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COSERIU

LIC O E S DE
LINGÜÍSTICA GE

  o
   i
  o
  o
   l
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   l
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   f
 
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  o
  c
   i
   t
  s
   í
     D
     g
 

Indústria e Co
 

i  

I V
 

LIÇÕES DE
LINGÜÍSTICA GERAL
(Edição revista e corrigida pelo autor)
 

CLP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores
Editore s dc Livros
Livros,, RJ.

Coseriu, Eugenio. 4 . . .' •


C Sf “ Lições, dc lin
lingüí
güísti
stica
ca gbnrl / Eugenio Coseriu ; traduç
tradução
ão do
Prof. Evanildo Bepk
Bepkarã.
arã. - ’Rio
Rio'üe
'üe.. Janeiro
Jane iro :Ao
:A o Livro Técnico,
Técnico , 1980.
1980.
(Coleção Lingüística c filologia)

Traduçã
Tra dução
o de
de’’: Lczionc di lingüist
lingüistica
ica generale
Bibliografia
ISBN: 85-215-0024-6

1. Lingüística 1. T ít
ítul
ulo
o II. Série.

CDD -4 1 0
80- ^ CDU
CDU - 801
801
 

SUMÁRIO

 Notaa do ed
 Not edit
itor
or italian
ita liano,
o, V
Apresentação, Vil
Prefácio da tradução brasileira, VIII
1. Premis
Premissas
sas históricas da lingüística modmoderna,
erna, 1
2 . A ideologia positivista
positivi sta na lingüíst
lingüística
ica 11
3. O antipositivismo, 21
4. A lingüística entre o positivismo e o antipositivismo, 27
5. Unidade e diversidade da lingüística atual, 37
6. O estruturalismo, 45
7. O princípio da funcionalidade, 59
8. Oposição, sistematicidade e neutralização, 71
9. As transformações, 81
10 . Criatividade e técnica lingüística. Os três níveis da linguagem, 91
11. A língua funcional, 101
12 . Sistema, norma e falar concreto, 119
Bibliografia, 127
 

 NOTA
 NOTA DO EDITO
EDITOR
R ITALIA
ITALIANO
NO

Oferecemos aos professores e estudiosos italianos a possibilidade de 1er, reuni


das em -volume, estas modelares lições do notável lingüista Eugenio Coseriu, cuja
redação reelaborada mereceu aprovação do autor. Tais lições foram ministradas nos
cursos de atualização organizados pela Direção geral do ensino secundário de pri
meiro grau do Ministério da Educação Nacional da Itália, de 1968 a 1971, em
Grottaferrata, Chieti e Viarcggio, para professores de literatura e de línguas estran
geiras.
 

APRESENTAÇÃO

 Nasc ido de um
 Nascido umaa série de aulas dad
dadas
as em cur
curso
so de atuali
atu alizaç
zação
ão pa
para
ra pprof
rofess
essore
oress
de ensino secundário, este volume, de autoria de um dos estudiosos contemporâ
neos de maior prestígio da teoria da linguagem, trata de maneira original os proble
mas que levam à compreensão das modernas teorias lingüísticas.
A lingüístic
lingüísticaa moderna - mesmo em sua extrema
extrem a diversid
diversidade
ade de temas, concei
concei
tos e hipóteses, de que vem aqui oferecida uma breve mas completa apresentação — 
é inte
interpre
rpretad
tada,
a, em suas
suas raízes históricas
histó ricas e ideológica
ideológicass que a aprox
aproximam
imam a outr
outras
as
experiências fundamentais da cultura filosófica e científica contemporânea, como
uma reação aos princípios do positivismo, entendido como metodologia geral das
ciências.
A originalidade da contribuição de Coseriu está, entretanto, em ter inserido a
consideração estrutural e funcional em uma concepção dinâmica da língua e identi
ficado três níveis da linguagem como atividade umversalmente humana: o nível
universal   (ouvimos talar em um quarto ao lado sem compreender o que se diz ou
quem fala): o histórico   (individualizamos que se está falando a língua  x,  x ,   isto é,
segundo uma técnica historicamente determinada) e o individual  (somos  (somos capazes de
dizer:  É Pedro quem
qu em fa
fala
la).
).  A estes níveis deveriam se referir as diferentes disciplinas
lingüísticas (entre elas a “gramática”), porque a eles correspondem também três
 planos
 plan os fun
funcio
cionai
naiss ou de “c “coo n te
teúú d o ” lin
lingü
güíst ico:: a designação, o  sign
ístico  significa
ificado do  e o
 sentido.
 senti do.
 

PREFACIO DA TRADUÇÃO BRASILEIRA

Oferecendo ao público estudioso brasileiro estas preciosas  Li


 Liçõ
ções
es d e lin
lingüí
güís-
s-
tica geral   do notável mestre Eugenio Coseriu, temos a certeza de que estamos
contribuindo, num momento histórico da nossa disciplina, para uma revisão e orde
namento de muitos conceitos e doutrinas até aqui expostos de modo insatisfatório
e, o que a nosso ver é a grande inovação deste livro, uma visão de conjunto das
 princip
 prin cipais
ais corre
co rrent
ntes
es da lingü
lin güíst
ística
ica m ododer
erna
na,, fixand
fix ando-l
o-lhes
hes o alcance
alca nce m etod
et odol
ológ
ógic
icoo e
 busca
 bu scand
ndo-l
o-lhes
hes as relaçõ
re lações
es impl
im plíc
ícita
itass e exp
e xp líci
lí cita
tass com
co m o passad
pas sadoo e co
comm o pres
pr esen
ente.
te.
O professor Eugenio Coseriu é um pensador da estirpe dos melhores que a
ciência
ciênc ia da lilinguag
nguagem
em tem conhconhecido
ecido em todos todo s os tempos - e a prova disto é a
coerência que guardam suas originais teorias, quando se lhe comparam os estudos,
dos primeiros aos mais recentes —, e sua extrao ex trao rdin ária e polifacetad
polifac etadaa organização

intelectual tem posto


estudiosos desde luz definitiva
a antigüidade. Estaem muitos acha-se,
produção problemas que vêm disseminada
entretanto, preocupandopor os
numerosas
num erosas ppublica
ublicações
ções — entr
entree livr
livros
os e artigos
artig os —, muitas
mu itas das quais de difícil acesso
acesso
ao geral do público brasileiro.
Estas  Liç
 Liçõe
õess d e lin
lingü
güíst
ística
ica ger al , proferidas para um grupo de professores
geral 
secundários italianos de línguas e literaturas estrangeiras, representam a primeira
obra de conjunto e,m que suas idéias vêm panorâmica e didaticamente expostas,
sempre repetindo a clareza cristalina que ressuma de seus eruditos e profundos
escritos.
Muitas das idéias e conceitos aqui expendidos se acham mais largamente
tratados em variados artigos, e foi de início nossa intenção não só assinalar tais
reencontros de doutrina, mas ainda, quando, necessário, transcrever trechos do
Autor que viessem reforçar e ampliar a lição contida na presente obra, dada a
missão de compêndio didático que vai desempenhar nas aulas de lingüística dos
 

PREFÁCIO DA EDIÇÃO BRASILEIRA

nossos cursos de Letras. Já nesta edição, nos casos que por ora se nos impuseram,
tomamos a liberdade de assim proceder, com o devido beneplácito do Autor.
Outra importância de que se reveste a contribuição de Eugenio Coseriu: insis
tir em que a missão precipua da lingüística é ser a ciência das línguas, e não a
ciência do falar por meio das línguas. A consideração estrutural e funcional numa
concepção dinâmica da língua parece-nos o caminho seguro para a lingüística teó

rica
línguapoder contribuir
materna fundamentalmente para aperfeiçoar a descrição e o ensino da
ou estrangeira.
Em atenção ainda às características de compêndio didático destas  Liç  Liçõe s,  
ões,
acrescentamos, na bibliografia, a indicação da existência de tradução para a língua
 portu
 po rtugu
guesa
esa das obras
obra s a í in
inserida
seridas.
s.
A tradução deste livro contou com a colaboração da Sr.a Dulcemar Silva
Maciel que preparou a primeira versão da metade do texto e que, por motivo de
saúde, teve de se afastar da empresa. A ela nossos sinceros agradecimentos. A
redação definitiva desta parte e do final da obra é de nossa inteira responsabilidade,
 bem como
co mo as ad
adap
aptaç
taçõe
õess de exe
exemp
mplos
los par
paraa a lín
língua
gua portu
po rtugu
gues
esaa e as not
n otas
as de pé de
 páginas, indic
indicada
adass pela
p ela abr
abrevi
eviatu
atura
ra (E.B
(E.B.).
.).

cendo Oa presente
fundo a texto
línguacontou com a aclarou
portuguesa, supervisão permanente
muitos do Autor
passos, propôs que, conhe
melhores solu
ções de versão para muitos outros e expurgou algumas falhas de tradução. Cabe
ainda lembrar que o texto ora oferecido ao leitor não segue simplesmente a edição
italiana original, mas apresenta uma radical correção e reelaboração do manuscrito
destinado a uma segunda edição italiana, ainda não vinda a lume.
Pelas
Pelas qualidades e pel
pelasas perspecti
perspectivasvas aqui lem
lembradas
bradas é que pom
pomos
os nas mãos de
 profes
 pro fessore
soress e aluno
alunoss esta
estass  Liç ões,,  certo de que marcarão uma fase no ensino da
 Lições
lingüística entre nós.
Por tudo isto, agradecemos ao dileto amigo Prof. Eugenio Coseriu a autoriza
ção de verter ao português este livro e Ao Livro Técnico a oportunidade de agasa
lhá-lo na coleção em tão boa hora entregue à coordenação de Carlos Eduardo
Falcão Uchôa.

Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1979

 Evanild
 Eva nildo
o Bechara
 
1

Premissas Históricas d.a


Lingüística Moderna

1.
1.1.
1. Para
Para oferecer uma idéia
idéia panorâmica da llingüística
ingüística moderna
mod erna toma-se neces
sário, antes de tudo, colocá-la no seu contexto histórico, tanto mediato quanto
imediato e, após ter procurado quais os motivos e intuições do passado que servem
de base a teorias e orientações atuais, apresentar destas uma síntese orgânica, que
 perm
 pe rmita
ita form
fo rmul
ular
ar um
umaa serie de pr
prop
opos
osta
tass satis
sa tisfa
fató
tória
riass a respe
res peito
ito do pr
prob
oble
lema
ma fu
funn 
damental: “Que ssee entende,
entend e, hoje, por li
linguage
nguagem?” m?”

1.
1.2.
2. Comecemos por uma observação
observação óbvia: quem que querr que depois de ter seguido
um curso de lingüística em uma universidade italiana, se detenha no estudo da cha
mada lingüística moderna, entendendo como tal as várias correntes surgidas das
 primeira
 prim eirass décadas
déca das d o noss
nossoo scculo
scc ulo,, é su
surp
rpre
reen
endi
dido
do pe
pela
la diferen
dife rença
ça en tr
tree os pr
prob
oble
le
mas e os argumentos desta e daouela. É envolvido, por assim dizer, numa sensação
de novidade,
século maisasaparente
XIX com do que
formulações da real, quando“moderna”,
lingüística cortfronta acomo
pesquisa lingüística
se entre estas duasdo
existisse uma evidente rutura.
Há mais
mais ainda: quem procura
pro curarr um segur
seguroo nexo cond
co ndut
utor
or entre as vá
vária
riass ex
expe
pe
riências da lingüística moderna e imaginar que poderá encontrar uma explicação
coerente de certos fatos em manuais introdutórios, se sentirá frustrado e perceberá
que os manuais, introduzindo o leitor, na realidade, numa determinada visão da
lingüística, oferecem não um panorama completo mas sim setorial, com desconhe
cimento freqüente de algumas orientações que outros manuais, por seu tumo, põem
em evidência.
A lingüística moderna apresenta uma tal variedade de temas, concepções e

hipóteses
sificar de (formuladas muitas
esotérica), que vezes numa
o iniciante, linguagem
apesar que não
de fascinado, nãohesitaríamos
deixa de ficarem clas
tam
 bém atur
at urdi
dido
do.. Da
Daíí os lingüista
lingü istass de pro
profis
fissão
são ed
educ
ucad
ados
os pa
para
ra trab
tr abal
alha
harr segund
seg undoo
 
2 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

cânones tradicionais lhe darem seguidamente um valor negativo, colocando em re


levo a escassa validade operacional, devida ao abismo existente entre arcabouço
teórico e resultados práticos. A lingüística tradicional, a chamada histórica, era mais  
concreta,  é o que se ouve dizer em muitos lugares, especialmente na Itália; mal
grado existissem nela divergências até mesmo fundamentais, como entre os defen
sores da lingüística genealógica e os da lingüística geográfica, havia um acordo subs
tancial na escolha dos temas a enfrentar. Quem teria jamais discutido, por exemplo,
sobre a teoria da sintaxe?
sintaxe?

1.3.
1.3. Primeiramente foi as assina
sinalado
lado o caráter de aparente novidade, próprio da lin
güística moderna. Ora, é oportuno distinguir entre novidade efetiva e desenvolvi
mento, com roupagem moderna, de temas já conhecidos. Isto posto, não há dúvida
de que a lingüística moderna encara, de um lado, problemas sobre a natureza e
estrutura da linguagem que a lingüística tradicional havia desprezado; por outro
lado, ela não se ocupa ocup a absolutamente com indaga
indagações
ções históricas; ou então, procura
pro cura
 just
 ju stif
ific
icaa r a hi
hist
stór
ória
ia (dese
(d esenv
nvolv
olvim
imen
ento)
to) pa
part
rtin
indo
do da desc
descriç
rição
ão (est
(e stru
rutu
tura
ra).
). E ntre
nt reta
tant
nto,
o,
é evidente, antes de tudo, que, dado o caráter abstrato e quase filosófico dessas
 pr eocu
 preo cupa
paçõ
ções
es,, a lingü
lin güís
ístic
ticaa atua
atuall deve reel
re elab
abor
orar
ar e des
desenvo
envolve
lverr a seu mo
modo
do tais
temas e problemas que, constituindo-se em interesses culturais particulares, caduca
ram e não foram considerados como objetos de ciência, principalmente na segunda
metade
me tade do século XIX
XIX..

1.4.
1.4. É opinião comum
comum,, introduz
introduzida
ida na realidade pelos estudiosos dess
desses
es período
períodos,
s,
que a lingüística científica é aquela que se segue à difusão da comparação como
estudo sistemático das correspondências entre as línguas. Mas se a esta visão, tão
legítima quanto estreita, opusermos uma outra que considera lingüística qualquer
forma de reflexão sobre a linguagem, a lingüística moderna parecer-nos-á um re
to
tomm o a temas ess
essenc
enciai
iaiss da especulação lingüistica do século XVI
XVIII,
II, a qual, por sua

vez, reelaborava
güidade motivos
clássica sobre
clássica intrínsecamente
a origem e as cara ligados
caracterís ticas às
cterísticas da discussões
linguagem.mantidas já na anti
linguagem.
Distinguindo
Distingu indo por
portan
tanto
to a lingüística histórica e compara
comparadada da lingüísti
lingüística
ca ger
geral
al,,
teremos o seguinte quadro da sucessão dos interesses lingüísticos através dos tem
 pos: . .

a) Da antigüidade clássica até o Renascimento predominam problemas de


definição, relativos, por exemplo, à essência da linguagem e às categorias das lín
guas, e problemas de descrição. Até o Renascimento quem se ocupou de línguas
teorizou sobre a linguagem e descreveu língua, baseado freqüentemente no que já
fora teorizado, por ele mesmo ou por outros.
 b) No Re Rena
nasc
scim
imen
ento,
to, mes
mesmo
mo não de
desc
scur
uran
ando
do p o r com
co m plet
pl etoo a preoc
pr eocupa
upaçã
çãoo
teórica, há predominância de uma outra, que não fora absolutamente ignorada an
tes: a histórico-comparativa.
histórico-com parativa. Comparam-s
Comparam-see línguas di
diversas
versas ou ttamb
ambém ém fas
fases
es histó
hist ó
ricas de uma mesma língua e se procura a explicação de fatos históricos. Exemplo
 
PREMISSAS HISTÓRICAS DA LINGÜÍSTICA MODERNA 3

disto é a indagação por que o latim se transformou em italiano, francês, espanhol,


etc. Muitas soluções da lingüística histórica do século XIX já tinham sido anuncia
das no Renascimento mas, como é óbvio, com um reduzidíssimo instrumental teó
rico. Formulava-se de fato uma hipótese sobre a evolução natural das línguas, ou
as modificações
modificações eram atribuídas a iinfluxos
nfluxos de substratos ou superstratos (ex.: para
as línguas románicas, a influência de um superstrato germânico). Estas mesmas
questões predominam até o final do século XVII.
c) No século XVIII
XVIII problemas
problem as antigos são retomad
retomados,os, discute-
discute-sese novam
novamente,
ente,
 porr exem
 po ex emplo
plo,, a teoria  e descrição.   Esta é, com efeito, a época da gramát ica geral  e
 gramática  e
da descrição  de algumas das línguas modernas. De acordo com esta temática, não é
surpreendente
surpreenden te que na lingüística do séc século
ulo XVIII sejasejam
m encontrada
encontradass vá vária
riass questões
 passíveis de ser julgad
julg adas
as atu
atuais
ais.. Quem ler,
ler , p o r exem
ex empl
plo,
o, He
 Herm es,  de James Harris1,
rmes,
uma das obras lingüísticas mais importantes do século, poderá ter a impressão, ao
menos no que diz respeito à colocação de certos problemas, de se achar diante de
um trabalho de nossos dias.
d) Com o século XIX temos, de certo modo, um retomo à problemática do
Renascimento, estando o interesse voltado principalmente para comparação  e his-
tória.  Quem,
vesse nascendoentretanto,
um métodobaseando-se no preconceito
histórico-crítico, de quecom
fizesse coincidir somente agorao esti
este século nas
cimento da lingüística moderna, certamente estaria ignorando a especulação pre
cedente e sobretudo identificaria a lingüística moderna com a histórico-compara-
tiv arc
ar c om o se fosse
fosse esta
est a a nossa verdadeira
verdade ira discipl
disciplina.
ina. Todavia apenas um moti
motivo,
vo,
não novo, é retomado, e além do mais —enquanto solicitado pelo contexto his
tórico particu
p articular
lar —oposto aos da lingüística do século XVII XVIII.
I.
e) A lingüí
lingüística
stica atual é novam
novamente
ente dominada
domina da pelas questões seguin
seguintes:
tes: 1) o
 prob
 pr oblem
lemaa da teoria,  com várias orientações e teorias da linguagem diferentes entre
si
si;; 2) o problema da descrição  e da aplicação,  com propostas de questões práticas
também no âmbito da lingüística histórica. A lingüística atual, portanto, reelabora,
mas à maneira de tese e antítese, a problemática do século XVIII.
*

Com respeito à lingüística atual —sobretudo teórica, descritiva, sincrónica


(referente a determinada fase de uma língua) e não diacrônica (relativa ao estudo
da língua atra
através
vés do tem
tempo)
po) — a lingüística ¡mediatamente prece precedente
dente pode ser
considerada como uma espécie de parêntese no longo desenvolvimento dos pro
 blemas
 blem as lingüí
lin güístic
sticos,
os, a p a rtir
rt ir da antig
an tigüid
üidad
ade,
e, is
isto
to é, desde
desd e quan
qu andodo esses problem
prob lemas
as
foram postos pela primeira vez no mundo ocidental, uma vez que, neste nosso pa
norama, se omite deliberadamente, pela nenhuma repercussão em nossa cultura, a
obra dos gramáticos hindus antigos,
antigos, particularm
particularmente
ente a de Pãni
Pãnini.
ni.11
1 J. Harris,  Hermes or a Philosophical Inq Inquir
uiryy Conceming
Concemin g Language
Language and Uni nive
versal  
rsal 
Grammar \Hermes o
ouu pesquisa filosó
fil osófica
fica sobre univers al ],
s obre a linguagem e a gramática universal  ], Londres,
1751.
 
4 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

1.5. No Ren
1.5. Renascim
ascimento
ento e no século XIX prevaleceu o histo
historicism
ricism o, e é natural
natu ral que
dessa natureza fosse também a lingüística de tal período, enquanto a preocupação
que hqje domina a disciplina, de modo geral, é, como dissemos, de caráter teórico
e descritivo.
descritivo. Por este motivo a lingüística moderna,
mod erna, em sua col
colocação
ocação essenc
essencial
ial,, não
é absolutamente nova, antes retoma às suas tradições mais antigas. Trata-se de um
retorno não declarado explícitamente e até mesmo por vezes ignorado pelos pró
 prioss lingüistas
 prio lingü istas..
1.5.1. O esquema
1.5.1. esque ma seguinte mo
mostra
stra a sucessão
sucessão e a intercessão das orien
orientaçõe
taçõess da
lingüística através
através dos tempos:
temp os:

Origens -*■ Re nasc


Rena scim
imen
ento
to --**■ Século XVIII S éculo XI
XIX S éculo XX
XX
-*■ Ren
Renasc
ascim
imen
ento
to -*■Séc. XVIII
Teoria e Comparação Teoria e Teoria e
Comparação
descrição desorição descrição
e história .e his
histór
tória
ia

1.5.2. Eis alguns exempexemplos.


los.
A distinção
distinção entre
en tre “significante” (isto é, a parte m aterial
aterial do signo
signo lingüístico)
e “significado” (ou seja, o conteúdo mental do próprio signo lingüístico) é atri
 b
 buí
uídd a, a m aio
ai o r pa
part
rtee das vezes, a F
Fer
erdi
dina
nand
nd de Saussure
Saus sure,, que to
toda
davi
viaa defi
d efini
niaa o “ sig
sig
nificante” como “imagem acústica”, de natureza psíquica e não física. Mas tal dis
tinção é m muito
uito antiga
antiga:: ela já aparece, com outras pala
palavras,
vras, no  De in inte
terp
rpret
retat
atio ne  
ione
de Aristóteles, que distingue o que está na voz rà èv  tt? ipcovij daquilo que está na
alma r à èv t t j <f>vxij.  .Nem ao menos se fala daquilo que está fora do homem; o que
está na voz é símbolo do que está na alma. Tal distinção se toma explícita na gra

máticaé dos
(isso fora estoicos,
do  sign quenpdistinguem
 signo),
o), entreSóoruialvov
ii a,   “coisa”.
ãy iia, se explica  e crqíKnvôpevov  e, fora
que esta distinção destes,
seja atri
 b
 buu íd a a Saussure
Sau ssure porq
po rque
ue se inte
in terr
rromom pe u a lin
linha
ha teór
te óric
icaa no
n o de
deco
corr
rrer
er do
doss séculos.

1.5.3. Uma ououtra


tra distinção que parece rece
recentíssim
ntíssim a é aquela que se estabelece en
tre a linguagem que tem por objeto realidades extralingüísticas (chamá-la-emos
“primária”) e a que tem por objeto a própria linguagem ou “metalinguagem”2. Por
exemplo:

casa  A casa tem dois andares (linguagem “primária”)


“prim ária”)
Casa
Casa tem quatro
* letras

Casa se pronuncia com s  sonoro ou s surdo ( “metalinguagem”)


“metalinguagem”)
{
2 Veja-se ainda o capítulo 12.
 
PREMISSAS HISTÓRICAS DA LINGÜfSTICA MODERNA 5

Também esta distinção entre uso primário das palavras e uso “reflexivo”
(aplicado às próprias palavras) não é nova, pois aparece já em forma explícita no
magis tro  de Santo Agostinho, onde, a respeito de verbum, se diz que é uma pa
 De magistro
lavra ( verbum ), do mesmo modo que o são “casa!’, “cão”, “livro”, e que significa
“palavra” (“verbum
( “verbum ”). De Depoi
pois,
s, tal distinção é retomada
retoma da outras ve veze
zess na história das
das
reflexões sobre linguagem, particularmente na lógica medieval, que distingue a sup  
 posi
 po siti
tioo form al is   “hipótese formal” ou “funcional” (consideração da linguagem
fo rm alis
como linguagem primária) da  su  supp
ppos
ositi
itio'
o'ma
mate
teria lis   “hipótese material” (considera
rialis
ção da linguagem como “metalinguagem”).
Trata-se
Trata-se ainda de um retom
reto m o a questões já ex
existentes;
istentes; isto nos dever
deveria
ia con
con 
vencer de que muitos motivos e problemas da lingüística atual não são “novos”
mas, retomados
retom ados e redescobertos
redescobertos no curso da história, voltam hoje a ser postos à luz.
luz.

1.5.4.. Um outro exemp


1.5.4 exemplo lo é a distinção entre sincronia e diacronia (cf. 1.4, e) tam 
 bém
 bé m atri
at ribu
buíd
ídaa a Saussu
Sau ssure,
re, mas que já se aach
cha,
a, p o r eexe
xemm plo,
pl o, na
nass not
n otas
as acr
acresc
escen
entad
tadas
as
à edição francesa
francesa da obra já citada de Harris (cf. 1. 1.4,
4, c), traduzida
traduzid a por
po r Fra
François
nçois
Thurot, no quarto ano da República. Em uma das longas notas que ajunta à tradu
ção, Thurot declara que, ao apresentar o verbo francês, adotará não o ponto de
vista etimológico, mas o da “ordem sistemática”, atual, do verbo francês, ou seja,
a descrição de um estado é oposta à história da língua.
Esta distinção aflora também no século XIX, num autor muito interessante
e a que Saussu
Saussure
re deve
deve muitíssimo: Georg Georg von der Gabelentz, aauto utorr da densa obra
 Die Spra
Sp rachchwis
wissen
sensch
schaft
aft,, Ihre
Ih re Au
Aufgfgab
abe,
e, M etho
et ho de n un d bisherigen Ergeb nissee  (A lin-
bishe rigen Ergebniss
 güíst
 gü ística
ica,, seus objet
ob jetivo
ivos,
s, m étod
ét od os e rec
recent
entes
es res
result
ultad
ados ),   editada em 1891 e, após a
os),
morte
mo rte do auto
au torr ocorrida em 1893, reeditada em 1901, com reelaboraçã reelaboraçãoo de A A.. von
der Schulenbuig, sobre a qual se reproduz a edição de 1969.
Gabelentz distingue explicitamente entre fatos simultâneos ( gleic
 gl eichz
hzeit ig  “con
eitig   “con

temporâneos, sincrónicos”)
(aufeinanderfolgend  e fatosdiacrônicos”),
  “sucessivos, que se sucedem um depoisnadoobra
e Saussure, outro, sucessivos
Cours de lin 
 guist
 gu istiq
ique
ue gén
généra le   ( Curso de lingüística geral),   publicação póstuma de 19163, re
érale
toma estas definições e as traduz por  fa its it s sync
sy nchr
hron
oniq uess  e termes successifs.  E
ique
depois de Gabelentz, Dittrich, em uma obra de 1904 sobre a psicologia da lingua
gem, faz distinção entre as duas formas de lingüística, que chama respectivamente
 synch
 sy nchro
ronis
nistis ch   e metachronistisch4.
tisch

3 Cons
Consulte-
ulte-se
se a tradução italiana des
desse
se livio,
livio, dota
dotada
da de amplo comentário, feita ppor
or T.
de Mauro, Corso di lingüistica generóle,  Laterza, Bari, 1968.
4 Tr
linguagemTrat
 |,ata-
a-se
se se
onde da declara
obra
obra Grundzüge der Sprachpsychologie  [Fundamentos de psicologia da 
que o objetivo da psicologia da língua é entender “a língua como
 pro dutoo humano
 produt human o . . . no seu condiciona
condic ionament
mentoo através da organizaçã
organizaçãoo psicofísica e da atividade
da coletividade
coletividade lingüística”
lingüística”..
 
6 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

J .5.5. Uma outra distin


distinção
ção mmodern
odernaa que, nnaa realidade, ve vem
m desde a antigüidade e
que, por vezes, é retomada até com a mesma roupagem daquele tempo, é a que diz
respeito a língua  enquanto saber, técnica, e  fal ar   enquanto realização da técnica
 falar 
lingüística concreta
con creta —
—na
na terminologia saussuria
saussuriana,na, en
entre
tre langue  a paro le  ou, segundo
 parole
a oposição afim proposta recentemente por A. Noam Chomsky, entre competence 
(competência) e  per
 perfor
forma ncee  (desempenho).
manc

 Na reali
realidade,
dade, esta dis
distin
tinção
ção,, tampé
tam pémm atri
at ribu
buídídaa co
corr
rren
entetemm en
ente
te a Saussure,
Sauss ure,
está implícita em toda a gramática desde que existe uma disciplina gramatical, por
que nenhuma gramática jamais descreveu o  fa  fala
lar r , o desempenho, mas sempre pre
tendeu descrever a língua , o saber lingüístico, a langue,  a competência. Isto, natu
ralmente, de modo implícito. Depois, de modo explícito, a distinção aparece na
 Enciclo
 Enc iclopéd
pédia
ia das ciências filos
fil osóf icass  de Hegel, parágrafo 459, dedicado à lingua
ófica
gem.. A fórm
gem fórmula
ula ddee He
Hegel
gel é mu muitíss
itíssimo
imo simples: “ Die  Red  R ed e   und ihr System, die
Sprache ” , ‘o falar e seu sistema
sistema,, a línlíngu
gua’
a’.. O cursivo é do próp pr óprio
rio Hegel, e parece
indicar um uso técnico para esses termos, ainda correntes com o mesmo valor na
língua alemã. Entretanto, na obra de Gabelentz acima citada, esta distinção não é
apenas formulada mas também discutida e tomada como fundamento de uma dis
tinçãoGabelentz
correspondente entrena
distingue disciplinas
“linguagem” lingüísticas, descritivas
( Sprache ) o “falar”e históricas.
(Rede),   a “língua”
(Einzelsprache)  e a “faculdade da linguagem” (Sprachvermogem),   no Curso de lin-
 güíst
 gü ica geral   de Saussure, acham-se, através de conceitos praticamente análogos a
ística
estes, os termos  parole
 parole,, langue  e fa
 facu
cu lté langage  Pod
lt é d e langage Poder-
er-se-
se-ia
ia ob
obter
ter daí o següinte
esquema:

 Re de  (Saussure, paro
 Rede  parole)
le)

{  Einzels
 Ein zelsprac he  (língu
prache  (línguaa determ inada; Saussu
Sprachvermógen (Saussur e, e, fa
 facu
cu lte
Saussure,
re, langue )
lt e d e langage)

Esta distinção é entendida por Gabelentz como fundamento de uma outra,


entre as disciplinas lingüísticas que, no seu entender, deveriam ser subdivididas em.
a) lingüística descritiva, isto é, uma disciplina que explica o falar e por isso des
cr
crev
evee o siste
sistema
ma qu
quee o reg
regula
ula :. b) lingüística histórico-com
histórico-comparativa,
parativa, que procura
explicar historicamente
historicam ente a língua
língua;; c) lingüística ger
geral,
al, cujo objeto é a faculdade
faculdade da
linguagem em geral.

1.5.6. Ou
1.5.6. Ouveve-s
-see fala
falarr freque
frequentem
ntem ente da teoria
teo ria da arbitrarieda
arbitrariedade
de do signo
signo lingüís
tico (árbitraire du signe,  na terminologia de Saussure), segundo a qual as palavras
consideradas em si não são motivadas naturalmente, isto é, não existe relação de
causa entre a palavra e a coisa significada ou designada. A palavra mesa não se asse
melha de modo nenhum ao objeto “mesa” nem ao respectivo conceito, e neste sen
tido é arbitrária. Esta teoria também foi atribuída a Saussure. Em recente artigo
 
PREMISSAS HISTÓRICAS DA LINGOfSTICA MODERNA 7

sobre oprobíenla5, demonstrei que se trata, porém, de uma tradição iniciada com
Aristóteles e que o arbitraire du signe  é a forma moderna da teoria aristotélica se
gundo a qual o signo funciona não naturalmente, mas irará avvdivnpv   “segundo
uma instituição”, de acordo com as tradições estabelecidas socialmente. Encontrei
também uma tradição ininterrupta, através de Boécio e da filosofia escolástica até a
época moderna, da determinação do signo como arbitrário. E também o termo “ar
 bit
 b itrr á r io
io”” rem
re m on
onta
ta à antig
an tigüid
üidad
ade,
e, hsNoctes atticae  de Aulo Gélio. Novamente intro
duzido por Júlio César Escalígero em lugar de ex instituto, ex institutione   (cor
rente na filosofia e na especulação lingüística medieval), foi depois retomado por
muitos autores, dentre os quais podemos recordar Hobbes, no De homine  (1658) e
Schottel, na sua gramática alemã  Au sf
sfüh
üh rl
rlic
iche
he A rb eit
ei t von de r Teuts
Te utsch
chen
en Ha
Haub t  
ubt 
Sprache  (1663). A expressão “arbitrariedade do signo” ocorre entretanto não ape
nas como noção, mas também como termo, a partir de obras em língua latina até
obras em língu
línguas
as modernas.

1.5.7. Assi
1.5.7. Assim
m proce
procedendo
dendo,, pode-se
pode-se chegar a descobrir
desco brir tamb
também ém os precede
precedentes
ntes de
 proble
 pro blema
mass cien
ci entí
tífi
fico
coss pa
parti
rticu
cular
lares
es,, com
co m o oc
ocor
orre
re com
co m certa
ce rtass noçõ
no ções
es gra
grama
matica
ticais.
is.
Em recénte artigo sobre categorias de pessoa, Émile Benveniste6 sustenta que as
 pesso as gra
 pessoas grama
matica
ticais
is são so
some
ment
ntee a prim
pr imei
eira
ra e a segun
se gunda,
da, porq
po rque
ue a tert erce
ceir
iraa éé,, ao con
co n
trário,, a não-pessoa; a primeira e a segun
trário segunda,
da, de
de fato, enenqua
quanto
nto pessoas que parti
cipam efetivamente do diálogo, são, na realidade, pessoas, enquanto a terceira, ou
melhor, a chamada terceira pessoa, enquanto aquilo de que se fala, não é necessa
riamente pess
pessoa,
oa, mas pode ser uma coisa qualq qualquer,
uer, ainda uma idéia abstra abstrata:ta: numa
análise extrema, todo o resto do mundo.
Também esta teoria e esta interpretação das pessoas gramaticais se encontram
na obra
ob ra já citada de Harris:
Harris: em pequena
peque na nota
not a ao pé
pé de pági
página,
na, eele
le suste
sustenta
nta que exi exis
s
tem somente a primeira e a segunda pessoas, enquanto a terceira é a não-pessoa
(aliás
(aliás Harris
Harris encampa expressamente um umaa tese de Apolônio Díscolo).

1.6.
1.6. Tudo o que disse
dissemos
mos não pretende
preten de diminuir os mé
méritos
ritos da lingüística mo
moder
der
na, mas mostrar que ela não está fora da tradição, como se ouve dizer seguidamente,
e que, ao contrário, retoma posições teóricas sobre a linguagem existentes desde a

5 E. Co
Cose
seri
riu,
u,  L 'arbitra
'arbitraire
ire du sig
signe
ne,, Zu r Spàtgeschic hte eines aristotelischen Begriffes [A 
Spàtg eschichte
arbitrariedade
arbitrariedade do sigsigno
no.. Sobre a história tardia de um u m conceito
conce ito aritot
a ritotélico \,  Archiv für das
élico\,
Studium der neueren Sprachen und Literaturen, CXIX, vol. 204, N. 2, 81-112, 1967 (Agora
inserido em Tradición y novedad en la ciencia de dell lenguaje,  p. 13-61. Gredos, Madrid, 1977.)
6 E.
E. Benveniste interessou-
interessou-se
se pela primeira vez por esta questã qu estãoo em Structures des 
relations de per
personne
sonne dans le verbe
verbe [Estruturas relações de pessoa no verbo], Bulletin de la
[Estruturas de relações
Société de Linguistique, XLI11, vol. 1, N. 126, 946 e numa segunda vez em  La nature des 
 pronom
 pro nomss ]A natureza dos prono mes]   no volume de homenagem For Román Jakobson (Haia,
pronomes]
1956). Ambos os artigos se acham agora recolhidos em  Problémes de linguistique génerale génerale 
l],  Paris, 1966. Desta obra existe trad
[Problemas d
Maria dee lingü
da Glorialingüisti
istica
Novak ca gera
egeral],
Luiza Neri, com revisão de Isaac N.traduçã
uçãoo para
Salum, o portu
portugués
Companhia gués de
Editora
 Nacional, São Paulo, 1976.
 
8 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

antigüidade: o abismo e a ruptura, portanto, dizem respeito apenas à lingüística


¡mediatamente precedente, e, em particular, à lingüística dos últimos decênios do
século XIX. Se, porém, em certo sentido, a lingüística moderna é antiga no que
concerne aos temas e é, por isso mesmo, tradicional, isto não significa que o seja
também em seu desenvolvimento. Poder-se-ia entretanto objetar que também a
organização atual das disciplinas lingüísticas retoma de certo modo a tradicional,
criada pelos gregos. Para estes, são quatro as disciplinas lingüísticas: enquanto a
 primeira
 prim eira delas
delas,, não den
denom
omina
inada
da de mo
mododo es espe
pecíf
cífico
ico,, é identific
iden tificáve
ávell com a teoria, 
as outras três receberam um nome e se constituíram mesmo em objeto de estudo,
na Antigüidade e na Idade Média .gramática, retórica e dialética.
Aó lado da teoria ou filosofia da linguagem, a gramática tinha a tarefa de
descrever a língua independentemente das circunstâncias do seu uso (hoje se diria
aproximadamente, com terminologia gerativa, de maneira livre do contexto,
contextfree).  Por exemplo, a formação dos tempos do verbo, do singular e do
 plural,
 plu ral, do mascul
ma sculino
ino e do femini
fem inino
no,, etc.,
et c., são fatos
fa tos lingü
lin güíst
ístico
icoss que valem para
qualquer circunstância, independentes
indepen dentes de circunstâ
circunstâncias
ncias determinadas.
A retórica pretendia, por seu tumo, estudar a língua em usos específicos e
com finalidade determinada; ocupava-se, portanto, por exemplo, das circunstâncias
objetivas concernentes ao próprio objeto do falar, e daí derivava a distinção entre os
diversos estilos, segundo a qualidade e a natureza do objeto em questão.
A dialética finalmente estudava o uso da linguagem enquanto meio apto a
descobrir a verdade, numa discussão em que se opõem tese e antítese.
Ora, destas disciplinas, a gramática, bem ou mal, persiste viva, pelo menos
como disciplina prática, nas escolas; quanto à retórica (em grande parte eliminada
do ensino, sobretudo devida à influência exercida pela filosofia idealista nas con
cepções lingüísticas do século passado e mais ainda do nosso), teve sua importância
ressaltada nestes últimos tempos, provocando um movimento de retomo a ela por
vários caminhos, entre os quais prevaleceu primeiramente a chamada “estilística da
langue" , representada sobretudo pela obra de Charles Bally7, um dos responsáveis

do Curso  de Saussure,
determiñados iisto
sto é, o estu
sistemas lingüísticos.estudo
do das
Entre os caracterís
características
ticas afetivasmais
lógicos, desempenha e eexpressi
xpressivas
ou mer vas j s dío
mesmo papel da retórica antiga a chamada pragmática, ou seja, o estudo da lingua
gem em seu uso na vida prática (nas relações humanas).
A dialética, ao contrário, abandonada como disciplina no século passado
(depois
(depo is de 183
18300 também
tamb ém no n o ensino universitário; recor
recorde-se
de-se que o uso da pal palavr
avraa
tese, parà indicar o trabalho de doutorado, provém da dialética, pois que se apresen
tava, de fato, uma determinada tése, que era defendida), foi retomada pelos lógicos
modernos no estudo da sintaxe lógica da linguagem. A gramáti  gramática,
ca, retóri ca   e dialé-
retórica
tica correspondem, respectivamente, na distinção proposta por Rudolf Carnap e por 

7 Veja-sc eesspecialmente C. B BaalJy,  Linguistiq


 Linguistique
ue générale et linguistique française [Lin
[Lin--
 güistica geral e lingüistica france saJ, 4.a
fra ncesa 4. a cd., Franc
Francke,
ke, Berne, 1965. H Háá trad
traduç
ução
ão italiana
italian a com
apêndice de C. Segic, II Saggiatore, Milano, 1963.
 
PREMISSAS HISTÓRICAS DA LINGÜISTICA MODERNA   9

outros lógicos modernos, a  sem  semánt ica   (que trata, na realidade, da gramática em
ántica
geral), pragm ática   e sin
 pragmática  sinta
taxe
xe lógica da linguagem.
linguag em.

1.
1.7.
7. Assinalamos
Assinalamos os problemas
problem as lingüístico
lingüísticoss da época clássica,
clássica, da Idade Médi Médiaa e do
século XVIII, e recordamos também que certas noções ou distinções se aproximam
de llegel e Gabelentz. Ao menos em certo sentido, estas idéias e posições estiveram
 presen
 pre sentes
tes ta
tamb
mbém
ém ququan
ando
do a lingü
lin güíst
ística
ica foi dodomm inada
ina da po
porr ou
o u tro
tr o s inte
interess
resses;
es; po
porr isso
devemos modificar nosso esquema do desenvolvimento das idéias lingüísticas e ter
 presen
 pre sente
te que a pro
p roble
blemá
mátic
ticaa lingüís
ling üístic
ticaa é e foi
f oi sem
sempre
pre comple
com plexa.xa. De fato,
fat o, qu
quan
ando
do se
afirma que o objetivo essencial da lingüística é a teoria ou a descrição, isto não
implica a ausência total de temas históricos: eles são apenas menos importantes e,
obviamente, com respeito ao problema principal da descrição, a história lingüística
se faz só de modo parcial e em função da própria descrição. Inversamente, quando
os objetivos essenciais da lingüística foram a comparação e a história, a descrição
certamente daí não desapareceu, mas passou, por assim dizer, ao segundo plano e,
no caso, foi feita em função da história. Assim, se no século XIX a linha principal
de desenvolvimento da lingüística passa pela lingüística histórica, pela comparação
lingüística’, pela história das línguas e pela gramática histórica, ao mesmo tempo se
desenrola, debaixo desta mesma linha, a lingüística/teórica e descritiva, que con
tinua a tradição do século XVIII, tradição mais antiga e jamais desaparecida, a que
 perte
 pe rtenc
ncem
em estud
est udios
iosos
os da envenverga
ergadur
duraa de um H umbo
um boldldt,t, na primeira
prim eira me
metad
tadee do
referido século, e de um Steinthal e Gabelentz, na segunda metade. Deste ponto de
vista, a lingüística atual constitui um retorno, em primeiro plano, à lingüística
teórica e descritiva; de certo modo, ela retoma a problemática do século XVIII,
 poré
 po rémm em ou
outra
trass direçõ
dir eções,
es, im
impo
posta
stass pela ampla
amp la ex
expe
periê
riênc
nciaia do século
sécu lo XIX, qu
quan
ando
do
a lingüística histórica se tinha tornado a lingüística por excelência.
1.8.
1.8. Rec
Recapitula
apitulando
ndo:: os temas teóricos e descritivos da lingüística atual recuam à
Antigüidade e à Idade Média, e sobretudo ao século XVIII; os históricos e compara
tivos, à lingüística do Renascimento e do século XIX. Isto no que tange ao contexto
histórico geral necessário
rico imediato, da lingüística atual.
se faz ter Entretanto,
presente que no aque concerneatual
lingüística ao contexto
constituihistó
uma
reação à lingüística imediatamente precedente. Para compreender nas suas raízes
dialéticas a lingüística do início do século até hoje, é preciso lembrar uma reação
decisiva a determinada ideologia, a dos neogramáticos, que outra coisa não era
senão a forma que a ideologia evolucionista e positivista assumiu na lingüística.
 Não será su
surp
rpre
reen
endedent
nte,
e, p o rt
rtan
an to
to,, que as reaçõ
reações
es a ideo
ideologia
logiass do
doss neo
neogra
gramá
má
ticos sejam contemporâneas, na lingüística, a outras reações que se manifestam
 parale
 pa ralelam
lament
entee em o u tr
troo s se
setor
tores
es da cu cultu
ltura,
ra, e, de modo
mo do pa
parti
rticu
cular
lar,, na filosofia
filos ofia..
Fixar-se-á, como data inicial, o período em torno de 1900, durante o qual foram
várias as reações ao positivismo, desde a  Es  Estét ica   de Croce8 até o chamado intui-
tética

’ B. Croc
Croce,
e,  Estétic
 Estéticaa come
com e scienza dellespre
de llespressione
ssione e lingüistica
lingüistica generóle {Estética
{Estética co mo  
como
ciencia da expressão e lingüistica geral\,  Laterza, Barí, 11.a ed., 1965.
 
10 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

cionismo ou vitalismo de Bergson, à fenomenologia de Husserl (a obra em que se


fundam e têm início as indagações lógicas de Husserl apareceu justamente em 1900,
como reação ilógica e à gnoseologia do positivismo).
Veremos em que sentido é possível afirmar que, em suas raízes, a lingüística
atual, vista neste contexto ideológico geral, pode ser interpretada como uma reação
ao positivismo. Tanto na lingüística qu
quant
antoo nas outras disciplina
disciplinas,
s, sob vár
várias
ias formas,
formas,
segundo o objeto específico de cada uma
uma;; os princípios fundamentais
fundame ntais sobre os quais
quais
tal reação se articula são, como veremos, os mesmos.
 
A Ideologia Positivista na Lingüística

2.1. Se em ce
certo
rto sentido se
se pode considerar
considera r que a lingüística atual volta a posições

 já assum
assumidas
idas em ou tras
tra s épocas
épo cas — se não
nã o ex atam
at am en te p o r uma
um a discip
dis ciplina
lina es
espe
pecí
cífic
ficaa
que, além do mais, não existia, pelo menos no que conceme à problemática da
linguagem
linguage m —, duas observações,
observações, porém,
poré m, devem ser feitas a ess essee propó
pro pósito
sito : freqüente-
mente não se trata senão de tentativas não desenvolvidas posteriormente, e os laços
aos quais nos referimos são fortuitos. Em outras palavras: não se trata de um
retorno efetivo a uma lingüística
lingüística já existen te, malgrado aquela
aquelass tentativas se tenham
tomado motivos fundamentais da lingüística atual.
Dizendo
Dizend o “ten tativas” e “não desen
desenvol
volvida
vidass posteriorm ente”
ente ” , se
se subentende a
afirmativa de qúe na maioria dos casos faltam laços históricos efetivos, falta uma
tradição ininterrupta da antigüidade à lingüística atual; e em alguns casos estes
laços, se existentes, escapam a uma análise filológica.
Serve como exemplo a diferença entre sincronia e diacronia e, na prática,
entre exame sincrónico e exame diacrõnico de fenômenos lingüísticos, que já
aparece em François Thurot, no final do século XVIII, depois no prefácio da gramá
tica espanhola de Andrés Bello e também no prefácio à gramática alemã de K.
Heyse. Não se pode, porém, estabelecer um fio condutor entre essas posições
teóricas. Na lingüística atual, ao contrário, há efetivamente uma continuidade;
todavia, se estes princípios são retomados, não constituem um retomo motivado ou
historicamente consciente, porquanto muitas vezes não interessa a alguns lingüistas
do nosso tempo uma visão histórica da sua disciplina, e lhes interessam ainda menos
eventuais laços históricos com a tradição. Mais que qualquer outra coisa, uma
identidade geral de posição pode conduzir por vezes a afirmações similares ou aná
logas ou até mesmo quase idênticas, sem que, na realidade, entre estas, haja efetiva
mente uma relação de dependência histórica. Assim é que não se dirá que Benve-
nistee recordado anteriormente
nist anteriorme nte a propósito do modo de interpre
interpretar
tar os p ronomes
 
12 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

 pessoais (c
(cf.
f. 1.5
1.5.7)
.7),, retom
ret omee prop
pr opri
riam
am en
ente
te Harri
Ha rris;
s; ao cont
co ntrá
rári
rio,
o, ele cert
ce rtam
amen
ente
te
ignorava que Harris havia dito a mesma coisa em pequena nota ao pé de página: é
simplesmente o modo de pôr o problema, ou melhor, a atitude geral que pode
conduzir também a soluções análogas dos mesmos problemas. Isto no que diz
respeito ao propósito do contexto histórico mais amplo da lingüística atual.
2.2. No con texto histórico
2.2. histórico imediato, entretan to, a lingüí lingüística
stica atu
atual
al representa uma
série de reações diferentes à chamada ideologia dos neogramáticos. A este respeito,
 poré
 po rém,
m, são necessár
nece ssários
ios algun
algunss eescl
sclare
arecim
cimenentos
tos..
A lingüística como ciência com um método próprio de indagação surgiu nos
 prim
 pr imeir
eiros
os anos de 1800 co comm o lin
lingügüís
ístic
ticaa co
com m pa
para
rada
da e hi
hist
stór
óric
ica,
a, sem ob
obvia
viame
mente
nte
nenhuma ideologia positivista, que ainda não existia como tal, emprestada de uma
ideologia romântica que apenas em parte é conservada e continuada pelo positi
vismo. A lingüística comparada e histórica se afirma sobretudo como lingüística
indo-européia, gramática comparada das línguas indo-européias, e principalmente
das línguas clássicas, románicas e germânicas.
Porr volta de 1870,
Po 1870, p or um lado segui seguindondo-se
-se a um desenvol
desenvolvimento
vimento interno
intern o
 porém
 por ém nã
nãoo sem ligações
ligaçõe s co
com
m a ideolo
ide ologia
gia pr
prededom
om in
inan
ante
te na cult
cu ltur
uraa da époc
ép oca,
a, po
porr
ou tro lado através
outro através da influência de um grande
grande lingüista alemão,
alemão, August Schleicher1,
surge a chamada escola dos neogramáticos, cujos primeiros representantes foram
Karl Brugmann, Berthold Delbrück, Hermann Osthoff e August Leskien.
2.3. Dura
Durante
nte o século passado, a lingüística foi
foi uma ciência qu
quase
ase que exclusiva
mente alemã, embora não faltassem representantes também em outras nações. G. I.
Ascoli, por exemplo, foi, na Itália, um neogramático; sua polêmica com os neogra
máticos se refere, no caso, a questões de prioridade, para precisar quem primeiro
sustentara idéias análogas. Também Saussure foi, no início de sua carreira, neogra
mático, tendo, entre outras coisas, até mesmo estudado em um centro de lingüís
tica dos neogramáticos, Leipzig. Do mesmo modo, o francês Antoine Meillet, no
que concerne a método e ideologia, foi um estudioso neogramático. A gramática
comparada e de reconstrução é, em sua quase totalidade, de caráter neogramático,
não obstante
obs tante deri
derivaçõe
vaçõess e reaçõe
reaçõess parci
parciais.
ais.
2.4. Como a nós interessa não ta nto o desenvolvimento
desenvolvimento histórico da gramática
comparada (que se pode comodamente achar nos manuais de história da lingüística),
mas sobretudo de um lado a atitude e de outro o fundamento histórico da ideologia
sobre que esta se baseia, deveremos considerar a ideologia neogramática não
somente com relação ao desenvolvimento da lingüística mas ao da cultura em geral1
geral 1

1 As suas
suas obras m
mais
ais conhecidas fforam
oram o Compendium der vergleichenden Grammatik  
der indogermanischen Sprachen  |Compêndio de gramática comparada das línguas indoeuro-
 péias),
1861) Kurz
K urzer
er Abriss
[Breviario einer Laut 
de fonética   - und
Laeut morfología
un d Formenlehr
Form
daenlehre
e der
de rlíngua
primitiva indogerm
indogermanischen
anischen Urs
Urspra
indoeuropéia | eprache
che
 Die  (Weimar, 
darwinsche
Theorie und die Sprachwissenschaft   (Weimar, 2.a ed., 1873) [A teoria de Darwin e a lingüís-
tica].
 
A IDEOLOGIA POSITIVISTA NA LINGÜISTICA 13

e observar que se trata, como se dizia, de um reflexo, na lingüística, da ideologia


 posit
 po sitivi
ivista
sta que
qu e dom
do m in
inou
ou,, sobr
so bret
etud
udoo nos fin
finss do sé
sécu
culo
lo passad
pas sado,
o, as várias
vária s forma
for mass da
cultura e não apenas as diversas disciplinas humanísticas.
Que caracteriza, pois, tal ideologia? Ideologia positivista não significa neces
sariamente filosofia positivista, até porque esta última, muito longe de ser unitária,
é formada de vári várias
as concepções filofilosóf
sóficas
icas.. Ente
Entendo
ndo po
porr ideol
ideologia
ogia o mo
mododo pelo qual
uma filosofia forma e determina urna disciplina particular, como, por exemplo, a
 psico logia,, a ciência
 psicologia ciên cia da liter
lit erat
atur
ura,
a, a hist
hi stor
oria
ia liter
lit erár
ária
ia ou a lingü
lin güíst
ístic
ica'
a' Ora, o posi
po si
tivismo, enquanto ideologia e metodologia das ciências, se caracteriza por quatro
 prin
 pr incí
cípi
pios
os:: a)  pr
 prin
inci
cipi o do in d iv id u o , do fato individual: tal princípio, na sucessiva
pio
reação ao positivismo, é chamado princípio do “atomismo”, com o qual se entende
o interesse voltado ao estudo dos fenómenos particulares, individuais; b)  pr  prin
inci
cipi
pioo 
da substância-,  c)  pr  prin
inci
cipi
pioo do evoluci
evo lucionis mo-,   d)  pr in cipi
onismo-, ci pio
o do natnatura
uralis mo..  Tais
lismo
 prin
 pr incí
cípi
pios
os são parparaa nós part
pa rticicul
ular
arm
m ente
en te imimpo
port
rtan
ante
tess porq
po rqueue a lingü
lin güíst
ística
ica atu
atual
al opõe
op õe
a cada um deles ura princípio exatamente contrário.

2.4.1. O principio do individuo ou do atomismo científico


científic o significa
significa que a atenção
do cientista se concentra no fato singular e que a universalidade do fato é consi
derada como o resultado de uma operação de generalização e de abstração. Não se
reconhece, portanto, nenhuma universalidade ou generalidade do fato anterior a
esta operação mediante a qual, na base de diversos fatos singulares e da generaliza
ção de caracteres idênticos (os traços comuns dos fatos) é construída uma abstra
ção. Assim em uma ciência qualquer, por exemplo na ciência da literatura, de que
modo se procede para examinar uma forma literária? Examinam-se diversos indiví
duos pertencentes a esta forma literária e se descobrem os traços comuns dos
diversos indivíduos. Deduzir-se-á o que vem a ser uma tragédia e o que a caracteriza,
 po
 p o r mei
meioo da desc
de scob
ober
erta
ta das cara
ca ract
cter
erís
ístic
ticas
as id
idên
êntic
ticas
as em diversas
diver sas tragédi
trag édias.
as. Poder-
se-á saber o que é uma árvore pelo confronto entre árvores diversas. Na psicologia se
dirá que os conceitos se formam mediante as experiências atomísticas individuais,

isto é, por meio


a psicologia da superposição
positivista, cria paradesi experiências
o conceito dediversas.
elefanteAssim o menino,
superpondo, umasegundo
sobre a
outra, imagens de diversos elefantes e, obtidas as diversas experiências, vai reduzi-las
ao que elas têm de comum. Parte-se, portanto, do indivíduo, e ainda que o indivíduo
seja em certo sentido irredutível, pode-se, porém, generalizá-lo, e sobre a base de
indivíduos
indivídu os ssee podem constitu
co nstitu ir cla
class
sses
es..
Segundo este princípio, a experiência do fato singular precede qualquer
teoria, e a teoria não é possível senão como generalização na base do acúmulo de
conhecimento do maior número possível de fatos. Essa atitude se encontra em
diversas obras de época positivista, acompanhada às vezes de uma afirmação deste
teor: “É cedo demais para construir uma teoria dos fatos, posto que não conhe
cemos um número suficientemente grande deles” (a teoria seria portanto prema
tura, pois esta é entendida como resultado da generalização com base nos fatos
estudados).
 

14 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL


2.4.2. O prin
princípi
cípioo da substância signif
significa
ica que os fatos singulares
singulares são considerados
 po
 p o r aquilo
aqu ilo que são enqu
en quan
anto
to sub
substân
stância
cia e elem
ele m en
entos
tos ma
materi
teriais,
ais, e nã
nãoo en
enqu
quananto
to
função. Referindo-nos novamente ao estudo da literatura, os chamados géneros
literários, concebidos como classes, não são considerados segundo as funções que
 possam
 poss am ter
te r as obras
obra s singulares, ou seja, que um romanc
rom ancee pode
po de ter
te r fu
funçã
nçãoo análoga à
de um poema, mas sim segundo a própria substância, de acordo com certos traços
 passíveis de sere
serem
m enco
en cont
ntra
rado
doss naqu
na quilo
ilo que o fato
fa to ef
efeti
etiva
vamm en
ente
te é na exexpe
periê
riênci
nciaa

imediata
significa o(àsprincípio
vezes nade experiência física).
substância em Ficará
relação em seguida mais claro que coisa
à lingüística

2.4.3. O princíp
p rincípio
io do evolucionismo signi
significa
fica que os fatos singu
singulares
lares são conside
rados duas vezes: em si próprios e na sua evolução. Em outras palavras, se presume
que o fato singular se modifique e que também as classes tenham seu desenvolvi
mento, quase em círculo fechado; ou seja uma vez criada a abstração “gênero
literário”, sustenta-se que os gêneros literários têm um desenvolvimento determi
nado, que se poderia estudar como tal. Típico é o caso do crítico francês Brune-
tière, segundo o qual os gêneros
gêneros literários nasceriam, se desenvol
desenvolveriam
veriam e morreriam
à semelhança dos organismos naturais.

