-chave: Estado. Formação. Instituição. Pluralismo. Metateoria.


2

INTRODUÇÃO

Balança de poder, diplomacia, direito internacional, grandes potências, guerra. Estas são
as cinco instituições da sociedade internacional global (BULL, 2002, pp. 95-222; WATSON,
2004, pp. 369-431) – tal qual a interpretação, hoje clássica, em A Sociedade Anárquica: Um
Estudo sobre a Ordem na Política Mundial – que possuem largo foco de estudo (BULL, 2002,
parte 2). A preocupação do autor era dirigida especialmente no que tais instituições –
sustentáculos da sociedade internacional – ofereciam para a constituição de uma ordem num
sistema internacional sem um governo hierarquicamente superior (BULL, 2002, p. xxxii). Porém,
antes de deter-se no estudo de como tais instituições internacionais contribuem como
1
“protetoras das regras” comuns e regras que, por sua vez, guiam os interesses comuns
nascidos dos elementos fundamentais perante a ordem na vida social, Bull aponta que o próprio
Estado é a instituição mais importante da sociedade internacional, pois são os próprios
membros da sociedade internacional os responsáveis pelo enforcement2 das regras (BULL,
2002, p. 68). Este artigo visa a oferecer uma contribuição de caráter metateórico e metodológico
ao explorar essa lacuna deixada por Bull – certamente por não se tratar de seu objeto imediato
de estudo, mas que é pertinente: como tal instituição da sociedade internacional desenvolveu-
se paralelamente a trajetórias diferenciadas de coerção e capital – e sua interação com a guerra
e sua preparação e a posição no sistema internacional –, também formadoras da estrutura
estatal. Para tanto, uma investigação sobre a formação das unidades políticas constituintes do
sistema e da sociedade internacionais3 se mostra pertinente para a apreensão da formação do
Estado-nacional moderno em suas dimensões explicativa e compreensiva4.
Nesta empresa intelectual, considera-se fundamental considerar os níveis de coerção e
capital na interação entre Estados e cidades europeus como elemento importante para a
explicação (TILLY, 1992, pp. 19-69). As combinações diferenciadas entre as duas variáveis –
além de gerar diferentes tipos de cidades e Estados – influenciaram a forma e o crescimento do
Estado nacional, que veio a perdurar como modelo único no continente europeu no século XX.

1
As aspas seguem conforme o excerto original: “„protection‟ of the rules [...].”, cuja tradução livre assumiria a forma de
“„proteção‟ das regras”; tendo esta sentença, por sua vez, significado por se tratar da função das instituições anteriormente
referidas. O próprio autor afirma que a utilização das aspas nessa expressão advém da falta de termo melhor para
descrever isso. Ver Bull (2002), p. 70-1.
2
Optou-se pela nomenclatura em língua inglesa por ser um conceito de Ciência Política largamente utilizado, tal qual o
conceito de accountability. Uma tradução possível para enoforcement seria “execução”, no sentido de “fazê-la efetiva”.
3
Sistema internacional e sociedade internacional são avaliações ontológicas e metodológicas distintas e simultâneas no
seio da perspectiva do pluralismo metodológico advogado pela Escola Inglesa. A dimensão da sociedade mundial completa
a teorização (BUZAN, 2001; BULL, 2002; LITTLE, 2000).
4
Tais termos indicam visões incomensuráveis das ciências sociais, segundo formulação de Hollis e Smith (1990), cuja
matriz, a qual integra o debate agente-estrutura, é central para este artigo em questão. Conforme será salientado, em
termos metodológicos essa incomensurabilidade típica do dualismo é superada por uma perspectiva pluralista.
3

Conjuntamente com a análise dos níveis de coerção e capital, dois outros eixos de análise se
encontram presentes: a preparação para a guerra e a guerra em si e a posição do Estado no
sistema internacional (TILLY, 1996, pp. 123-56). Este elemento não esgota a explicação, pois
se compreende que um elemento de socialização dos atores foi fundamental para a construção
social das sociedades internacionais (DUNNE, 1995) e de suas instituições, objeto de
investigação que inclui o objeto específico do Estado. As diversas formas políticas de
organização social, em sua interação, constituíram uma sociedade internacional ao se
aperceberem os interesses comuns, desenvolvendo regras comuns e, por fim, instituições
comuns. Nesse sentido, a hipótese descritiva advogada neste artigo é de que os diferentes
tipos de Estados – em função das variáveis elencadas por Tilly –. em sua interação no
continente europeu – na forma conflituosa da guerra ou na forma cooperativa das regras de
coexistência – tanto moldou o tipo de Estado preponderante – o que aplicava coerção
capitalizada5 – como, ele próprio, refletiu-se e se imbuiu da tarefa de assegurar regras comuns;
em outras palavras, conscientemente6 ver-se como uma instituição internacional.

