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Faculdade de Ciências Econômicas - FCE

Departamento de Economia e Relações Internacionais – DERI


Economia Monetária II - A – ECO 02005 – Turma B
2020 - Textos Selecionados, Resumidos e Adaptados
2 A Política Monetária
2.1 A Definição e os Instrumentos
2.2 Os Objetivos
2.3 A Estratégia do Banco Central
2.4 Notas sobre Política Fiscal, Política Cambial e Política de Rendas
2.5 A Teoria da Política Monetária nos Modelos Keynesianos, Monetarista e Novo-Clássico
2.6 As Ações dos Bancos Centrais, Oferta Monetária e Restrição Orçamentária Governamental
2.7 O Equilíbrio no Mercado Monetário
2.8 A Moeda, os Preços e as Taxas de Câmbio e de Juros
2.9 A Dominância Fiscal
Anexo 1: Resumo – O Papel da Política Monetária (Milton Friedman)
Anexo 2: Resumo – Banco Central Independente e Coordenação das Políticas Macroeconômicas: Lições
para o Brasil (Maria Cristina Penido de Freitas)
Anexo 3: Oferta e Demanda de Fundos para Empréstimos e de Câmbio (Mankiw, 2015)
2 A Política Monetária1
(Fontes: Lopes, João do Carmo e Rossetti, José P. Economia Monetária. Edit. Atlas, 6.ed., 1992 - Mankiw, N.G.
Macroeconomia. Livros Técnicos e Científicos S.A. Rio de Janeiro, 1995. - Hillbrecht, R. (1999). Economia Monetária. SP: Edit.
Atlas. - Mayer, T.; Duesenberry, J.S.; Aliber, R.Z. (1993). Moedas, Bancos e a Economia. Ed. Campus, 1a. Ed.).
A política monetária faz parte da política econômica, que se estrutura também em torno das
políticas fiscal, cambial e de rendas. Os objetivos específicos destas quatro políticas se identificam com
os objetivos gerais da política econômica, que consistem em promover o crescimento econômico,
garantir o pleno emprego e sua estabilidade, equilibrar o volume financeiro das transações econômicas
com o exterior, garantir a estabilidade de preços e promover a distribuição da riqueza e das rendas.
2.1 A Definição e os Instrumentos
A política monetária pode ser definida como o controle da oferta de moeda e das taxas de juros
de curto prazo2, que garanta a liquidez adequada a cada momento econômico e que contribua para que
sejam atingidos os objetivos da política econômica global do governo, portanto interagindo com a
política fiscal, a política de rendas e a política cambial. O executor da política monetária é o Banco
Central e os instrumentos clássicos utilizados são:
a) taxas de depósitos compulsórios;

1
Política Monetária. Corpo de medidas adotadas pelo governo para adequar os meios de pagamento às necessidades da
economia do país. Essa adequação geralmente ocorre por meio de ação reguladora exercida pelas autoridades sobre os
recursos monetários existentes, de forma que estes sejam plenamente utilizados e tenham emprego tão eficiente quanto
possível. Na maior parte dos países, o órgão executor da política monetária é o banco central (Sandroni, 2005).
2
As taxas de juros de curto prazo são, ou devem ser, em geral inferiores às taxas de juros de longo (médio) prazo, na medida
em que estas últimas devem remunerar o risco do maior prazo, sem prejudicar o uso da poupança para o financiamento de
investimento, o que significa que seu limite, como pensava Marx, deve ser a taxa média de lucros. Em contraponto, no Brasil,
a TJLP (taxa de juros de longo prazo), que, até o final de 2017, regeu os financiamentos de investimentos do BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e foi sistematicamente inferior à taxa básica de juros, a Selic (que rege os
títulos públicos e a própria política monetária), sem falar nas demais taxas de juros de curto e de médio prazo. A partir de
2018 a TJLP passou a ser substituída pela TLP (Taxa de Longo Prazo), a qual, ao longo de cinco anos (2018-2022)
gradualmente irá igualar-se à taxa de NTN-B (Nota do Tesouro Nacional, Série B), cuja composição é a taxa de inflação pelo
IPCA mais uma taxa de juros reais.
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b) taxas de redescontos ou empréstimos de liquidez;
c) operações de mercado aberto – open market;
d) controle e seleção de crédito.
Taxas de Depósitos Compulsórios
O depósito compulsório sobre os depósitos à vista (e, também, sobre depósitos a prazo e de
poupança) regula o multiplicador bancário, imobilizando, de acordo com a taxa de recolhimento de
reserva obrigatória fixada pelo CMN, uma parte maior ou menor dos depósitos bancários e dos recursos
de clientes que neles circulem (títulos em cobrança, tributos recolhidos, garantias de operações de
crédito), restringindo ou estimulando a dimensão dos meios de pagamento.
M1 = kB onde: M1 = variação dos meios de pagamento (M1);
B = variação da base monetária3;
k = multiplicador bancário, que varia de forma inversa ao valor da taxa de
recolhimento do compulsório determinada pelo CMN.
Recolhimento compulsório\Encaixe obrigatório – Síntese do quadro resumo do Bacen – Dezembro de 2019
Tipo Alíquota Recolhimento Remuneração
Recursos à vista 21% Espécie, até 80% da exigibilidade Sem remuneração do valor recolhido.
Encaixe de poupança 0% Espécie Poup.Vinculada: TR + 3% a.a. Demais até 03.05.2012: TR+6,17% a.a.
Recursos a prazo 31% Espécie Recolhimento remunerado pela taxa Selic.
Exigibilidade adic. s\depósitos 0% (Dvista) Espécie Idem.
0% (Dprazo) Espécie Idem.
Fonte: Bacen.
Base monetária, M1, M2 e multiplicadores. Saldos em final de período. (Valores monetários em R$ milhões)
Discriminação dez/10 dez/11 dez/12 dez/13 dez/14 dez/15 dez/16 dez/17 dez/18 dez/19 Média
Mo (Base Monetária) 206.853 214.235 233.371 249.510 263.529 255.289 270.287 296.755 302.049 316.587 -
Variação Mo (%a.a.) 24,56 3,57 8,93 6,92 5,60 -3,10 5,90 9,80 1,80 4,81 6,88
M1 281.876 285.377 325.045 344.508 351.603 334.417 363.029 383.840 410.226 441.264 -
Variação M1(% a.a.) 12,60 1,24 13,90 5,99 2,06 -4,89 8,56 5,73 6,87 7,57 5,96
Depósitos p/ investim. 3.251 1 0 0 0 0 0 0 0 0 -
Depósitos de poupança 379.604 420.873 497.139 599.826 664.847 659.006 669.285 727.981 800.889 845.052 -
Títulos privados1 697.658 914.229 942.460 1.012.504 1.134.533 1.292.298 1.413.751 1.469.875 1.640.180 1.806.082 -
M2 1.362.389 1.617.480 1.764.645 1.956.838 2.150.684 2.285.721 2.446.066 2.581.696 2.851.296 3.092.397 -
Variação M2(% a.a.) 16,70 18,72 9,10 10,89 9,91 6,28 7,02 5,54 10,44 8,46 10,31
Multiplicador (M1/Mo) 1,36 1,33 1,39 1,38 1,33 1,31 1,34 1,29 1,36 1,39 1,35
Multiplicador (M2/Mo) 6,59 7,55 7,56 7,84 8,16 8,95 9,05 8,70 9,44 9,77 8,36
Fonte: Banco Central do Brasil. (1) Inclui base monetária, depósitos compulsórios em espécie e títulos federais fora do Bacen (exclui LBCE, mas considera as
operações de financiamento com lastro nesse título). Inclui emissões/resgates de títulos públicos federais sem impacto monetário.

Taxas de Redesconto ou Empréstimos de Liquidez


O redesconto ou Assistência Financeira de Liquidez (AFL) é o socorro que o BC fornece aos
bancos para atender as suas necessidades momentâneas de caixa. É a última linha de atendimento às
deficiências de caixa das instituições monetárias.
Redução do M1 Aumento do M1
Aumento da taxa de redesconto Redução da taxa de redesconto
Redução dos prazos de resgate do redesconto Aumento dos prazos de resgate do redesconto
Redução dos limites operacionais Aumento dos limites operacionais
Maior restrição ao tipo de título redescontável Menor restrição ao tipo de título redescontável

A atuação do Banco Central do Brasil como prestamista de última instância é realizada mediante
operações de redesconto nos prazos de 15 dias úteis, de 90 dias úteis e de até 359 dias (sítio do BCB,
voto AFL, junho de 2019).
Operações de Mercado Aberto
As operações de mercado aberto são as mais ágeis formas de ajuste da política monetária de que
dispõe o BC, pois, através delas, pode ser regulada a oferta monetária e alterado o custo primário do
dinheiro na economia. As operações de mercado aberto correspondem à:
3
Base Monetária = B = PMPP + R, onde PMPP = Papel Moeda em Poder do Público e R = Reservas Bancárias.
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 compra líquida de títulos públicos pelo BC, com aumento do volume de reservas bancárias e, logo,
aumento de liquidez do mercado e queda da taxa de juros primária (resgate de títulos);
 venda líquida de títulos públicos pelo BC, com redução das reservas bancárias e, logo, redução de
liquidez do mercado e aumento da taxa de juros primária (colocação de títulos).
Essas operações permitem:
a) o controle do volume de moeda ofertada ao mercado;
b) a variação das taxas de juros de curto prazo;
c) que as instituições financeiras realizem aplicações de curto e de curtíssimo prazo de suas
disponibilidades monetárias ociosas (operações de overnight);
d) a garantia de liquidez para os títulos públicos.
Controle e Seleção do Crédito
O controle e a seleção do crédito constituem um instrumento que impõe restrições ao livre
funcionamento das forças de mercado, pois estabelece controles diretos sobre o volume e o preço do
crédito. Tal contingenciamento do crédito pode ser feito por:
a) controle do volume e destino do crédito;
b) controle das taxas de juros;
c) fixação de limites e condições dos créditos.
2.2 Os Objetivos
Seis objetivos específicos são continuamente mencionados pelos bancos centrais quando eles
discutem os objetivos da política monetária:
a) estabilidade de preços;
b) estabilidade da taxa de juros;
c) estabilidade dos mercados financeiros;
d) estabilidade nos mercados de câmbio estrangeiros.
Como resultado da consecução dos objetivos de estabilidade antes elencados, a política
monetária poderá contribuir para outros objetivos primordiais, quais sejam:
a) crescimento econômico;
b) alto nível de emprego.
Para alcançar estes objetivos, as autoridades do país podem recorrer, como já visto, a diferentes
políticas, entre estas a política monetária.
Até os anos 1990, o principal objetivo da política monetária em vários países, especialmente em
países da América Latina, era o financiamento do déficit do setor público. Mas o papel da política
monetária tem mudado muito nos países em desenvolvimento, que passaram a reconhecer os prejuízos
advindos de uma taxa de inflação alta e da exclusão social que esta causa, o que implica que o
crescimento de longo prazo deve ser visto pelo lado da economia real (e, logo, da produtividade do
trabalho (e do capital), isto é, do nível de renda real produzido pelo trabalhador, pela tecnologia, pelo
empreendedorismo e pela inovação). Em outras palavras, em especial pelo lado da Oferta Agregada4.
a) Estabilidade de Preços.
A estabilidade de preços é desejável porque um nível crescente de preços cria incerteza na
economia, o que poderá tolher o crescimento econômico. Por exemplo, é mais difícil de se interpretar a
informação transmitida pelos preços de bens e serviços quando o nível geral de preços está mudando, o
que complica a tomada de decisão dos consumidores, empresas e governo. A inflação também dificulta
o planejamento futuro, além de distorcer a estrutura social de um país, em decorrência de conflito entre

4 Enquanto a expansão da Oferta Agregada deve ser promovida por medidas de estabilidade e de estímulos de médio prazo,
a expansão da Demanda Agregada, sempre que considerado necessário, pode ser influenciada por medidas de curto prazo.
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cada grupo na sociedade competindo com outros grupos para garantir que sua renda acompanhe o nível
crescente de preços5.
b) Estabilidade da Taxa de Juros.
Flutuações nas taxas de juros podem criar incerteza na economia e dificultar o planejamento
para o futuro. Afetam, por exemplo, a disponibilidade dos consumidores de comprarem casas, pois
dificultam a decisão destes de quando comprar uma casa e, logo, dificultam o planejamento das
construtoras quanto ao número de residências a ser construído. Este exemplo pode ser estendido para
as decisões de investimentos em geral, com que se deparam pessoas físicas e jurídicas.
c) Estabilidade dos Mercados Financeiros.
As crises financeiras podem interferir na capacidade dos mercados financeiros alocarem recursos
para pessoas com oportunidades produtivas de investimento, levando a uma contração na atividade
econômica. A promoção de sistema financeiro mais estável, no qual crises financeiras sejam evitadas, é
assim objetivo básico para o banco central. A estabilidade do mercado financeiro é provida pela
superação de crises bancárias (função emprestador de última instância do banco central), pela
estabilidade das taxas de juros, cujas flutuações criam incerteza às instituições financeiras e pela
fiscalização e regulação destas instituições.
d) Estabilidade nos Mercados de Câmbio Estrangeiros
Sob o ponto de vista de economias abertas com alto comércio exterior, o valor de suas moedas,
em relação ao valor das moedas de seus parceiros comerciais, tornou-se alta prioridade para os seus
bancos centrais. Por exemplo, no caso da economia brasileira, o valor do real frente a outras moedas (o
dólar e o euro, em especial) tornou-se uma importante consideração para o Bacen. Isto porque uma
elevação no valor relativo do real perante outras moedas torna as indústrias brasileiras menos
competitivas em relação às no exterior, enquanto quedas no valor do real (isto é, aumento da taxa de
câmbio) estimulam a inflação no Brasil e também estimulam as exportações, quando o aumento é da
taxa real de câmbio e não apenas da taxa nominal de câmbio. Além disso, evitar grandes mudanças na
taxa de câmbio facilita o planejamento do comércio exterior, tanto para exportadores como para
importadores (mediante taxa de câmbio real de médio prazo que estavelmente estimule a produção e o
emprego domésticos).
e) Alto Nível de Emprego
Embora seja claro que um alto nível de emprego é desejável, a pergunta é: alto até que ponto? A
melhor resposta seria o pleno emprego. Mas em que ponto pode-se dizer que a economia está em
pleno emprego? À primeira vista, poderia parecer que o pleno emprego é alcançado quando nenhum
trabalhador está desempregado, isto é, quando o desemprego é zero. Mas essa definição ignora o fato
de que parte do desemprego é devida ao chamado desemprego friccional, que envolve o tempo gasto
por trabalhadores e firmas para encontrarem, respectivamente, empregos e empregados adequados.
Outra razão para que o desemprego não seja zero, quando a economia está em pleno emprego,
decorre daquilo que é chamado de desemprego estrutural, uma combinação inadequada entre
demandas de qualificação de trabalho e as habilidades ou disponibilidade dos trabalhadores locais (e
também características rígidas do mercado de trabalho, como legislação protetora, gargalos em
habilidades profissionais, preconceitos diversos etc), o que nos conduz ao conceito de taxa natural de
desemprego.
Logo, visar um alto nível de emprego não deve ser o mesmo que visar nível zero de desemprego,
mas sim um nível positivo compatível com o pleno emprego, no qual a demanda e a oferta de mão-de-

5
A evolução das políticas dos bancos centrais tem levado alguns destes a ter foco apenas na estabilidade de preços (e, no
caso do Brasil, também na estabilidade do sistema financeiro).
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obra sejam equivalentes. Esse nível pode ser, em geral, o de taxa natural de desemprego 6, que traduz
um conceito de equilíbrio estrutural do mercado de trabalho, definido por fatores como os citados no
parágrafo anterior.
Taxa (% da PEA) de desocupação
Ano Trimestre Trimestre Trimestre Trimestre Trimestre Trimestre Trimestre Trimestre Trimestre Trimestre Trimestre Trimestre
nov-dez-jan dez-jan-fev jan-fev-mar fev-mar-abr mar-abr-mai abr-mai-jun mai-jun-jul jun-jul-ago jul-ago-set ago-set-out set-out-nov out-nov-dez Média
2012 7,9 7,7 7,6 7,5 7,4 7,3 7,1 6,9 6,8 6,9 7,3
2013 7,2 7,7 8,0 7,8 7,6 7,4 7,3 7,1 6,9 6,7 6,5 6,2 7,2
2014 6,4 6,7 7,2 7,1 7,0 6,8 6,9 6,9 6,8 6,6 6,5 6,5 6,8
2015 6,8 7,4 7,9 8,0 8,1 8,3 8,5 8,7 8,9 8,9 9,0 8,9 8,3
2016 9,5 10,2 10,9 11,2 11,2 11,3 11,6 11,8 11,8 11,8 11,8 12,0 11,3
2017 12,6 13,2 13,7 13,6 13,3 13,0 12,8 12,6 12,4 12,2 12,0 11,8 12,8
2018 12,2 12,6 13,1 12,9 12,7 12,4 12,3 12,1 11,9 11,7 11,6 11,6 12,3
2019 12,0 12,4 12,7 12,5 12,3 12,0 11,8 11,8 11,8 11,6 11,2 11,0 11,9
Média 9,5 10,0 10,2 10,1 10,0 9,8 9,8 9,8 9,7 9,6 9,4 9,4 9,7
Fonte: Banco Central do Brasil e IBGE. (*) Dado do 4º trimestre é preliminar.

f) Crescimento Econômico.
O objetivo de um crescimento econômico estável ou mais elevado está ligado ao objetivo de alto
nível de emprego, porque há uma maior probabilidade de as empresas investirem em equipamento de
capital para aumentar a produtividade e o produto econômico quando o desemprego está baixo. Por
outro lado, se o desemprego está alto e as fábricas estão ociosas, não vale a pena, para uma firma,
investir em instalações e equipamentos adicionais.
Embora os dois objetivos estejam muito relacionados, as políticas podem ser especialmente
direcionadas para promover crescimento econômico, estimulando as firmas a investir e as pessoas a
poupar, o que fornece mais fundos para as firmas investirem. Aliás, esta é a intenção das chamadas
políticas econômicas do lado da oferta (supply-side economic policies), que têm por objetivo incitar o
crescimento econômico através de incentivos (fiscais, tributários, logísticos, por exemplo), para que as
empresas invistam em capital fixo e para que os contribuintes poupem mais 7.
O crescimento do produto integra o desenvolvimento econômico, junto com o crescimento do
emprego, dos lucros, da eficiência e da competitividade, mas é processo subordinado a outros mais
amplos, como o de desenvolvimento humano e o de desenvolvimento sustentável, ambos com
múltiplas dimensões e complexidades em relação ao simples crescimento econômico.
A justiça e segurança, o bem-estar e a distribuição da renda, a educação, a valorização das
pessoas, a saúde e a ética são aspectos centrais do conceito de desenvolvimento humano. A educação
ambiental e as preocupações sociais e políticas com a defesa e a preservação do meio ambiente natural
são outras das dimensões importantes do processo de desenvolvimento, visando torná-lo sustentável
para as gerações futuras.
Nota: O padrão de baixo crescimento da economia brasileira pode ser associado com alguns fatores
identificados desde o final dos anos 1980, quais sejam8:
a) gasto público corrente alto e crescente;

6 Mas nem sempre a taxa natural de desemprego corresponde a um nível de pleno emprego. Quando ocorre o afastamento
entre as duas taxas citadas, temos o que se chama de histerese (este termo será visto mais tarde).
7
Em outras palavras, uma política de crescimento econômico pode estar centrada no investimento ou então centrada no
consumo. A primeira via envolve incentivos aos investidores e aos gastos de capital do governo, enquanto a segunda envolve
incentivos aos consumidores e aos gastos de custeio e de transferências sociais do governo. Acrescenta-se que uma política
em favor ao crescimento pode ser horizontal (extensiva a todos os setores da economia) ou setorial/vertical (restrita a
setores determinados, de acordo com prioridades pré-estabelecidas).
8
O crescimento econômico médio do Brasil nos últimos 10 anos (ou mesmo considerando um espaço de tempo retrospectivo
aos anos 1980) foi inferior, em média, ao crescimento médio da economia mundial, configurando um padrão de baixo
crescimento da economia nacional.
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b) carga tributária alta e de baixa qualidade;
c) baixa poupança pública;9
d) gargalos de infraestrutura;
e) forte crescimento real do salário-mínimo;
f) economia fechada ao comércio internacional;
g) fraca proteção dos direitos de propriedade e incerteza jurídica;
h) legislação trabalhista de alto custo enviezada em favor dos trabalhadores formais.
(Fonte: www.brasil-economia-governo.org.br. Apresentação elaborada por Marcos Mendes, Consultor
Legislativo do Senado Federal).
Nota sobre Desigualdade
Desigualdade, queda na renda e desemprego entre jovens explicam a baixa posição (79ª) do
Brasil no ranking mundial de desenvolvimento humano (Pnud/ONU, 2019). A maior desigualdade do
Brasil é de renda (nono país mais desigual do mundo neste quesito), seguindo-se a desigualdade na
educação e a desigualdade na expectativa de vida.
Série Histórica do IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano)
do Brasil – 1990-2018
Ano IDH
1990 0,613
1995 0,651
2000 0,684
2005 0,700
2010 0,726
2015 0,755
2016 0,757
2017 0,760
2018 0,761
Fonte: PNUD 2019/ONU.
A título de comparação, seguem-se os países com IDH “Muito Alto”.
Posição País IDH
1º Noruega 0,954
2º Suíça 0,946
3º Irlanda 0,942
4º Alemanha 0,939
4º Hong Kong (China) 0,939
6º Austrália 0,938
6º Islândia 0,938
Fonte: PNUD 2019/ONU.
Conflitos entre os Objetivos
Embora muitos dos objetivos mencionados estejam coerentes uns com os outros – alto nível de
emprego com crescimento econômico, estabilidade da taxa de juros com estabilidade do mercado
financeiro - isso nem sempre acontece. O objetivo da estabilidade de preços em geral entra em conflito
com os objetivos da estabilidade de taxa de juros e alto nível de emprego no curto prazo (mas,
provavelmente, não no médio prazo). Por exemplo, quando a economia está em expansão e o
desemprego está caindo, tanto a inflação quanto a taxa de juros podem começar a subir. Se o banco
central tentar impedir uma elevação nas taxas de juros, isso poderá causar um superaquecimento da
economia e estimular a inflação. Mas se um banco central elevar as taxas de juros para impedir a
inflação, no curto prazo o desemprego pode subir. O conflito entre os objetivos pode, portanto,
apresentar algumas escolhas difíceis aos bancos centrais.