2.4.4. 0 princípio
prin cípio do naturalism
naturalismoo signif
significa
ica antes de tudtudoo que os fatos ssãoão redu
zidos à classe dos fatos naturais; aissim vimos para os gêneros literários e assim será
visto em seguida para as línguas. Em geral, considera-se que todos os fatos estejam
sujeitos às leis da causalidade e da necessidade, como na natureza. Os diversos fatos
são po
portan
rtantoto considerados como fatos natur naturais
ais e como tais sã sãoo concebidos; a conse
conse
qüência metodológica disto é apl aplicar
icar aos fatos uma metodologia naturalista, ppara ara a
qual aquilo que se pro procu
cura
ra nonoss fatos são aass suas
suas causas, uma legalidade de tipo
natural, satisfeita quando se consegue, como se acredita, descobrir algumas leis que
os regulam, como, por exemplo, algumas leis de desenvolvimento. Segundo o prin
cípio formulado por po r August
Augustoo Comte, “ savoir
savoir pou r prévoir afí
afínn de pourvo
pourvoir”
ir” (“ saber
 paraa pre
 par prever
ver a fim de prover
pro ver”” ), imagina-se que o conhco nhec
ecim
imen
ento
to dos fat
fatos
os e sua ggene
ene
ralização
ralização nos
n os perm
permitiriam
itiriam estabelecer-lhes normas gerais,gerais, que nos possibilitariam, por
sua vez, prever desenvolvimentos ulteriores.
u lteriores.

2.5. Tem-se
Tem-se porta
po rtanto
nto a convicção de que uma ci
ciência
ência chega
chega à sua ma
maturidad
turidadee na
medida em que é capaz de prever. Neste caso, qual será o comportamento nos
confrontos da linguagem, levando-se em conta aquilo que já é observado a respeito?
Em outras palavras; como se manifestou na lingüística esta ideologia que prevalecia
em todas as disciplinas?

2.5.1. “ Atenção conce


concentrad
ntradaa no indivíduo”
indivíd uo” sign
signific
ifica,
a, em lingüística, qque
ue aquil
aquiloo
que conta em primeiro lugar é o fato lingüístico avulso, individual, por exemplo um
som. Como foi seguidamente sublinhado pela lingüística positivista, cada som
efetivamente pronunciado é diferente de qualquer outro som. Isto é verdade, mas
 

A IDEOLOGIA POSITIVISTA NA LINGÜISTICA   15


não quer dizer, como brevemente se verá, que não exista em outro sentido urna
unidade destes sons infinitamente diversos. Urna disciplina que se desenvolveu
exatamente na época positivista, a fonética experimental, concentrando-se sobre
tudo no simples fato fónico e sustentando que na realidade não subsiste nenhuma
unidade entre os diversos individuos (no caso específico entre os sons isolados),
afirma que cada som é diferente do outro. Não existem duas vogais a  iguais, não
apenas na pronúncia de dois indivíduos, mas na pronúncia do mesmo indivíduo.

Podem-se encontrar
várias classes, uma apenas
de sonsalguns traços.idênticos
a , outra de sons e,   etc.,nesses diversos
mediante umasonse constituir
operação de
generalização. Como é possível delimitar as classes e estabelecer, por exemplo, que
se passou de um o   aberto para um o  médio ou fechado, dado que na realidade
existem apenas diferenças graduais, é um outro problema, que os princípios posi
tivistas não podem resolver. Porém a consideração do fato singular e sua sucessiva
generalização levam-nos, entre outras coisas, a considerar sons análogos em línguas
diferentes como unidades efetivamente existentes em cada uma dessas línguas.
Assim, em italiano e em francês há uma classe de e   fechados fechados,, como por p or exemplo em
[vénti]   “vinte” e [parlé], “parlé, parlef\   e uma de e   abertos, como em [vènti]  
“ventos” e' [parléJ, “parlais".  Também em espanhol voltam estas classes, mas sim
 plesm
 ple sment
entee com
comoo classes de sonsson s sem funçõ
fun ções
es distin
dis tintas
tas no âm bi bito
to do signific
sig nificado
ado::
uma afirmação
afirmação com o esta, porém , extrapola
extra pola os llimites
imites da lingüística positipositivist
vista.
a.
 No que diz respe
res peito
ito à gram
gr amáti
ática
ca,, proc
procurava
urava-se
-se estab
es tabelelec
ecer
er a acepçã
ace pçãoo em cacada
da
frase de uma forma gramatical determinada e construir, depois, mediante abstração
e generalização, tipos de acepções e significados típicos. Uma obra que, de certo
modo, se pode considerar capital e que reflete exatamente este tipo de ideologia,
são as Vorlesungen über Syntax   (Lições de sintaxe)  de Jacob Wackernagel, publi
cadas em Basiléia, nos anos de 1920 e 1924.
Wackernagel, examinando nessas lições áj partes do discurso nas línguas
clássicas e, entre as modernas, especialmente no*alemão, procufá de início estabele
cer o significado contextual, ou seja, os tipos de significados. Do aoristo, por
exemplo, diz que pode ser puntual, ingressivo, terminativo, etc., com base em teste-
• munhos de textos te xtos greg
gregos.
os. Aplicando este métodom étodo ao italiano,
italiano, ao imperfeito
impe rfeito do
indicativo, por exemplo, encontrar-se-iam vários tipos de imperfeito, entre os quais
um que é efetivamente passado (ieri si diceva cosi ) e um que não o é necessaria
mente (como aquele que aparece em contextos condicionais, por exemplo,  se m i  
 piaceva, lo com co m prav o),,  um durativo e um, ao contrário, momentâneo (como o da
pr avo)
linguagem jornalística e administrativa em frases como la polizia si recava al domi-
cilio del bandito e lo arrestava).  Achamos então uma série de significados não
redutíveis a um valor únjco, porque os do aoristo grego não se podem reduzir ao
único valor terminativo ou ingressivo, nem os do imperfeito ao valor durativo ou
 punt
 pu ntua
ual:
l: são tip
tipos
os diversos
diver sos de valo
valores,
res, e ne
neste
ste p o n to se esgota
esg ota a general
gen eraliza
ização
ção que
 parte
 pa rte do exaexame
me do fato
fa to singular. A gengenera
eraliz
lizaçã
açãoo se realiz
realizaa ex
exat
atam
am en
ente
te pa
part
rtin
indo
do
disto, seja do ponto de vista físico, por exemplo no estudo dos sons, seja do ponto
de vista do conteúdo, como na determinação do valor das formas do verbo. Em
 

16 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL


ambos os casos é necessário primeramente estabelecer o que é o fato singular, e
depois identificar, aínda com base em fatos isolados, alguns tipos, ou seja, genera
lizar com base
base nos traços comuns.
O corolário deste princípio (“estudo empírico antes da teoria”) é típico da
maior parte dos lingüistas positivistas que, não se propondo problemas teóricos,
estudam, como afirmam, os fatos, independentemente de qualquer filosofia. Esta
atitude sobrevive em parte também em nossos dias, e nas obras de lingüística
encontram-se afirmações que ratificam este princípio: a filosofia é considerada, mais
ou menos, como algo nebulosamente desorientador. Do mesmo modo Meillet,
apesar de se interessar pela lingüística geral, afirmava que, para desenvolver comple
tamente uma teoria lingüística, faltam os fatos que ainda não se estudaram; somen
te con
continua
tinuando
ndo a estuda
estudarr língua
língua após
após língua pode
poder-se
r-se-ia
-ia construir
con struir finalmente uma
teoria dos caracteres gerais das línguas e dos fenômenos lingüísticos.

2.5.2. O princíp
prin cípio
io da substância signifi
significa
ca que os fatos, no nosso caso os lingüís
ticos, são considerados não em suas relações funcionais, mas sim na sua substan-
cialidade. E, se se trata de aspectos materiais, estes são considerados na sua materia
lidade. Temos assim dois modos de identificar os fatos entre línguas diversas: pela
identidade (ou analogia) material e pela identidade do conteúdo determinado ou
“da fala” (acepção), enquanto na história de uma mesma língua se tem como base
da identificação a analogia material e, do ponto de vista do conteúdo, novamente a
constância da “acepção”, isto é, o mesmo valor determinado em textos diferentes
(e não um valor que eventualmente
even tualmente justifique
justifiqu e acepções
acepções diversas
diversas nestes
nestes textos).
O modo como são apresentados os problemas implica estes dois tipos de
identificação. Por exemplo, diz-se que em italiano, como em espanhol, há um e
aberto e um e  fechado, um o aberto e um o fechado. Estes fatos, enquanto substan
ciais, existem efetivamente tanto em espanhol quanto em italiano, pois também em
espanhol aparecem um e  aberto e um o   aberto, ainda que nem sempre com con
textos fonéticos análogos àqueles italianos. Observando, por exemplo, que em
espanhol se diz [(ièrde] (verde)  com e  aberto antes de r   e [késo] (queso)   com e 
fechado,
tem e que, enquanto
o o  aberto, [ròsa ]entretanto,
{esposa] tem, (que se pronuncia comse r  conclui
o  fechado, forte inicial
que osde fatos
palavra)
do
espanhol e do italiano são idénticos, porque em ambas as línguas existem as classes
dos e   abertos e fechados (cf. italiano [détto]  e [sètte]) e o  abertos e fechados (cf.
italiano [còtto] e (sótto]). E na história de uma língua, os fatos são considerados
idênticos se há entre ele
eless relação
relação de continuidade material (po(porr exemplo, Iat.Iat. bovem  
fr. boeuf,   lat. nigrum   fr. noir), mesmo que a sua função, conforme teremos oportu
nidade de observar, não seja a mesma.
Do ponto de vista do significado, assim como se estabelecem sobre a base das
acepções os valores funcionais em uma língua, também se identificam como valores
funcionais acepções análogas de línguas diferentes, sem se perguntar, por exemplo,
se o papel de um determinado tempo do verbo é o mesmo em relação ao sistema de
que faz parte. Pergunta-se, entretanto, se a possibilidade de exprimir determinadas
 

A IDEOLOGIA POSITIVISTA NA LINGÜISTICA 17


acepções coincide em vários textos, partindo do elemento “substancial” da matéria
e do conteúdo das formas estudadas e considerando, por exemplo, como idénticos
os vários tempos verbais materialmente semelhantes de línguas diferentes, enquanto
tenham as mesmas acepções, mesmo se, na realidade, seus valores não sejam idên
ticos.

2.5.3. O princípio do evolucionismo si signifi


gnifica
ca qqueue o objeto principal da lingüística
só pode ser a história da língua, compreendida também, como veremos, no sentido
 posit
 po sitivi
ivista
sta;; po
pois,
is, se o desenv
des envolv
olvime
imento
nto é co
cons nsid
ider
erad
adoo antes
ant es do m o do de ser das
coisas
coi sas - no nosso caso, antes ddoo m odo de ser das línguas —, temos como única
científica a lingüística histórica ou, melhor, a gramática histórica que, coordenando
cronologicamente os fatos, estabelece, por exemplo, as diversas fases de desenvol
vimento do italiano partindo do latim. E também as gramáticas descritivas orien
tam-se pelo enfoque histórico-evolutivo, como o demonstram títulos característicos
de obras surgidas na época positivista ou sequazes de tal ideologia: ‘gramática
descritiva
descri tiva da língua
líng ua x  com bases históricas’.
Presuifte-se então que o passado das formas, a maneira como estas nasceram e
se desenvolveram, explique também o seu “ser” atual e sua função. As únicas
identidades consideradas válidas são as de origem, independentemente do fato de
serem ou não identidades atuais. Para retomar um exemplo de Saussure, o vocábulo
francês  pas  seria o mesmo elemento, quer com função de negação (je ne sais pas,  
“eu não sei”),
sei”), quer
que r como função léxica, com o signif significad
icadoo de “passo” , porqu
porquee a
origem da forma é única: o vocábulo latino  pa  passu
ssus,s,   “passo”. Na realidade, para a
consciência lingüística, exclusivamente sincrónica, esses dois elementos do francés
falado atual são totalmente
totalm ente dive
diversos
rsos,, porqu
porquee ninguém que fale uma um a língua
língu a “n
“natural”
atural” ,
como se sói dizer hoje, pode depreender eventuais identidades apenas etimológicas.
Mas na ideologia positivista se definem frèqüentemente identidades etimológicas ou
se explicam funções de palavras diversas através de hipóteses sobre a sua origem e o
seu desenvolvimento. A gramática descritiva se reduz, em sua parte essencial, à
descrição do desenvolvimento das formas estudadas, e às vezes se nega até que seja
 possíve
 pos sívell estab
es tabelelec
ecer
er lim
limite
itess fun
funcio
cionai
naiss de cecerta
rtass ca
categ
tegori
orias,
as, porq
po rque
ue — diz-se — as
formas ‘passam de uma função a outra’. Assim um estudioso que, a este respeito,
 perm
 pe rmane
anece
ce ligad
ligadoo à ideolog
ideo logia
ia dos ne neog
ogram
ramáti
ático
cos,s, Brun
Br unoo Migliorini,
Miglio rini, n a obra
ob ra  Dal  
nom e prop rio al nome comune,  publicada pela primeira vez
proprio vez em Genebra em 19272,19272 ,
sustenta, entre outras coisas, que é impossível estabelecer com exatidão o que seja
um nome próprio, porque os nomes próprios se tomam comuns e os comuns se
tomam próprios. A contradição é óbvia porque, se se fala de  passa gem  de uma
 passagem
categoria a o utra,utr a, es tá implícito
imp lícito o conh
c onhecim
ecimento
ento dos termostermo s entre os quais
quais se dá1

1 B. Mig
Miglio
liorini,  Dal nome
rini, no me proprio al nome
nom e comune. Stud
St ud i sem
semantici
antici sul mu
mutam
nomi di persona in nomi comuni negli idiomi romanzi {Do nome próprio ao comum. Estudos  
tament
ento
o dei
de i 
 semânticos
 semânt icos sobre a mudança dos nomesnom es próprios
próprio s a com um nos idiomas romá nicoss]. Olschki
románico
Firenzi, reimpressa em 1968.
 

18 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL


essa passagem. Entretanto, mesmo nesse modo extremamente probabilista de
colocar os problemas, ou seja, considerando o desenvolvimento ou a passagem
formal, os limites desaparecem só aparentemente, mas na realidade devem ser
supostos como tais para que um a afirmação como essa essa tenha senti
sentido.
do.
Resumindo: o esquema geral da lingüística sob este ângulo é, ou quase exclu
sivamente história, e nesse caso a parte descritiva é considerada como fato prático,
didático, ou, no máximo,  pri
 prime iro   história e depois  descrição, mas fazendo sempre
meiro
depender a descrição da história.

2.5.4. Finalmente,
Finalm ente, o naturalismo
naturalism o em lingüística sign
signifi
ifica
ca que aass língu
línguas
as deveri
deveriam
am
ser consideradas como organismos naturais,, dotados de um desenvolvimento pró
 prio;
 pri o; fala-se
fala-se entã
en tãoo de “vid
“vida”a” das línguas
líng uas e das palav
palavras,
ras, com metáf
me táfora
oras,
s, nã
nãoo há
dúvida, mas também as metáforas têm o seu porquê e refletem uma determinada
ideologia.
ideol ogia. Também se falfala,
a, ppor
or exemp
exemplo,
lo, de línguas-“
línguas-“ mães” , de líng
línguas-“filhas”
uas-“filhas” , de
“famílias” de línguas, e em parte essas metáforas estão estabelecidas na terminolo
gia corrente, e não apenas na lingüística. Ao mesmo tempo, os fatos lingüísticos são
interpretados em sentido causal, e se pode perguntar, por exemplo, qual é a “causa”
de uma determinada mudança lingüística. E, sendo a evolução o problema principal,
observa-se que se passa de um estádio de língua  A   a um de língua  B   e se pergunta
quais são as “causas” de tal “evolução”. Não se considerando, com efeito, a criativi
dade lingüística como fato primário, tem-se, entretanto, como objeto primário de
estudo a condição objetiva dos fatos e a partir desta passa-se a examinar a sua
“ evolução” , que cons
constitui
titui sempre o problem a por excelência deste tipo de lingüís
tica. Quan
Qu anto
to às “ causas” , considera-se que podem
po dem ser análog
análogas
as àquelas
àquelas observávei
observáveiss
no estudo dos fatos da natureza; fala-se até mesmo da influência do clima ou do
ambiente geográfico no desenvolvimento das línguas, como na história da literatura
Hippolyte Taine tenta explicá-la referindo-se a influências e determinações diversas,
entre as quais o ambiente geográfico, social etc.
Também a história lingüística se faz, mais ou menos, desta maneira; e se não é
 possível fazê-la assim - sen
sendo
do a empresa
emp resa m uito
ui to difíc
difícil
il —, considera-se que convém
conv ém
limitar-se a registrar os “fatos” de um desenvolvimento, sem explicá-los. Quanto à
metodologia, por se julgar científica por excelencia a das ciências naturais, consi
dera-se que a lingüística poderá ser ciência verdadeira e própria somente quando
chegar a se assemelhai a estas, isto é, quando puder estabelecer leis de causalidade
análogas às das ciências naturais.
Característico deste tipo de lingüística é o conceito de “lei fonética”, segundo
o qual os desenvolvimentos fonéticos observados entre dois ou mais estádios
diversos de uma mesma língua são regulares e sem exceção.
Sirvam de exemplo os seguintes fatos:

lat. plãn
 pl ãnum
um , p lê
lênn um  pian
 pi an o, p ien
ie n o ,   i. é, PL > /pj/
lat. jl
 jla f lo r em     >
a m m a, flo > it
ital
ital.
al... fiam
ital fi o re ,  i. é, FL > /íj/
 fi am m a, fio /íj /
:éctum, octõ   > ital.
ital. tett o, o tto,   i.
tetto, é, CT
CT> > /tt/
/tt/


 

A IDEOLOGIA POSITIVISTA NA LINGÜISTICA   19


Tais desenvolvimentos atribuídos, conforme a lingüística positivista, à ação de
leis análogas às naturais, são classificados como “leis fonéticas” e proporcionam a
satisfação científica, positivisticamente motivada, de ter-se descoberto que também
nas línguas ocorre algo análogo ao que acontece na natureza, demonstrando-se com
isto que existe uma necessidade intema das línguas, exemplificada por estas leis.
Disso passa-se a dizer que uma ciência capaz de estabelecer e formular leis já é uma
ciência madura e que de algum modo poderá também chegar a prever desenvolvi
mentos ulteriores. A este propósito observava Meillet, não sem um certo queixume,
que mesmo ass assim
im a lingüística não é ciência madura,
madura , nem é ciência com
comoo as ciências
naturais, porque não está ainda em condições de fornecer previsões: todas as leis até
agora estabelecidas aplicam-se de fato ao passado, não ao futuro. As leis gerais do
desenvolvimento das línguas nos seriam, portanto, desconhecidas. Está claro que
quem aceita isso tem a convicção de que, em algum momento, será possível formu
lar tais leis; no momento atual, porém, não poderíamos fazê-lo por uma, digamos
assim, insuficiência provisória, pois ainda não conheceríamos cabalmente os fatos.
 
3

O Antipositivismo

3.0. À ideologia
ideologia positivista suceder
sucederam-se
am-se outra
outras,
s, em paparte
rte antipositivistas,
antipositivista s, em
 part
 pa rtee ainda
ain da pres
presas
as àque
àq uela
la ide
ideolog
ologia,
ia, mas to
toda
dass apu
apurad
radas
as no que tange
tan ge à sup
supera
eraçã
çãoo do
 positivi
 posi tivismo
smo do fim do sécuséculo
lo XIX.
Que significa em geral antipositivism
antipositivismoo em relação ao positivismo?
positivismo?

3.1.1. Em prime
primeiro
iro lug
lugar,
ar, o prin
princípio
cípio do indivíduo e da conseqüente gener generalização
alização
é substituido pelo da universalidade do individuo. Tal principio metodológico está
totalmente paten
patente,
te, p or exemplo, no posiciposicionamento
onamento da ffenomenol
enomenología
ogía de Hus
Husser
seri,
i, •
 para
 pa ra a qua
quall nenh
ne nhum
um in indi
divi
vidu
duoo é só e excl
e xclusiv
usivam
ament
entee in
indi
divi
vidu
duo,
o, mas cp
cpnt
ntém
ém em si a
 próp
 pr ópria
ria univers
univ ersali
alidad
dade.e. A memesasa sob
sobre
re a quaquall esc
escrevo
revo é simple
sim plesm
sment
entee um a mesa
me sa
reconhecida como tal; é também ‘mesa em geral’. De modo análogo, qualquer
indivíduo não é simplesmente indivíduo, e, neste sentido, impossível de ser repe
tido, mas é também um modo geral de ser. Para sermos exatos, este princípio não
foi criado por Husseri, pois ascende a Aristóteles através do próprio mestre de
Husseri, Brentano. Teve todavia um realce particular na fenomenología, concepção
filosófica que,
que , com
comoo vimos (cf. 1.8), se se afirmo
afirmouu nos primord
primordiosios do nosso século.
 Nc
 N c an
antip
tipos
ositiv
itivism
ismoo (n a sua
su a form
fo rmaa fen ornen ológica)
ológ ica) observa-se que a unive
un iversa
rsa
lidade não é conhecida através da generalização, pois esta operação já implica uma
intuição da universalidade. Não podemos, assim, estabelecer o que é a tragédia
considerando diversas tragédias, porque, para delimitar nosso campo de observação,
devemos de algum modo saber o que é “tragédia”. Senão, por que não examinamos
também casas, árvores, cadeiras, etc., mas apenas tragédias? Em outras palavras,
antes de afirmar algo sobre alguma coisa, devemos ter um ‘conhecimento antepredi
cativo’, uma intuição essencial do que é a coisa por ser examinada. Isto implica que
a teoria é necessária antes mesmo da observação dos fatos, porque aquela não é o
resultado da generalização, mas sim a base e suporte desta.
 

22 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL


u

3.1.2. Devemos
Devemos porém distinguir dois conceitos que q ue aparecem na ideologi
ideologiaa añti-
añti
V i
-
 positiv
 pos itivista
ista:: o de  gene
 generalid ade   e o de universalidade.  Esta distinção significa, entre
ralidade
outras coisas, que o ser das coisas (“essência”) nãò se pode identificar com a
abstração. A generalidade, aquilo que efetivamente se encontra ñas coisas e que se
 podee abs
 pod abstrai
trair,
r, é cons
co nsti
titu
tuid
idaa de cara
caracte
cteres
res cons
co nsta
tant
ntes
es,, que podem
po dem tam
também
bém não ser
necessários, mas que simplesmente se acham nas coisas. A universalidade é, ao
contrário, o modo de ser das coisas, e tal .modo é necessário porque é o conjunto
dos caracteres sem os quais as coisas não seriam o que são (uma coisa não seria
aquilo que é).
Tomemos um fácil exemplo: supondo que se tenham encontrado somente
folhas verdes, poderíamos pensar que o caráter “verde” fosse necessário às folhas.
Penetrando porém m ás de perto p erto no conceito de “ folha” , ver verific
ificamos
amos que o caráter
“verde” não é absolutamente necessário, mas apenas um fato empírico de generái-
dade: as folhas poderiam ter também uma outra cor e desempenhar suas funções
mesmo se não fossem verdes.
Recordemos também outro exemplo, aristotélico: diz-se que somente o
homem ri e que o fato de rir é aquilo que se chama o seu  pr  prop riu m.   Tá fato,
opriu
 poré
 po rémm , nã
nãoo é neces
necessário
sário papara
ra a defini
def inição
ção do ho
hom m em
em;; é simple
sim plesm
sment
entee um fato
fa to de
ordem gerá. Que todos os homens riam e que somente o homem ria não pertence à
definição,
definição, à eessê
ssênci
nciaa do “hom em” .
Em outras páavras, esses fatos poderiam também achar a sua justificação na
essência das coisas, mas, em primeiro lugar, são fatos simplesmente observados
comoo gerás.
com ge rás. E se ooss fatos gerás não podem ser justificados pela universáidade,
universá idade, não
são necessários nem se apresentam ainda como tás.
Eis agora um exemplo lingüístico muito simples deste princípio. Algumas
línguas não têm sílabas fechadas; de fato, as sílabas têm apenas esta estrutura:
(c)(c)c+ v; isto éé::

consoante + vogal (c+v) la-na;


consoante + consoante + vogá (c+c+v)  spu-(rn
 spu-(rna)\
a)\
consoante + consoante + consoante + vogá (c+c+c+v)  str
 s tr a \d a )

Outras línguas conhecem também sílabas fechadas, isto é, sílabas com a


seguin
seguinte
te estrutura: (c)(c )c+ v+ c:

conso ante + vogal


consoante vogal + consoante
conso ante (c+ v+ c) per-(do);
consoante + consoante + vogal * consoante (c+c+v+c)  ster-
 ster-(piy,
(piy,
consoante + consoante + consoante + vogal + consoante (c+c+c+v+c)
 stran-igolar
 stran-i golare)
e)

Enquanto existem línguas sem sílabas fechadas, não existem línguas sem
sílabas abertas, ou melhor dizendo, não conhecemos  tais línguas; trata-se simples
mente de uma constatação empírica geral. Entretanto, uma língua que não tivesse
 

O ANTI POSITIVIS
POSIT IVISMO
MO 23
esta característica e que, por exemplo, não tivesse sílabas do tipo de la na, stra da, 
da, 
seria ainda uma língua? Certamente que sim. Isto porque não vemos nenhuma
necessidade de não considerar como língua um sistema de expressão só pelo fato de
não posssuir sílabas deste tipo. Portanto, mesmo se todas as línguas efetivamente
apresentassem este caráter, ou seja, se as sílabas abertas fossem efetivamente gerais
em todas as línguas, como parecem sê-lo para as línguas até aqui observadas, este
dado não seria um caráter universal das línguas. De fato, não se faz necessária esta
condição para que
que um a língua sej
sejaa “língua” .

3.1.3. O princípio do atomismo é subs


3.1.3. substituído
tituído pelo princípio do ssisteistema
ma ou da
estrutura, isto é, o indivíduo passa a ser considerado não de modo isolado, mas
inserido numa estrutura mais ampla, num sistema de relações do qual faz parte. Ou,
melhor dizendo, afirma-se que não existe conhecimento possível do indivíduo
enquanto isolado, mas que ele é conhecido e mesmo percebido unicamente pelas
suas relações. Com um exemplo extraído do âmbito da percepção, referir-nos-emos a
uma brincadeira de televisão, em que se apresentavam certos objetos e se perguntava
o que eram. FreqüFreqüentem
entem ente esesse
sess objetos não eram reconhecí
reconhecíveis,
veis, justam ente
 porqu
 po rquee nã
nãoo po
podia
diamm ser imag
imaginado
inadoss senão
sen ão em um co n te x to deter
de termi
mina
nado
do e eem
m certo
ce rto
relacionamento com outros objetos. Segundo um princípio fundamental da-
chamada psicologia da forma (em alemão, Gestaltpsychologie;
Gestaltpsychologie;   lembre-se de que
Gestalt   significa “forma, forma organizada”), a forma é essencial para a própria
 percep
 perc epção
ção,, en
enqu
qu an
anto
to a per
percep
cepção
ção pode
pod e dar-se apenas
apena s em um a est
e stru
rutu
tura.
ra. Em ou
outra
trass
 palâvras, a ideidenti
ntific
ficaçã
açãoo dos indiví
ind ivídu
duos
os é impossível
impos sível se estes estão
es tão isol
isolados
ados das
estruturas através das quais são percebidos. Se por exemplo nos perguntamos o que
são certos objetos e o que têm em comum, mas os examinamos isoladamente, pode
ser difícil acharmos que tenham algo em comum; para nós são objetos diferentes e
não conseguimos identificá-los nem como objetos tomados individualmente nem
como tipos de objetos. Se, ao contrário, os consideramos em uma estrutura, estes
objetos são identificados em primeiro lugar como parte de um todo, e, em segundo
lugar, como o mesmo tipo de objetos. Os objetos que, tomados individualmente,
não eram semelhantes, agora se tomam parecidos e são interpretados como o
mesmo objeto, a mesma classe e o mesmo tipo de objetos, se considerados no resto
do contexto e se vistos em relação com uma estrutura determinada.

3.1.4. Em ger
geral,
al, o prin cíp
cípio
io estrutur
estrutural
al do sistema de re
relaçõe
laçõess substitui, na reação
reação
ao positivismo, o princípio do fato isolado e individual. Em lugar de partir do
indivíduo para chegar ao sistema e de descobrir dedutivamente as estruturas, é com
 base em uma
um a con
consid
sidera
eração
ção sistem
sis temátic
ática,
a, e com pr
proc
oced
edim
imen
ento
to to
tota
talm
lm ente
en te co
cont
ntrá
rário
rio ,
que se procura estabelecer até a individualidade do simples indivíduo. Assim proce
dendo, pode-se
pode-se chegar mesmo a neg negar
ar qualquer
qualqu er importâ
importância
ncia ao fato isolado e a consi
derar as relações entre as coisas como único fato efetivamente real, enquanto indiví

duos e fatos isolados seriam apenas pontos unidos entre si por determinadas rela
ções funcionais. Os
Os po
ponto
ntoss extrem
ext remos,
os, os próprios
próp rios fatos,
fato s, os fatos isola
isolados
dos ligados
ligados entre
 

24 LIÇÕES OE LINGÜISTICA GERAL


si por uma função ou relação, não teriam importância e poderiam até ser ignorados.
Por conseguinte, afirma-se que os pontos functivos, isto é, os pontos entre os quais
se estabelece uma relação, têm sentido somente nesta relação1. Até mesmo fatos
considerados essenciais, como, por exemplo, o sujeito e o objeto em geral, apare
cem, consoante este enfoque, como simples fatos extremos entre os quais se esta
 belece
 bele ce um a fu
funç
nção
ão,, um
umaa tensão
ten são.. Dir-se-á,
Dir-se-á, e n tre
tr e ta
tann to,
to , que a únic
ún icaa realida
rea lidade
de é a
tensão entre sujeito e objeto e não, ao contrária, a realidade do sujeito ou do
objeto. Sobre este princípio se fundamenta a filosofia do italiano Antonio Banfi, na
sua primeira forma, isto é, antes que ele procurasse adaptar a sua filosofia ao mate
rialismo
rialismo dialético.
dialético. A idéia central era esta: os fat
fatos
os são em ce
certo
rto sentido
sen tido secundários
e justificáveis somente através da função, como não constitutivos da realidade,
enquanto a tensão é constitutiva da realidade, ao representar a relação funcional
entre sujeito e objeto.

3.1.5. Nest
Nestes
es dois
dois senti
sentidos,
dos, po
portanto
rtanto,, é substituído o princípio do indivíduo: o
indivíduo não é somente concebido como tal (não se esgota nele), mas contém um
modo universal de ser, a sua universalidade. O indivíduo é conhecido não apenas
como fato isolado, mas no interior de uma estrutura, em um sistema de relações.
Também na lingüística atual, ao princípio positivista do fato isolado e da
generalização com base no fato isolado se opõe, como veremos, o princípio da
universalidade do fato e, por vezes, também o do sistema e da estrutura nos quais o
fato isolado é observado.

3.2. Ao princípio
princíp io da substância se
se opõe, no antipositivismo,
antipositivismo, o princípio da fun
ção, ou seja, procura-se determinar a essência das coisas e dos objetos, não na base
da sua substância, mas sim de sua função. À oposição entre substância e função,
dois conceitos da história bastante complexa, o filósofo Emst Cassirer dedicou um
livro
livro inteiro
inteiro.2
.2
O conceito de função encontra-se praticamente em todas as.várias formas do
antipositivismo. Segundo Heidegger, por exemplo, a essência do martelo se revela
no martelar, porque não é possível estabelecer a essência do martelo somente
segundo a sua substância específica, material, mas para fazê-lo é necessário consi-
derá-lo na sua função. Às vezes, porém, o conceito de função é compreendido não

1 O ter
ermo
mo func
 fu nctiv
tivoo  foi introduzido por Hjelmslev, a respeito do qual assim se pronuncia:
“Com a introdução do termo técnico funç ão  pretendemos evitar a ambigüidade no uso conven
 função
cional que dele se faz na linguagem científica, onde designa não só a dependência entre dois
terminais mas ainda um ou os dois próprios terminais —este último quando a respeito de um
deles se declara que é ‘funçãfunção’o’ do ou
outro.
tro. A intro
introduçã
duçãoo do termo técnico  func
 fu nctiv
tivoo   permite
evitar esta ambigüidade, e o próprio objetivo se dá não dizend dizendoo que um functivo ‘é função’
função ’ do
outro, mas afirmando ao contrário, que tem função com o outro” (L. Hjelmslev, Prolegóme  Prolegómenos nos 
a una teoria del lenguaje , Credos, Madrid, 1971, pág. 56). (E.B.)
1 E. Cassirer, Substanzbegriff und Funktionsbegriff   [Substância e junção],  Berlim,
1910.
 

O ANTIPOSITIVISMO 25

no sentido ativo que implica, mas sim como conceito matemático de função. Neste
caso a função aparece reduzida à relação, pois, como se sabe, o conceito matemá
tico de função é dado pela relação
relação que ssee estabelece
estabelece entre dois elementos
elemento s que, como
mencionamos em 3.5, são chamados functivos. Também em lingüística, e precisa
mente em uma corrente atual, a glossemática da escola de Copenhague, o conceito
de função é reduzido quase inteiramente ao conceito de relação.

3.3. Ao princípio
prin cípio da eevoluç ão se opõe a consideração do estado
volução estado   das coisas, istoé,
a consideração da essência
essência dos objetos vist vistaa de maneira atem poral. Afir Afirma-
ma-se,
se, então,
em clara ligação com q .primeiro princíp prin cípio,
io, que a universalidade da d a coisa não se
 pode
 po de es
estab
tabel
elec
ecer
er atrav
através
és de seu desen
de senvovolv
lvim
imenento,
to, po rq
rqueue se a co
coisa
isa te
temm um a unive
un iver
r
salidade própria, tal universalidade deve ser permanente e se encontrar em cada
momento do seu desenvolvimento. Não é possível, por exemplo, estabelecer a
essência da arte estudando-lhe as origens, como pretendiam os estudiosos de orien
tação positivista. Se estes propuserem achar as origens da arte no trabalho ou no
 jog
 jo g o, es
espec
pecial
ialme
mente
nte co
com m base n o estu
es tudd o das mamaninifes
festaç
taçõe
õess dos
do s povos
pov os pri
primit
mitivo
ivoss e
até mesm o das do m und o animal, animal, tal pro postapo sta po de ainda ser válida em sent sentido
ido
genético, mas a este tipo de explicação se alia a consciência de que o esquema
 jog
 jo g o -*• arte o u trab
tr abal
alho
ho -*• arte
art e nã
nãoo exexpl
plica
ica o que é a arte ar te,, po rq
rque
ue o m o m en to
essencial é justamente esta passagem de um para outro, isto é, do trabalho ou do
 jo g o à arte.
arte . Ta
Tamb
mbémém o pr prob
oblem
lem a das origens
origen s p od e ser
se r obvi
ob viam
am ente
en te di
disc
scut
utid
ido,
o, mas no
campo fenomenológico importa sobretudo sublinhar que a origem não explica
necessariamente o ser atual e que, pelo contrário, para se poder falar de mudanças,
é necessário
necessário con hecer o ser perm anen anentete das ccoisa
oisas.
s.

3.4.1. Finalm ente, ao princíp io do naturalismo ssee opõem concepções filosófi


filosóficas
cas
antipositivistas que não aceitam as ciências naturais como modelo da ciência em
geral. Segundo tais correntes, variando o objeto das ciências, mudam-se também os
métodos, pois varia a finalidade das ciências e seu objeto é concebido de maneira
diferente. Ao mundo da causalidade, da natureza, onde os fatos são determinados
 p
 poo r causas
causas,, opõ
opõe-se
e-se o m un do da liberd lib erdad ade,
e, o m u n d o pr op ririam
am ente
en te h um an o , ortde
os fatos não são determinados por causas, mas acontecem em virtude de uma
finalidade. Neste sentido, os fatos humanos não têm “causas”, porque a sua causa
é o próprio
próp rio hom em que a produz, prod uz, .e são,são, por tan to, determin
d etermin ados finalisticamente.
 Não devdevemo
emos,s, p o rt a n to , pe rg
rgun ta r  p
un tar  poo r quê
qu ê   e  po
 por.
r. quais causas 
causas  os fatos acontecem
(? -*■ Fato), mas em vista de quê são
quê são produzidos: Fato -*• ? (Finalidade).
Este esquema, que corresponde ao mundo da liberdade, deve ser aplicado ao
interpretar-se a linguagem, o mito, a religião, a arte, a filosofia, a ciência, isto é, as
várias formas da cultura que são determinadas em sentido finalístico. Na Itália esta
distinção é bem conhecida, e poder-se-ia dizê-la antiga, pois provém de Vico. O
 posit
 po sitivi
ivism
smo
o a havi
haviaa es
esqu
queci
ecido
do,, reduz
red uzin
indo
do os diversos
dive rsos o bj
bjet
etos
os a o
obj
bjet
etos
os n at
atur
urai
ais,
s, e as
 

26 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

ciências a ciências naturais. No começo do nosso século retomam esta distinção,


ainda que sem fazer menção a Vico, em particular Rickert3 e Cassirer4.
Se os objetos culturais são determinados finalisticamente, também a sua
ciência deverá ser diferente da ciência da natureza, em que se admite a necessidade
causai e se estabelecem leis gerais que se aplicam aos fatos individuais presentes e
futuros, leis cuja condição essencial é não admitirem exceção. A ciência da natu
reza, de certo ponto de vista, ao “prever” um fato individual, na realidade nada
 prevê, po
porqu
rquee apenas afirma
afir ma que no m un undo
do da na natu
ture
reza
za co
cont
ntin
inua
uará
rá a acont
aco ntec
ecer
er
aquilo que sempre aconteceu: a água continuará a ferver a 100 graus centígrados
 porqu
 po rquee foi expe
ex perim
rim enta
en tado
do qu
que,
e, eem
m con
condi
diçõe
çõess baro
b arom
m ét
étric
ricas
as norm
no rmais
ais,, ela ferve ex
exat
ata
a
mente
me nte a 100 gra
graus
us centígrados.
centígrados . Em out
outras
ras palavras
palavras,, não ssee pode nem mesmo
m esmo pensar
que entretanto as leis mudaram, porque tomamos como válido o fato de que a
natureza não nos engana. Se pensássemos que um diabinho qualquer, o da liber
dade, por exemplo, intervém também na natureza, mudando neste meio lempo as
leis, não poderíamos obviamente prever nada, põrque também a hipótese de que tal
ou qual pressão atmosférica é normal não é outra coisa senão a aplicação da lei ao
fato isolado.

3.4.2. Que acontece,


aco ntece, eem
m lugar di
disso,
sso, nos eventos da liber
liberdade?
dade? Para esses
esses vale, sim,
o sistema e a realização ou então uma lei normativa com aplicação da própria
norma, mas vige sempre a possibilidade de que entretanto o dito sistema se tome
um outro, ao qual não mais se aplique a mesma lei. No âmbito dum sistema de
realização, isto é, da manifestação do sistema nos fatos isolados, as ciências da
cultura prevêem exatamente do mesmo modo que as ciências da natureza; por isso
se pode afirmar que o fato isolado se apresentará de certa maneira, admitindo-se
que o sistema seja ainda o mesmo.
Tomemos um exemplo lingüístico: considere-se a praxe filológica da emenda
de um texto ou da sua restauração com o preenchimento das lacunas. Se em um
texto latino se encontra, por exemplo,  sitie   e o que se segue a esta preposição não
está claro ou completo (p or exemplo, se ssóó estiver
estiver sti kl ...), dir-se-á que deve seguir
 s tikl
um ablativo (studio   ou  studiis ,), ou seja, se “prevê” que este sin
 sinee particular deve ser
seguido
seguido de
de ablativo como qualquer
qualq uer outro  sin
 sinee  em latim. Este método é válido, desde
que, neste meio tempo, o sistema não tenha sido mudado, e  sine   não apareça, por
exemplo, em um texto latino tardio, onde eventualmente já não se construísse com
o ablativo.

3 H
H.. Ricke
Ric kert,
rt,  Kulturwiss
 Kulturwissenschaft
enschaft und Naturwissenschaft
Naturwiss enschaft [C
[Ciên cia da cultura e ciência da 
iência
natureza],  Tübingen, 1899. Trad. esp. Cien cia cultural y ciencia natural, Buenos Aires, Espasa-
Ciencia
Calpe, 1943.
4 E. Cassirer,  Log
 Logik
ik der Kulturwisse
Kulturwissenscha/ten
nscha/ten [L [Lógica da ciência da cultura], Goteborg,
ógica
1942; dela existe
e xiste uma tradução inglesa
inglesa com o títu
título
lo The Logic ofthe Humamties, Univeisity of
Yale, 1960; trad. esp.  Las ciencias cult ura,  México, Fondo de Cultura Económica, 1951.
ciencias de la cultura,
 
4

A Lingüís
Lingüística
tica e n tre o .
Positivismo e o Antipositivismo

4.1. Dos quatro princípios antipositi


antipositivistas,
vistas, a lingüística
lingüística atual aaplic
plicaa com cert
certaa
coerência, de modo mais ou menos explícito, os três primeiros, que se identificam
com diversas
quarto princípio,reações à ideologia
que diz respeito à dos neogramáticos.
distinção entre ciênciaMuito menos aplicado
da natureza e ciênciaé dao
cultura. Isto acontece por várias razões, historicamente determináveis, entre as quais
as mais significativas são talvez as seguintes: a idéia das ciências da natureza como
exemplares se mantém na ideologia corrente, embora não mais no nível filosófico;
em segundo lugar, a reação antipositivista na lingüística não se prende sempre a
movimentos filosóficos contrários ao positivismo, mas produz-se ainda no próprio
âmbito do positivismo. A lingüística atual muito deve a Saussure, que na realidade
era um pensador de formação positivista. Por isso, se a lingüística atual aplica em
 part
 pa rtee pr
prin
inci
cipi
pios
os antip
an tiposi
ositiv
tivista
istas,
s, fá-lo,
fá-lo , em cert
ce rtoo sent
se ntid
ido,
o, apesar de   e não com base 
nos seus principios filosóficos, ao menos na medida em que se admite que os tenha
realmente. Nos Estados Unidos a lingüística atual deve muitíssimo a Leonard
Bloomfield que permanece no ámbito positivista mais ainda que Saussure, per-
tecendo a uma reação intema ao próprio positivismo, o chamado behaviorismo (ou
comportamentismo). Em oposição a Bloomfield deve-se recordar, na lingüística
americana, Edward Sapir, um dos poucos lingüistas estrangeiros que citaCroce em
sua obra. Todavia, na história da lingüística americana, o livro  Lan guage,, de Bloom
 Language
field, ainda qu • aparecido em 1933*11,, exerceu maior influência que o livro homô
nimo de Sapir, aparecido doze anos antes2. É bem verdade que Chomsky declara

1 L. Bl
Bloo
oomf
mfie ield
ld,, Lan
 Langua ge [A Linguagem], New York, 1933.
guage
1 E. Sapir,
Sapi r,  La
 Lang
nguauage.
ge. A n ¡ntr
¡ntroduc
oduction
tion to the Stud
St ud y of
ofSp
Sp ee ch [A lingua
linguagem. Introduç ão 
gem. Introdução

ao estudo
feita pelo lingüista   New York,
da fala],brasileiro 1921. Mattoso
Joaquim Deste livro existe
Câmara Jr.excelente tradução
(Acadêmica, Rio depara o portugués
Janeiro, 1954).
 

28 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

voltar antes a Sapir que a Bloomfield, mas também Chomsky, cuja preparação
filosófica é escassa e unilateral, depende de diversas correntes neopositivistas, em
 boraa o seu pens
 bor pe nsam
amenento
to original
orig inal tenh
te nhaa orie
or ient
ntaç
ação
ão m uiuito
to di
dife
fere
rent
nte.
e. D aí o fato
fat o de se
encontrar, na sua obra, uma série de contradições, sobretudo do ponto de vista
teórico.
. Portanto, ainda que estejam presentes na lingüística motivos antinaturalistas
que afloram sobretudo em duas correntes, primeiro no idealismo lingüístico e de
 pois na gramá
gra mátic
ticaa trans
tra nsfo
form
rmaci
acion
onal,
al, o qu
quararto
to pr
prin
incí
cípi
pioo não é aplicado
apli cado com coe
coe 
rência e, neste sentido, a lingüística atual continua a ser de tipo positivista.

4.2. Até agora falamos de ideologia do neogra neogramá


mático
ticoss e dissemos que a esta se
opõem os princípios da lingüística atual. Mas quem são estes neogramáticos que
representam tal ideologia? Já citamoscitam os alg
alguns
uns deles (cf. 2.2 e 2.3), mas se se procuraria
procu raria
em vão, na sua obra, uma declaração coerente dos quatro princípios do positivismo.
Isso acontece, em parte porque a realidade da linguagem se impõe a todos, mesmo
àqueles que estão dominados por tal ou qual ideologia, e, em parte, porque estes
 prin
 pr incíp
cípio
ioss são mais im
impl
plíci
ícito
toss que expl
ex plíci
ícito
tos.
s. A ide
ideolog
ologia ia dos
do s ne
neogogram
ramátic
áticos
os é um
tanto genérica; ou, melhor, se examinarmos um representante neogramático, em
 parti
 pa rticu
cular
lar He
Herm
rmann
ann Paul3
Pau l3,, acharem
ach aremosos aí prin
pr incíp
cípio
ioss e aafirm
firmaçõ
ações
es to
t o ta
talm
lm en
ente
te co
cont
ntrá
rá
rios ao positivismo. Trata-se de uma ideologia substancialmente esquemática, como
o é mais ou menos a ideologia corrente do lingüista de tipo “acadêmico” que, sem
filosofia nem princípios, aplica simplesmente os aspectos mais esquemáticos da sua
disciplina; não é certamente a ideologia do criador, que manifesta sempre uma
decidida
decidi da independência de julgamento.
julgamento .
A mesma coisa deve-se dizer do antipositivismo: os princípios contrários ao
 positiv
 pos itivism
ismoo cons
co nsti
titu
tuem
em ant
antes
es a un
unid
idad
ade,
e, a base gen
genéric
érica,
a, impl
im plíc
ícita
ita,, da nova lingüí
lin güís
s
tica, ainda que em formas e modos nem sempre coerentes e, eventualmente, como
se verá, com originalidades específicas nas várias orientações.

4.3.1.1.. Ao aplica
4.3.1.1 aplicar-s
r-see o prin
princíp
cípio
io da universalidade ao fato isolado, acontecerá
aconte cerá

que, por exemplo,


“invariante” , o  fo nno som considerado em si, infinitamente variável, se descobrirá a
em a ,  e se dirá: aquilo que importa não é o som, a parte variável,
mas a invariante, o fonema, em certo sentido as classes estabelecidas pela fonética
experimental, como, por exemplo i, é  aberto, ê fechado, etc., consideradas, porém,
na sua funcionalidade. Tais classes, como observou Sapir, podem ser estabelecidas
somente sobre a base duma intuição implícita do fonema; de outro modo, seria
totalmente impossível estabelecer classes, pois entre os sons não existe material
mente nenhum limite, mas uma continuidade total. Mesmo examinando os sons

* H. Paul,  Prinzipien der Sprachgeschichte  (1880) [Princípios de história da língua], 


 Nicmeycr,
 Nicmeycr, Halle
Halle A. S., 8.a ed., 1968. Temos tradu
tradução
ção portuguesa
portug uesa deste
dest e livro,
livro, preparada
prepar ada por
Maria Luisa Lisboa,
Gulbenkian, Schemann, com o título Princípios fundamenta
1970.
fundam entais língua, F. Calouste
is da história da língua,
 

A LINGÜÍSTICA ENTRE O POSITIVISMO E O ANTIPOSITIVISMO 29

 pronu
 pro nunc
nciad
iados
os por
po r um ún
único
ico indi
in divi
vidu
duo,
o, achare
ach aremo
moss um a série efeti
efe tiva
vame
ment
ntee infin
in finita
ita
que passaria, por exemplo, de a  a um e  muito aberto, daí a um e  aberto, a um e 
médio, e gradualmente a um e  mais fechado, a um i  aberto, a um / fechado, etc.,
não havendo nunca um limite. Os limites são estabelecidos porque se intui uma
unidade  su
 suii gener is,   o fonema, um ponto de referência fônica que pode ser intuido
g eneris,
no âmbito da nossa língua ou da de outrem. Dizemos, portanto, que o italiano tem
determinadas classes de sons, tais como e  aberto, e fechado, o   aberto, o   fechado,
 porq
 po rque
ue em ita italia
liano
no exisex istem
tem tam
ta m bém
bé m efe
efeti
tiva
vass difer
di ferenç
enças
as fo
fone
nemá
mátic
ticas
as co
corre
rresp
spon
on
dentes a tais classes. E se estabelecemos classes análogas para o espanhol, fazemo-lo
do ponto de vista do italiano (ou de outras línguas que possuem tais fonemas). De
fato, se não conhecêssemos outras línguas, não pensaríamos absolutamente em
estabelecer estas diferenças para o espanhol; simplesmente apontaríamos uma só
classe de e, que iria das formas mais abertas às mais fechadas.

4.3.1.2. Analogamen
Analo gamente, te, procura-se o significado e o valor geral
geral de determ
determinad
inadas
as
formas. Em certo sentido, volta-se também aqui a uma intuição antiga, manifestada
nos próprios nomes das categorias gramaticais. Uma categoria gramatical se chama,
 porr eexe
 po xemp
mplo
lo,, aoristo  ou imperfeito  porque estes nomes, em sua definição originária,
constituíam uma espécie de definição abreviada. Foi precisamente ao procurar esta
 belece
 belecerr o como
definida valor
valo r fu
fund
ndam
amen
entatall e abran
ab range
gente
nte des
destas
tas cate
categor
gorias
ias que a prim
p rimeir
aoristo,  isto é, tempo “indeterminado”, em relação aos valores
eiraa delas
dela s foi
gerais dos outros tempos do verbo grego. Analogamente, com imperfeito,  enquanto
termo técnico, damos uma definição resumida da função de certas formas do verbo,
com o reconhecimento implícito de certo valor unitário, ainda que se possa discutir
se a definição é justa ou não. A formulação explícita do conceito de fonema
corresponde, do mesmo modo, a uma intuição antiga, que já se manifestara, por
exemplo, na invenção do alfabeto, composto de um número finito de letras: todos
os alfabetos, de fato, implicam princípios fonemáticos, ainda que não sejam sempre
formulados ou aplicados com coerência. Muito an antes
tes de que ssee falass
falassee de
de “ fonema
fone ma”” ,
houve tentativas, na história da língua italiana, de introduzir letras diferentes para
os mdois o  e para os dois e, porque já se intuíra que, em italiano, os dois o  e os dois e 
era
eram unidades
un idades funcionais diferentes.
diferentes.

4.3.1.3. A respeito dos conceitos


con ceitos ddee sistema e de estrutura
estru tura,, enqua
enquanto
nto sistema de
relações, grande é a variedade de pontos de vista na lingüística atual, dependendo
isso do tipo de relações que sejam postas em evidência de modo prioritário, embora
não haja corrente na lingüística atual que não considere os fatos em suas relações.
Assim, a  geog
 geografia
rafia lingüís
ling üístic
ticaa  examina as relações que subsistem entre os
diversos fatos lingüísticos no espaço. Não nos aprofundaremos neste assunto, limi
tando-nos a assinalar um só exemplo: a consoante /£/ intervocálica se pronuncia [z] 
em Florença, em outros lugares [|], enquanto em Roma é pronunciada como  Iggl,  
de modo que, por exemplo, a palavra ragione  pronuncia-se [rajfjÇone], e não
[ragoneJ; este ou qualquer outro fato do gênero é considerado pela lingüística
 

30 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

geográfica à luz de relações espaciais, na base das quais se procurou também trazer
algumas deduções de caráter geral. As correntes sociológicas  da lingüística se con
centram, ao contrário, nas relações entre a variedade da língua e a estrutura (estrati-
ficação) da sociedade. E já houve lingüista que quis achar analogias entre as estru
turas das línguas e as estruturas sociais; e, mesmo que seja duvidoso até que ponto
as relações deste tipo possam ser válidas, é digno de nota o fato de que se haja, pelo
menos, pensado na possibilidade de estabelecê-las. A estilística  de tipo idealista se
 prop
 pr opõe
õe estabe
est abelece
lecerr a relação entre
en tre um fato
fat o expressivo
expressi vo individual
indiv idual dum te texx to e o
resto do próprio texto. Por isso não se diz mais; “Esta é em si uma expressão
metafórica e tem tal valor", mas, pelo contrário, prefere-se enunciar a coisa assim;
“Esta expressão tem um valo valorr diferente depen
dependend
dendoo do texto
tex to em que
que sese encontre”
enco ntre” .
Uma mesma metáfora pode ser ora sublime, ora vulgar, uma vez que o valor expres
sivo de cada fato é determinado pelas relações com o resto do texto. A estilística de
tipo idealista é portanto fundada sobre este princípio: não mais levantar, por exem
 plo, catál
catálogos
ogos de m etá
etáfor
foras
as ou de desvios de um uso lin lingü
güíst
ístico
ico consid
con siderad
eradoo como
com o
“n
“normal”
ormal” , masmas si
sim
m pretender
preten der ser o exame das relaç relações
ões efet
efetivas
ivas em um texto  deter
minado, em que os fatos registrados no catálogo podem assumir valores totalmente
diversos. No estruturalismo  se trata de relações na própria língua , relações entre
uma forma e outras formas, entre um conteúdo e outros conteúdos da mesma
língua. E de relações se trata também na gramáticagramática tran sforma
sfor madodo nal, precisamente
de relações
relações entre a “e “estru
strutura
tura superficial”
superficial” e a chamada “ estrutu
estr utura
ra profunda”
profu nda” , e, em
 particu
 par ticular,
lar, de relações de equiequivalên
valência
cia na desi
designaç
gnação,
ão, por
po r ex
exememplo
plo,, en
entre
tre uma
um a cons
trução ativa e a constru
construção
ção pass
passiva
iva equivalente no “ meaning” (ou seja, seja, no fundo,
quanto à realidade extralingüística designada).
Concluindo: apesar da grande variedade de relações, o conceito mesmo de
relações está presente em cada corrente da lingüística atual. Neste sentido se pode
dizerr que não somente a lingüística
dize lingüística es
estrutu
trutural,
ral, mas to
toda
da a lingüística atual é “ anti-
anti-
atomista
atomi sta”” .

4.3.1.4. No que tange aaoo primeiro princíp


princípio,
io, já falamos da universidade
universidade do fato
fato
individual e das relações
ou num contexto. Mas estedum fato com
princípio outros também
apresenta fatos num
um sistema, numa estrutura
outro aspecto: a revalo
rização da teoria, porque esta não constitui o resultado final do estudo dos fatos,
mas precede o seu próprio estudo; não se pode imaginar o estudo dos fatos sem uma
teoria, pelo menos implícita. Este aspecto é particularmente posto em relevo pela
lingüística atual, que muito freqüentemente se apresenta quer como teoria da lin
guagem ou teoria dos fatos lingüísticos, quer como metodologia, enquanto a lin
güística tradicional, ao contrário, se caracterizava pela atenção voltada para os
fatos, como colheita cada vez mais ampla de fatos. Isto não quer dizer que a
lingüística atual despreze os fatos, mas muitas vezes os considera como já conheci
dos, pois o que importa é o método pelo qual eles são interpretados ou apresenta
dos. Disto deriva, em muitos trabalhos da lingüística atual, certo aspecto tautoló
gico, pleonástico, a respeito dos fatos. Os tradicionalistas, que exigem fatos mate-
 

A LINGÜÍSTICA ENTRE O POSITIVISMO E O ANTIPOSITIVISMO 31

rialmente novos, perguntam-se o que há de novo em trabalhos de tal género, porque


os fatos examinados já se conhecem ou até já foram estabelecidos há bastante
tempo. Há, efetivamente, algo de verdade nesta objeção, mas a razio é que o centro
de interesse é outro: apresentar sob uma nova luz fatos já conhecidos, dar-lhes uma
nova e exaustiva sistematização. Parte-se, por isso, seguidamente, de coleções já
existentes de fatos que são interpretados e apresentados de maneira nova. Este
aspecto da pesquisa foi levado a conseqüências extremas pela gramática transforma-

cional,
uma novaonde todos os
maneira de fatos são considerados
formular as regras que como
unem jáosconhecidos e o que
diversos fatos; se estuda
supõe-se que éa
análise dos fatos já tenha sido totalmente feita e que haja apenas a necessidade de
uma maneira coerente de apresentá-los.

