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Os elementos que
desempenham mais de uma
função
“Compreenda o destino de uma
Coluna, do templo egípcio funerário
onde as colunas são organizadas para
determinar o percurso do viajante,
entre o períptero dórico por meio do
qual são mantidos juntos o corpo da
edificação, e a basílica paleoárabe onde
elas suportam o interior, às fachadas
do Renascimento onde elas se tornam
um elemento que almeja à
verticalidade.”
Os elementos que
desempenham mais de
uma função
mesmo tempo. Por exemplo: a parede de empena de uma casa, que serve
para configurar o interior da moradia, também pode ser um marco que identifica
1
o lugar onde alguém mora (1).
O topo de um muro pode ser um caminho para uma criança ou um gato,
assim como o passeio de um píer ou as ameias de um castelo (2).
E a superfície lateral de uma parede pode ser um lugar para exibição, como
ocorre em um cinema ou galeria de arte; ou na maneira em que toda e qualquer
edificação apresenta seu “rosto” ao mundo (3).
Essa capacidade do elemento de identificar diferentes lugares de diversas
formas é, além de uma característica essencial, um dos aspectos mais intrigantes
do projeto de arquitetura. Ela envolve os processos mentais de reconhecimento
e criação de modo interativo – a criação de um lugar leva ao reconhecimento de
outros – e funciona em todas as escalas.
São inúmeras as ocorrências. Veremos que se trata de uma estratégia que
recorre continuamente nos exemplos usados neste livro.
Parte do motivo da importância dessa estratégia para o projeto de arquite
tura é que arquitetura não funciona (ou não deveria funcionar) em um mundo
2
hermético. Seu funcionamento (quase) sempre está relacionado a outras coisas
que já existem nas condições ao redor.
Qualquer muro construído em um campo batido pelo vento, por exemplo,
cria no mínimo dois lugares – um exposto, um abrigado. Se estiver brilhando, o
sol também dividirá um lugar sombreado de outro ensolarado (4). É o mesmo
que separar um local público de um privado, ou um lugar onde ficam as ovelhas
de outro onde há um jardim.
3
Quando forma um cercado ou célula, o muro divide o “interior” do “ex terior”, dando e
tirando algo de ambos. Mesmo em um arranjo tão simples, po demos dizer que as
paredes fazem muitas coisas. Além de separar um interior protegido dos demais lugares,
elas provavelmente também sustentam a cobertura. Elas oferecem superfícies onde
podemos pendurar coisas ou apoiar móveis. E a sua geometria, junto com a
posição da porta, parece dar-lhes uma hierarquia de importância. A estratégia
também se aplica à obra propriamente dita. Uma 4
54 Análise da Arquitetura
SALA DE
É fácil encontrar elementos cumprindo mais de uma função ao ESTAR SALA DE
mesmo tempo (na verdade, na arquitetura, o difícil é encontrar JANTAR COZINHA
elementos que estejam cumprindo apenas uma função!), mas, às
vezes, encontramos elementos que estão cumprindo muitas
funções. (Talvez essa seja um dos indicadores de qualidade, ou,
no mínimo, de sofisticação, na arquitetura.)
SALA DE
ESTAR
GARAGEM
que não está amplamente compartilhado. As pessoas que têm os recursos necessá
rios para produzir obras de arquitetura podem utilizar uma “linguagem” simbólica
diferente da que é aceita e compreendida por aqueles que irão se deparar com os
seus edifícios, embora a brincadeira dialética possa ser dinâmica – com o tempo,
o simbolismo desconhecido pode passar a ser amplamente aceito e compreendido.
O simbolismo desempenha um papel na identificação de lugares. Dentro
de uma linguagem simbólica cultural comum, uma casa seguirá as expectativas
daquilo que uma “casa” deve parecer, uma igreja terá a aparência que as pessoas
esperam para uma “igreja”, um banco terá ares de “banco”. Cada um é lido como
um símbolo de si mesmo; um símbolo que, como o “pato” de Venturi, identifica
seu lugar e sua finalidade. O questionamento das expectativas sobre a aparência
dos diferentes tipos de edificação é, sem dúvida, saudável e vital, mas geralmente
gera reclamações quando causa confusão.
A dimensão simbólica da arquitetura é poderosa. Pessoas, corporações multi
nacionais, governos municipais e nacionais – todos se interessam por aquilo que seus
edifícios têm a dizer sobre eles e podem usá-los para divulgar a imagem que desejam
projetar. Construída na década de 1880, a Torre Eiffel tornou-se um símbolo de
Paris e da cultura francesa, assim como o Partenon vem sendo símbolo de Atenas e
da cultura da Grécia antiga há mais de dois mil anos, e a Basílica de São Pedro, um
símbolo de Roma e do catolicismo romano há cinco séculos. Na década de 1970,
a Ópera de Sydney (projetada por Jørn Utzon) transformou-se em símbolo cultu
ral da Austrália. Na década de 1980, Richard Rogers revitalizou a imagem de seu
cliente por meio do Edifício Lloyds, na cidade de Londres. E, na década de 1990,
o destino da cidade de Bilbao, no norte da Espanha, foi alterado quando o Museu
Guggenheim, de Frank Gehry, começou a atrair muita atenção. Em alguns casos
(o Partenon e a Basílica de São Pedro, por exemplo), os arquitetos desses edifícios
icônicos levaram a linguagem simbólica compartilhada da arquitetura a um novo
patamar; nos outros, o poder simbólico adveio, em parte, da “novidade” chocante.
Não é possível cobrir adequadamente aqui as múltiplas dimensões dos ele
mentos de arquitetura que cumprem mais de uma função. Eles são extremamente
ricos e complexos. Essa é uma característica da arquitetura em todos os tipos
e escalas, bem como de todos os períodos da história. Quando um antigo rei
micênico pendurou seu escudo na parede estrutural do seu mégaron, fez um ele
mento arquitetônico cumprir duas funções ao mesmo tempo. Se a mesma parede
também configurasse a lateral do seu leito, seriam três funções. O mégaron pode
ter ficado parecido com o de seus ancestrais ou adquirido uma aparência radical
mente diferente (ainda que não na forma de um pato), mas tornou-se um símbolo
da identidade que ele buscava apresentar para o resto do mundo.