9 Ou, mesmo, poupança pública negativa, quando ocorre déficit fiscal primário.
69
2.3 A Estratégia do Banco Central
O problema do banco central é que ele quer alcançar alguns objetivos finais, como a estabilidade
de preços com alto nível de emprego, mas não tem influência direta sobre esses objetivos. Ele dispõe de
um conjunto de instrumentos (operações de mercado aberto, mudanças na taxa de desconto, mudanças
no nível de reservas compulsórias e controle do crédito, como antes visto) que podem afetar os
objetivos finais indiretamente, após um período de tempo (em geral mais de um ano).
Mas, se o banco central esperar para ver quais serão o nível de preços e o nível de emprego mais
de um ano depois, será muito tarde para corrigir sua política. Consequentemente, os bancos centrais
buscam uma estratégia diferente de políticas monetárias, visando as variáveis que se situam entre os
seus instrumentos e os seus objetivos finais.
Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) - 2002 = 100
Ano/Mês IBC-Br IBC-Br Var. Obs. Var. Des. ΔPIB
Observado Dessazonalizado % a.a. % a.a. (% a.a.)
2013 Dez 145,77 148,73
2014 Dez 145,48 146,23 -0,2 -1,68 0,5
2015 Dez 136,47 136,45 - 4,11 -6,69 -3,5
2016 Dez 133,87 132,79 -4,55 -2,68 -3,3
2017 Dez 136,70 138,52 2,11 4,32 1,3
2018 Dez 136,52 138,73 1,62 0,85 1,3
2019 Dez 138,27 139,15 0,89 - 1.1
Média - - -0,71 - -0,43
Fonte dos dados básicos: Banco Central do Brasil.
Produto, desemprego, juros básicos, câmbio, conta corrente e resultado fiscal
Ano ∆Y µ Sel i c Méd. π Ca mb.Méd. Cta .Cor. Déf.Nom.
(%) (%) (%) (%) R$/US$(e) (%Y) (%Y)
2010 7,50 9,79 5,91 1,76 -3,58 2,41
2011 4,00 11,62 6,50 1,68 -2,92 2,47
2012 1,90 7,30 8,49 5,84 1,96 -3,40 2,26
2013 3,00 7,20 8,22 5,91 2,16 -3,23 2,96
2014 0,50 6,80 10,91 6,41 2,35 -4,13 5,95
2015 -3,50 8,30 13,29 10,67 3,33 -3,03 10,22
2016 -3,30 11,30 14,03 6,29 3,49 -1,34 8,97
2017 1,30 12,80 9,98 2,95 3,19 -0,73 7,77
2018 1,30 12,30 6,42 3,75 3,66 -2,20 7,08
2019 1,10 11,90 5,95 4,31 3,95 -2,76 5,91
Médi a 1,38 9,74 9,87 5,85 2,75 -2,73 5,33
Fonte dos dados básicos: Banco Central do Brasil.
Selic, Base Monetária, Meios de Pagamento, Produto, inflação e taxa de juros básica real
Ano Sel i c Méd. % ∆Mo % ∆M1 % ∆M2 % ∆Y % π% Sel i c médi a Real % IBC-BR %
2010 9,79 24,56 12,60 16,70 7,50 5,91 3,66 -
2011 11,62 3,57 1,24 18,72 4,00 6,50 4,81 -
2012 8,49 8,93 13,90 9,10 1,90 5,84 2,50 -
2013 8,22 6,92 5,99 10,89 3,00 5,91 2,18 -
2014 10,91 5,60 2,06 9,91 0,50 6,41 4,23 -0,20
2015 13,29 -3,10 -4,89 6,28 -3,50 10,67 2,37 -4,11
2016 14,03 5,90 8,56 7,02 -3,30 6,29 7,28 -4,55
2017 9,98 9,80 5,73 5,54 1,30 2,95 6,83 2,11
2018 6,42 1,80 6,87 10,44 1,30 3,75 2,58 1,62
2019 5,95 4,81 7,57 8,46 1,10 4,31 1,57 0,89
Médi a 9,87 6,88 5,96 10,31 1,38 5,85 3,80 -0,71
Fonte dos dados básicos: Banco Central do Brasil.
A estratégia, portanto, é: após decidir sobre as prioridades para, por exemplo, o nível de preços
(inflação), o banco central escolhe algumas variáveis como alvo, chamadas metas intermediárias, tais
como os agregados monetários (M1, M2, M3, M4) ou as taxas de juros de mercado (de curto ou de
médio prazo), que têm um efeito direto sobre o nível de preços. No entanto, mesmo essas metas
intermediárias também não são diretamente afetadas pelas ferramentas de política monetária do banco
central. Portanto, ele escolhe, de fato, um outro conjunto de variáveis como alvo, conjunto este

70
chamado de metas operacionais, tais como agregados de reserva (reservas, reservas não-mutuadas10,
base monetária ou base não-emprestada11) ou, majoritariamente, taxas de juros básicas (taxa das letras
do tesouro), que respondem melhor como ferramentas de política monetária.
Metas Intermediárias
Vejamos primeiro que a escolha de uma meta intermediária monetária envolve a perda de
controle sobre a taxa de juros. A figura seguinte contém um diagrama de oferta e demanda para o
mercado monetário.
Taxa de Ms
Juros, i
i’’
i*
i’
Md* Md’’
Md’

M* Quantidade de Moeda, M
Figura – Resultado de estabelecer a oferta de moeda como meta. Estabelecer como meta a oferta de
moeda em M* levará a flutuações na taxa de juros entre i’ e i’’ devido a flutuações na curva de demanda
por moeda entre Md e Md’. Embora o banco central espere que a curva de demanda para moeda fique
em Md*, ela flutua entre Md’ e Md’’, devido a elevações ou reduções inesperadas na produção ou a
mudanças no nível de preços. A curva de demanda de moeda poderia também se deslocar
inesperadamente diante de mudança nas preferências do público por manter determinada quantidade
de títulos de dívida versus papel-moeda. Se o banco central tem como meta uma taxa de crescimento
de 4% em M1 ou em M2, que resulta em uma oferta de moeda de M*, ele espera que a taxa de juros
seja i*. No entanto, conforme indica a figura, as flutuações na curva de demanda da moeda entre Md’ e
Md’’ terão como resultado uma flutuação das taxas de juros entre i’ e i’’. Almejar uma meta monetária
implica que poderá ocorrer uma flutuação das taxas de juros.
O diagrama de oferta e demanda na figura seguinte mostra as consequências de uma meta de
taxa de juros fixada em i*.
Ms’ Ms* Ms’’
Taxa de
Juros, i
i’’
i* Meta de Taxa de Juros, i*
i’
Md* Md’’
Md’

M’ M* M’’ Quantidade de Moeda, M


Figura – Consequência do estabelecimento da taxa de juros como meta. Estabelecer como meta a taxa
de juros em i* levará a flutuações da oferta de moeda entre M’ e M’’, devido a flutuações na curva de
demanda por moeda entre Md’ e Md’’.

10
Reservas não-mutuadas são as reservas totais menos as reservas mutuadas (quantidade de empréstimos de redesconto).
11
A base não-emprestada é a base monetária menos as reservas mutuadas.
71
Mais uma vez, o banco central espera que a curva de demanda da moeda fique em Md*, mas ela
flutua ente Md’ e Md’’, devido a mudanças inesperadas na produção, no nível de preços ou nas
preferências do público sobre a quantidade de moeda a ser retida. Caso a curva de demanda caia até
Md’, a taxa de juros começará a cair a um nível abaixo de i*, e subirá o preço dos títulos de dívida.
Tendo uma meta de taxa de juros, o banco central evitará uma queda da taxa de juros através da venda
de títulos de dívida para fazer com que seus preços caiam novamente e a taxa de juros volte a subir até
o seu nível anterior. O banco central efetuará vendas de mercado aberto até que haja uma queda da
oferta de moeda até Ms’, onde a taxa de juros de equilíbrio voltará a ser i*.
Por outro lado, caso a curva de demanda se eleve até Md’’ e eleve a taxa de juros, o banco
central impedirá que as taxas de juros subam comprando títulos de dívida para evitar que haja uma
queda de seus preços. O banco central fará compras de mercado aberto até que haja uma elevação da
oferta de moeda até Ms’’ e a taxa de juros de equilíbrio seja i*. Portanto, o fato de o banco central
aderir à meta de taxa de juros leva a uma oferta de moeda flutuante, bem como a flutuações nos
agregados de reservas e na base monetária.
A conclusão a que se chega a partir da análise acima é que as metas de taxas de juros e de
agregados monetários são incompatíveis entre si: um banco central pode atingir uma ou outra, mas
nunca as duas12. Como deve ser feita uma escolha entre elas, temos que analisar quais os critérios a
serem utilizados na decisão da variável meta (intermediária).
Alternativas Meta Operacional Meta Intermediária Impacto* Objetivo Final
Taxa de Juros Taxa Selic-Over Taxas de Juros Bancárias PIB Nominal e Real Taxa de Inflação
Agregado Monetário Base Monetária Meios de Pagamento (M1) PIB Nominal e Real Taxa de Inflação
Meta de Inflação Taxa Selic-Over Taxas de Juros Bancárias PIB Nominal e Real Taxa de Inflação
(*) O impacto no PIB nominal também representará, de forma direta, impacto na taxa do PIB real.

Critérios para Escolha de Metas Intermediárias


A lógica da estratégia de um banco central de utilizar metas sugere três critérios para a escolha
de uma meta intermediária: ela deve ser mensurável, deve ser passível de controle pelo banco central e
deve apresentar um efeito previsível sobre o objetivo.
a) Mensurabilidade.
A mensuração rápida e precisa de uma variável meta-intermediária faz-se necessário na medida
em que a meta intermediária será útil apenas se indicar mais rapidamente do que a variável-objetivo
quando a política se encontra fora de sua trajetória.
À primeira vista, as taxas de juros parecem mais mensuráveis do que os agregados monetários e,
portanto, mais úteis como metas intermediárias. Não somente os dados sobre taxas de juros estão
disponíveis mais rapidamente do que os de agregados monetários, mas também eles são medidos com
maior acuidade e raramente são revistos, ao contrário dos agregados monetários, que estão sujeitos a
uma quantidade razoável de revisões.
No entanto, a taxa de juros que é medida com rapidez e acuidade é a taxa de juros nominal, que
é, em geral, uma medida falha do custo real de tomar empréstimos, que indica com maior precisão o
que acontecerá com o PIB. Este custo real de tomar empréstimos é medido com mais acuidade pela taxa
de juros real – a taxa de juros ajustada para a inflação esperada (r = i – πe). Mas, a taxa de juros real é
mais difícil de ser mensurada, porque não existe uma maneira direta de medir a inflação esperada. Já
que tanto a taxa de juros como os agregados monetários apresentam problemas de mensurabilidade,
não fica evidente se uma deveria ser preferida à outra como meta intermediária.
b) Controle.
Alguns economistas propõem que o PIB nominal deveria ser utilizado como meta intermediária,
mas como o banco central tem pouco controle direto sobre o PIB nominal, ele não é um bom guia de

12
Em consequência, como será visto mais adiante, houve a convergência para o mecanismo das metas de inflação, em lugar
de metas de juros ou de metas monetárias.
72
como o Bacen deveria estabelecer seus instrumentos políticos. No entanto, um banco central exerce
relativo controle sobre os agregados monetários e sobre as taxas de juros.
Através do processo de criação de moeda e mediante os instrumentos de política monetária
têm-se a indicação de que um banco central tem a habilidade de exercer um forte efeito sobre a oferta
de moeda, embora seu controle não seja perfeito. Também já vimos que as operações de mercado
aberto podem ser usadas para determinar as taxas de juros, na medida em que afetam diretamente o
preço dos títulos de dívida.
Como um banco central pode determinar as taxas de juros diretamente, embora não possa
controlar totalmente a oferta de moeda, poderia parecer que as taxas de juros se sobressaem aos
agregados monetários, no que tange ao critério de controle. No entanto, um banco central não pode
estabelecer taxas de juros reais, porque não exerce controle sobre as expectativas de inflação.
c) Efeitos Previsíveis sobre os Objetivos.
A característica mais importante que uma variável deve ter para ser útil como meta
intermediária é ter um impacto previsível sobre um objetivo final. Em função disso, a ligação da oferta
de moeda e das taxas de juros com os objetivos, quais sejam, produção, emprego e nível de preços, é
assunto para muito debate. As teorias já vistas relativas ao impacto de políticas monetárias sobre os
objetivos macroeconômicos (inflação e nível de atividade econômica) ilustram esse debate.
Critérios para a Escolha de Metas Operacionais
A escolha de uma meta operacional pode ser baseada nos mesmos critérios usados para avaliar
as metas intermediárias. Tanto a taxa de fundos (títulos) federais quanto os agregados de reservas são
medidos com precisão e estão disponíveis diariamente quase sem atraso. Ambos também são
facilmente controláveis, usando os instrumentos de política monetária. Quando observamos o terceiro
critério, no entanto (previsibilidade), podemos pensar na meta intermediária como sendo o objetivo
final para a meta operacional. Prefere-se uma meta operacional que tenha um impacto mais previsível
sobre a meta intermediária mais desejável.
Caso a meta intermediária desejada seja uma taxa de juros, a meta operacional preferida será
também uma taxa de juros, como a taxa de fundos federais, porque as taxas de juros estão muito
atreladas uma às outras.
Caso a meta intermediária desejada seja um agregado monetário, haverá preferência por uma
meta operacional de agregado de reservas, tal como a base monetária.
Como não parece haver um bom motivo para se escolher uma taxa de juros a um agregado de
reserva, com base na mensurabilidade e no controle, a escolha da melhor meta operacional se baseia na
escolha da meta intermediária (que será o objetivo da meta operacional).
Lições Extraídas das Experiências com Metas
Lições podem ser extraídas das experiências com metas intermediárias do tipo monetárias
praticadas nos EUA, no Reino Unido, no Canadá, na Alemanha e no Japão. Primeiramente, o sucesso das
metas monetárias parece exigir que um banco central busque seriamente sua estratégia de metas.
Países como os Estados Unidos, o Canadá e especialmente o Reino Unido, não foram capazes de usar as
metas monetárias para manter a inflação sob controle porque os procedimentos utilizados para
implementar as metas não implicavam um comprometimento forte com a estratégia e ultrapassavam-se
sempre as metas monetárias estabelecidas.
A Alemanha e o Japão, por outro lado, obtiveram maior êxito na utilização de agregados
monetários para manter a inflação sob controle. Isso não significou que o Bundesbank e o Bank of Japan
sempre alcançaram suas metas.

73
A lição final é que a quebra da relação entre os agregados monetários e as variáveis-objetivos, o
PIB nominal (ou a taxa de variação do PIB real) e a inflação, em muitos países, tornaram insustentável a
estratégia de metas monetárias13.
A Convergência em Estratégia de Política Monetária: Metas de Inflação.
Apesar de os bancos centrais terem abandonado as metas monetárias, os motivos pelos quais
elas foram adotadas permanecem. Os bancos centrais ainda vêem a necessidade de ter uma âncora
nominal para promover a estabilidade de preços. Uma outra âncora nominal para a política monetária
pode ser a taxa de câmbio estrangeiro. Alguns países (inclusive o Brasil) alcançaram uma inflação baixa
atrelando o valor de sua moeda ao da moeda de um país com um tradição de inflação baixa (os EUA, por
exemplo, no caso do Brasil e de outros países da área do dólar). No entanto, o problema dessa
estratégia é que, com uma taxa de câmbio fixa, o país deixa de exercer controle sobre sua política
monetária e, logo, não pode utilizá-la para reagir a choques domésticos.
A busca de uma âncora nominal levou muitos países a buscar metas de inflação como estratégia
monetária. Entre estes países, além do Brasil, destacam-se a Nova Zelândia, o Canadá e o Reino Unido.
Podemos extrair muitas lições das experiências com metas de inflação nesses países. Primeiro, as
metas de inflação não têm podido produzir uma queda na inflação sem um declínio significativo da
produção e uma elevação do nível de desemprego. Esperava-se que as metas de inflação levariam a uma
desinflação a um custo mais baixo, mas isso não ocorreu. Em segundo lugar, as metas de inflação, até
agora, funcionaram bem no sentido de manter a inflação em níveis moderados.
Uma vantagem importante das metas de inflação é que elas mantêm o objetivo de estabilidade
de preços aos olhos do público, tornando, por conseguinte, o banco central mais responsável por
manter a inflação baixa, o que pode também ajudar a reduzir as pressões políticas sobre o banco central
no sentido de buscar uma política monetária inflacionária.
Tentar atingir uma meta de inflação no médio prazo14 é um avanço em relação a tentar atingir
uma meta de crescimento da moeda nominal. Afinal, no médio prazo, o principal objetivo de uma
política monetária é obter uma dada taxa de inflação. Melhor, então, é ter como meta diretamente a
taxa de inflação do que uma meta intermediária de crescimento da moeda nominal, que pode não levar
à taxa de inflação desejada15.
Regra de Taylor
A questão, agora, é como atingir a meta de inflação. O banco central, claramente, não tem
controle direto sobre a inflação. Para responder a essa pergunta, John B. Taylor (Universidade de
Stanford) argumentou que, como é a taxa de juros que afeta diretamente os gastos, o banco central
deveria pensar em termos de escolher uma taxa de juros, em vez de uma taxa de crescimento da moeda
nominal. Ele sugeriu, em 1993, uma regra de formação da taxa de juros, pelo banco central, que ficou
conhecida como Regra de Taylor. A taxa de juros nominal deveria responder às divergências entre as
taxas da inflação atual e da meta de inflação e entre as taxas reais do PIB corrente e do PIB potencial.
Trata-se de determinação exógena da taxa de juros, cuja formulação original está descrita como segue.
it - r* = aπ (πt - π*) + ay (yt – y*) + πt ou, então, it = r* + aπ (πt - π*) + ay (yt – y*) + πt onde:
• it = taxa de juros nominal de curto prazo alvo (variável resultante).
• r* = taxa de juros real de equilíbrio.