4.3.2.1. O princípio
prin cípio da função se lig ligaa em parte ao precedente:
preced ente: trata-se de estabele
cer não mais relações materiais, mas sim funcionais, de identificar, portanto, as
unidades lingüísticas com base na sua função, o que em parte foi sem dúvida feito
 pela lingüís
ling üística
tica tradic
tra dicion
ional,
al, mas que na atua atuall se torn
to rnaa um prprin
incí
cípi
pioo ex
expl
plíc
ícito
ito..
Voltando mais uma vez às nossas classes de sons, perguntar-se-á: estas classes
que, seja em italiano ou em espanhol, podem ser estabelecidas do ponto de vista
físico, são ou não clas classes
ses funcionais? Para o italiano se se responderá que são, porqu porquee
servem para distinguir significados, ou melhor, distinguem significantes que têm
significado diverso, enquanto em espanhol não o são, porque não distinguem signifi
cantes que tenham significado diverso. Em espanhol tanto faz pronunciar por exem
 plo a palav
palavrara queso  “ queijo”
queijo” , com e  aberto ou fechado (como efetivamente se
 pronu
 pro nunc ncia
ia /k
/kés
ésoo /),
/) , ao passo qu quee em italia
ita liano
no alguns pares
par es de palavras, por
po r ex
exemempl
plo,
o,
légge-
légge- lè lègg
gge,
e, acc étta -ac cètta, pesc a , se distinguem exclusivamente por meio
cèt ta, pésca pesca
da oposição entre e  fechado e e  aberto. Em espanhol, portanto, há um só fonema
¡e¡,  que se realiza às vezes como  /é l  e   e às vezes como [é], enquanto em italiano, pelo
menos em sílabasílaba tônica, se encontram
encon tram dois fonemas: /é/ /é / fechado e /è/ aberto.
 Não se ad admimitintindo
do mais a iden
id entif
tifica
icação
ção com base na substa
sub stanci
ncia,
a, reconh
reconhece-s
ece-see
como unidade aquilo que é funcionaimente unitário. Analogamente, a propósito do
significado (ou conteúdo), não se fala, por exemplo, de diversos valores do presente
ou do imperfeito, isto é, de diversos fatos de substancia significativa encontrada
efetivamente nos textos, mas se procura estabelecer uma função que corresponda a
este complexo de significados textuais efetivamente existentes. Portanto, reduzir as
unidades à função das próprias unidades não significa absolutamente que se ignore a
sua variedade efetiva. Sabemos muito bem que várias são, por exemplo, as realiza
ções de um fonema, e também que algumas delas são obrigatórias em certos contex
tos. Afirma-se apenas que o que importa em primeiro lugar na técnica lingüística é
esta unidade de função, enquanto menos importante é o modo pelo qual se realizam
no falar as unidades lingüísticas. Não se exclui, assim, que as formas do verbo
tenham várias acepções, mas se procura achar a unidade funcional de tais formas,
em
não vista
apenasde como
uma definição que, de acepções,
soma de diversas certo modo, resuma,
valor de fato,
que poderá sero individualizado
valor unitário,
 

32 LIÇÕES DE LINGÜÍSTICA GERAL

somente se vierem combinados o primeiro ao segundo princípio, estabelecendo


quais sejam as relações
relações entre um contconteúdo
eúdo e outros cconteúdo
onteúdoss da mesma língua. Ou
então se dirá, por exemplo, que o presente é funcionalmente definido com base em
suas relações com o futuro e com o pretérito (it. “passato remoto”) e que é tudo
aquilo que estas outras formas não são. são. Com isto não se exclui que o presente
também tenha um sentido próprio, positivamente entendido, mas apenas que os
seus conteúdos são delimitados por outros conteúdos da língua considerada.
A este respeito, porém, é preciso distinguir entre aquilo que uma língua po de  
eventualmente dizer e aquilo que normalmente diz e deve  dizer. Parece, de fato, que
cada língua pode exprimir tudo aquilo que exprime uma outra e que, pelo menos
em princípio, não há diferença entre as línguas, no que tange às suas possibilidades.
Destarte, se uma língua tem nutrierais somente até 4, o 5 será indicado, por exem-
 plo, por
po r um a das mão
mãos,s, o 10 pelas duas, o 15 pel pelas
as duas
du as mãmãos
os e um pé pé,, o 20 pelas
duas mãos e os dois pés. Nesta língua não se dirá normalmente, por exemplo, 86,
 porq
 po rque
ue de 4 em dia diant
ntee se dirá gene
ge neric
ricam
amen
ente
te “ m uit
uitos
os”” ; mas a poss
p ossibil
ibilida
idade
de de dizer
86 existirá, ainda que de forma complexa (quatro vezes as duas mãos e os dois pés +
uma mão + 1) que, quand quandoo simplificada, se se traduzirá por algo parec parecidoido com o
francês quatre-vingt-six.  O problema não consiste, pois, no que se pode dizer e no
que se pode achar efetivamente expresso em proposições concretas. O problema é
este: aquilo que se diz constitui uma funçã funçãoo unitária e constante da respectiva
respectiva língua?
língua?
E esta função é, na língua respectiv
respectiva,
a, uma função diferen
diferentete das outras? Quais são os os
limites funcionais nesta língua?
língua? PPorta
ortanto
nto a idéia ddee função, combinad
combinadaa com o primei-
ro princíp
princípioio das relações
relações sisistemáti
stemáticas,
cas, é reformulada como idéia de limite funcional.
Em italiano, por exemplo, é possível que a ação simples e a repetida venham
de fato expressas porpo r uma mesma forma verbal em uma fras frasee determinada
determ inada e que, em
um contexto, canta  signifique “canta neste, momento” (ação simples), e em outro
signif
signifiqu
iquee “ canta com freqüência e seguiseguidamente”
damente” (ação iteraditeradaa ou habitual). Deve-
Deve-
mos, porém, nos perguntar se estes fatos, efetivamente verificáveis em textos italia-
nos, constituem ou não unidades funcionais, porque o italiano não dispõe, neste
caso, como acontece com as línguas eslavas, de formas diversas para exprimir
estas duas funções, mas emprega a mesma forma e é só o contexto o que indica qual
é a acepção específica e particular usada num caso determinado. As funções, ao
contrário, são duas, também em certa fase do latim na qual, para indicar que um
determinado sujeito ““cantacanta agor
agora,
a, som
somente
ente uma vez, neste mom ento” , se dizi diziaa
canit,  enquanto
enqu anto,, para indicar que “ canta seguida
seguida e habitu
habitualme
almente”
nte” , se dizia
dizia cantat. 
Em latim havia, portanto, duas unidades funcionais diversas, com um limite, im-
 post
 po stoo pela lín
língu
guaa com
comoo siste
sistema,
ma, isto
ist o é, pel
pelaa langue, entre um conteúdo e outro.

4.3.2 .2. A idéia de função não deve ser, porém, limitada


4.3.2.2. limita da à descrição dos sistemas
sistemas
lingüísticos. Mesmo na análise de um texto, deverão ser estabelecidas determinadas
funções; portanto, por exemplo, o conceito novo de metáfora, na estilística atual, é
o da metáfora
nenhum outro. em um texto determinado, com sua própria função nesse texto, e em
 

A LINGÜISTICA ENTRE O POSITIVISMO E O ANTIPOSITIVISMO 33

Também em outros casos a lingüística atual nlo examina tanto a substancia


dos fatos quanto a sua função, interpretando-os do ponto de vista funcional. Assim
como. na indagação histórica se pensa primeiro em quais sejam as mudanças e os
desenvolvimentos funcionais de determinadas formas e de que modo elas passaram
 para
 pa ra um
umaa funç
fu nção
ão dife
di fere
rent
ntee na hist
hi stór
ória
ia da lín
língu
gua,
a, assim tatam
m bé
bémm , ha co
comp mpara
aração
ção
lingüística, em lugar de confrontar formas substanciais entre si, procede-se a uma
comparação funcional, procurando determinar se funções similares são expressas
 pelas lín
língu
guas
as que
qu e es
estã
tãoo sen
sendo
do estu
es tuda
dada
dass e qua
quais
is são essas funç
fu nçõe
ões.
s. O u d ito
it o de outr
ou traa
forma: um dos axiomas didáticos fundamentais é o de assinalar, desde o princípio,
que as funções de línguas diferentes pode podemm ser diferentes e que o pior modo de
aprender
aprend er uma língua estran
estrangeira
geira é buscar aass funções da nossa língua na outra
outr a que se
quer aprender. Se nossa língua nos abre uma janela em direção a uma outra, é
 preciso
 prec iso ao me
mesmo
smo temte m po lemb
le mbrar
rar qu
quee a o u tr
traa líng
lí ngua
ua pode
po derá
rá ap
apres
resen
enta
tarr fu
funçõ
nções
es
diferentes. Portanto, jamais aprenderão línguas estrangeiras aqueles que perguntam
como se diz, na outra língua, o que sabem dizei na sua própria, ou aqueles que
lamentam não poder exprimir exatamente na outra língua o mesmo conceito: como
se dizia outrora, eles não percebem o esprit des langues.
Um-exemplo de Román Jakobson é digno de nota a este respeito. Um inglês
dizz a um russo:
di russo: “ I wrote to my friend” , e o rrussousso rerepli
plica:
ca: “Aquilo que dizes
dizes não
está claro; antes de mais nada, gostaria de saber se se trata de um amigo ou de uma
amig
am iga,
a, e depois
depo is se acabaste ou não de escrever
escrever”” . E se o te
texx to fosse escrito,
escrito , o russo
russo
 pode
 po deria
ria també
tam bémm perg
pe rgun
unta
tarr se o suj
sujeit
eitoo / corre
co rresp
spon
onde
de a uma
um a pessoa
pess oa mascu
ma sculin
linaa ou
feminina. De fato, em russo, o pretérito do verbo indica o genero da pessoa que
funciona como sujeito, e a forma do verbo indica se a ação (neste caso, a de
escrever) está ou não acabada, e o substantivo que exerce a função de complemento
especifica, ainda no nosso exemplo, se se trata de um amigo ou de uma amiga.
Obviamente se poderá objetar que o inglês, se quiser, pode dizer  gir  girl-fr iend   para
l-friend 
 precisar
 precis ar este
est e últi
úl tim
m o po
pont
nto.
o. N or
ormm alm ente
en te,, po
poré
rém
m , não o faz. Neste
Nes te caso não se
exprime, em inglês, aquilo que é, entretanto, necessário explicitar em russo; em
outros casos, acontece o contrário, e o inglês explicita distinções que o russo não
 po
 pode
de ab
abso
através solu
do luta
usotam
m
doen
ente
te fazer,
faze
artigo r, em
que com
co mrusso,
o, por
po rcomo
exem
ex empl
plo,
em o, aquelas
aqu não
latim, elas existe.
distin
dis tinçõe
çõess manif
ma nifes
estad
tadas
as
%

4.3.2.3. A idéia
idéia de funcionalidade está presente, po
portan
rtan to, na descrição
descrição da língua
dos textos, na história lingüística (na medida em que até agora foi feita história
funcional das línguas), na comparação lingüística e também nas aplicações da lin
güística ao ensino das línguas estrangeiras (a chamada lingüística aplicada).

4.3.3. À idéia de evolução se opõ opõe,


e, como dissemos, à dos “ estados”
estado s” das coisas,
coisas, à
diacronia  se opõe a  sinc
 sincron ia,   e na lingüística atual se fazem quase exclusivamente
ronia,
 pesquisa
 pesq uisass sinc
sincróni
rónicas,
cas, com
co m base na simples
sim ples lim
limita
itação
ção empí
em píri
rica
ca ou ta
tamm bé
bémm na idéia

de que aa história
inverte seria menos
ordem seguida importantepositivista
pela lingüística do que a descrição sincrónica.
e, em lugar Ou então
de gramática se
fundada
 

34 LIÇÕES DE LINGÜISTICA

em princípios históricos, faz-se primeiro descrição e depois história ou hisiôra


 baseada
 basea da na descriç
des crição,
ão, quer
qu er di
dize
zerr que,
qu e, para
pa ra uma de
dete
term
rmin
inad
adaa m ud
udan
ança
ça ling
lingüís
üístic
tica,
a, se
 pr ocur
 proc uram
am esestím
tímul
ulos
os e mo
motiv
tivaç
açõe
õess no estad
es tadoo da lín
língu
gua,
a, ou, pe
pelo
lo me
menos
nos,, se part
pa rtee da
descriçã
desc riçãoo para fazer a história. Notável é que esta atitud
atitudee não é apenas característica
da lingüística descritiva por excelência, a lingüística estrutural em suas várias for
mas, mas de toda a lingüística atual, mesmo da orientada historicamente e da
“ histori
historicist
cista”
a” .
A descrição constitui, portanto,«de certo modo, a base também de outras
orientações que nada têm a ver com o estruturalismo, como, por exemplo, a geogra
fia lingüística. Deve-se, de fato, a Matteo Bartoli4 o enunciado de quatro normas
ditas “ areai
areais”
s” , normas relativas à distribuiçã
distrib uiçãoo ggeográfica
eográfica dos fenômen
fenômenos
os lingüísticos
e mediante as quais certos indícios sincrónicos são transformados em indícios de
sucessão histórica. De acordo com uma destas normas, chamada “norma das áreas
laterai
laterais”
s” , se num território
territór io lingüístico ooutro
utrora
ra homogêneo certas formas se se acham
nas áreas marginais e outras formas, funcionalmente equivalentes, aparecem na área
central, as formas das áreas laterais são mais antigas, pois que representam um
“estrato” anterior, não substituído pelas inovações oriundas do centro deste domí
nio lingüístico. Procede-se, portanto, ao exame de condições sincrónicas, como as
que são encontradas no estádio de uma língua atual. Em outras palavras, estes fatos
(A  e  B)   são primeiro registrados na sua relação espacial atual para depois concluir
que, historicamente,  A   precede  B,
 B ,   exatamente com base nesta distribuição espacial.
Eis alguns exemplos: enquanto na Ibéria e na Romênia, regiões laterais do domínio
lingüístico románico, o conceito de “formoso” é expresso por formas que con
tinuam o latim  fo rm o su s   (em português  fo rm o so ,   em espanhol hermoso,  em ro
meno  fr u m ó s ), na Itália e na Gália, quer dizer, no centro do domínio lingüístico,
acham-se ao contrário continuações do latim bellus  (it. bello,  fr. beau)\  analoga
mente, ao português mais,  ao espanhol más   e ao romeno mai,  do latim mçgis,   se
opõem no centro os continuadores do latim  pl us ,  com o francês  pl
 plus us   e o italiano
 plus
ü.   Pode-se concluir disso que  fo rm o su s   e magis,  em suas respectivas funções, são
 piü.
 pi
anteriores a bellus  e  plu s.   De fato, se em uma zona lingüística homogênea se
difunde do centro uma inovação, esta dificilmente chega às áreas laterais e consegue
conquistar todo o território lingüístico. Todavia o que importa, sobretudo, é pôr
em relevo que esta norma, expressão característica da geografia lingüística (ou
lingüística espacial), dá a possibilidade de interpretar historicamente um fato sincró
nico, transformando a constatação de condições contemporâneas em apresentação
de fatos sucessivos. Tenha-se presente que o ponto de partida não é mais a sucessão,
mas, ao contrário, a simultaneidade das formas, simultaneidade da qual se deduz a

4 Veja
Vejam-s
m-see de M.
M. Bartoli
Bart oli as seguintes
segu intes obras: Intr
 Introdu zioncc alia neolinguistica [Introdução 
oduzion
à neolinguistica), Genebra, 1925; em colaboração com G. Bertoni,  Bre  Breviario di neolinguistica 
viario
[Breviario de neolinguistica| STEM, Moderna, 1928; e mais os artigos inseridos em Saggi di 
lingüistica spaziale [Estudos de lingüistica espacial],  Rosenbcrg & Sellier, Torinò, 1945; e, em
colaboração com G. Vidossi,  Lin  Lineam
eamenti
enti di lingüistica spaziale  [Ru
lingüistica spaziale Rudim en tos de lingüistica 
dim entos
espacial]. Le Litigue Estere, Milano, 1943.
 

A LINGÜISTICA ENTRE O POSITIVISMO E O ANTIPOSITIVISMO   35

cronologia relativa das referidas formas, manifestada, por assim dizer, nas condições
sincrónicas: da descrição se chega à história.
Também alguns lingüistas históricos afastados, por sua formação, de qual
quer ligação com o estruturalismo chegam às vezes a formulações deste tipo. A
lingüística tradicional nos habituou, por exemplo, a partir do latim para chegar ao
italiano, do indo-europeu ao anglo-saxão, logo ao inglês médio da época de Chaucer
e finalmente ao inglês moderno. Entretanto alguns lingüistas, mesmo operando
ainda em âmbito historicista, afirmam hoje que uma história mais racional seria
aquela que, partindo por exemplo do italiano atual, procurasse explicar como se
formou este idioma, vale dizer que propõem uma história que, considerando os
fatos atualmente válidos em italiano, explique o seu complexo percurso histórico,
não se interessando em como o latim se transformou, mas sim em como se formou
o italiano. Alguns trabalhos que se fundamentam em tal concepção descrevem de
fato como se formou tal ou qual língua e, de certo modo paradoxalmente, tomam
como ponto de partida o de chegada, para explicar historicamente como e por que
se chegou a este e não
n ão a ou
outro
tro res
resulta
ultado
do.. Para o it
italiano
aliano esta tes
tesee tem sido sust
sustenta
enta
da por um lingüista que pode ser chamado histórico por excelência: Vittore Pisani5.
4.3.4.1. Com a difusão dos princíp
princípios
ios do antipositivismo na lingüística, não é mais
tomado, como ponto de partida, o fato individual, ao qual se segue abstração e

generalização, mas em
singular, que vem primeiro elugar
delimitado se considera
descrito com basea universalidade
na posição que mesmo
ocupadonuma
fato
estrutura, numa rede de relações. Em segundo lugar, não se tem mais interesse pela
substância, isto é, de que coisa é feito um objeto, mas sim pela função (que faz,
 para que serve este obobjet
jeto).
o). A definiç
def inição
ão e a ide
identi
ntific
ficaç
ação
ão dos fat
fatos,
os, no noss
nossoo caso
das unidades lingüísticas, baseiam-se na sua função, e não na sua constituição ime
diata, material. Também se, por vezes, as duas coisas se distinguem e não se afirma
que a unidade depende da funcionalidade, não há dúvida de que é nesta última que
se põe maior atenção. Com efeito, as duas coisas (unidades e funções), por vezes se
distinguem: é o caso de Daniel Jones que, no seu livro dedicado à fonología, dá uma
definição substancial do fonema, formulada do ponto de vista da substância física6.
Jones define de fato o fonema como uma família de sons; ou antes, deseja distinguir
o que o fonema é  na sua constituição material do que o fonema/az, da sua função
distintiva. A atitude geral da lingüística atual é, entretanto, não distinguir aquilo
que uma coisa é daquilo que uma coisa fa z ,  mas considerar, não apenas em primeiro
lugar mas exclusivamente, aquilo que a coisa  fa z ,   e definir os objetos do ponto de
vista da sua função.

5 Imp ortan tes artigos


artigos de V. PiPisani
sani ach
acham-s eunidos em Saggi di lingüística storica 
am-see rreunidos
[Estudos de lingüistica histórica |, Rosenberg & Sellier, Torino, 1959, e cm  Linguc e culture 
[Língu
[Línguas cu lturass|, Paideia, Brescia, 1969.
as e cultura
6 De D. Jones, para quem o fonema é uma um a classe  ou  famí lia de sons  entre os quais
 família
ressalta um som importante da língua, veja-sc o utilíssimo  An English Phonetics 
 A n Outlinc o f English
[Esboço de fonética inglesa |, Dutton, New York, 1956, c o estudo teórico The Phonema  |O 
 fonem
 fon a\,   Cambridge, 1950, 2.a ed. 1963.
ema\,
 

36 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

Em terceiro lugar, não interessa a evolução do objeto, mas a sua descrição; a


relação entre história e descrição é entendida no sentido de que não se faz descrição
sobre base histórica, mas sim ao contrário, história sobre base descritiva. Em certo
sentido, a história se torna sincrónica, o que corresponde, em última análise, a um
modo mais genuíno de entender a própria história, pois.interpretar uma situação
histórica significa reconstituí-la na própria mente, ou seja, compreendê-la sincróni
camente. Ainda que na história lingüística não sejam numerosos os exemplos deste

 pr
 proc
noocededim
imen
artigo ento
to,, pode
sobre pod e ser cita
citado
a etimologia dodoaoit.menos
me nos o “mét
messa, mmis
étod
odo
sa””o, seguido
missa em que pseorsustenta
A nt
nton
susten onin
taino
o Pagl
queP aagliar
iaro7
o7
etimo
logia não é apenas registrar o desenvolvimento de formas e significados, mas recons
trução de uma situação originária, compreensão de tal situação e da inovação na
forma ou no significado que surgiu nesta situação. No artigo supracitado é  recons
truída uma determinada situação na base da qual é explicada a inovação por que o
lat. missa  que, enquanto participio de mittere,  significava
significava simples
simplesmente
mente “ enviada” ,
 passou a significar
signific ar “ missa” no sehtid
seh tidoo que
qu e damos
dam os hoj
hojee a esta
est a palavra.

4.3.4.2. Já se dis disse


se que do quarto pprincrincípio
ípio não se acha,
acha, na lingüística atual, uma
aplicação coerente. A este respeito, grande parte da lingüística atual permanece no
ámbito da ideologia positivista. Ainda que a distinção respectiva seja feita no idea
lismo lingüístico e, de modo menos claro e menos coerente, na gramática transfor-
macional, não se pode falar, neste caso, de uma característica geral da lingüística
atual, porque se continuam, na realidade, a aplicar princípios e métodoscausalísticos
em várias orientações de nossa discipliná, particularmente no estruturalismo.
O idealismo lingüístico, certamente, distingue entre ciências da natureza e
ciências da cultura, mas não conseguiu impor este ponto de vista, também pela
escassa capacidade especulativa de seus representantes. Em particular Karl Vossler,
corifeu máximo da lingüística idealista na Alemanha, era um pensador de
capacidade especulativa por demais modesta para conduzir o idealismo lingüístico a
um sistema coerente que permitisse considerar os vários aspectos da linguagem dum
 pont
 po ntoo de vvista
ista efetiva
efet ivame
mente
nte idealis
ide alista8
ta8 .1

1 De A. Pagliaro, além dos livros// segn


 segno
o víve
vívente.
nte. Saggi
Saggi sulla
sulla lín
língua
gua e altri simboli [A vida 
vida
do sina
sinaL
L Ensaios sobre a língua
língua e outr
outros
os sím
símbo loss), Edizioni Scicntifiche Italiane, Napoli, 1952,
bolo
trad. portuguesa da Fund
trad. Fundação
ação Calouste Gulbenkian, a cargo de Aníbal Pinto dc Castro, Lisb Lisboa,
oa,
1967, e  La parola e ¡’immagine
¡’immagine \A palavpalavrara e a imagem],   Edizioni Scientifiche Italiane, Napoli,
1957, vejam-se as coletâneas de artigos cm Saggi di critica semántica [Estudos de críticas 
 semántica  |, D’Anna, Messina-Firenze, 1953,  Nu  Nuovi
ovi sagg [Novos estudos de 
saggii di critica semántico [Novos
crítica semántica],  ibid., 1956 e  A  Altr
ltrii sagg
saggii di critic
critica
a semántica [Outros estudoss de crítica 
[Outros estudo
a],  ibid., 1961, ond
 semântica],
 semântic ondee aparece o artigo referido no texto texto,, ““La
La formula Ite, missa
missa es
est”
t”
(p. 127-32).
' De K. Vossler devem se serr lembradas as seguint
seguintes
es obra
ob rass-.P
-.Positiv
ositivismus
ismus un
undd Idealismus in 
der Sprachwissenschaft [Pos [Positivi smo e idealismo na lingüística], Heildelberg, 1904, e Sprache ais 
itivismo
Schòpfung und Entwicklung [A linguagem como criação e evolução |, Heidelberg, 1905 (destes
dois livrosPoblet,
livros
(Editorial há trad
tradução
ução italiana
Madrid, 1929).de T. Gnoli (Laterza, Bari, Bari, 1908) e espanhola de José F. Pastor
 

5
Unidade e Diversidade da
Lingüística Atual

5.1.1. Os quatro
qua tro princíp ios que discutimos at
atéé agora deveriam
deveriam pelo menos con sti
tuir a unidade de uma lingüística não positivista. Tal unidade, porém, não implica
ausência de diferenças que, ao contrário, são notáveis na lingüística atual e consti
tuem motivo de interesse pela multiplicidade das correntes e das orientações. A lin
güística tradicional (pelo menos assim se diz) era mais unitária, e isto porque nela
não se colocavam problemas gerais de concepção ou de método.

5.1.2 . Se as diferenças
diferença s en
entre
tre duas lingüísticas são devidas apenas ao objeto
obje to que se
examina, tais diferenças são de pouca relevância, ao menos para quem, como nós,
se interessa pela ideologia que subjaz aos dois métodos. Se, por exemplo, se faz geo
grafia lingüística, toma-sc para exame um aspecto determinado do objeto “lingua
gem” e se consideram as diferenças lingüísticas no espaço. Esta disciplina, entre
tanto, determinada como é pelo seu objeto particular, precisamente por aquele
objeto que ela escolhe no objeto “linguagem” como seu tema peculiar, exige obvia
mente também uma metodologia particular. Muito mais importantes são as diferen
ças que se devem à diversidade na concepção geral da linguagem e/ou da ciência.

5.2.1. Assim, as diferenças devidas à concepç


con cepção ão ge
geral
ral da linguagem podem
po dem se ma
ma 
nifestar até na organização das disciplinas lingüísticas, enquanto se considera uma
determinada disciplina como a disciplina lingüística por excelência, da qual deri
variam as outras. Segundo o idealismo lingüístico, cujo escasso relevo no contexto
cultural interna cional
cion al é necessário admitir,
adm itir, a linguagem é essencialmente
essencia lmente criação e
deve portanto ser estudada no seu próprio surgir, e não como técnica ou uso de uma
linguagem já feita. Esta criação, este surgir, poderá se encontrarem forma concreta
sobretudo em textos individuais e, em particular, nos literários, que formarão por
isso o objeto principal da pesquisa. A disciplina lingüística capaz de surpreender a
linguagem no seu momento de origem é, segundo o idealismo, a estilística, e a esti-
 

38 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

lística dos textos será por conseguinte considerada como disciplina primária, en
quanto o resto será construido sobre a base e do ponto de vista da estilística, da
qual o idealista se ocupará em primeiro lugar ou quase exclusivamente.
Segundo o estruturalismo, que considera a linguagem primordialmente no
seu aspecto técnico-instrumental e sobretudo enquanto estrutura, o-interesse pri
mário da lingüística será, pelo contrário, a descrição da língua, a “gramática’*. E,
em tal ámbito, o estruturalismo dará maior relevo às partes nas quais as estruturas
 po dem
 pode m ser depr
de pree
eend
ndid
idas
as de m odo
od o mais imed
im edia
iato
to:: fonolo
fon ología
gía,, morf
mo rfolo
ología
gía e sinta
sin taxe
xe..
Por outro
ou tro lado,
lad o, dará me
menor
nor relevo àquela parte na qual as estruturas
estrut uras não se
se obser
vam de modo imediato mas são, como se costuma dizer, “abertas”, isto é, no léxico.

5.2.2. Segundo uma outra corrente da lingüística atual, o neo-humooldtismo,


representado sobretudo na Alemanha por Jost Trier e Leo Weisgerber1, a lingua
gem é constitu
con stitu ída de dois estratos:
estra tos: o primeiro representa a organização ime
diata do mundo por parte do homem, uma espécie de “intermundo” (em alemão:
 Zw is c h en w e lt )),, responsável pela organização do mundo como tal mediante a lin
 Z w isc
guagem, enquanto o segundo diz respeito ao falar sobre diversas situações do
mundo, mas com os elementos dados neste intermundo. De um lado se terá então

oa léxico,
léxico , que org
gramática; organi
e a aniza
zauagem
ling
linguagdeem
maneira
seria imediata
seria con stituídoa mundo
mund
de umo extralingüístico, de outro lado,
es trato léxico, correspondente
ao mundo enquanto conhecido e dominado pelo homem por meio da linguagem, e
dum outro estrato , gramatical,
gramatical, correspondente
corresp ondente à combinação dess desses
es elementos, is
isto
to
é, do mundo já transformado em linguagem. A lexicología deveria ser, portanto, a
 prim
 pr imei
eira
ra discip
dis ciplin
linaa lin
lingü
güís
ístic
tica,
a, e n q u a n to estu
es tudo
do lin
lingü
güís
ístic
ticoo do m od
odoo e da or
orde
demm
em que é organizado o mundo. Também as diferenças entre as línguas postas em
relevo pelo neo-humboldtismo são sobretudo as lexicais, porque se supõe que a um
léxico diferente corresponde uma maneira diferente de organizar, e, assim, de con
ceber a experiência do mun do exterior.
5.2.3. O chamado
chamad o “marrismo
“ marrismo”” isto é, a metodo
metodologia
logia lingüística
lingüística do lingüista sovié
sovié
tico N. J. Marr, hoje caído em desagrado na própria U.R.S.S. depois da condenação
oficial do partido através de duas célebres intervenções de Stalin2, sublinha primei-

1 Record
Recorde-s
e-see de J. Trier, criador da teoria do “campo
“campo semântico”
semântico” (al.
(al. Bed
 Bedeutu
eutungsngsfeld ), a
feld),
obra fundamental (de que só apareceu o voL I)  Der Deutsch D eutschee Wortschatz im Sinnbezi
Sinn bezirkrk des 
Verstandes [ Ovocabulário alemão na área conceituai do entendimento | , Heidelberg, 1931. As
idéias gerais de L. Weisgerber acham-se particularmente expostas em  Muttersprache und  
Gertesbildung \L(ngua materna e formação do espirito ), Gottingen, 3.a ed., 1941, e em  Da  Dass 
Gesetz der Sprache [A lei da língua],   Heidelberg, 1951.
J A obra de N. J. Marr
Marr constituiu
constitu iu a doutrina
dou trina oficial ddaa lingüíst
lingüística
ica so
soviétic
viéticaa ainda depois
da morte desse estudioso, ocorrida em 1934. Suas teorias foram contestadas por J. V. Stalin, em
dois artigos, O marxismo na li lingüística
ngüística c A propósito
prop ósito de
d e alguma
algumass questões relativ
relativas
as à lingüí stica,, 
lingüística
aparecidos na  Pra vda,  respectivamente a 20 de junho e 4 de julho de 1950. Entre os maiores
 Pravda,

lingüistas
uma teoriadafundamental
União Soviética
mentedeve-se
fundamentalmente hoje citar Sebastian
gerativo-transfor macional Konstantinovic
gerativo-transformacional Saumjan, promotor
exposta em Struktumaja de 
lingvistika,
Moscou,-1965 |tradução italiana de E. Rigotti , , Lingüistica dinámica,
diná mica, Laterza, Bari, 19701.
 

UNIDADE E DIVERSIDADE DA LINGÜISTICA ATUAL 39

ramente a unidade dialética entre língua e pensamento, que se manifestaria em pri


meiro lugar na estrutura das frases, correspondente a estruturas do pensamento
sobre o mundo. Para o marrismo, a primeira disciplina lingüística é, por isso, a sin
taxe, emanando todo o resto deste ponto de vista.

5.2.4. Em bora po
porr motivos totalme
tota lme nte diversos,
diversos, também
tamb ém a gramática transforma-
cional, que considera a língua do ponto de vista da capacidade de construir frases
(ou melhor, todas as frases possíveis, já ditas ou não), identifica o corpo central da
lingüística com a sintaxe, a que se relacionam, de um lado, a fonología e a fonética,
e, de outro, a lexicología e a semântica, conforme um esquema como o seguinte:

semântica
t t t

sintaxe

i i i
f o n é tic a

A s in ta x e c o n s titu i, p o r ta n to , o c o r p o c e n tr a l, e a s e u la d o s itu i tu aam


m - s e as
a s d u a s “ in te r 
 p r e t a ç õ e s ” d a s fr a s e s : a i n t e r p r e t a ç ã o s e m â n t i c a , q u e fa z u s o d a l e x i c o l o g í a , e a
f o n é tic a , q u e in te r p r e ta n o s e n tid o m a te r ia l a e s tr u tu r a d a s f r a s e s , c o n s titu in d o
a s s im a c h a m a d a ‘ m o r f o lo g ía ’ , q u e s e d e f in e m e lh o r c o m o m o r f o n ê m ic a o u m o r f o -
f o n è m i c a ( o u “ f o n é t i c a d a s ffrr as
a s es
es ” ).

5.2.5. Voltaremos
Voltare mos mais adian
adiantete a este tema;
tema ; agora nos interessa assinalar assinalar que a
 próp
 pr ópri
riaa organi
org anizaç
zação
ão das discip
dis ciplin
linas
as lingü
lin güíst
ística
icass e o p o n to de pa
part
rtid
idaa ttam
am b ém na des
des 
crição pode ser diferente segundo a atitude e a concepção que se elegem. Por isso
estilística, gramática, lexicología e sintaxe apresentam-se alternativamente como
disciplinas primárias ou, em certos casos, como disciplinas exclusivas.

5.3. As difdiferenças
erenças no inte
interior
rior de uma determinada
determina da corrente
corren te da lingüística, inclu
sive
sive do estruturalism o, podem-se ainda reconduzir
recon duzir a mod
modos
os de conceber
con ceber a linguag
linguagem
em
(ou melhor, em certos casos não a linguagem em geral, mas a língua como sistema),
ou a maneiras de conceber a ciência. Certos aspectos que podem parecer discutíveis
ou até mesmo errados, são justificáveis nos próprios limites das diversas concep
ções, com base nos princípios adotados como fundamentais. Vejamos algumas des
tas diferenças devidas, precisamente, a princípios teóricos ou metodológicos.

5.3.1. Uma corrente


corren te estruturalista que toma o nome de glossemática
glossemática e cujo promo
promo 
tor foi Louis Hjelmslev3, se propõe transformar a descrição lingüística em umaes-

3 Veja-se mais ad
adia
iant
ntee 6.4.
 

40 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

 pécie de álgebra da linguag


linguagem.
em. Tal aspect
asp ectoo da glosse
glo ssemát
mática
ica foi m ui
uito
to discu
dis cutid
tidoo e
criticado. Foi dito
d ito,, por
p or exemplo,
exem plo, que é um erro ignorar os fatos de substância
substân cia na
linguagem; sob certos
certo s aspectos é realmente um erroerro,, mas na glossemática
glossemática tal orien
tação se prende a um principio rigoroso e a uma concepção particular da língua,
 basead
 bas eadaa no fat
fatoo de qu
quee ela não
nã o seria o u tr
traa coisa sen
senão
ão uma
um a fo
form
rmaa pura
pu ra sem urna
substância determinada;
determin ada; ou seja
seja,, segundo um conceito que já aparece em Saussur Saussure, e,
a língua, enquanto forma, seria independente da substancia na qual se manifesta.
Melhor dizendo, manifestando-se a língua na substância gráfica (a língua escrita),
ou se manifestando na substância fônica (a língua falada), ou em qualquer outra
substância (os signos poderiam ser construídos com vários materiais), para Hjelms-
lev, a estrutura ideal, enquanto fica sempre a mesma, carece de substância.
Por este motivo o estudo das unidades da expres expressão
são (na prática: das for formas
mas
lingüísticas) será próprio de uma disciplina chamada cenemática   (do grego nevóÇ  
“vazio”),
“vazio” ), que se oc
ocupará
upará das unidades
unida des vvazia
aziass de substânc
substância;
ia; e do estudo
estu do das rela
rela
ções abstratas entre unidades vazias de substância se passará à  fo  fone
nemm át
átic a, grafe-  
ica,
mática  e outras disciplinas que estudarão estas unidades não mais como unidades
vazias, mas como unidades fônicas, gráficas, etc. A fonologia (“cenemática”), em
âmbito glossemático, será, portanto, uma disciplina muito genérica e abstrata que
considerará somente os fatos que são equivalentes em todo sistema de expressão de
uma determinada língua e são comuns, por exemplo, à fonemática e à grafemática.
Evidentemente não se falará de elementos materiais, mas apenas de certas relações
que possam se apresentar análogas na língua escrita e na falada. Podemos, natural
mente, não estar de acordo com isso. Mas para criticar a concepção da fonologia em
Hjelmslev, deveremos, com uma crítica radical, observar, por exemplo, que a lin
guagem não é forma pura do tipo das formas matemáticas, não determinadas quan
to à substância. É difícil ou arbitrário, portanto, discutir um único aspecto da teo
ria, fruto de uma concepção internamente coerente da linguagem ou melhor di
zendo, como se viu, da língua.

5.3.2. Partindo
Partind o de uma concepção particular da ciê
ciência,
ncia, Bloomfield
Bloomfield exc
exclui
lui da lin
güística o estudo do significado lexical, ao passo que admite o do significado gra
matical. A exclusão do significado lexical se prende à premissa de que o que as pala
vras significam, no tocante ao mundo extralingüístico, não pode ser estabelecido
 pela
 pe la lin
lingü
güíst
ística
ica,, mas apenas
apena s pelas disc
disciplin
iplinas
as que se oc ocup
upam
am das coisas designadas.
design adas.
O significado
significado de “sal” , é, segundo Bloomfield, um problem p roblemaa da quími
qu ímica
ca e não um
 prob
 pr oblem
lemaa lingü
lin güíst
ístico
ico.. Esta
Es ta tes
tese,
e, op
opos
osta
ta àquel
àq uelaa ne
neo-
o-hu
humb
mbololdt
dtian
ianaa segund
seg undoo a qual a
lexicología é a disciplina lingüística primária, foi criticada com freqüência, sem
que se levasse em conta a extrema coerência interna do pensamento de Bloomfield.
 Na realida
real idade,
de, ele renrenun
uncia
cia ao sig
signif
nificad
icado,
o, ainda
ain da que sabend
sab endoo peperfe
rfeita
itam
m en
ente
te que
qu e as
 palavras significam
sign ificam e que o sign significa
ificado
do é, p o rt
rtan
anto
to,, fu
fund
ndam
am en
entoto da linguagem.
linguag em. Mais
Mais
ainda: tod todasas as definições contidas
contid as em Langua
 Language ge são feitas com base no significado,
e sempre se lêem fórmulas do tip o: tal unidade é uma forma x  com um significado
tipo:
 y .   Entretanto, a exclusão do significado é devida à concepção particular que da
 

UNIDADE E DIVERSIDADE DA LINGÜÍSTICA ATUAL 41

ciência tinha Bloomfield que, como comportamentista (ou behaviorista), entendia


que o significado lingüístico, não sendo encontrado nos fatos de comportamento
exterior (ninguém jamais viu um significado!), e não sendo passível de verificação
senão operativamente, não podia ser estudado científicamente. Conhecemos o sig
nificado através da introspecção, enquanto pensamos nele, mas, segundo a meto
dologia comportamentista, da qual a instrospecção fica excluída, não podemos
referir-nos àquilo que sabemos de nós mesmos enquanto sujeitos falantes, e sim
somente àquilo que pode ser observado exteriormente e que poderia ser observado

também pornos
observado uma máquina
fatos bem construída.
exteriores Portanto,não
de comportamento, se opode
significado não pode
ser estudado ser
objeti
vamente. Bloomfield entende de fato a ciência como objetividade absoluta, como
objetividade fisicista: deve, por isso, excluir de seu âmbito o significado.
Para criticar este princípio, indubitavelmente errado, é necessário ter presente
a própria concepção da ciência em Bloomfield, observando, por exemplo, que a
objetividade da lingüística não deve ser entendida no sentido em que possam ou
devem ser objetivas as ciências naturais, ou então que a objetividade que se procura
não é uma objetividade fisicista, como aquela que pode ser observada por uma má
quina. Se a objetividade consiste na completa adequação ao objeto, no caso do
objeto
obje to linguagem, a ccom omplet
pletaa adequaç
adequação ão cai .por terra
te rra se eliminamos o único ele
mento
me nto que a perm ite: o signifisignificado.
cado. Por
Po r iss
isso,
o, tam
também
bém no behaviorismo, o ssignif ignifi
i
cado, que, segundo esta concepção não pode ser estudado com base na introspec
ção, é examinado com critérios distributivos, istò é, identificando todos os con
textos e todas as situações em que um elemento lingüístico ocorre. Com efeito, na
obra de Bloomfield e de seus seguidores o significado, do qual se deve   inevitavel
mente falar de algum modo, é reduzido operativamente às combinações de uma
 palavra
 palav ra ou à tota
to talid
lidad
adee das situ
situaçõ
ações
es em que se empreem prega.
ga. Que seja pr
prat
atic
icam
amenente
te
impossív
impo ssível
el examinar a totalidade das ssituaçõ
ituações
es é já um outro
ou tro pro
problema
blema e, ao mesmo
tempo, uma das mais graves dificuldades que se apresentam ao querer considerar
o signif
significad
icadoo de um pon ponto
to de vista
vista estritam
estritamente
ente bloom
bloomfieldiano.
fieldiano.

5.3.3. Um ooutr utroo exemplo. Com referência às unidades lingüísticas


lingüísticas que se
se distin
guem na fonología (os fonemas) ou na gramática (segundo alguns estruturalistas,
os morfemas),
morfema s), aapresentam-se
presentam-se dois problem as: o ddaa identificação
identifica ção das unidades e o
da descrição das unidades identificadas.
O prirheiro problema
prob lema,, ppor
or exemplo
exe mplo,, é: quais são os fonemas do italiano?
O i   de  Piera  e o l í de  pira  são dois fonemas diversos ou um só? Uma vez, porém,
identificadas as unidades, é preciso descrevê-las. Segundo os princípios já tradicio
nais da escola fonológica de Praga, os fonemas se identificamidenti ficam com critérios fun
cionai
cionais,
s, mediante o mé método
todo chamado da “ comutação”
comutaç ão” : substitúindo-se um som de
uma palavra por um outro que se suspeita pertencer ao mesmç fonema, pergunta-se
se com isto o significado muda ou não. Se o significàdo não muda, isto é, se per
manece invariável para uma determinada consciência lingüística, os dois sons em
questão pertencem à mesma unidade e não são unidades diversas. Substituamos,
 

42 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

 p
 poo r ex
exem
empl
plo,
o, um e  aberto por um e  fechado na sílaba tônica de uma palavra espa
nhola e de umau ma italiana; em espanho
espanhol,
l, o si
signifi
gnificado
cado permanece o mesmo, enq
enquan
uanto
to
em italiano, pelo menos em alguns casos, muda (cf. outra vez légge-lègge, pésca- 
ca,   etc.); e p
 pèsca,
 pès por
or isso em italiano são duas unidades diferentes e em espanhol
espanhol uma
só, isto é, um único fonema com duas variantes ou “alofones”. No que concerne à
descrição, esta se realiza de acordo com a substância fônica (ou seja, indicam-se os
traços articulatorios ou acústicos efetivos destas unidades); assim, uma unidade
como ital.  /b ¡   será definida como consoante oral, oclusiva, sonora, bilabial. Disto
 pode
 po demm os dedu
de duzizirr cla
claram
ram ente
en te qu
quee a esc
escola
ola de Praga, nã
nãoo ig
igno
noran
rando
do o significa
sign ificado,
do,
se refere a ele na identificação dos fonemas e, não ignorando a substância, se refere
a ela na descrição.
Segundo a orientação glossemática, que também admite a consideração do
significado, a identificação dos fonemas pode igualmente acontecer com critérios
funcionais, isto é, mediante o método da comutação. Impossível é, porém, a des
crição do ponto de vista da substância fônica, porque a glossemática não admite a
substância, que corresponderia a um uso —quer fônico, quer gráfico, ou com qual
quer outra substância —da língua, e não à língua em geral (como forma pura). Por
tant
ta nto,
o, para a descri
descrição
ção se recorre
recorre à distribu
distribuição
ição:: não se dirá, por exem
exemplo,
plo, de uma
unidade como o ital. /ô/ que é consoante oral, oclusiva, sonora, bilabial, mas que
se pode encontrar em tais e quais posiçOes, por exemplo, no início ou no interior
de uma palavra, e nunca no fim. A descrição, ou como se costuma dizer de modo
inexato, a “definição” das unidades será feita na glossemática com critérios distri
 butiv
 bu tivos
os,, sem re
reco
corr
rrer
er à su
subs
bstâ
tânc
ncia,
ia, e sem dize
di zerr qu
quee / ò / é uma
um a co
cons
nsoa
oant
ntee or
oral,
al, oc
oclu
lu
siva, etc., porque se procuram os traços comuns ao fonema //>/ e aos grafemas b, B.
 No bloo
bl oom
m fieldi
fie ldism
smoo estr
es trit
itoo a iden
id entif
tific
icaç
ação
ão nã
nãoo pode
po de ser fei
feita
ta co
comm base em cricri 
térios funcionais, porque não é lícito se referir ao significado. Sem negar que os
fonemas sejam distintivos, nega-sc, entretanto, que se possa recorrer àquilo que nós
como falantes sabemos e que sabem também os falantes que examinamos. Excluído
o recurso ao significado, a identificação se faz mediante a distribuição, e assim se
dirá: dois eleme
elementos
ntos diverso
diversoss que aparecem exatam ente no mesmo co conte
ntexto
xto per
tencem a fonemas
exclusiva”, se onde diversos.
aparece  APelo   não contrário,
aparece  Bcom base na chamada
  ou vice-versa, “distribuição
tratar-se-á muito pro
vavelmente
vavel mente do mesmo fonema; mas já que este este critério nem se sempre
mpre é suficiente,
suficiente,
acrescenta-se também, para a identificação, a exigência da semelhança fônica. De
fato, o critério distribucional é insuficiente, porque certos elementos, cuja distri
 buiçã
 bu içãoo é “e“excl
xclusi
usiva”
va” , dific
di ficilm
ilmenente
te po
pode
deria
riam
m ser at atri
ribb uí
uído
do s ao mesmo
mes mo fonfonema
ema.. Por
exemplo, /p/ e //i/ em inglês, jamais se acham no mesmo contexto, mas o primeiro
 pode
 po de es esta
tarr na posiç
po sição
ão final de pal palavr
avraa ou sílaba
síl aba,, on
onde
de jamais
jam ais apa
aparece
recerá
rá o segund
seg undo,
o,
e vice-versa. Muitas palavras inglesas terminam de fato por ng   (em grafia fonética
 Iv l) ,   mas nenhuma com //*/ aspirado. Ora, segundo o critério da distribuição exclu
siva, ter-se-ia de dizer que se trata do mesmo fonema, o que é obviamente contradi
tado pela ausência de semelhança fônica. Ao contrário, no caso do italiano, onde
existem diversos tipos de  /n  /n¡¡  (o que está antes de l k /   é diferente do que está antes
 

UNIDADE E DIVERSIDADE DA LINGÜÍSTICA ATUAL 43

de /t/, etc.), e o tipo palatal [ñ] (diante de /c/ em maneia, diante de  Ig l   em matigia,
etc.), mas não diante de /r/, se diz que este [ñ] e [tj] pertencem ao mesmo fonema,
recorrendo ao critério da distribuição exclusiva ou complementar. A descrição, po
rém, poderá perfeitamente ser feita do ponto de vista da substância, porque o
 bloom
 blo omfie
fieldi
ldism
smoo ad
admm ite a sub
s ubstâ
stânc
ncia
ia fôn
fônica;
ica; o so
som
m [ú
[ú],
], em italia
ita liano
no,, será ide
identi
ntific
ficad
adoo
com [n], [17] na base da distribuição complementar, e se dirá que todos os três per
tencem ao mesmo fonema /n/, o qual poderá ser descrito em termos de fonética
acústica e articulatoria, po
porr exemplo, coir
coiriú
iú “consoante
“ consoante nasa
nasall não bil
bilabi
abial”
al” .
Este exemplo serve para patentear o modo pelo qual a coerência com uma
determinada concepção implica conseqüênc
conseqüênciasias metodológicas
metodológicas até mesmo nas nas opera
ções de descrição: a escola de Praga reali realiza
za a identificação
identificaçã o mediante
me diante o ssignificado,
ignificado,
 porq
 po rque
ue o adadm
m ite
ite,, e realiza
real iza a des
descriç
crição
ão me
media
diant
ntee a sub
substâ
stânc
ncia,
ia, po
porq
rque
ue tam
ta m bém
bé m a
admite. Para a glossemática, entretanto, a identificação se faz mediante o signifi
cado, mas a descrição não se faz mediante a substância, mas sim através de critérios
distribucionais.
distribucionais. No bloomfieldismo acontece exatam ente o contrário contrário:: a identifica
ção é feita através da distribuição, porque o significado está excluído, e a descrição
é feita através da substância.

5.3.4. As modalidades das descriç


descrições
ões não são, portan
po rtan to, arbitrári
arbitrárias
as nas vár
várias
ias con
cepções lingüísticas, sobre cujos princípios e fundamentos é preciso sempre refletir
antes de criticar-lhes as aplicações. Também do ponto de vista prático é necessário
ter presente as diferenças entre os pontos de Vista, porque um mesmo termo, como
 fo n e m a , não tem o mesmo valor num tex to filiado
filiado à escol
escolaa de Pra
Praga
ga e nou tro ligado
à glossemática. Por isso, embora falemos freqüentemente da “lingüística atual” em
geral, como duma unidade, é preciso não esquecer que ela não é totalmente unitária:
segundo os estudiosos, surgem por vezes divergências totais no exame de elementos
idênticos, porque, como dizia Saussure, é o ponto de vista que cria o objeto, e os
fatos são diferentes se apresentados de pontos de vista diferentes.

5.4. Também a dificuldade terminológica da li lingüística


ngüística atual pode sser
er atribuída
atribuíd a a
diferenças de concepção. Na glossemática, por exemplo, toda a terminologia é nova
 porqu
 po rquee o seu fufund
ndad
ador
or,, Hjelmslev, ach
achou
ou neces
necessário
sário subli
su blinh
nhar
ar a no
novid
vidade
ade dos con
co n
ceitos e dos procedimentos através do recurso a uma nova terminologia.
Ainda que lingüist
lingüistasas de outr
outras
as esc
escola
olass empreguem em parte uma terminologia
tradicional, também esta assume valores diversos conforme concepções metodoló
gi
gicas
cas ger
gerais
ais.. Exem
Exemplifica
plificando
ndo:: o vocáb
vocábulo
ulo morfema , bastante freqüente na lingüís
tica atual, tomado entre os lingüistas que continuam a usar parcialmente a termino
logia tradicional, se opõe a  se  sema
mant em a   ou lexema,  sendo o morfema o instrumento
ntem
gramatical e o  se sema
mantntem
ema a o  fundamento, a base lexical de uma forma lingüística,
considerada do ponto de vista quer da substância física, quer do significado. Por
tanto, de uma forma verbal italiana, vamos supor veniamo, diremos que ven  é a
 parte
 pa rte se
sema
mante
ntemm áti
ática
ca e iamo  a morfemática, porque indica as funções gramaticais
 

44 LIÇÕES-DE LINGÜISTICA GERAL

desta forma. O morfema será considerado tanto no seu aspecto material, como
desinencia, por exemplo, quanto no funcional, indicando qual seja a função dessa
desinência, etc.;
et c.; fal
falar-
ar-se-á
se-á assim
assim da função
fun ção do morfema
mo rfema artigo, preposição, desi
desi--
néncia, etc.
 Num
 N umaa oouu tra
tr a corr
co rren
entete da lin
l ingü
güíst
ística
ica,, qu
quee não cocorre
rresp
spon
onde
de,, porém
po rém , nem mesmo
mes mo
à divisão entre lingüística européia e lingüística americana, sendo própria da norte-
americana e de uma parte da escola de Praga, morfema  significa unidade mínima de
forma lingüística; já para ela, no veniamo  do nosso exemplo, o morfema lexical lexical ven 
é  seguido do gramatical iamo.  Os morfemas são então as unidades últimas que se
 pode
 po demm sesepa
parar
rar e iden
id entif
tific
icar
ar em forforma
mass lin
lingü
güíst
ística
icass nã
nãoo passíveis
passív eis de divisão ulteri
ult erior.
or.
Segundo esta concepção, morfema,  enquanto forma lingüística mínima, pode coin
cidir também com uma forma lexidãl: di, e, ogni, è,   enquanto não ulteriormente
divisíve
divi síveis,
is, serão classificados como com o m morfemas.
orfemas.
 Na conc
co ncep
epção
ção glosse
glo ssemá
mátic
tica,
a, en tr
tret
etan
an to,
to , morfema   significa elemento gramati
cal, porém não enquanto forma lingüística do ponto de vista da substância, mas
exclusivamente quan q uantoto à sua função: a própria função gramatica gramaticall é morfema. Por
exemplo, no latim rosae, o  morfema não é ae,   mas sim o genitivo; no italiano il  
tavolo, il   não é morfema, mas morfema é a função do artigo, a atualização que se
exprime através de il.   Morfema é, pois, a própria função gramatical, e neste sentido
é um fato de conteúdo, não de expressão, fato conceituai e não material. Portanto,
um glossemático dirá que a palavra Giovanni contém o artigo, e, à objeção óbvia de
que o referido artigo falta, replicará que ele está implícito, porque, ainda que não
apareça o artigo material, a sua função deve ser considerada implícita em Giovanni. 
Os nomes próprios, por isso, para o glossemático, têm implícito o morfema de
artigo, porque, enquanto já atualizados, não têm necessidade de ser ulteriormente
atualizados, mediante anteposição ou, em outras línguas, posposição de um artigo.
Com efeito, dizendo Giovanni  estou aludindo a uma pessoa determinada, ao passo
que, se digo libri-ne ho letti molti   [de[de livros,
livros, li mu
muitos
itos],
], estou-me referin
referindo
do a livro
livross
de um modo
mo do não especificado
especificado;; será diferente
diferen te se
se eu disser/' libri che ho leito mi  
 sono
 so no pi
piac
aciu ti   [os livros que li me agradaram], porque, ainda que não os indicando
iuti

 pa
 part
rtic
icul
àqueles,ular
armm ente
en te,, es
certamente esto
touumais
alud
al udin
indo
do a livrosquedete
numerosos, de term
nãormin
inad
li;ados
os,, isto
neste istsentido,
o é, aos tanto
que li,Giovanni
op
opos
osto
toss 
quanto i libri,  com o dizia Bally, estão “ atualizado
atualizados” s” . Por isso é possível dizer que
os nomes próprios “contêm” a função de artigo mesmo sem ostentar-lhe a subs
tância correspondente.

5.5. Concluindo,
Concluind o, antes de proce
proceder
der à leitura de uma obra de lingüística
lingüística atual, é
necessárioo pprocu
necessári rocurar
rar saber
sab er a que escola ou concepção ela perte
pertence;
nce; assim
assim não pro
cedendo, será difícil e, além do mais, incoerente criticar as afirmações que lhe são
específicas. Já que tais afirmações só podem ser discutidas à luz da concepção ge
ral, impõe-se-lhe, ao leitor, remontar-lhe aos princípios para poder eventualmente
contentarr tal ou qual conseqüência particular.
contenta
 

6
O Estruturalismo

6.1. Depois de ter delineado as características


caracte rísticas da lingüística atual em g
geral,
eral, dete-
nhamo-nos'agora na lingüística descritiva cm particular e, portanto, na chamada
lingüistica estrutural, 
estrutural,  que é de notável interesse também para o ensino das línguas
estrangeiras. Daremos aqui um esquema do estruturalismo que permita esclarecer o
entrelaçam ento das diferentes correntes de que se compõe.