METODOLOGIA E METATEORIA

A matriz de Hollis e Smith (1990) é um dispositivo heurístico importante para o fio


condutor da análise proposta, uma vez que se pretende mostrar como a formação do Estado-
nacional moderno, sob a égide da teorização da Sociologia Histórica, é parcialmente compatível
com a teorização da Escola Inglesa sobre como o Estado-nacional moderno se torna uma
instituição internacional de uma sociedade internacional. Da mesma forma, é importante para
mostrar as diferenças metodológicas entre as duas abordagens e até que ponto elas são
comuns. Por fim, servirá de base para que se proponha a incorporação dos conhecimentos da
Sociologia Histórica com os da Escola Inglesa numa estrutura pluralista.
A matriz, sinteticamente, combina abordagens sobre o mundo social com o nível de
análise e debate agente-estrutura7 – ou seja, se o nível de análise deve ser sistêmico ou
individual (problematizando, também, o que viria ser sistêmico e o que viria a ser individual) e
se são os agentes que tem precedência sobre a estrutura ou se a estrutura que possui a

5
Parte importante da explicação de Tilly para a preponderância do Estado-nacional moderno reside na estratégia que se
mostrou apropriada, a coerção capitalizada, diferenciando-se dos Estados com alta intensidade de coerção e dos com alta
intensidade de capital.
6
Estar consciente de uma dada função de uma ação em âmbito internacional configura uma dimensão interpretativa própria
à sociedade internacional no âmbito construtivista.
7
Conforme pontua Wendt, Hollis e Smith mesclaram o debate sobre a agência e a estrutura com o debate sobre o nível de
análise em duas posições: o do holismo ou o do individualismo: “According to Alexander Wendt, the notion of holism in the
work of Hollis and Smith „conflates two distinct problems: the levels of analysis problem and the agent-structure problem‟”
(DUNNE, 1995, p. 370; WENDT, 1991, p. 387).
4

precedência sobre os agentes. As abordagens amplas sobre o tratamento do mundo social


podem ser agrupadas em duas: a primeira, como uma descrição externa, foca-se na explicação,
cuja tradição reside no tratamento científico das ciências naturais desde o século XVI; por sua
vez, a segunda configura-se como uma descrição interna, focando-se na compreensão e sua
utilização provém da abordagem à história costurada no século XIX (HOBDEN, 1998, p. 16). A
explicação traz como plano de fundo o naturalismo de inspiração positivista, o que implica numa
pesquisa científica orientada para a busca de relações causais com status de lei. É, também,
imbuída de uma separação clara entre sujeito e objeto que possibilita a explicação e a predição
da ação social tendo como base a racionalidade e as preferências dos atores e tem sido
dominante na teorização das Relações Internacionais. A compreensão rejeita a tese da
unicidade das ciências e rejeita a separação entre sujeito e objeto em busca não das relações
causais, mas da ação dotada de significado: destarte, rejeita o monismo metodológico e afirma
que o método das ciências naturais é diferente daquele apropriado para as ciências sociais,
conformando o dualismo metodológico. Por compreender que os atores sociais imputam para
suas ações um determinado significado, as concepções clássicas de Weber da verstehen – ou
compreensão interpretativa – serviram de base para a metodologia das ciências sociais ao
postular a utilização da empatia para a busca apropriada dos significados. Portanto, ao rejeitar
as noções de causalidade e de predição, põe que se deve descobrir as normas e as regras que
condicionam o comportamento humano, assim como as crenças que os indivíduos têm acerca
dos papéis que eles desempenham. (DUNNE, 1995, p. 370; HOBDEN, 1998, p. 16)
Por outro lado, conformando o outro eixo constitutivo da matriz, o método pode ser tanto
holístico quanto individualista. De modo bastante breve, significa, dentro do quadro do debate
agente-estrutura e nível de análise, se as ações individuais é que são mais importantes ou se é
a estrutura ou o contexto que as envolvem que são.
Dessa forma, obtém-se a matriz das diferentes abordagens às ciências sociais, na figura
1 abaixo. No que tange aos propósitos de análise da Escola Inglesa e da Sociologia Histórica,
reveste-se de pertinência o estrato superior de tal matriz, espaço ocupado pelas regras
coletivas e estruturas externas, conformada pela linha da tabela concernente ao holismo.
Segundo esta visão, vê-se indivíduos sendo constrangidos por estruturas externas se elas são
explicativas, ou por conjuntos de regras sociais se elas são compreensivas. No que se refere ao
lado direito da matriz, ou seja, das abordagens de compreensão, o requisito é “penetrar na rede
5

de interações que constituem o mundo social e o modo pelo qual os indivíduos interpretam o
mundo e agem de acordo” (HOBDEN, 1998, p. 17)8

Figura 1 – Abordagens diferentes para as ciências sociais

Fonte: HOBDEN, 1998, p. 17.

A intersecção entre holismo e compreensão é ocupada, também, pelo construtivismo


social, adotando-se aqui uma taxonomia alternativa advinda da teorização de Onuf (DUNNE,
1995, p. 371, fig. 1; ONUF, 1989, p. 57). A definição deste espaço por Dunne (1995) é a que se
segue, ao que posteriormente adiciona e desenvolve a noção de que a tradição construtivista
nas Relações Internacionais é mais antiga do que comumente reconhecido – ou seja, nos idos
dos anos 1980 – e data desde os teóricos envolvidos com a Escola Inglesa (teoria da sociedade
internacional ou construtivismo clássico são nomenclaturas possíveis adiantadas pelo autor).
A figura abaixo demonstra, na avaliação de Dunne, o enquadramento metateórico
possível nesta matriz:

Figura 2 – Teorias de fundo do sistema ou da sociedade internacional

Fonte: DUNNE, 1995, p. 380.