13
E, portanto, levaram ao uso generalizado apenas das taxas de juros como instrumentos de política monetária para atingir
objetivos econômicos intermediários e finais.
14
Já vimos que a divisão entre curto e médio prazos depende, sob o ponto de vista teórico, da adaptação de expectativas,
mas pode-se conceber, sob o ponto de vista cronológico, o médio prazo como período em torno de dois e até dez anos. No
caso de metas de inflação de médio prazo, é apropriado considerar o limite inferior desse intervalo.
15
Isto não significa que uma meta intermediária (taxa de crescimento dos agregados monetários, por exemplo) deixe de ser
observada e avaliada.
74
• πt = taxa de inflação anual observada.
• π* = meta de inflação do Banco Central.
• yt = taxa do produto interno bruto (PIB).
• y* = taxa do PIB potencial (PIB de pleno emprego dos fatores de produção).
• (yt – y*) = hiato do produto.
• aπ = coeficiente de sensibilidade à variação da inflação.
• ay = coeficiente de sensibilidade à variação do produto.
Esta equação abrange diferenciais da taxa de inflação e taxa do PIB para apontar a taxa de juros.
Taylor propôs valor de 0,5 para aπ e para ay, dadas condições macroeconômicas específicas aos EUA.
Outra maneira de especificar a regra de formação da taxa de juros que o Banco Central poderia
seguir aparece na relação seguinte, que abrange os diferenciais da taxa de inflação (em relação à meta)
e de desemprego (em relação à taxa natural)16.
it = i* + a(πt - π*) – b(ut – un), onde a e b são coeficientes positivos17 e onde:
a) πt é a taxa de inflação.
b) π* é a meta de inflação proposta.
c) it é a taxa nominal de juros.
d) i* é a meta para a taxa nominal de juros (a taxa nominal de juros associada à meta de inflação π* no
médio prazo)18 ou, de outra forma, i* = r* + πt.
e) ut é a taxa de desemprego.
f) un é a taxa natural de desemprego.
Vejamos o que esta segunda versão da Regra de Taylor diz:
a) Se a inflação for igual à meta de inflação (πt = π*) e se a taxa de desemprego for igual à taxa natural
(ut = un), o banco central deveria fixar a taxa nominal de juros, i t, igual ao valor de sua meta, i*. Desse
modo, a economia pode manter-se na mesma trajetória, com inflação igual à meta e desemprego
igual a sua taxa natural (taxa de juros neutra ou taxa de juros estrutural).
b) Se a inflação for superior à meta (πt > π*), o banco central deveria aumentar a taxa nominal de juros,
it, acima de i*. Essa taxa de juros mais elevada reduzirá o produto e aumentará o desemprego, o que,
por sua vez, provocará uma queda da inflação19.
c) Se o desemprego estiver acima de sua taxa natural (ut > un), o banco central deve reduzir a taxa
nominal de juros. A taxa nominal de juros menor elevará o produto, diminuindo o desemprego.
O Princípio de Taylor

16
Esta forma alternativa considera o mercado de trabalho, isto é, a taxa de desemprego corrente e a taxa natural de
desemprego, evidenciando um duplo mandato para o Banco Central (estabilidade de preços e baixo desemprego).
17
Exemplo: it = 8% + 1(6,5% - 4,5%) – 1(6% - 8%) = 8% + 2% - (-2%) = 12%. Neste exemplo, temos i* = 8% (pressupostamente
compatível com uma taxa de inflação igual à meta de inflação), πt = 6,5% (taxa de inflação corrente, superior à meta
pressuposta de inflação), π* = 4,5% (meta de inflação), ut = 6% (taxa de desemprego corrente, inferior à taxa natural de
desemprego) e un = 8% (taxa natural pressuposta de desemprego). Quanto aos coeficientes a e b, atribuímos a ambos o valor
unitário, o que significa que o banco central tem a mesma preocupação tanto com a inflação quanto com o desemprego.
Observação: Taxa Selic →Taxa de Juros Real (efeito) → PIB (Y) → πt = Meta de Inflação (impacto).
18
No médio prazo, a taxa real de juros é dada, igual a rn, de modo que a taxa nominal de juros acompanha, na proporção de
um para um, a taxa de inflação. Se rn = 2% e a meta de inflação for π*= 2%, a meta para a taxa nominal de juros será i*= 2% +
2% = 4%. Se a meta de inflação π*= 0%, então: i* = 2% + 0% = 2%.
19
O coeficiente “a” deveria refletir o quanto o banco central se preocupa com a inflação em relação ao desemprego. Quanto
mais elevado “a”, mais o banco central aumentará a taxa de juros em reação à inflação, mais a economia reduzirá o seu
ritmo, mais o desemprego crescerá e mais rápido a inflação voltará a sua meta. O coeficiente “b” deve refletir o grau de
preocupação do banco central com o desemprego em relação à inflação. Quanto maior “b”, maior a disposição do banco
central de desviar-se da meta de inflação para manter o desemprego perto de sua taxa natural.
75
Imagine que o banco central escolha a taxa nominal de juros, it (lembra-se que, por meio de
operações de mercado aberto, o banco central pode atingir qualquer taxa nominal de juros de curto
prazo que desejar). Ao especificar aπ > 0, a Regra de Taylor (na original versão antes vista) estabelece
que um aumento na inflação de um ponto percentual deveria obrigar o banco central a elevar a sua taxa
de juros nominal em mais do que um ponto percentual. Desde que a taxa de juros real é a taxa nominal
de juros menos a inflação, isto significa que, sendo aπ > 0, implica que, quando a inflação aumenta, a
taxa de juros real também deve aumentar. A ideia de que a taxa de juros real deve ser elevada para
esfriar a economia quando a inflação aumenta (portanto requerendo que a taxa nominal de juros seja
aumentada mais do aumentou a inflação), tem sido chamada de Princípio de Taylor 20.
Regra de Taylor – Tabela Ilustrativa
Nº Nº Nº Nº % % % % Selic % % % % % % % % % % % % %
Ano a b aπ ay yt y* πt π*alvo Méd. it rt r* µt i* µn (πt-π*) aπ(πt-π*) (yt-y*) ay(yt-y*) (µt-µn) R.T.(1) R.T.(2)
2010 1,5 0,5 1,5 0,5 7,5 4 5,91 4,5 9,79 3,66 2,5 5,3 6,00 7,0 1,35 2,02 3,37 1,68 -1,59 12,12 8,82
2011 1,5 0,5 1,5 0,5 4,0 4 6,50 4,5 11,62 4,81 2,5 4,7 6,00 7,0 1,91 2,87 0,00 0,00 -2,15 11,87 9,95
2012 1,5 0,5 1,5 0,5 1,9 4 5,84 4,5 8,49 2,50 2,5 7,3 6,00 7,0 1,28 1,92 -2,02 -1,01 0,28 9,25 7,78
2013 1,5 0,5 1,5 0,5 3,0 4 5,91 4,5 8,22 2,18 2,5 7,2 6,00 7,0 1,35 2,02 -0,96 -0,48 0,19 9,95 7,93
2014 1,5 0,5 1,5 0,5 0,5 4 6,41 4,5 10,91 4,23 2,5 6,8 6,00 7,0 1,83 2,74 -3,37 -1,68 -0,19 9,97 8,84
2015 1,5 0,5 1,5 0,5 -3,5 4 10,67 4,5 13,29 2,37 2,5 8,3 6,00 7,0 5,90 8,86 -7,21 -3,61 1,21 18,42 14,25
2016 1,5 0,5 1,5 0,5 -3,3 4 6,29 4,5 14,03 7,28 2,5 11,3 6,00 7,0 1,71 2,57 -7,02 -3,51 4,02 7,85 6,56
2017 1,5 0,5 1,5 0,5 1,3 4 2,95 4,5 9,98 6,83 2,5 12,8 6,00 7,0 -1,48 -2,22 -2,60 -1,30 5,42 1,93 1,06
2018 1,5 0,5 1,5 0,5 1,3 4 3,75 4,5 6,42 2,58 2,5 12,3 6,00 7,0 -0,72 -1,08 -2,60 -1,30 4,95 3,88 2,45
2019 1,5 0,5 1,5 0,5 1,1 4 4,31 4,25 5,95 1,57 2,5 11,9 6,00 7,0 0,06 0,09 -2,79 -1,39 4,58 5,50 3,80
Média 1,50 0,50 1,50 0,50 1,38 4,00 5,85 4,48 9,87 3,80 2,50 8,79 6,00 7,00 1,32 1,98 -2,52 -1,26 1,67 9,07 7,14
Regra de Taylor (1) → it = r* + aπ (πt - π*) + ay (yt – y*) + πt . Regra de Taylor (2) → it = i* + a(πt - π*) – b (ut – un).

Taylor explicou a regra em termos simples usando três variáveis: taxa de inflação, taxa do PIB e
taxa de juros. Se a inflação aumentar por 1 p.p. (ponto %), a resposta apropriada seria aumentar a taxa
de juros por 1,5 p.p. (ponto %). Taylor explicou que não precisa sempre ser exatamente 1,5 p.p., mas ser
maior que 1p.p. é essencial). Se o PIB cair em 1 p.p. em relação ao seu caminho de crescimento, então a
resposta apropriada é cortar a taxa de juros em 0,5p.p. (ponto %).
Metas de Inflação no Brasil
A partir do 2º semestre de 1999 (Decreto 3.088, de 21/06/1999), a política monetária brasileira
passou a subordinar-se ao conceito de Inflation Targeting (Meta de Inflação).
O Copom (Comitê de Política Monetária) foi instituído, em 20/06/1996, com o objetivo de
estabelecer as diretrizes da política monetária e definir a taxa de juros. A sua criação visou dar mais
transparência e ritual adequado ao processo decisório do Banco Central, a exemplo do que já era
adotado pelo Federal Open Market Committee (FOMC), do Federal Reserve, nos Estados Unidos, e pelo
Central Bank Council, do Bundesbank, na Alemanha, procedimento também adotado, em 06/1998, pelo
Bank of England, na Inglaterra, com a criação do seu Monetary Policy Committee (MPC), assim como
pelo Banco Central Europeu, desde a criação da moeda única, em 01/1999.
As metas são definidas pelo CMN, por proposta do Ministro da Fazenda. O índice escolhido para
referência de inflação é o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado) do IBGE (Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística), sem nenhum tipo de expurgo.
A meta de inflação definida pelo CMN tem um intervalo de tolerância para cima e para baixo
estabelecido, inicialmente, em 2 pontos percentuais21.

20
Este Princípio de que a taxa de juros real deve aumentar quando a inflação aumenta irá impactar a taxa de longo prazo
(TLP) dos financiamentos do BNDES, a partir de 2018.
21
Mediante a Resolução nº 4.419, de 25 de junho de 2015, o Conselho Monetário Nacional fixou, para 2017, a meta de
inflação em 4,5%, com intervalo de variação tolerado de 1,5 p.p., para cima e para baixo do centro da meta. Para 2018, a
meta permaneceu em 4,5%. Em junho de 2017, o Conselho Monetário Nacional anunciou que a meta de inflação para 2019
seria 4,25% e, para 2020, seria de 4,0%. Considerando a permanência da flutuação permitida de 1,5 p.p., a meta poderá
oscilar entre 2,5% e 5,5%, em 2020. Em 2018, o Banco Central anunciou que o CMN estabeleceu, para 2021, a meta de 3,75%
76
Em função do sistema de metas de inflação, o Copom, que se reúne uma vez a cada período de
45 dias para avaliar a inflação, o cenário econômico e decidir a necessidade ou não de correção, passou
a produzir, além da ata de cada uma de suas reuniões (divulgada oito dias após a reunião, sob o título de
“Notas da Reunião do Copom”), um “Relatório da Inflação”, divulgado no último dia de cada trimestre
civil. Este texto aborda o desempenho do sistema de metas, os resultados das decisões anteriores de
política monetária e uma avaliação futura de inflação, ou seja, qual a tendência dos índices e, se for o
caso, a necessidade de correção de sua trajetória para a adequação da meta.
Formalmente, os objetivos do Copom são estabelecer diretrizes de política monetária, definir a
meta da taxa Selic e seu eventual viés e analisar o Relatório de Inflação. A taxa de juros fixada na
reunião do Copom é a meta para a taxa Selic (taxa média dos financiamentos diários, com lastro em
títulos federais, apurados no Sistema Especial de Liquidação e Custódia), a qual vigora por todo o
período entre reuniões ordinárias do Comitê. Se for o caso, o Copom também pode definir o viés, que é
a prerrogativa dada ao presidente do Banco Central para alterar a meta para a taxa Selic a qualquer
momento, entre as reuniões ordinárias.
O Copom é composto pelos 8 membros da Diretoria do Bacen, com direito a voto, sendo a
primeira sessão às terças-feiras e a segunda às quartas-feiras, quando é anunciada a decisão.
Tabela – Decisões selecionadas (final de ano) do Copom sobre a taxa de juros
Nº da Período de Vi gênci a Meta Tx. Taxa
Reuni ão Vi és 1 Data De A Sel i c (%) Sel i c (%)
155ª s.v. 08.12.2010 09.12.2010 19.01.2011 10,75 10,66
163ª s.v. 30.11.2011 01.12.2011 18.01.2012 11,00 10,90
171ª s.v. 28.11.2012 29.11.2012 16.01.2013 7,25 7,14
179ª s.v. 27.11.2013 28.11.2013 15.01.2014 10,00 9,90
187ª s.v. 03.12.2014 04.12.2014 21.01.2015 11,75 11,65
195ª s.v. 25.11.2015 26.11.2015 20.01.2016 14,25 14,15
203ª s.v. 30.11.2016 01.12.2016 11.01.2017 13,75 13,65
211ª s.v. 06.12.2017 07.12.2017 07.02.2018 7,00 6,90
219ª s.v. 12.12.2018 13.12.2018 06.02.2019 6,50 6,40
227ª s.v. 11.12.2019 12.12.2019 05.02.2020 4,50 4,40
Fonte: Banco Central do Brasil, www.bcb.gov.br. (1) Define o status do viés dicidido pelo Copom ou a utilização
do viés em caso de alteração na taxa entre reuniões do Copom. Convenção: viés – utilização da faculdade para
alterar a meta para a taxa Selic entre reuniões do Copom. v.r. – definição de viés de redução para o período. v.e. –
definição de viés de elevação para o período. s.v. – ausência de viés para o período.

2.4 Notas sobre Política Fiscal, Política Cambial e Política de Rendas


Política Fiscal
É a política de receitas e despesas do governo. Envolve a definição e a aplicação da carga
tributária exercida sobre os agentes econômicos, bem como a definição dos gastos do governo, que tem
como base os tributos captados. A terminologia fiscal do governo federal é a que se segue.
Déficit/Superávit Despesas Financeiras Despesas Não Financeiras
Primário (menor) não inclui Inclui
Nominal (maior) inclui Inclui

Do ponto de vista de sua integração com as políticas monetária e cambial, uma política fiscal
adequada deve permitir neutralizar os efeitos do endividamento interno do Tesouro, mediante um
superávit fiscal primário que gere recursos para a aquisição dos títulos anteriormente emitidos 22.
Caso o governo federal gaste mais do que arrecada, ele será obrigado a recorrer ao
endividamento, absorvendo recursos do setor privado e prejudicando a formação da poupança interna
necessária ao financiamento do investimento produtivo.
Assim, é sempre importante lembrar que um quadro fiscal deficitário representa um

para a inflação, mantendo a flutuação de 1,5 p.p. para cima e para baixo. Em junho de 2019 o CMN definiu a meta de inflação
para 2022 em 3,5%, mantendo a tolerância de 1,5 p.p. para cima e para baixo.
22
Ou, idealmente, que o superavit primário tenha a dimensão necessária para absorver o pagamento dos encargos (juros e,
se for o caso, correção monetária) da dívida pública. No mínimo, o superarvit primário deve complementar o crescimento do
PIB (e da arrecadação tributária) para o pagamento dos encargos (juros) da dívida pública.
77
constrangimento à política monetária. Ou seja, a redução significativa das taxas de juros está atrelada
ao equacionamento do déficit público.
A Lei de Diretrizes Orçamentária – LDO e a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, são os dois
instrumentos fundamentais de referência da Política Fiscal, no que se refere à programação, gestão e
controle dos gastos do governo.
A LDO de cada ano faz parte de um processo legal-administrativo, que se inicia com o Plano
Plurianual – PPA e se estende à correspondente Lei Orçamentária Anual – LOA, obedecendo a requisitos
ampliados pela Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF. A LDO fixa os objetivos e parâmetros a serem
observados na elaboração da LOA para o exercício fiscal do ano seguinte.
A LRF (Lei Complementar 101, de 04/05/2000) estabelece normas de finanças públicas voltadas
para a responsabilidade na gestão fiscal, mediante ações em que se previnam riscos e corrijam-se
desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, destacando-se o planejamento, o controle, a
transparência e a responsabilização como premissas básicas.
Em síntese, as etapas básicas do processo de planejamento e orçamento do setor público são:
PPA, LDO e LOA.
Carga tributária bruta (% do PIB)
Discriminação 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Total (A+B+C) 32,45 33,19 32,85 32,62 31,91 32,15 32,31 32,62 33,58
União (A) 22,37 23,18 22,76 22,76 21,86 21,99 22,08 22,13 22,66
Estados (B) 8,28 8,17 8,21 8,21 8,11 8,13 8,22 8,42 8,65
Municípios (C) 1,79 1,85 1,89 1,89 1,94 2,02 2,00 2,06 2,27
PIB (R$ milhões) 3.885.847 4.376.382 4.814.760 5.331.619 5.778.953 5.995.787 6.269.328 6.583.176 6.889176
Fonte: Secretaria da Receita Federal do Brasil (Apud Banco Central do Brasil).
Carga tributária bruta (participação %)
Discriminação 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Total (A+B+C) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
União (A) 69,0 70,0 69,1 68,9 68,5 68,3 68,3 68,0 67,5
Estados (B) 25,5 24,4 25,2 25,3 25,5 25,5 25,5 25,7 25,8
Municípios (C) 5,5 5,5 5,8 5,8 6,1 6,2 6,1 6,3 6,7
Fonte: Secretaria da Receita Federal do Brasil (Apud Banco Central do Brasil).

