O Ensaio Sobre a Cegueira é uma obra do escritor português José Saramago,
publicada em 1995, e que, no mesmo ano de sua publicação, lhe rendeu o Prêmio Camões, o mais importante da literatura portuguesa. Sua história fala sobre uma grande epidemia que deixavam as pessoas com uma cegueira branca, altamente contagiosa, e por isso instaurou o caos em todos os setores da sociedade. Em suas palavras, Saramago fala: “Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso.”. Em um primeiro contato com o livro, observa-se a forma muito peculiar de escrita do autor. Ele não segue as regras gramaticais de construção de uma narrativa, escrevendo com alguns parágrafos extremamente compridos e as falas diretas não são indicadas pelo cifrão ou aspas, mas se encontra dentro dos próprios parágrafos e entre vírgulas. O livro não tem tradução para que esse estilo de Saramago não seja perdido. Os personagens não são identificados por nomes, sendo caracterizados pelos seus atributos mais marcantes, como por exemplo o médico, a mulher do médico (a única personagem que não cega), a rapariga dos óculos escuros, o primeiro cego, a mulher do primeiro cego, o rapazinho estrábico e o velho da venda preta. A trama gira em torno desses sete personagens principais. Ao longo da leitura, percebe-se que o livro possui dois momentos: quando os personagens estão presos dentro do manicômio e quando eles conseguem fugir e se deparam com a situação da cidade em que vivem. Os contagiados são mandados para o manicômio em quarentena, como uma tentativa frustrada do governo de controlar a epidemia da cegueira branca. Lá eles passam por várias situações de extrema fome e sede, de rebaixamento total de qualquer dignidade humana. Se instaura um ambiente totalmente avulso à realidade que conhecemos. Os personagens não se veem mais como seres humanos, mas como animais em busca da sobrevivência, e se deparam com o que há de mais podre neles e nos outros. “É dessa massa que nós somos feitos, metade de indiferença, metade de ruindade.”. Dentro do manicômio, uma das formas de sobrevivência que foram encontradas pelos cegos da Ala 3 se assemelha ao “estado de guerra” dos homens em seu estado de natureza trabalhado por Hobbes no seu livro “O Contrato Social”, nesse contexto tais personagens “capturam” a comida e a racionam como forma Quando os cegos conseguem fugir do manicômio, nos é apresentado o segundo momento do livro. Nele, os personagens vão se aventurar pela cidade atrás de comida e abrigo quando acabam descobrindo que tudo está um caos. Todas as pessoas ficaram cegas e por isso nada mais está funcionando. Eles ficaram sem energia, sem distribuição de água, sem coleta de lixo, as ruas estavam imundas e tudo cheirava mal, as lojas pararam de funcionar, até o aparelho governamental foi à ruina. Todo o sistema foi desestabilizado pela cegueira branca. Através de todo esse caos, os personagens são forçados a lutar pela sobrevivência agonizante, assim como todas as outras pessoas da cidade. Nesse ponto é muito interessante reparar como pequenas coisas para nós, como beber água limpa e tomar banho, se tornam um luxo tão grandes para todos eles. “Regressamos à horda primitiva, com a diferença de que não somos uns quarenta milhões de homens e mulheres numa natureza imensa e intacta, mas milhares de milhões num mundo descarnado e exaurido.”. O livro faz refletir sobre nós mesmo. A cegueira física representa a cegueira da alma do próprio homem. Ao final da história, após perderem pessoas amadas, sua dignidade e até seus hábitos humanos, os personagens finalmente voltam a enxergar, mas de uma forma diferente. A cegueira, ironicamente, mudou a forma como os personagens passaram a ver, e mudará também a forma de enxergar de qualquer um que ler essa incrível obra. “Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem.”.