8
Esta e as demais citações ao longo do artigo ou permaneceram em língua portuguesa, tal qual na fonte consultada, ou
foram traduzidas da língua inglesa e da língua espanhola para a portuguesa de modo livre pelo autor deste presente artigo.
6

O que esta matriz traz em seu bojo de forma subjacente é sua perspectiva de dualismo
metodológico fundamentada na incomensurabilidade dos mundos distintos dos paradigmas,
matrizes disciplinares ou léxicos estruturantes (KUHN, 1970), isto é, a assunção de que as
ciências naturais detêm um método inexoravelmente distinto do método das ciências sociais:
naquelas, o método hipotético-dedutivo – elaborado inicialmente pelos verificacionistas lógicos
(HEMPEL, 1966) –, que se desenvolveu nos modelos do falseacionismo (POPPER, 1972) e dos
programas de pesquisa científica (LAKATOS, 1989) –; nestas, o método hermenêutico ou
interpretativo. As correntes que empregam o método hipotético-dedutivo são monistas
metodológicas por não só recomendarem o método para as ciências sociais como, também,
exigir delas o mesmo método em função da tese da unicidade das ciências (LITTLE, 1999)9. As
ciências sociais, na formulação dualista, teriam como método próprio a interpretação, cuja
contribuição mais forte e inicial foi a da verstehen weberiana (LITTLE, 1991).
Dadas as limitações de ambas as abordagens, o pluralismo metodológico surge como
uma alternativa metodológica palpável neste debate. Possui a capacidade analítica necessária
para abordar múltiplos objetos – e, portanto, com múltiplas ontologias – cada qual com seu
método apropriado para derivar conhecimento científico de forma fecunda. Desta forma, ao
esclarecer o objeto em sua ontologia, o passo seguinte é enquadrá-lo num método apropriado
de apreensão, ao que é facilitado com a matriz heurística de Hollis e Smith acima descrita. É,
também, nesse sentido que os clamores de incompatibilidade entre a Sociologia Histórica e o
Neorrealismo (HOBDEN, 1998) carecem de sentido ao se abandonar a pretensão de união
teórica – ou, para ser mais preciso, da teorização do Estado da Sociologia Histórica para o
corpo teórico do Neorrealismo – para a de lentes teóricas simultâneas. Assemelha-se, nesse
sentido, à concepção adotada por Wittgenstein dos jogos, pois dois jogos distintos não podem
ser realizados num mesmo campo ao mesmo tempo – “como o futebol e o rugby”; entretanto,
tais jogos podem ocorrer em campos distintos de forma simultânea (LACEY, 2012, p. 429). O
pluralismo metodológico será retomado na seção da Escola Inglesa, pois o desenvolvimento
desta concepção metodológica está mais consolidado nesta vertente teórica das Relações
Internacionais e servirá de base para a asserção da possibilidade de incorporação do
conhecimento sobre o Estado e sua interação com o internacional na Sociologia Histórica com a
teorização da Escola Inglesa. A próxima seção mostrará quais são as contribuições daquela

9
Little (1999) faz uma análise mais detida e fraciona as visões naturalista e anti-naturalista em graus fortes e fracos; a
vertente aqui descrita é a do naturalismo forte por exigir o mesmo método para análise dos fenômenos sociais, ao passo de
que o naturalismo fraco apenas recomenda.
7

vertente teórica no que tange ao Estado e sua interação com o internacional, por fim
enquadrando-a na matriz heurística supracitada.

A SOCIOLOGIA HISTÓRICA E O ESTADO

Esta vertente teórica – também conhecida como macro-sociologia ou história estrutural –


obteve maior grau de atenção da disciplina de Relações Internacionais após a década de 1980,
quando da crise de explicação do neorrealismo e do advento da economia política internacional
e do construtivismo. De forma mais específica, tal interesse residiu num aspecto primordial: o
desenvolvimento do Estado e na visão institucional-weberiana que tal corrente teórica possui.
Ela pode ser brevemente definida como “uma tradição de pesquisa contínua e sempre renovada
devotada a compreender o caráter e os efeitos de estruturas de larga escala e processos
fundamentais de mudança” (SKOCPOL apud HOBDEN, 1998, p. 3) e se diferencia da
sociologia tradicional e da história tradicional por alguns fatores, os quais conformam o
entendimento das taxonomias alternativas. Diferencia-se da sociologia tradicional pela
preocupação com a mudança e com o contexto histórico, o que lhe confere o nome de macro-
sociologia, enfatizando o nível abstrato de análise; diferencia-se da história tradicional, por sua
vez, pela preocupação com as estruturas sociais, e não com história de indivíduos e descrição
de eventos, conferindo-lhe o nome de história estrutural e sublinhando as dimensões de
mudança e do tempo na tentativa de historicização das formações sociais (HOBDEN, 1998, p.
3).
A concepção da Sociologia Histórica frente ao Estado mostra-se particularmente distinta
do neorrealismo. Enquanto nesta corrente teórica o Estado é visto como uma “associação
territorial de pessoas” (NORTHEDGE apud HOBDEN, 1998, p. 4), compreendendo-o como um
espaço delimitado e tudo que se encontra dentro dele, a vertente macro-sociológica possui uma
visão institucional do Estado. O Estado, pois, é entendido como “um conjunto limitado de
instituições com poder coercitivo. Não é igual a um território particular, mas faz uma
reivindicação para controlar aquela área. Esse conjunto de instituições não só tem de competir
por recursos com outros grupos dentro de uma área territorial, mas também com outros atores
em outras áreas” (HOBDEN, 1998, p. 4). É importante aqui salientar que a abordagem
diferenciada para com o Estado não necessariamente decorre numa abordagem diferenciada
em relação ao sistema internacional. Como será visto, Tilly, um dos eminentes expoentes da
8