6.2.1. Ini
Inicia-
cia-se
se o estru turalturalism
ism o europ
europeueu com FerdFerdinan
inand d de Saussure, precisa
mente com seu Curso de lingüistica geral.
Saussure, com ser um ponto de partida, representa também um ponto de che
gada, porque, como dissemos, para certos conceitos, remonta a Georg von derGa-
 bele
 be lent
ntz1.
z1. E n tr e ta n to nã
nãoo são claras as relaçõe
rela ções,
s, co nq ua nto
nt o ger
geralm
alm ente
en te reco
reconhe
nhecid
cidas,
as,
com outros estudiosos, entre os quais cabe menção particular ao sociólogo francês
Emile Durkheim. Além disto, ainda que não se saiba como e quando ocorreu, é
evidente a afinidade de pensamento entre Saussure e dois estudiosos poloneses que
ensinavam na Rússia: Ja Jan
n Baudouin de Courte
Co urtenay
nay , de origem fr francesa,
ancesa, que por
volta do ano de 1870 ensinava na universidade de Kazan’, e seu discípulo Mikolay
Kruszewski, professor na mesma universidade. Baudouin de Courtenay e Krus-
zewski são os precursores e, de certo modo, os fundadores da fonologia, mais no
sentido psicológico do que objetivamente funcional, porque introduziram o con
ceito de “ fonema” , como unidade psíquica d
dee so
sons
ns diferentes na pr
pronúncia.
onúncia. Ambos
escreveram suas obras em russo, e Baudoin de Courtenay também em alemão, não

1 E. Cos
Coseriu,
eriu, em extenso artigo inserido agora, em espanhol, no livro
livro Tradición y  
novedad en la ciencia dei lenguaje, 
lenguaje,  Gredos, Madrid, 1977, “Georg von der Gabclantz y la
lingüística sincrónica”, mostra que as relações entre o lingüista alemão e Saussure não são
simples coincidencias, mas refletem decisiva influencia, que passaram despercebidas à maioria
dos estudiosos das raízes do pensamento lingüístico do mestre de Genebra. (E.B.)
 

46 LIÇÕES DE LINGÜÍSTICA GERAL

estando ainda muito claro até que ponto Salissure as tenha utilizado122.. De outra
 part
 pa rte,
e, a no
noçãçãoo de fone
fo nemm a tinh
ti nh a sido
sid o in
intu
tuid
id a , em 1876
18 76,, por
po r J.
J . Win
Wintele
teler,
r, que aten
at ento
touu
 para
 pa ra as difer
dif erenç
enças
as fônic
fô nicas
as a ququee corr
co rres
espo
pond
ndemem dif
difer
erenç
enças
as quer
qu er de sign
signific
ificado
ado lexi
le xi
cal, quer gramaticais, ao lado daquelas diferenças a que nío corresponde nenhuma
diferença deste tipo. O vocábulo  fo n e m a   já tinha sido usado por Saussure no seu
livro M
 Mém
émoi
oire
re sur le sy
s y st
stém
ém e p r i m i t i f de s voyell
voy elles
es ind
indoo -eur
-europé
opéenn
ennes
es [Memoria so bre  
sobre
o sistema primitivo das vogais indo-européias],  aparecido em 1878. K.ruszewski ado-
tou-o em 1880 para indicar o equivalente psíquico do som, e de modo análo análogo
go o
usou em 1895 Baudouin de Courtenay.

6.2.2. Todavia, po r exp lícito rrecon econhechecime


imento,
nto, derivam
derivam de Sauss
Saussure
ure as seguintes
seguintes
escolas lingüísticas européias:
a) A escola que entre 1925 e 1939 liderou o Círculo lingüístico de Praga, de
cujos membros, porém, nem todos ensinavam em Praga (um dos mais importantes,
o russ
russoo N. S. Trub
Tr ubetz
etzko
koy,
y, ensinava em Viena Viena).
). Alé
Além
m ddee Trube
Trubetzkoy
tzkoy qu
que,
e, com os
seus  F
 Fun toss de fo n o lo g ía 3 ,  pode ser considerado o verdadeiro e efetivo
un da m en to
criador da fonología, devemos recordar, entre os membros mais significativos do
Círculo, o russo Román Jakobson, que se transferira da Rússia para a Tchecoslová-
quia, indo depois para a Suécia e finalmente para os Estados Unidos, onde ensinou
durante muitos anos na Universidade de Harvard.
 b) A Esc
Escola
ola de Gen
G eneb
ebra
ra,-
,-co
cons
nstit
tituí
uída
da pelos
pel os seguid
seg uidore
oress e co
cola
labo
bora
rado
dore
ress ddire
iretos
tos de
Saussure, Charles Bally, Albert Sechehaye (que publicaram o Curso, coligindo apon
tamentos de lições acadêmicas proferidas entre 1907 e 1911 e elaborando-lhe a re
dação com que hoje o conhecemos), e sobretudo H. Frei, verdadeiro estruturalista.
Esta Escola, antes da criação da fonologia (com as Teses  do Círculo lingüístico de
Praga, de 1929, trabalho sobretudo de Trubetzkoy, Jakobson e Sergej Karcevskij),
não havia aprofundado princípios estruturalistas, mas tão somente alguns outros
aspectos da doutrina lingüística de Sauslure. Entre os representantes atuais dessa
Escola cabe recordar particularmente Robert Godel, que publicou as fontes manus
critas do Curso.
c) A Escola dinamarquesa de Copenhague que, no início, adotou o nome de

“estruturalismo”
com a dou
doutrina (com Viggo
trina lingüística Brindai),
lev,ea depois,
de Hjelmslev,
Hjelms glossemátiporca.volta de 1935, se identificou
glossemática.
Se estas escolas são mais ou menos caracterizáveis como saussurianas (a pri
meira através da distinção entre langue   e pa rolee refletida em âmbito fonológico com
 parol

1 Estas relações mereceram dois estudos de R. Jakobson:  A Escola polonesa de  


lingüística e seu papel no desenvolvimento internacional da fonologia   (1960) e  A importância 
de Kruszewski para o desenvolvimento da lingüistica geral   (1965), ambos traduzidos para
francês e inseridos no vol. II de Es
 Essa
saisd
isdee lingu istiquee générale, Editions de Minuit, Paris, 1973.
linguistiqu
(E.B.)
3 Aparecera
Apar eceram
m esses Fun
 Fundam
dament os  postumamente, em 1939, como vol. 7 dos Travaux du 
entos
Cercle linguistique de Prague. Há desta obra tradução para o francês, italiano, inglês e espanhoL
entre outras línguas.
 

O ESTRUTURALISMO 47

a diferença entre  fo fononolo


logí
gíaa  enquanto ciencia da langue, e fo n é ti
ticc a  en qua nto ciênc
ciência
ia
da  pa
 p a ro
role
le ; a segun
segunda,
da, pelo aprofun dam ento das características da langue, estudadas
apro fundam
 po
 p o r Bally co com
m pa rtic
rt icu
u lar
la r aten
at ençã
çãoo ao francês
fran cês e ao ale
alemã
mão,
o, e ainda
ain da pelpeloo intere
int eresse
sse do
eleme nto psicológico na linguagem;
linguagem; a terceira, pela elaboração teorica men mentete con-
con-
seqüencial da teoria que diz ser a langue  forma e não substancia,
substancia, enq uan to conjun to
de sinais que, por sua vez, são valores e não objetos), outros estruturalistas que se
referem a estas escolas
escolas,, como, po r exemplo, o francês André Martin
Martinet4
et4 , pro m oto r
de um funcionalismo em sua opinião decididamente realista, são praticamente re

 pres
 pr esen
enta
tant
ntes
es da escola
esc ola de Praga.
6.2.3. Na União Soviética a orientação estruturaestru tura l é representada por L. V V.. Scer
Scerba
ba e
sua escola, cujo estruturalismo é todavia diferente daquele que poderíamos definir
como centro-
centro-europeu.
europeu.
O estruturalism
estrutu ralism o inglê
inglêss provém de dois filões: um fonético,
foné tico, cujas origens
devem ser buscadas em Henry Sweet e Daniel Jones, e um etnológico, pela impor
tância assumida por Bronislaw Malinowski em ámbito lingüístico. Como verdadeiro
fundador
fund ador da esco
escolala lingüística
lingüística ing
ingle
lesa
sa pod
pode-s
e-see considerar J. R. F irth s , cuja
cuja ativi
ativi
dade principal
principal pode ser situada em tom o dos anos 50; atualm ente a escola é re re
 pr esen
es enta
tada
da po r M. A. K. HalHallid
liday,
ay, W. Haas e W. S. AlieAlien
n - o prim
pr imeir
eiro,
o, co
conh
nhec
eced
edor
or
de chinês e o terceiro, de línguas clássicas, entre as quais principalmente o sáns
crito: os iinteress
nteresses
es da escola
escola não ssão,
ão, portan
po rtan to,
to , de caráter exclusivamente especu
especu
lativo —e outros, entre os quais o-veterano foneticista David Abercrombie. A escola
inglesa pode, de certo modo, ser considerada um elo de ligação entre o estrutura
lismo europeu e o norte-americano.

6.3.0. O estruturalism o americano tem sobretu do ori


origens
gens práticas, po
porqu
rquee foi
foi de
terminado pela necessidade imediata de estudar e descrever as línguas indígenas dos
índios da América: atra
através
vés da observaçã
observação
o de certas categoria
categoriass não redutíveis àque
las conhecidas das línguas indo-européias, descritas pela lingüística tradicional, fo
ram descobertos, na América do Norte, os princípios de uma descrição estrutural.
O primeiro representante de uma concepção estrutural da língua nos Estados
Unidos foi Edward Sapir, de origem alemã mas radicado na América desde menino;
nele teve a maior influência a atividade, mais de antropólogo do que de lingüista,
desenvolvida por Franz Boas, e dele deriva uma seção do estruturalismo americano
que sofreu, em parte, também a influência de Bloomfield. Dela fazem parte K. L.

4 De A. Martinet recordem-se especialm ente  Élé  Éléme


mentsnts de linguistique genérale
genérale [E
[Ele
le--
mentos de lingüistica geral],  Paris, 1961, de que existe boa tradução para o português, a cargo
de Jorge Morais-Barbosa, Sá da Costa Editora, Lisboa, e  Economia des changements chang ements phoné 
tiques [Economia
[Economia das mudanças fonéticas]
fonét icas],,  Berne, 1955, além das preleções contidas em  A 
 Functional
 Function al View o f Languag
Languagee [A linguagem
linguagem do po pont
ntoo de
d e vist
vistaa func
funciona
ional],
l],   Oxford, 1962.
s Os est
estudos mp ortantes de J. R. Firth foram reunidos em  Pa
udos m ais iimp  Paper
perss in Linguistics 
19341951 [Estudos de lingüistica],   Londres, 1957 e Selected Pa
Pape
pers
rs o f J. R. Firth 19521959 
[Estudos seletos de J. R. Firth 19521959], Longmans, Londres, 1968.
 
 

48 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

Pike, Benjamin Lee Whorf, E. Pike e E. A. Nida. A obra principal de Sapir, como já
o dissemos, foi  A linguagem,
lingu agem,  publicada cm 1921, em Nova
Nova Iorque.

6.3.1. Entreta
En treta nto deve-
deve-se
se considerar como verdadeir
verdadeiroo fundador
funda dor do estruturalismo
americano Bloomfield que, além de Boas
Boas e Sapir, teve presente as idéias
idéias de Saussure.
Bloomfield foi um lingüista muito bem informado, como mostra a vasta bibliogra
fia de  Lan
 Langua ge , enquanto não se pode dizer o mesmo de seus seguidores que.em
guage
geral, não têm tido o cuidado de pesquisar as raízes do pensamento de seu mestre,
de cuja vasta cultura dio fé também numerosas e muitas veZes ásperas recensões
 pu blicad
 publi cadas
as nos pri
prime
meiro
iross anos
ano s da revista da Soc
Socied
iedade
ade lingü
lin güíst
ística
ica americ
am ericana
ana  Lan
 L an--
 guage..  Bloomfield criou uma metodologia e uma terminologia na lingüística descri
 guage
tiva norte-americana, se bem que, mais do que de estruturalismo (embora este ter
mo seja correntemente usado nos Estados Unidos), seria adequado falar de “descri-
tivismo”
tivismo” norte-americano, que é uma metodologia nova, enquantoenqua nto para o resto (par
(pa r
ticularmente para a lingüística histórica) Bloomfield reelabora substancialmente a
lingüística tradicional, compreendendo-se aí também a geografia lingüística. De
fato, a segunda parte de  Languag
 Languagee é  um excelente compêndio da ideologia neogra-
matical referente à lingüística histórica e encerra também um panorama muito bem
feito da geografi
geografiaa lingüística.

6.3.2. De Bloomfield descende uma um a sér


série
ie de estudiosos,
estudios os, quase todos
tod os norte-america
norte-am erica
nos não formados na Europa, entre os quais Zellig S. Harris 6  (cujos primeiros tra
 balh
 ba lhosos levam a ex extre
trem
m as conseq
con seqüên
üências
cias o bloo
bl oomm fie
field
ldism
ismo,
o, afirm
afi rman
ando
do,, com
co m o único
ún ico
método, o distributivo), A. A. Hill, Ch. E. Hockett, R. A. Hall Jr. e outros. Um
excelente resumo da lingüística descritiva norte-americana em suas duas orientações
 princi
 pri ncipai
paiss encon
enc ontra-
tra-se
se no livro de H. A. Gleason
Gleaso n J r . 7, que co
cont
ntémém ta
tam
m bé
bémm um ca
 p
 pít
ítuu lo sobre
sob re a gramát
gram ática
ica trans
tra nsfor
formm acion
aci onal.
al.
Esta última tendência remonta em parte a Sapir (elogiosamente citado por
Chomsky), em oposição, portanto, a Bloomfield e aos bloomfieldianos, e em parte
a Harris que, juntamente com Chomsky, foi, no começo, o maior expoente da gra
mática transformacional. Chomsky8, depois dos primeiros trabalhos, nos quais a
influência de Harris é evidente, intensificou as referências à lingüística européia.

* Merece
erece referência particular a obra de Z. S S.. Harr
Harris,
is, Meth
 Methods
ods in St
Stru
ru du
dura
rall Ling uistics 
Linguistics
|Métodos na lingüística estrutural],  Chicago, 1951, republicada com o título Strudural Lin-
 guistics  [Lingüística estrutural ], ], Chicago, 1963.
1 H. A.
A. Gleas
Gleasonon Jt.
 J t. ,A n Introduc tion to Descriptive Linguistics  (Intr
Intr oduction odução à lingüística 
Introdução
descritiva J, Ne
New
w York, 1955, 2.a ed., 1961. Desta obra há tradução portu portuguesa
guesa de João Pin
gúelo, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1978.
* Recor
Recordem-
dem-se,
se, entre
en tre as obras priprincipais
ncipais de N
N.. A. Chomsky, Syntactic Structures   Estru-
 IEstru-
turas sintáticas],  Ha
Haia,
ia, 1957 e os escritos reunidos
reunid os em Saggi linguistici \Estudos lingüísticos], 
trad. italiana, 3 vols., Boringhieri, Torino, 1969-70, onde estão incluídos também os Aspectos 
da teoriae da
Meireles sintaxe,
Eduardo   de Raposo,
Paiva 1965. Desta última
Armênio obraEditor,
Amado há tradução portuguesa
Coimbra, 1975. de José Antônio
 

O ESTRUTURALISMO   49

em particular a Saussure e Humboldt, acreditando achar as origens da sua metodo


logia,
logia, a assim
assim cchamada
hamada “ gramática gerativa”
gerativa” , na gramática gera
gerall e racional de Port
Royal, ligada ao racionalismo cartesiano (donde o título de Cartesian Linguistics 
[Lingüistica cartesianaJ dado a um seu trabalho, aparecido em 1966); o no m t gera
gera-- 
tiva aplicado à sua concepção da gramática faz referência quer ao aspecto “criativo”
da linguagem, segundo o filão sapiriano em Chomsky, quer ao uso que, na lógica
matemática, se faz da palavra “gerar” com significado de “determinar através de
regra
regras”
s” , “ formali
formalizar”
zar” um determinado proce sso (n o cas
caso
o específico o pro
processo
cesso de
de
formação das frases); o nome transformad o nal 
nal  se
  se aplica a esta gramática porque na
“geração” das frases se vale, entre outfas coisas, de certas regras chamadas, precisa
mente, “de transformação”
transformação” .

6.4. O quadro aqui apresentado corresponde à lingüística estrutu


estrutural,
ral, isto é, àque
àquela
la
que se ocupa das estruturas da lilingua
nguagem;
gem; como porém poporr “es
“estrutu
trutura”
ra” se
se podem
entender coisas diferentes, a unidade é dada mais pelo conceito genérico de estru
tura e não pelo objeto específico da pesquisa.
A gramática transformacional e gerativa, como se pode deduzir claramente de
tudo o que dissemos até aqui, se distingue de todas as outras tendências estrutura-
listas, porque o estruturalismo é um método analítico, que procura estabelecer e
descobrir, mediante a análise, as unidades mínimas das línguas, as quais se combi

nam na expressão. Este procedimento se mostra evidente até pelos nomes adotados,
como por exemplo o de “ glossemáti
glossemática”
ca” : as unidade
unidadess mínimas, da expressão
expressão ou do
conteúdo (segundo Hjelmslev a função de signo se põe entre duas entidades, uma
expressão e um conteúdo)9, são chamadas por Hjelmslev de  gl  gloss
ossem as , e a análise
emas
da língua se propõe, justamente, depreender os glossemas e mostrar, depois, como
estes se combinam em unidade de ordem superior, ou figu ras.. O que caracteriza esta
 figuras
ciência é a aspiração à descoberta das unidades lingüísticas, e os procedimentos que
elaa emprega são —para usar
el usar um termo próprio da gramática gerativa
gerativa - procedim en
tos “ de descoberta” : busc
busca-
a-se
se descobrir os elementos
elemento s mínim os e estabelecer os mé
todos para tal descoberta em uma língua determinada e também para línguas que
não sese conhecem, cujas
cujas estruturas dev
devem
em ser efetivamente
efetivamente “ descobertas” .

6 .$. A gramática gerativa


gerativa não oferec
oferece,
e, entre
en tre tan to,
to , proc
procedim
edim entos
ento s de descob
descoberta:
erta:
muito ao contrário, em certo sentido, nega ou põe em dúvida a possibilidade de es
tabelecer com plena coerência procedimentos de descoberta e propõe, antes, um
modo de apresentar as estruturas já conhecidas pelos sujeitos falantes. Trata-se,
assim, de um procedimento de representação e, em certo sentido, a gramática ge
rativa supõe que análises e descobertas já têm sido feitas ou, pelo menos, que o
falante já conhece as funções e as unidades combinadas e possui delas, segundo um

9 Veja-s
Veja-see L.
L. H
Hjelm
jelmslev
slev,, Pro
 Prolegome
legomena
na to a Theory o f Lang
Languag Prolegómenos à teoria da 
uagee [Prolegómenos
língua \t   trad.
trad. inglesa de F. J. Whitfield (Baltimore, 1953) do original dinamarquês aparecido em
1943, p. 30.
 

50 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

termo técnico desta corrente, uma competência   (competence ) que atua na concre
tização do desempenho (performance).
A descrição se apresenta sob forma de regras (rules) e não de listas ou de pa
radigmas classificatórios dos elementos reencontrados na lingua: tal método abs
trato e sintético de apresentar a descrição, sob forma de regras dispostas em certa
ordem, se chama, como já foi mencionado, método gerativo, porque “gera” ou
define determinadas estruturas que podem ser'recursivas. Regras de transformação
se encontram também na gramática tradicional e, em parte com finalidades descri
tivas, na obra de Gabelentz, já várias vezes citada, na qual um capítulo bastante im
 port
 po rtan
ante
te traz
tr az prec
precisam
isament
entee o tí
títu
tu lo : Verwandlung der S'dtze in Satztheile   [Trans-
 form
 fo rmaç
ação
ão das orações
oraç ões em memb
me mbro oraç ão]10.. Ainda que não se possa apurar ne
ross da oração]10
nhum liame histórico entre Gabelentz e Chomsky, este capítulo e os fatos que o
autor nos apresenta pertencem à mesma série dos tratados na gramática transfor-
macional. Idéias “transformacionais” encontram-se aliás na mesma gramática tradi
cional, e também na obra de certos lingüistas não estruturalistas ou estruturalistas
não “ortodoxos” de nosso século, como por exemplo na Gramática inglesa  e na
 Filosofia
 Filoso fia da gr
gramátic
amática a  de Otto Jespersen 11  e em alguns estudos
estu dos de W
Wal
al ter Porzig 12
e de J. Kuryfowicz.

6 .6 . Como já dissemos
dissemos,, o conc
conceito
eito de estrutur
estr uturaa não é unívoco;
unívoc o; existem dela pelo
menos três, poden
podendo-s
do-see entender
entend er como estrutu
estrutura:
ra: a ) a config uração  ;b
configuração  ; b ) a estrutura 
 paradigm
 para digmátic
áticaa; c) a estrutura sintagmática.

6 .6 . 1 .
O conceito
conc eito de “ configuração” ao que aqui aludimos não é propriame prop riamente
nte
estruturalista, trias se encontra em Saussure e foi retomado por Bally e na lexico
logía chamada estrutural de Georges Matoré13, na França. Não se trata, neste caso,
de analisar unidades lingüísticas em elementos menores que as compõem, nem tam
 pouc
 po ucoo de relações efetivas
efet ivas en
entre
tre ele
eleme
mento
ntoss do en
enun
uncia
ciado
do,, mas sim de laços exte
ex tern
rnos
os
que subsistem entre as unidades lingüísticas por semelhança material ou de con
teúdo, ou então por associação, também entre elementos contrários. Uma confi-

10 Gabelentz,  Die Sprachwissenschaft , loc. cit. pp. 436-70. Como, entretanto, fiz notar
na introdução à recente reedição, este autor não pensa porém que a gramática sintética possa
substituir a analítica (p. 35).
1' Devem
Devem se serr part
particul
icularm
armente
ente lembradas as seguintes obras teórica
teóricass de O. Jespersen
Ipron. yéspersen, e não géspersen | I.a  I.ang
nguag
uage,
e, íts
ít s Nature, Developmen
Developmentt and
an d Origin   A
Origin  tA ling
linguag em,, 
uagem
 sua
 su a natureza, evolução e origemorigem ], Londres 1922,  PhU  PhUosop
osophyhy o f Grammar
Grammar [Filosofia
[Filosofia da gramá
gramá--
tica],  Londres, 1924, além da importantíss
impor tantíssima/!
ima/!  Mod
 Modem
em English
English Grammar
Grammar [Gram
[Gramátic
ática a do ing lés 
inglés
moderno
modern \, Copenhague, 1909-49, em sete volumes.
o \,
1J *• Lembre-se
Lembre- se de W. Porzig o vvolu
olume
me  Da
 Dass Wti
Wtinde
nderr der Sprac
Sprache.
he. Probleme MethMethode un d  
ode und 
 Ergebni
 Erg ebnisse
sse der modernen Sprachwissenschaft
Sprachwissenschaft [A mar maravi
avilha
lha da lingua
linguagem
gem.. Problema
Problemas, s, métod
m étodosos e 
objetivos da lingüistica moderna],  Berne, 1950, de que há tradução espanhola publicada pela
Gredos, de Madrid.
' *1 G. Matator
oré,
é,  La mét
méthode
hode en lexicologie.
lexicologie. Domaine français [O mét método
odo em lex lexico
icología. 
logía.
ínio francês  |, Paris, 1953.
 Domínio
 Dom
 

O ESTRUTURALISMO   51

guração na fonología consistiria, por exemplo, em estabelecer as diversas relações


de uma unidade  / el   não analisada, que se apresentaria em relação com todas as vo
gais, com todos os sons anteriores, com os sons abertos, etc. Quer dizer que, em
cada caso, se estabelece uma rede de relações, que pode continuar até os últimos-
limites
limites do dom inio considerado (no caso em tela: no domin io dos fonemas de urna
língua determinada) e há sempre um centro do qual, por assim dizer, se irradiam
, es
essa
sass relaçõe
relações.
s. Tal co nceito de es trutura
trut ura se apre
apresenta
senta para a gram
gramática
ática e para o léxico
na parte do Curso de lingüistica geral  que   que trata das chamadas relações associativas:
Saussure, examinando a palavra enseignement , “ensino” “ ensino” , li
liga
ga-a
-a a ou
outros
tros term os que
terminam em -ment   e com outros que contêm enseigne-,
enseigne-,   entre os quais também o
verbo enseigner,
enseigner,   “e
“ensinar”
nsinar” . Está assim
assim formada um a família de palavras
palavras,, e se estabe
lecem então liames de conteúdo com outras palavras que tém significado afim (tais
como éducation, instruction),
instruction ), ou liames de substância com palavras formalmente
semelhantes, como, por exemplo, com a palavra enseigne,
enseigne, “ “ insí
insígni
gnia”
a” , que não guar
da atualmente nenhum nexo semântico com ò conceito de “ensinar”.
Evidentemente, só um aspecto destas associações pode ser interpretado como
estrutura paradigmática real da língua considerada, porque essas relações são infini
tas, podendo-se passar de qualquer uma delas a outras. Com efeito, se se parte de
um centro qualquer, e deste se passa a palavras semelhantes, daí a outras semelhan
tes por sua vez a essas, advertimos que não existe solução de continuidade nem limi
te na conceituação
conceitu ação de uma um a tal estru tura : é praticame
pratic amente
nte infinita a rede de relaçõ
relações
es
que se podem estabelecer por meio da associação. Este conceito de estrutura apa
rece, como já foi dito, na obra de Bally e na lexicología “estrutural” de Georges
Matoré (e de Pierre Guiraud), que estuda configurações do léxico, mas não
analisa as unidades do léxico como tais. Com base em procedimentos deste tipo
de lexicologí
lexicologíaa “es trutu ral” , Gu irau d14
d14 pôde estabelecer
estabe lecer uma sérsérie
ie muit
muitoo complexa
de relações para certas palavras: os limites que ele esta estabelec
belecee para a palavra fran
cesa chat , “gato” , são por el
elee considerados
considerados como o “ campo m orfo-sorfo-semântico”
emântico” desta
 palavra, em sua op
opininiã
iãoo associável a ou
outra
trass duas mil ou
o u dua
duass mil e duze
du zenta
ntass palavras.

6.6.2. São mu ito mai


maiss características
caracte rísticas do verdadeiro
verdadeiro estru
estruturalism
turalism o e distinguem

algumas de suas orientações os conceitos de estrutura paradigmática 


paradigmática  (pela qual se
compreende a estrutura das unidades lingüísticas que estão em oposição imediata
entre elas ou, como se costuma dizer, se acham no eixo dos paradigmas ou da “se
leção”) e de estrutura sintagmática (pela
sintagmática (pela qual se compreende a estrutura das combi
nações, isto é, dos elementos presentes no eixo das “combinações” ou sintagmas).
Estes dois conceitos se referem às estruturas que se podem encontrar na lin
guagem, entendendo
entend endo-se
-se que a expressã
expressão
o ssee move sobre dois
do is eixos: o dos sintagmas
ou combinações (melhor dizendo, das co-ordenações, do grego o v w ú o o c j    “coor
deno” , “p onho em ordem
orde m conjunta
conjuntamen
men te” ), e o dos paradig
paradigmas,
mas, isto é, das
das clas
classe
sess

14 Numa série de artigos publica


publicados
dos no  Bulletin de la Socié
Société
té de Linguisti
Linguistique
que de Pa
Pariu
iu..
 

52 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

finitas (do grego vapábevypa.,  “modelo”) dentro das quais se opera uma escolha em
cada momento de falar. Por exemplo, o nosso amigo chegou hoje,   enquanto sin
tagma, tem uma determinada estrutura combinatoria, porque, como ensina a escola
elementar, o nosso amigo  se combina com chegou hoje, o nosso   com amigo, o  com
nosso, chegou  com hoje.  Uma representação gráfica desta estrutura, que indique
como estes elementos se acham combinados, dará um gráfico em forma de árvore,
as
assim
sim estruturada:
estruturada :

A mesma frase implica determinadas “estruturas” no eixo dos paradigmas, no


qual sempre se operam escolhas imediatas, em qualquer momento da atividade de
falar, entre unt elemento que, escolhido, se apresenta efetivamente e, outros ele
mentos que não se apresentam, enquanto não escolhidos. A estrutura sintagmática
se poderá chamar também estrutura in praesentia,  enquanto a paradigmática, será
estrutura in absentia,  consoante uma terminologia já instaurada por Saussure, por
que nesta um só elemento está presente e se opõe de modo imediato aos elementos
ausentes. Na nossa frase, por exemplo, em lugar de o  no noss o  - amigo,  etc., poder-
sso
se-ia dizer um, aquele,
aquele, este, nenh um  vo voss
sso,
o, seu, ingrato, etc.,
seu, teu, querido, bom, ingrato,
 —co
 — conh
nhec
ecido
ido,, in
inti
tim
m o, pa
paren te, colega   - chega, chegará, chegou, chegava, partia, par-
rente,
tirá,  etc
etc.. - ontem, amanhã, daqui a um ano, o ano passado,  etc. para se ter aquele 
querido conhecido chegará amanhã  ou outras ou tras possíveis
possíveis combinações (nenhu m voss o 
vosso
colega partia onten}, este teu parente chegou o ano passado,  etc.), conforme as es
colhas lexicais e gramaticais que se façam, de momento a momento, no falar. É
óbvio que, do ponto de vista gramatical, se se escolhe amigo,  se elimina imediata
mente amiga,  enquanto do ponto de vista lexical, se queremos exprimir a idéia de
que “ o nosso ami amigo
go chegou hoje”
hoje” , devemos excluir, do âm âmbito
bito das ppossíve
ossíveis
is esco
lhas: um, nenhum,  enquanto diferentes de o; vosso, teu, seu, deles, enquanto dife
rentes de nosso; partia, partirá,  enquanto diferentes de chegou; ontem, amanhã, o 
ano passado,  enquanto diferentes de hoje.  De ffato ato,, se são possíveis várias com
combinbina
a
ções sintagmáticas, as escolhas paradigmáticas excluem a priori todas aquelas das
 

O ESTRUTURAUSMO   53

q u a i s n a s ce
ce u m s i g n i ffii c a d o d i f e r e n t e . A s s im
im , s e a e s c o l h a s e r e f e r e a t o d a a o r a ç ã o ,
escolher-se-á entre a oração positiva ou afirmativa e a negativa, pela qual a oração
i n t e i r a o nosso amigo chegou hoje 
hoje  s e o p õ e a o nosso amigo não chegou hoje-, 
hoje-,  o u e n 
t ã o a s d u a s o r a ç õ e s c o n t ê m i g u a lm
lm e n t e u m a d e c l a r a ç ã o , em
e m f o r m a p o s i ttii v a e e m
f o r m a n e g a t i v a e s e o p õ e m , p o r t a n t o , i g u a l m e n t e , à o r a ç ã o i n t e r r o g a t i v a chegou
chegou  
hoje o nosso amigo?
Além disso, o sintagma o nosso amigo 
amigo  poderia opor-se a o amigo nosso, por
nosso, por
que, em português, à diferente posição do adjetivo em relação ao substantivo, antes
ou depois dele, pode corresponder significado diferente: o nosso amigo 
amigo  não subli
nha o fato de que não seja também seu, enquanto o amigo nosso (exceto nosso  (exceto em deterdeter
minadas circunstâncias em que a posposição ou anteposição do possessivo é obriga
tória, como, entre outras, em construções do tipo  Nos  Nossa sa Senh
Senhora,
ora, fi
filh
lh o m eu não
não  
 fa z isso, etc.)
isso,  etc.) pode indicar que se trata de amigo nosso e não seu. Por exemplo, dir-
se-á este é um livro meu, e não de um outro autor,  autor,   do mesmo- modo que Dante
disse o amigo meu, e não da ventura  ventura   (l'amico mio, e non de la ventura, Inferno,  Inferno, 
II. 61). Analogamente entre o homem pobre pobre   e o pobre homem 
homem   se observa a escolha
entre duas estruturas diversas, porque os dois sintagmas têm significado diverso.
Assim, também, se dizemos a senhorita tem um vestido verde, não verde, não se elimina
imediatamente elegante, feio, bonito, 
bonito,   etc. (isto porque o vestido poderia ser verde verde  
e bonito, verde e elegante, verde e feio,  feio,   etc.), mas sim branco, vermelho, azul,  azul,  etc.
Se numa frase se encontra a palavra dia, dia,   elimina-se imediatamente nessa posição
hora, semana, ano, 
ano,  etc. Enfim, o número gramatical é, na maior parte das línguas
conhecidas, singular e plural, mas, se uma língua, além desses números, possui tam
 bém o dual,
dua l, a escolh
escolhaa será feita
feit a entre
en tre essas três
t rês possibili
poss ibilidade
dadess em vez de en tr tree duas.
Este é o sentido que damos ao termo paradigm
termo paradigma. a.

6.6.3. Ao contrário, por estrutura paradigmática 


paradigmática  ou estrutura opositiva entende-se
opositiva  entende-se
a estrutura interna dos elementos de um paradigma, pelos quais estes são em parte
semelhantes e em parte diferentes: todo s os elementos
elem entos de um paradigma cont
contêm,
êm,
de fato, uma parte igual que é a base do paradigma e partes diferentes, mediante as
quais estes elementos se opõem uns aos outros.
Por exemplo, no caso de singular e plural, apreendemos imediatamente a dife
rença entre os dois números gramaticais, mas no paradigma existe, antes de mais
nada, um fato unitário, o número gramatical, que pode ser singular ou plural. No
caso de chegou, chega, chegará, 
chegará,  etc., todas estas formas pertencem ao verbo chegar  
e as diferenças dizem respeito ao tempo do verbo. No caso de vermelho, verde,  verde, 
etc., o conce
conceitoito básico é a cor em geral,
geral, não especificada, e as diferenças estã
estão
o dadas
de acordo com as diversas especificações. Num paradigma fonético, se /b/ se opõe
diretamente em português a /p/e/m/, o elemento comum encontra-se na (bi)-labia-
lidade, ao lado da qual existem diferenças específicas.
 No parad
paradigma
igma,, po rt
rtan
an to
to,, há sempre
semp re um elelem
em en to unitá
un itário
rio,, um tertium com- 
com- 
 parationi
 para tionis,
s,   e a seu lado elementos diferenciais. O resultado de uma análise em ele
mentos unitários e diferenciais constitui-se numa estrutura paradigmática, que co-
 

54 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

loca em evidencia a composição das unidades, partindo-se do pressuposto de que as


unidades são analisáveis em um paradigma determinado. Pela sua estrutura paradig
mática, /b/ é bilabial como /p/ e como /m/; é oral como /p/, mas não como /m/; é
sonoro como /m/ mas não como /p/; é oclusivo como /p/, mas não como /m/. Des
tarte, a unidade /b/, embora que única, ê composta de outros elementos menores,
que ela evidentemente implica, mas que não se apresentam separadamente: a “bila-
 bialid
 bia lidad
ade”
e” , a “ so
sono
norid
ridad
ade”
e” , a “ orali
or alida
dade
de”” não
nã o se apres
ap resen
enta
tam
m , com efei
ef eito
to,, soz
sozinh
inhas,
as,
mas somente combinadas numa determinada unidade. Analogamente, o presente
não se apresenta sem tempo verbal, nem o “singular” sem número gramatical, isto

é, sem a unidades
diversas parte queou
pode constituir
também o elemento
de todo comum,
um paradigma o tertium
como,
comparationis,  de
referindo-se ao que cha
mava “base de comparação”
comparação ” , observou Trubetzk
Tru betzk oy nos seus
seus Fun
 F un da m ento
en toss d e fo n o -
logía1ss .
logía1

6.6.4. A estrutura paradigmática pode ser chamada também opositiva, porque


revel
rev elaa as oposições
oposições que existem no inte
interior
rior de um paradigma; a sintagmática não é
opositiva, porque nela os elementos não se opõem, mas vêm combinados para for
mar outras unidades superiores. Por exemplo, dois “morfemas” combinam-se numa
unidade
unida de que será um
umaa palavra; duas ou mais palavr
palavras,
as, por sua vez, passam a um
umaa
ou tra ununidade
idade que será o grupo de palavr
palavras;
as; da combinação de grupos de palavr
palavras
as
teremos unidades ainda superiores (orações), e da combinação destas, pelo menos
segundo alguns, os períodos.

6.7. Também as funções


funções consideradas nestes dois tipos de estrutu ras são dife
rentes. A estrutura paradigmática diz respeito às funções próprias de cada elemento.
Por exemplo, o singular diz respeito ao elemento amigo, e ao mesmo tempo é uma
função diferente da de amigos, que não ocorre onde se apresenta o elemento amigo.
A estrutura sintagmática, ao contrário, diz respeito às funções de um ele
mento
me nto em relação
relação a ou
outro,
tro, tamb
também
ém ppresente.
resente. Por exemplo, as funções “su“sujeito”
jeito” ,
“ predicado” , são sempre funções relacionais
relacionais porque
porqu e o elem
elemento
ento “ sujeito” é uma
função de “ predicado” , e, vice
vice-ve
-versa
rsa,, o eleme
elemento
nto “predicado”
“p redicado” é uma função do ele
mento “ sujei
sujeito
to”” .
As funções de certos elementos em relação a outros podem ser estabelecidas
em qualquer nível da análise lingüística, ainda que isto nem sempre seja evidente.
Por exemplo, no latim aquilae  (genit. sing.), a função paradigmática é representada
 pelo
 pe lo genitiv
gen itivo,
o, en
enqq ua n to não-
nã o-no
nomi
mina
nativ
tivo,
o, não
não-ac
-acusa
usativ
tivo,
o, etc.
et c.,, ao pass
passoo que a fufunç
nção
ão
sintagmática indicará que aquil  serve de base e ae  de desinencia, mais precisa
mente de genitivo e, como tal, pertence a um paradigma. A função de ae em rela
ção a aquil  não será a ddee um “genitivo” mas, por assim assim dize
dizer,r, de um “genitivador” :
■ae,  de fato, não é “geniti
“genitivo”
vo” , e a função de ae é a de um “ genitivador
genitivador”” , isto
isto é, de

' 5 Ve
Veja
ja-se
-se,, na tradução italiana da obra de Trubetzkoy
Trubetzkoy,, a pág.
pág. 81. Há desse livro versões
 para o francês (aí,
(a í, a pág.
pág. é 69),
69 ), inglês
inglês (p. 68) e espanhol (p. 60).
 

O ESTRUTURALISMO   55

um elemento que forma o genitivo de palavras do tipo de aquila, aquila,   em combinação


com bases co m o aqu aquii 1-.
Analogamente, quando se afirma que o artigo tem a função de “atualizar” ou
de transformar um “ conceito” em um “ obje to” , não ssee está diante de uma função
 paradi
 par adigm
gmáti ática,
ca, mas sim de urna sint
s intagm
agm átic
ática,
a, ou seja, a fun
f unção
ção que de “ atuali
atu aliza
zado
dor”
r”
tem, por exemplo, o o em o amigo,  em relação a amigo.
amigo, em amigo. Em Em sentido paradigmático,
 porr o u tr o lado,
 po lad o, o amigo 
amigo  se opõe como “atualizado” a amigo,
amigo, que
 que é um “não atuali
zado” ou “virtual” (como também se opõe a um amigo, este amigo,  amigo,  etc., que, além
da atua
atualização,
lização, contêm outras determinações).
determinações).
 No que concer
con cerne
ne às funções
fun ções sintag
sin tagmá
mática
ticass que são at
atrib
rib uí
uída
dass aos adjetivo
adje tivos,
s,
deveríamos aqui distinguir os especificativos e os explicativos. Por exemplo, em
o vasto oceano, o  o  adjetivo vasto é  é  explicativo, porque não especifica um tipo de
oceano entre muitos, mas revela somente uma qualidade contida e implícita em
 Se, entretanto, existissem oceanos pequenos e grandes, e se se quisesse indi
oceano. Se,
oceano.
car “grande” em oposição a outros que fossem ""pequenos", ""pequenos",   deveríamos dizer o 
oceano vasto, 
vasto,  e vasto
vasto   seria, neste caso, adjetivo especificativo.

6.8. 0 estruturalismo eeuropeuuropeu e o american


americanoo anterio
anteriorr à gramática
gramática transf orm ado
ado--
nal compreendem por estrutura os dois tipos acima discutidos, privilegiando, po
rém, de modo particular, a estrutura paradigmática. Ou, melhor, no estruturalismo
europeu entende-se
entende-se por estrutura
estrutu ra o resultado da análise
análise d
das
as unidades, isto
isto é, a estru
estru 
tura intern a ddas
as dive
diversa
rsass unidades. 0 mesmo acontece no estru estrutural
turalism
ismo
o bloom-
bloom-
fieldiano, malgrado se identifiquem aqui dois conceitos que é preferível manter dis
tintos, o de “ cl
clas
asse
se”” e o de “paradigma
“paradigma”” .
Dois são, portanto, os tipos possíveis de estrutura, ainda que o estruturalismo
europeu, pondo em destaque a estrutura paradigmática, se interesse sobretudo por
constituir paradigmas e por analisar as unidades em elementos mínimos que, salvo
casos particulares, não se apresentam como unidades e que, como veremos, se cha
mam “traços distintivos” das unidades mesmas.
Ao contrário, a gramática transformacional compreende por estrutura exclu
sivamente a estrutura sintagmática ou combinatoria. Istoé muito significativo, por
que mostra a diferença entre o estruturalismo propriamente dito e a gramática
transformacional. A gramática transformacional, embora concorde, quanto à defi
nição de estrutura sintagmática, com as outras correntes estruturalistas (pois tam
 bém consid
con sidera
era com o “ es estr
trut
utur
ura”
a” a próp
pr ópria
ria cons
co nstit
titui
uiçã
ção
o das oraçõe
ora ções),
s), pro
propõe
põe-se
-se,,
 porém
 po rém , red
reduzi
uzirr a estru
es tru tura
tu rass sin
sintagm
tagmátic
áticas
as do mes
mesmo
mo tipo
ti po ta
tamb
mb ém fato
fatoss que o e st
stru
ru
turalismo propriamente dito considera como paradigmáticos.
E clássico o exemplo da oposição entre oração ativa e oração passiva. Em
‘ lugar
lugar de con stitu írem um paradigma, cons constitui
tituirão
rão para os transform acionalistas
acionalis tas
dois sintagmas diferentes, pois a oração passiva, segundo o modelo mais recente da
gramática transformacional, teria o mesmo esquema da oração ativa, com mais um
índice de passividade, a ser considerado como um elemento combinado com os
outros. Ainda no nível da oração, a oração interrogativa teria no núcleo uma estru-
 

56 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

tura análoga à da oração afirmativa, com mais um elemento “operador” que ficaria
combinado com o núcleo:
núcleo : a interrogação. Po r este
este motivo, fatos de oposição
oposição são
são
reduzidos na gramática transformacional a fatos de combinação e, se isto não é pos
sível, apresentam-se pelo menos de modo análogo, como acontece no caso da aná
lise lexical.

6.8.1. Nesta, de fato, não se aprese


apresentará
ntará o  sig
 signifi
nificad o,   mas a sua interpretação, 
cado,
entendida em cada uma de suas fases como escolha entre diversas possibilidades
combinatorias. Procede-se quase como numa divisão, em que, em lugar de dividir,
se faz uma seleção, exatamente aquela que se apresenta em cada momento da inter
 preta
 pr etação
ção..
Assim, interpretando um exemplo já bem conhecido, o do inglês bachelor 16, 16,
 pergun
 per guntar-
tar-se-á
se-á:: ser huma
hu mano
no ou animal? Se anima
ani mal,l, tratar-se
trata r-se-á
-á de “ uma
um a fo
foca
ca macho
ma cho
sem
sem companheira” ; se humano, apresent apresentam-se
am-se duas poss possibili
ibilidades:
dades: “ tít
títul
uloo aca
dêmico” ou “ não tít títul
uloo acadêmico” ; se não se trata de títu lo de estudo, deve dever-
r-se
se-á

escolher entre “ adulto” e “não adulto” adu lto” ; se adulto, será um “ solteiro” ; se não é
adulto,
adu lto, uma espécie de “ajudan
“ ajudante
te de cavaleiro” , o empregado
emprega do de de um senhor, seu
“ escudeiro” . Também a estrutura “ semântica” de bachelor  (ou   (ou seja, a estrutura da
interpretação deste significante) é apresentada portanto como sintagmática, como se
se tratasse da combinação efetiva de elementos, e figurada com o seguinte gráfico:

bachelor 

ser huma
humano
no animal
animal

(“solteiro”) (“escudeiro”)

Os fatos paradigmáticos passam assim, na gramática transformacional, a fatos


sintagmáticos (de combinação), e aqueles que não são passíveis de tal maneira de
representação, tomam-se matrizes de elementos, como se pode observar a propósito
da fonética e das chamadas regras de subcategorização.

16 Veja-
Veja-se
se de J. J. Katz e J. A. Fodor, The Structure Theoryy [A estrutura
Structure o f a Semantic Theor
de uma teoria semântica), in  Langu age,  vol.
 Language, vol. 39, 170-210, 1963 e depois
depo is inserido em The- 
Structure o f La
Langu
nguage
age,,  coletânea preparada por estes dois autores, Prentice-Hall, New Jersev,
1964.
 

O ESTRUTURALISMO   57

6.9. Concluindo, entre os três diferentes


diferentes conceitos de estrutura, o config
configurativo
urativo
está, de certo modo,
modo , à margem
margem do estrutu ralism o; o paradigmático é típi co do
estruturalismo propriamente dito e em particular do europeu; o sinta sintagmático,
gmático, en-
tretanto, é  pri
privile
vilegiad
giado
o especialmente pela gramática transform acional gerativa.
gerativa.
 

O Princípio da Funcionalidade
7.1. 0 estrutural
7.1. estruturalismo
ismo ou, melhor dizendo, o estruturalismo propriamente di to.s e
atribui a finalidade de examinar e analisar a língua nos seus elementos funcionais e
estabelecer os paradigmas das unidades da língua, depois de tê-las reduzido aos ele
mentos mínimos, com um procedimento de identificação e de análise das mesmas
unidades. A orientação geral é, portanto, analítica.
O problema que enfrenta este tipo de estruturalismo analítico se diferencia,
destarte, daquele que enfrenta a gramática transformacional gerativa, que consiste,
ao contrário, em apresentar, de modo coerente e mediante regras, a técnica que o
falante usa na execução   do falar, a sua competência, entendida como sendo o saber
concem ente à formação das das fras
frases
es “corretas” . Também os outros tipos de estru tu
ralismo
ralismo concebem a llíngua
íngua com o saber, e iden tificar e aanalisar
nalisar as unidades da língua
consiste, por isso, em identificar e analisar as unidades do saber lingüístico do fa
lante.. A diferença resi
lante reside,
de, todavi
todavia,
a, na orientação: o estrestruturalismo
uturalismo enf renta o pro 
 blema
 ble ma da desc
de scob
obert
ertaa e da análise da língu
lín guaa (tam
(t am b é m de um a llín
íngu
gu a desc
de scon
onhe
heci
cida
da),
),
enquanto a gramática transformacional gerativa enfrenta o problema de apresentar  
este saber sob a forma de regras de “produção” das frases (excluindo, portanto, o
caso de uma língu a desconhecida).
desconhecida).
 Na realid
rea lidade
ade trata-s
trat a-see de duas
dua s m etod
et odol
olog
ogiaias,
s, em ce rtrto
o sent
se ntid
ido,
o, para
paralela
lelass e que
 pode
 po deri
riam
am co
coop
oper
erar
ar;; e n tr e ta n to , o estru
es tru tura
tu rali
lism
sm o tr
trad
adic
icio
iona
nall id
iden
enti
tifi
fica
ca a des
descriçã
criçãoo
com a análise, enquanto a gramática transformacional gerativa identifica a descri
ção com a apresentação, sem, na realidade, oferecer métodos de análise ou de iden
tificação.
 Nos prim
pr imor
ordi
dios
os do estru
es tru tura
tu ralis
lismm o, mais
ma is u m a vez G ab abel
elen
entz
tz havia visto
vis to clara
clar a
mente que a gramática, a descrição da língua, devia ter dois aspectos, um analítico
e outró sintético, e, além da necessidade analítica de descobrir as unidades simples,
afirmara, com respeito à parte da gramática que chamou “ sintética” , que se se fazia
fazia
 

60 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

necessário estud
necessário estudar
ar a ma
maneira
neira pela qual as unidades são combinadas e usadas no fala
falar,
r,,,
estabelecendo as regras de produção das frases (entre as quais também as “transfor
mações”).

7.2. São quatro os princípios do estruturalismo analítico que, embora não tenham
7.2.
sido nunca expostos de maneira explícita, se podem deduzir das diferentes afirma
ções dos estruturalistas:
*
a) o princípio da  fu
 func
ncio
iona
nalid
lidad e,   com um importante corolário que diz res
ade,

 pe
 peito
ito ao significado
signif
significado, da icado,
qual ,depende
e precis
pre cisam
ament
entee à postu
intimamente poostulaç
lação
ão do
método da ca
cará
ráte
terr unitá
comutação;un itário
rio do própri
pró prioo
 b) o pr
prin
incí
cípi
pioo da oposição, que tem como corolário metodológico a análise
em traços distintivos;
c) o princípio da  si
 sist
stem
emat
atic
icid adee ;
idad
d) o princípio da neutralização.
Os primeiros
primeiros trê
trêss princípios
princ ípios caracterizam o estrutu
estruturalism
ralismoo em geral
geral;; o qu
quarto
arto
é próprio do estruturalismo europeu e, conquanto uma conseqüência dos outros,
não é reconhecido pelo estruturalismo norte-americano que, limitando-se em geral
à parte material da lingu
linguagem,
agem, apresenta os cas
casos
os de neutralização como de “ di dis
s
tribuição lacunar”.

7.3.1. Pode-
Pode-se
se formular
form ular do seguinte mo
modo
do o princ
princípio
ípio da funcionalidade: uma uni
dadee “ material”
dad material” qualquer exist
existee como unidade funcional
funcional duma lí língua
ngua - quer didizer,
zer,
como fafo de langue e não apenas como fato de pa  paro le  (ou como fato de langue  não
role
funcional) —se na mesma língua lhe corresponde também uma unidade de signifi
cado, e vice-versa. Funda-se este princípio, portanto, no postulado da solidariedade
entre
ent re os dois planos da llingu
inguagem:
agem: o da expressão ou  sig  signi
nific
fican te,   ou plano “ma
ante,
terial” da linguagem, e o plano do conteúdo ou do sig  signi
nific
ficad
adoo , ou plano puramente
mental da linguagem. A uma unidade de língua no plano da expressão, deve (em
geral) corresponder uma unidade no plano do conteúdo, diferente das outras uni
dades da mesma língua;
língua; e a uma unidade de conteúdo
conte údo de deve
ve (em princípio) corres
corres
 pond
 po nder
er um
umaa unid
u nidad
adee de expres
ex pressão.
são.

7.3.2.1. Se tomarmos
tomarm os por exemplo o italiano, em Vamico  (o amigo), il libro   (o li-
vro), Io studente (o estudante),  teremos três elementos materiais bem identificáveis,
diferentes no plano da expressão (/' il, lo). Mas a estes três elementos corresponde
no plano
pla no do conteú
co nteúdo
do um valor único e não três valores
valores diferen
diferentes;
tes; por
po r isso,
isso, do
 pon
 p on to de vista da langue,  eles constituem apenas uma variação não funcional do
 plano
 pla no da express
exp ressão.
ão. Se não há variação
varia ção no plan
planoo do co
cont
nteú
eúdo
do,, trata
trata-se
-se de uma só
unidade
unida de de expressão, da qual se dirá:
dirá : a unidade
unida de —o morfema,  que é o artigo mas
culino —é constituída, em italiano, dessas três formas  — l\ l \ il, lo  —, que têm uma
 parti
 pa rticu
cular
lar dis
distrib
tribuiç
uição
ão segundo
segun do o cont
co ntex
exto
to fônico.
fôn ico. Esta
Estass três
trê s form
formasas co
cons
nstitu
tituem
em
 

O PRINCIPIO DA FUNCIONALIDADE 61
uma unidade só e, segundo a terminologia que os lingüistas norte-americanos usam
nestes cas
casos,
os, são “ alomorfes”
alomorfes” de um só ““morfema”
morfema” .

7.3.2 .2. Em ing


7.3.2.2. inglês
lês,, na formação ddoo plural, encontram
encontram-se
-se estas trés realidades fóni
fón i
cas: [-s]
[-s] (em books),  [-z
[-z]] (em
(e m wings),  [-iz] (em roses). Estes três elementos diferen
tes constituem, porém, um só morfema, porque entre eles não existe diferença de
conteúdo.
Tal tipo de correspondência permite distinguir imediatamente entre unidade 
 fun
 fu n c io n a l   e variante ,  embora não se ignore a diferença material, como no plur
plural
al
inglês e em outros casos, do ponto de vista funcional trata-se da mesma coisa.
É preciso, de fato, distinguir o plano funcional ou das unidades funcionais,  do
 plan
 pl anoo das variantes,  que podcm ser obrigatórias,  como no caso da formação do
 plural
 plu ral em inglês e, na ma maiorior parte
pa rte dos cont
co ntex
exto
tos,
s, tam
ta m bé
bémm no caso do artigo
art igo singu-
lar masculino em italiano, ou então fa  facu
culta
ltati
tiva s,  como por exemplo em alguns usos
vas,
do artigo masculino singular em italiano. Para alguns falantes que dizem indiferen
temente lo  ou il psicólogo, as duas variantes são facultativas, enquanto para aqueles
que adotam somente lo psicólogo,  como exige aliás a gramática normativa, a vari
ante lo  é -obrig
-obrigatória
atória.. Não existe, en tretantret anto,
to, variante faculta
facultativa,
tiva, pelo menos no
uso “normal” do italiano, diante do chamado s- “impuro” e doz: no uso “normal”
diz-se lo studente   (ainda que, no plural, alguns usem também i studenti),  assim
como se emprega lo zio  (apesar de que regionalmente haja quem utilize il zio,  como
Leopardi escreveu il zappator (II sábulo del villaggio, verso 29). Variantes facultati
vas ocorrem, todavia, com palavras que começam' com grz (ilgnocco   ou lo gno ccol)  
e dizem exclusivamente respeito ao plano da expressão, correspondendo-lhes, como
 já se aafir
firmo
mou,
u, um con
co n teú
te ú do un
unit
itár
ário
io e eesp
specí
ecífic
fico.
o.
«
7.3.3.1. O mesmo vale,
vale, naturalmen
natu ralmente,
te, também para as unidades e variantes do con
teúdo. Por exemplo, o imperfeito e o pretérito (“passato remoto”), com funções
diversas em italiano, a qual conteúdo correspondem em inglês ou em alemão? Cer
tamente, aquilo que se exprime em italiano pelo imperfeito ou pelo “passato re
m oto ” , pod
podee ser expresso em determinad
d eterminadoo tex
texto
to também
tam bém em inglês
inglês ou alem
alemão,
ão, e
assim, no momento de traduzir estas línguas, se deverá usar o imperfeito ou o “pas
sato remoto” italiano, segundo os casos, Esta diferença, entretanto, não é funcional
em inglês e em alemão, se bem que ambos os significados sejam possíveis no nível
das “ acepções” , e a ausência
ausência ddee funcion
funcionalidade
alidade se deve à inexistência de duas for
mas diferentes de imperfeito e de pretérito em inglês e em alemão. Uma diferença
que não se acha na língua ingl
inglesa
esa ou na língua alemã (entend
(en tendida
ida como langue, como
sistema) pode, entretanto, ser encontrada na par ole,,  em textos  de ambas as línguas.
 parole

7.3.3.2. Do mesmo modo, o presente de um ve verbo


rbo iitaliano
taliano com
comoo passare pode assu
mir uma ampla série de acepções na fala (isto é, em termos saussurianos, na parole, 
de agora em diante língua  e  fa la   corresponderão, respectivamente, a langue   e  pa
 fala  pa--
role).  Em o tempo passa  temos um present presentee eterno, ilimitado; em  passa uma
um a
 

62 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

nuvem,  ao contrário, um presente limitado ao hic et nunc,   com valor “semelfacti-


vo”, isto é, de algo que acontece uma só fez. Em o ônibu ônibuss passa po r aqui, enfim, o
passa
valor de  passar  é “freqüentativo”
“ freqüentativo” , ou “ iterativo” , (ação freqüente
fre qüente ou repetida).
repetida). Ta
Tais
is
valores, ainda que existindo efetivamente e sendo encontrados em determinados
textos, em determinados atos de fala, não são, porém, funções do italiano enquanto
língua, porque a diferença não é marcada através de formas diferentes, mas uma só
forma, segundo os contextos, pode assumir esta ou aquela acepção. Concluir-se-á,
 po rt
rtan
an to,
to , que em ita
italia
liano
no,, co
como
mo líng
língua,
ua, não
nã o existe
exi ste dif
difer
eren
ença
ça en tre
tr e sem
semelfa
elfactiv
ctivo,
o,
iterativo e freqüentativo, porque uma mesma forma pode exprimir val
valore
oress diver
diversos
sos,,
constituindo variantes contextuáis do significado e não o significado de uma forma
do verbo. Analogamente, em um texto inglês ou alemão os valores do imperfeito e
do “passado remoto” são variantes de conteúdo do ponto de vista das respectivas
línguas, porque se exprimem mediante uma única forma.