Déficits e Superávits Orçamentários do Governo e a Poupança Nacional


Considere-se que o governo tenha um orçamento equilibrado e então, por causa de um corte de
impostos ou um aumento de despesas, passe a incorrer em déficit orçamentário. O que acontece?
Lembra-se que a poupança nacional – a fonte de oferta de fundos para empréstimos – é
composta pela poupança privada e pela poupança pública. Uma alteração no equilíbrio orçamentário do
governo significa alteração na poupança pública e, portanto, na oferta de fundos para empréstimos.
Já a demanda por fundos de empréstimos não é alterada, pois o déficit orçamentário do governo
não influencia o montante que famílias e empresas desejam tomar emprestado a qualquer taxa de juros
dada. Veja-se o gráfico que se segue.
O2
Taxa de O1
Juros (%)
7

Demanda

$ 800 $ 1.200 Fundos de Empréstimos ($ bilhões)

Figura – Um déficit orçamentário reduz a oferta de fundos para empréstimos. Isto porque
quando o governo incorre em déficit orçamentário a poupança pública é negativa e isso reduz a

78
poupança nacional. Portanto, um déficit orçamentário desloca a curva de oferta para empréstimos para
a esquerda, de O1 para O2. Esta redução na oferta de fundos para empréstimos aumenta a taxa de juros
para equilibrar oferta e demanda desses fundos (Mankiw, 2015).
Esta taxa de juros mais elevada altera o comportamento das famílias e empresas que participam
do mercado de empréstimos. Muitos demandantes de fundos são desestimulados pela taxa de juros
mais elevada. A queda no investimento resultante é chamada deslocamento (crowding-out) e é vista na
figura por um movimento ao longo da curva de demanda de uma quantidade de $1.200 bilhões para
$800 bilhões em fundos emprestáveis, quando a taxa de juros sobe de 5% para 7% ao ano.
Resultados nominal e primário do Governo Geral – Brasil – Em % do PIB.
Discriminação 2010 Dez 2011 Dez 2012 Dez 2013 Dez 2014 Dez 2015 Dez 2016 Dez 2017 Dez 2018 Dez 2019 Dez
Nominal 2,41 2,47 2,26 2,96 5,95 10,22 8,98 7,77 7,08 5,91
Juros Nominais 5,03 5,41 4,44 4,67 5,39 8,37 6,49 6,09 5,50 5,06
Primário -2,62 -2,94 -2,18 -1,71 0,56 1,86 2,48 1,68 1,57 0,85
Dívida Pública Bruta - - 58,80 56,70 57,20 65,60 70,00 74,00 76,50 75,80
Fonte: Banco Central do Brasil.
Política Cambial
Consiste, em essência, na gestão da taxa de câmbio e no controle das operações cambiais.
Embora indiretamente ligada à política monetária, destaca-se desta por atuar de forma mais direta
sobre as variáveis ligadas às transações econômicas e financeiras do país com o exterior.
A política cambial, entretanto, deve ser cuidadosamente administrada no que tange ao seu
impacto sobre a política monetária. Um desempenho muito forte das exportações pode ter grande
impacto monetário, porque o ingresso de divisas significa conversão para reais e expansão da emissão
da moeda, que tem grande efeito inflacionário futuro.
Idêntica expansão acontece quando cresce o volume de recursos captados pela emissão de
títulos no exterior, seja através de bônus ou commercial papers, seja pela entrada de recursos para
aplicação em bolsa de valores ou em títulos domésticos, como os títulos da dívida federal.
Assim, o aumento na pressão da oferta monetária via câmbio prejudica o controle dos juros,
aumentando inclusive o custo do governo, que é obrigado a aumentar a dívida pública mobiliária (em
títulos), para enxugar a moeda que entra em circulação pela troca de dólar por reais.
A menos que o Bacen decida deixar circulando na economia os reais que correspondem à
entrada de , ou a menos que as pessoas, as empresas e instituições nacionais, incluindo o Tesouro
dólares

Nacional, sejam autorizadas a manter contas em dólares no país, não há como evitar aumento do
endividamento interno quando os dólares são internalizados no país.
Ilustração
% T. Méd.Câ mbi o Sel i c % US$ mi l hões Tra ns .Corr.
Ano yt R$/US$ Méd. i t Res erva s % PI B
2010 7,50 1,76 9,79 288.575 -3,58
2011 4,00 1,68 11,62 352.012 -2,92
2012 1,90 1,96 8,49 373.147 -3,40
2013 3,00 2,16 8,22 358.808 -3,23
2014 0,50 2,35 10,91 363.551 -4,13
2015 -3,50 3,33 13,29 356.464 -3,03
2016 -3,30 3,49 14,03 365.016 -1,34
2017 1,30 3,19 9,98 373.972 -0,73
2018 1,30 3,66 6,42 374.715 -2,20
2019 1,10 3,95 5,95 356.884 -2,76
Médi a 1,38 2,75 9,87 356.314 -2,73
Fonte dos dados básicos: Banco Central do Brasil.
Em resumo, para o Brasil, uma boa política cambial deverá permitir um elevado volume de fluxo
de moeda com o exterior nos dois sentidos (exportações, importações, captações e remessas
financeiras), garantindo que os déficits em transações correntes sejam assegurados pelo conjunto de
financiamentos externos, na forma de investimentos diretos, colocação de bônus e linhas de crédito de
exportação ou importação. Da mesma forma, superávits na conta corrente e na de capitais poderiam
ensejar a aplicação das reservas excedentes em um fundo soberano.
79
Política de Rendas
É a que o governo exerce, estabelecendo controles sobre a remuneração dos fatores diretos de
produção envolvidos na economia, tais como salários, depreciações, lucros, dividendos e preços dos
produtos intermediários e finais.
Tabela Ilustrativa
% % Sel i c % % FBCF FBCF+ΔEs toques
Ano yt πt Méd. i t rt % PI B % PI B
2010 7,50 5,91 9,79 3,66 20,53 21,80
2011 4,00 6,50 11,62 4,81 20,61 21,83
2012 1,90 5,84 8,49 2,50 20,72 21,42
2013 3,00 5,91 8,22 2,18 20,91 21,69
2014 0,50 6,41 10,91 4,23 19,87 20,55
2015 -3,50 10,67 13,29 2,37 17,84 17,41
2016 -3,30 6,29 14,03 7,28 15,50 15,00
2017 1,30 2,95 9,98 6,83 15,00 15,00
2018 1,30 3,75 6,42 2,58 15,80 15,40
2019 1,10 4,31 5,95 1,57 15,40 15,16
Médi a 1,38 5,85 9,87 3,80 18,22 18,53
Fonte: Banco Central do Brasil.

2.5 A Teoria da Política Monetária nos Modelos Keynesianos, Monetarista e Novo-Clássico


2.5.1 A Teoria da Política Monetária nos Modelos Keynesianos
a) A Teoria da Política Monetária de Keynes (e dos Pós-Keynesianos)
Os economistas das correntes keynesiana, pós-keynesiana e novo-keynesiana consideram que a
política monetária é capaz de afetar o nível de emprego e apóiam-se nos escritos originais de Keynes,
nos quais aquele autor defendeu a ideia que a moeda não é neutra nem no curto nem no médio (longo)
período e que, portanto, a política monetária, mediante o uso da taxa de juros, pode ser eficaz para
alterar variáveis reais.
A operação da política monetária
O Banco Central opera suas políticas em uma economia que pode ser sinteticamente
decomposta, como já visto, em duas esferas de circulação da moeda: a industrial e a financeira.
Na primeira esfera, lembra-se, a moeda exerce a sua função de meio de troca, faz girar bens e
serviços. O volume de produto e serviços, o nível de preços e a velocidade de circulação da moeda
determinam o volume de meios de pagamento que satisfaz as necessidades dos agentes que realizam
transações nessa esfera.
Na outra esfera, a da circulação financeira, a moeda faz girar ativos financeiros, isto é, papéis que
possuem uma diversidade de graus de liquidez, exigem diferentes custos de manutenção e podem gerar
diferenciados ganhos de juros e ganhos de capital. Quando a moeda se transforma em um ativo, passa a
concorrer com os demais ativos pela demanda dos agentes.
As duas esferas não são ilhas isoladas de uma economia monetária 23, mas sim existe uma ponte
que as liga. Nessa ponte, somente a moeda vai e volta. A moeda, quando vai à ilha da circulação
industrial, assume um papel de meio de troca; quando volta à ilha da circulação financeira, transforma-
se num ativo de reserva de valor (monetário ou financeiro).
Circulação Industrial (bens e serviços)  ---- → Circulação Financeira (moeda e ativos financeiros)
(Moeda como meio de troca) (Moeda) (Moeda como reserva de valor)

A arte da política monetária sugerida por Keynes e pelos pós-keynesianos, que visa ao aumento
do produto e à redução do desemprego, é conseguir transformar moeda-ativo (na forma de reserva de
valor) em moeda-meio de troca24. Em outras palavras, a arte é induzir a viagem de moeda da circulação

23
Retorna-se aqui a observar que o conceito de economia monetária de produção em Keynes, que corresponde à visão de
uma economia na qual a moeda (e o crédito) influenciam (ou podem influenciar) o comportamento do produto e do
emprego (além de outras variáveis reais), tanto no curto quanto no médio prazo.
24
A essência desta arte é usar os instrumentos de política monetária (em especial taxa de juros, mas também moeda e
regulação de crédito) para induzir (ou não) a transformação de ativos financeiros em meios de pagamento direcionados para
consumo e investimento de famílias e empresas.
80
financeira para a circulação industrial. Então, recomenda-se aumentar o estoque monetário da
circulação financeira, por meio de operações de mercado aberto, para reduzir a taxa de juros dos ativos
líquidos, visando estimular estratégias privadas de recomposição de portfólios.
Assim, a política monetária que mira o crescimento econômico visa, por um lado, a troca de
liquidez por iliquidez e, por outro, a troca de renda de juros por lucros e dividendos, isto é, busca
desestimular a posse de ativos financeiros (representativos de débitos) e estimular a compra e uso de
máquinas e fábricas (investimento em bens de capital e na produção real), por exemplo, assim como no
estímulo adicional da demanda via o consumo e as exportações.
A política monetária de Keynes (e pós-keynesiana) será sempre eficaz?
Os agentes que, por excelência, tomam decisões a partir de uma política de operações de
mercado aberto, são os bancos. Isto porque uma compra de títulos por parte do Banco Central (e/ou
uma redução da taxa do recolhimento compulsório) faz aumentar suas reservas. Com reservas
aumentadas, os bancos tomam decisões semelhantes a qualquer agente privado:
1) podem exercer a sua demanda por liquidez de forma plena, retendo todo o acréscimo de moeda;
2) compram papéis financeiros e podem (ou não) produzir crédito ao público não-bancário;
3) o público não-bancário possui, por sua vez, uma terceira alternativa: comprar ativos reais que geram
rendimentos, isto é, ativos de capital.
Se os bancos seguem a primeira opção, a política monetária teria efeito nulo sobre o produto.
Isto porque, neste caso, sem o aumento do PMPP (Papel Moeda em Poder do Público) ou dos depósitos
à vista, mediante o crédito, os recursos monetários não vazariam da circulação financeira para a
industrial, via consumo e/ou investimentos.
Se a segunda opção, de forma generalizada, fosse escolhida pelos bancos (assim como pelas
firmas e pelos indivíduos), a política monetária poderia produzir desde efeitos nulos até efeitos plenos
sobre o produto. Caso o aumento de reservas dos agentes econômicos fosse utilizado para a compra de
papéis financeiros em mercados secundários, o efeito da política monetária seria nulo. Haveria tão-
somente uma pressão altista sobre os preços dos itens financeiros já existentes.
Se, entretanto, a compra de papéis é feita integralmente em mercados primários de ativos de
médio ou de longo termo emitidos por empresas não-financeiras, desejosas de investir, ou, ainda,
reitera-se, caso as reservas dos bancos são destinadas ao financiamento de consumo e investimento
pelo público não-bancário, a política monetária cumpriria integralmente o seu objetivo de reduzir o
desemprego.
Se a terceira via fosse escolhida pelo público não-bancário e, concomitantemente, os bancos
comprassem nos mercados primários ativos financeiros das firmas desejosas de investir, a política
monetária teria efeito pleno sobre o produto e o emprego.
b) A Teoria da Política Monetária dos Velhos-Keynesianos
Os seguidores das teorias de Keynes não formam um grupo homogêneo. Além dos pós-
keynesianos e novos-keynesianos, existe a corrente denominada velho-keynesiana, que não acredita
que a política monetária seja potente para alterar variáveis reais da economia.
Uma das mais influentes interpretações da teoria do emprego de Keynes deveu-se a James
Tobin, Paul Samuelson, Franco Modigliani, Robert Solow e Lawrence Klein, conhecidos hoje como
velhos-keynesianos.
No âmbito da sua síntese neoclássica keynesiana os velhos-keynesianos sugerem que a política
fiscal é que basicamente seria capaz de resolver ou atenuar o problema do desemprego. Na visão desta
corrente keynesiana a política monetária teria potência reduzida para reaquecer a economia em
momentos de recessão, uma vez que os gastos privados não seriam suficientemente estimulados por
reduções dos juros. Por outro lado, Friedman tentou mostrar que a política monetária é potente e que a
política fiscal é impotente, porque substitui gastos privados potenciais por gastos governamentais
efetivos (Mankiw, 2015).
81
i Função Investimento B

Função Investimento A

I
O receituário proposto pelo velho-keynesianismo advém da constatação empírica de que a
função demanda por bens de capital exibe uma baixa elasticidade-juros. O gráfico anterior representa
esta relação25. Embora reconheçam que teoricamente existem mecanismos capazes de explicar a
influência de variações no volume de moeda sobre o produto, consideram que a política monetária, em
relação à promoção do investimento, possui uma potência reduzida, pelo menos quando comparada
com a política fiscal.
A função investimento B tem a forma semelhante à função que foi estatisticamente constatada
pelos velhos-keynesianos. Logo, uma grande redução da taxa de juros provocaria tão-somente uma
reduzida ampliação do investimento. A função A foi aceita apenas teoricamente26. Uma exceção entre
os velhos-keynesianos é o Prêmio Nobel James Tobin, que sempre defendeu ser a política monetária
potente para alterar variáveis reais (através do q de Tobin).
A implicação da impotência da política monetária para os velhos-keynesianos é o uso
preferencial da política fiscal para influenciar o produto real e o emprego27.
2.5.2 A Teoria da Política Monetária no Modelo Monetarista
Política Monetária e Monetarismo
Como o próprio Friedman já havia antecipado no seu artigo de 1956 28, para que sua nova versão
da TQM – uma teoria da demanda por moeda, como a definiu – pudesse chegar a um modelo completo
de determinação da renda, seria preciso completá-lo com suposições adicionais sobre a estrutura da
oferta agregada. Essa tarefa, junto com a prescrição de uma quantidade ótima de moeda, vem com a
incorporação da análise da Curva de Phillips ampliada pelas expectativas adaptativas, levando-o às
conclusões apresentadas em The Role of Monetary Policy (FRIEDMAN, 1968) e em The Theoretical
Framework for Monetary Analysis (FRIEDMAN, 1970).
No que se refere ao papel da política monetária, Friedman afirma que essa política só poderá
determinar as taxas de juros e a taxa de desemprego em períodos bastante limitados.
Quanto à limitação da determinação da taxa de juros, Friedman critica a suposição de que um
aumento na quantidade de moeda possa afetar este preço da moeda. Diz que essa suposição parte de
uma função de preferência pela liquidez negativamente inclinada, onde as pessoas seriam induzidas a
guardar uma maior quantidade de moeda, ao serem diminuídas as taxas de juros. Mas adverte que a
taxa mais rápida de crescimento monetário estimulará o dispêndio, a renda crescente elevará a
preferência pela liquidez e a procura por empréstimos, devendo, também, elevarem-se os preços – o
que reduzirá a verdadeira quantidade de moeda (a quantidade real de moeda). Esses efeitos, segundo

25
Essa situação de inelasticidade do investimento em relação à taxa de juros real pode ser ilustrada com a ineficácia da
queda dos juros reais básicos (taxa Selic) ocorrida na economia brasileira no período 2011-2015.
26
Entretanto, pode-se considerar que os efeitos da política monetária não se restringem só ao investimento, diretamente,
mas também influenciam o consumo, através do crédito, e, indiretamente, tem impacto no prazo do investimento.
27
Por outro lado, considerando que os efeitos da política monetária (em especial da taxa de juros) não se restringem ao
investimento, mas se estendem também ao consumo e à poupança, o argumento da corrente velho-keynesiana tende a se
fragilizar, o que ajuda a explicar o generalizado uso da política monetária, ao lado das restrições à política fiscal ativa.
28
The quantity teory of money – A restatement (Friedman, 1956).
82
Friedman, inverteriam a pressão decrescente inicial sobre as taxas de juros de uma maneira rápida –
estimada por ele em menos de um ano.
Outro efeito, no entanto, faria com que uma taxa mais alta de expansão monetária produzisse
um nível mais alto e não mais baixo de taxas de juros. À medida que o crescimento monetário produza
preços em ascensão e que o público venha a esperar que os preços continuem a subir, os
emprestadores exigirão taxas de juros mais elevadas. Assim, Friedman argumenta que, se a autoridade
monetária desejasse assegurar taxas de juros mais baixas, teria que fazê-lo por uma política monetária
que, inicialmente, ao reduzir o crescimento da oferta de moeda, aumentasse a própria taxa de juros29.
A limitação quanto à determinação da taxa de desemprego relaciona-se à concepção de
Friedman sobre a Curva de Phillips. O autor supõe que sempre haverá um nível de desemprego que
possua a propriedade de ser consistente com a estrutura das taxas de salários reais – que corresponde à
“taxa natural de desemprego”. A análise, até então aceita, da Curva de Phillips, teria a falha de não
distinguir a dinâmica dos salários nominais em relação à dos salários reais. Segundo Friedman, a
autoridade monetária poderia aumentar a renda e o dispêndio através de um maior crescimento
monetário. No início, ainda não esperando o aumento de preços, trabalhadores voluntariamente
desempregados aceitariam trabalhar por um salário nominal maior (reduzindo o desemprego), mas não
mais o fariam quando observassem que os preços aumentaram (pois o salário real passou a ser o
mesmo anterior). A fim de manter o desemprego no seu nível mais baixo, a autoridade monetária teria
de elevar ainda mais o crescimento monetário, sendo que a formação de expectativas quanto à
evolução dos preços seguiria uma regra extrapolativa (adaptativa) do tipo:
et = et-1 + (t-1 – et-1) (Formação das Expectativas Adaptadas)30
onde: et = taxa de inflação esperada no período t;
et-1 = taxa de inflação esperada no período t-1;
t-1 = taxa de inflação observada no período t-1;
 = velocidade de correção do erro anterior.
O comportamento da oferta agregada, baseado na equação acima, dava espaço a que a política
monetária mantivesse o desemprego abaixo de sua taxa natural desde que, ao acelerar a taxa de
expansão monetária e, logo, os preços, provocasse um erro provisório e sistemático nas expectativas
dos contratos, em especial naqueles baseados em um salário real esperado. Assim, o desvio em relação
a uma Curva de Phillips vertical no médio prazo exigiria constante aceleração na taxa de expansão
monetária e na taxa de inflação, o que levaria a uma rota explosiva de preços.
As expectativas adaptadas ou adaptativas dizem que o valor esperado de uma variável é a média
ponderada dos valores observados no passado para essas variáveis. Assim a inflação esperada para o
próximo período é a média da inflação observada nos últimos períodos.
A Taxa Natural de Desemprego
Quando a economia está em repouso, isto é, não está sob o efeito de nenhuma intervenção de
política macroeconômica, a sua taxa corrente de desemprego é igual à taxa natural. O termo natural foi
usado, por Friedman, no sentido wickselliano: separar as causas de natureza estrutural e institucional
das causas intervencionistas de cunho monetário. Portanto, a taxa natural de desemprego é a taxa de
desemprego que incorpora as características estruturais e institucionais do mercado de trabalho e do
mercado de bens, tais como tecnologia, imperfeições, variações sazonais na demanda e na oferta, custo
e tempo de mobilidade de um emprego para outro – entre outras características.
A Curva de Phillips