Sociologia Histórica10, teoriza o sistema tanto como no construtivismo, numa concepção


holística e de compreensão/subjetivismo/reflexismo, quanto como no neorrealismo, numa
concepção holística e de explicação/objetivismo/racionalismo11.
A concepção de Estado para Tilly segue o preceito weberiano indicado anteriormente ao
indicar que os Estados são “organizações com poder coercitivo, que são diferentes dos grupos
de família ou parentesco e que em certas questões exercem uma clara prioridade sobre outra
organização dentro de um território de dimensões consideráveis” (TILLY, 1992, p. 20, grifos
meus).
Distanciando-se da Escola Inglesa, Tilly assinala o mecanismo causal básico12 – e, por
isso, não esgotante – da transformação do Estado até o Estado-nacional moderno: a dialética
entre cidades e Estados.

Pois a coincidência de uma rede urbana densa e irregular, com a divisão em numerosos
Estados bem definidos e mais ou menos independentes, acabaria por diferenciar a Europa do
resto do mundo. Por trás da cambiante geografia de cidades e Estados operava a dinâmica do
capital (cuja esfera predileta era as cidades) e a da coerção (que cristalizou antes de tudo nos
Estados). A indagação sobre a interação entre cidades e Estados se converte rapidamente
numa investigação sobre o capital e a coerção (TILLY, 1992, pp. 24-5)

O autor complementa a análise dos níveis de coerção e capital com a hipótese de que
foi a necessidade da guerra que produziu e modificou os aparatos estatais – e o Estado, por
sua vez, efetuando as guerras, num ciclo13 – e com relação à sua posição no sistema
internacional. (TILLY, 1992, pp. 37-8). Estes são os quatro eixos norteadores do trabalho de
Tilly. Após delinear as lógicas do capital e da coerção – a do capital variando na acumulação e
na concentração, gerando diferentes tipos de cidades, como cidades primárias, centros
dispersos e metrópoles; e a da coerção, variando nos mesmos eixos anteriormente empregados
e que podem gerar três tipos de Estado: impérios coletores de tributos, sistemas de soberania
fragmentada e Estados nacionais coexistentes – o autor comenta mais detalhadamente como a
guerra é considerada o motor da formação e transformação do Estado.

10
Cabe enfatizar que Charles Tilly é somente um teórico pertencente à Sociologia Histórica, não podendo ser representativo
de toda a diversidade de trabalhos desenvolvidos sob essa orientação. Outros teóricos relevantes da Sociologia Histórica,
por sua interação com o internacional, são Theda Skocpol, Michael Mann e Immanuel Wallerstein.
11
Compreensão e explicação são o binômio utilizado por Hollis e Smith, análogo ao binômio subjetivismo e objetivismo, de
Onuf, e análogo ao binômio reflexismo e racionalismo, de Keohane. (DUNNE, 1995, p. 368; KEOHANE, 1988).
12
A Escola Inglesa não tem como preocupação primordial o estudo detido do desenvolvimento do Estado na maior parte de
sua história intelectual e não comunga com a perspectiva explicativa das ciências sociais no que tange à sociedade
internacional (BULL, 1966). A preocupação com o desenvolvimento das sociedades internacionais e de seus Estados
funcionalmente diferenciados se encontra na quarta fase da Escola Inglesa, após 1992 somente, com o trabalho “A
Evolução das Sociedades Internacionais”, tendo caráter compreensivo. Ver Watson (2004) [1992]. Para a classificação
didática e histórica das fases da Escola Inglesa, ver Wæver (1998), pp. 85-9 e Buzan (2001), pp. 473-74.
13
Eis, aqui, um aspecto evidentemente construtivista na teorização de Tilly.
9

A lógica da guerra – interna e externa –, engendrando meios de taxação das populações