7.3.3.3. Consideremos agora uma ação verbal verbal no seu ato de desenvolvimento entre
doiss pontos
doi ponto s (que podem tam também
bém coincidir), se seja,
ja, por
po r exemplo, o ato de “escrever'’.
“escrever'’.
Em italiano, com  sto
 sto,, stavo
stav o scriven do,   se indica, em geral, uma ação não interrom
scr ivendo,
 pidaa ou tam
 pid também
bém uma
um a ação
açã o dura
du rado
dour
uraa in
inte
terr
rrom
om pi
pida
da de qu
quan
ando
do em ququan
ando
do.. Em es
 panhol
 pan hol e por
portug
tuguês
uês a açã
açãoo co
consi
nsider
derada
ada enentr
tree dois po
pont
ntos
os se expr
ex prim
ime,
e, como
co mo em ita
ita 
liano, com a perífrase com est estar
ar  estoy escri
escribie ndo  / estou escreve
biendo ndo (ou a escre-
escrevendo

ver), estaba escribiendo   / estava escrevendo  (ou a escrever)  - enquanto a ação


ação
duradoura interrompida, isto é, que se desenrola com algumas interrupções, através
da perífrase com andar,  por exemplo, anduve escribiendo  / andei escrevendo.  En En 
quanto em italiano só se depreende do contexto se se trata de ação interrompida
ou ininterrupta, e a diferença de conteúdo não é funcional, porque não é realizada
 porr formas
 po form as especí
esp ecífica
ficass em níve
nívell de expr
e xpress
essão,
ão, em esp
espanh
anhol
ol e po
portu
rtugu
guês
ês tem
temos,
os, neste
nest e
caso, dois fatos funcionais diferentes, com dois diferentes conteúdos e duas dife
rentes expressões.
expressões.

7.3.3.4. As diversas “acepções” das formas lingüísticas, de que se ocupava a lin


güística tradicional e que a corrente neogramática identificava e procurava reduzir
a tipos diversos, devem ser consideradas como fatos próprios de outro plano, o das
variantes,  as quais correspondem em cada caso a uma só unidade funcional. O as
 pect
 pe ctoo novo
nov o e inter
int eres
essa
sante
nte a ser no tatado
do na de decla
claraç
ração
ão “ exist
ex istem
em varian
var iantes
tes e exi
existe
ste
unidade funcional” , é o afirmar-safirmar-see que a unidade
unidad e funcional
fun cional não é simplesmente a
soma das variantes, mas constitui um outro plano, e que este plano, enquanto pró
 prio
 pr io da língua,
líng ua, é rerealm
almenente
te impo
im port
rtan
ante
te,, en
enqu
quan antoto o o ut
utroro,, pr
próp
óprio
rio da fala, dep
depen
ende
de
da situação ou do contexto. O verbo achar  (it.   (it. trovare)  no sentido de “acabar de
 proc
 pr ocururar
ar”” , é m om enentâ
tâne
neo;
o; não se pode
po derárá dize
dizer, r, p o rta
rt a n to
to,, eu acho agora o relógio  
que perdi,  mas achei,  e menos ainda se poderá dizer estou achando o cão perdido ;
achava,  entr
e ntreta
etanto
nto,, se usará no sentido de “achar “ achar diversas
diversas vezes”
vezes” , e o verbo achar  
ocorre ainda em contex c ontextos
tos nos quais signi
signific
ficaa “considerar, julgar” (e em tal acepção acepção
se poderá dizer agora acho que você procedeu bem)   ou “descobrir, vir a saber”
 

O PRINCIPIO DA FUNCIONALIDADE 63

(por exemplo, acho neste livro idéias diferentes das habituais). 


habituais).   Todos estes fatos
 perte
 pe rtenc
ncem
em à gra
gramá
mátic
ticaa das língua
lín guass aqui exem
ex empli
plific
ficada
adas,
s, e n qu a nt
ntoo são im pl
plíc
ícito
itoss no
valor léxico do verbo, que se deve considerar parte essencial da gramática de uma
língua, a qual já não se limitará, portanto, à morfología e à sintaxe funcional dessa
mesma língua, mas deverá prever também as diversas variantes do conteúdo, reali
zadas em contextos bem definidos.

7.3.3.5. Ainda um exemp lo: é possível exprimir em italiano ou em português


português um
 plural
 plu ral lim itado
ita do a dois? Sim {dite pere / duas pera
peras,
s, due
du e mele
me le /
 / duas maçãs, due libri 
libri 

/ dois livros, 
livros,  e também due virtü virtü  / duas virtudes, 
virtudes,  por exemplo em qu el l’ l’uomo
uomo ha 
ha 
due virtü, modestia 
modestia   e paz
 pazien
ienza,
za, ma nononn ha una
un a ter
terza
za virt
virtü,ü, la bont
bo ntà
à  / aquele home m  
tem duas virtudes, modéstia e paciência, mas não tem uma terceira virtude, a bon-
dade),   usando explícitamente du
dade), duee / doisdu
doisduas
as,,  mas em  si amano
am ano m ol olto
to   / amamse
amamse  
muito, due 
due   / dois
dois   estío implícitos, se sabemos que esta expressão corresponde a
quei due si vogliono molto bene  bene   / aqueles dois se querem muito bem. Existe,
bem.  Existe, por
tanto, no italiano e no português o plural limitado a dois, ou seja, o dual? A res
 posta
 po sta é obvia
ob viame
mente
nte não,
não,   porque, além de ambedue, ambo (que
ambo  (que agora são antiquados
e já o eram talvez quando Dante escrevia  Am  A m b o le man p er lo do lo lorr m i morsi.
mors i. In -
 fern
 fe rnoo   XXXIII, 58) e entrambi,
entrambi, ao  ao lado do portugués ambos
ambos (antigamente
 (antigamente e hoje em
desuso: ambosros dois, ambos de dois, ambos a dois  dois   e os dois ambos), não
ambos), não existem
nestas línguas formas específicas que exprimam este número. O dual existia porém
como categoria e unidade funcional, por exemplo, no grego ático e no sánscrito,
que tinham formas
formas específicas para para exprim ir est
estee cconteú
onteú do no nome e no verbo; e
algumas línguas têm até um trial, isto é, referência especial a três.

7.3.4.1. Por hom ofonia po de ac ontecer ontece r que a formas idênticas correspondam va va
lores diversos.  L ei,,  por exemplo, em italiano, tem pelo menos dois significados: lei 
 Lei lei  
“ ela”
ela” , e lei,
lei,   “o senhor, a senhora, você” (por exemplo, em:  Lei, pr profe
ofesso
sso re . . . ,
“ o senhor professor
professor”” )- E nalg nalguns
uns con tex tos até pode haverhaver ambigüi
ambigüidade;
dade; por exem
 plo: lei 
lei  [[“ela”
“ela” ] dice delle cose giuste e giuste  e lei 
lei   [“prof
[“professor
essore”
e” ] dice delle
delle cosegiu ste. Pela
ste.  Pela
forma material destas palavras poder-se-ia supor que se trata da mesma unidade fun
cional. Mas isso só é lícito se também os conteúdos puderem ser reduzidos a um sig
nificado unitário; se não, é preciso considerar os contextos nos quais os dois con
teúdos aparecem. E, no caso do nosso exemplo, o lei, lei,   pronome de tratamento res
 peito
 pe itoso
so (c (com
om o em lei, professore) 
professore)  aparece com freqüência em combinações dife
rentes das de lei, lei,   “ ela”
ela” , prono me feminino da terceira p pessoa
essoa do singul
singular,
ar, de
de ma
neira que  s  maioria das vezes vezes não há dificuldade para p ara distinguir o lei 
lei   que pode ser
substituído por voi voi d doo lei que
lei que não admite esta substituição mas pode ser substituído
 po r um nom no m e co comm um ou p rópr ró prio
io,, fem inino
ini no {la ragazza, Marcella, Giovanna, 
Giovanna,  etc.).
Em tais casos (de ambigüidade por homofonia) poder-se-á, portanto, considerar
como pertencentes à forma gramatical (ou lexical), além da constituição material
das formas lingüísticas, também as suas combinações E para distinguir os signifi
cados, poder-se-á empregar a técnica das substituições exclusivas. Desta maneira.
 

64 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

torna-se relativamente fácil estabelecer que se trata de unidades diferentes, não obs
tante a identidade na constituição material.
material.

7.3.4.2. Certos casos porém são difíceis de resolver. Por exemplo, como estabe
lecer se caro, em italiano (ou em português), é um ou dois elementos, quer dizer,
se o caro  de il pane è caro  [“o pão é caro” ] é ou não a mesma coisa que o caro  de
mio caro Luigi  [“meu caro Luís”]. Poder-se-ia observar que também neste caso as
combinações são diferentes, mas a diferença não será simples e obrigatoriamente
exaurida do contexto; com efeito, em certas situações, mesmo raras, se poderá
dizer
mo sequeestealguém reputa
não custa “caro”
muito, (“querido”,
e que um amigo “amado”) o pouco
foi “caro” pão queque
para alguém tem,gastou
mes
muito dinheiro com ele. O problema subsiste, portanto, para diversos casos, nos
quais é duvidoso responder se se trata de uma ou de duas unidades de conteúdo,
assim como, no nível da expressão, se poderá perguntar se um dado som corres
 pond
 po ndee a um só fone
fo nem
m a ou a dois
doi s fon
fonema
emass em tal ou qual língu
lín gua.
a. Tais casos são to 
davia marginais.

7.4.1. Muito mai


maiss imp
importan
ortante
te é que, como já se diss
disse,
e, o princípio
prin cípio da funcionalidade
funcionalidade
implica o corolário do significado unitário. Com efeito, se, dada a solidariedade dos
dois planos da língua, para que haja diferença funcional de significado, deve existir

também
tem), nãodiferença
é menos de expressãoadmitir
necessário (pelo menos nas combinações
que também as diferentesque as formas
acepções admi
possíveis
duma mesma forma pertencem a uma única  zo  zona
na do signific ado   e que tudo aquilo
sign ificado
que pertence a esta zona constitui manifestação do mesmo significado, como valor
de língua. Distinguir-se-á, justamente, entre significado e acepção, entre significado
funcionalmente
funcionalm ente autôn
au tônom
om o ——ouou “ signi
signific
ficado
ado dede língua” — e “ significado
significado de fala”
fala” ,
ou entre significado constante e ocasional. Isto, como princípio, parece simples,
mas do ponto de vista descritivo é complicado. Vejamos que procedimento seguir
 para
 pa ra iden
id entif
tifica
icarr um signi
significad
ficadoo un
unitá
itári
rio,
o, is
isto
to é, em que consist
con sistee a unida
uni dade
de do signi
ficado de uma forma lingüística.

7.4.2. É muito difícil, po porr exemplo, reduzir à unidade cada um dos tempos do
verbo. Assim, o imperfeito, em italiano e português, pode indicar ação repetida ou
ação única (e até momentânea), e mesmo uma ação hipotética: da ragazzo leggevo 
 spesso q ue l libro   / quando menino, lia freqüentemente aquele livro ; alie tre di sta- sta- 
notte leggevo quel libro  / às três da madrugada lia aquele livro ; se com pravo,  
s e ieri lo compravo,
oggi leggevo quel libro  /  se o com comprav
prava
a o n tem
te m , hoje
ho je lia a
aque le livro.  Não obstante
quele
isto, estas acepções, à primeira vista heterogêneas (e o elenco de variedades não se
esgota aqui) podem ser reunidas num valor único de “não atual”, em oposição ao
 plano
 pla no do pres
pr esen
ente
te (p
(pre
reté
téri
rito
to — pr
prese
esente
nte — fufutu
turo
ro),
), en
enfe
feix
ixad
adoo sob o valor
val or único
ún ico de
“ atual” . Em ououtros
tros cas
casos,
os, o si
signif
gnifica
icado
do unitário pode ser interp
interpretado
retado co como
mo aquele
aquele
que justifica
justifica (pod
(podee explicar)
explicar) as varia
variantes
ntes (acepções), ainda que não as as “ conten
contenha”
ha” .
Certo é, por ooututro
ro lado, que partind
partindoo das
das variantes
variantes não se se che
chegaga nem
nem a justificar um
 

O PRINCIPIO DA FUNCIONALIDADE   65

valor unitário nem tampouco a explicar o fato de que os falantes, de um modo ou


de outro, têm dele conhecimento e intuição, dado que usam para essas acepções a
mesma forma. Esta afirmação vale também para os casos em que as variantes, ou
 pelo
 pel o me
meno
noss algumas das varian
va riantes
tes cont
co ntex
extu
tuái
áis,
s, são incom
inc om parav
pa ravelm
elm en
ente
te mais ricas do
que o valor atribuido ao significado que se poderia apontar como fundamental e
responsável pelas variantes mesmas. Por exemplo, qual é o valor unitário do dimi
nutivo em italiano e portugués? Se nos textos o diminutivo tem valor afetivo, cari
nhoso, irônico, etc., não significa necessàriamente uma diminuição real do objeto
designado. Também acerca de uma casa muito grande, alguém que a considere com

afeto (ou com ironia) dirá: “Que casinha!” / Che Che casetta! 
casetta!  O diminutivo pro
diminutivo  profess
fesso-
o-  
rino  /  pr
rino   prof
ofes
esso
sorz
rzin
inho
ho   não implica necessariamente a baixa estatura do professor em
questão;
ques tão; pode se trata r d dee uma diminuição subjeti
subjetiva,
va, correspo
correspondente
ndente a um modo
afetuoso de apresentá-lo, adotado por exemplo, pela sua mãe, a sua mulher ou a sua
amada. Pois bem, estes diversos valores que se podem encontrar no uso do diminu
tivo, e que vão do afeto até a ironia, não podem se justificar reciprocamente nem
 pode
 po dem m just
ju stifi
ifica
carr um significado
signi ficado un
unitá
itário
rio.. Com
Co m efei
ef eito
to,, são às vezes até
a té cont
co ntra
radi
ditó
tóri
rios
os
entre si (por exemplo Che beü'omino\  beü'omino\  / Que belo homenzinho\), 
homenzinho\),   pode ser dito
acerca de um menino bom e sério, no sentido positivamente afetivo, ou de um ho
mem que fez muitas trapaças, no sentido irônico-depreciativo, e portanto negativa
mente afetivo) e não apresentam nenhuma unidade. Pode-se, pelo contrário, consi

derar como significado fundamental (primário) o da diminuição objetiva, porque


este pode justificar as variantes subjetivas e porque se pode demonstrar que, na falta
de outros elementos contextuáis, a interpretação imediata é, precisamente, a da di
minuição objetiva. Por exemplo, se ouvimos dizer alberello
alberello   / arvorezinha, casetta /
casetta /
casinha,   pensamos imediatamente numa árvore pequena e numa casa pequena. Mas
casinha,
a diminuição objetiva fica, por assim dizer, suspensa, e é substituída por uma dimi
nuição subjetiva, quando as coisas são apresentadas com intenção como menores
do que realmente o são, como quando uma mãe diz do seu filho, em tom afetuoso,
il mio professorino 
professorino  / o meu professorzinho, 
professorzinho,  ou quando a diminuição só pode ser
qualitativa e é, por exemplo, uma evidente manifestação de desprezo como em:
quella ragazza fa la santarellina 
santarellina   / aquela moça se faz de santinha). 
santinha).  A suspensão da
diminuição objetiva é óbvia quando o objeto a que se refere está presente e, preci
samente, não é pequeno: por exemplo, um prop rietário pode pod e dizer a um conhe
cido, mostrando-lhe a casa bastante espaçosa que construiu: ecco la mia casetta  casetta   /
eis a minha casinha. 
casinha.  E os conceitos abstratos podem ser diminuídos apenas quali
tativamente (un vizietto, una bellezina /
bellezina / um viciozinho, uma belezinha) 
belezinha)  assim como
certos nomes de matéria ou massa,1
massa,1 porque cada uma de suassuas partes é chamada do
mesmo mo do: uma parte pequeníssima
pequeníssima de ouro, de farinha, etc., tem o m mesmo
esmo
nome de todo o ouro, de toda a farinha do mundo.

1 Tal
Tal denominação ocorre também nas gramáticas
gramáticas do português: “Nomes dc matéria ou
massa são aqueles que denotam substâncias sem limites definidos, as quais não constituem
unidades: água. ferro. ouro. ar vinho”
vinho ” (M. Said Ali, Gramática secundária, 53).
secundária, 53). (E.B.)
 

66 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

7.4.3. Uma in interp


terpreta
retação
ção análoga
análoga parece ser válida
válida tam
também
bém para significados
significados dis
 posto
 po stoss em ce
cert
rtaa orde
or dem,
m, ond
ondee é nece
necessári
ssárioo supo
su porr a passagem de um significado
signific ado pr
pri
i
mário a um significado secundário e assim por diante. Para julgar qual possa ser o
significado primário do reflexivo, consideram-se as frases:

a)  Joã
 Joãoo se lava A reflex
reflexivo
ivo próprio
 b)  Joã
 Joãoo e An a se esbo
es bofet
fetei
eiam
am A ^ B reflex
reflexivo
ivo recíproco
recíproco
c) a letra d se escreve assim A reflexivo
reflex ivo impessoal

 No caso a), a ação recai sob sobre


re o age
agente
nte que é tamb
ta mbém
ém obobje
jeto
to;; no caso b) b),, a
ação é reciprocam
recipr ocamente
ente realizada
realizada pelos dois sujeitos; no caso c), a açáo não é reali reali
zada pelo sujeito. Será possível uma unidade entre esses diversos usos do reflexivo?
Também aqui parece que se pode interpretar o significado unitário como significado
 básico
 bás ico que se apapre
rese
senta
nta de manei
ma neira
ra im
imed
ediat
iata,
a, se nã
nãoo fica susp
suspenso
enso pelo cont
co ntex
exto
to..
Com efeito, admitindo que o significado próprio seja o do caso a), se passará ao se
gundo significado, recíproco, se no contexto se apresentam dois agentes e se é im
 possível
 possív el que a ação
açã o vol
volte
te par
paraa um só deles ou que seja enteen tend
ndid
idaa com
co m o in
indiv
dividu
idual
al
mente reflexiva. Dada a frase: os homens se escre vem freque ntem ente,  pelo fato de
escrevem

se excluir que os homens sejam o objeto direto da ação de escrever ou que cada um
se escreva a si mesmo, como também a frase signifique que é hábito escrever as pa
lavras
lav ras “ os homens”
hom ens” , a ação indicada só pode ser recíproca
recíp roca:: A escre
escreve
ve a B e B es
creve a A. Se, ao contrário, também a segunda possibilidade é excluída porque o
sujeito não pode ser agente, se passará ao terceiro significado e teremos uma frase
do tipo c), a letra d se escreve assim, Roma se escreve com R maiúsculo,  porque o
conhecimehto da realidade nos exclui tanto a interpretação reflexiva como a recí
 proc
 pr ocaa (p o r ex
exem
emplo
plo,, no caso de:
de : as coisas se escrevem quando se pensa nelas).  Que
não se trata de um fato de língua mas que esta passagem de uma interpretação a
outra é determinada pelo nosso conhecimento da realidade, demonstra-o a eventua
lidade de imaginar como realidade — uma realidade, obviamente,obviam ente, “surrealista”
“ surrealista” e

válida
.ta nto : apenas
.tanto como
“ Olhem, ficçãome
prefiro —,escrever
o fatoerdeassim.
escrev uma
assim.””letra
Istosepoderia
escreveracontece
a si mesma
r, pore dizer
acontecer, por-
exemplo,
em  Al
 Alic
icee no Pais das Maravilhas
Maravilhas..

7.5.í. A comutação  é, como já dissemos, o corolário metodológico do princípio


da funcionalidade. Dada a solidariedade entre plano de expressão e plano de con
teúdo da língua, o método que se aplica para identificar as unidades é o de substi
tuir uma parte da expressão para observar se, assim procedendo, acontece uma mu
dança também no conteúdo e, ao contrário, o de substituir uma parte do conteúdo
 paraa observar
 par obser var se com isto se m
mod
odifi
ifica
ca ta
tamm bém
bé m o pla
plano
no da expressã
expr essão.
o. Se tamb
ta mbém
ém no
outro plano acontece uma mudança, isto significa que foi ultrapassado um limite
 

O PRINCIPIO DA FUNCIONALIDADE   67

funcional, que se passou a uma outra unidade, ou seja, que a diferença introduzida
é “traço distintivo na língua considerada. Se, pelo contrário, no outro plano não
acontece nada, isto é sinal de que a mudança no primeiro não é funcional, ou seja,
que ficamos dentro da mesma unidade da língua.

7.5.2. Por conseguinte, dados dois (ou mais)


mais) elementos de expr
expressão
essão (ou
(o u de con
teúdo) identificáveis como tais, pela prova da comutação podemos verificar se são
ou não são funcionais na língua considerada, isto é, se lhes correspondem necessa
riamente também elementos diferentes de conteúdo (ou, no segundo caso) de ex
 pressão. Po r ex
exem
empl
plo,
o, há didifer
feren
ença ça fun
funcio
cional
nal en tr
tree Vamico  e lo amico, isto é, entre
a forma italiana normal neste caso (P) e a forma lo , que que aparece em certos conte x
tos e que em outros contextos é mesmo obrigatória? A expressão lo amico  não é
usual, mas mesmo assim se disséssemos lo amico,  o significado não mudaria. Igual
mente, se disséssemos il amico,  poder- poder-se-
se-ia
ia reprovar
reprovar o “ erro” , mas
mas seriamos enten
en ten
didos do mesmo modo.  II  II,, lo, V   são,
são, po rtan
rtanto,
to, variantes de expre
expressão,
ssão, porque, subs
tituindo uma forma pela outra, não acontece nenhuma mudança no plano do con
teúdo. Ao contrário, se, em lugar de lo, il,  usássemos la,  a expressão la amico  nos
fará pensar em uma senhora que tem, como sobrenome,  A m ic o : há uma mudança
também no plano do conteúdo e, portanto, a diferença entre l ’ - il - lo e la é  fun
cional.
Do mesmo modo podemos proceder, do ponto de vista do conteúdo, com as
diversas
diversas acepções que identificamos
identificamo s nos atos do falar, nos tex
textos
tos:: podemos
pode mos nos per 
guntar o que aconteceria no plano da expressão se no conteúdo substituíssemos um
valor A por um valor B. No caso de, no outro plano, não se observar nenhuma dife
rença, permanecendo inalterada a forma que exprime A também quando se quer
exprimir B, diremos que os dois valores pertencem a um único significado de lín
gua, a uma única unidade de conteúdo, e não constituem duas unidades diversas.
Por exemplo, para uma forma como canta podemos identificar nos textos acepções
como: “ canta (ora)” / “ canta (ago
(agora)
ra)”” , “ canta (una volta)” / “canta (uma ve vez)
z)”” ,
“canta (a lungo)
lungo)”” / “ canta (demoradamente)” , “ canta (di sol solito)
ito)”” / “ canta (hab i
tualm ente
ente)”
)” . Mas
Mas ess
essas
as acepções se exprimem do mesmo modo, mod o, através de canta: 
em italiano (como no português), não há neste caso diferença necessária no plano
da expressão;
expressão; por conseguinte, todas esessa
sass acepções
acepções pertencem a uma única un i
dade de conteúd
conteúdo,
o, con
constituem
stituem um só “signific
“significado”
ado” .

7.5.3. Ainda um exem plo: a palavra velho  / vecchio  pode-se referir, em português
e em italiano (e o fato pode repetir-se igualmente em outras línguas), a um homem,
a um cão ou a uma casa. Em si, o ser “velho” destas três coisas é, sem dúvida, dife
rente, mas em italiano e em português exprimimo-lo do mesmo modo, com a mes
ma palavra velho  / vecchio : a prová da comucomutação
tação mostra que os os traços “ dito de
 pessoas huma
hu mana
nas”
s” , “ di
dito
to de cães (o u de ou
outro
tro s animais)”
anim ais)” , “ di
dito
to de ca sa s(
s(ou
ou de ou
ou
tras coisas do mesmo tipo)” não são, portanto, traços distintivos do significado
“velho” / “vecchio” em português e em italiano. Em latim, ao contrário, no pri-
 

68 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

meiro caso se dizia  se n ex \   no segundo, vetulus; e no terceiro vetus


tus..  O esquema
distributivo é o seguinte:

dito de pessoas senex


 po rt.
 port.
ital.
velho
vecchio
( dito de animais e plantas lat. vetulus
dito de coisas . vetus

Em latim, por
portanto
tanto,, os traços “ dito de pesso
pessoas”
as” , “ dito de aanim
nimais
ais oü plan
tas” , “ dito de coi
coisas
sas”” eram, neste caso, traços distintivos, pois determinavam três
unidades de conteúdo, com expressão diferente. Uma distinção em parte análoga
faz-se (ao falar da “idade” de seres e coisas) em italiano e, até certo ponto, tam
 bém em por portug
tugué
ués,
s, para
par a o cont
co ntrá
rário
rio de “ velh
velho”
o” , mas dif
difere
erenci
nciand
andoo apenas
ape nas,, du
dum
m
lado, “ ser
seres
es vivos
vivos”” (homens, animais,
animais, plantas) e, de de outro
ou tro lado
lado,, “cois
“ coisas”
as” :  gio vanee 
 giovan
ove m  / nuovo - no
- jove novo
vo..

7.5.4. As línguas diferenci


diferenciam-se,
am-se, neste sentido, pelos traços dist
distintivos
intivos que utili
zam, pois o que é traço distintivo numa língua pode não sê-lo em outra, e vice
versa.
versa. As
Assim
sim,, o latim distinguia
distinguia o “bran
“branco
co brilhan
b rilhante”
te” do “ branc
brancoo opaco”
opaco ” . Também
em português e em italiano podemos dizer de um branco brilhante como o da neve
que é cándido   / it. candido. Mas trata-se de latinismos, e a palavra geral e usual para

qualquer
não temostipoumadepalavra
“branco” (brilhante
especial ou opaco)
para um branco éopaco,
simplesmente ¿raneo,
por exemplo, de umit. bianco:
tecido,  
ou para um branco como o do leite. Isto é, se em portugués ou em italiano substi
tuimoss no
tuimo n o signif
significad
icadoo “branco” o traço “ brilhante” pelo traço “opaco” , nada acon
tece necessariamente no plano da expressão, pois que a palavra usada é sempre
branco  it. bianco,  e somente se quisermos especificar diremos branc branco o com o a neve ¡ 
bianco come la neve, branco como o mármore   / bianco como il marmo, como o  
leite   / come il latte,  etc. Em latim, ao contrário, para um branco brilhante deve
mos dizer candidus,  e para um branco opaco, albus\  e a distinção se torna ainda
mais complexa pela existência de uma terceira palavra canus  (lembremo-nos dos
cabelos brancos, da canicie, em portugués as cas).
 Não impo
im porta
rta a este respeito
resp eito,, que ce
certo
rtoss “ significados”
significados ” sejam pen
pensad
sadosos e bem
conhecido
conh ecidoss pela denom
d enominação
inação das coisas
coisas designadas; o que importa
impo rta é se a língua
faz ou não distinção e se em cada caso existem ou não existem limites semânticos
dados na língua mesma. Nós, por exemplo, ainda que distinguindo a avó materna
da paterna, chamamos a ambas avós  (vovós), it. nonne,   enquanto os suecos, não
somente as distinguem como nós, na realidade extralingüística, mas as distinguem
também lingüísticamente, chamando à avó materna mormor  (literalmente   (literalmente “mãe da
mãe) e a avó paterna,  fa rm o r  (“mãe
 farm   (“mãe do pai”). Se, por exemplo, em um livro portu
guês ou italiano se fala de avó,  it. nonna,  o sueco que o traduza deverá se pergun
tar se se trata de avó materna ou paterna e, se o texto não o explicitar, deverá de
cidir por conta própria se chamará àquele personagem de mormor  ou  ou fa
 farm or..  Ana
rm or
logamente ao traduzir do inglês para o português ou para italiano, devemos intro-
 

O PRINCIPIO OA FUNCIONALIDADE 69

duzir certas distinções, isto é, adotar certos traços distintivos que o inglés normal
mente nío utiliza mas que em nossas línguas sáo indispensáveis. No caso de “ami
go” / “ ami
amiga”
ga” , a distinção pod erá ser imediata, se o tex to inglés inglés especificar que ssee
trata de urna girl
urna girl-fri
-friend
end.. Ma
 Mas,
s, por exemplo, no caso de “ cozinheiro”
cozinheiro” / “ cozi
cozinhei
nheiza”
za” ,
se a diferença nf nffo é especificada
especificada pelo contexcont ex to, o leitor portugu ês ou italiano po 
derá perguntar-se o que designa cook   e, no caso de nío lhe ser dado, pelo texto,
nenh um esclarecimento, deverá decid de cid ir a seu
seu critério se traduz irá por cozinheiro,
cozinheiro,  
it. cuoco,
cuoco, ou
 ou por cozinheira,
cozinheira,   it. cuaca.
 

Oposição, Sistematicidade e Neutralização


8.1.0. O princípio da oposição se refe
refere
re ao mod o por que se manifesta a funciona
lidade, que existe na língua se, para cada valor admitido pela mesma língua, há
um outro diferente que se opõe àquele. Este princípio se poderia representar esque
máticamente assim:

Isto qu er dizer o seguinte: dadas duas un unidades


idades A e B com
composta
postass de mais de
um elemento, e de tal modo que tenham uma parte em comum (a), (a), estas
 estas duas uni
dades se acharão
acharão em oposição
oposição uma com a ou tra e funcionarão como unidades inde
 pend
 pe nden
ente
tess pelas pa
parte
rtess que nã o pos
possue
suem co m um (b e
m em com (b e c). Trata-se ainda daquilo
que dissemos a propósito da comutação, que consiste na substituição de um ele
mento da expressão por um outro, para ver se o significado muda, ou, ao contrá
rio, na subs
substituição
tituição de um elem ento do co nteú do para ver se a express
expressão
ão muda.
Voltando ao nosso esquema, substituamos, uma pela outra, as duas partes ter
minais de A e B diferentes entre si, para ver o que acontece no outro plano da lín
gua. Se algo acontecer, o elemento é funcional e, conseqüentemente, o são também
estas suas partes. O princípio da oposição corresponde, assim, ao modo de existir
da funcionalidade, que não existe como funcionalidade isolada, mas em conse
qüência da oposição entre diferentes termos da língua. A bem dizer, aplica-se aqui
o princípio geral da relação, que afirma que as unidades existem como unidades da
língua na medida
med ida em que se enco
encontram
ntram num sistema de relaç
relações.
ões.
 

72 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

O presente e o futuro, em italiano (ou em portugués), por exemplo, têm uma


 parte
 pa rte igual e urna dif difer
eren
ente
te,, exat
ex atam
amenente
te aquela
aqu ela que de
deter
termm ina o valor resp
respecti
ectivo
vo de
 presen
 pre sente
te e ddee fu
futu
turo
ro.. No res
resto,
to, com
co m o verem
ve remos
os em
e m brev
b reve,
e, são iguais.

8.1.1. Na sua essê


essência,
ncia, o sistema
sistema verbal
verbal na
nass línguas románicas é constituid
cons tituidoo de
acordo com duas linhas de tempo, e não conforme uma só linha, como em outras
línguas: a linha da atualidade, em cujo centro
cen tro está o presente, e a da não-atuali-
não-atuali-
dade, em cujo centro está o imperfeito. Sobre cada uma destas duas linhas se podem
estabelecer algumas
algumas prospectivas nos doi
doiss sentidos: um futuro
futur o do presente (o fu
turo propriamente dito) e um passado do presente (o “passato remoto” do italiano
ou o pretérito do português, por exemplo), um futuro do imperfeito (o chamado
“condicional”), ao qual em português (mas não em italiano) corresponde como pas
sado simples do imperfeito o mais-que-perfeito simples (tipo:  fiz
 fizer
era)
a)..

8.1.2. Uma diferença mínim


m ínimaa ent
entre
re dduas
uas unidades duma língua chama-se
chama-se traço ddis
is
tintivo. Na oposição presente / futuro existe apenas um só traço distintivo, mas
em geral as formas e os conteúdos funcionam em mais oposições, por diversos tra
ços distintivos. A parte comum é cada vez diferente, de modo tal que, mediante um
ou outro traço distintivo, uma unidade lingüística funciona em oposição a outros
elementos.
A consoante italiana /b/, por exemplo, funciona como consoante oral e não
nasal em relação a /m/, como oclusiva e não fricativa em relação a /v/, como labial
e não dental em relação a /d/, como sonora e não surda em relação a /p/, ao mesmo
tempo que a oclusividade, a labialidade e a sonoridade constituem a parte comum
de /b/
/ b/ e //m
m /; a oralidade, a oclusivida
oclusividade
de e a sonoridade,
sonoridade , a parte com
comum um de /b / e
/d /; a oral
oralidade,
idade, a llabialidade
abialidade e a sonoridade,
sonoridade , a parte co
comum
mum de /b /b// e /v /; a orali
dade, a labialidade e a oclusividade, a parte comum de /b/ e /p/. Em outras palavras,
a unidade ¡b¡  funciona em cada uma destas oposições mediante outro traço, en
quanto o resto, a base de comparação a que nos referimos acima, é diferente em
cada caso mas igual para cada oposição. A totalidade das oposições nas quais uma

unidade
tivos. funciona
Assim que, numa
comolíngua permite analisar
conseqüência essa unidade
do princípio nos seus
da oposição, traços
se dirá quedistin
uma
unidade lingüística é constituída por uma série de traços distintivos, precisamente
 porr to
 po todo
doss aquele
aqueless tra
traço
çoss que a opõem
op õem de modo
mo do im
imed
ediat
iatoo a ou
outra
trass unid
unidade
adess da llín
ín 
gua. Assim, nossa unidade  fb /   será, em relação às outras consoantes do italiano:
oral + oclusiva + labial + sonora.
Portanto, certos elementos constantes numa unidade não são constitutivos
dela se não implicam uma oposição a outras unidades. A aspiração, por exemplo,
que na maior parte dos contextos da palavra acompanha a pronúncia de /p/, /t/ e
/k/ em inglês, não é um traço distintivo destas consoantes, porque nenhuma oposi
ção é caracteriz
cara cterizada
ada apenas po porr este ffato
ato;; nenhum
nen hum pa
parr de palav
palavras
ras ingl
inglesas
esas se dis
dis

tingue no plano do significado porque uma delas começa com /p/,  f fii /  ou /k/, aSpi-
 

73
OPOSIÇÃO, SISTEM ATI CIDADE
CIDADE E NEUT
NEUTRALI
RALIZAÇÃ
ZAÇÃOO
rados e a outra não: pronunciando table com /t / aspirado, [th], como efetiva
efetivamente
mente
se pronuncia,
pronu ncia, ou com / t / não aspirado, [t], o significado será o mesmo. Analoga
mente, na pronúncia do italiano central, as vogais que precedem uma consoante
simples são longaá, enquanto as que precedem uma consoante dupla (“intensa”)
são breves. Entretanto, quer proferidas longas ou breves, as vogais nestes casos não
se opõem, em italiano, a nenhuma outra possível articulação das referidas vogais,
ou seja, em italiano, nenhum par de palavras poderia ser distinguido no plano do
conteúdo com base na oposição entre vogal breve e vogal longa, diante de con
soante simples ou dupla, porque, nesta posição, o fato de serem as vogais longas ou
 breves
 brev es é obrig
ob rigató
atório
rio..
8.1 .3. O que se vem dizendo das unid
8.1.3. unidades
ades lingüísticas va vale
le ta n to para as unidades
unidade s
da expressão como para as do conteúdo, que também podem ser analisadas em tra
ços distintivos. Por exemplo, o presente, em italiano, será “atual” enquanto oposto
ao imperfeito, e “presente” enquanto oposto ao passado remoto e ao futuro. Efeti
vamente, o presente do italiano (e románico) é determinado por uma diferença de
 plano
 pla no do te
tem
m p o ( “ atua
at ual”
l” / “não
“n ão atua
at ual”
l” ) e, no pl
plan
anoo da atual
atu alid
idad
adee p o r uma
um a dife-*
rença de “perspectiva” (passado —presente —futuro). Neste sentido é que o pre
sente (com o qualquer outro tem tempo
po do verbo) pode ser ser aanal
nalisa
isado
do com base nas nas opo-
sições em que ele entra. E se numa língua não houvesse a possibilidade de um tem

 po “ina
“i natu
ocorressetual
al”
a ”possibilidade
(c
(com
om o o im
impe
perf
dorfei
eito
to ro
futuro,rom
moán
ánic
ico)
o),, o pres
presente pr
nãoesen
ente
te nã
serianãoo seria
seri a “ atua
“presente” at ual”
l” ; mesmo
e ao se não
nã o
tempo
tem po não-futuro e não-não-pas
passado
sado,, mas, p o r exemplo, somente um “não-passado”,
“não-passado”,
com o acontece
acon tece com o presente
prese nte inglês
inglês e alemão: de fato,
fat o, nessas línguas
línguas,, os tempos
tem pos
não perifrásticos são apenas aqueles que se chamam presente e pretérito, e o pre
sente, opondo-se somente ao pretérito, funciona simplesmente como “não-pas
sado”, vale dizer, ao mesmo tempo como presente e futuro.

8.1.4. Os elem en
entoí
toí que, ao menos em ccerta
erta posição, são constan
constantes
tes e todavia nnão
ão
constituem uma oposição, e portanto não são funcionais, dizem-se redundantes , e
têm uma espécie de função auxiliar, a da redundância, que reforça a função prin
cipal.
 Não é p o rtan
rt an to co
comm plet
pl etam
am ente
en te exat
ex atoo dizer-se
dizer-s e que em ita italia
liano
no não
nã o te
temm im
im
 port
 po rtân
ânci
ciaa ser a vogal lo long
ngaa ou brebreveve,, visto
vis to qu
que,
e, se é ver
verdad
dadee que
qu e tal opos
op osiçã
ição,
o, de
 perr si, n ão pe
 pe perm
rmite
ite fazer
faz er disti
di sting
ngui
uirr dduas
uas palavras,
palavr as, no falar,
fal ar, a dura
du raçã
çãoo lon
longa
ga ou breve
das vogais contribui, todavia, para diferençar melhor ou para fazer prever se a con
soante seguinte é simples ou geminada e, em certo sentido, pode até mesmo subs
tituir a sua realização porque, pronunciando uma vogal longa, ainda que depois, por
outras razões, a consoante simples seguinte se pronuncie geminada, o signo lingüís
tico é entendido exatamente em virtude da duração longa da vogal. Dizendo, por
exemplo, vocalle  (em vez de vocale) mas com um a  particularmente prolongado, o
significa
signi ficado
do da pala
palavra
vra se com
compreenderia
preenderia perfeitam
perf eitamente,
ente, graças à ma maior
ior duração do a.
 

74 LIÇÕES DE LINGÜISTICA CERAL

8.2.1. O principio da  sis


 sistem
temat
atici
icida de   diz que os mesmos traços distinti
dade distintivos
vos são nor
malmente usados na língua não uma mas mais vezes, isto é, que um número limi
tado de traços distintivos, utilizados várias vezes em várias combinações, permite
constituir um número de unidades funcionais e superior ao dos próprios traços dis
tintivos. Com efeito, se os elementos utilizados na língua para a construção das uni-,
dades são os traços distintivos, e estes podem ser combinados de diversos modos,
há sempre a possibilidade de haver mais unidades que traços distintivos.

8.2.2. Em italiano, p or exem plo, a distinção entre conso


consoante
ante surda e sonora não
funciona somente no caso da oposição entre /p/ e /b/ mas também na oposição
entre /t/ e /d/, /k/ e /g/, etc. Analogamente, no sistema verbal a oposição entre pre
sente e imperfeito se repete entre futuro e condicional, e o traço distintivo que
funciona na oposição entre presente (faccio)   e pret. perf. composto [it. passato
 pross
 pro ssim
imo]
o],, ( ho fatto)   funciona também na distinção entre futuro simples e futuro
composto [it. fut. anteriore], entre condicional simples e composto, entre imper
feito e mais-que-perfeito composto [it. traspassato prossimo], entre pret. perf. [it.
 pass
 pa ssat
atoo rem
re m oto]
ot o] e “ tra
trasp
spass
assato
ato rem
re m oto”
ot o” (fa
(farò/a
rò/avrò farei/avrei fat to , fac evo/  
vrò fat to , farei/avrei
av
avev o fatto, feci/eb bi fatt o).   Neste sentido, as oposições, ou sejam, as várias unida
evo
des, estão em relações sistemáticas, e o princípio da sistematicidade consiste no fato
de que, normalmente, as mesmas oposições se repetem um número x de vezes e um
traço distintivo funciona numa série de casos.
Oposições “sistemáticas” (repetidas) ocorrem também no léxico, por exem
 plo,
 pl o, n a difer
di feren
ença
ça entr
en tree ver , momentâneo, e olhar , durativo, análoga à que existe
entre ouvir   ee escutar.

8.4.0. O princípio
princíp io da neutralização  que, como mencionamos, é típico sobretudo
do estruturalismo europeu, toma em consideração precipua as restrições ao prin
cípio da oposição, constituídas justamente pelos casos de suspensão das oposições,
quer dizer de “neutrali
“neutralização”
zação” .

8.4.1. Dissem
Dissemos
os que duas unidades entre si opostas têm uma parte comum e outra
diferente, e dissemos que este tipo de oposição é freqüente nas línguas. No entanto,
as oposições têm a miúdo a seguinte forma: uma unidade, é constituída somente
 pelaa part
 pel pa rtee com
co m um de duas un
unid
idad
ades
es e a o u tr
traa un
unid
idad
adee além de
desta
sta pa
parte
rte,, te
temm algo a
mais.
mai s. De modo
m odo que, p or exemplo, ssee di
dissemo
ssemoss que, no caso dede /p / e /b/, o traço
tra ço dis
tintivo é o fato de que /p/ é surdo, se poderia também dizer que /p/ é simples
mente não sonoro, e que /b/, além de tudo o que possui /p/, tem também a sono
ridade. No léxico, por exemplo, na oposição dia/noite,   a primeira unidade pode
significar também dia   e noite   juntos (24 horas), ao passo que o segundo significa
somente noite,   e nunca dia.  Na gramática, o masculino em italiano (e em portu
guês)
guê s) não se opõe ao feminino por co conter
nter um traço distintivo particular, mas ssóó por
não ser feminino, ao passo que o feminino é caracterizado por um traço distintivo

“ feminino” ; o masculino, de ffato,


ato, pode ser usado também quan
quando
do não se faz ne
nece
ces-
s-
 

OPOSIÇÃO, SISTEMATICIDADE E NEUTRALIZAÇÃO 75

sário distinguir o gênero gramatical, enquanto outro tanto não se pode dizer do
feminino. Lendo Gli studenti dovranno sostenere un certo numero di esami {Os  
estudantes terão de prestar certo números de exames)   ninguém pensa que se trate
somente de estudantes homens, mas que também a frase inclui as  estudantes, ao
 passo que,
que , se eescre
screvêsse
vêssemos
mos  L e stu de
dent
ntes
esse
se dovra
do vrann
nnoo  . . . (As estudantes terão — ) ,
ninguém
ninguém poderia pensar que os estudantes homens também fos fossem
sem obrig
obrigados
ados a pres-
tar aquele número de exames. Neste sentido, o masculino funciona como termo
negativo da oposição como não feminino,   ao passo que o feminino é sempre e ex-
clusivamente termo positivo. Até um termo como uomo (homem)  pode assumir um
sentido indeterminado. Dado um título como  L ’uom uo m o, qu esto
es to sco
scono
nosc
sciu
iuto
to (O h o -
mem, esse desconhecido),   quem teria pensado nos anos em que o livro correspon-
dente teve muita aceitação, que se tratasse somente do homem, e não também da
mulher, isto é, que não se tratasse do ser humano em geral independentemente do
sexo?

8.4.2. O term o caracteriz


caracterizadoado oouu “marc
“ marcado”
ado” , que tem algoalgo a mais além
além da parte
comum, se chama termo positivo ou “intensivo”, enquanto concentrado sobre um
valor determinado, ao passo que o outro será dito negativo ou extensivo, enquanto
capaz de assumir os dois valores. O termo que só contém a parte comum pode tam-
 bém ser cha
chama
mado
do “n e u tr
troo ” , porq
po rqua
uant
ntoo não
nã o implica
imp lica nece
necessar
ssariam
iamente
ente o co
cont
ntrá
rário
rio do
outro. Por exemplo, se dissermos i figli   e le figlie, é  claro que distinguimos os ho-
mens das mulhere mul heres;s; se dissermos i figli,   aludimos indiferentemente a eles e a elas.
Portanto, enquanto será razoável dizer/  fig  fi g li stian
s tianoo a destr
destraa e le fig
figlie sini stra,  não
lie a sinistra,
será necessário dizer i genitori
genitor i si preoccupano dei figli e delle figlie,  e será pelo me-
nos ambíguo dizer i figli stiano a destra e a sinistra,  se quisermos distinguir entre
 fi lh o s   e  fil
 filh  filha s,   ao pass
has, passoo que será perfeita perfeitame mentente razoáv
razoável
el dizer /  ge
 geninito
tori
ri se prpreoeoc-
c-
cupano dei figli   (entendendo  filh  fi lh o s   e fil
 filha
has)s).. Assim, também, a gramática latina nos
ensina que o dativo plural de fili  fi lia
a é filia buss  e o de dea é deabus. Mas se trata de ter-
fil iabu
mos marcados
m arcados usados como tais; se não quisermos distinguir entre  fi lh o s   e fil
 filh  filha s,  
has,
deuses e deusas,  se dirá simplesmente  fil iis,, diis,   e somente para se indicar que se
 filiis
trata especificamente de  filh  fi lh o s   e fil
 filha
has,s, deuses
deu ses e deus as  se dirá fi
deusas  fili
liis
is e t filiabu
filia bus, diiss 
s, dii
et deabus.

O  termo marcado tem um só valor de língua, enquanto o não marcado tem


dois, dos quais um é o contrário do valor do termo marcado e o outro é genérico
(incluindo justamente também o termo marcado). Assim,  gio  g io m o   pode ser “dia”
como contrário de noite,  mas pode ser também “dia “ dia + noite” ;  fi
 figg li  e stu
 s tu d e n ti  indi-
cam os “filhos homens” e os “estudantes homens”, mas podem indicar também
“filhos + filhas
filhas”” , “ o(s) estudante(s)
estudan te(s) + a(s)
a(s) estudante(s)
estuda nte(s)”” .

8.4.3. Também o presente, que caracterizamos


caracterizamos como elemento que contém o traço
distintivo de “ prese
presente”
nte” , funciona
func iona da mesma maneira, va vale
le dizer, como negativo
negativo e
neutro em relação ao futuro e ao pret. perfeito, enquanto o futuro e o pret.
 perfe
 pe rfeito
ito são efeti
ef etiva
vamm ente
en te,, cada
cad a um po
porr sua vez, fu
futu
turo
ro e pr
pret.
et. pe
perfe
rfeito
ito.. Assim, s?
 

76 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL


se pode dizer verrò domani, partirá domani   e vengo domani, parto dotnani,   não é
 possível
 poss di zerr ora sarò
ível dize sarò molto
mo lto sstan
tanco
co [a
[ago
gora
ra estarei m uito
ui to cansado ], (entendendo
(entend endo por
ora   o próprio momento em que se fala), mas tão somente ora sono molto stanco 
[agora estou muito cansado]',  poder-se-á dizer, usando o chamado presente “histó
rico”,  Nap
 N apol
oleo
eonene nasce ad Ajac
A jacci
cioo e m uo
uore Sa nt 'Elena  ( Napo
re a Sant  Na poleã
leãoo nasce em Ajá cio  
Ajácio
e morre em S. Helena),   em lugar de  N  Nap
apol
oleo
eone
ne nacqu
na cquee ad Aja
Ajacc
ccio
io e m o rí a Sa n t ’  
 Elena
 Ele na [Ñapoleão nasceunas ceu em Ajác Aj ácio
io e morre
mo rreuu e m S. Helena]
Hele na],,  mas jamais domani  
 parti
 pa rtiii [am
[amanh
anhãã pa rtii ] por domani partirá [amanhãpartirei]. O presente, nos casos
part
aqui examinados, deve ser considerado unidade “negativa”, “extensiva”, ao passo
que o futuro e o pret. perfeito são, pelas suas funções próprias, termos positivos
e “ inten
intensivos”
sivos” . *
Em geral, para identificar o termo neutro —no nosso exemplo, o presente —e
distingui-lo dos marcados, é preciso considerar qual é o termo que pode substituir
ao outro (ou aos outros) —o presente pode ser usado pelo futuro e pret. perfeito,
mas não ao contrário —, e quais são os termos de valor bem definido: o termo
neutro tem pelo menos dois valores de língua, enquanto os outros só têm um.

8.4.4. Este tipo


tip o de relações
relações opositivas
opositivas “neutralizáveis” caracteriza as línguas com
referência aos sistemas lógicos e científicos, nos quais as oposições são unívocas e
têm apenas a forma | A [ não-Ã | , isto é, uma coisa
coisa é-A
é-A e não pode sser
er também não
não--

A, aoé,passo
isto pauma
sso que
coisaas pode
oposições lingüísticas
lingüística
ser não-A e tam s bém
têm quase
também A (mas sempre
sem preoa contrário:
não form
con A nãoHAJ
a [ não-A
trário: podeI ,
ser não-A).
Por exemplo, o singular, em relação ao plural, é nas nossas línguas não mar
cado, neutro, negativo (“não plural”), por isso se pode dizer iitaliano è cosi [o 
italiano é assim], no sentido de “gli italiani sono cosi”, mas nas línguas podem, na
turalmente, existir também oposições com um termo especial para o valor neutro
e outros termos para os valores positivos. Em italiano, uomo [homem], como con
trário de donna [mulher],  indica também a parte comum a “uomo” [homem]  e
“donna” [mulher]  e significa também “ser humano em geral”, enquanto donna s  sóó
denota o feminino; em latim, homo  significa indistintamente “homem” e “mulher”,
enquanto  fem
 fe m in
inaa   é termo exclusivo, exatamente como vir,  “varão”. Em alemão
existem  Me
 Menscnsch, Mannn  e  Frau:  o primeiro signi
h, Man signific
ficaa homem e mulher indistinta
mente, de maneira que uma mulher poderá dizer de si mesma: ich bin ein Mensch,  
mas não ich bin ein Mann,   porque  Ma  Mannnn   (que significa também “marido”) é mar-'
cado da mesma maneira que seu oposto  Frau  (que significa ainda “esposa”).

8.4.5. 0 term
ter m o marcado,
m arcado, ao conservar sempre
sempre seu valo
valor,
r, permite usos
usos estilísticos
tais que de outro modo seriam difíceis de explicar. Com efeito, esse termo adquire
valores estilísticos quando usado em sentido “contraditório”. Por outro lado, os
termos com que se combina devem ser adaptados a seu significado “de língua” e,
neste caso, a expressão inteira passa a ter um particular valor estilístico.
estilístico.
 

OPOSIÇÃO, SISTEMATICIDADE E NEUTRALIZAÇÃO 77

Vejamos algum exemplo. Se em alemão se usa o termo marcado  Frau [mu- [mu -
lher]  aplicado a um homem (varão), dado que esta palavra mantém seu valor femi
nino, a expressão significa que se atribuem a tal homem características feminis. Se
aplicarmos a uma cidade a palavra gio vanee ( “jo v e m " ,   que em italiano se aplica às
 giovan
não-coisas, isto é, como vimos, a homens, animais e plantas), essa cidade será con
siderada como ser vivo, e mediante a expressão città giovane,  ou faremos alusão à
 parte
 pa rte jovem
jov em da popu
po pula
laçã
çãoo o u ao fa
fato
to de que
qu e tal cidade
cid ade,, dadada
da a sua ativida
ativ idade,
de, se as
semelha, por suas características, a um ser vivo jovem.
Em outras palavras, não se deve supor que o termo marcado não possa ser em
 pre gado em com
 pregado combin
binaçõ
ações
es que nã
nãoo co
corr
rres
espo
pond
ndem
em ao seu signi
significa
ficado;
do; ao co
cont
ntrá
rári
rio:
o:
 precis
 pre cisam
ament
entee porq
po rque
ue conserva
cons erva sem
sempre
pre o seu significa
sign ificado,
do, as express
exp ressões
ões com que apapa
a
rece combinado adquirem um valor especial.

8.4.6. De acordo com o princípio da neutralização, em determinados co nte xto s,,


uma oposição é suspensa ou “neutralizada”. Assim, entre e   aberto e e   fechado do
italiano, a oposição é funcional em posição tônica, mas em posição átona, tal opo
sição é neutralizada. Em posição átona só se apresenta o termo neutro. Por isso, en
quanto lètto   possui vogal tônica aberta, lettino  tem um e  fonéticamente fechado.
Entretanto, esse e está em posição átona, onde não se faz distinção entre vogal aber
ta e fechada, e ainda que houvesse uma diferença de pronúncia, ela não teria valor

funcional.
Também oposições entre duas unidades de conteúdo podem ser neutraliza
das, precisamente nos casos em que não seja necessário especificar uma delas ou
quando aludimos efetivamente apenas ao valor genérico, comum às duas unidades.
Em tais casos se emprega o termo neutro, como vimos acima no caso de  gi om o  
 giom
[dia]  aplicado a “giomo” [dia]  e “notte” [noite]. Porém é claro que, se desejamos
indicar apenas a notte [noite],  certamente não diremos  g io m o .   Análogo é o caso
 gio
do francês dominer   / maitriser   (aproximadamente “dominar” / “dominar, senho-
rear” : dominer,  não marcado, usa-se para coisas ou seres vivos, ao passo que mai-
triser,  marcado, só pode ser aplicado a seres vivos, enquanto dotados de intencio-
nalidade;
nalidad e; por conseguinte, em circunstânci
circunstâncias
as em
em que não queremos ou não é neces
sário especificar, podemos usar simplesmente dominer.  Assim, pode-se dizer ies 
étrangers dominent Ia ville  [os estrangeiros dominam a cidade]  e les montagnes 
dominent la vallée  [as montanhas dominam o vale],  sem nenhuma necessidade de
especificar, porque, pelos termos étrangers  e montagnes,  se sabe que se trata de
 pessoas no priprime
meiro
iro caso e de coisas no segund
seg undo.
o. Se, en tr
tret
etan
an to
to,, se diz, les mon-
tagnes maitrisent la ville  [as montanhas senhoreiam a cidade], está-se dando a mon-
tagnes  um valor de seres vivos e se alude a “montanhas dotadas de intencionali-
dade”. Ao contrário, les étrangers maitrisent la ville  [os estrangeiros senhoreiam a 
cidade]  não terá esse valor estilístico, porque maitriser   se usa para especificar que
se trata de pessoas (como tais, dotadas de intencionalidade), e não de coisas.
São “neutralizáveis” as oposições que podem ser suprimidas em certos con
textos ou situações. Este é um dos fatos mais característicos da linguagem, e paja

s
 

78 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL


estudar e descrever com justeza uma língua é necessário especificar também em que
circunstâncias uma oposição pode ser suspensa e, portanto, “neutralizada”. En
quanto a oposição italiana figl  fi glii   /  figl ie [filhos   /  fil
 fi glie  filha s] é  neutralizável, porque  fi
has] glii  
 figl
 pode
 po de inindic
dicarar ambas
amb as as coisas, não nã o é neut ne utra raliz
lizáv
ávelel,, no mesm
me smoo nível,
nív el, o francês
fran cês  fi ls   /
 fils
 fi
 fili es ,  pois que o fr.  fils
lies  fi ls   apenas
apenas signisignifica
fica “filhos hom ens” e, em francês, para indicar
“filhos" e “filhas” é necessário dizer fils  fi ls e t fili es ,  ou então se recorre ales enfants. 
fi lies
Outro tanto acontece em inglês e em alemão, onde não se podem usar, respectiva
mente,  son sonss  e Sohne,  aludindo a “filhos'e filhas” (mas children  e K  Kin
inde r ):
der  ): as opo-
sições so sonn   - da
daug
ught er,, Sohn  Tochter  não
hter   não são neutralizáveis.
8.5. Como já se se disse,
disse, a maioria dos estruturalistas europeus admite a neutraliza neutra liza
ção.. Mas não a distingue
ção distingue de um fenôme
fenô meno,
no, qu
quanto
anto a mim, mu ito diferente:
difere nte: o do si  sin-
n-
cretismo.  Efetivamente, enquanto por neutralização se há de entender a suspensão,
em determinados contextos, de uma oposição funcional que existe na língua, por
sincretismo se deve entender a não existência de uma oposição em certas partes de
um paradigma material duma língua determinada. Por exemplo, a oposição entre /p/
e /b/ é neutralizável em italiano porque existe na língua e se apresenta na maioria
dos contexto
co ntextos,s, mas pode ser suprimida jun to a uma consoant consoantee surda.
surda. No italiano
italiano
distingue-se normalmente um /p/de um /b/(v. gr .palla, bail ila lto,, ba tto ),  exceto
a, pa lto
numa palavra como ábside,  onde o b   fica “dessonorizado”. Ao contrário, um exem
 plo de sincr
sin cret
etism
ism o se pode
po de te r na flexã
fle xão,
o, hoje
hoj e an
anti
tiqu
quad
ada,
a, do impe
im perfrfei
eito
to e do cond
co ndi
i
cional: (io ) aveva  e (egli) aveva,  ( io )  saria  e (egli) saria  apresentam um fenômeno
de sincretismo, porquanto aqui não se faz distinção material entre a primeira e a
terceira pessoas, enquanto em outros casos do paradigma verbal, eu, melhor dizen
do, em todos
todo s os outros casos
casos com exceção destes, a primeira pessoa pessoa se diferencia ddaa
terceira (nos tempos do indicativo). No sincretismo aparece, com efeito, uma dis
tinção implícita, não eexpre xpressa
ssa,, e não há uma
um a “parte
“ parte comum ” , um um termo neu neutrotro que
só apareça
apareça no lug lugar
ar dos termos
termo s oposto
opostos,
s, como
com o no caso da neutralização: o que se se
entende é a primeira o u  a terceira pessoa, mas, não as duas juntas, e simplesmente
esta diferença não aparece na expressão. Analogamente, o neutro apresenta em la
tim, como no grego, no alemão, etc., coincidência no nominativo e acusativo, o que
não signific
significaa que a distinção não exista. Pelo contrácontrário,
rio, ela só não é feita neste caso,
e só não se faz na expressão, porque a função fica determinada em cada contexto:
ou será nominativo, ou será acusativo, e nunca “nominativo + acusativo”. De modo
que se dirá que há sincretismo entre nominativo e acusativo, e não neutralização da
oposição entre esses dois casos.
Por conseguinte, pelo fenômeno de sincretismo, não se manifesta em certas
circunstâncias no nível da expressão uma diferença de conteúdo; esta, porém, não
só existe em outros casos, nos quais se apresenta também na expressão, mas subsiste
também nos casos em que na expressão parece ficar suspensa.