29
Isto porque, ao aumentar a taxa de juros, formam-se expectativas de redução do nível geral de atividade econômica, do
nível de emprego e, no final, dos preços, consolidando na economia uma taxa de inflação mais baixa, que abre caminho para
taxas de juros menores.
30
Erro sistemático com base na informação passada do período t-1.
83
Em sua contribuição original (1958) Alban William Phillips concluiu que, com base em
observações empíricas para a Grã-Bretanha, existia uma correlação negativa entre a taxa de variação
dos salários monetários e a taxa de desemprego e que esta relação era estável.
A mais influente fundamentação teórica para essa observação empírica de Phillips foi feita por R.
G. Lipsey (1960), que derivou a curva de Phillips de sistema de oferta e demanda em um único mercado
de trabalho (Frisch, 1983).
A ideia principal do modelo Phillips-Lipsey é que a inflação de salários é explicada pelo excesso
de demanda no mercado de trabalho, no qual a taxa de desemprego é interpretada como um indicador
do nível de excesso (ou de insuficiência) de demanda por trabalho (pelas empresas) nesse mercado.
O primeiro estágio da história da curva de Phillips foi amplamente caracterizado pela crença que
existia uma relação estável na curva e que os formuladores de política podiam explorar o tradeoff entre
inflação e desemprego, escolhendo pontos alternativos ao longo da curva (interpretação Samuelson-
Solow). A hipótese da taxa natural de desemprego, desenvolvida de forma independente por M.
Friedman (1968) e por E. S. Phelps (1967), como segundo estágio, apresentou a diferença entre as
curvas de Phillips de curto prazo e de médio prazo (Frisch, 1983).
A curva de Phillips de curto prazo apresenta uma relação negativamente inclinada entre a taxa
de inflação e a taxa de desemprego, com expectativas de inflação constantes. A curva de Phillips de
médio prazo é uma linha vertical em alguma taxa de desemprego que é a taxa natural de desemprego.
Observação
 = - ( - n) → Curva de Phillips, onde:  = taxa de inflação;  = elasticidade da taxa de inflação em
relação aos desvios da taxa de desemprego (em relação ao seu nível natural);  =
taxa de desemprego; n = Taxa natural de desemprego.
 =  - ( - n) → Curva de Phillips Aumentada pelas Expectativas, onde e = taxa esperada de
e

inflação (expectativas).
 =  - ( - n) +  → Acrescentando choques de oferta, onde  = nível de custos (choques de oferta).
e

et = et-1 + (t-1 - et-1) → Expectativas adaptadas (ou adaptativas), com componentes já descritos.
Caso particular da curva de Phillips aumentada pelas expectativas, quando a
correção do erro de expectativa do período anterior ocorre no tempo ( < 1).
 t = t-1 → quando t-1 = et-1, isto é, o ajuste do erro é instantâneo (quando  = 1), uma situação de
e

estabilidade ou equilíbrio (ou ainda inflação inercial).


 t =  t-1 + (t-1 – et-1)
e e (Expectativas Adaptadas)
Se considerarmos =1, temos que et = et-1 + t-1 – et-1 = t-1
A tabela que segue pode ilustrar esta consideração, tal como: et = 4,5 + 1(1,34) = 5,91 = t-1
Ilustração
Ano α pt pt-1 pet-1 = p* α(pt-1 – pet-1 ) pet
2010 1 5,91 4,31 4,50 -0,18 4,31
2011 1 6,50 5,91 4,50 1,35 5,91
2012 1 5,84 6,50 4,50 1,91 6,50
2013 1 5,91 5,84 4,50 1,28 5,84
2014 1 6,41 5,91 4,50 1,35 5,91
2015 1 10,67 6,41 4,50 1,83 6,41
2016 1 6,29 10,67 4,50 5,90 10,67
2017 1 2,95 6,29 4,50 1,71 6,29
2018 1 3,75 2,95 4,50 -1,48 2,95
2019 1 4,31 3,75 4,25 -0,48 3,75
Médi a 1,00 5,85 5,85 4,48 1,32 5,85
Fonte: Elaboração ilustrativa própria.
A curva de Phillips foi primeiramente interpretada por Richard Lipsey como a teoria de inflação
neo-keynesiana. Ela identificava o mercado de trabalho como a fonte de inflação e levou à noção de um
tradeoff (escolha conflitiva) estável entre inflação e desemprego. Esta concepção dominou as discussões
sobre inflação nos anos 1960. Mas, no final dos anos 1960, Milton Friedman e Edmund Phelps
84
diferenciaram as curvas de Phillips de curto prazo e de médio prazo. Esta teoria tornou-se conhecida
como a hipótese da taxa natural de desemprego (Frisch, 1983).
Esta hipótese diz que a taxa de desemprego pode se desviar do seu equilíbrio no curto prazo,
mas irá retornar ao nível da sua taxa natural no médio prazo, após um ajustamento das expectativas
inflacionárias.
A hipótese da taxa natural de desemprego foi desafiada pela escola das expectativas racionais,
que argumenta que os agentes econômicos usam sua informação de modo eficiente e não cometem
erros de predição sistemáticos, como está implícito no modelo de expectativas adaptativas. Expectativas
racionais, junto com o pressuposto adicional que os mercados sempre estão equilibrados ou se
equilibram, levam ao resultado que mesmo uma curva de Phillips de curto prazo não existe. Mas o
poder da lógica desta teoria é maior do que seu valor como descrição do mundo real (Frisch, 1983).
O modelo da curva de Phillips é então compatível com a interpretação neo-keynesiana (Phillips-
Lipsey) e com a interpretação neoclássica-monetarista (Friedman-Phelps). Entretanto, na escola das
expectativas racionais a curva de Phillips desaparece como sistemática conexão entre as taxas de
inflação e de desemprego.
% de variação 4 7 % de variação anual em
Anual em preços salários (dW/dt)/W
(dP/dt)/P 3 6

2 5

1 4

0 3

-1 2

-2 1
A Curva de Phillips
A. W. Phillips, investigando desemprego e a taxa de aumentos de preço/salário no decorrer do tempo, constatou que as
baixas taxas de desemprego na Grã-Bretanha estavam associadas a taxas mais baixas de aumentos de preço/salário.
A curva de Phillips, desenhada na figura acima, indica um dilema de curto prazo para os políticos: a política econômica deve
lutar por um nível mais baixo de desemprego ou por preços estáveis? Note-se que na figura abaixo a taxa anual de aumento
de preço é representada sobre o eixo vertical do lado esquerdo, ao passo que a taxa anual de aumento de salário monetário
é representada sobre o eixo vertical do lado diretio. A substitutibilidade desemprego/inflação parece existir somente no
curto prazo, porque é provável que uma política contínua que vise obter baixas taxas de desemprego desloque a curva de
Phillips em sentido ascendente e resulte em “estagflação”.
Alguns economistas defendem o ponto de vista de que a substitutibilidade da curva de Phillips é uma ilusão; sugerem que, no
longo prazo, a curva é uma linha vertical à taxa natural de desemprego e que as tentativas feitas na década de 1970 para
forçar a taxa de desemprego abaixo da natural acabaram por acelerar as taxas de inflação. Os keynesianos discordam e
afirmam que a inflação da década de 1970 encontra melhor explicação na mudança de composição da força de trabalho e de
um efeito-retroação defasado e/ou imperfeito do custo de vida sobre o nível de preços. Contudo, ambos os lados concordam
que o relacionamento de longo prazo entre preços e taxas de desemprego é diferente do de curto prazo, quando a política
econômica visa a minimizar o nível de desemprego.
Exemplo - Parte-se que a economia na parte (a) da figura seguinte esteja no nível y0 de produção real. O governo introduz
uma política econômica estimulante, a fim de deslocar a demanda de D1 para D2, que eleva a produção real para y1; na
parte (b) nota-se que essa política baixa a taxa de desemprego de 6% para 4% e eleva a taxa de aumento de preços de 0 para
2%. Já que a demanda agregada S1 foi derivada com a expectativa de preços estáveis, a nova taxa de 2% de aumento de
preços desloca a oferta agregada para S2 e gera o retorno da produção real e do desemprego a seus níveis iniciais y0 e 6%. A
expectativa de uma taxa de aumento de preços de 2% deslocou a curva de Phillips em sentido ascendente para P2, na qual
uma taxa de aumento de preços de 2% agora é coerente com um nível de desemprego de 6%. Tentativas contínuas para
baixar a taxa de desemprego para 4% resultarão em aumentos contínuos no nível de preços. As expectativas de tais
aumentos de preços deslocam a curva de Phillips para P3, P4 etc. A taxa natural de desemprego persiste e não existe
possibilidade de ser atingido permanentemente nível de desemprego mais baixo.

85
Preços (dP/dt)/P
Médios S2

S1

D2 2%
P4
D1 P3
0
y0 y1 Prod.Real 4% 6% P2 Taxa de
Desemprego
(Salvatore, D.; Diulio, E. A. Introdução à Economia. McGraw-Hil do Brasil, 1981. Série Schaum). P1

A Taxa Natural de Desemprego e a Curva de Phillips


(Blanchard, Olivier. Macroeconomia, Pearson Prentice Hall, 2011).
Em 1958, Alban William Phillips desenhou um diagrama que mostrava a taxa de inflação contra a
taxa de desemprego no Reino Unido para cada ano de 1861 a 1957. O diagrama deixou evidente uma
relação negativa entre inflação e desemprego.
Essa relação, que Samuelson e Solow batizaram de curva de Phillips, rapidamente se tornou
fundamental para o pensamento macroeconômico e para a política macroeconômica. Ela parecia
implicar que os países poderiam escolher entre combinações diferentes de desemprego e inflação.
Muito da discussão sobre política macroeconômica tornou-se uma questão acerca de qual ponto
escolher na curva de Phillips.
Na década de 1970, porém, a relação fracassou. Nos EUA, assim como na maioria dos países da
OCDE, havia inflação alta e desemprego alto, o que contradizia claramente a curva de Phillips original.
Outra relação apareceu, mas sob a forma de uma relação entre a taxa de desemprego e a variação da
taxa de inflação.
A história da curva de Phillips está ligada com a descoberta do conceito de taxa natural de
desemprego. A curva de Phillips original implicava que não existia nada como uma taxa natural de
desemprego. Se os formuladores de política econômica estivessem dispostos a tolerar uma taxa de
inflação mais alta, poderiam manter uma taxa de desemprego mais baixa para sempre.
No final da década de 1960, embora a curva de Phillips original ainda proporcionasse uma boa
descrição dos dados, dois economistas, Milton Friedman e Edmund Phelps, questionaram a existência
desse dilema entre desemprego e inflação. Eles o fizeram com base na lógica, argumentando que esse
dilema só poderia existir se os fixadores de salários subestimassem sistematicamente a inflação, sendo
pouco provável que cometessem o erro para sempre. Friedman e Phelps também argumentaram que,
se o governo tentasse sustentar o desemprego mais baixo, aceitando uma inflação mais alta, o dilema
acabaria por desaparecer; a taxa de desemprego não poderia ser sustentada abaixo de determinado
nível, um nível que eles chamaram de taxa natural de desemprego. Os eventos provaram que eles
estavam certos e o dilema entre taxa de desemprego e a taxa de inflação, de fato, desapareceu. Hoje, a
maioria dos economistas aceita a noção de uma taxa natural de desemprego.
A Curva de Phillips com Expectativas Adaptativas
No modelo monetarista, os trabalhadores formam expectativas de preços utilizando-se apenas
de informações do passado. A fórmula a seguir é um dos exemplos de processo de formação de
expectativas (chamadas de expectativas adaptativas) consistentes com o modelo:
et = t-1 (conforme visto, quando t-1 = et-1, na equação: et = et-1 + (t-1 - et-1)).
Na equação acima (et = t-1), a expectativa de inflação para o período t é exatamente a inflação
observada no período imediatamente anterior.

86
Partindo-se de uma situação de equilíbrio, em que o estoque de moeda tenha sido mantido
constante por vários períodos, uma expansão monetária provocará redução da taxa corrente de
desemprego em relação à taxa natural, se as expectativas são formadas tal como na equação anterior.
Caso haja uma expansão monetária, os empresários podem oferecer um salário nominal mais elevado
aos trabalhadores que estão voluntariamente desempregados. Estes, por sua vez, pensarão que um
salário nominal mais elevado representa um salário real mais elevado. Suas expectativas são de que não
haverá inflação, porque os preços estavam constantes no passado, já que o estoque de moeda não foi
alterado por vários períodos. Entretanto, o salário nominal mais elevado não representará salário real
mais elevado porque os preços estão aumentando, em função da expansão do estoque de moeda.
Os trabalhadores, contudo, somente perceberão que estavam sofrendo de ilusão monetária
quando estiverem realizando suas compras. Desfeita a ilusão monetária, os trabalhadores decidem
retornar ao desemprego voluntário, que lhes proporcionava um nível mais elevado de satisfação do que
o emprego é capaz de proporcionar.
π-πe

A
B µn µt
A chamada curva de Phillips versão Friedman, apresentada no gráfico acima, expressa os
resultados de uma política monetária expansionista, em que se parte de uma situação de equilíbrio sem
decepção de expectativas, o ponto A, onde a taxa corrente de desemprego é igual à inflação efetiva;
logo, a inflação presente é igual à inflação passada. Quando os trabalhadores subestimam a inflação
futura em razão de uma política monetária expansionista, o desemprego se reduz, por exemplo, para o
ponto B, onde a taxa corrente de desemprego é menor do que a taxa natural.
A Curva de Phillips Aceleracionista
Para que o desemprego permaneça abaixo da taxa natural é necessário que seja implementada
uma política de aumento das variações positivas do estoque de moeda. Tal política aumentará
continuamente a taxa de inflação, isto é, irá acelerar a velocidade de crescimento dos preços. A inflação
presente será sempre maior do que a inflação passada e a taxa corrente de desemprego permanecerá
em um nível inferior à taxa natural de desemprego.
F
π’’’

π’’ D E

N(π e’’’’) N (πe’’’’= π’’’)

π’ B C M(π e’’’) M (πe’’’= π’’)

L(πe’’) L (πe’’= π’)


A
µ* µn K(πe’= 0) K (πe’= 0)

87
A curva de Phillips versão Friedman aceleracionista, vista no gráfico acima, descreve a situação
em que o desemprego permanece abaixo do desemprego natural. Na curva de Phillips K, os
trabalhadores possuem uma determinada expectativa inflacionária que é πe’= 0. A economia está,
inicialmente, no ponto A, onde a inflação efetiva confirma as expectativas e a taxa de desemprego é
igual à taxa natural. Se uma expansão monetária provoca uma taxa de inflação superior à inflação
esperada, a economia se desloca, por exemplo, para o ponto B, em que a taxa corrente de desemprego
(µ*) é menor do que a taxa natural e a taxa de inflação efetiva é π’ > π e’ = 0.
Ainda no Ponto B, os trabalhadores percebem que a variação de preços superou as suas
expectativas. Assim, a economia se deslocaria para o ponto C, em que a taxa corrente de desemprego
seria novamente igual à taxa natural de desemprego.
A política monetária implementada mudaria a curva de Phillips da economia de K para L. Na
curva L, as expectativas inflacionárias incorporaram a inflação que ocorreu no período em que a
economia se deslocou de A para B. A expectativa inflacionária da curva L é πe’’. Para que a taxa de
desemprego permaneça no nível µ*, antes que a economia retorne ao ponto de equilíbrio C, uma nova
política com uma taxa de expansão monetária superior à taxa da política anterior, que fez a economia se
deslocar de A para B, deve ser implementada. E assim por diante.
Os Custos da Desinflação31 e a Taxa de Sacrifício
A seguir são apresentados dois exemplos de políticas anti-inflacionárias compatíveis com o
modelo monetarista. No primeiro caso, é descrita uma política de redução drástica da inflação e em
curto espaço de tempo e, no segundo, é dado um exemplo de redução gradual da inflação, que
consome um tempo maior. O gráfico seguinte abrange a descrição de ambas as situações.
No primeiro caso, a economia está, inicialmente, no ponto A, com uma taxa de inflação π’’’ e com
sua taxa corrente de desemprego coincidindo com a sua taxa natural. Se as autoridades desejarem
eliminar a inflação, terão que estancar integralmente a variação do estoque de moeda que causa a
variação do nível de preços π’’’. Se isto é feito, os salários nominais não poderão ser reajustados, o que
será interpretado pelos trabalhadores como uma redução dos salários reais, já que suas expectativas
são πe’’’> 0. Isto provocará uma redução da oferta de trabalho e um aumento do desemprego, que terá
uma taxa B, que é muito maior do que o desemprego natural.
π’’’ A

π’’ C C’

π’ E D B
µn L(πe’’’) µ
K (πe’’)
J(πe’= 0)
Se o governo decide, contudo, baixar gradualmente a inflação (reduzindo a variação do estoque
monetário, em relação ao período imediatamente anterior) de π’’’ para π’’, a economia se deslocará
inicialmente para o ponto C’, onde o desemprego resultante dessa política terá taxa D, que é maior que
a taxa natural (mas é inferior à taxa B, resultante da política drástica de choque). Posteriormente, a
economia se deslocará para o ponto C (após as expectativas se adaptarem). Se as autoridades
desejarem eliminar a inflação, terão que estancar integralmente a variação do estoque de moeda que

31
Deve-se distinguir os termos deflação, que significa a redução do nível de preços, do termo desinflação, que designa a
redução da taxa de inflação.
88
causa a variação do nível de preços π’’. Se isto é feito, os salários nominais não poderão sofrer qualquer
reajuste, o que será interpretado pelos trabalhadores como uma redução dos salários reais, já que suas
expectativas são πe’’> 0. Isto provocará uma redução da oferta de trabalho e um aumento do
desemprego, que retornará à taxa D. Finalmente, a economia se deslocará para o ponto E de equilíbrio
ótimo, com o desemprego coincidindo com o desemprego natural e em que a taxa de inflação é zero.
A transição da economia que segue a sequência de pontos A-C’-C-D-E (tratamento gradualista)
consome um tempo superior do que o da sequência A-B-E (tratamento de choque). Este é o dilema que
as autoridades monetárias têm que enfrentar e que corresponde à velocidade da desinflação e à taxa de
sacrifício32 exigida pela desinflação. Do que foi visto, escreve-se a equação:
πt = π et – β(µt – µn) (Curva de Philips aumentada pelas expectativas)
πt - π t = – β(µt – µn)
e [ou πt - π t-1 = – β(µt – µn) como também é usado, uma vez que, com as
expectativas sendo adaptadas continuamente, temos que π t-1 = π et]
A equação acima diz que a desinflação somente pode ser alcançada com o aumento do
desemprego em relação à taxa natural. Se β = 1, t corresponder a um período de um ano e a µn = 6%,
pode-se dizer que, por exemplo, se a taxa esperada de inflação (πet, que se supõe é a mesma observada
em t-1) é de 12%, então a taxa corrente de desemprego alcançará a taxa de 18% (12 p.p. acima da µn)
caso o governo deseje reduzir a taxa de inflação (π t) para 0% em um único período, isto é, de um ano
para outro. Veja-se:
Choque → 0% - 12% = -1(µt – 6%) → -12% = - (µt – 6%) → 12% = µt – 6% → µt = 18%
Gradual 1º ano → 8% - 12% = -1(µt – 6%) → -4% = - (µt – 6%) → 4% = µt – 6% → µt = 10%
Gradual 1º ano → 4% - 8% = -1(µt – 6%) → -4% = - (µt – 6%) → 4% = µt – 6% → µt = 10%
Gradual 3º ano → 0% - 4% = -1(µt – 6%) → -4% = - (µt – 6%) → 4% = µt – 6% → µt = 10%
Caso as autoridades monetárias desejassem reduzir gradualmente a inflação, no primeiro ano,
por exemplo, para 8%, o desemprego atingiria, nesta primeira fase, 10%. No segundo ano, poderia
reduzir de 8 para 4%; o desemprego atingiria novamente a taxa de 10%. No terceiro ano, poderia
eliminar a inflação, e a taxa de desemprego voltaria a atingir 10%. O dilema é entre o governo poder
acabar com a inflação de um ano para outro, mas faria a taxa de desemprego crescer de 6% para 18%,
ou, alternativamente, poderia zerar a inflação em três anos, provocando um desemprego de 10%,
apenas 4 pontos percentuais além da taxa natural de 6% (mas durante 3 anos).