locais, é um nexo crucial da dinâmica estatal (TILLY, 1985, p. 183). Conjuntamente, porém, o
desenvolvimento tecnológico dos armamentos militares e o desenvolvimento das táticas
inerentes às batalhas contribuíram decisivamente para a transformação da forma política
coerciva, passando lentamente da categoria dos Estados principescos a Estados régios14: a
transição deles incluiu os Estados que “haviam expandido em muito as burocracias
permanentes dos Estados principescos, introduzindo e mantendo exércitos fixos e centralizando
a tributação voltada especificamente para o financiamento da guerra.” (BOBBIT, 2003, p. 89,
grifos meus)15. Dessa forma, assevera-se que “[t]udo isso ocorreu quando determinadas
transformações estratégicas solaparam em definitivo o papel constitucional do Estado
principesco no fim do século [XVII].” (BOBBIT, 2003, p. 89).
A construção do Estado-nacional moderno pela via da coerção capitalizada foi
alicerçada, sobretudo, pelo desarmamento civil e de facções rivais e pela concomitante
estruturação das forças armadas do Estado, processo no qual houve intensa colaboração dos
capitalistas. Assim, a lógica da guerra e da coerção poderia ser empreendida com as atividades
de extração e proteção. O desenvolvimento da diferença entre o interno e o externo está
intimamente associado a este processo.
Destarte, Tilly posiciona o sistema internacional de forma confusa, tanto como uma
variável independente – a anarquia que incentiva a guerra e que, por sua vez, faz os Estados –
quanto como um conjunto de regras que constrange os atores. Enquanto a primeira asserção
pode ser posicionada apropriadamente no canto superior esquerdo da matriz, assinalando uma
explicação holística, a segunda é mais bem posicionada no canto superior direito de tal matriz,
estabelecendo uma visão de compreensão holística. Assim, a primeira se assemelha a uma
explicação estrutural, ao passo de que a segunda, no campo das regras coletivas, de caráter
construtivista. Uma explicação possível para esta posição de Tilly é a noção de contingência
histórica: inicialmente o Estado seria fruto de causas estruturais ao passo que a construção
social lenta e progressivamente tomaria parte no seu desenvolvimento. (HOBDEN, 1998, pp.
170-71)

14
A classificação em torno dos Estados, na avaliação de Bobbit, é diferente daquela proposta por Tilly: constitui-se, grosso
modo, do desenvolvimento do modelo do Estado principesco ao modelo do Estado régio e deste para o do Estado territorial,
no período que se estende de primórdios do século XVI ao último quartel do século XVIII. É importante salientar que não há
correspondência direta entre as categorias da teorização de Bobbit e de Tilly, uma vez que Bobbit concentra-se na esfera
dos princípios constitucionais do Estado (ragione di statto, raison d’état, Staatseaison) e da legitimidade perante uma
sociedade internacional europeia, perspectiva muito bem enquadrada na proposta da Escola Inglesa,
15
Outro historiador de vulto que encontra no desenvolvimento dos armamentos ao longo do tempo e no desenvolvimento
das táticas uma fonte causal significativa para o decurso histórico é McNeill (1982).
10

A ESCOLA INGLESA E O ESTADO

Estados podem ser definidos, numa acepção clássica, como “comunidades políticas
independentes, cada qual possuindo um governo e afirmando soberania em relação a uma
porção particular da superfície terrestre e um segmento particular da população humana.”
(BULL, 2002, p. 8). Tal soberania é interna, exercida tanto dentro da circunscrição territorial,
sobre outras autoridades, como é, também, externa, fixando a independência de outras
autoridades de fora da circunscrição territorial. A soberania, igualmente, deve ser formatada
como reivindicações discursivas de autoridade legítima sobre um território e como exercício
factual da autoridade sobre um território. A despeito desses detalhamentos acerca da
soberania, o conceito de Estado é amplo o suficiente para abrigar um longo escopo histórico
que, por sua vez, abrange diversas formas políticas estatais.
Entretanto, mesmo sob o signo da tradição intelectual da Escola Inglesa esta definição
não é consensual. Isto se torna mais claro nos trabalhos mais recentes em relação ao livro
seminal de Bull. A concepção de Estado pode relativizar a noção de soberania e, por
conseguinte, de comunidade políticas independentes. Neste tocante, Watson (2004) fornece
outra definição para o Estado, com a qual ele doravante trabalha em sua investigação: para ele,
Estado é “uma comunidade mantida unida por um governo comum”, comunidade que “também
é mantida unida por outros liames, tais como costumes, a origem étnica, a religião ou a língua,
pode crescer ou diminuir em importância ou em tamanho: pode absorver outros elementos, ou
quebrar-se, ou tornar-se assimilada, ou desparecer de outro modo.” (WATSON, 2004, p. 32).
Observa-se, aqui a congruência com Bull no que tange ao governo comum; entretanto,
distingue-se a visão dele com a de Watson ao enfatizar de forma clara os elementos
subjacentes de uma cultura comum como também definidoras dos Estados16. E, em
contraposição direta com Bull, assevera que “obscurece nosso entendimento da natureza dos
Estados sustentar dogmaticamente que, para contar como Estados, eles devem ser
independentes.” (WATSON, 2004, p. 32).
Sua digressão tem como ponto focal a evolução das sociedades internacionais,
conforme seu próprio título ilustra. Em linhas gerais, desenvolve a visão de Wight e a melhora,
estabelecendo quatro tipos de sociedades internacionais em função do grau de anarquia ou de
hierarquia (Estados independentes, hegemonia, suserania e império compõem o espectro) e
elabora a metáfora do pêndulo, com a qual afirma que os extremos não são alcançados e,