8.6.1. Com os fenômenos da neutralização


neutralizaç ão e do sincretismo
sincretismo relacio
relaciona-
na-se
se uum
m pro 
 blema
 ble ma que aq
aqui
ui nos
no s lim
limita
itarem
remos
os a ttra
razz e r à baila.
bai la.
 

OPOSIÇÃO, SISTEMATICIDADE E NEUTRALIZAÇÃO   79

Dissemos que entre e  aberto e o fechado, em italiano, só ocorre a oposição


em sílaba tônica, desaparecendo em posição átona. Certamente não podemos dizer
que esta oposição é inteiramente
inteiram ente análoga
análoga à que se dá entre /o / e /a/,
/a /, que funciona em
em
todas as posições, nem àquela entre /p/ e /b/, que, em algumas posições, pode ser
suprimida. Efetivamente, enquanto a oposição entre /p/ e /b/, como a entre /o/ e
/a/, é constante na língua e não ocorre o perigo de que venha a desaparecer, a opo
sição entre e  aberto e o fechado é mmuito
uito dé
débil
bil e muitos já a suprimiram, adotando
cm certos casos apenas e  fechado, ao passo que outros optaram apenas pelo e aber
to, sem perigo de confusão. Pelo contrário, ao suprimir a oposição entre /p/ e /b/,
o perigo de desentendimentos é muito grave.
Em virtude de casos como esses seria oportuno introduzir um novo conceito
e dizer que em italiano há uma  su subd
bdis
istin
tinçã o , isto é: se, em certos cas
ção casos
os bem deter
de ter
minados, se suprime uma oposição, temos uma neutralização',  se, pelo contrár con trário,
io, a
oposição subsiste apenas em ceños casos bem determinados, temos uma  su  subd
bdist
istin
in--
ção,  característica apenas
apenas de algu
alguns
ns contextos.
Isto nos permite distinguir na língua três níveis de unidades:
a) arquiunidades : unidades que funcionam no caso de
de neutralização;
 b) unidades,
c) hipounidades: unidades que funcionam apenas em certos casoscasos,, isto é,
quando se dá uma subdistinção.

A necessidade de introduzir tal distinção é mais evidente na gramática e no


léxico do que na fonética. Por exemplo, do ponto de vista da gramática corrente, o
gênero “natiíral” constitui em inglês uma categoria funcional, embora na maior
 parte
 pa rte dos casos a oposi
op osiçã
çãoo de gênero
gêne ro seja “n“neu
eutr
tral
aliz
izad
ada”
a” . Na real
realidad
idade,
e, se se co
con
n
sidera o modo normal de falar dos inglesingleses,
es, se dá geralmente o contrár
con trário:
io: na maior
 parte
 par te dos casos o substa
sub stanti
ntivo
vo da lín
língu
guaa inglesa não
n ão tem
te m gênero
gên ero,, e este vem expresso
expr esso
(por exemplo, através de he, she), só naqueles determinados casos em que se deseja
introduzir
introduz ir uma subdistinção
subdistinção..

8.6.2. O mesmo acontece


acontec e em gera
gerall em italiano no que diz
diz respeito ao gênero na
tural (ou “lexical”). Uma palavra como capra [cabra]  (ainda que seja gramatical
mente do gênero feminino) designa a espécie respectiva, sem distinção de sexo. Se
surge a necessidade de especificar se se trata da “cabra macho”, pode-se fazê-lo
usando a palavra caprone [bode],  mas no nível das hipo-unidades. Se, de um lado,
se faz distinção constante entre bue [boi]  e mueca [vaca],  tal distinção não ocorre
 paraa outr
 par ou tros
os animais,
anima is, cu
cujojo nom
nomee aparece
apar ece sem especif
esp ecificaç
icação
ão de sexo:
sexo : diz-se volpe 
[raposa], tigre [tigre], mosca [mosca],   sem indicar se se trata de animais machos ou
fêmeos, e normalmente se dirá também lupo [lobo],  sem especificar, embora seja
 possível fazê-lo se se ttra
rata
ta de “l
“luu p o ” [lobo [macho)] ou de ‘Tupa” [loba].

8.6.3. Uma distinção análoga se pode fazer a propósito


prop ósito do sincretismo: dada a
 possibili
 poss ibilidad
dadee de só algumas vezes estabe
est abelec
lecerm
ermos
os uma
um a dif
difere
erenc
nciaç
iação
ão,, é mais conve-
 

80 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL


rúente, na descrição de uma língua, admitir um sincretismo total, em quase todos
os paradigmas, ou é melhor dizer que nesta língua não há “distinção” mas só uma
“subdistinção” que aparece em certos casos? Embora não seja aqui o lugar próprio
 paraa insist
 par ins istirm
irmos
os ne
nest
stee pr
prob
oblem
lem a, é to
toda
davi
viaa o p o rt
rtuu n o assin
assinalar
alar a pos
possib
sibilid
ilidade
ade de
admitir na língua “distinções” funcionais e “subdistinções”, com três níveis de uni-
dades.
 

As Transformações
9.1. O que de novo a gramáticgramáticaa gerativa trans
transform
form acional
acion al acrescenta às noções
tradicionais do estruturalismo é, sem dúvida, o conceito de transformação, que,
embora em si não seja original, se pode considerar como um dado novo porque o
 pró prio
pr io fato
fat o de acen
ac entu
tuar
ar a im po
portâ
rtâ nc
ncia
ia do fenô
fe nô m eno
en o re
repr
pres
esen
enta
ta uma
um a notáv
no tável
el in
ino
o
vação metodológica.
As raízes do conceito são tradicionais e, em certo sentido, até óbvias. Já nos
fins do século passado, Louis Couturat, lógico francês, considerava palavras como
 partida, chegada,
chegada,   etc. transformações nominais de verbos como partir,
como  partir, chegar, 
chegar,  etc.,
e a gramática comparada das línguas indo-européias (particularmente do celta) se
interessava pelos chamados nomes de ação ou nomes verbais. Na oração Jo oração João
ão parte,
parte , 
 podem
 po dem os tra trans
nsfo
form
rm ar o ver
verbo
bo em subs
su bsta
tant
ntiv
ivoo e dizer
diz er a partida de João 
João  (e em
algumas línguas célticas atuais esta é a única construção possível); a relação entre
 João
 Joã o  e  pa
 parte
rte   se mantém em a partida de João, 
João,  porque  Jo
 João
ão   é o “sujeito” ou, pelo
menos, o agente da ação verbal presente também em parti em  partida.
da.   A novidade passou de
Couturat a Jespersen que, no livro  Fil  Filos
osof
ofia
ia da gr
gram
amát
ática
ica11, considerou vocábulos
como beleza
beleza   e  par
 partid
tida
a  transformações de um predicado nominal ( Mari  Maria a é bela -*-*■a 
■a 
beleza de Maria) ou
Maria) ou de um predicado verbal ( Joã  João
oppar
arte
te -* a par
partid
tida
a d e João
Jo ão ). Sobre
).  Sobre
tal princípio insistem, ampliando-lhe o conteúdo, o alemão W. Porzig e o polonês J.
Kuryíowicz, sendo este último particularmente importante porque funda em trans
formações sucess
sucessiva
ivass um
umaa sua teo
teoria
ria da derivação.

9.2. Também na gramátic


gramáticaa prática tradicional não é incomu
incomum m o recurso ao prin cí
 pio da trans
tra nsfo
form
rmaç
ação
ão,, sobr
so bret
etud
ud o com
co m o expe
ex pedi
dien
ente
te di
didá
dátic
tico.
o. Por
Po r exem
ex em pl
plo,
o, em espa-1
espa-1

1 Vej
eja-
a-se
se 6.
6.5.
5.
 

82 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL


nhol o complemento objetivo direto, quando constituído por nome aplicado a pes
soa, vem precedido, da preposição a (veo a Juan   “vejo “vejo João”
João”),
), a mesma
mesma que
que também
se usa junto a objeto indireto ( doy un libro a Juan   “dou um livro a  Jo ã o" ).   Para
ensinar a distinção entre os dois empregos, as gramáticas práticas aconseiham a
transformar a expressão de ativa em passiva: se o complemento introduzido por a 
 passa a sujei
su jeito
to (e se diz  Jua
 Juan vis to p o r m í,   “João é visto por mim”) trata-se de
n es visto
objeto direto; ao contrário, se se diz un libro libro es dado por m í a Juan   (“um livro é
dado por mim a Joío”), temos um objeto indireto.
Ê conhecida também a transformação necessária em latim para indicar as
relações entre sujeito e objeto direto, quando a oração subordinada é uma objetiva
com verbo no infinitivo (o chamado “acusativo com infinitivo”). Se em Credo 
um m u n du m creavisse   (“creio que Deus criou o mundo”) é supérflua a transfor
 Deum
 De
mação passiva
passiva porque
porq ue o significado ““creio creio que o mundom undo criou Deus” , ainda que que
' possív
possívelel gramaticalmente,
gram aticalmente, é refutada
refu tada pelo bom senso, senso, já em Credo Hannibalem 
vicissee R om ano s,  qualquer que seja a disposição dos termos da oração, é necessária a
viciss
transformação para esclarecer ao leitor se Haníbal venceu os romanos ou vice-versa,
sendo possíveis ambas as interpretações gramaticais da oração. Conforme Haníbal
ou os romanos sejam os vencedores, devemos dizer Credo Romanos victos esse ab 
 Harmibale  ou Credo Hannibalem victum esse a Romanis,  e assim desaparecerá qual
quer equívoco.
Como dizíamos, fato novo e importante é a coerente aplicação do princípio
das transformações, com o qual a gramática gerativa transformacional busca de
monstrar que o fenômeno é muito amplo, e não tem somente valor prático, e que
uma série de fatos pertencentes a paradigmas diferentes se encontram em determi
nada relação entre si, como, aliás, os interpretam os próprios falantes, que bem
 perce
 per cebe
bemm que alguns
algun s fatos
fa tos são prim
pr imár
ários
ios e ou tros
tr os secund
sec undári
ários,
os, sendo “ tran
tr ansf
sfor
or
mações” dos primeiros. Cada um sabe, por exemplo, que cavalinho é  secundário
com respeito a cavalo  e não o contrário, vale dizer, que a forma primária cavalo 
 passou por po r um
umaa tratrans
nsfo
form
rmaçação
ão,, dand
da ndoo a deri
derivad
vadaa cavalinho e, graças a esta transfor
mação, acrescenta a cavalo  uma particular determinação “quantitativa” (diminuti
va). Analogamente, está claro que embarcar   pressupõe barco  ou barca, partida 
 pressup
 pre ssupõeõe  par tir.. Mas já não é tão evidente que as orações subordinadas podem ser
 partir
consideradas transformações de orações principais, como partes (membros) de ou
tras principais. Assim, dadas as orações digo alguma coisa  e  Jo
 João par tiu,   a segunda
ão partiu,
serve de objeto direto da primeira em digo que João partiu,  em que alguma coisa é 
substituído por outro objeto, não mais constituído de um substantivo, mas de uma
oração. As mesmas considerações podem fazer-se a propósito das duas orações
como alguma coisa  e às vezes tenho fome,   transformadas na estrutura mais com
 plexa
 ple xa como quando tenho fome.

9.3.1. Achamo-nos, destarte, diante de doi doiss fatos impo


importantes:
rtantes: a) os falantes in
tuem e conhecem determinadas relações entre diferentes paradigmas da sua língua;
 b) essas rrelaç
elações
ões pode
po dem
m ser dife
di fere
rente
ntess em lín
língu
guas
as difere
dif erente
ntes.
s.
 

AS TRANSFORMAÇÕES 83

Assim, por exemplo, em italiano se diz il mio libr o  e U libro è mio,


libro mi o,  empregan
do-se o mesmo m io   quer como adjunto, quer como predicativo. Em inglês, porém,
se dirá my book  mas
  mas the b ook is mine
mine,, e em francês mon livre e le livre est à moi.   O
falante de inglês e francês sabe que uma mesma função, se apresentada no sujeito ou
no predicado, deve sê-lo de modo diferente: isto faz parte da língua e da “compe
tência” que o falante tem dela.
Em latim,  R o m a e   signif
 Ro significa
icava
va “ dcs a, em R
Rom
oma”
a” , isto é, podia ser genitivo,
dativo ou locativo. Porém as relações entre os paradigmas eram distintas para essas
três funções. Para indicar “os filhos de Roma” dizia-se  fi l i i R om ae ,  e a forma
 R
 Rom
om ae urbis Romae, como não
mudava não
paramudava emde“os
o dativo filhos
urbs da  cidade
Roma de Roma”,/i/ü
(urbii Rom
(urb ae).  Pelo contrário, em  “estou em
Roma” também se usava a mesma forma {sum Romae),  mas, neste caso, para dizer
“estouu na cidade de R
“esto Romoma”
a” , não se empregava sum urb is Ro ma e  e sim  su
urbis  summ in u rbee  
urb
 R o m a   Para o saber lingüístico latino era como se exist
existissem
issem duas formas diferentes
ae'.   uma que no paradigma de urbs
 Romae'.
 Rom urbs Rom a  devia ser substituída pelo ablativo, e
outra que se mantinha inalterada também com a palavra urbs.

9.3.2. O seguinte exemplo é válido para muitas línguas: o genitivo latino  Iulia  Iuliaee  e o
seu correspondente italiano ou português d i Giulia Júlia )  podem ter valor “sub
Giulia {de Júlia)
 jetivo
 jet ivo”” ou “ objet
ob jetivo
ivo”” .  A m o r Iuliae
Iul iae   pode implicar  Iu
 Iutía aliq uem,,  “Júlia ama
tía am at aliquem
alguém”
alg uém” , ou aliquis amat luliam,   “ alguém ama Júlia Júlia”” . Usando este tipo de genit genitivo
ivo
não se faz qualquer distinção formal, mas os falantes fazem a distinção semântica,

nãoo entendendo
ente ndendo algo
algo que se seja
ja ao mesmo ttempoempo “ sujei
sujeito”
to” e “ obje
objeto”
to” ; Iuli ae  ou será
 Iuliae
agente ou paciente do amor. O mesmo se há de dizer da expressão italiana Vamore 
di Giulia {o amor de Júlia),  que pode si signi
gnific
ficar
ar “o amor de Júlia (por Paulo)” ou “o
amor de Paulo (por Júlia)”, mas não uma e outra coisa concomitantemente. Trata-
se, portanto, de um sincretismo sintático (cf. 8.5).

Mas, qual é afinal a diferença


difere nça entre
entr e o genitivo subjetivo e o objetivo? E po porr
que temos a consciência de que esta diferença subsiste de algum modo? Sem dúvida
 porque
 por que sabemos
sabem os que em algumas
algum as outra
ou trass const
co nstruç
ruçõe
õess  Iu liaee   ou di Giulia  (de Júlia)
 Iulia

funcionam como sujeito ou como objeto; em outras palavras, porque sabemos que
tais genitivos se acham em relação com outras expressões em que o termo em
questão funciona como sujeito ou como objeto. Essas outras expressões não ambí
guas vão constituir, segundo a gramática transformacional, a chamada estrutura  
 prof
 pr ofun
undada   (denominação proveniente da terminologia psicanalítica): assim, o geni
tiv o . objetivo e o subj
subjetivo
etivo implicam duas diferentes “e
“estrut
strutura
urass profundas”
profunda s” e a
interpretação deles depende das relações que caracterizam as “estruturas profundas
respect
res pectiva
ivas”
s” , que se transformam numa idêntica “ estrutura super
superfici
ficial”
al” . No cas
casoo
aqui examinado, a “estrutura superficial” é ambígua e, segundo a gramática trans
formacional, só pode ser esclarecida à luz de duas diferentes “estruturas profun
das”.
 

84
LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL
9.4. Conclui
Conclui-se-se daí que os falantes têm consciência de dois tipos de estrutura estru tura
lingüística: a superficial —aquela que efetivamente aparece —e a profunda, que está
apenas implícita e da qual resulta a primeira. As duas estruturas podem ser iguais ou
diferentes. Acabamos
Acabam os de ver um caso de ddivergênc
ivergência
ia entre
ent re as duas “estrutu
“est ruturas”
ras” . Um
exemplo do mesmo fato pode ser o seguinte: em Giovanni portó Giulia Giulia a Londra e 
 po i alia pazz ia   (João levou Julia a Londres e depois à loucura),   as construções a 
pa zzia
 Lond
 Lo ra   (a Londres) e alia pazzia  (à loucura) são materialmente análogas e gramati
ndra
calmente funcionam ambas como adjuntos adverbiais. Porém este modo de coorde
nar se apresenta estranho e insólito, enquanto seriam perfeitamente “normais”
coordenações como Giovanni po rtó Giul Giulia
ia a Londra e popoii a Pa rigii (João levou Júlia 
Parig
a Londr
Londres es e depois a Paris)
Paris),, Giovanni portó
po rtó Giulia
Giulia prima al ia pazzia e po i al suicidio 
alia
{João levou Júlia primeiro à loucura e depois ao suicídio).  A coordenação no nosso
exemplo, não é “normal” (ou tem um particular valor estilístico), porque os fatos
designados pelas duas circunstâncias não são análogos, pois conduzir a Londres é 
diferente de conduzir à loucura, e, embora segundo a gramática corrente (e estrutu
ral) essa diferença não subsiste, do ponto de vista do conteúdo pensado ou da
realidade designada (“estrutura profunda”), no primeiro caso se trata de conduzir  
lia   (“objeto”) a um lugar (Londres), no segundo de transformar Júlia em sujeito
 Júlia
 Jú
da loucura: se João levou Júlia a ponto de tornar-se louca, o adjunto à loucura  tem
uma “estrutura profunda” diversa da de a Londres.  Também neste cas casoo a “estrutu
“estrutu 
ras superficiais” idênticas correspondem “estruturas profundas” diferentes: num
caso Júlia é objeto de levou,   no outro é  sujeito de enlouquecer,   e o adjunto à 
loucura  impl implica
ica,, na sua “estrutura profunda” , um umaa oração
oração como: {Por causa de 
 João
 Jo ão ) Júl
Júliaia {em Lo ndre
nd res) ic o u louca,  que, unida a uma outra,  Jo
s) ffic  João
ão levou Júl ia a 
levo u Júlia
re s,   se transforma com aquela na oração inicial  Jo
 Lo nd res,  João
ão lev
levou
ou Júl
Júlia
ia a Lo
Lond res e 
ndres
depois à loucura.

9.4.1. As “ transformações” , enquan


enq uantoto são uma parte constitutiva
cons titutiva da
da língua, per
tencem ao conhecimento que tem o falante da sua língua. Assim entendidas, as
transformações podem explicar dois aspectos funcionais (e, isto, no âmbito mesmo
da concepção que o estruturalismo tem acerca da funcionalidade): a diferença de
função e o seu oposto, a unidade de função.
Os exemplos referidos nos parágrafos anteriores mostraram como à diversifi
cação
cação de funções denotativas correspondia diver
diversida
sidade
de nas
nas “ transformações” . Um
outro exemplo pode servir para ilustrar os dois aspectos: o uso do possessivo.

9.4 .2. O uso do posse


9.4.2. possessivo
ssivo em certo paradigma, por exemp
exemplo,lo, no grupo nominal
nomin al do
do
sujeito, onde encontramos mio {meu)   e il mio {o meu),   como em il mio babbo {o 
mia madre {minha mãe), la mia mam ma {a minha  
meu papai), m io padre {meu pai), mia
mamãe), la mia casa {a minha casa), la mia partenza {a minha partida),  etc. poderia
dar a impressão de que estávamos diante de uma e mesma função denotativa, de
uma idêntica relação “real”. Entretanto, se, aplicando critérios transformacionais.
 

AS TRANSFORMAÇÕES   85

consideramos os diferentes casos em que pode aparecer o adjunto possessivo, e nos


 pergu
 pe rgunta
ntamo
moss se em todo
to doss estes casos é possível
possí vel empre
em pregar
gar o possessivo tam bém no
 predic
 pre dicad
ado,
o, fica logo claro que a funfunção
ção deno
de nota
tativ
tiva,
a, ap
apar
aren
ente
tem
m en
ente
te idênti
idê ntica
ca,, não é a
mesma, porque podemos dizer il mió libro  e questo libro libro è mio,  enquanto dizemos
mio padre  mas não dizemos (no mesmo sentido) questo padre è mio.  Quando
muito, poderia dizê-lo uma criança que, considerada uma pluralidade de “pais” e
quase os tratando como brinquedo, dissesse\Ecco, questo babbo è mio  (mas o diria
no sentido em que se diz que questo
sto libro èm io ,   isto é, com o valor de: “este pai me
libro
 perte
 pe rtenc
nce”
e” ). Ta
Tamb
mbém
ém no caso de la mia patria, il mio paese,paese, a expressão questo paesepaese 
è mio   (menos inverossímel que questa patria è mia ) poderia ser empregada por um
conquistador que quisesse afirmar o próprio direito sobre um povo derrotado. Mas
quem diria questa partenza è mia   (entendendo se que é ele que parte ou deve
 partir)?
 parti r)?
Por outro lado, se a estes exemplos acrescermos um outro, un libro mio   e o
confrontarmos com un padre mio,   observaremos que também no sujeito (e no
objeto, etc.) há algumas restrições no emprego de mio,  que com certos substantivos
não pode ser usado se eles se acham precedidos do artigo indefinido, mas tão
somente se’ têm o artigo definido. Poder-se-á dizer também il mio Giovanni,
Giovanni,  mas não
un mio Giovanni.  São, estes, ou outro
tross exem
exemplos
plos duma restrição do uso, análoga
análoga à que
 já foi assina
assinalada
lada e que pode
po derá
rá ser assim formu
for mulad
lada:
a: nã
nãoo é possível
poss ível — no uso “ no
nor
r
mal” , por
porqua
quanto
nto em situaç
situações
ões de parado
paradoxo
xo pode perfeitam
perfeitamente
ente ocorrer, empregar o
 possessivo com o artig
artigoo ind
indef
efini
inido
do se o substa
sub stanti
ntivo
vo que indi
indica
ca o ob
objet
jetoo da relaç
relação
ão
“possessiva” é um nome próprio (I.'Italia mia é possível, mas de u n ’Italia mia  não se
diz) ou denota de qualquer maneira um “unicum” (p. ex., os pais).

9.4 .3. Se se considera o possessi


9.4.3. possessivo vo não ape
apenas
nas num só paradigm
para digma,a, mas nos divdiversos
ersos
 paradigmas
 paradi gmas em que pode po de apare
ap arecer
cer,, ficará clara uma
um a divers
diversidade
idade de fu funç
nçõe
õess co
cont
ntex
ex
tuáis: o proble
p roblema
ma consistirá em estabelece
estabelecerr qual é a sua função
funç ão ““unitá
unitária”
ria” , que
 justi
 ju stific
ficaa os seus vá
vários
rios uso
u so s(c
s( c f. 7.4.
7. 4.)) e a que razões
razõ es se devem a dive
diversidade
rsidade fun
funcio
cional
nal
nos diferentes paradigmas sintáticos e as respectivas restrições rio uso.
0 termo “possessivo”, aplicado a este tipo de pronomes adjetivos e substanti
vos, é de escassa pertinência, porque de “possessão” se pode falarem casos comor'/
mio libro  (embora ainda aqui mais se trata dum livro que comprei e não dum livro
que eu escrevi), mas não certamente no caso de mio padre,
padre, m io fig lio ,é  óbvio que
também a expressão la mia partenza   não implica relação de posse, e até la mia 
abitazione   poderá entender-se tanto no sentido daquela que construí ou comprei e
em que moro, quanto daquela em que me encontro. 0 conceito de “posse” não é 
 pois suf
suficie
iciente
nte para car
caract
acteri
erizar
zar a unid
un idad
adee de funçã
fun çãoo do possessivo,
possessivo , co
conq
nqua
uant
ntoo no
uso predicativo o valor possessivo seja mais freqüente (e quase exclusivo): com
efeito, não se poderá dizer questa partenza è mia   nem questo padre è mio,   e, se
questa à la volta mia  dificilmente pode entender-se como posse, questo libro è mio  
dificilmente póde entender-se de outra maneira.
 

86 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

9:4.4. A unida
unidade
de de função
fun ção,, neste ccaso,
aso, não pode ser entendida
entend ida senão
senão como
com o uni
dade de transformação: o chamado “possessivo” não é outra coisa que o adjetivo
correspondente ao “genitivo” de um pronome pessoal (adjetivo que, por sua vez,
 pode
 po de ser su
subs
bsta
tant
ntiv
ivad o: mio -* il mi
ado: mio),
o),   isto é, representa o resultado de urna única
transformação “real” (implícita na língua). Assim é que se diz il libro ddii Giovanni, il  
 padre
 pa dre d i Giovanni,
Giova nni, la ppar
arte
tenz
nzaa d i Giov
Giovann
anni,i,  usando sempre a preposição di.  Entre
tanto, se em lugar de Giovanni  usamos o pronome pessoal io, io, il libro “di io
io”” (como
mais ou menos dizem as crianças que começam a falar) tomar-se-á/7 mió libro  ou il  
libro mio.e il padre “di io ” passará a il mió padre   ou il padre mió, la partenza “di  
io ” se transformará em la mia pa parten
rtenza,
za,  assim como di Roma  pode ser transformado
em romano.  Analogamente com tu, lui, lei, noi, voi, loro: il libro di lui   (que pode
também não transformar se) passará a il libro suo  ou il suo libro e, em certos casos
de ambigüidade, il libro suo di lui, il libro suo di lei,   especialmente usado nas
respostas a perguntas do tipo de “Di chi è il libro?” [D [Dee que
quemm é o llivrol]
ivrol] “È suo ddii 
hiC'   (em português  E seu dele
de le).
).   Isto, como se sabe, não ocorre em inglês e alemão,
onde dois diferentes adjetivos possessivos distinguem uma terceira pessoa masculina
(inglês his book,  alemão  sein B u ch)ch )   da correspondente feminina (inglês her book, 
alemão ihr Buch2).
Bu ch2).

9.4.5, A função “ unitá ria” do possessivo


possessivo,, que justific
justificaa todos
tod os os seus usos, result
resulta,
a,
 p
 poo rt
rtaa n to , do fato
fa to de ele repr
re pres
esen
entar
tar a adjetiv
adj etivaçã
açãoo do “ ge
geni
nitiv
tivo”
o” de um pr
pron
onom
omee
 pesso al. Este
 pessoal. Est e é o seu “ signif
sig nifica
icado
do”” de lín
língua
gua.. Ao co
cont
ntrá
rári
rio,
o, a diver
d iversid
sidade
ade fu
func
ncion
ional
al
que apresenta nos diversos paradigmas e as restrições no seu emprego refletem a
diversidade das relações reais do próprio possessivo (e também, em última análise,
do “genitivo” que lhe serve de base). Em particular, devem-se as restrições a que um
“genitivo” predicativo é tomado normalmente como “possessivo” (onde, se temos il  
libro di Giovanni  — il libro è di Giovanni, já não temos la partenza partenz a di
d i Giovanni  — la
la 
 part
 pa rten
enza
za è ddii Giovan
Gio vanni)
ni)..
Todavia, não se d«ve entender tudo isto como aplicação da gramática trans-
formacional propriamente dita, mas apenas como constatação de processos transfor
mativos “reais” no quadro de uma gramática fundamentalmente funcional.

9.5.1. Por
“reais”) ou
outro
devem tro lado,
ter seu com
lugar o já gramática
numa ssee aludiu,completa
as
as “ transform
transformações”
de umaações”
língua (ainda as
as não
como relações
entre os paradigmas, relações que os falantes conhecem e podem “atualizar” (utili
zar) no seu falar.
Com efe ito, nnoo que to ca à gramática ,de sua língua, o falante conhece três
ordens de fatos: a) sabe qu quee  funciona, isto é, sabe como é feita a expressão material
da língua: conhece-lhe a “ morfología”
morfo logía” ou a “ consconstituição”
tituição” ; b) conhece
conhece (intuitiva
(intu itiva
mente) o  p
 por
orqu
quêê  das diversas construções, vale dizer, as suas funções; c) conhece as

3 Cabe
Cabe lembra
lembrar, ue ihr Buch  significa
r, entretanto, qque significa também "il loro libro
libro"" (o livro deles).
deles).
 

AS TRANSFORMAÇÕES 87

conexões entre construções de paradigmas diversos (“relações”), o como  do funcio


namento dessas mesmas construções, isto é, o modo de passar de um paradigma a
outro ou de exprimir conteúdos análogos de pensamento (equivalencias denotati
vas) em paradigmas diferentes. Desta forma, retomando o exemplo acima, o falante
italiano sabe que pode dizer il mi o amico, l ’amico m io   e un mio amico, un amico 
mio
mio, enquanto o falante inglês, para a mesma idéia, só pode empregar m y frie nd   -- a 
friend 
mi ne.  (“o meu amigo” —“um meu amigo”).
 fr ie n d o f mine.
%

9.5.2. Uma gramática comp


completa
leta de qualquer língua deve
deveria
ria po rtan to compreender
comp reender
trêss se
trê seçõe
ções:
s: uma seção
seção “ constituc
constitucional”
ional” (ou “ morfologia”
morfologia” em sentido amplo,
am plo, in
cluindo a morfologia das orações e do período), uma seção “funcional” (estudo dos
significados
significados gramaticais da língua
l íngua)) e um
umaa seção
seção “relacipn
“relacipnal”
al” . E, precisa
precisame
mente,
nte, a
seção “constitucional” e a “relacionai” deveriam ser consideradas subordinada
mente à seção funcional, isto é, deveriam ser consideradas à base e do ponto de vista
das funções semânticas, que constituem a finalidade da linguagem e a razão de ser
das línguas. Atualmente, nenhum tipo de gramática corresponde a essa “gramática
ideal” , porq
porque
ue nnenh
enhum
um a delas leva em con
conta
ta efetivam ente essas
essas três seçõe
seções.
s.

9.5.3. A gramática do tipo


t ipo tradicional
tradiciona l re
refere-
fere-se,
se, não há dúvida, aos três aspectos
aludidos, mas o faz sem coerência e de forma não exaustiva. De fato, as gramáticas
tradicionais de língua materna se destinam a falantes que já conhecem, conquanto

intuitivamente,
modo que tais aspec as construções
tos não são einteiramente
aspectos as funções descritos
(o qu
quêê   e o  po rq uê )   da sua língua, de
e examinados. E nas gra gramáti
máti
cas de línguas estrangeiras se insiste sobretudo no que e  no po  porq uê  “ diferenciai
rquê diferenciais” s” , o
que significa que esses aspectos vêm de preferência considerados na medida em que
não correspondem à língua materna do aluno. Por exemplo, uma gramática tradi
cional escrita para italianos que deseje aprender o inglês dirá que o artigo italiano il il,, 
lo, la, i, gli  corresponde ao inglês the th e  e tratará, de modo particular, como se fossem
exceções ou “desvios” aqueles usos de the th e  que não concordam com o uso do artigo
em italiano.
Quanto
Qua nto aos aaspectos
spectos “ rela
relacionais
cionais”” , estes, na gra gramática
mática de língua m aterna, só
esporadicamente vêm tratados, e, na maioria dos casos, só como expedientes da
descrição funcional (cf. 9.2). E nas gramáticas de línguas estrangeiras eles são consi
derados principalmente do ponto de vista prático; assim, ensina-se numa gramática
latinaa de que m odo se exprimem , nessa
latin nessa língua, o instrum ento ento,, o fim, a “ matéria” ,
etc., ou então, segundo que regras se passa do discurso direto ao indireto (por
exemplo,
exem plo, que tod
todas
as as orações declarativas, iinclus nclusive
ive as interrogativas
interrogativ as “ retórica
retóricas”
s” , se
constroem, no discurso indireto, com o infinitivo, enquanto as orações subordina
das e as independentes não declarativas se constroem com o subjuntivo).
As gramáticas
gramáticas estrutu rais do tip o “ bloom bloomfieldiano”
fieldiano” (cf. *6.3
*6.3.1.1.)
.) ssee concentram
 parti
 pa rticu
cular
larm
m ente
en te na “ cons
co nsti
titu
tuiç
ição
ão”” m ate
ateria
rial,l, isto é, na descriç
des crição
ão “ m orf orfoló
ológic
gica”
a” ,
enquanto tratam de maneira muito sucinta das funções e, em geral, deixam de lado
as “relações” (ou, pelo menos, não as distinguem das funções propriamente ditas).
 

88 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

A gramática inspirada nos principios da Escola de Praga também ignora, por seu
turno,, as “ rela
turno relações”
ções” , embora considere com igual
igual interesse
interesse os aaspectos
spectos “ constituc
con stitucio
io
nais” e funcionais das línguas: isto pelo menos nas intenções, porque até hoje
nenhuma gramática completa foi escrita conforme os princípios dessa escola e, em
geral, o estruturalismo de tipo plagúense se dedicou muito pouco a certos níveis da
gramática (em particular, à sintaxe das orações e do período).
Por sua vez, a glossemática se dedica com particular interesse à identificação e
descrição das funções, ocupando-se pouco da parte físico-material da gramática e
desatende as “relações”.
A gramática transformacional, finalmente, se ocupa da “constituição” e das
“relações” e, como no âmbito da expressão, também na gramática ignora —e até
deliberadamente —a parte central e determinante da língua: as funções (no sentido
de que não faz delas objeto nem de descrição nem de indagação). É sintomática, a
este respeito, a posição que assumem os transformacionalistas em relação aos fone
mas:: o fato da gramática transformacion
mas transformacional
al ignorar (e poder,
pod er, efetivamente,.para seus
seus
fins ignorar) as unidades funcionais interpreta-se como inexistência das unidades
mesmas. No caso dos conteúdos gramaticais não se chega a este ponto, mas, como
na gramática transformacional o próprio sentido da comutação (cf. 7.6) ainda não
foi compreendido corretamente, supõe-se que a lingüística não disporia de nenhum
“procedimento de descoberta” das unidades funcionais.
Assim, atualmente, tem-se a seguinte “distribuição” dos centros de interesse:

Escola de Praga

Glossemática
* *
gramática g r a m á ti c a g r a m á tic a
“constitucional” funcional “relacionai”

4 1
t t ♦
Bloomfieldianismo ♦ 1

__  __
 I___________ 
 _________  ____
I ____
____ 
__ 
gramática tradicional

gramática transformacional
 

AS TRANSFORMAÇÕES 89

Se se admite que  for


 forma s, fu n ç õ e s  e relações  gramaticais caracterizam e distin
mas,
guem as línguas, é óbvio que o (fue, o porqué   e o como   devem ser igualmente
levados cm conta: que sejam considerados mais por um ángulo que por outro, é
muito menos relevante.

9.6.1. De resto, também do ponto de vist vistaa prá


prático,
tico, no ensin
ensinoo de línguas
línguas - por
por
exemplo, se nos propomos apresentar o inglés a estudantes italianos (ou portugue
ses) —, devem-se considerar os três aspecto^ da gramática. Com efeito, no confronto
entre duas línguas, podemos encontrar:

a) cons
construçõ
truções
es diferente
diferentess para funções análo
análogas:
gas: é o caso acima cita
citado
do do artigo,
variável em italiano e uniforme em inglés;
 b) dive
diversida
rsidadede de funçõe
fun çõess para
par a co
cons
nstr
truç
uçõe
õess análogas
anál ogas ou difer
dif eren
entes
tes:: é o caso do
 pret
 pr etér
érit
itoo inglês, opos
op osto
to ao imimpe
perf
rfei
eito
to c pr
pret
et.. pe
perf
rf.. [it. passat
pas satoo rem
re m ot
oto]
o] no
italiano e do uso do condicional perifrástico com  sh  shou ld  +
ould   + infinitivo, diferen
te do condicional italiano, quer pela forma, quer pelo conteúdo;
c) diversidade nas nas relaçõ
relações,
es, isto é, nnas
as passagens possíveis de um paradigma paradi gma a
outro; desejando traduzir ao inglês o italiano il mio amico e una lua amica. 
onde os elementos são individualmente opostos (il/una, mio/ tua. tua. amico/
amica) e apresentam
aprese ntam uma estru
estrutura
tura paralela, devemos
devemos renunciar ao paral paralelis
elismo
mo
e à homogeneidade estrutural c dizer m y friend and a gir girl-
l-fr
frie
iend
nd o f you
your.
r.

9.6.2. Assim,
Assim, também
tam bém , em latim três difer diferentes
entes funçõe
funçõess distinguem as as três formas
 R om a e, R om am   e  R
 Rom  Roo m ã .  como complementos circunstanciais de lugar; outro tanto
ocorre em espanhol (e em português), onde existem, respectivamente, en (em ) Roma, Roma, 
a Roma, de Roma,  embora o que o latim indica através de desinências, o espanhol
(e o português) o exprimam através de preposições: entre o latim e o espanhol (ou o
 portug
 por tuguês
uês)) há dif
difer
eren
ença
ça de “ cocons
nsti
titu
tuiç
ição
ão”” , mas não há (pr
( prat
atic
icam
am en
ente
te)) dif
difere
erenç
nçaa de
funções. Se, ao contrário, traduzirmos para o italiano ou francês, observaremos uma
diferença não só de “constituição” (pelo uso das preposições em vez de desinên
cias), mas ainda de funções: embora in Roma   e en Rome   não estejam totalmente
fora de uso, pelo menos em certos contextos, a expressão normal correspondente ao
locativo  Ro m ae é a Ro Roma
ma,, à R
Roo m e ,   que coincide com a de movimento a um lugar
(Romam —a Roma, à Rome)   e só se distingue daquela que denota movimento de
 proc
 pr ocedê
edênci
nciaa ( Rom
 R om a   = da Roma, de Rome).   Entre o espanhol (ou o português) de
um lado e o italiano e o francês do outro, não há (quase) diferença de “consti
tuição” , mas há diferença de função: e o espanhol e o português
portuguê s com
compartilharão
partilharão,, por
por
sua vez, da diferença de “constituição” (mas não de função), em relação ao latim,
com o inglês e o alemão (que usam, respectivamente, nos três casos at   e in. to   e
nac/i, from   e von).
Se considerarmos,
considerarm os, outrossim, as “ transform ações” , isto isto é, as “ relaçõ
relações”
es” ,
observaremos que também estas são diferentes. Com efeito, diz-se em espanhol en
 

90 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

 Ro ma,, a Ro m a, de R o m a  e da mesma maneira en la ciudad, a la ciudad, de la ciud


 Roma ad  
ciudad 
e en la ciudad de Rom a, a la la ciudad de Rom a, d e la ciudad de Rom a,  enquanto em
latim, ao lado de  Ro ma e, R om a m , R om ã,   tem-se in urbe, in urbem, ex urbe   e in 
urbee Romã, in urbem Romam, ex urbe Ro m ã (de modo que “constitucionalmente”
urb
o latim, neste caso, se aproxima um pouco das línguas románicas). E em italiano
diz-se (sono, vado) in città   e (sono, vado ) nella città di Roma  (vale dizer, a coinci--
déncia entre estar num lugar e ir a um lugar se mantém, só que agora a preposição é
in,  e não a).

9.7.1. As “ transformações”
transformações” ((tan
tan to as “ re
reai
ais”
s” q uanto
uan to as que, no fundo,
fund o, não são
são mais
que conexões entre paradigmas) são particularmente importantes, quer no ámbito
da descrição de uma mesma língua, quer no da comparação entre línguas diferentes,
quando são específicas de certas línguas ou quando constituem procedimentos
formativos, possibilidades abertas —e eventualmente ilimitadas —de produção (ou
criação)
criação) lingüística.
ling üística.
»

9.7.2. Como exemplos de transformações característi


características
cas de uma língua, e inexi
inexis
s
tentes em outras, recordemos, dentro da gramática latina, o caso da construção da
oração objetiva com infinitivo, o nominativo com infinitivo, o ablativo absoluto:
tais construções ou não aparecem nas línguas románicas ou nelas foram parcial
mente reintroduzidas, como latinismos cultos, na época do Humanismo e do Renas
cimento.

9.7.3. Como exemplos do segundo caso podem os apontar, apo ntar, mormente
morm ente no campo da da
“conversão” entre categorias verbais (partes do discurso) e da formação de palavras,
onde mais claramente — e de manei maneirara mais
mais imediata e ge gera
rall — se paten
patenteia
teia a
criatividade lingüística
ling üística “ aberta” . Ass
Assim,
im, perante
peran te o francês, o alemão é caracteri
zado, entre outras coisas, por uma possibilidade de transformações em série e por
uma criatividade atual que o francês não conhece: enquanto em alemão todo verbo
 podee ser subs
 pod su bstan
tantiv
tivad
adoo (gehen  “ir” , das Gehen  “ o ir
ir”” , “ a ida”)
ida”),, isto não ssee dá em
francês, e os poucos casos que nessa língua se nos deparam, não constituem casos

“ abertos” le 
manger,  pordeexemplo,
pro
produtividade
dutividade atual, ma
não significa mas
s tão de
a ação somente
comer,casos
casos ojá que
mas fixados lexicalmente:
se come (a comida).
Apenas em textos filosóficos o infinitivo substantivado é bastante usual em francês
(provavelmente por influxo alemão).
alemão).
Entre as línguas románicas, o espanhol, o português e o romeno conhecem
essa mesma possibilidade aberta do alemão (e em romeno o chamado infinitivo
“longo” é quase sempre um substantivo). Em italiano, o infinitivo substantivado é
muito mai
maiss freqüente do que em francês,
francês, mas menos do que em espanhol e romeno;
entretanto, a possibilidade “aberta” é virtualmente a mesma (com efeito, o uso
deste infinitivo, com preposições, é, pode-se dizer, ilimitado: cf. dal dire al fare, 
va cominciato co l dire etc.).
aveva
ave
 

Criatividade e Técnica Lingüística.


Os Três Níveis de Linguagem
10. Vejamos ago
10. agora
ra como um a descrição
descrição realizada segundo princípio s estrutu rais e
funcionais (incluind o as transformaçõ es, na medida em que são “reais” , isto é, na
medida em que se trata de fatos propriamente funcionais) se enquadra no estudo
não apenas da estru tura das línguas mas da linguagem
linguagem em geral
geral..

10.1.1. A linguagem
linguagem é um a atividade hum ana universal   que se realiza individual
individual  
mente,   mas sempre segundo técnicas historicamente
mente, historicamente determinadas
 determinadas (“ lín
línguas”).
guas”). Com
efeito, todos os seres humanos adultos e normais falam e, em certo sentido, falam
sempre (o oposto de falar é o calar   que, a rigor, só pode ser concebido com
referência ao próprio falar: como um “não falar ainda” qu um “ter cessado” de
falar”). Por outro lado, todo falante fala individualmente (mesmo no diálogo): a
linguagem
linguagem não é nunnunca
ca atividade “ coral” . Por fim, a linguagem se apre apresenta
senta sempre
como historicamente determinada, como “língua” (italiano, português, francês,
alemão, etc.); não há fa
há fala r  que
lar    que não seja fa
seja fala
larr um
u m a língua.

10.1.2.
10.1.2. Dentro da lingua
linguagem
gem se podem distinguir por tan to três níve
níveis:
is: um univer-
 sal,  outro histórico
 sal,  histórico   e outro individual,
individual,   que de resto se distinguem mais ou menos
claramente também do ponto de vista prático. Por exemplo, quando dizemos que
uma criança ainda não fala, não queremos dizer com isso que ela ainda não fala
italiano ou outra língua, mas que não realiza ainda a faculdade geral de falar;
referimo-nos ao nível universal. Assim também estamos diante do nível universal
quando ouvimos falar num aposento vizinho, mas que não entendemos nem o que
se diz nem quem fal fala.
a. Nesse
Nesse nível captam os certos aspectos “ sintomático s” da
linguagem, porém, não compreendendo os significados lingüísticos como tais, pode
mos incorrer em interpretações errôneas. Assim, não conhecendo a língua nem o
caráter de quem fala, podemos vir a confundir um modo de falar barulhento, mas
 

92 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

na realidade afetuoso, com uma rixa. Pode ainda acontecer que ao ouvir uma língua
estrangeira se tenha a impressão, no nível universal, de um falar irritado, quando se
trata apenas de uma característica prosódica dessa língua (é o que acontece com
freqüência aos italianos ao ouvir falar alemão).
Se, por outro lado, percebemos que se está falando numa língua  x,   identifica
mos o nível histórico da linguagem, vale dizer, o falar, segundo uma técnica deter
minada. E se, finalmente, dizemos  E Pedro qu quem
em fala,   identificamos também o
nível individual da linguagem.

10.1.3. Estes três níveis são, até certo


cer to ppon
onto,
to, autônom
autô nom os. Assim,
Assim, o nível universal
universal
segue também normas próprias e (a começar pelos aspectos simplesmente materiais
da voz) realiza também possibilidades suas, independentes das línguas particulares.
Analogamente, não cabe considerar o nível individual como mera realização de uma
historicidade determinada, porque nesse nível encontramos, de uma parte, indiví
duos poliglotas, que conhecem e realizam diferentes tradições históricas, e de outra,
não existe nenhum indivíduo que realize por si só toda uma tradição histórica. Por
isso, o níyel individual supera em certo sentido o histórico, pelo fato do indivíduo
 poder
 po der fala
falarr mais de um a llíng
íngua
ua e, nout
no utro
ro se
sent
ntid
ido,
o, o nível
níve l individual
indiv idual é ma
mais
is limita
lim itado
do
que o histórico, porque nenhum indivíduo realiza totalmente essa ou aquela língua;
nenhum italiano domina todo o idioma italiano, nenhum inglês toda a língua inglesa
e assim por diante. Também de um texto não podemos dizer que corresponde a
uma só historicidade , porque podemos encontrar nele elementos de outras tradi
ções lingüísticas, assinalados ou não como tais pelo falante (ou escritor). Esses
elementos serão assinalados se o falante diz explicitamente (ou fá-lo entender que
usa palavras duma língua diferente (pensc-se em locuções como  gross  grossoo m od
odo,
o, ex  
novo)\  não assinalados, por exemplo, se são substancialmente “erros” oriundos do
conhecimento (mesmo limitado) de outra língua, isto é, da interferência de dois
sistemas, que pode implicar a áplicação “errônea” ou, ao contrário, a suspensão (a
não-aplicação) de certas regras desses sistemas. Uma interferência deste último tipo
 pode ser obse
observad
rvadaa quan
qu ando
do um
umaa pessoa,
pess oa, se co
conhe
nhece
ce bem o ut
utra
ra língua
líng ua em que certa
ce rtass
formas têm sentido obsceno, evita essas formas na própria língua. Assim é que, em
romeno, a desmierda   é vocábulo de uso corrente em quem não conhece outras

línguas románicas,
crianças. Entretanto,significa “acariciar,
não o usa amimar”
aquele que, e se usaalguma
conhecendo especialmente aplicado
das outras línguasa
románicas, percebe nele uma aproximação que o faz ser sentido como vulgar: a
interferência, portanto, pode ser, como neste caso, “negativa”.

10.2.1. Por ooutr


utroo lado, a linguag
linguagem
em se
se realiza, certam
cer tam ente,
ent e, ddee acordo com um
saber adquirido como tal (“aprendido”) e se apresenta sob forma de fatos objetivos
ou “ produzidos” , mas, consoante célebre caracterização form formulada
ulada emem termos aris
aris
totélicos por W. von Humboldt, não é cssencialmente epyov, coisa feita, “produto”,
e sim evepyeia,  atividade criadora (atividade que vai além de sua própria ÒvvapLÇ, 
“ potencialidade” , isto é,
é, além
além da técnica “ aprendida”
aprendida ” ). Portan
Po rtanto,
to, pode serconside-
 

CRIATIVIDADE E TÉCNICA LINGÜÍSTICA   93

rada como evepyeta, como bwapn<: ou como epyov,  como fato de criação (atividade
criadora ou, pelo menos, como atividade), como fato de técnica
técnica (“ potencialidade”
potencialidade” ,
saber) ou como  pr
 p r o d u to , e, isto, a cada um dos trés níveis que distinguimos. O
resultado da combinação desses dois critérios (níveis e pontos de vista) é uma
distinção de nove seções na estrutura geral da linguagem.

10.2.2. No nível universa


universal,l, a llinguagem,
inguagem, considerada
considerad a como aatividade,
tividade, é o falar
falar (em
geral), não determinado historicamente; considerada do ângulo da técnica, é o
“saber falar em geral” ( saber elocuelo cucio
ciona l );
nal  ) ; e considerada como produto é “o fa
lado” , a totalidade
totalid ade do que se disse
disse (ou ainda
ain da do qque
ue se pode
pod e dizer, sempre que se
considere como “coisa feita”). No nível individual, a linguagem como atividade é o
discurso, isto é, o ato lingüístico (ou a série de atos lingüísticos conexos) de um
determinado indivíduo numa dada situação; como saber, é o  saber expres sivo  (saber
exp ressivo
relativo à elaboração dos “discursos”); e como produto é um texto   (falado ou
escrito). Analogamente, no nível histórico, a linguagem como atividade é a língua 
concreta,  tal qual se manifesta no falar, como determinação histórica deste (p. ex.,
“o falar italiano ” , o falar  fr
 fran cêss  etc.); e como “potencialidade” é a língua en
ancê
quanto sabe
saberr tra
tradiciona
dicionall de uma comunidade ( saber “idiom
“idi om át
átic
ico” ).  Como produto,
o”).
no enta nto, a llíngua
íngua nã
nãoo se apresenta
apresenta nunca de mo do concreto,
conc reto, uma ve vezz que tudo
tud o o
que nesse nível se “produz” (se cria) ou redunda num hapax  (expressão dita uma
única vez) ou, se se adota e se fixa historicamente, passa a fazer parte do saber
tradicional. Neste sentido, a língua não é nunca epyov: epyov,
epyo v, pro
 produ
duto,
to, só pode se
serr
a língua abstrata, isto é, a língua extraída do falar e objetivada numa gramática ou
num dicionário.
Todas essas relações podem serser resumidas no seguinte quadro sinótico:

 ponn tos
 po to s de évépyeux búvctptx epyov
, .. vista atividade saber 
níveis  p
 pro
rodd u to

totalidade do
nível universal
universal f a l a r e m g er al sa b e r e l o c u c i o n a l
“falado”

nível histórico lín g u a c o n c re ta saber id io m át


átic o (língua abstrata)
abstrata)

nível individual discurso saber expressivo “texto”

10.2.3. A diversidade das definições que se dão da linguagem deve-


deve-se,
se, em pa
parte
rte,, à
diversidade de pontos de vista por que ela se considera no nível universal. Assim,
quem define a linguagem como “a atividade que usa (ou que produz ou cria)
 

94 Lições DE LINGÜISTICA GERAL

si
sign
gnos”
os” , ffá-l
á-loo considerando-a como atividade, como fala falar.
r. Quem
Quem,, por outro lado,
lad o,
define a linlinguag
guagem
em com
comoo “ faculdade de falar (ou exprimir-se)”
exprimir-se)” , já a considera
considera como
sa
saber
ber oouu “ potencial
potencialidade”
idade” . E uma defini
definição
ção como aquela
aquela que, em certo conte
c onte xto,
dá Ludwig
Ludwig Wittgenstein — “ a linguagem
linguagem é a totalida
tota lidade
de das orações” — refere-s
refere-se,
e,
evidentemente, a ela como “ prod produto”
uto” . Tal div
divers
ersida
idade
de de enfoques, conqua
conquanto
nto num
outro sentido, ocorre tapibém com a h'ngua, no nivel histórico da linguagem. Os
antigos concebiam a língua como determinação concreta do falar; com efeito, refe
rindo-se às línguas, usavam verbos especiais (como, p. ex., em grego, òttu uÇeiv u Çeiv  
“falar ático”) ou advérbios, isto é, justamente, determinações de uma atividade (p.
ex., em latim: latine loqui, graece loqui, vale dizer, “falar latinamente, “falar grega-

men
mente”).
que te”). 0 falante
falan
se realiza emte atos
moderno,
mod lingüísticos
erno, ao contrário, cconcebe
oncebe
(as línguas “se eem-g
m-gera
erall ea “se
sabem” lí
língua
ngua como saber
falam”). sabe
E osr
lingüistas e gramáticos consideram com freqüência a língua, não só como língua
“ab strata
strata”” , elaborada com o “ pro
produ
duto”
to” (assim, F
F.. de Saussure
Saussure diz que daquilo que
que é
efetivamente a langue se pode dar uma idéia através de uma gramática e de um
dicionário).
10.3.1. Também a pesq
pesquisa
uisa lingüística,
lingüística, como descr
descrição
ição e como
com o história, interes
sa-se sobretudo com o aspecto técnico da linguagem, isto é, com o saber lingüístico,
o que é, sem dúvida, perfeitamente compreensível, pois que o aspecto técnico é o
que apresenta maior uniformidade e, destarte, pode mais facilmente tornar-se
objeto de ciência. Não obstante, toda filosofia da linguagem digna deste nome e
ainda uma lingüística que tenha consciência de sua tarefa deveriam insistir, de modo
 parti
 pa rticu
cula
lar,
r, na criati
cri ativid
vidade
ade lin
lingü
güís
ístic
ticaa (que
(q ue,, aliás, im
impre
pregna
gna també
tam bém
m as técnic
téc nicas
as do
falar, que são essencialmente técnicas abertas). E, no que diz respeito à técnica, pelo
menos deveriam estudar-lhe de modo adequado os três níveis.

10.3.2. No entan to, a atenção dos lingüistas se tem concentrad


concentradoo até agora
agora especi
especial
al
mente no nível histórico da técnica lingüística, vale dizer, nas línguas: a lingüística
- tanto a “tradicional” quanto a “moderna” - tem sido sido substancial
substancialmente
mente até
nossos dias a lingüística das línguas.  Mas, embora isto se justifique por especiais
necessidades da pesquisa e por objetivos didáticos, não se deve por isso ignorar a
importância dos outros dois planos: junto à lingüística das línguas  há lugar pari
uma lingüística do falar   e uma lingüística do discurso   (ou do texto),   igualmente
necessárias à compreensão efetiva da linguagem (e necessárias outrossim para se bem
entender o funcionamento das línguas).

10.4.1. A lingüís tica d o falar   deveria estudar, em primeiro lugar, a técnica univer
lingüística
sal do falar como tal1. Com efeito, se é verdade que falamos sempre conforme uma

1 Cf.
Cf. E. Co
Cose
seriu
riu,,  Determ
 Determinación
inación y entorno.
entor no. Dos problemas de una lingüística de
dell ha
hablar; 
blar;
“Romanistisches Jahrbuch”, V, 1955-56, p. 29-54 (e agora também in Teoría del lenguaje y  
lingüística general, Madrid 1972 3.a edición, p. 282-323). Há tradução do livro para português a
cargo da Editora Presença, Rio de Janeiro, 1979.
 