32
A taxa de sacrifício é definida como o número de anos-ponto de excesso de desemprego necessário para obter-se a
redução da inflação em 1 por cento. Um ano-ponto de excesso de desemprego é definido como uma diferença entre as
taxas de desemprego atual e natural de um ponto percentual por um ano. Por exemplo, se a taxa natural de desemprego
for de 6%, uma taxa de desemprego de 8% ao longo de quatro anos corresponderá a 4 x (8 – 6) = 8 anos-ponto de excesso de
desemprego. Suponha-se que o banco central queira obter uma redução da inflação de 14% a.a. para 4% a.a. (de modo que
πt - πet = -10%), em um ano. Supõe-se também que β = 1 e que μn = 6%. A equação πt-π et = -β(µt – µn ) nos diz que é
necessário um ano de desemprego com uma taxa de 10 pontos percentuais além da taxa natural. Caso o banco central queira
obter a redução da inflação em dois anos (de modo que πt - πet = 5%), então a taxa de inflação cairá 5 pontos percentuais em
cada ano (de modo que 2 x 5p.p. = 10p.p.). Em cada caso, o número de anos-ponto de excesso de desemprego exigido para
reduzir a inflação é o mesmo, a saber, 10. A implicação é direta: o banco central pode escolher a distribuição do excesso de
desemprego ao longo do tempo, mas não pode alterar o total de anos-ponto de excesso de desemprego. Logo, a razão de
sacrifício é constante e o que resta ao banco central é escolher a velocidade da desinflação (em geral, a opção do choque
de curto prazo é por demais brutal para ser escolhida).
Exemplo: 0% - 10% = - (µt – 6%) → 10 = µt – 6% → µt = 16% (ou dez pontos percentuais acima da taxa natural em um ano) →
tratamento de choque. Por outro lado, se: -5% = - (µt – 6%) → µt = 11% (ou cinco pontos acima da taxa natural, mas por dois
anos seguidos, logo (5 p.p. x 2 anos) = 10 anos-ponto ou cinco pontos percentuais acima da taxa natural de desemprego,
durante dois anos seguidos) → tratamento gradualista.
89
2.5.3 A Teoria da Política Monetária Novo-Clássica
Uma nova versão da corrente monetarista, liderada por Robert Lucas, surgiu nos anos 1970. Esta
corrente, que ficou conhecida como novo-clássica, acusava o velho-keynesianismo de não possuir
explicações convincentes para justificar a hipótese de que a mão invisível é excessivamente lenta e,
logo, que o uso de políticas intervencionistas se faz necessário. Ou seja, faltavam microfundamentos
que explicassem a existência de rigidez de preços e salários (Paula, Siczú, 1999).
Os novos-clássicos defendem um retorno à velha tradição clássica, ou seja:
(a) a economia, por si só, elimina desequilíbrios e/ou crises, uma vez que a ação da mão invisível garante
que os mercados se ajustem automaticamente via preços e salários; e
(b) nenhuma política econômica ativa deve, portanto, ser utilizada pelo governo (idem, ibidem).
A novidade teórica introduzida pelos novos-clássicos foi a hipótese das expectativas racionais,
segundo a qual os indivíduos utilizam todas as informações disponíveis, bem como entendem o
verdadeiro funcionamento da economia, quando formam suas expectativas.
A formulação original da hipótese de expectativas racionais é atribuída a Muth (1961), quando
ele afirmou que, no contexto de um modelo, as expectativas dos indivíduos são racionais quando são
idênticas às predições desse modelo. Mas foi a partir dos trabalhos de Lucas e Rapping (1969), Lucas e
Prescott (1971) e Lucas (1972,1973) que a utilização daquela hipótese em modelos macroeconômicos
ganhou grande prestígio. Mas a economia novo-clássica inclui outras hipóteses mais restritivas, como o
clear market walrasiano e a concorrência perfeita, abrangendo um campo amplo de pesquisas, que vai
desde os primeiros modelos monetários de Lucas (1973, 1975, 1976), Sargent e Wallace (1975), Sargent
(1976, 1977, 1978, 1979) e Barro e Rush (1980) até as pesquisas posteriores do Real Business Cycle e os
modelos de crescimento endógeno de Paul Romer.
Considerando então que as expectativas não são adaptativas, mas sim do tipo racionais, por isso
muitos chamam a escola novo-clássica de escola das expectativas racionais33. A justificativa para essa
mudança era que tanto os modelos keynesianos quanto os monetaristas existentes não eram capazes
de oferecer resultados confiáveis sobre as possibilidades de intervenções macroeconômicas. Em tais
modelos, as expectativas e as variáveis futuras (afetadas pelas expectativas) eram influenciadas apenas
por variáveis correntes e/ou passadas. Portanto, o que os modelos obtinham eram resultados em
condições inconsistentes com as premissas desses mesmos modelos. Quando os agentes estão
informados de que uma política econômica será implementada, eles devem alterar suas expectativas,
alterando o resultado esperado sob condições expectacionais do passado. Essa crítica aos modelos
macroeconométricos tornou-se conhecida como a crítica de Lucas.
O modelo de ineficácia da política monetária
É através do estudo da chamada função oferta de Lucas que se pode mostrar porque a política
monetária é ineficaz quando o objetivo do governo é reduzir a taxa corrente de desemprego ( µt) em
relação à taxa natural (µn)34.
µt = µn - ( π t – π et) Função oferta de Lucas [ou µt = µn - (π t – π et) + γ] (35)
Onde: πt = taxa de inflação no período t,
πet = taxa de inflação esperada para o mesmo período,

33
Mas, lembra-se, o equilíbrio automático dos mercados (a partir de preços e salários flexíveis) é a característica mais
essencial dos novos-clássicos, uma vez que as expectativas racionais também são usadas por outras escolas (novo-
keynesianos, por exemplo).
34
Sabemos que: πt = π et - (µt - µn), que é a Curva de Phillips aumentada pelas expectativas . Assim: µt - µn = (-1/) (πt - π et).
Fazendo  = 1/ , temos que: µt = µn - ( π t – π et), que é a função de oferta de Lucas.
35
Esta função de oferta de Lucas deve ser vista sob a ótica do mercado de trabalho, que se comporta, no que se refere à taxa
de desemprego, de forma inversa em relação ao comportamento da taxa de variação do produto.
90
 = parâmetro positivo e, na versão mais ampla da função, γ representa fatores não-monetários
capazes de afastar a taxa de desemprego corrente da taxa natural, como choques tecnológicos.
Obs.: πt = π et – β(µt – µn) → Curva de Phillips aumentada pelas expectativas.
πt - π et = – β(µt – µn) → (πt - π et)/(– β) = (µt – µn) → µt = µn – (1/β)(πt - π et) →
→ µt = µn - ( π t – π et) onde  = 1/β → Função Oferta de Lucas.
Pela equação anterior (µt = µn - ( π t – π et)), a taxa corrente de desemprego é igual à taxa
natural, quando a realidade confirma as expectativas de inflação. No modelo novo-clássico, as
esperanças sobre variações do nível de preços são construídas de acordo com a hipótese das
expectativas racionais, tal como:
π et = E (πt / It-1).
Isto é, a esperança de inflação para o período t leva em consideração todas as informações, I,
obtidas até o período imediatamente anterior, t-1. As informações são processadas pelos agentes tendo
como base o verdadeiro modelo que afeta os preços em uma economia que, segundo os monetaristas e
os novos-clássicos, é:
. .
πt = Mt + d. Onde Mt = taxa de variação do estoque de moeda e d é a taxa de um aumento
não esperado de demanda pelo produto no período t.
Então, considerando d = 0 (nenhum choque de demanda), as expectativas de variação do nível
de preços estão diretamente relacionadas com as expectativas de variação do estoque monetário, como
mostra a equação:
. .
π et = Met. Onde Met = taxa de variação esperada do estoque monetário para o período t.
Tem-se que se os agentes conhecem a regra de variação do estoque monetário (ou da taxa de
juros básica) e não há choques de demanda, isto é, se Met = Mt e d = 0, então jamais haveria decepção
de expectativas de preços. Efetuando-se as substituições na função de oferta de Lucas, obtém-se:
. . . .
µt = µn - (Mt - Met), o que nos leva a µt = µn, se Mt = Met.
Esta equação indica que a taxa corrente de desemprego seria sempre igual à taxa natural se os
agentes conhecessem a regra de variação do estoque monetário e se não houvesse nenhum choque de
demanda, isto é, quando Mt = Met e, portanto: (Mt - Met) = 0.36
Este modelo de ineficiência da política monetária é uma versão simplificada do modelo
apresentado por Thomas Sargent e Neil Wallace em seu artigo Rational Expectations and the Theory of
Economic Policy, publicado em 1975.
A eficácia da política monetária de surpresa
Sargent e Wallace mostraram que unicamente as políticas monetárias que causam surpresa
poderiam provocar efeitos reais na economia. Para tanto, bastaria que o governo adotasse uma regra de
expansão monetária, tal como a da função a seguir:
.
Mt =  (µt-1 – µn) + .
Onde  é um parâmetro positivo e  é um elemento de política monetária apenas conhecido
pelos governantes, eventualmente utilizado. Logo, os agentes racionais formariam suas expectativas de
variação do estoque monetário com base na regra conhecida, isto é, de acordo com a função:

36
O Banco Central do Brasil construiu o SAMBA (Stochastic Analytical Model with a Bayesian Approach) como parte da sua
estrutura de modelagem macroeconômica da economia brasileira. Mais detalhes ver o Working Papers Series 239, April,
2011, Banco Central do Brasil.
91
.
Met =  (µt-1 – µn)
. .
Substituindo estas equações na equação µt = µn - (Mt - Met), tem-se:
µt = µn – [ (µt-1 – µn) +  -  (µt-1 – µn)] → logo: µn – µt =  e µt = µn – .
A equação acima mostra que a taxa corrente de desemprego somente não coincidirá com a taxa
natural quando o elemento  for acionado pelos governantes, causando surpresa aos agentes porque,
dessa forma, haverá decepção das expectativas de variação do estoque monetário e,
consequentemente, de variação do nível de preços. Portanto, qualquer conjunto de decisões individuais
que possa afastar a economia da taxa natural é fruto de erros expectacionais.
Ilustração sobre a Função Oferta de Lucas: µt = µn - ( π t – π et)
Ano µt a pt pet (pt – pet) µn = µt + a(pt – pet)
2010 5,30 0,5 5,91 4,31 0,77 6,11
2011 4,70 0,5 6,50 5,91 0,28 4,99
2012 7,30 0,5 5,84 6,50 -0,31 6,97
2013 7,20 0,5 5,91 5,84 0,03 7,24
2014 6,80 0,5 6,41 5,91 0,24 7,05
2015 8,30 0,5 10,67 6,41 2,00 10,47
2016 11,30 0,5 6,29 10,67 -1,98 9,10
2017 12,80 0,5 2,95 6,29 -1,57 11,03
2018 12,30 0,5 3,75 2,95 0,39 12,74
2019 11,90 0,5 4,31 3,75 0,27 12,20
Média 8,79 0,50 5,85 5,85 0,01 8,79

Ano µt a pt pet (pt – pet) µn = µt + a(pt – pet)


2010 5,30 1,0 5,91 4,31 1,53 6,92
2011 4,70 1,0 6,50 5,91 0,56 5,28
2012 7,30 1,0 5,84 6,50 -0,62 6,64
2013 7,20 1,0 5,91 5,84 0,07 7,27
2014 6,80 1,0 6,41 5,91 0,47 7,30
2015 8,30 1,0 10,67 6,41 4,00 12,64
2016 11,30 1,0 6,29 10,67 -3,96 6,90
2017 12,80 1,0 2,95 6,29 -3,14 9,26
2018 12,30 1,0 3,75 2,95 0,78 13,17
2019 11,90 1,0 4,31 3,75 0,54 12,50
Média 8,79 1,00 5,85 5,85 0,02 8,79

A superneutralidade da moeda na teoria dos ciclos reais de negócios


Até o início da década de 1980, a teoria novo-clássica era representada exclusivamente pelo
modelo Sargent-Lucas, em que a surpresa monetária, isto é, a inflação não-antecipada, era capaz de
explicar as mudanças bruscas de patamar das variáveis reais. Essa era a teoria novo-clássica que poderia
ser chamada de teoria dos ciclos monetários (ou teoria da informação imperfeita). Posteriormente, uma
nova vertente novo-clássica mais radical surgiu, a chamada teoria dos ciclos reais de negócios (real
business cycles ou, simplesmente, RBC).
Segundo os adeptos da teoria dos ciclos reais de negócios, a capacidade dos governantes de
implementar políticas de surpresa desaparece. Isto ocorre porque existe um modelo para orientar a
tomada de decisão dos governantes que se torna conhecido por todos. Se os agentes formam
expectativas racionais, incorporam também o modelo decisório dos dirigentes do Banco Central. A
equação seguinte, com a restrição apontada, sintetiza a idéia central da teoria dos ciclos reais:
µt = µn -  (πt – π et) +  restrição: (πt – π et)= 0.
Se não há decepção de expectativas de preços, a moeda torna-se superneutra. A explicação dada
pela teoria dos ciclos reais é que variações do produto e do emprego são decorrentes de choques
naturais (ambientais) ou tecnológicos e não de choques monetários. Os choques naturais e tecnológicos
92
estão do lado da oferta e não do lado da demanda. Assim, variações do produto seriam explicadas por
choques naturais (terremotos, enchentes etc.), mudanças de preços de energia (petróleo), problemas
sociais e políticos (guerras, greves etc.) e choques de produtividade, considerados os mais importantes.
A Curva de Phillips de Lucas e a melhor política monetária
A dinâmica macromonetária novo-clássica pode ser também descrita por uma função oferta
agregada e pela curva de Phillips vertical versão Lucas, esta apresentada a seguir.
P OLP OCP’

P1 OCP
Ex
Curvas de Oferta de Curto e Longo Prazo
P0 D’
E0
D
Y
Y* Y’
P

Ex
Curva de Phillips Vertical – Versão Lucas

µ’ µn µ
A curva de oferta OCP positivamente inclinada indica que, no curto prazo, que é a situação que a
economia pode ter, por exemplo, um choque de política monetária, o produto pode ser maior que
Y*(produto potencial de equilíbrio). A política monetária pode alterar o produto apenas no curto prazo.
Uma expansão monetária que utiliza o elemento surpresa de política desloca a curva de
demanda (D para D’). Dessa forma, o produto aumenta de Y* para Y’. O gráfico inferior, que mostra a
curva de Phillips, versão Lucas, indica que a expansão monetária é capaz de reduzir o desemprego ( µn
para µ’) somente temporariamente. O gráfico superior também denota que a expansão monetária eleva
o nível de preços da economia. Quando tal elevação do nível de preços é percebida por empresários e
trabalhadores, a produção é reduzida (a curva de oferta vai de OCP para OCP’) e o desemprego volta ao
seu ponto original equivalente à taxa natural (de µ’ para µn).
A economia novo-clássica sugere que o governo deve abster-se de implementar qualquer política
monetária que não se paute por regras plenamente conhecidas, isto é, por regras que não causem
efeitos sobre as variáveis reais da economia. A possibilidade de afetar as variáveis reais através do uso
da política monetária é um incentivo à realização de políticas de surpresa, que criam um ambiente de
incerteza e desconfiança sobre o comportamento do governo. Se este surpreendeu os agentes no
passado, terá que pagar pela desconfiança do público no futuro, tendo que administrar uma economia
com a taxa corrente de desemprego igual à taxa natural e com inflação.
Observação: A Função Oferta Agregada dos Novos-Clássicos
O entendimento dos efeitos macroeconômicos das oscilações na oferta de moeda, no âmbito da
teoria novo-clássica, isto é, dentro do que se chama Monetarismo Mark II, pressupõe, por ordem lógica,
a exposição de um conjunto de hipóteses e conclusões que está relacionado a uma particular
compreensão da estrutura comportamental da oferta agregada. Tendo como ponto de partida o artigo
de Lucas e Rapping (1969), e Lucas (1972), deve-se, ao modelo sugerido por Lucas (1973), a base para

93
uma sequência de trabalhos naquela linha. Dentro de conjunto mais amplo de modelos, onde inclui
Friedman (1968), Lucas caracteriza três pressupostos particulares na sua versão:
a) sendo o produto nominal determinado pela demanda agregada, a divisão entre as variações do
produto real e dos preços dependerá do comportamento dos ofertantes de bens e de trabalho;
b) a formação de expectativas sobre os preços desconhecidos é feita de forma ótima ou racional; ou
seja, utiliza-se todo o estoque disponível de informações relevantes, esperando-se um erro de
previsão igual a zero; o erro observado será independente das informações disponíveis e não estará
correlacionado com erros passados nas previsões;
c) qualquer lentidão no ajustamento de curto prazo na oferta resulta da falta de informações em
alguns preços relevantes para os ofertantes.
Deve-se acrescentar que, apesar de o item (c) sugerir uma forma de rigidez de preços, o modelo
de Lucas supõe o clear market em todos os mercados. O modelo de Lucas descrito em (a), (b) e (c)
apresenta uma função de oferta agregada do tipo:
Yt = kt + ( πt – π et ) + Yt-1 ou Yt = Yt-1 + ( πt – π et ) + kt (37)
Onde: π et = Et-1 (πt | It-1)
sendo que: Yt = produto real no período t (ou taxa de crescimento);
Yt-1 = produto real no período t-1 (ou taxa de crescimento), mediada por um parâmetro ,
que pode ser igual, maior ou menor do que 1;
kt = termo de crescimento secular, que representa progressos tecnológicos e crescimento
da população (ou taxa de crescimento);
πt = preços observados no período t (ou taxa de crescimento);
π et = preços esperados para o período t (ou taxa de crescimento);
It-1 = conjunto de informações disponível em t-1;
α = parâmetro associado à formação de expectativas sobre os preços.
Ilustração
Ano Yt λ λYt-1 a pt pet (pt – pet) a(pt – pet) kt Yt = λYt-1 + a( πt – πet ) + kt
2010 7,50 1 -0,10 0,5 5,91 4,31 1,53 0,77 0 0,67
2011 4,00 1 7,50 0,5 6,50 5,91 0,56 0,28 0 7,80
2012 1,90 1 4,00 0,5 5,84 6,50 -0,62 -0,31 0 3,68
2013 3,00 1 1,90 0,5 5,91 5,84 0,07 0,03 0 1,93
2014 0,50 1 3,00 0,5 6,41 5,91 0,47 0,24 0 3,24
2015 -3,50 1 0,50 0,5 10,67 6,41 4,00 2,00 0 2,51
2016 -3,30 1 -3,50 0,5 6,29 10,67 -3,96 -1,98 0 -5,41
2017 1,30 1 -3,30 0,5 2,95 6,29 -3,14 -1,57 0 -4,82
2018 1,30 1 1,10 0,5 3,75 2,95 0,78 0,39 0 1,49
2019 1,10 1 1,10 0,5 4,31 3,75 0,54 0,27 0 1,37
Média 1,38 1,00 1,22 0,50 5,85 5,85 0,02 0,01 0,00 1,25

Ano Yt λ λYt-1 a pt pet (pt – pet) a(pt – pet) kt Yt = λYt-1 + a( πt – πet ) + kt