16
Conforme anteriormente sublinhado, esta passagem encontra grande semelhança com um excerto de Tilly, evidenciando
um ponto de convergência entre a Sociologia Histórica e a Escola Inglesa.
11

quando se aproxima mais da anarquia ou do império, há uma pressão contrária que o


impulsiona. (WATSON, 2004, p. 28 e ss.)
A devida compreensão do que se constitui uma instituição é fundamental para os
propósitos aqui presentes. Destarte, a linha de raciocínio em torno de como interesses comuns
nos elementos fundamentais da ordem social engendram regras comuns para balizá-los e como
instituições são criadas para preservá-las será aqui posta17. De modo esquemático e simples,
numa sociedade internacional, assim como em quaisquer outras sociedades, a “ordem é a
consequência não meramente de fatos contingentes [...], mas de um senso de interesses
comuns nas metas elementares da vida social; regras prescrevendo o comportamento que
sustenta essas metas; e instituições que ajudam a fazer essas regras efetivas” (BULL, 2002, p.
63).
O início do raciocínio reside na percepção dos atores sociais de interesses em comum
em certas metas elementares da vida social. Elas derivam do medo de “violência irrestrita, da
instabilidade de acordos ou da insegurança da sua independência ou soberania” e isso
perpassa todas as sociedades, podendo também estar imbuídos de identificação valorativa – e,
assim, não somente por meio dos interesses-meio – e podem ter surgido, por outro lado, pelo
cálculo racional da aceitação de restrições em sua liberdade de ação desde que recíproca
(BULL, 2002, p. 64)18.
Uma vez que essas metas são estabelecidas intersubjetivamente, para clarificar e
orientar a ação de acordo com estes objetivos são criadas regras. As regras, aqui, podem ser
entendidas como normas, por abarcarem uma quantidade diversificada de formas, dentre elas o
direito internacional, as regras morais, a prática habitual ou estabelecida ou mesmo regras
operacionais ou “regras do jogo”. (BULL, 2002, p. 64). Elas podem ser organizadas
conceitualmente em pelo menos três grandes complexos: princípios normativo-constitutivos da
política mundial, regras de coexistência e regras de regulação da cooperação. Os princípios
normativo-constitutivos da política mundial possuem um caráter mais primordial de organização
da ordem em escala global, na qual a sociedade de Estados é apenas uma dentre várias
possíveis, como as do império universal19, da comunidade cosmopolita de seres humanos
individuais ou de um estado de natureza hobbesiano. Em suma, estes princípios guiam a

17
É importante salientar que será utilizada a definição funcionalista de Bull. Há outras definições para instituições,
principalmente em outras teorias racionalistas (KEOHANE, 1988).
18
Repetida e reiteradamente o autor utiliza este raciocínio. Ver Bull (2002), p. 4, p. 51 e ss.
19
Como fora o objetivo organizacional proposto pelos Habsburgo. Ver Bobbit (2003) e Tilly (1992;1996).
12

questão de identificação dos membros legítimos e competentes20: na atualidade, esses


membros são compostos por Estados e que formam uma sociedade, princípio que está
constantemente sendo desafiado por outros princípios de maneira dinâmica. As regras de
coexistência, por sua vez, têm por fundamento os princípios anteriormente delineados e
refletem a orientação para as três metas elementares da vida social: no que tange à restrição
do uso da violência, ela só é legitimada, na sociedade internacional global contemporânea, a
Estados por meio da guerra e com uma conduta apropriada de proporcionalidade e de
justificação por razões justas; para a consecução dos acordos, o princípio pacta sunt servanda
serve a justamente este propósito; e, no que tange à estabilização da propriedade, o
reconhecimento das soberanias deriva o reconhecimento da não interferência nos assuntos
internos de cada Estado, assim como a igualdade jurídica. Por último, as regras de facilitação
da cooperação supera os fatores políticos-estratégicos das regras de coexistência para incluir
cooperações nos ramos da economia, da sociedade e do meio-ambiente, tendo como base a
aceitação geral ou tácita tanto dos princípios normativo-constitutivos, como das regras de
coexistência. (BULL, 2002, p. 65-8).
As instituições cumprem a função de tornar as regras efetivas, “protegendo-as”, e
compreendendo tudo o que os Estados fazem para criar ou manter um estado do sistema
internacional favorável para que o respeito às regras possa florescer. (BULL, 2002, p. 70). Tais
medidas incluem:

[...] Em primeiro lugar, aqueles atos clássicos da diplomacia e da guerra pelos quais os
Estados procuram preservar um equilíbrio de poder geral no sistema internacional (e hoje uma
relação de dissuasão nuclear mútua entre potências nucleares contendoras); para acomodar
ou conter conflitos de ideologia; para resolver ou moderar conflitos de interesse de Estado;
para limitar ou controlar armamentos e forças armadas em relação aos interesses percebidos
na segurança internacional; para satisfazer os requisitos dos Estados insatisfeitos para aquilo
que eles consideram uma mudança justa; e garantir e manter a aquiescência das potências
menores na assunção pelas grandes potências de direitos e responsabilidades especiais.
(BULL, 2002 , pp. 70-1)

Dessa forma, os Estados é que são as principais instituições da sociedade internacional


na medida em que são eles próprios que realizam essa miríade de ações no sentido de
proteger as regras que servem de guia para a consecução das metas elementares da vida
social. Assinala-se que esta explicação de Bull está inserida numa ambiguidade de sua teoria
da sociedade internacional sobre até que ponto ela é predicada numa teoria funcional da
ordem; contudo, sua própria refutação das explicações estrutural-funcionalistas e seu extenso

20
A legitimidade é uma característica importante das sociedades internacionais e pode ser decomposta em filiação legítima
(rightful membership) e conduta legítima (rightful conduct). Ver Clark (2005), cap. 1 [pp. 11-32]. Conforme se verá, a conduta
legítima se enquadra nas regras de coexistência.
13

trabalho e foco na dimensão intersubjetiva contrabalançam essa tendência (DUNNE, 1995, p.