CRIATIVIDADE E TÉCNICA LINGÜfSTICA   95

determinada técnica histórica, não é menos verdade-que falamos também (e princi


 palm
 pa lmen
ente
te)) segundo
segu ndo u m a técn
té cnic
icaa uni
univers
versal,
al, po
porq
rque
ue no falar
fala r nã
nãoo ususam
amos
os ape
apenas
nas da
língua (o “ saber idiomático” ), mas também também,, certas possibilida
possibilidadesdes uni
univers
versais
ais da lin
guagem (p. ex., a entoação), de certas possibilidades expressivas não “lingüísticas”
(mímica, gestos), bem como de certos princípios do pensar válidos para a humanida
de em geral e a permanente referência a fatos não lingüísticos: contextos objetivos,
situações, conhecim
conh ecimentoento geral
geral do “ mu mundo”
ndo” . AlAlguns
guns desse
dessess aspectos podem ser ser,, em
 part
 pa rte,
e, “ hi
histó
stóric
ricos
os”” ; é o que acoacontntec
ecee com
co m o uso de ce cert
rtos
os.g.ges
esto
toss que pode
po de co
corre
rres
s
 pond
 po nder
er à tradi
tra diçã
çãoo de dete
de term
rmininad
adaa com
co m un
unididad
ade,
e, e, ain
ainda
da pa
parara fins de uumm a co
comm unic
un ica
a
ção efetiva e completa com indivíduos de outras comunidades, pode ser interessante

fazer o de
medida levantamento dos Mas
sua utilização. gestos
comquefreqüência
se usam senuma
tratacomunidade e estabelecer
de fatos efetivamente “unia
versai
versais”
s” . E, como
com o qu
quer
er que seja, a possibilidad
possibilidadee de utilização de tais fatos
fato s no falar é
uma possibilidade
possibilidade “universal”
“universal” .

10.4.2. Assim
Assim também os con
contex
textos
tos ex
extralingü
tralingüísticos
ísticos a que se faz alusão
alusão (implí
(im plí
cita) no falar podem ser de validade ampla ou limitada, mas a sua utilização e o
saberr utilizá-los pertencem à técnica
sabe técnica uuniver
niversal
sal da linguage
linguagem.
m. Certos context
con textos
os va
lem (virtualmente, pelo menos) para toda a humanidade: assim o contexto geral da
experiênci
exper iênciaa do mundo
mund o e de sua “ normalidade” . Todos dize dizemos,
mos, por exemplo,
Saímos de casa  (e expressões equivalentes em outras línguas), pressupondo que se

 po
 pode
de
 perceb
 per sair,
cebem osque
emos “fooara”
“f ra ”p oum
rta
rt a baru
nãorulh
ba está
esotáe tran
lho trpens
peanca
cada
nsamda,
amos, :que
os:  A
 Alg uco
lgucont
émntin
inua
ua haven
passa hav
n
na endo
do  pressupondo
a rua, um “ fo
fora
ra”” . que
Ou
a rua continua existindo e que o mundo não sofreu, entretanto, mudança radical.
Todos dizemos o sol brilha no céu,   sem que tenh tenhamamosos necessidade de aclarar a que
 sol   e a que céu  fazemos alusão, porque em nosso contexto “natural” conhecemos
um único sol e um único céu: não é que se trate de nomes próprios, mas sim de
nomes comuns individualizados mediante o contexto “natural”. Analogamente,
num contexto muito mais limitado, o rio  poderá designar sem ambigüidade o rio
que passa pela nossa
nossa cidade, por exemplo.
O mesmo poderá dizer-se, mutatis mutandis,  dos contextos culturais. Em
diversas comunidades do mundo se sabe que neste momento e já há bastante tempo
há um só papa: por isso o papa, sem ser ser nome pprópróprio,
rio, é uma expressão individuali
zada graças a um contexto (praticamente) universal, tal como o dou tor, o farmacêu-
tico  podem sê-lo em contextos bem mais limitados, por exemplo numa povoação
onde haja um único médico e um só farmacêutico.

10.4.3. Por outr


o utroo lado, com
comoo já dissemos,
dissemos, o estud
estudoo da técnica unive
universal
rsal também é
necessário para determinar com exatidão o funcionamento das línguas, porquanto
no falar a técnica universal e a técnica histórica se entrelaçam e completam recipro
camente, amiúde até obrigatoriamente. Assim, ao dizer, em italiano,  Mi lavo le 
mani,  não há necessidade de precisar que se trata
tra ta das minh
minhas
as mãos: indico que a
 

96 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

ação se refere a mim, mesmo através do emprego do m i   reflexivo, com valor de


complemento indireto; e —salvo se se deseja insistir na oposição às mãos de outrem
- não se ddiziz  Lavo le mimiee m an í   Em iingl
nglês,
ês, no entan
en tanto,
to, se ddiz
iz / wa sh m y hands,  com
wash
explícita
exp lícita indicação da “ possessivida
possessividade”de” . E em portugu
por tuguêsês se diz apenas lavo
lavo asmão s  
que, traduzido literalmente, vale o it. “l “lavo man í":  a explicitação não é necessária
avo le maní":
se o que se lava, se enxuga, se limpa, etc. faz parte (do corpo) do agente. A
utilização dos fatos contextuáis —no caso presente, duma relação entre o agente e o
 próp
 pr óprio
rio co
corp
rpoo —, ssee realiza
rea liza,, ppois,
ois, de ma
manei
neira
ra di
dife
fere
rent
ntee nas três líng
línguas
uas..
Os fatos deste tipo não foram, até agora, suficientemente estudados e, por*
tanto, uma das dificuldades não só teóricas, mas também práticas (no ensino das
línguas estrangeiras) consiste no indicar em que medida é possível (ou  se deve) de ve)  
recorrer a relações e fatos extralingüísticos no fal falar
ar ou esc
escrev
rever
er determinada língua
língua..
10.4.4 . O mesmo ssee há de dizer das referências a deter
10.4.4. determin
minadas
adas tradiç
tradições
ões cultura
culturais,
is,
referências freqüentes e “usuais” —ainda que não obrigatórias —no falar de qual
quer comunidade. Por exemplo, as referências a certa mitologia são próprias da
cultura grega e latina, razão por que se torna indispensável conhecer essa mitologia
 para co
com
m pr
pree
eend
nder
er de manei
ma neira
ra ad
adeq
equa
uada
da os text
te xtoo s greg
gregos
os e latin
lat inos
os.. É certo
ce rto que se
trata de aspectos sobretudo filológicos, que dizem respeito a textos típicos de
determinadas culturas,  mas em parte se trata também de fatos característicos de
textos em línguas  determinadas e, em suma, de fatos que dizem respeito ao uso
dessas línguas. É, certamente, oportuno distinguir os fatos filológicos dos propria
mente lingüísticos, porém é outrossim necessário especificar quais são as possibilida
des e os limites do uso de fatos culturais extralingüísticos no falar correspondente a
uma língua determinada e num momento, também determinado, da sua história.

10.5.1. Estas considerações


considerações nos levam
levam a ou
outros
tros problem
problemas
as —também m muito
uito imp
impor
or
tantes,
tante s, do po
ponto
nto de vista prático
prá tico —,
—, que dizem respeito ao nível técnico
técn ico individual e
que, por iss
isso,
o, deveria
deveriam
m ser
ser objeto da “lingüística do dis
discurso”
curso” ou “ do te xto ” .
A lingüística do texto está representada na pesquisa glotológica atual, ainda
que parcialmente, pela estilística dita “crítica estilística” ou “estilística da  pa
 paro role ".  
le".
A “crítica semântica” de Pagliaro2 leva ainda melhor em conta o mesmo nível e não
apenas do ponto de vista estilístico, mas também em relação a outros aspectos
concernentes à interpretação de todo tipo de texto (mesmo que se trate de um
texto jurídico, econômico, etc., sem que seja, portanto, necessariamente um texto
literário  str
 strict
icto sen su).   Em geral, porém, a lingüística do texto se acha pouco
o sensu).
desenvolvida e muitos dos seus problema^ não se estudam ou não são sequer identi
ficados como tais. Isto fica patente, entre outros indícios, na dificuldade em que
quase sempre se encontram os professores de língua estrangeira a quem se apresenta
um problema geral estreitamente ligado a essa lingüística: o problema da tradução.1
tradução. 1

1  Veja-se
Veja-se 4.4
4.4.4.
.4.1.
1.
 

CRIATIVIDADE E TÉCNICA LINGÜISTICA 97

10.5.2. Com efeito, o que se traduz?


traduz? Não se pode,
pod e, certa
certame
mente,
nte, transpor
transp or uma
língua para outra na doce ilusão de que o fato se esgota na simples passagem da
gramática e do léxico da língua A para uma língua B, uma vez que o que se traduz
não é simplesmente “língua” mas sempre um texto determinado. No entanto,
quando se estudam a gramática e o léxico de uma língua estrangeira, a comparação
se faz, no melhor dos casos, no nível das línguas e, com os resultados dessa compa-
ração, o tradutor deve enfrentar um probjema que, obviamente, não pode superar
em tais condições: o problema de fazer que um texto numa língua x corresponda a
outro texto na sua própria língua (ou ao revé
revés)
s)..

10.5.3. Tomemos,
Tomem os, para exem
exemplo,
plo, as chamadas expressões idiomáticas, isto é, as as
expressões semánticamente “inanalisáveis” (vale dizer, cujo valor global não corres-
 po ndee à som
 pond somaa dos
do s valor
valoreses de líng
lí nguaua dos seus elemel emen ento
tos)
s) e que,
qu e, por
po r conseq
con seqüêüênc
ncia,
ia, se
traduzem por inteiro, como se fossem textos ou fragmentos de textos. Pois bem,
também o italiano  M i dispia ce   (port. Tenho pena), usado como “texto” autônomo
dispiace
e tomado em sentido absoluto, deve ser traduzido desta maneira e corresponde, por
exemplo, em alemão, a  Es t u t m ir leid,  e a  I am sorry, sorr y,  em inglês. Entretanto, está
claro que  Mi dispiace
disp iace   não é em italiano uma expressão que não admite análise,
como, por exemplo, in quattro e qua ttr ’o tto tt o   (port. num abrir abrir e fech ar d ’olhos)  ou
tagliare la corda  (port. " safar -se”, “ir-se embora”),   que não valem pelo que signi-
 safar-se
ficam literalmente, mas sim como um todo e só podem ser traduzidas por expres-
sões globais de valor análogo (assim, por exemplo, a tagliare la corda —ou a levare 
le tende   — pode corresponder em espanhol espanhol tomar las de Villadiego,  que ao pé da
letra significa em italiano “prendere quelle di Villadiego”):  M dispia ce   só se torna
 Mii dispiace
expressão idiomática no momento da sua tradução porque não é passível de análise
do ponto de vista de outras línguas, como o alemão e o inglês. Ao contrário, do
 pon
 p onto
to de vista do própr ó prio
pr io italia
ita liano
no,, a exp
expres
ressão
são re repr
pres
esenenta
ta tã
tãoo so
somm en
ente
te um uso do
verbo dispiacere,  de modo que, se a tradução fosse feita no nível da língua, te-
ríamos como correspondências o alemão  Es m is isfa lltt m ir   c o inglês  I dislike
fall disl ike it ,  
 porq
 po rqua
uant
ntoo nest
ne stee nível
nív el (e em o u tro tr o s text
te xtos
os)) o italia
ita liano
no dispiacere  vale, com efeito, o
mesmo que o alemão misfallen   e o inglês to dislike   (este último dito da pessoa a
quem alguma coisa desagrada).

10.5.4. Além disso,disso, o trad


traduto
uto r deve
deve saber, não apen
apenas
as com o se
se traduz
trad uz aquilo que
efetivamente se traduz, mas também que expressões, em certos casos, não devem ser
traduzidas (ou,
(o u, ao contrário
contr ário devem sser
er acres
acrescida
cidas).
s). Tomemos
Tome mos o seguinte exemplo: se se
num texto italiano, encontramos com excessiva freqüência grazie, prego, pre go,   poderemos
concluir que esse texto foi traduzido do alemão, porque os italianos, sem dúvida,
usam  grazi
 graziee  e  prego   em determinadas circunstâncias, mas não com a mesma fre-
qüência dos alemalemães.
ães. Se um italiano entra num
numaa loja
loja e compra
com pra algo, dificilmente
dificilmente ele
ele
dirá ao empregado que lhe vendeu a mercadoria —como faz o freguês alemão — 
Grazie: o   normal é exatamente o contrário. Traduzindo uma passagem em que se
 

98 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

narra mais ou menos essa situação, deveremos juntar um danke schõn se aversão é
do italiano ao alemão; se ocorrer o inverso, omitiremos a expressão de agradeci
mento.
I

10.5.5. O problema da tradução,


10.5.5. traduçã o, como facilmente se pode deduzir destas conside
rações, é um problema de lingüística do texto: ao traduzir devemos indagar o que e
como diríamos, nessa mesma situação, na outra língua, ou melhor, na outra comu
nidade lingüística, caracterizada, entre outras coisas, por tradições culturais diferen
tes das nossas.

10.6.1. De resto,
resto , a distinção
distin ção entre
en tre os três níveis da linguagem acima delimitado
delim itadoss — 
o do falar em geral,
geral, o da líng
língua
ua e o do te text
xtoo — deve ser feita
feita também
també m para as
disciplinas lingüísticas parciais (incluída também a gramática), uma ve¿ que as
tarefas dessas disciplinas são diferentes consoante o nível a que se referem. Destarte,
a gramática concernente
concern ente aos nossos
nossos três níveis será, res
respectivamente:
pectivamente: gram ática geral  
 gramática
(não “gramática universal” —de todas as línguas —, coisa impossível e absurda, mas
sim teoria-gramatical: gramática cujo propósito consiste em definir as categorias
verbais
verba is — “ partes do discurso
discurso”” —, e as categorias, aass funções e os pro
proced
cedim
imento
entoss
gramaticais), gra
 gramát
mática
ica descrit iva   (dessa ou daquela língua em particular) e análise 
des critiva
 grama
 gra matica l  (de deter
tical  determinado
minado tex to).

10.6.2. A gramática geral,


geral, cocorret
rretam
amenente
te ent
entend
endida
ida,, concern
concernee ao falar em gerageral,l,
 po rquee nã
 porqu nãoo se pode
po de defini
def inirr verb
ve rbo,
o, subs
su bsta
tant
ntiv
ivo,
o, ad
adjet
jetiv
ivo,
o, etc.
et c. em rel
relaçã
açãoo a um a
determinada língua. Toda definição, com efeito, refere-se a uma categoria universal,
a uma possibilidade da linguagem independente dessa ou daquela língua (ainda
quando apareça em certas línguas e falte noutras). No que tange a uma língua
determinada, poderem os apenas diz dizer
er se certa categoria ssee acha ou não representada
nela e, em caso afirmativo, precisar-lhe as funções e descrever o esquema material da
sua expressão: contrariamente ao que sustentam muitos estruturalistas norte-ameri
canos (bloomfieldianos), é absurdo querer definir, por exemplo, “o adjetivo em
inglês”, porquanto no momento em que ele se define como “adjetivo”, a definição
se estende a qualquer língua que possua adjetivo. É certo, pelo contrário, que

devemos
existe nessa língua:descrever 
também a um
uma a  língua
— não determinada
definir! — “orefere-se,
adjetivo em
comiingl
nglés”
és” , sea ogramática
efeito, adjetivo
descritiva, cujo objetivo, entre outras coisas é “descrever” as categorias verbais
 própri
 pró prias
as dess
dessaa língu
lín gua,
a, vale diz
dizer,
er, iden
id entif
tifica
icarr essas cat
catego
egorias
rias e es
estab
tabele
elecer
cer os eesq
sque
ue
mas materiais da sua expressão (operações, de resto, interdependentes). Enfim, em
relação ao texto, a tarefa da gramática é a análise gramatical, isto é, a identificação
das funções
funções gramaticais
gramaticais efetivamente express
expressas as num tex
texto.
to. Com efeito, muitas ve veze
zess
as funções gramaticais só podem ser identificadas no nível do texto, ou, então,
apresentam aspectos e matizes justificáveis só em razão de determinado texto.
Ocorre isto, em parte, por ser possível uma coincidência parcial entre esquemas
materiais dc diferentes categorias (p. exemplo, substantivo e adjetivo em: o sábio
 

CRIATIVIDADE E TÉCNICA LINGÜISTICA 99

 fran cé s),,  em
 fr an cés) parte porque certas determinações gramaticais podem estar dadas im
 plic
 pl icita
itamm en
ente
te,, graças
graç as aos “ c on text
te xtoo s” (cf.
(c f. 10.4
10 .4,2
,2.).
.).

10.7. Sobretudo, porém, a distinção dos três níveis da linguagem é importante e


racionalmente necessária porque a esses três níveis correspondem também trêá ní
veis de funcionalidade, três estratos do significar ou tipos de “conteúdo” lingüís
tico: a designação,  o  sign
 signific ado   e o  se
ificado  sent
ntid
idoo   (estratos que, é óbvio, nos fextos se
apresentam
apresent am simultaneamente).

10.7.1. A' designação   é a referência à “ realidade” , isto é, a relação cada vez det
deter
er
minada
min ada eentre
ntre uma expressão lingüística e um “ estad
estadoo de coisas
coisas”” , en
entre
tre signo
signo e
“coisa” designada. A designação pode corresponder a um significado de língua (que
representa sua possibilidade), mas pode também não corresponder a ele e ser “meta
fórica . Assim,
Assim, ao ao ver um pr preto
eto na rua, pode-s
pode-see dizer de brincadeira Guarda un  
 p o ’quel
qu el bi
bion
ondi no   (port. Veja o lourinhó),  e neste caso biondino   está aqui como
dino
desig
des igna
nação
ção ddee um “ preto”
preto ” , embora no italiano não si
signi
gnifiq
fique
ue “ preto ” .

10.7.2. O  signifi cado é o  conteúdo de um signo ou de uma expressão enquanto


 significado
dado numa determinada língua e exclusivamente através dessa mesma língua: por
exemplo, no caso de biondino  (port. lourinho), o conteúdo que quem sabe italiano
entende como possibilidade de designação deste significante (ainda fora de seu
emprego
existir) emconcreto) e que pode ser parcialmente diferente (ou simplesmente não
outras línguas.

10.7.3. O  se  sent


ntid o é o conteúdo próprio de um texto, o que o texto exprime além e
ido
através da designação c do significado. Damo-nos facilmente conta desse estrato do
significar nos casos em que, até no dia a dia, compreendendo ao pé da letra palavras
e frases, nos perguntamos o que se quis dizer: com efeito, indagamos alguma coisa
além do significado e da designação e alguma coisa de diferente desses conteúdos.
Perguntamo-nos justamente qual é o “sentido” (a intenção, o propósito, as implica
ções, etc.) daquilo que ““lingüísticamente”
lingüísticamente” , isto é, segundo os cânones da língua e
do falar
falar em gergeral,
al, já tínham
tínhamos os interpretado. Po
Porr exemplo, uma piada, sobre sobre ter o seseuu
“ signific
significado”
ado” , isto é, além do significado que tem cada palavra e cad cadaa oração dedela,
la,
tem também um sentido particular, cujo entendimento se faz necessário para com
 preen
 pre endê
dê-la
-la;; e “ piad
pi ada”
a” ( o fato
fa to de um disc
discurs
ursoo co ns
nsti
titu
tuir
ir “ pia
piada
da”” ) é, por
po r su
suaa vez, um
“sentido”.

10.7.4. Com o sentidsentidoo se


se rel
relaciona
aciona também a importâ
imp ortância
ncia particular
partic ular que
que a lingüís
tica do texto tem com respeito às conexões entre a teoria da linguagem e a da
literatura. Com efeito, o plano do sentido é, por assim dizer, duplamente semiótico,
 porq
 po rque
ue nele um signific
sign ificant
antee e um signific
sign ificado
ado de língu
lín guaa co
cons
nstit
titue
uem
m u m a pr
prim
imei
eira
ra
série de relações, seguida de outra série, em que o significado de língua passa, por
sua vez,
vez, a ser ‘‘signifi
significante’
cante’ para o conconteúd
teúdoo do tex to ou “ sentido” . Os signi
significad
ficados
os
 

10 0 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

lingüísticos (e o que eles designam) constituem a parte material do texto ou da obra


literária
literária sendo a parte material, o “ significante” , ddee um o utro utr o signo
signo cujo
cujo ‘si
‘signi
gnifi
fi
cado’ é o sentido do texto. Por conseguinte, tudo o que de urna obra se entende
imediatamente, através dos signos lingüísticos, do ponto de vista do texto, não
 passa da peperce
rcepç
pção
ão de um signif sig nifica
icante
nte:: Manzo
Ma nzoni
ni não
nã o fala de   Dom Abbondio, do  
Innominato, de   Perpetua, mas com. mediante   Dom Abbondio, o Innominato, Per
 petu
 pe tua,
a, e nq u an to  sím bolos
bo los,,  fala de outra coisa, que ó o  sentido do seu romance.
O plano do sentido e o do significado são sempre diferentes, mas, assim como
o significado pode coincidir com a designação (cf. 11.1.4), o sentido pode coincidir
com o significado. Neste caso, o sentido do texto é tão somente comunicativo,
informativo, em pírico ou “vital
informativo, “vital”” , e não artístico ou literário
literário (“ simbóli
simbólico”).
co”). De
resto, há também formas de “literatura” em que os fatos significados e designados
sãoo “ vitai
sã vitais”
s” ; com o, por exem plo, o romance
rom ance policial
policial que , exceto os casos
casos em que se
eleva à literatura artística, nos interessa, em sentido prático, pelos próprios fatos
que narra, e não como criação simbólica. O romance policial interesse pelos
acontecimentos e suas conexões, embora tais ocorrências sejam freqüentemente
apresentadas pelo autor segundo um esquema determinado que torna menos fácil
ou mais imprevisível
imprevisível a “ solução” , isto
isto é, menòs
menò s evidente a conexão dos “ fatos” :
quer dizer que interessa da mesma maneira uma narração de fatos efetivamente
ocorridos, quando indagamos O que aconteceu?, embora não deixando de levar em
conta a eventualidade de que o narrador possa dar-nos uma interpretação sua,

ressaltando
um texto de esta
certaoumaneira
aquela “literário”
particularidade, ou, em outras palavras, oferecendo-nos
O plano do sentido é, portanto, importantíssimo e deveria ser estudado pelos
lingüistas muito mais do que o fazem atualmente. Infelizmente, de uma lingüística
do sentido só se vêem por enquanto delineadas as intenções.
 

A Língua Funcional
11.0.1. Passemos
Passemos agora a exam inar mais
mais de perto
pe rto o objeto tradicional
tradic ional da lingüís
tica, isto é, o plano histórico da linguagem. Este plano pode ser identificado, como
vimos, com o plano das línguas, das tradições técnicas, historicamente determina
das, da linguagem de certas comunidades. Constitui aspecto fundamental da lingua
gem o manifestar-se
manifestar-se ela sempre como língua: co conq
nqua
uanto
nto criação, isto é, produ
produção
ção
contín ua de ele
elementos
mentos novo
novos,
s, e,
e, po rtanto , nes
neste
te sentido, “ liber
liberdade”
dade” , por outro
lado, a lingua
linguage
gem
m é, ao mesmo tempo, “historicidade”
“h istoricidade” , técnica histórica e tradição,
vínculo com outros falantes presentes e passados. Em suma, solidariedade com a
história atual e com a história anterior da comunidade dos falantes. Este fato tão
característico da linguagem foi com muita nitidez enunciado porGiovanni Gentile,
no breve capítulo dedicado à linguagem do seu Sumário de pedagogia,
pedagogia,  onde, depois
de haver falado da liberdade da linguagem
linguagem como criação, acrescenta: “ En tão que r
dizer que em vez de escrivaninha  (tavolino) posso dizer caneta {penna)\  Abstrata
mente, sim, mas
mas concretamen te não; porque
porqu e eu que
que ffalo
alo tenho
tenh o uma história por
po r
trás de mim, ou me lhor dizen
dizendo,
do, d entro de mim e sou eu mesmo esta história: por
isso é que digo e devo só dizer escrivaninha , e não outra coisa”.1

 Não se tra
tr a ta p o rtan
rt an to de uma
um a lim itaçã
ita ção
o da libe
liberdad
rdadee (com
(c om o vez p or o u tr
traa se
 pen sa), mas da di
 pensa), dime
mensã
nsão o histó
his tóric
ricaa da linguagem,
lingua gem, que coinci
coi ncide
de co
com
m a pró
p rópr
pria
ia hi
histsto
o
ricidade do homem. Aliás, a liberdade humana não é arbítrio individual, é liberdade
histórica e, como quer que seja, seja, a língua não ssee “impõe” ao indivíduo (embora is isso
so
frequentem ente ssee costume dizer):dizer): o indivíduo dispõe   dela para manifestar sua li-

1 G. G Gen
enti
tile
le,, Sommario di pedagog
pedagogia
ia,, I, Sansoni, Firenze, 5.a ed., 1954, p. 65. Veja-se
E. Coseriu,  Der Mensch undun d sein Sprache, in “Ursprung und Wesen des Menschen” (Tübingen,
seinee Sprache, in
1968), agora em trad. esp. em E. Coseriu,  El hombre lenguaje,   Madrid, Gredos, 1977,
hombr e y su lenguaje,
 p.
 p. 32.
32.
 

102 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

 be rdade
 berda de de expres
exp ressão
são.. E es
esta
ta lib
liber
erda
dade
de é quase ilim
ili m ita
itada
da no pl
plan
anoo do te x to , onde
on de
os sentidos, embora não os significados, podem ser e realmente  são  sempre novos.

11.0.2. O plano histórico,


11.0.2. histó rico, está claro, é o plano dos “ significa
significados”
dos” , das “ funções
funções
de língua” . En tretanto
treta nto,, para especifi
especificar
car o âmb
âmbito
ito próprio
próp rio de ta
tais
is funções a “ lín 
gua funcional” (língua que funciona diretamente nos “discursos”) —, toma-se ne
cessár
ces sário
io percorrer
perco rrer um longo caminho e distinguir
distinguir entre: 1) conhecimen
conhe cimento to da língua
e conhecim
conh ecim ento das “ coisa
coisas”
s” ; 2) linguágem e metalingu
metalinguagem;
agem; 3) sincronia
sincron ia e didia-
a-
cronia; 4) técnica livr
livree e “discurso
“discurso repetido
repetido”” ; 5) “ arquitetura” e “ estrutura ” da
língua (ou língua histórica e língua funcional).

11.1.1. Em primeiro lugar


11.1.1. lugar,, o plano do saber histórico não conté
contém
m só fatos lin
güísticos mas também outras tradições, relacionadas, estas, com as “coisas”, vale*
dizer, com o mundo extralingüística. Para identificar o saber propriamente lingüís
tico e estabelecer o que é a descrição da língua como tal, devemos pois fazer uma
distinção preliminar entre conhecimento das coisas e saber idiomático. Com efeito,
o conhecimento das “coisas” (incluindo as idéias e opiniões sobre as “coisas”) mui
tas vezes é confundido com o saber lingüístico (ou, pelo menos, não é distinguido
dele). Assim, por exemplo. Charles Bally, retomando o conceito de ‘associação’ de
F. de Saussure, afirma2 que a palavra b o e u f  “boi”
  “boi” vem associada em francés não só
a vache, taureau, veau  (“vaca”, “touro”, “bezerro”) e a comes, ruminer, beugler  
(“chifres”, “ruminar”, “mugir”), mas também a labour, charme, joug   (“aradura”,
“arado”, “canga”), e que ‘pode evocar, e evoca em francês ’ idéias de ‘força, resis
tência, trabalho paciente’ mas também de ‘lentidão, tardeza, passividade’. A tais
associações e idéias corresponderiam modos de dizer como me ttre la charme devant  
les boeufs   (cf. em italiano o modo análogo pelo "sentido”, embora literalmente di
verso: me tiere il car
carro
ro innanzi ai buoi), il est un b o e u f pou r le tra
travail,, patient com- 
vail
me un boeuf, lourd comme un boeuf  (‘pôr   (‘pôr o carro adiante dos bois’, ‘trabalha que
nem um boi’, ‘paciente como um boi’, etc.).
Ora, cabe perguntar-se se essas associações são todas do mesmo tipo e se todas
são “francesas” (isto é, fatos de língua   francesa). Sem dúvida, a resposta será afir
mativa no que tange às associações de b o e u f  com  com vache, taureau, veau.  Neste sen
tido as “associações” eram diferentes, por exemplo, em latim, onde bos   podia ser
aplicado ao macho e à fêmea e significava “boi” e “vaca” concomitantemente, en
quanto vacca só se aplicava à fêmea. Também de modo diferente do francês procede
o italiano, porque tem vacca  e mueca,   enquanto"b francês só possui vache  e, por
exemplo, a carne pode ser em italiano, conforme as circunstâncias, de manz,o ou de
bu e   (e ainda de vacca, de vitellone),   ao passo que em francês se diz normalmente
viande de boeuf.   Ao contrário, a associação de b o e u f  com
 com charme, por exemplo, é
na realidade associação da “coisa” real “boi” com o arado (também enquanto

’ Charles Ba
Bally,
lly, em “Le
“ Le Français Modeme
Mo deme”” , • jl. VIII, 1940, p.
p. 19
195.
5.
 

A LÍNGUA FUNCIONAL   103

“coisa”), e não é exclusiva da língua francesa (nem de nenhuma língua), e sim de


uma ampla comunidade que tem do boi a experiência análoga (com efeito, a mesma
associação se encontra na Itália, na Espanha, na Alemanha, etc.), enquanto, nas
comunidades em que há outra experiência real do boi, o animal estará associauo,
 por
 p or ex
exem
empl
ploo ao temp
te mplo lo,, aos sac
sacrif
rifíci
ícios,
os, a valore
valoress religiosos e sacram
sac rament
entais
ais,, co
como
mo
se dá na índia ou no Egito antigo. Quanto às idéias de resistência, trabalho paciente,
tardeza etc., não há dúvida de que também elas dizem respeito ao próprio “boi” e
não à palavra b o e u f :  essas associações seriam totalmente diferentes se tivéssemos
do animal o conhecimento ou a idéia de que é inteligente, preguiçoso, impaciente,
etc.

11.1.2. Uma mesma palavra


11.1.2. palavra pod
pode,
e, com efeit
efeito,
o, estimu
estimularlar diversa
diversass associaçõ
associaçõeses ou
 prod
 pr oduz
uzir
ir efei
ef eito
to ex
exat
atam
am ente
en te cont
co ntrá
rári
rioo conf
co nfor
orme
me as opiniõ
opi niões
es que
qu e p or tr
trad
adiç
ição
ão ou p or
mero acaso
acaso sese tenham formado em to m o das coi coisas
sas que ela desi
designa
gna.. Na Itália - pelo
menos dentro do âmbito de certa tradição —, se dizemos de alguém que é un merlo 
(port. melro),   entendem os que ssee trata de ppessoa
essoa não muito inteligente; o oposto
ocorre em. tcheco, pois aí, quando se diz to je kos   “é um melro”, trata-se de um
indivíduo
indiví duo mmuito
uito astu
astuto.
to. Em portugu
português,
ês, especialm
especialmente
ente no sul do Brasil
Brasil,, há já alguns
alguns
anos, corre a expressão é um cavalo aplicada a pessoa que se mostra particularmente
hábill e capacitada no seu trabalho;
hábi traba lho; em espanhol, ao cont
contrário
rário,, a mesma expressão
{es un caballo ) se aplica para alg
alguém
uém estúpido e gr
grosse
osseiro
iro no comporta
com portame mento
nto físi
físico
co
e intelectual.3 O fato não depende, é óbvio, das relações lingüísticas que, dentro
do português e do espanhol, tem o signifisignificado
cado “cavalo
“cavalo”” , porqua
por quanto
nto essas
essas relaç
relações
ões
são, entretanto, as idéias acerca do próprio cavalo. Aliás, tais idéias e opiniões cons
tituem tradições que, em geral, não coincidem com as lingüísticas, pois podem ter
limites quer mais amplos, quer mais estreitos do que uma determinada comunidade
lingüística,. Assim, as idéias que se têm do boi são mais ou menos as mesmas nas
comunidades italiana, frances
francesa,
a, espanhola, etc.

11.1.3. É certo
ce rto porém que o conh
conhecim
ecim ento das coisas
coisas e as idéias
idéias e opiniões acerca
dessas mesmas coisas justificam provérbios, locuções, modos de dizer e assim por
diante. Ora, não se pode pôr em dúvida a eficácia da expressão  p pôô r o carro dian te  
di ante
dos bois, com uma metáfora que põe logo em relevo um contexto claramente para
doxal: o car carro
ro dev
devee esta
estarr puxa
puxadodo pelos bboisois e iss
issoo só pode ocorre
oc orrerr se estiver atrás
desses
des ses mesmos bois: se antes, impediria imp ediria sua marcha
marcha,, ou, fora da me metáfor
táfora,
a, impe
diria o regular desenvolvimento de certo processo. Ao contrário, se disséssemos,
 porr exem
 po ex emplo
plo,,  p
 pôr
ôr o ffii m ant
antes
es do pr
prininci
cipi o   ou p o r o carro ant
pio antes d a casa, a expressão
es da
ou seria pouco eficaz ou seria pobre de sentido. Entretanto, é evidente que a expres
são  p
 pôô r o carro dian boi s (it. me
di an te d os bois metiere
tiere il ccar ro innanzi ai bu oi ), como a sua cor
arro
respondente francesa m ettr e la cha rruee devant les boe ufs,  deve sua força às “coisas”
charru

5 A ex
exem
empl
plif
ific
icaç
ação
ão do Autor re
restr
strin
inge
ge-s
-see aaoo sul
sul do Br
Brasil, com
comoo decl
declar
ara.
a. N
Naa ma
maio
iorr parte
parte
do país, o português coincide com a idéia que os falantes de espanhol têm do cavalo. (E.B.)
 

104
10 4 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

mesmas e a associações e idéias relativas às coisas, mas não a associações puramente


lingüísticas
lingüísticas pertencen
pertencentes
tes à língua portuguesa (ou italiana, ou francesa).
francesa).

11.1.4. Também
Tam bém as linguagens
linguagens técnicas —on
—onde de osos significados
significados coincidem com as as
designações (no sentido de que são objetivamente motivados) —pertencem à tradi
ção que se refere ao conhecime
conhec imento
nto das ““cois
coisas”
as” , e isto nã
nãoo vale
vale apenas para as lin
guagens
guag ens das ciências e das técnicas ccon
onstitu
stituída
ídass ccom
omoo tais,
ta is, senão, também
tam bém para
par a o
léxico da ci
ciência
ência e técnica populares: para tudo
tud o o que, numa tradição lingüística,
é “nomenclatura” (nomes de utensílios e suas partes, nomes de plantas ou de ani
mais no nível das espécies, etc.). Essas nomenclaturas extrapolam o saber lingüís
tico comocientífico
de saber tal, pois ou
implicam
técnico,umainda
saberque
relativo às próprias
popular. De fato, coisas, ou seja, um tipo
tais nomenclaturas não
são suficientemente familiares a todos os falantes de uma comunidade lingüística,
mas tão somente a certos grupos (nem sempre os mesmos), e, por outro lado, é
 pe rfei
 perf eita
tam
m en
ente
te possível
poss ível co
conh
nhec
ecer
er bem umaum a língua
lín gua e de
desco
sconhe
nhece
cer,
r, p o r ex
exem
empl
plo,
o, as
denominações de flores ou de peixes. Na maioria das vezes o falante comum se
limita a usar  p   nome genérico (essa flor   por essa dália, esse peixe   por esse cheme )
ou então se contenta com saber vagamente que se trata de flores ou de peixes, dei
xando aos entendidos e aos estudiosos de botânica ou de zoologia popular o conhe
cimento mais exato das “coisas” e respectivos nomes. Ao atribuir o significado le
xical às ciências das coisas45
coisas4,5 L. Bloomfield tinha, pois, razão no que diz respeito à
linguagem técnica, mas, ao mesmo tempo, se equivocava atribuindo às ciências das
coisas todo   significado lexical, isto é, considerando, em suma, todo significado
como “téc“técnico”
nico” : a definição dos
dos “sign
“ signific
ificados”
ados” dos 300.000 e tantostanto s termos da
química pertencem, sem dúvida, à química, mas não existe nenhuma ciência a que
se possa pedir a definição de significados como, por exemplo, “andar”, “trazer”,
“pedir”
“pe dir” , “q
“querer”
uerer” , que são
são conteúdos
conte údos da língua portuguesa e de mais nenhum outro out ro
saber.

11.2.1. Uma segunda


11.2.1. segunda distinção mumuito
ito impor
importante
tante,, já no âmbito do saber lingüís
lingüís
tico, é a que se põe entre linguagem  e metalinguagems . Por “metalinguagem” enten
de-s
de-see uma lin
lingua
guagem
gem cujo objeto também é uma llingu inguagem;
agem; por exemplo, o fala
falarr
das palavras, das frases. A linguagem  ou, melhor dizendo, a linguagem primária, é
linguagem cujo objeto não é por sua vez uma linguagem. Como dissemos, esta dis
tinção já se enco
encontra
ntra esboç
esboçada
ada no  De magistr
magistroo  de Santo Agostinho.
A metalinguagem, enquanto representa certo uso da linguagem, pertence ao
domínio da lingüística do falar; e neste sentido não possui nenhuma estrutura nem
se pode estruturar no nível do saber idiomático, sendo infinito. Com efeito, numa
metalinguagem
metali nguagem de base
base italiana (ou portuguesa), po r exemplo, podemos falar falar de

4 Veja-se
Veja- se 5.
5 Esta ddisti
istinção
nção já foi
foi prenunci
prenunciada
ada anterio
anteriormente
rmente em 1.5
1.5.3.
.3.
 

A LINGUA f u n c i o n a l 105

todas as línguas do mundo, incluindo o próprio italiano, e até de línguas imaginá


rias, e podemos referir-nos, a nosso bel-prazer, ou a expressões e palavras inteiras,
ou a cada uma de suas partes. Destarte, podemos dizer “a lb r o ” é uma pal palavr
avra
a ita-
liana
liana,, enqu anto “orb aco”
ac o” è um
uma a pala
palavra
vra dialetal 
dia letal 6
6;; zione é um sufix o m uito
uit o usado, 
"k alt” em alemã
alemão o signif
significa
ica "fri o ”\  “ing 
ing ””, em inglês, é um sufixo, “Hampr” é uma  uma  
 palavra inve
in venta
ntada
da,, etc.

11.2.2. Certas dificuldades da teo ria lingüística


lingüístic a dev
devem-s
em-see à confusão
confu são (ou à não dis
dis
tinção) entre linguagem primária e metalinguagem. Assim, uma das dificuldades que
se encontra na definição de “palavra” —dificuldade, aliás, mais aparente que real — 
reside no fato de que se quer defini-la na linguagem primária e, ao mesmo tempo,
na metalinguagem. Ora, isso é simplesmente impossível, porque na metalinguagem
(inclusive na metalinguagem usada junto com a linguagem primária, no falar cor
rente) todo e qualquer segmento de uma palavra pode tomar-se “palavra”. Se, por
exemplo, acerca de algo digo que é amarelo,
amarelo,   pod e um in terlocu lor corrig
corrigir-
ir-me
me ju n 
tando apena
apenass “-lã
“-lão”
o” , isto é, trata
tratando
ndo o sufixo
sufixo como um a palavr
palavraa da mesma
mesma natu
reza que amarelo.
amarelo.   Ou ainda: se se,, por engan
engano,
o, profiro, em itali
italiano,
ano, le casa 
casa  (port. as
as  
casa),   e o rtteu
casa), rtteu int
interl
erloc
ocuto
uto r me corrige
corrige diz
dizendo
endo “ -e” , isto é, indicando
indican do a desi
desi--
nência necessária para formar o plural de casa, casa,   também esse "e” é  é  uma palavra (e
até uma oração), da metali
metalinguage
nguagem. m. naturalm ente.

11.2.3.
11.2.3. Po r motivos análogo
análogos,
s, essa
essa mesma distinção tem importância particular
também para a gramática. Por exemplo, é erro assaz freqüente nas gramáticas esco
lares asseverar que todas as classes de palavras podem funcionar como sujeito, até
mesmo um adjetivo, porque se pode dizer "verde” é um atributo, ou atributo,  ou um advérbio,
 pois Dante
Da nte já disse o sim e o não briga
brigamm dentro de m im   (i (ill si e i no nel cap
capo
o mi ten-
dona,   Inf. VIII, 111). Ora, na realidade só uma classe de palavra pode ser sujeito:
dona,
o substantivo (como nome ou pronome). Entretanto, todas as palavras do “léxico”
 próp
 pr óprio
rio da metali
me talingu
nguage
agem
m são, ju st
stam
am e nte,
nt e, sub
substa
stanti
ntivo
vos:
s: o nome
no me de um a leletra,
tra, de
uma palavra (que pode ser adjetivo, verbo, advérbio, etc.), de uma categoria —tudo
é substantivo enquanto nomenome   de alguma coisa. E mais ainda: na metalin metalinguage
guagemm até
orações inteiras e fragmentos de palavras passam a “nomes” e “substantivos” (p.
ex., "Dizeme" é um imperativo, "di” è a primeira silaba de   “d i z e  m e e m “D “Di 

 ze m e ” há três vogais


vog ais;; "Dizeme sim” é o oposto de "Dizeme não") e
não")  e podem, por
isso, exercer o ofício de sujeito.

11.2.4. Do utra pa
11.2.4. parte,
rte, se o léxico me
metalingü
talingüístico,
ístico, por sser
er virtual e ilimitado,
ilimita do, não
é estruturável (de fato, na metalinguagem as “palavras” criam-se à vontade, no mo
mento mesmo da sua utilização), o uso da metalinguagem pode também manifestar
uma técnica própria numa determinada trad ição lingüísti
lingüística;
ca; ou seja.
seja. pode haver 

6 Trata-se de dois vocábulos usados em italiano


ital iano para ind
indicar
icar a árvore loureiro
loureiro   ou a sua
folha. (E.B.)
 

106 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

uma  gram
 gramática
ática   da metalinguagem (gramática, na realidade, muito pouco estudada,
mas que mereceria sê-lo com mais atenção). Em italiano, por exemplo, valem para
este caso certas regras relativas ao uso do artigo; diz-se “fiu fi u m e ” (rio) é um
u m substan-
tivo masculino, “are" é uma desinência de infinitivo, “piü ” (mais) e “m en o" (me- (me -
nos) form am comparati
comparativos vos (ao lado de " l ’a (o, (o , a) do nominativo singulaf’, " ia (o a) 
longo do tem a” , etc.], dissessee il fium e (o rio)
etc .], e ssee ssee dissess rio) n
 nãoão mais
mais estaríamos no âmbito
da metalinguagem, e sim da linguagem primária. Em grego grego antigo, os nomes metalin-
güísticoss são todos neutro
güístico neu tros; assim é que, ssee ò injroÇ  significa
s; assim   significa “o cavalo” , como
com o ani
mal, tò inirÇ   significa “a palavra t m rof” . Do mesmo modo, se ore sig signif
nifica
ica “quan
“qua n
do”, rò ôre passa a significar (além de “o quando”, substantivado) “a palavra Ôre”. 
O único sinal desta utilização no âmbito metalingüístico é portanto o artigo neutro,
com patente
patentess sincretismos
sincretismos quandoqua ndo a ppalav
alavra
ra de que sese trata
trat a já é de per si um neutro.

11.2.5. A descrição da língua ssee refere, nat


natura
uralm
lment
ente,
e, à linguagem
linguagem primária
primária,, e não
à metalinguagem, na medida em que esta última não é estruturável no nível do “sa
 be r id
 ber idio
iom
m át
átic
ico”
o” . Mas,
Mas, uma
um a vez que a metali
me talingu
nguage
agemm popodede ter,
te r, neste
nes te mesm
me smoo nível,
nív el,
a sua própria gramática, diferente da gramática da linguagem primária a ela corres
 p
 pon
onde
dent
nte,
e, ao desdescre
crever
ver uma
um a língu
lín guaa se dever
d everiam
iam indica
ind icarr tam
ta m bé
bémm as suas nonorm
rmas
as para
par a
o uso metaling
me talingüístic
üístico;
o; e, no nível da análise
análise gramatical do texto te xto , se deveria distin
guir a técnica da linguagem primária da técnica da metalinguagem.

11.3.1. Uma distinção essencial


essencial na linguagem
linguagem primária (mas que também se pode
estender à “gramática” da metalinguagem) é a distinção entre  sincro
 sincronia
nia  e diacronia, 
ou seja, entre a língua num dado momento do seu devenir histórico (e considerada
no seu funcionamento no falar) e a língua “através do tempo”, isto é, justamente
no seu devenir histórico. Trata-se de uma distinção bem conhecida e nela não insis
tiremos aqui7, limitando-nos a assinalar que a descrição de uma língua é, natural
mente,
me nte, “sincrónica” , no sentido
se ntido de que considera
considera a língua no seu
seu funcionamento
(e não no seu devenir histórico). Todavia, é conveniente distinguir entre estado de  
lingua real e sincronia  considerada idealmente e, por assi
assim
m dizer, “ absoluta” . Com
efeito, também no estado de língua está implícita uma dimensão diacrônica, porque
os falantes consideram certas formas e construções como antiquadas ou, ao con
trário, como recentes e, quando as usam, levam em conta esses valores para dar aos
seus discursos um sabor de arcaicidade ou modernismo. Assim, se digo em italiano
tutti si assisero,  o falante médio entende o sentido de assisero,  interpreta-o como
“ se sentaram
sentaram”” , mas
mas percebe na expressão um ar de sol
solenidade,
enidade, aquele,
aquele, justa
justam
m ente,
ente ,
que eu pretendia conferir às minhas palavras e comunicar com elas8. Sobretudo
quando uma tradição literária da língua invade a língua falada, patenteia-se a coexis-

7 Sobr
Sobree os vá
vári
rioos pr
prob
oble
lema
mass qu
quee a ddis
isti
tinç
nção
ão su
susc
scit
ita,
a, ve
veja-se E. riu, Sincronia,  
E. Coseriu,
discronia  e historia, 2.a cd., Madrid. 1973, trad. port.. Rio de Janeiro, Presença, 1979.
Comparem-se em português modos de dizer como:  sói acontecer, em que pese a. 
asstsfo no Rio [   - moro), aluguer  (por
  (por aluguel), etc. (E.B.)
 

A LINGUA f u n c i o n a l 107

tência de dois ou mais estadios no estado de língua, coexistência que, em última


análise, reflete a própria vida da língua, no seu perene intercâmbio.

11.3.2. Trata-se, aliás,


aliás, de uma diacronia
diacron ia “subjetiva” ou “diacr“diacronia
onia dos falantes”
(intuída como tal por estes mesmos) e que pode ser inteiramente diversa da dia
cronia estabelecida por um estudioso da história da língua. Em italiano, por exem
 plo,
 pl o, há quem
qu em dist
disting ue udire
ingue udire   de  sen
 sentir
tire,
e,   usando o primeiro com o valor do port.
ouvir e sentire 
sentire  com o valor do port.  se  sent
ntir 
ir   e considera o emprego de  sen sentire
tire   por
udire   como molesta novidade; outro s falantes,
udire falantes, ao con trário, empregam somente
 sent
 se ntire
ire   com os dois valores e, para estes, Ho
estes,  Ho u di dito
to un ru
rumm or
oree   (Ouvi um barulho) 
barulho) 
tem um ranço entre afetado e envelhecido. Pois bem, do ponto de vista da história
“objetiva” udire
udire   só é “antiquado” para os falantes que o não utilizam mais corren
temente e o uso de “ se  sent
ntir
iree ” por “ouvir“ não representa de fato uma novidade;
encontra-se já em Dante e data, com certeza, de época ainda mais recuada, por
quanto se encontra também em outras línguas románicas (é normal em catalão, e
regional e dialetal em espanhol), e talvez se deva a um influxo grego no latim vulgar
(“calco”), porquanto também em grego antigo aíodávopai,
aíodávopai,   “sentir” se estendia a
expensas de ócnoveiv,
ócnoveiv, “
 “ ouvi
ouvir”
r” . Entre tanto, nada d isto impo rta do pon to de vista
vista do
funcionamento da língua e da maneira de proceder dos falantes que, no fundo, são
os que
que o ddeterminam.
eterminam. Também na descrição
descrição de um estad o de língua se deverão, popor
r
tan to, levar em conta esesse
sess fatos de diacronia implícita , através
através dos quais certas di
dis
s
tinções, efetivamente cronológicas ou não, têm determinado valor funcional para

os falantes:
falantes: tod o fa to subjetivamente “diacrònico”
“d iacrònico” deverá ser descrito na sua pró
pró 
 pr ia “ sin
 pria sincro
cronia
nia”” (vale dizer,
dize r, n o seu fu
func
ncio
iona
namm ento
en to).
).

11.4.1. No estado
estado de língua “sincrónico
“sinc rónico”” é preciso distingu
distinguirir duas espécies
espécies de tra 
dição: a técnica livre 
livre  do discurso e o dis
discurs
curso
o re petido .  A técnica livre compreende
os elementos da língua e as regras “atuais” pertinentes à sua modificação e combi
nação, ou seja,
seja, aass “ palavras
palavras”” e os instrume
instru mentos
ntos e p
proc
rocedim
edim ento s lexicais
lexicais e gram
gramati
ati
cais
cais.. 0 discur
discurso
so repetido, por seu tum o, com preendepreend e tud o o que, no fal falar
ar de uma
comunidade, se repete tal e qual, como discurso já produzido ou combinação mais
ou m enos fixa, com o fragmento, longo ou cu rto, do “já falado” . As Assi m, il buon 
sim, buon  
milanese é é  um fato de técnica livre, enquanto il buon samaritano 
samaritano  (combinação já

existente como tal) é um fato de discurso repetido9. Por este prisma, um discurso
conc reto pode amiúde
amiúde ser anál
análogo
ogo a um quadro e xec utad
utado,
o, em parte, por “ collage”
collage” :
no quadro além das partes pintadas com a técnica do pintor que o compõe, po
dem-se encontrar também porções tomadas de outras telas, compostas por outros
 pintor
 pin tores.
es.

9 Em português tería moss bom menino 


teríamo menino  ao lado de bom dia,
dia , este último um discurso
repetido. (E.B.)
 

108 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

11.4.2. 0 discurso repetido pode ser de “citação” “citação ” : tom


tomada
ada de partes de textos
 —lit
 — literá
erário
rioss ou não — conhco nheci
ecido
doss com
co m o tais. Assim, se digo nel m ezzo d el cammi
camminn 
di ri
rios
ostr
tra
a vi
vita matrimo nio n on s'ha da fare,  refiro-me a textos determinados
ta,, questo matrimonio
(neste caso, de Dante e de Manzoni), a que posso aludir também variando-os em
 part
 pa rtee e dize
di zend
ndo,o, p or exem
ex empl
plo,
o, quest
questaa lezione
lezione no n s'ha da fare, nel mezzo del cam-
min di questo libro  (em certos casos, a alusão ao texto se configura, justamente,
como imitação ou parodia duma obra literária)101
literária)10 1.
Além dessas alusões a textos mais ou menos divulgados de autores conhecidos
e desconhecidos, o mesmo tipo de tradição lingüística compreende diversas outras
formas: provérbios, locuções fi fixas,
xas, mod
modosos de dizer, fórmulas tradiciona
tradicionais
is de com 
 paraç
 par açãoão - com ou sem como   (it. buono come il pane, cattivo come la peste, con-
tento come una Pasqua, ubriaco fradicio ) —, etc. Todas estas formas apresentam
um traço comum comum:: seusseus elementos não ssãoão lingüístic
lingüísticamente
amente ““estruturáveis”
estruturáveis” , porque,
porqu e,
na medida em que são fixos, não podem ser substituídos (não são “comutáveis”)
e, por conseqüência, não entram em oposições funcionais atuais. Assim, não po
deríamos dizer la Pasqua,  em lugar de una Pasqua, na expressão contento come una 
qua , nem il gatto   em tan to va la gatta
 Pasqua
 Pas ga tta al lardo  (e, mesmo que isto assim ocor
resse, tai& variações não modificariam o valor destes dizeres)11. De resto, o discurso
repetido pode obedecer a regras de língua que não vigoram mais, conter formas que
se não identificam (quem sabe hoje o que significa resta  [port. tiste | na expressão
expressão
con la lancia in resta  [port. de lança em riste]  ou qual seja o sentido de in canna 
(literalmente, em cana  em  po pover o in canna  [correspondente ao português (estar) 
vero
em extrema penúria]?) ou até pertencer a outras línguas (cf., por exemplo, em dis
cursos italianos more uxorio, ça ira  ou  s
 see lfm
lf m a d e m an
an).
).

11.4.3. Certos tipos tipo s de discurso


discurso repetido (além dos fatos que ssee prendem
prend em às lite
raturas correspondentes) são característicos de algumas comunidades e deveriam
 p
 poo rt
rtan
an to se
serr levados
levad os em consid
con sideraeração
ção de ma
manei
neira
ra especial na descriç
des crição
ão e no
n o apapren
ren
dizado das tradições lingüísticas. Assim, são característicos da comunidade lingüís
tica espanhola os chamados “refranes” (refrãos). E na comunidade lingüística ita
liana é típica a repetição de inícios de trechos de óperas líricas, como un bel di  
vedremo   (de  Ma  Madam
damee B u tte rf ly ,  de Puccini), la donna è mobile   (do  Rig
tt e rfly  R igo
o le
lett o ,  de
tto
Verdi), il cavallo scalpita  (da Cavalleria rusticana,  de Mascagni), che gélida manina 
(da  B oh em e   de Puccini), fórmulas amplamente conhecidas e usadas também por 
 Boh

10 Por exemplo,
exemplo , encontram-sc em Carlos Drummond de Andrade e ou outros
tros autores,
antigos e modernos, numerosos enxertos de trechos de Camões, como neste passo: "Confessei 
lhe. em meu saber de ignoignoran
rancias
cias fe
feit
ito,
o, que . . . " (Caminhos
(Caminhos de João Bra Brandão
ndão).).  De Camões se
 petrificaram
 petrificar am expressões como “ por mare maress nunca dantes
dan tes navegados”, “é tarde,
tard e, Inés é morta
mo rta”,
”,
“se vão da lei da morte libertando", “cesse tudo o que a antiga musa canta”, “outro valor mais
alto se levanta”, transcrições fiéis ou variantes que são freqüentes nos discursos, literários ou
não, escritos ou orais, do brasileiro escolarizado. (E.B.)
11 Seria o mesm
mesmoo que,
que , em português ocorreria com a substituição
substitu ição de gato  por o gato, 
um gato, gata,  etc. em  pass
 passou
ou pelo assunto com como o gato po r bras
brasasas..  Não mudaria de todo o.
sentido da expressão ainda quc.se dissesse como lebre por bra sas,, por exemplo. (E.B.)
brasas
 

A LINGUA f u n c i o n a l 109

aqueles que não conhecem as óperas de que fazem parte. Ñas comunidades protes
tantes (na Inglaterra, na Alemanha, na Suécia, nos Estados Unidos) está difundido
o conhecimento da Bíblia e são freqüentes as alusões a esse texto; o que já não
 pode
 po deria
ria ocor
oc orre
rerr nas comu
co munid
nidade
adess católica
cató licass onde
ond e o co
conh
nhec
ecim
imen
ento
to da B íblia
íb liaéé quase
nenhum, de modo que tais referências correriam aí o risco de passar despercebidas,
na maior parte das vezes. E na comunidade grega antiga, pelo menos na de certo
nível cultural, eram amiudadas as alusões à mitologia e a Homero.