2010 7,50 1 -0,10 1 5,91 4,31 1,53 1,53 0 1,43
2011 4,00 1 7,50 1 6,50 5,91 0,56 0,56 0 8,10
2012 1,90 1 4,00 1 5,84 6,50 -0,62 -0,62 0 3,36
2013 3,00 1 1,90 1 5,91 5,84 0,07 0,07 0 1,97
2014 0,50 1 3,00 1 6,41 5,91 0,47 0,47 0 3,49
2015 -3,50 1 0,50 1 10,67 6,41 4,00 4,00 0 4,52
2016 -3,30 1 -3,50 1 6,29 10,67 -3,96 -3,96 0 -7,32
2017 1,30 1 -3,30 1 2,95 6,29 -3,14 -3,14 0 -6,34
2018 1,30 1 1,10 1 3,75 2,95 0,78 0,78 0 1,89
2019 1,20 1 1,10 1 4,31 3,75 0,54 0,54 0 1,65
Médi a 1,39 1,00 1,22 1,00 5,85 5,85 0,02 0,02 0,00 1,27

37
Esta função de oferta de Lucas deve ser vista sob a ótica do produto, em que frustração das expectativas ( πt – π et ) leva a
variações diretas no comportamento do produto (mas também leva a variações inversas no comportamento do mercado de
trabalho (µt vs. µn).
94
A equação Yt = Yt-1 + ( πt – π et ) + kt possui uma natureza estocástica, captada por , já
descrita no item (b). Dessa forma, a trajetória de longo prazo do produto real, determinada por variáveis
reais, apenas poderá ser alterada no curto prazo, quando πt for diferente de π et. Para que o produto
real pudesse ser expandido no curto prazo, πt teria de ser maior que πet, ou seja, deveria haver, em
determinado período, uma inflação não antecipada pelos agentes econômicos.
2.6 As Ações do Banco Central, Oferta Monetária e Restrição Orçamentária Governamental
Conforme já se viu, os três tipos de operações mais comuns usados pelas autoridades
monetárias para alterar o estoque da base monetária são as operações de mercado aberto, os
empréstimos de liquidez e as operações de câmbio.
Uma Equação das Alterações na Base Monetária
Agora, podemos deduzir uma equação para as variações no estoque de base monetária (Mh).
Seja DgC o estoque de títulos governamentais em poder do banco central; B*C o estoque de reservas
estrangeiras; e LC o estoque de empréstimos concedidos aos bancos por meio da janela de redesconto.
Além disso, E é a taxa de câmbio, medida em unidades de moeda nacional por unidade de moeda
estrangeira, de modo que E(B*C) é igual ao valor das reservas estrangeiras em moeda nacional.
Portanto, podemos escrever as alterações na base monetária como:
ΔMh = ΔDgC + E(ΔB*C) + ΔLC
Traduzindo, qualquer alteração para mais (ou para menos) no estoque de base monetária é um
resultado de uma ou mais das seguintes causas: aumento (ou declínio) da dívida governamental em
poder do banco central, um aumento (ou queda) no estoque de reservas internacionais, e uma
alteração para mais (ou para menos) no valor do crédito fornecido aos bancos comerciais pela janela de
redesconto (Sachs; Larrain, p.296).
Quando o orçamento governamental está em déficit, o Tesouro levanta dinheiro para pagar as
contas do governo emitindo títulos. Quem são os compradores potenciais desses títulos? Em essência,
há quatro tipos de compradores: estrangeiros (do setor privado ou público), famílias e empresas, o
sistema bancário doméstico e o banco central da nação38. Em muitas economias, o banco central é o
principal comprador de títulos do Tesouro e, também, o financiador automático. A compra de dívida
pública pelo banco central geralmente é chamada monetização do déficit público.
Ilustração
Mês/Ano Base Monet.(M0 ) Δ% PIB (y) ΔM0 – y pt Dív.Bruta Gov.Geral Reservas Empr.Liquidez Op.Compromis.
R$ milhões (Δ%) (%) R$ milhões US$ milhões Bacen R$ milhões Bacen R$ milhões
dez/10 206.853 24,56 7,50 15,87 5,91 288.575 30.053 288.666
dez/11 214.235 3,57 4,00 -0,41 6,50 352.012 36.971 341.878
dez/12 233.371 8,93 1,90 6,90 5,84 373.147 38.324 523.995
dez/13 249.510 6,92 3,00 3,81 5,91 358.808 25.968 528.734
dez/14 263.529 5,60 0,50 5,07 6,41 363.551 24.525 809.063
dez/15 255.289 -3,10 -3,50 0,41 10,67 3.927.523 356.464 22.498 913.280
dez/16 270.287 5,90 -3,30 9,51 6,29 4.378.486 365.016 25.934 1.047.484
dez/17 296.755 9,80 1,30 8,39 2,95 4.626.523 373.972 28.076 1.064.980
dez/18 302.049 1,80 1,30 0,49 3,75 5.271.982 374.715 24.838 1.128.342
dez/19 316.587 4,81 1,10 3,67 4,31 5.500.104 356.884 24.657 1.333.548
Média - 6,88 1,38 5,37 5,85 - - - -
Fonte dos dados básicos: Banco Central do Brasil.
A compra de títulos do Tesouro pelo banco central, em essência, permite que o governo adquira
bens e serviços simplesmente imprimindo dinheiro. Na realidade, a dívida que o Tesouro tem para com
o banco central não precisa ser paga; ela representa apenas um direito de uma parte do governo em

38
Em essência, os principais compradores são o público não-bancário (interno e externo, inclusive famílias e empresas) e o
Banco Central, na medida em que o sistema bancário revende ao público não-bancário a maior parte dos títulos que
comprou do governo, enquanto o Banco Central garante a liquidez dos títulos, recomprando-os sempre que necessário.
95
relação a outra. Portanto, o efeito final é que o governo gera um déficit orçamentário, que paga
aumentando a oferta de moeda em poder da população. Como sai barato imprimir dinheiro, o governo
pode obter bens e serviços a custo direto baixo. A monetização do déficit orçamentário geralmente traz
inflação. Portanto, o governo financiaria essencialmente sua compra de bens e serviços por meio de
uma taxa inflacionária, caso o banco central fosse o principal comprador dos títulos do governo.
Necessidades de financiamento do setor público – Fluxo em 12 meses - % do PIB.
Discriminação 2010 Dez 2011 Dez 2012 Dez 2013 Dez 2014 Dez 2015 Dez 2016 Dez 2017 Dez 2018 Dez 2019 Dez
Nominal 2,41 2,47 2,26 2,96 5,95 10,22 8,98 7,77 7,08 5,91
Governo Central 1,18 2,00 1,27 2,07 4,70 8,57 7,62 6,98 6,19 5,50
Governos Regionais 1,23 0,46 0,88 0,82 1,12 1,49 1,25 0,71 0,86 0,50
Empresas Estatais 0,00 0,01 0,11 0,06 0,13 0,17 0,11 0,08 0,02 -0,08
Juros Nominais 5,03 5,41 4,44 4,67 5,39 8,37 6,49 6,09 5,50 5,06
Governo Central 3,20 4,13 3,06 3,49 4,34 6,63 5,08 5,18 4,50 4,27
Governos Regionais 1,76 1,21 1,33 1,13 0,98 1,65 1,32 0,82 0,91 0,71
Empresas Estatais 0,06 0,07 0,06 0,05 0,06 0,10 0,09 0,09 0,09 0,08
Primário -2,62 -2,94 -2,18 -1,71 0,56 1,86 2,48 1,68 1,57 0,85
Governo Central -2,03 -2,13 -1,79 -1,41 0,35 1,95 2,54 1,80 1,69 1,22
Governos Regionais -0,53 -0,75 -0,45 -0,31 0,13 -0,16 -0,07 -0,11 -0,05 -0,21
Empresas Estatais -0,06 -0,06 0,05 0,01 0,07 0,07 0,02 -0,01 -0,06 -0,16
Dívida Pública Bruta - - 58,80 56,70 57,20 65,60 70,00 74,00 76,50 75,80
Fonte: Banco Central do Brasil.
Agora, vamos analisar a idéia da monetização do déficit mais formalmente. A restrição
orçamentária do governo pode ser expressa como:
ΔDg = P(G + Ig - T) + iDg-1 (Restrição Orçamentária do Governo)39
O termo do lado esquerdo (ΔDg) é a variação da dívida governamental entre o período atual e o
anterior. Também é o montante de títulos do Tesouro que precisam ser vendidos para cobrir a diferença
entre despesas e receitas do lado direito da equação.
Lembre-se de que os títulos do Tesouro podem ficar em poder do público, interno e externo, e
do banco central. Portanto, um aumento da dívida governamental tem dois componentes: um aumento
da dívida do Tesouro para com o público (ΔDgP) e um aumento do estoque da dívida com o banco
central (ΔDgC), isto é:
ΔDg = ΔDgP + ΔDgC
Portanto, a variação da dívida mantida pelo banco central é igual à variação total da dívida
menos a variação da dívida em poder do público:
ΔDgC = ΔDg - ΔDgP
Podemos combinar esta equação com a equação ΔMh = ΔDgC + E(ΔB*C) + ΔLC, que descreve a
variação da base monetária. Ignorando a janela de redesconto 40, esta equação fica sendo:
ΔMh = ΔDgC + E(ΔB*C)
Então, substituindo a expressão (ΔDgC) por (ΔDg - ΔDgP) na equação anterior e alterando a
expressão resultante, encontramos:

39
Equivalência Ricardiana. Como a consideração da restrição orçamentária do governo afeta nosso modo de pensar em
relação aos efeitos dos déficits sobre o produto? Um ponto de vista extremo afirma que, uma vez levada em conta essa
restrição, nem os déficits, nem a dívida têm efeito sobre a atividade econômica. Suponha que o governo diminua os impostos
em $ 1 neste ano. E, ao fazer isso, anuncie que, para pagar a dívida, elevará os impostos em (1 + r) no próximo ano. Qual será
o efeito da redução inicial de impostos sobre o consumo? Uma resposta: nenhum. Porque os consumidores percebem que a
redução dos impostos neste ano serão perfeitamente compensados, no valor presente, por impostos mais altos no próximo
ano.
40 O abandono da janela de redesconto pressupõe que as instituições bancárias estão operando normalmente, sem a

necessidade de recorrer à sustentação do Banco Central.


96
ΔMh = ΔDg - ΔDgP + E(ΔB*C) → ΔDg = ΔMh + ΔDgP - E(ΔB*C) → lembrar que [ΔDg = P(G + Ig – T) + iDg-1]
A equação ΔDg = ΔMh + ΔDgP - E(ΔB*C) é muito importante. Ela nos diz que, essencialmente,
existem três modos de pagar (cobrir) a variação da dívida pública nacional (ΔDg) (a qual, por sua vez,
corresponde a um déficit orçamentário que precisa ser financiado):
a) por meio de um aumento da base monetária, (ΔMh);
b) por meio de um aumento de títulos do Tesouro em poder da população, (ΔDgP);
c) por meio de uma redução de reservas em moeda estrangeira no banco central, E(ΔB*C).
Em resumo, o governo pode “imprimir dinheiro”, tomar empréstimos do público e reduzir as
reservas externas (ou recorrer a um mix dessas alternativas). Devemos notar, rapidamente, alguns
resultados desta conclusão. O Tesouro começa a financiar seu déficit apenas tomando empréstimos.
Mas, à medida que o banco central compra títulos do Tesouro, na realidade o governo está financiando
seu próprio déficit, aumentando a base monetária e, portanto, a oferta monetária. Se o banco central
subsequentemente vender moeda estrangeira para compensar o aumento da oferta monetária, na
realidade estará financiando seu próprio déficit reduzindo as reservas em moeda externa. Em essência,
não é suficiente analisar como o Tesouro financia o déficit (enquanto pode, sempre o faz por meio da
elevação da dívida pública, mediante a emissão de títulos). Também precisamos saber quem está na
outra ponta do financiamento e quais são as políticas monetárias acionadas.
Nas nações com alta inflação, o público tipicamente não compra novas dívidas do governo 41 e o
banco central geralmente tem um nível baixo de reservas. O governo, logo, não tem outra opção a não
ser financiar o déficit mediante a emissão de dinheiro, isto é, com (ΔMh) (Sachs; Larrain, p.307).
2.7 O Equilíbrio no Mercado Monetário
No equilíbrio, a oferta de moeda deve ser igual à demanda por moeda. Podemos expressar o
equilíbrio como mostra o gráfico apresentado logo adiante.
Lembra-se que a demanda por moeda é uma demanda por saldos reais. Logo, é proporcional ao
nível de preços, isto é, um aumento em P gera um aumento na mesma proporção em MD. Por outro
lado, a oferta monetária considerada é uma oferta da base monetária nominal e exógena, isto é,
determinada pela autoridade monetária. Assim, representa-se o equilíbrio do mercado monetário no
gráfico seguinte (com moeda nominal no eixo horizontal).
MD = Pf(i, Y) = .Mh = MS MD/P = f(i, Y) = . Mh = MS MD/P = MS
P MS MD

Md/P = Y/V(i)
P0
A M = Md = PY/V(i) = Ms

MD M
Em nosso esquema simples, a oferta monetária é representada como uma reta vertical, porque
independe do nível de preços (por ser exógena). A demanda por moeda (que é endógena), por sua vez,
é uma reta de 45° que começa na origem. A reta de 45° significa que o valor real dos saldos monetários
desejados permanece inalterado quando há variação de preços. Pode parecer estranho que uma curva
da demanda seja crescente, mas lembre-se de que estamos descrevendo a demanda por moeda, e
preços mais altos significam maior demanda por saldos monetários nominais. Naturalmente, ao
descrever a demanda por moeda estamos supondo que a taxa de juros e o nível de renda são

41
A única forma de, em países de alta inflação, o público adquirir títulos do governo é estes serem indexados à inflação. Ex. a
ORTN de 1964 e seus sucedâneos, criados no Brasil quando este optou em conviver com a inflação, em lugar da estabilidade
de preços.
97
constantes. As variações de i e Y deslocariam a curva da demanda por moeda. O ponto de equilíbrio é A,
na intersecção das duas retas. Em A, a demanda por moeda é igual à oferta de moeda. Veja que o ponto
A também determina o nível de preços de equilíbrio.
Vamos supor que o banco central faz uma compra de títulos no mercado aberto, o que acarreta
um aumento da base monetária. No nível inicial de preços, taxa de juros e renda, haveria um excesso de
oferta de moeda. Como o mercado voltaria ao equilíbrio?
A resposta é que se poderia chegar ao novo equilíbrio por, pelo menos, quatro modos (mais um
resultado misto):
a) um aumento nos preços, o que elevaria a demanda de moeda até esta ficar igual à oferta;
b) uma queda na taxa de juros, que também elevaria a demanda de moeda, reduzindo a velocidade de
circulação da moeda;
c) um aumento na renda, que elevaria a demanda por moeda;
d) uma queda endógena da oferta de moeda, que traria a oferta de volta ao equilíbrio anterior;
e) finalmente, pode ocorrer uma combinação desses eventos, com resultados mistos, parte elevando a
demanda por moeda e parte reduzindo a oferta ao nível original (Sachs; Larrain, p.310).
2.8 A Moeda, os Preços e as Taxas de Câmbio e de Juros
A fim de analisar a repercussão da política monetária sobre a economia, precisaremos fazer uma
análise geral do equilíbrio. Vamos continuar adotando um modelo clássico muito simples, em que a
produção sempre está em pleno emprego. Também vamos supor que o capital tem movimentação livre
e, portanto, que a taxa interna de juros é igual à externa, que a economia produz um único bem que
pode ser importado e exportado a um preço internacional constante, P*.
Com a análise da demanda e da oferta de moeda e com um pouco da teoria geral do equilíbrio,
poderemos compreender melhor como a taxa cambial, o nível de preços e a oferta monetária são
determinados (Sachs; Larrain, p.319).
2.8.1 Os Arranjos de Câmbio
A taxa de câmbio, E, é o preço da moeda estrangeira, sendo medida como o número de unidades
de moeda nacional necessário para adquirir uma unidade da moeda estrangeira. Um aumento de E é
chamado desvalorização da moeda nacional se ocorrer em sistema de câmbio fixo e depreciação se
ocorrer em sistema de câmbio flutuante. Da mesma forma, uma queda de E é dita valorização da moeda
nacional num sistema de câmbio fixo e apreciação num sistema de câmbio flutuante (Sachs; Larrain,
p.329).
As Operações de um Regime Cambial Fixo
Num sistema cambial fixo, o banco central fixa o preço da moeda nacional frente a uma moeda
estrangeira. Esse preço fixo pode ser chamado paridade da moeda. Mas, em certos casos, a paridade
tem pouco significado econômico, porque, mesmo havendo um valor cambial oficial, não se consegue
vender ou comprar a moeda por esse valor. Neste caso, diz-se que a moeda local é inconversível.
Contudo, a maior parte desta análise restringe-se ao caso da moeda conversível, em que a taxa cambial
fixada é de fato o preço ao qual a moeda nacional pode ser convertida em moeda estrangeira 42.
A taxa de câmbio, como já se viu, é definida como o número de unidades em moeda doméstica
necessário para adquirir uma unidade em moeda estrangeira. Como se define uma dada taxa de câmbio
num sistema de câmbio fixo? Um país pode definir uma taxa de câmbio “ancorando” o valor da sua
moeda no valor da moeda de outra nação e se dispondo a comprar e a vender a moeda estrangeira à
taxa escolhida43. Ou, então, as nações cujas moedas estão relacionadas fazem um arranjo.