381; BULL, 2002, p. 71-2).
O pluralismo metodológico, sob a égide da teorização da Escola Inglesa, divide-se em
sistema internacional, sociedade internacional e sociedade mundial, cada qual possuindo sua
própria ontologia, a partir da qual se derivam seus métodos apropriados em sua epistemologia
específica. Tal entendimento nesta corrente teórica pode ser aplicado para enquadrar o
conhecimento acerca do Estado na própria Escola Inglesa e na Sociologia Histórica.

A figura abaixo mostra, esquemática e graficamente, a interação entre cada uma das
esferas ontologicamente diferenciadas e, portanto, metodológica e teoricamente diferentes e as
fronteiras que as delimitam; dessa forma, apresenta-se a metodologia pluralista que reveste o
pensamento da Escola Inglesa:

Figura 3 – As três tradições da Escola Inglesa e suas interações

Fonte: BUZAN, 2001, p. 475

O sistema internacional é “[um] sistema de estados (ou sistema internacional) [que] é


formado quando dois ou mais Estados tem contato suficiente entre si e que impactam
suficientemente nas decisões um do outro, fazendo-os se comportar – ao menos em alguma
medida – como partes de um todo”. Ademais, “onde Estados em contato regular um com os
outros e onde em adição há interação entre eles suficiente para fazer o comportamento de cada
um elemento necessário nos cálculos do outro” (BULL, 2002 [1977], pp. 9-10, grifos do autor).
Dessa forma, o realismo e o neorrealismo são as teorias mais aptas para essa dimensão pois
14

ela é definida em “política de poder entre os Estados” e tais teorias colocam “a estrutura e o
processo de anarquia internacional no centro da teoria das Relações” (BUZAN, 2001, p. 474).
A sociedade internacional “existe quando um grupo de Estados, consciente de certos
interesses e valores em comum, forma uma sociedade no sentido de que eles se concebem
estando ligados por um conjunto de regras em suas relações com os outros e compartilham do
funcionamento das instituições comuns”. (BULL, 2002 [1977], p. 13). No que tange à interação
entre sistema e sociedade internacionais, assevera-se que a existência de uma sociedade
internacional pressupõe um sistema internacional, mas a recíproca não é verdadeira. Isso se
deve em função de que os contatos mínimos necessários para os cálculos um do outro é base
para a posterior consciência de interesses e valores em comuns. Ela é, também:

[...] sobre a institucionalização de interesses e identidades compartilhados pelos Estados e o


Racionalismo põe a criação e a manutenção de normas, regras e instituições compartilhadas
no centro da teoria das Relações Internacionais. Essa posição tem alguns paralelos com a
teoria dos regimes, mas é mais profunda, tendo implicações constitutivas em vez de
meramente instrumentais (BUZAN, 2001, p. 475)

Por sociedade mundial compreende-se “aqueles padrões ou disposições de atividade


humana que sustentam os elementos ou metas primárias da vida social na humanidade como
um todo” É mais abrangente porque se entende que os seres humanos também podem
agrupar-se não em Estados. Dessa forma, “subjazendo as questões que levantamos sobre a
ordem entre os Estados há questões mais profundas de maior importância perene sobre a
ordem na grande sociedade de toda a humanidade” (BULL, 2002, [1977], p. 19). Nesse espírito,
ela “toma indivíduos, organizações não-estatais e, por fim, a população global como um todo
como o foco das identidades societais globais e arranjos e o revolucionismo põe a
transcendência do sistema de estados no centro da teoria das Relações Internacionais” Essa
posição encontra paralelos com o transnacionalismo, mas “traz uma ligação muito mais
fundamental com a teoria política normativa” (BUZAN, 2001, p. 476).

CONCLUSÃO

Esta via de mão dupla mostra-se pertinente para uma avaliação mais abrangente e
correta acerca do Estado moderno. Ao mesmo tempo, conforme a literatura da macro-sociologia
pontua, que os Estados possuem um esquema explicativo em torno de suas estruturas, os
teóricos da sociedade internacional postulam que essas estruturas, tornadas conscientes,
foram-lhes atribuídas um papel de manutenção de uma ordem social internacional. Do
15

nascimento da guerra e da preparação para ela envidaram-se esforços de extração de uma