11.4.4. Porém com


11.4.4. comoo iinserir
nserir o di
discurso
scurso repetido na descrição lingüística estrutu
estrutural
ral
e funcional, se os seus elementos, conforme se disse, não são “estruturáveis” e

fogem
 pr
 prec
ecip
ipuopordaisso
uo desacrição
uma
descriç consideração
ão es
estru
trutu rall é aestrutural?
tura técnic Poisim
téc nicaa livre; bem,
impo rta,é, patente
porta po
porém que rvar
rém,, obse o objeto
observar qu
que,e,
se os elem
elementos
entos ddoo discurs
discursoo repetid
rep etidoo análogos aos da técnica
técn ica livre
livre ( “ palavras” , ins
trumentos gramaticais) não são comutáveis, as suas combinações, ou seja, as unida-
des   deste discurso, correspondem funcionalmente à unidade de diversos níveis da
técnica livre, com os quais são comutáveis, e podem, por isso, ser considerados
como unidades “não analisáveis” da mesma técnica, nos níveis de estruturação gra
matical em que funcionam.
Deste ponto de vista certas formas do discurso repetido não pertencem de
modo algum à técnica idiomática, porquanto não eqüivalem a unidades combiná-
veis
veis dela: tais formas são aquela
aquelass que corresp
correspondem
ondem a textos
tex tos inteiros (ou a fr
frag
ag
mentos de textos de sentido completo), como as citações e os provérbios. Nestes
casos não pode haver oposições no interior da técnica idiomática, mas apenas entre
um e outro
outr o texto : na real
realidade,
idade, tra
trata-
ta-se
se de uma forma da “literatura”
“lite ratura” (tom ada aqui
em sentido amplo, incluindo também moral, ideologia, etc.), de tradições literárias
inseridas na tradição lingüística e que por isso deveriam ser estudadas pela lingüís
tica do texto e pela filologia. E, com efeito, uma disciplina filológica —a paremio-
logia ou ciência dos provérbios (do grego trapoipia   “prové“ provérbi
rbio”
o” ) - em part
partee se
ocupa desses fatos. Entretanto, há outras formas pertencentes ao mesmo tipo e que
deveriam ser estudadas mais do que na verdade o são; é o que acontece, por exem
 plo, com os chachama
madodoss wellerismos,  isto é, os modos de dizer introduzidos por - ou
acompanhados de —uma das formas seguintes ou formas equivalentes: como dizia 
aquele que, como disse o outro,  etc.12 e que por isso pretendem referir-se a uma
reação verbal de alguém numa determinada situação (mesmo que muitas vezes se
trate de reações e situações imaginárias, como, por exemplo: Que não é uma situa-
ção agradáve
agradávell não é, co mo dizia aquele a quem
que m q
quebravam
uebravam nozes na cabe
cabeça).
ça).
Outras formas de discurso repetido correspondem funcionalmente a “sin
tagmas” (combinações de palavras) da técnica livre, são comutáveis com sintagmas
(se opõem a eles) e, por isso, deveriam ser estudadas em nível sintagmático. Assim,
 porr ex
 po exem
emplo
plo,, cavá
cavárs
rsel
ela
a pe r il r otto delia cuffia  corresponde, mais ou menos, em por-1
delia por- 1

11 Chamam-se wellerismos  porque um célebre personagem de Dickens chamado Sam


Weller (em Pic
 Pickwi ck)  faz largo uso dessas expressões.
kwick)
 

110 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

tugues a “sair de uma situação perigosa com pouco ou nenhum dano”. A este mes
mo tipo pertencem rendere pan per focaccia  (port. “pagar na mesma moeda”), ve ve-- 
dersela brutta, farsi vivo, faria franca,  etc.13 Um terceiro tipo é constituído pelas
“perífrases lexicais”, que correspondem a uma só palavra da técnica livre, assim,
 p
 por
or exem
ex empl
plo,
o, o it. in quatro e quatr'otto,   equivalente a “rapidamente”, “imediata
mente” e que se opõe a adagio, lentamente,  no nível das unidades lexicais.14 Aná
logo é o caso de tagliare la corda  (port. “sumir”, “ir-se embora”), levare le tende  
(po rt. “ levantar acampam
acampamento”
ento” , “ ir-s
ir-see emb
embora”
ora” ), a mano a man   (port. “gradual
mente”), etc. Por fim, um quarto tipo funciona em nível dos morfemas, isto é, dos
instrum
inst rumento
entoss gramaticais; é o que acontece com as “ expressões de comparação
com paração””
quedefuncionam
 po
 pode como
ver em escuro morfemas de superlativo absoluto (“elativo”), conforme se
que nem breu  = escurissimo, vermelho como um camarão   = ver- 
melhissimo, mais feio que a morte   = feis
 fe issi
simm o   (cf. em italiano contento come una 
 Pasqua = co nt
nten
en tí
tíss
ssim
im o).
o) .
Os tipos segundo, terceiro e quarto aqui apontados do discurso repetido evi
denciam que ele deveria ser estudado como uma larga seção autônoma do saber
idiomático”.'

11.5.0. Como quer


q uer que seja
seja,, o ob
objeto
jeto po
porr excelência da descrição estrutural
estru tural é a
língua enquanto técnica sincrónica do discurso. Entretanto, numa língua histórica 
(língua constituída historicamente como unidade ideal e identificada como tal pelos

seus apróprios
um adjeti vo “falantes
djetivo próprio”e: pelos
línguafalantes
 portugu
 port de
uguesaoutras línguas,
,  língua
esa, habitualmente
italiana, através
  língua inglesa, de
  língua
 frances
 fran a,   etc.), esta técnica não é nunca perfeitamente homogênea. Muito ao con
cesa,
trário:
trár io: em geral
geral represen
representa ta um conj
conjun
unto
to aassa
ssazz com
complexo
plexo de
de tradições lingüísticas
historicamente conexas, mas diferentes e só em parte concordantes. Em outros ter
mos: um umaa líng
língua
ua histó
histórica
rica apresenta sempre variedade interna. Mais Mais precisamente,
precisam ente,
 podem
 po demosos nela
ne la enco
en conn trar
tr ar difere
di ferença
nçass mais ou menos
men os pr
prof
ofun
unda
dass pe
perte
rtenc
ncen
ente
tess subs
su bsta
tan
n
cialmente a três tipos: a) diferenças diatópicas, isto é, diferenças no espaço geográ
fico (do grego b i á   “através de” e rórrof “lugar”); b) diferenças diastráticas,  isto é,
diferenças entre os estratos sócio-culturais da comunidade lingüística (do gr. 6 iá e
o latim  stra
 st ra tu
tumm ); e c) diferenças diafásicas,  ou seja, diferenças entre os diversos
tipos de modalidade expressiva (do gr. 5iá e ¡pácnÇ   “expres “e xpressão”
são” ) 15. As variedades
lingüísticas que caracterizam —no mesmo estrato sócio-cultural —os grupos “bio-

13 Tais expressões ccorrespon


orresponderiam
deriam —servindo também de exemplifi
exemplificação
cação para o que se
diz aqui - às nossas "pagar na mesma moeda”moeda ” , ‘‘esta
‘‘estarr em maus lençóis” , “quem é vivovivo sempre
sempre
aparece” e "sair incólume”, respectivamente. (E.B.)
14 Seria em portug
por tuguês
uês num abrir e fechar d ’oolhos,
lhos,   equivalente a “rapidamente”, “ime
diatamente” e oposto a vagarosamente, lentamente.  (E.B.)
15 Os term
te rmos
os diatópico  e diastrático foram pela primeira vez propostos por L. Flydal,
“ Remarques sur certains rapports
rappo rts ent
entre
re le style et 1’éta
étatt de langue”
langu e” ,  Nors fo r  
 Norskk Tidsskrift for 
Sprogvidenskab,  vol.
vol. 16, 1951, p. 2240-257.
40-257. Ao adotá-los, acrescentamos o termo diáfásico para
referir-nos às diferenças ditas “estilísticas”.
 

A LÍNGUA FUNCIONAL 111

lógicos” (homens, mulheres, crianças, jovens) e os grupos profissionais podem ser


considerados
considerados como “ diaf
diafásic
ásicas”
as” .
11.5.1. É em nível de líng
11.5.1. língua
ua popular
pop ular (“ dialetal” ) que as diferenças diatópicas
diatópic as são
geralmente notórias, pois aí, de fato, nas línguas européias e especialmente em cer
tas comunidades (a italiana, francesa ou alemã) elas aparecem com mais evidência.
Entretanto, essas diferenças existem também em nível da língua comum (língua de
uso “super-regional” e hiperdialetal). Assim, na Itália, reconhece-se freqüentemente
também nesse nível a procedência dos falantes pela pronúncia, por alguns fonemas,
 porr palavras
 po palavr as e co
cons
nstru
truçõ
ções
es;; e até se vão estab
es tabel
elece
ecend
ndoo ce
certo
rtoss tip
tipos
os regionai
regionaiss de lín
lí n 
gua comum (um tipo “setentrional”, um tipo “meridional”, um tipo “central”).
Porém se trata, por ora. mais de variedade determinada pelos dialetos a eles “subja
centes” do que de variedades estáveis e autônomas do italiano comum. Mais estáveis
e, neste sentido, melhor caracterizadas são tais variedades em línguas históricas fa
ladas em diversos países, politicamente independentes e culturalmente autônomos:
é o caso do inglês, do espanhol e do português da Europa e da América. Não obs
tante a unidade da técnica fundamental dessas línguas, há entre os tipos europeus
e americanos diferenças de pronúncia, de léxico e, em parte, também de gramática,
mesmo em nível da língua comum (e literária).

11.5.2. As diferenças diastráticas são parti


11.5.2. particula
cularme
rmente
nte acentuadas
acentu adas nas comunida
com unidades
des
cm que existem grandes variedades culturais entre os diversos estratos sociais e, na
turalmente, naquelas onde há castas. Assim, por exemplo, essas diferenças eram ra
dicais
dica is na índia antiga: no antigo teat teatroro india
indianono (teat
(te atro
ro “ realista” , a esse
esse respeito),
os reis, os nobres e os sacerdotes falam sánscrito (a língua das classes superiores e
língua “culta” por excelência), enquanto os representantes das classes inferiores
(também por exemplo, os comerciantes), e as mulheres e as crianças (de todas as
classes) falam várias formas do prácrito, isto é, da língua popular. E ainda hoje são
notáveis essas diferenças em diversas comunidades da Ásia (persa, indonésia, japo
nesa). Mas também se encontram diferenças diastráticas mais ou menos profundas
nas comunidades européias, e, justamente, também naquelas em que estas diferen
ças não coincidem com as existentes entre língua comum e “dialeto” (como “lín
gua popular”). Destarte, existem um francês popular e um inglês popular (muito
diversos das formas “cultas” dessas línguas), um espanhol popular e, até certo
 p
 poo n to,
to , ta
tamm bé
bémm um italia
ita liano
no po
popu
pula
larr (c
(com
om o form
fo rmaa do italia
ita liano
no comum
com um).).
11.5.3. As diferenças diafásica
diafásicass podem ser notáveis — —segundo
segundo aass comcomunida
unidadesdes —,
—,
 porr ex
 po exem
emplplo,
o, en
entr
tree língu
lín guaa fala
falada
da e lín
língu
guaa esc
escrit
rita,
a, en
entrtree lín
língu
guaa “ us
usua
ual”
l” (alemã
(ale mãoo
Umgangssprache) e língua literária, entre o modo de faíar familiar e um modo “pú
 blico
 bli co”” (ou,
(o u, ev
even
entu
tual
alm
m ente
en te,, solene
sol ene),
), entr
en tree lingua
linguagem
gem co corrrren
ente
te e linguagem
lingu agem ce cerim
rimo
o
niosa, etc. E na língua literária podem existir diferenças sensíveis entre a poesia
(cm versos) e a prosa, entre a poesia épica e a lírica, etc. Na Itália, até há muito
 pouco
 po uco te
tem
m po e por
po r um
umaa trad
tr adiç
ição
ão próp
pr ópria
ria da poe
poesia
sia lírica
lír ica,, se usavam
usava m nenest
staa úl
últim
tima,
a,
no imperfeito, formas em -ea, -ia,  enquanto, na língua corrente, as mesmas formas
 

112 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

terminavam em eva, iva (avea, partia  por aveva, partivà), ou se usavam palavras co
mo augello, alma, que raramente se teriam usado em prosa (e nunca na língua fala
da
da).
). Som
Somente
ente nos últimos setente anos ssee alterou es essa
sa tradição e ho
hoje
je nenhum poeta
escreveria mais como Carducci, um dos últimos representantes desta tradição lin-
güístico-retórica da poesia italiana. Um caso bastante diferente é o da literatura an
tiga grega, onde as diferenças diafásicas sao muito profundas, por corresponderem
a diferenças de tipo “ diat
diatópi
ópico”
co” caracterizado
caracte rizado ras
ras dos
dos vários
vários gêneros liliterários:
terários: es-
creve-se a poesia épica em dialeto ‘"homérico” (essencialmente jônio), a lírica (poe
sia mélica) monódica em eólio, a lírica coral em dórico, enquanto a prosa, a tragé
dia e a coméd
comédiaia (ressalvadas
(ressalvadas aass partes corais) são em áático;
tico; e o pres
prestígio
tígio da tradição
tradiçã o
homérica é tamanho
tam anho,, que até a idade
idade bizantina (e(e ainda nesta) quem quer que esc escre
re
vesse poesia épica —e até, simplesmente, poesia em hexámetros —adotava, em es
sência, o dialeto homérico.

11.5.4. A estes três tipos de diferenças correspon


correspondem
dem,, em sentido contrá
con trário,
rio, (vale
(vale
dizer, no sentido da relativa homogeneidade das tradições lingüísticas), três tipos
de unidades de sistemas lingüísticos mais ou menos uniformes, ou seja, de línguas
 pert
 pe rten
ence
cent
ntes
es à mesma
mes ma língua
lín gua histór
his tóric
ica:
a: unidade
unid adess con
conside
siderad
radas
as em um só po
p o n to do
espaço ou que (praticamente) não apresentam diversidade espacial, isto é, unidades
 sintó
 sin tópic as   ou dialetos  (termo que poderá aplicar-se a todos os tipos de variedades
picas
regionais compreendidas na língua histórica, inclusive àquelas da língua comum);
unidades consideradas num só estrato sócio-cultural ou que (praticamente) não

apresentam diversidade“dialetos
diversidade deste ponto
posociais”);
nto de vista:
vista: unidades  sinstráticas
 sinstrá ticas níveis
níveis de lín -
 gua  (são os chamados e unidades de modalidade  ou expressiva, sem
diferenças diafásicas, isto é, unidades  sinfásicas   ou estilos de língua  (por exemplo:
estilo familiar, estilo literário épico, etc.).
 Neste sesenti
ntido
do,, pode-s
pode-see dize
dizerr que uma lín
língua
gua histór
his tórica
ica não é bem um sistema
sist ema
lingüístico e sim um diassistema,  um conjunto mais ou menos complexo de “dia
letos” , “ níveis”
níveis” e “estilos
“estilos de
de língua” :
letoss 
 Dialeto
 Dia
l '

/ lEstilos
íng ua de
 N
í
v Estilos de
e / língu a
i
s
\ Estilos de
/ lí n g u a
 

A Ll'NGUA funcional 113

Observe-se ainda, que, normalmente, nenhum desses “sistemas” é (mais ou


menos) homogêneo,
h omogêneo, quando considerado de um só pont pontQQ de vista:
vista: para cada dia
leto se podem estabelecer diferenças diastráticas e diafásicas (e daí níveis e estilos
de língu
lín gua);
a); para cada nível, diferenças diatópdiatópicas
icas e diafásicas
diafásicas (dialetos
(diale tos e estilos)
estilos) e
 para
 pa ra cada
cad a estil
es tilo,
o, dife
diferenç
renças
as diató
dia tópic
picas
as e dia
diastr
stráti
áticas
cas (d
(dial
ialeto
etoss e níveis).
nívei s). Outro
Ou trossi
ssim,
m,
os limites entre níveis e entre estilos de língua podem ser diferentes segundo os vá
rios dialetos, e os limites entre os estilos podem também ser diferentes conforme os
vários níveis.

11.5.5.
11.5.5. Por is
isso
so uma língua
língua histórica não po
pode
de ser descrita estrutural
estrutu ral e funcional

mente como um um   sistema lingüístico, como uma.estrutura unitária e homogénea,


simplesmente porque não o é; ao contrá rio, contém , em geral,
simplesmente geral, sistemas
sistemas lingüísticos
 bast
 ba stan
ante
te difer
di ferenc
enciad
iados
os,, às vezes não
nã o me
meno
noss dif
difere
erenc
nciad
iados
os do que
qu e ce
certa
rtass líng
l ínguas
uas his
his 
tóricas reconhecidas como tais (pense-se, por exemplo, nos dialetos italianos seten
trionais e meridionais). Por outro lado, uma descrição estrutural única de toda uma
língua histórica, sobre ser racional e empíricamente impossível, não teria nenhum
interesse prá tico
interesse tico,, uma vez qup a língu línguaa histórica “ não se fala”fala” : não é realizada,
como tal e de modo imediato, no falar, mas apenas através dessa ou daquela de suas
formas determinadas em sentido diatópico, diastrático e diafásico. Nenhuma pessoa
 pode
 po de falar (si(sim
m ulta
ul tane
neam
am ente
en te)) o ita
italia
liano
no todo
todo   ou o inglês todo,
todo,   o inglês “sem adje
tivo” ou o italiano “sem adjetivo” (por exemplo, um italiano que não seja nem tos-
cano, nem romano, nem milanês, etc., nem popular nem culto, etc., nem familiar
nem solene, etc., ou, ao cont contrário,
rário, um italiano milanés e ao mesmo mesmo tem po sici sicilian
liano,
o,
 popu
 po pu lar
la r e ao memesmsmo o tem
te m po cult
cu ltoo , fam
familia
iliarr e aò mesmo
mes mo te
temm po sol
solene
ene,, etc.)
et c.).. Sem
Semprepre
se fala uma determinada forma de italiano, nunca o  italiano, mas em todo caso um  
italiano (v. gr., o italiano comum romano de nível médio e em estilo familiar).
Uma técnica llingüística
ingüística determ inada (isto é: unitá ria e homogênea) dos três
 pon
 po n tos
to s de vist
vistaa de que se vem fal falanandodo — q u er dizdizer,
er, um só di
dial
alet
etoo em um só níve nívell
e num só est estilo
ilo de língua - ou, em outros termos, uma língua língua sin
 sintó
tópic
pica,
a, sinst
sinstráti
rática
ca  
e  sinf
 sinfásica
ásica,,  pode ser chamada língua funcional.  funcional.  O adjetivo “ funcional” encontra,
neste caso, sua justificação no fato de que somente esta língua entra efetivamente
nos discursos (ou “textos”). Num só e mesmo discurso pode, é claro, ocorrer mais
de uma língua funcional (por exemplo, num discurso narrativo, um modo de falar
do narrador e outro modo dos seus personagens, ou diversos modos de falar que
caracterizem esses mesmos personagens), mas a cada momento do discurso se apre
senta sempre e necessariamente um uma a  língua funcional determinada. O italiano, o
inglês, o francês, o português, etc., como geralmente são entendidos, não se reali
zam direta
d ireta mente
me nte nos discurso
discursoss e por isso isso não são línguas funcionais: são, a rigor, rigor,
“coleções” de línguas funcionais, enquanto uma língua funcional é uma forma
inteiramente determinada de italiano, de inglés, de francês, de português, etc. Uma
língua comum fortemente unificada e rigidamente codificada (como, por exemplo,
o francês “oficial”) aproxima-se deste conceito de língua funcional, mas não lhe
 

114 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

corresponde exatamente, porque também numa língua desse tipo há pelo menos
diferenças
diferenças “estilísticas”.
“estilísticas” .

11.6.1. O objeto
11.6.1. ob jeto pró
próprio
prio da descrição lingüística, entend
ent endida
ida como descrição
descrição es
estru
tru
tural e funcional, é, justamente, a “língua funcional” ou, repetindo mais uma vez:
um só “dialeto”, considerado em determinado “nível” e num determinado “estilo
de língua”. Isto porque só no âmbito de tal tipo de língua, e não numa língua his
tórica considerada em sua plenitude, é que tém validade, de modo não ambíguo, as
oposições, estruturas e funções que se encontram numa tradição idiomática, bem
como as suas relações sistêmicas (mesmo que uma oposição, estrutura ou função
 possa ser ccom
omum
um a várias lílíngu
nguas
as func
funciona
ionais).
is).
Ao contráno, tratando-se de uma língua histórica, a descrição estrutural de
veria ser feita separadamente por cada uma das línguas funcionais que nela se dis
tinguem:: à “ coleção
tinguem coleção”” de línguas funcionais de deveria
veria a rigor
rigor correspo
corre sponde
nderr uma “ co
co
leção” de descrições.
 Neste sent
se ntid
ido,
o, a desc
descrição
rição estr
es trut
utur
ural
al nã
nãoo pode
pod e ser apenas
apen as sinc
 sincrónic a  (como já
rónica
se admite geralmence), mas deve ser (e, na realidade, é necessariamente) também
 sintóp
 sin tópica
ica,, sins
sinstrátic a  e  sinfásica.   Quando
trática se fala de gramática estrutural do inglês
(“ do francês”
francês” , “ do italiano”
italiano” , “do pportuguês”
ortuguês” ), sempre
sempre sese entende,
enten de, com efeito, qque ue
se trata ‘de um tipo determinado de inglês’ (‘de francês’, ‘de italiano’, ‘de portu
guês’). Uma gramática estrutural “italiana” (= “do italiano”) e mesmo uma gramá
tica descrit
descritiva
iva “ do italiano” - isto é, uma de descriç
scrição
ão simultânea
simultânea de todas as as modali
dades
dad es do italiano (dialetos, níveis,
níveis, estilos de língua) - é tarefa
tarefa de tod o impo
impossí
ssível
vel..
É bem verdade qque ue na lingü
lingüística
ística estrutural
estrutura l a exigência de se limitar,
limita r, em cada caso,
à língua funcional se acha na maioria das vezes implícita. Só raramente ela se reco
nhece explícitamente. Assim, por exemplo, isto se dá com D. Jones, Z. Harris — 
que, no seu livro dedicado à lingüística estrutural, alude também, embora de forma
um tanto vaga, ao caráter unitário da língua que se descreve estruturalmente —e,
em certo sentido, com Chomsky, que, nos  As  Aspepect
ctos
os da teor
teoria
ia da sinta xe -  embora
sin taxe
se
sem
m fazer asas disti
distinções
nções que aqui propusemos - afirma afirma praticam
praticamente,
ente, com se seuu con
ceito de ‘falante-ouvinte ideal’, a necessidade científica da unidade da “língua” en
quanto objeto de descrição (mas, por outro lado, parece querer identificar tal lín
gua unitária simplesmente com a língua histórica).

11.6.2. A língua funcional tem, com comoo já se ddisse,


isse, a vantagem de ser a língua
língu a ¡me
diatamente “realizada” nos discursos (ou “textos”) e de ser homogênea (de ser pro
 priam
 pri amen
ente
te “ uma
um a ún
única
ica lín
língu
gua”
a” ). Po
Porr o u tr
traa pa
parte
rte,, poré
po rém,
m, do ângulo
ângu lo de uma descri
des cri
ção “funcional-integral” (isto é, de uma descrição que, também por exigência de
ordem prática, aspire a refletir o saber idiomático efetivo dos falantes de uma língua
histórica ou, pelo menos, de certo número de falantes reais), a língua funcional
apresenta o inconveniente de não poder ser facilmente deduzida dos textos nem
tampouco
tampo uco do falar
falar de um só indivíduo. Com efeito, embora a cada momen mo mentoto de um
texto
tex to se realize
realize uma dete
determin
rminada
ada língua funciona
funcional,l, os textos
texto s em que ocorre mais de
 

A LINGUA f u n c i o n a l   115

uma língua funcional


funcional —textos, no tocante a este aspe aspecto,
cto, “plurilingües”
“plurilingües” - , sã
sãoo fre
qüentíssimos. E, se a língua histórica não correspon corresponde,
de, por “excessi
“excessiva”
va” , ao saber
lingüístico dos falantes
falantes - porque nnormalm
ormalm ente, exc
exceto
eto o ccaso
aso de línguas históric
históricas
as
limitadas a pouquíssimas línguas funcionais (ou a uma só), nenhum falante conhece
todaa uma língua histórica
tod a língua funcional não corresponde a esseesse saber lin
güístico por “ restrita” , uma ve vezz qu
quee tod
todoo falante conhece, pepelo
lo menos até
até certo
certo
 p
 poo n to,
to , mais de um
umaa língu
lín guaa fun
funcion
cional.
al.
Assim, no que tange à variedade diátópica, um falante toscano conhece, ainda
que passivamente ou cm forma de imitação imperfeita, as características mais evi
dentes de muitas outras variedades regionais c as identifica imediatamente, por
exemplo, no teatro ou no cinema, onde tais tipos dialetais são usados com finali
dade mais humorística do que como expressão de realismo. Está claro que delimitar
quais aspectos de outras variedades dialetais são conhecidas dos falantes de determi
nada variedade é tarefa um tan
ta n to árdua; entre
en tretan
tan to, para descrever
descrever o que efetiva
efetiva
mente sabem os falantes acerca da sua língua, é necessário ilustrar também o conhe
cimento que definimos como “passivo” (porque só em circunstâncias particulares,
especialmente de imitação com propósito zombeteiro, passa também a “ativo”),
isto é, que apenas em casos determinados passa do “poder” ao “fazer”, de um saber
genérico a uma (igualmente genérica) realização. Por exemplo, a canção napolitana
e o teatro dos autores e atores napolitanos têm divulgado por toda a Itália uma
infinidade de formas napolitanas e meridionais (como capa, ’n coppa, iamm e,  
coppa , iamme,
 scètars e, piccer
 scètarse, pic cerillo
illo,, saccio, gaa
gaaglio né  [port. “cabeça” , “sobre” , “vamos” , “ acordar”
glioné acordar” ,
“p
“pequen
equeno”
o” , “ se
sei”
i” , “rapaz” ], etc.). Essa
Essass forma
formass pertenc
pertencem,
em, pelo menos “passiva
“passiva
mente”, ao “saber idiomático” de muitíssimos italianos que falam outros dialetos e
a língua comum (ou tão somente esta última) e deveriam por isso ser levadas ein
conta pela descrição desse mesmo saber.

11.6.3. Para tanto não bas


11.6.3. basta
ta a descriç
descrição
ão de dialetos isolados, pois esta não nos diz
que aspectos de um dialeto conhecem os falantes de outro   dialeto. E também não
 bast
 ba staa porq
po rque
ue quase sem
sempre
pre não
nã o se trat
tr ataa de um co
conn he
heci
cim
m en
ento
to ef
efeti
etivo
vo e e x a to de
outros dialetos, mas apenas de “linguagens de imitação” (ou “dialetos híbridos”).
Cabe recordar, neste particular, como caso típico, a imitação “errada” do
florentino (ou do toscano em geral) por parte dos falantes de outros dialetos:

trata-se, saber)
supõem na realidade, daquilo
a respeito que os falantes
do florentino. destes outrosdotipos
É característico dialetaiso sabem
florentino fenômeno (ou
da chamad
ch amadaa “gorgia” , ou se seja,
ja, a aspiração da consoa
consoante nte velar surda c  simples e
intervocálica (e menos da bilabial surda  p   e da dental surda /). O florentino tem,
 preci
 pr ecisam
samen
ente,
te, trê
trêss tipo
ti poss de c  ( = k ): um simples aspirado, intervocálico; um simples
não aspirado, depois da consoante, e um reforçado (“duplo”), ainda em início de
 palavra,
 palav ra, pe
pelo
lo co
conh
nhec
ecididoo fen
fenôm
ômenenoo de “ refo
re forç
rçoo ini
inicial
cial”” , dep
depois
ois de o x íto
ít o n o s , dep
depois
ois
de uma série de monossílabos vocálicos ou terminados em vogal (a, è, e, da, piu,  
etc.) e em alguns outros casos. Diz-se, por isso, la hasa, i hani,  mas in cas casa,a, pper casa,, 
er casa
un cañe, il cañe  (ou iccane)  e a ccasa.  Entretanto, quem imita o florentino (e o
 

116 LIÇÕES DE LINGÜÍSTICA GERAL

toscano) lhe atribui um só tipo articulatorio, o aspirado, em qualquer posição (ou,


 pel o menos,
 pelo men os, nos casos em que o c  se escreve singelo) e diz, não apenas la hasa  e
/ hani,  mas ainda in hasa, il hane, a hasa  (e até toshanol).  A este propósito, um
 jove
 jo vemm esestu
tudio
dioso
so ita
italia
liano
no (to
(tosc
scan
ano,
o, natu
na tura
ralm
lmen
ente
te)) dis
distin
tingu
guiu,
iu, com eviden
evi dente
te e nã
nãoo
injustificado desdém, uma “gorgia toscana” (autêntica) de uma “gorgia beota”
(beócia) (a dos imitadores ignorantes). Mas também os “beodos” têm suas boas
razões, porque a sua “gorgia” representa enfim uma tradição lingüística, ainda que
híbrida: ela pertence a um florentino “inexistente” como tal, mas que efetivamente
existe como modo tradicional não toscano de imitar o florentino (e o toscano em
geral). ^
Às vezes ocorre que tais formas de imitação passam a tradições literárias: é,
até certo os
enquanto ponto, o caso
diálogos do dórico que,
correspondem na tragédia ática,
substancialmente é oDe
ao ático. dialeto dos coros,
fato, este dórico
da tragédia não é o dialeto dórico, por exemplo, de Esparta, mas um dórico vindo
de tradição literária: o do gênero literário “poesia lírica coral” que, na Grécia
antiga, começou e continuou a ser composta em língua com certas características
dóricas, mas que, ao menos tanto quanto sabemos, não coincide com o dialeto de
uma determinada pol is   dórica.
 polis
Caso análogo é o que se dá com o chamado “gauchesco” da literatura
hispano-americana (em particular, argentina e uruguaia): o “gauchesco” é o modo
de falar dos  gaú
 gaúcho s,   isto é, da gente dos campos (camponeses e, sobretudo, pas
chos,
tores e vaqueiros), mas não reproduzido tal e qual, e sim estilizado sob forma lite
rária, com vocábulos, modos de dizer e construções que os gaú choss ou de fato não
 gaúcho
usam (pelo menos hoje) ou não usam com a mesma freqüência e nas mesmas
circunstâncias. E também na Itália certas características dialetais têm experimen
tado uma utilização literária numa forma que só parcialmente coincide com o
dialeto de que são deduzidas. Destarte, as expressões que Gadda16 usa para imitar
vários dialetos não reproduzem exatamente um determinado dialeto (pois além do
mais, em tal caso seriam incompreensíveis), mas o que em geral se pensa desse ou
daquele dialeto; se outros escritores seguissem o exemplo de Gadda, usando seu
modo pessoal de imitar certos dialetos sem efetivamente reproduzi-los, poderia
disto nascer uma tradição, substancialmente não diversa das do  gau  gauches co  e da
chesco
“gorgi
“gor giaa beota” .

11.6.4. E, naturalm
natura lment
ente,
e, o que vale
vale para a variedade diatópica
diatóp ica val
valee em prop
proporçã
orçãoo
ainda maior para a variedade diastrática (porquanto é constante a comunicação
entre
ent re níveis dife
diferentes),
rentes), e mais ainda para a varieda
variedade
de diafásica,
diafásica, j á que tod
todoo falante
fala diversos “estilos de língua”. Neste sentido, todo falante é, dentro de sua língua
histórica, plurilingüe ou “poliglota”. É bem verdade que o saber “interdialetal” é.

16 Trata-se do esc
escrit
ritor
or italiano Cario
Cari o Emílio
Emíli o Gadda (1
(1893-
893-1973
1973)) que, nas suas obras, ssee
serve amiúdè de um idioma privativo, à maneira do dialeto dos expressionistas. Pelo seu estilo
tem sido comparado a James Joyce. (E.B.)
 

A LINGUA f u n c i o n a l   117

na maioria das vezes, fragmentário e que, de ordinário, os níveis e os estilos só


 parci
 pa rcialm
almen
ente
te divergem (o
(ouu seja, que as mesmas
mesm as es
estr
trut
utur
uras
as e funçõ
fun ções
es análog
análogas
as val
valem
em
quase sempre para mais níveis ou para mais estilos).

11.6.5. Uma descriç


11.6.5. descrição
ão “ funcional
funcional-integr
-integral”
al” — se
seja
ja na lingüística científica como
na glotodidática
glo todidática - deverá
deverá ddee qualqu
qualquer
er maneira tratar
tra tar de conciliar a exigên
exigência
cia da
homogeneidade do objeto da descrição estrutural com a exigência de Corresponder
a um saber idiomático real. Para tal fim, será, certamente, preciso escolher como
objeto principal da descrição uma língua funcional determinada, porém, por outro
lado, toda vez que se apresentar a necessidade, será também preciso descrever para
lelamente, como “desvio” possível dessa língua, o que os seus próprios falantes
sabem (pelo menos passivamente) acerca de outras línguas funcionais. E, em parti
cular na glotodidática, será razoável e conveniente escolher como base da descrição
a língua funcional que tiver a maior difusão possível nos três sentidos da variedade
lingüística e que apresentar o máximo de coincidências com outras línguas funcio
nais, isto é, normalmente, uma forma da língua comum, no nível médio (conhecido,
em geral, também dos falantes de nível superior e, em certa medida, dos de níveis
inferiores) e num estilo de língua “neutro”.
 No toca
to cant
ntee aos “ desvios”
desvios ” dign
dignos
os de reg
registr
istro,
o, esses po
pode
demm ser de tipostip os diver
sos, segundo as comunidades lingüísticas. No caso do italiano, por exemplo, será
 precis
 pre cisoo indica
ind icar,
r, em pri
prime
meiro
iro lugar,
lug ar, ao lado
lad o da varvarieda
iedade
de só “e
“est
stil
ilís
ísti
tica
ca”” , os “ des
des 
vios” diatópicos (“dialetais”) que são mais amplamente conhecidos e usuais, tam
 bém
 bé m assim no caso do alemã alemão.
o. Ao cont
co ntrá
rári
rio,
o, no caso do francê
fra ncêss e do inglês, será
oportuno referir-se mais amiúde ao nível popular e, às vezes, será necessário chegar
até o argot   e o  slang   (de fato, na comunidade lingüística francesa, e, em grande
 part
 pa rte,
e, tam
també
bém m na inglesa, o níve
nívell po
popu
pular
lar da línlíngu
guaa co
com
m um tem fr freq
eqüeüent
ntem
em en
ente
te a
função sócio-lingüística que nas comunidades italiana e alemã possui o dialeto). E
no caso do grego antigo literário (aquele, precisamente, que se estuda), se tomará
como base o ático ou a koiné  (o grego comum da idade helenística), ao passo que
outras variedades (dialeto homérico.jõnio da Ásia, eólico, dórico) se terão presentes
na medida
med ida em que funcionam como “estilos “estilos de língu
língua”
a” na literatura
literatu ra (cf. 11.5.3
11.5.3).
).
Entretanto, em cada caso, os dialetos, os níveis e os estilos deverão ser mantidos
distintos e se indicará em que medida sua mistura deve ser evitada e em que circuns
tâncias, ao contrário,
con trário, é lícito (e conveniente) usar nos mesmos discursos discursos — de
maneira conscientemente diferenciada —dialetos, níveis ou estilos diversos.
 

12

Sistema, Norma e Falar Concreto


12.1. As estruturas, oposiç
oposições
ões e funções idiomáticas (= d dee língua) de
devem
vem ser
identificadas e estabeleci
estabelecidas
das na técnica da líng ua funcion
funcional,
al, ou mais
mais exatamcnte , no
seu “sistema”. De fato, a língua funcional apresenta diferentes ordens ou níveis de
estruturação. Isto também foi intuído, pelo menos em parte, pelos representantes
da gram ática gerativ
gerativaa transformacional, que falam de “ nívei
níveiss de gramaticalidade”
gramaticalidade” ,
ainda que sem terem formulado critérios precisos com que se possam distinguir
esse
essess níveis
níveis e sem terem delimitado exa tam ente os níveis como tais.
tais.
Cómo já tive ocasião de mostrar noutro lugar1, as ordens de estruturação a
serem distinguidas são quatro, precisamente, a ordem da realização (Jalar con-
creto) e
creto)  e três ordens de técnica propriamente dita ou técnica virtual (saber enquanto
tal): a norma,
norma, o o siste
 sistemm a  da língua e o tipo
tipo lingüístico:
 lingüístico:

! 4. tipo li
lingü
ngüís
ísti
tico
co
técnica virtual 3. sistema
sistema
2. norma

técnica
técn ica realizada: 1. falar con
concreto
creto

O fa
 fala
larr co
conc
ncre
reto
to   mais ou menos corresponde a pa a  parole
role   de F. de Saussure e se
 pode
 po deria
ria ta
tam
m bé
bémm chama
cha marr “ fala
fala”” (n o sent
se ntid
idoo de pr
proc
oces
esso
so,, de
d e di
dinâm
nâm ica,
ica , qu
quee cco
o nt
ntém
ém o
vocábulo discurso),
discurso),   tendo-se de compreender o termo português no sentido saussu-

1 Sistema, norma y habla,


Sistema, habla,   Montevideo 1952 e "Sincronía, diacronía y tipología”, in:
 Actas
 Ac tas del
de l X I Co
Cong
ngres
resso
so Internaci
Internacional
onal de Lingüistica
Lingüis tica y filol
fil olog
ogía
ía Románicas, 
Románicas,   Madri
Madridd 196
196::
 p. 269-281.
 

12
1200 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

nano. A norma  e o  sis tem a2  da lín


 sistem língua
gua correspon
correspondem,
dem, juntos,
jun tos, aproximadament
aproximadamentee à
langue  saussuriana. E o tipo lingüístico é  uma ordem de estruturação que não foi
identificada como tal por Saussure.

12.2.1. Observ
Observe-se
e-se que a norm a da LíngLíngua
ua,, o sistema e o tipo lingüístico
lingüís tico não con
consti
sti
tuem variedade interna da língua histórica, mas representam a medida ou o grau de
estruturação dessa mesma língua. É çportuno, a este respeito, distinguir, com
Flydal,3 arquitetura   e estrutura:   a di
divers
versida
idade
de interna na
n a língua, isto é, o fato de na
mesma língua histórica coexistirem, para funções análogas, estruturas diferentes (e
vice-versa) representa a “arquitetura” e o fato da técnica lingüística ser estruturada
(isto é, apresentar oposições funcionais na expressão e no conteúdo) constitui a
“estrutura” da língua. Ou melhor: a circunstância de uma língua histórica encerrar
uma coleção de línguas funcionais, em parte coincidentes, em parte diferentes,
representa a sua arquitetura ou “estrutura extema”, enquanto a circunstância de,
entre os elementos duma mesma língua funcional (isto é, de uma língua unitária e
homogênea), existirem determinadas relações, constitui a “estrutura interna”, ou
simplesmente a estrutura, desta língua.
simplesmente a estrutura, desta língua.

12.2.2. Disse-
Disse-se,
se, po
porr exe
exempmplo,lo, que há falantes italianos que us usam
am udire  e  se
 sentir e,  
ntire,
enquanto outros falantes empregam apenas  se  sentir e.   Ora, este não é um fato de
ntire.
estrutura, mas de arquitetura do italiano: não podemos examinar os dois usos
simultaneamente, confundindo-os e declarando, por exemplo, que  se ntiree  tem um
 sentir
significado não bem delimitado, porque ora significa “perceber através de outros
órgãos sensoriais” (port. “sentir”) e também “ouvir”, ora somente “perceber
através
atrav és dede ou
outros
tros órgãos senso
sensoriais
riais”” (po rt. “sen
“sentir”),
tir”), e não tam também
bém “ouvir” . Na
realidade, o significado de  se  senti re é  perfeitamente claro em qualquer dessas duas
ntire
estruturas, mas estas estruturas se acham parcialmente superpostas na diversidade
interna do italiano.
A oposição entre pret. perfeito composto [it.  pass  passatoato prossim o  J e pret. perfei
pro ssimo
to [it  passa
 passato
to rem ot o]   (ho fa tto
re m oto] tt o ¡fe ci ) não se encontra nem pode ser estudada em
¡feci
geral, em toda a extensão do italiano, porque nas várias regiões da Itália são diferen
tes as oposições em que entram estas formas: em algumas regiões existem fe c i e ho  
 fa tt
ttoo ,  em outras só aparece ho fatto  ou só fe c i , e aí é obviamente impossível estabe

lecer uma oposição entre as duas formas, uma vez que só se usa uma delas. Ainda
neste caso estamos diante de um fato de arquitetura do italiano, e também aqui não

3 Ó lingüista
lingüist a por
portugu
tuguês
ês José G. Herculano
Hercula no de Carvalho (Teoria da linguagem, Coimbra,
1973,1, p. 273, adotando a tricotomía de E. Coseriu, preferiu o termo esquema (de Hjelmslev)
a sistem a,  “para evitar ocultar que também a norma é sistema”. Entre nós brasileiros, Mattoso
 sistema,
Câmara preferia discurso  ao termo fala fala,, para evitar a idéia errada de que o conceito só sc apli
cava à língua oral. O Prof. Coseriu não usa neste caso o termo discurso  porque este termo,
como já se viu (10.2.2.), o reserva para um dos níveis da linguagem em geral. (E.B.)
3 Art. cit., particularmente
particularmente na na pp.. 244
244..
 

SISTEMA, NORMA E FALAR CONCRETO 121

se dirá que tal oposição é pou pouco co clar


claraa “em italiano” , mas sim, sim, que em italiano
italiano
existem oposições distintas, conforme as regiões: no Norte, o uso do tipo ho fatto  
se opõe, por exemplo, a  fa  facc
ccio
io,, far'o\  ao Sul, o tipo  fe c i   se opõe a essas mesmas
formas; no toscano,  fe c i  e ho fa tto  se opõem, em primeiro lugar, entre si, e depois a
 facc
 fa ccio
io,, farò
fa rò..  As oposições, consideradas nelas mesmas, são todas perfeitamente
claras,
clar as, porém se trata de oposições diferentes, e não da mesma em cada cas caso.
o.
Freqüentemente, nas descrições de línguas e, de modo especial, ñas críticas
dirigidas a descrições estruturalistas, confundem-se esses dois aspectos e se diz que
tal ou qual oposição não é clara “em italiano” porque as formas e funções que lhe
correspondem não são igualmente distribuídas em todos os tipos regionais do
italiano; em realidade, não se trata, porém, como se viu, de falta de clareza, mas de
oposições diferentes e que devem ser descritas separadamente. Se alguns falantes
usam duas formas enquanto outros não empregam senão uma delas, ignorando a
oposição dessas formas, também isto constitui um fato de arquitetura da língua,
não de estrutura. Ao contrário, o fato de, num mesmo modo de falar, terem fe c i  e
ho fatto   significado diferente, porque se usam em situações e contextos diversos
(por exemplo quando usei il “Corso ” Saussure era morto,  m a s Ê in casa Giovan
Gio vanni?
ni?  
 No
 N o , è uusc
scito
ito ), constitui um fato de estrutura.

12.2.3. Os fatos de estrutu


est rutu ra da língua (salvo o caso da
dass formas hom ófona s e dos
“sinônimos”) correspondem à fórmula:

F i :----------------- F2

V , ------------------ Vj

Isto é: formas diferentes para valores também diferentes. Os fatos de arqui


tetura, ao contrário, correspondem às fórmulas:

Isto é: formas análogas (ou praticamente idênticas) para valores diferentes ou,
de modo inverso, formas diferentes para valores análogos (ou praticamente idên
ticos). Na essência, isto não é diferente do que se dá quando se trata de línguas
históricas distintas. Só quantitativamente, e não qualitativamente, a variedade no
interior da arquitetura de uma língua é diversa da que ocorre entre línguas históri
cas independentes; e, às vezes, nem mesmo quantitativamente. Acerca deste último
caso, cabe lembrar aqueles dialetos italianos que apresentam o máximo de diferencia-
 

122 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

ção (por exemplo, o piemontês e o calabrês) ao lado de línguas históricas muito


semelhantes entre si, como as línguas semíticas ou, na Europa, o sueco, o dinamar
quês e o no
norueguês
rueguês oouu ainda o espanhol e o português.
portug uês. Justam ente po
porr isto
isto é que ssee
faz necessário estabelecer as estruturas e funções lingüísticas para cada uma das
línguas funcionais que se encerram numa língua histórica, sem confundir a língua
funcional, objeto próprio da lingüística estrutural (e, no fundo, também da gramá
tica gerativa transformacional), com a língua histórica, que, por sua vez, é um
conjun to, um a “coleção” de técnicas
técnicas (e, po rtanto , é também m uito ma
maisis compl
complexa
exa
do que uma língua funcional).

123.1. O  fa
 fala
larr conc reto   apresenta a técnica
co ncreto técnica li
lingüística
ngüística ccomo
omo técnica efetivamente

realizada; de
exemplo, e esta se reconhece
um quadro, como
dizemos: Quetaltécnica
no mesmo
nesse sentido
quadro',em
  ou que, falando,
Quanto por 
à técnica,
não M nada
nada que diz er.  Entretanto, naturalmente, além da realização da técnica, o
dizer.
falar concreto contém também toda uma série de determinações próprias que, no
fundo , o fazem,
fazem, em
em qualquer caso
caso,, “inédito”
“inéd ito” .

123.2. A norma  da língua, ao contrário, contém tudo o que, no falar correspor


dente a uma língua funcional, é fato tradicional, comum e constante, ainda que nã i
necessariamente funcional: todo fato que se diz e se entende “dessa maneira e não
de outro modo”. Por exemplo, vimos que em inglês as consoantes oclusivas surdas,
 parti
 pa rticu
culalarm
rmen
ente
te em dete
de term
rmin
inad
ados
os pont
po ntos
os do vocáb
vo cábulo
ulo (mas
(m as nu
nunca
nca depo
depois is de s),
 s) , são
 prof
 pr oferi
erida
dass co
comm asp
aspiraç
iração;
ão; ora,
or a, este é o m od o normal  da   da sua realização e assim se
 pron
 pr onun
unciciam
am,, ainda
aind a que a aspiraçã
asp iraçãoo não
nã o seja fun
funcio
ciona
nall e, qu
quee p o rta
rt a n to , a ccom
ompr
preeeenn
são seja possível mesmo que se proferissem não aspiradas: mas se pronunciam do
 prime
 pri meiro
iro m odo
od o porq
po rque
ue mand
ma ndaa assim a norm
no rma.
a.
Analogamente, na norma toscana (e chamemo-la simplesmente do italiano
“clássico”, porque se trata da norma ideal de todo o italiano comum) não se diz
[a kása] mas [akkasa], nem [a roma] mas [arroma], nem [è lui'éi] mas [èlluígij. Este
reforço fono-sintático é, como vimos, uma norma de realização obrigatória cm
determinados casos; entretanto, com ser obrigatório e automático, não é funcional:
uma pronúncia
pr onúncia como [vabène]
[vabène] —em vez vez de [vabbène]
[vabbène] - não é “norma“normal” l” nest
nestee ttipo
ipo
de italiano, porém é compreendida sem dificuldad dificuldade. e. A norm a, pois, pode, em certos certos
casos, exigir a realização de aspectos não funcionais e aceita a sua possível “redun
dância”.4
12 .33 . Se a norm a contém tudo o que é fato de
de realiza
realização
ção tradicional, o  sisten
 sistenww 
contém as oposições funcionais: tudo aquilo que na técnica lingüística é distintivo e
que, se fosse diferente, teria (ou seria) uma outra função de língua, ou não teria
(nem seria) nenhuma função na língua respectiva, podendo, eventualmente,

4 Ver
Ver ou
outro
tross exemplos dos vário
várioss setores e planos da norma
norm a no estudo citado na nota 1
deste capítulo, Siste
Sistema,
ma, norma y habla.
habla.
 

SISTEMA, NORMA E FALAR CONCRETO   123

tomar-se irreconhecível (ou incompreensível). Portanto, todos os traços que assina


lamos como distintivos pertencem ao siste sistema.
ma.
A norma é, em certo sentido, mais ampia do que o sistema: com efeito, ela
encerra também os traços não funcionais, enquanto o sistema contém só os traços
distintivos
distint ivos necessár
necessários
ios para que
que um a unidade da língua (quer
(qu er no plano ddaa expressão,
quer n o do conteúdo ) n ão se confunda com com outra. Assim,
Assim, por exemplo, a disti
distinção
nção
entre  s   s  sonoro e s surdo intervocálico é funcional em toscano, onde serve para
diferençar certos significantes (como  fu s o ,  participio do verbo  fo  fon
n d e re ,  e  fu s o , 
substantativo, “instrumen to para fiar fiar à roca”). Em toscano, po rtan to, a sonori
sonoridadedade
d o  s
 s   intervocálico é traço distintivo, pertence ao sistema. Ao contrário, no italiano
comum do tipo setentrional, a distinção entre os dois  s   s  não existe, porquanto o  s   s 
intervocálico é pronunciado sempre sonoro; a sonoridade, neste caso, não pertence
ao sistema: é apenas um traço “suplementar” (embora praticamente obrigatório) da
norma deste tipo de italiano. Dir-se-á o mesmo do traço “abertura” do e aberto nos
tipos de italiano em que a distinção entre [é] e [è] não é funcional. Em espanhol, o
fonema Ibl
Ibl é, no sistema,
sistema, somente “oral” , “bilabial”
“bilabial” e “sono ro” (outros traços não
são necessários para as oposições de que tal fonema participa); na norma, entre
tanto, é ainda oclusivo em certos casos (em posição inicial absoluta e depois de
nasal) e “fricativo” nos demais. Neste sentido, o sistema é menos amplo do que a
norma e está “con tido” nesta:
nesta:

 NORMA
 NORM A

SISTEMA

Contu do, já em o utro sentido, o sistema


sistema é mais
mais amplo que a norma , já que é
menos determinado
determinad o (por exemplo, o fonema espanhol |b| “c on tém ” as possibil
possibili
i
dades mais determinadas requeridas pela norma), e contém também possibilidades

não realizadas na norma da mesma língua. De fato, o sistema, contendo apenas as


oposiçõess funcionais, encerra também tud o o que na língua seria possível
oposiçõe possível,, mesmo se
não é realizado na norma. Em outras palavras, a norma abrange fatos lingüísticos
efetivamente realizados e existentes ná tradição, ao passo que o sistema é uma
técnica aberta que
aberta que abrange virtualmente também os fatos ainda não realizados, mas
 possíve
 pos síveis
is de ac
acor
ordo
do com as mesmas
mes mas oposi
op osiçõe
çõess distin
dis tintiv
tivas
as e as regras de comb
co mbina
inação
ção
que governam o seu uso. Lembremos, por exemplo, a formação de palavras. Ainda
que eu não saiba se em italiano exista a palavra tavolaio tavolaio   (e admitindo que não
tenh a tempo nem dese
desejo
jo de verif
verificar
icar a sua eventual existência no dicionário),
d icionário), pos
posso
so
usá-la com tranqüilidade, estando seguro de ser compreendido, e, certamente,
 

124 LIÇÕES DE LINGÜISTICA GERAL

ninguém a impugnará como “não italiana”. Analogamente, poderei dizer


bicchiercàe  (“vidraceiro”, “quem faz ou vende copos”) e estarei sendo entendido.
Quanto à questão da existência efetiva desta palavra, posso até crer que a tenha
inventado eu mesmo, caso não a encontre em nenhum dicionário ou não me
 preoc
 pre ocup
upee de cons
co nsul
ultar
tar regist
registros
ros de so
sobre
breno
nomm es já que um especia
esp ecialista
lista em onom
on omás
ás
tica me poderia dizer que, como o nome próprio, já efetivamente existiu em certo
tem po e lugar
lugar).
).
Ou podemos então tomar o caso de toda uma série de derivados “possívéis”.
De  giocare   deriva-se  gio
 gioche
cherella re , que está consoante a norma e, assim, é um fato
rellare
não só “sistêmico”, mas também realizado. Ora, para indicar a ação repetida do
“giocherellare” dir-se-á, querendo, rigiócherellare,  e, na base desse termo, dificil
mente documentável, poderão ser modelados o nome de ação rigiocherellamento  e
o nome de agente rigiocherellatore.   E a respeito de quem afirme a necessidade do
rigiocherellamento  se dirá que é rigiocherellamentista,   e, como adjetivo correspon
dente a este substantivo, teremos rigiocherellamentistiCo , do que se poderão formar
o advérbio rigiocherellamentisticamente   e o verbo rigiocherellamentisticizzare , e
assim por diantes. Tudo isto, se não real, é possível   em italiano. Acerca de tais
 palavras se' popodederá
rá diz
dizer:
er: “Não
“N ão exi
existem
stem em itaitalia
liano
no”” , quer
qu eren
endo
do sign
significai
ificai,, obvi
obvia
a
me nte, que nnão
mente, ão existem na norm norma, a, ma
mass não que não são italianas , falando,
falan do, já
agora, do sistema. Com efeito, elas são formadas conforme regras próprias do
italiano e correspondem a possibilidades do sistema italiano: rigiocherellamentistico, 
 p
 poo r exem
ex empl
plo,
o, nã
nãoo dedest
stoa
oa de comportamentistico (no que toca ao seu final). A única
objeção que me poderiam fazer é que a ocasião ou a situação de uso dessas palavras
“muito extensas” é exatamente rara, como aliás bem sabe quem tem um pouco de
 prát
 pr átic
icaa de es
estatatí
tíst
stic
icaa lingü
lin güíst
ística
ica,, p o rq
rquu anto
an to a freqü
fre qüên
ência
cia de uso das palavras é ,e m
geral, inversamente proporcional à sua extensão (naturalmente, não por causa da
dimensão enquanto tal, mas sim porque as palavras compridas contém, de ordinário,
várias determinações sucessivas e cada determinação limita as possibilidades de uso).
O de que aqui se trata é da po  possib
ssibilida
ilidadede  mesma de formação que oferece o sistema,
independentemente da eventual utilização; e neste sentido se trata, portanto, de
 palavras
 pala vras “ital
“i talian
ianas”
as” , e nã
nãoo alemã
alemãs,s, francesas
francesa s ou inglesas. Já se disserm
dissermos
os vidergio- 
cherellàre,  acudir-nos-á súbito a impressão de que esta não é uma palavra italiana,
 porq
 po rque
ue vider - (italianização gráfica do alemão wieder,  “de novo”, usada como
 pref
 pr efix
ixoo que ind
indica
ica rep
repeti
etiçã
çãoo ou rereto
tomm ada
ad a de aç
ação
ão,, por
po r exem
ex empl
ploo em wiederdeginnen, 
“recomeçar”, oposto a beginnen,  “começar” como os correspondentes italianos
ricominciare  e cominciare) não pertence ao sistema italiano; a mesma coisa ocorrerá
se dissermos, afrancesando, [rigiocherellamã], ou seja, se em vez do italiano -mente 
usarmos o sufixo francês [-mã] (escrito -ment).
-ment).55

5 An
Anal
alog
ogam
amen
ente
te,, pod
poder
erem
emos
os tter
er,, eent
ntre
re num
numer
eros
osos
os outros
outros ex
exem
empl
plos
os em port
portug uguêuês,
s, o
seguinte caso, acompanhando a par e passo o modelo apresentado pelo nosso autor:  peda
 pe da la r   /
 pe d a teja r   / repedalejar   / repeda lejamen to   / repedalejador   / repedalejista / repedalejfstico   / repe- 
dalejisticamente   / repedalejisticizar. (E.B.)
 

SISTEMA, NORMA E FALAR CONCRETO


CONCRET O   125

 Nc ste se
 Ncste sent
ntid
idoo —e graças, jus
j us ta
tamm e nt
nte,
e, ao sistema
sist ema,, que
qu e é em essê
essência
ncia sis
sistem
temaa de
 possibi
 pos sibilida
lidades
des —, umumaa língu
lín guaa nã
nãoo é apena
ap enass aqu
aquilo
ilo que já está
est á feito
fe ito p o r me
meio
io da sua
técnica, mas é também aquilo que, mediante esta mesma técnica, se pode fazer; não
é somente passado e presente, mas possui uma dimensão de futuro. O italiano, por
exemplo, como o português, são o italiano e o português “existentes” (já realizados)
e ainda.a sua possibilidade infinita de ulteriores (e em parte inéditas) realizações.
I

( 12.3.4. Por cima do sistema,


sistema , o tipo lingüístico
lingüístico encerra
 encerra os princípios funcionais e as
categorias técnicas da língua: os tipos de procedimentos e de funções, as categorias
de distinções, oposições e estruturas que caracterizam essa língua. Conseqüente
mente, o tipo lingüístico representa a coerência e a unidade funcional das várias
seções do sistema; pode, porém, corresponder a mais de um sistema (como, aliás,
um mesmo sistema pode corresponder a mais de uma norma). Nas línguas romá
nicas, por exemplo (com exceção do francês moderno), existe como princípio
tipológico a distinção geral entre funções “não atuais” ou “não relacionais” (como
o gênero e o número) e funções “atuais” ou “relacionais” (como o caso —enquanto
função óu a comparação), distinção que, de maneiras materialme
materialmente
nte diferentes,
mas no tundo idealmente idênticas, encontra a sua aplicação nas várias seções dos
respectivos sistemas lingüísticos: na chamada morfología e na sintaxe, na sintaxe das
formas nominais e verbais, na sintaxe das orações e do período, no léxico e na
formação de palavras6
Entretanto, a tipologia lingüística entendida deste modo (e que representa seu
sentido originário, autêntico e científicamente proveitoso) está ainda nos seus
inícios, ao passo que o que hoje se faz sob o nome de “tipologia lingüística” outra
coisa não é, as mais das vezes, senão gramática contrastiva no nível dos sistemas e
classificação tautológica de procedimentos lingüísticos.

6  Ve
Veja-
ja-se
se o est
estudo
udo já citado Sincronia
Sincronia,, diacronia y tipologia.
tipologia.
 

BIBLIOGRAFIA

Para qu
quee ssee oriente
orien te acerca de problemas discutidos
discu tidos nestas páginas
páginas e a fim de ’
que neles se aprofunde, pode o leitor recorrer às seguintes obras:

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leiras saídas na Vozes Editora e dos  A sp
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R. Simone. Barí, Laterza, 1971. Dos estudos ai inseridos só três se repetem na
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 brasileir
 bras ileira,
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saída
da no Rio d e Ja
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3. Algun
Algunss dos artigos estão traduzid
traduzidos m  Li
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Introdu ções e ex
exposições
posições históricas
históricas da lingüística se encontram em
em::
APRESJAN, Ju. D. E
D.  Elém
lém en ts sur les idées
idé es eett les m éth od es d e la ling
linguis
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ue str
struc
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 _________  Lin gü
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istica
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strutt
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storica. Nistri-Lischi,
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