dada população, coagida por uma polícia interna, que lhe oferecia segurança, segurança esta
complementada por um exército para proteção fora dos domínios consolidados de extração,
desenvolveram-se formas de Estado, com diferentes variações de capital e de coerção. E, ao
longo deste processo, foi-se desenvolvendo um consenso intersubjetivo em torno do imperativo
da consolidação da ordem em torno dos elementos fundamentais da vida social entre os
Estados: foram também imbuídos da tarefa de serem guardiões da ordem internacional, numa
dimensão além de sistêmica, societária.
Esta conjunção teórica se mostra possível metateoricamente sob a forma pluralista em
sua metodologia, para que pressupostos e perspectivas em torno dos fenômenos sociais não
sejam conflitantes. Na matriz de Hollis e Smith (1990), sobrepostos, Tilly ocupa os espaços de
explicação e entendimento no estrato superior da matriz, pertencentes ao holismo (nível de
análise estrutural e precedência da estrutura sobre a ação dos agentes), espaços também
ocupados pelo neorrealismo e pela própria teoria da sociedade internacional. A Escola Inglesa
demonstrou a possibilidade de várias teorias concomitantes serem utilizadas simultaneamente
para objetos diferentes e ocupa o campo da explicação e do entendimento, além de um campo
inexistente na matriz que visaria à transcendência com fundamentos ético-normativos. Desta
forma, o artigo proporcionou uma ponte para a explicação e o entendimento de um objeto
multifacetado – o Estado – em duas diferentes dimensões ontológicas, divisão necessária para
assegurar sua coerência: ao resgatar historicamente a trajetória de seu desenvolvimento em
termos gerais e abstratos de causa e efeito – estratégia de ação descontextualizada (LACEY,
2012, pp. 427-28) –, buscou complementar a análise ao incluir a percepção intersubjetiva
perante essa estrutura de poder, que lhe foi atribuída a finalidade – dentre outras – de
enforcement dos objetivos elementares da vida social, transladados em regras comuns e, por
fim, em outras instituições comuns – diplomacia, balança de poder, guerra, as grandes
potências, o direito internacional. Nenhuma destas seria possível sem o elemento constituinte
da sociedade internacional e, também, sua principal instituição: o Estado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOBBIT, Philip. Dos Estados Reais aos Estados Territoriais: 1648-1776. In: A Guerra e a Paz
na História Moderna. Rio de Janeiro: Campus, 2003. Cap. 7, pp. 88-133.

BULL, Hedley. International Theory: The Case for a Classical Approach. World Politics, Vol. 18,
No. 3, 1966, pp. 361-377.
16

______. (1977) The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics. 2002.

BUZAN, Barry. From international system to international society: structural realism and regime
theory meet the English School. International Organization, vol. 47, issue 03, 1993, pp. 327-352.

______. The English School: an underexploited resource in IR. Review of International Studies,
vol. 27, issue 03, 2001, pp. 471-488.

_______. From International to World Society? English School Theory and the Social Structure
of Globalisation. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.

CLARK, Ian. Legitimacy in international society. Oxford: Oxford University Press, 2005.

DUNNE, Timothy. The social construction of international society. European Journal of


International Relations, 1, 3, 1995, pp. 367-90.

HEMPEL, Carl G. Investigação Científica: Invenção e verificação. In: Filosofia da Ciência


Natural. Rio de Janeiro: Zahar, 1966, pp. 13-31.

HOBDEN, Stephen. International Relations and Historical Sociology: Breaking down boundaries.
London: Routledge, 1998.

HOLLIS, M.; SMITH, S. Explaining and Understanding International Relations. Oxford:


Clarendon Press, 1990.

KEOHANE, Robert O. International Institutions: Two approaches. International Studies


Quarterly, vol. 32, n. 4, 1988, pp. 379-396.

KUHN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1970.

LACEY, Hugh. Pluralismo metodológico, incomensurabilidade e o status científico do


conhecimento tradicional. Scientiae studia, v. 10, n. 3, 2012, pp. 425-53.

LAKATOS, Imre. La metodología de los programas de investigación científica. Madrid: Alianza,


1989.
17

LITTLE, Daniel. Interpretation Theory. In: (?). Varieties of Social Explanation. Oxford: Westview
Press, 1991, pp. 68-90.

______. Beyond Positivism: Toward a Methodological Pluralism for the Social Sciences. Não
publicado, 1999, pp. 1-20.

LITTLE, Richard. The English School‟s Contribution to the Study of International Relations.
European Journal of International Relations, Vol. 6, 2000, pp. 395-422.

MCNEILL, William H. The Pursuit of Power. Technology, Armed Force, and Society since A.D.
1000. Chicago: The University of Chicago Press, 1982

ONUF, N. World of Our Making: Rules and Rule in Social Theory and International Relations.
Columbia: University of South Carolina Press, 1989.

POPPER, Karl W. Conjecturas e Refutações (O Progresso do Conhecimento Científico). (s.n.),


1972.

TILLY, Charles. War Making and State Making as Organized Crime. In: EVANS, Peter;
RUESCHEMEYER, Dietrich; SKOCPOL, Theda. Bringing the State Back In. Cambridge:
Cambridge University Press, 1985, pp. 169-187.

______. (1990). Ciudades y Estados en la historia universal. In: ______. Coerción, capital y los
Estados europeos 990-1990. Madrid: Alianza editorial, 1992, p. 19-69.

______. (1990). Como a Guerra Fez os Estados e Vice-Versa. In: _______. Coerção, Capital e
Estados Europeus, 990-1992. São Paulo: Editora da USP, 1996, pp. 123-156.

WÆVER, Ole. Four Meanings of International Society: A Trans-Atlantic Dialogue. In: B. A.


Roberson (ed.), International Society and the Development of International Relations Theory.
London: Pinter, 1998.

WATSON, Adam. (1992) A evolução da sociedade internacional: uma análise histórica


comparativa. Brasília, DF: Ed. da UnB 2004. 475 p.

WENDT, Alexander. Bridging the Theory/Meta-theory Gap in International Relations. Review of


International Studies, v. 17, n. 4, 1991, pp. 383-92.

Você também pode gostar