42
Moeda conversível é aquela que é aceita internacionalmente (e que, logo, tem cotação de compra e venda em relação a
outras moedas), enquanto que uma moeda não conversível tem circulação restrita ao país emissor.
43 Lembra-se aqui que, ao longo da vigência do padrão-ouro e do sistema monetário de Bretton-Woods, o regime de câmbio

vigente foi o de câmbio fixo (ainda que ajustável ou mesmo sujeito a minidesvalorizações).
98
A âncora unilateral é típicamente usada por nações em desenvolvimento, que fixam o valor da
sua moeda nacional em relação à moeda de uma nação industrializada. Neste caso, a primeira nação
assume total responsabilidade de manter a taxa cambial no valor com o qual se comprometeu. Em
outros casos, a taxa de câmbio fixa é uma responsabilidade compartilhada pelas nações envolvidas.
Chamamos este último sistema de arranjo cambial cooperativo. Esse arranjo é característico de
economias médias e grandes, como as nações da Europa Ocidental integrantes do mecanismo cambial
do Sistema Monetário Europeu que, até o final dos anos 1990, antecedeu a adoção do Euro por aquelas
nações (Sachs; Larrain, p.328).
As Operações de um Regime de Taxas Flexíveis de Câmbio
Num regime cambial flexível, ou flutuante, a autoridade monetária não tem compromisso algum
para apoiar uma determinada taxa. Todas as flutuações na demanda e na oferta de moeda estrangeira
se acomodam por meio da alteração de preço da moeda estrangeira em relação à nacional. O banco
central define a oferta monetária sem se comprometer com uma taxa cambial específica e, depois,
permite que ela flutue em resposta aos distúrbios econômicos.
Se o banco central não intervir de modo algum no mercado cambial, comprando ou vendendo
moeda estrangeira, dizemos que a moeda nacional tem uma flutuação limpa. As nações que operam
com taxas flexíveis frequentemente tentam influenciar o valor da sua moeda realizando operações no
mercado de câmbio de moeda estrangeira. Isso é chamado flutuação suja.
2.8.2 A Base de um Modelo de Equilíbrio Geral
Quando se tiver um modelo teórico da economia que determine o valor de equilíbrio do nível de
preços (P), da taxa cambial (E) e da quantidade de moeda (M), ele será usado para avaliar as
consequências de determinadas políticas sobre estas variáveis.
Começa-se introduzindo dois fatores no modelo do equilíbrio geral:
a) paridade do poder de compra; e
b) a paridade dos juros.
Estes conceitos nos permitem relacionar os preços e as taxas de juros internos aos preços e taxas
de juros internacionais (Sachs; Larrain, p.328).
A Paridade do Poder de Compra (PPC)
Na segunda década do século XX o economista sueco Gustav Cassel cristalizou este conceito.
Desde então, o nome de Cassel está associado à PPC.44
A idéia em que o conceito da PPC se baseia é a lei do preço único, ou seja, que qualquer
mercadoria num mercado integrado tem um único preço. Se supusermos que um mercado interno e um
mercado estrangeiro estão suficientemente integrados (ou seja, uma série de mercadorias pode ser
facilmente comercializada entre os dois mercados), a lei do preço único diz que o preço destes produtos
deve ser o mesmo nos dois países. Mas aí surge uma complicação: um mesmo produto terá um preço na
moeda nacional no país produtor e um preço na moeda do país comprador. Pela lei do preço único, os
dois preços devem ser iguais quando expressos numa moeda comum. Portanto, para aplicar esta lei
precisamos de uma taxa de câmbio para converter a moeda estrangeira em nacional, e vice-versa.
Suponha que o preço da mercadoria no país comprador (estrangeiro) seja P*. Quando o preço
for expresso em moeda nacional, o preço (P) será simplesmente P* multiplicado pela taxa cambial E.
Assim, a lei do preço único afirma que o preço interno P deve ser igual a EP*:
P = EP* (Paridade do Poder de Compra),45 onde:

44
Um popular indicador associado à Paridade do Poder de Compra e, portanto, do poder de compra das principais moedas
mundiais, é o Índice Big Mac. Tem como referencial o sanduíche homônimo produzido com as mesmas matérias-primas e
vendido praticamente em todo o mundo. Criado pela revista The Economist, de Londres, suas variações mensais podem
refletir alterações de custos e aumentos ou perdas de eficiência em cada economia na produção dos componentes daquele
sanduíche (Sandroni, 2005).
99
P = Preço do bem em moeda nacional;
P* = Preço do bem em moeda estrangeira;
E = Taxa de câmbio.
Portanto, por exemplo, se o ouro na Europa custa 300 euros a onça, e a taxa cambial é de 1.20
dólares por euro, o preço em dólares do ouro na Europa, evidentemente, é (ou deverá ser) de 360
dólares por onça:
360 dólares/onça = 1,20 dólares/euro x 300 euros/onça.
A hipótese da lei do preço único é que, se houver comércio livre de ouro entre a Europa e os
EUA, o preço do ouro nos EUA também será de 360 dólares por onça.
Arbitragem é o processo que garante que a lei do preço único vai ocorrer. Suponha que o preço
do ouro nos EUA aumente para 400 dólares/onça. Haveria uma oportunidade de obter lucro
importando-se ouro da Europa para que fosse vendido nos EUA. A concorrência entre os importadores
pressionaria o preço para voltar aos 360 dólares/onça. Ou, então, os norte-americanos não comprariam
o ouro nos EUA, porque seria mais barato comprá-lo no exterior.
Como a lei do preço único deve vigorar para todas as mercadorias do comércio internacional,
também deve vigorar para o índice de preços interno (P), que é uma média ponderada dos preços das
mercadorias isoladas. E este deve ser igual ao índice de preços mundial (P*) vezes a taxa cambial (E).
Contudo, a PPC, como muitas outras hipóteses, simplifica demais a realidade. A relação
apresentada só é válida em algumas condições irreais, como:
a) não há barreiras naturais ao comércio, como de transporte e seguros;
b) não há barreiras artificiais ao comércio, como tarifas e cotas;
c) todos os produtos são comercializados internacionalmente; e
d) os índices domésticos e estrangeiros incluem os mesmos produtos e a mesma ponderação (Sachs;
Larrain, p.331).
Uma medida de competitividade geral de uma nação no mercado internacional (por exemplo, o
interesse pelos produtos que exporta em comparação com os de outros países) é o preço dos seus
produtos em comparação com o preço destes produtos nas nações concorrentes.
Assim, o termo “taxa real de câmbio” é aplicado à taxa e = EP*/P. Isto é, a taxa real de câmbio é
obtida multiplicando-se o nível de preços estrangeiro pela taxa nominal de câmbio e, então, dividindo-se
pelo nível de preços doméstico. Quando e aumenta, os produtos estrangeiros ficam mais caros que os
nacionais e, neste caso, falamos de uma depreciação na taxa real de câmbio (ou depreciação real); por
outro lado, quando e cai, ou seja, um aumento do preço relativo dos bens domésticos em termos de
bens estrangeiros, fala-se de uma apreciação da taxa real de câmbio (ou apreciação real). A hipótese
básica de PPC é que e seja constante ou, pelo menos, quase constante, no decorrer do tempo (Sachs;
Larrain, p.332), pois se e aumenta, também aumenta a competitividade internacional dos produtos
nacionais e se e diminui, também diminui a competitividade internacional dos produtos nacionais.
Obs: E = taxa nominal de câmbio = P/P* (de acordo c/a PPC); e = EP*/P = taxa real de câmbio46
http://www.economist.com/content/big-mac-index (Ilustração: acessar página da internet indicada)
A Arbitragem Internacional de Juros (Paridade da Taxa de Juros)
A arbitragem deve garantir que a taxa de juros sobre títulos, por exemplo, nos Estados Unidos e
sobre títulos no Brasil seja igual, supondo-se que não haja barreiras ao comércio internacional de ativos

45
Paridade do Poder de Compra. Teoria que propõe que a taxa de câmbio entre duas moedas se encontra em equilíbrio
quando o poder de compra interno das moedas é equivalente ao da taxa de câmbio. Assim, por exemplo, se 1 libra inglesa
equivale no câmbio a 4 dólares, as duas moedas estariam em equilíbrio se a 1 libra comprasse os mesmos bens na Inglaterra
que os 4 dólares nos Estados Unidos (Sandroni, 2005).
46
Stanley Fischer (The Great Recession, MIT, 2013) aponta a importância da taxa de câmbio real, ao lado da taxa de juros
real, nas pequenas economias abertas.
100
financeiros47. Se, por exemplo, o ativo brasileiro oferecer maior taxa de retorno, os investidores vão
querer adquiri-lo, reduzindo desta forma a taxa de juros brasileira e elevando a taxa de juros dos
Estados Unidos. Portanto, num tipo de lei de preço único para ativos financeiros, podemos afirmar que:
(1 + i) = (E+1/E) (1 + i*) (Arbitragem de juros)
Esta expressão pode ser reescrita como a seguinte aproximação:
i = i* + [(E+1 - E)/E] (Arbitragem de juros)
Isto porque: (E+1/E)(1+ i*) é igual a: 1+i*+[(E+1-E)/E]+i*[(E+1-E)/E]. Como i*[(E+1-E)/E] geralmente
corresponde a valores pequenos, seu produto é muito pequeno e pode ser ignorado. Portanto, temos
que: 1+i = 1+i*+[(E+1-E)/E] ou i = i*+[(E+1-E)/E].
Obs: 1 + i* + [(E+1 – E)/E] + i*[(E+1 – E)/E] = (E + Ei* + E+1 – E + E+1i* - Ei*)/E = E+1(1 + i*)/E
A equação i = i*+[(E+1-E)/E] mostra uma importante relação chamada arbitragem de juros.
Na equação i = i*+[(E+1-E)/E] vemos que a taxa de juros interna deve ser igual à taxa de juros
externa mais a taxa de depreciação da taxa cambial (mais uma taxa de risco, na situação real dos
mercados financeiro e de capitais). Naturalmente, os controles de capital podem destruir a relação
anterior (Sachs; Larrain, p.336).
Taxas de juros internacionais (% ao ano)
Período Prime Federal T. Bills T. Bonds Brasil
Rate1 Funds1 (3m)1 (30a)1 Selic Méd. Juros Bancos
dez/10 3,25 0,01 0,12 4,33 9,79
dez/11 3,25 0,01 0,01 2,89 11,62 26,03
dez/12 3,25 0,03 0,04 2,95 8,49 20,55
dez/13 3,25 0,01 0,07 3,97 8,22 22,05
dez/14 3,25 0,00 0,04 2,75 10,91 23,63
dez/15 3,50 0,50 0,16 3,02 13,29 29,69
dez/16 3,75 0,75 0,50 3,07 14,03 32,16
dez/17 4,50 1,50 1,60 3,13 9,98 25,60
dez/18 5,50 2,50 2,40 3,02 6,42 23,20
dez/19 4,75 1,75 1,48 2,39 5,95 23,00
Média 3,83 0,71 0,64 3,15 9,87 25,10
Fontes: (1) Banco Central do Brasil, www.bcb.gov.br. (2) Blomberg.

2.8.3 O Equilíbrio Geral de Preços, Taxas de Câmbio e de Juros e Moeda


Agora, estamos prontos para reunir as três relações básicas que acabamos de analisar, para ver
como se atinge o equilíbrio nesta economia. Vimos que a condição de equilíbrio no mercado monetário
pode ser escrita como:
MD = PY/V(i) = M MD = Pf(i,Y) (Condição de equilíbrio no mercado monetário)
Aqui, M é a oferta de moeda. A demanda por moeda MD é dada por PY/V(i), onde V(i) é a
velocidade da moeda e, por hipótese, é uma função crescente da taxa de juros.
Para chegarmos a uma caracterização total do equilíbrio, precisamos acrescentar mais duas
relações. Uma é a paridade do poder de compra:
P = EP* (Condição de equilíbrio da Paridade do Poder de Compra)
A outra é a arbitragem de juros que acabamos de deduzir na equação i = i*+[(E+1-E)/E]. Vamos
nos limitar a uma condição de equilíbrio em que os preços, a taxa cambial e as outras variáveis
permanecem constantes, de modo que E = E+1. Neste caso, a equação anterior fica reduzida a sua forma
mais simples, em que a taxa de juros interna e a externa são iguais:

47
Ainda mais, a igualdade de taxas de juros tem como pressuposto a perfeita mobilidade de capitais entre os países.
101
i = i* (Condição de equilíbrio da Arbitragem de Taxa de Juros)
Como a taxa interna de juros, i, é igual à taxa mundial, i* (que, por definição, é fixa), a velocidade
da moeda, que depende da taxa de juros, também é fixa.
Agora, vamos juntar todas as peças, encontrando uma relação simples entre oferta monetária e
taxa cambial. Usando o equilíbrio do mercado monetário da equação MD = PY/V(i) = M, a paridade do
poder de compra da equação P = EP* e a expressão simplificada de arbitragem de juros (i = i*),
encontramos a seguinte relação básica:
MV(i*) = EP*Y
A equação MV(i*) = EP*Y pode ser usada para descrever M como função de E, ou de E como
função de M. No primeiro caso, temos M = (EP*Y)/V(i*). No segundo caso, E = [(MV(i*)]/(P*Y). O lado
pelo qual queremos ver a equação MV(i*) = EP*Y depende do tipo de sistema cambial administrado
pelo banco central.
Se a taxa cambial for fixada pelo banco central, a equação MV(i*) = EP*Y deve ser reescrita na
forma que mostra M como função do nível de E escolhido pelo banco central:
M = (EP*Y) / V(i*) (Sistema de taxa cambial fixa)
Com a taxa fixa de câmbio, o estoque de moeda da economia se ajusta automaticamente, ou
endogenamente, de modo que a equação anterior se mantém para o valor de E escolhido pelo banco
central. Vamos ver como isto acontece na próxima seção. Em resumo, se a taxa de câmbio for fixada
pelo banco central, E passa a ser uma variável exógena na equação M = (EP*Y) / V(i*), ou seja, E é
determinada por fatores externos ao modelo (neste caso, pelas preferências políticas do banco central).
M, por outro lado, é uma variável endógena, determinada pelas condições de equilíbrio na economia.
Por outro lado, com a taxa de câmbio flexível, a equação MV(i*) = EP*Y deve ser escrita na forma
que mostra o nível de E consistente com o nível de M escolhido pelo banco central:
E = [M(V(i*)] / P*Y (Sistema de Taxa cambial flexível)
Isto significa que, se a taxa de câmbio flutua, E é uma variável endógena na equação E =
[M(V(i*)] / P*Y e M passa a ser uma variável exógena (Sachs & Larrain, p.338).
Ilustração
m Vy ΔVy π y
Ano Tx.Va r. Vel oci d. Tx.Va r. Vel oc. Tx. I nfl a çã o Tx.Va r. m-y+Vy=π
M0 (%) M0 (Nº) M0 (%) (%) PI B (%) (%)
2010 24,56 18,79 0,00 5,91 7,50 17,06
2011 3,57 20,43 8,73 6,50 4,00 8,30
2012 8,93 20,63 0,98 5,84 1,90 8,01
2013 6,92 21,37 3,59 5,91 3,00 7,51
2014 5,60 21,93 2,62 6,41 0,50 7,72
2015 -3,10 23,49 7,11 10,67 -3,50 7,51
2016 5,90 23,20 -1,23 6,29 -3,30 7,97
2017 9,80 22,18 -4,40 2,95 1,30 4,10
2018 1,80 22,81 2,84 3,75 1,30 3,34
2019 4,81 22,93 0,53 4,31 1,10 4,24
Médi a 6,88 21,78 2,08 5,85 1,38 7,58
Fonte: Elaboração própria.

2.8.4 A Política Monetária sob Diferentes Regimes Cambiais


Há diferentes maneiras de ajustar os mercados monetários nas economias com diferentes
regimes cambiais. Numa economia fechada ou numa economia aberta com taxas de câmbio flexíveis, as
autoridades monetárias podem exercer uma influência considerável sobre a determinação do montante
nominal de liquidez da economia. Mas, nas economias abertas, com taxas de câmbio fixas, as
autoridades monetárias praticamente não exercem influência sobre os montantes nominal ou real de

102
liquidez da economia, pois estes são determinados pelo comportamento do público, que ajusta sua
demanda por moeda à oferta monetária através do balanço de pagamentos.
Nas economias abertas com taxas de câmbio fixas, as autoridades monetárias, conforme já dito,
não têm influência sobre os agregados monetários, mas podem controlar a expansão do crédito
interno48. Além disso, cada vez que a expansão da oferta de crédito interno (determinada pelas
autoridades monetárias) difere da expansão da demanda de agregados monetários (determinada pelo
público), ocorrem variações no balanço de pagamentos (e no nível de preços, no caso de regimes
cambiais flexíveis), que produzem os ajustes necessários para equilibrar o mercado monetário.
Nessas condições, para obter-se um determinado saldo do balanço de pagamentos e um
determinado nível de demanda agregada, é preciso partir de um nível específico de crédito interno.
Consequentemente, esse nível específico de crédito interno representa a meta por meio da qual é
possível controlar a demanda agregada e o balanço de pagamentos. Esta relação entre o crédito interno
e o balanço de pagamentos constitui a essência da chamada “abordagem monetária do balanço de
pagamentos”.
Ilustração
Ano Selic Méd. Res.Prim. Res.Nom. Tx.Câmbio Tx. Câmbio Tx.Poup. FBCF Transações Inv.Dir.Ext.
Real % % PIB % PIB R$/US$ Real Dez * % PIB % PIB Corr. % PIB % PIB
2010 3,66 -2,62 2,41 1,76 67,27 17,90 20,53 -3,58 3,73
2011 4,81 -2,94 2,47 1,68 70,55 18,60 20,61 -2,92 3,92
2012 2,50 -2,18 2,26 1,96 76,71 18,00 20,72 -3,40 3,76
2013 2,30 -1,71 2,96 2,16 83,00 18,30 20,91 -3,23 3,04
2014 4,34 0,56 5,95 2,35 88,49 16,00 19,87 -4,13 3,57
2015 2,38 1,86 10,22 3,33 118,15 14,20 17,84 -3,03 3,60
2016 7,21 2,48 8,97 3,49 98,17 13,40 15,50 -1,34 4,14
2017 6,53 1,68 7,77 3,19 95,65 14,30 15,00 -0,73 3,34
2018 2,57 1,57 7,08 3,66 110,85 14,50 15,80 -2,20 4,15
2019 1,59 0,85 5,91 3,95 114,94 15,00 15,40 -2,76 4,27
Média 3,79 -0,04 5,60 2,75 92,38 16,02 18,22 -2,73 3,75
Índice da Taxa de Câmbio Real: junho de 1994 = 100 Fonte dados básicos: Banco Central do Brasil e IBGE.

Situação Inicial
Quando o banco central faz uma compra de títulos no mercado aberto, sabe-se que,
inicialmente, o estoque da base monetária aumenta, com:
ΔMh = ΔDgC
O lado direito desta expressão, o aumento da dívida governamental em poder do banco central,
mede o tamanho da operação no mercado aberto. A base monetária inicialmente aumenta no mesmo
valor da compra de títulos. Mas as pessoas e os bancos verificam que têm mais dinheiro do que desejam
manter a essa taxa de juros, a esses preços e a esse nível de renda. Portanto, tentarão converter parte
do dinheiro excedente em outras formas de riqueza, B e B*. Mas a demanda por B não consegue
absorver a moeda doméstica excedente, porque a compra de B pelas pessoas e bancos com excesso de
dinheiro simplesmente vai produzir um excedente em dinheiro para as pessoas e bancos que venderam
os títulos. As variações na taxa de juros também não poderão absorver o excedente na oferta monetária
porque a arbitragem internacional faz com que i seja igual i*.

48
O crédito doméstico (concedido pelo Bacen às instituições financeiras e ao governo) e o crédito doméstico líquido (que
corresponde ao crédito doméstico menos aquele tomado pelo Bacen) são conceitos expostos no Anexo 1 do Capítulo 4 desta
apostila. Em síntese, CD = B + RNM – RR$, onde CD = Crédito Doméstico, B = Base Monetária, RNM = Recursos Não
Monetários do BC, RR$ = Reservas Internacionais em Moeda Nacional. Tem-se ainda o conceito de CDL = CD – RNM = Crédito
Doméstico Líquido, de forma que: CDL = B – RR$ e B = RR$ + CDL ou ∆B = ∆RR$ + ∆CDL.
103
Portanto, o excedente na oferta de moeda leva, ao menos parcialmente, a um aumento de
demanda por B*, o ativo estrangeiro.49 As pessoas e bancos tentam comprar moeda estrangeira com a
moeda nacional para comprar os títulos estrangeiros. Desta forma, o excedente da oferta de moeda
começa a elevar o preço da moeda estrangeira, ou seja, M maior gera uma depreciação ou
desvalorização incipiente da taxa de câmbio. Agora vamos ver o que acontece, primeiro com taxas
cambiais fixas e, depois, com taxas flutuantes (Sachs; Larrain, p.339).
Taxas Cambiais Fixas
Como E é constante num regime de taxa fixa de câmbio, o banco central vai estar disposto a
intervir no mercado para evitar que E experimente uma desvalorização. O banco central vai vender
reservas em moeda estrangeira para evitar que o preço da moeda estrangeira suba (ou seja, que E seja
desvalorizado). A venda de reservas ao público faz com que o estoque da base monetária caia, e o
aumento na oferta monetária decorrente da operação original de mercado aberto é reabsorvido.
Enquanto M continuar maior do que antes da operação no mercado aberto, a oferta maior de moeda
vai continuar. O banco central vai precisar ficar vendendo reservas até M voltar ao nível inicial.
Portanto, se o banco central realizou a compra no mercado aberto com o objetivo de aumentar a
oferta monetária, não o atingiu50. No final, o banco central perde em reservas exatamente o valor do
aumento original da oferta monetária. Encontramos:
E(ΔB*C) = - (ΔDgC) ou (ΔDgC) = - E(ΔB*C)
Ao final, o balancete do banco central vai mostrar menos reservas estrangeiras, compensadas
exatamente pelo valor do aumento de títulos internos, e o valor total do ativo permanece inalterado. A
quantidade de moeda, por outro lado, continua a mesma do início do processo (situação inicial):
ΔMh = (ΔDgC) = - E(ΔB*C) ou (ΔDgC) + E(ΔB*C) = 0
Essa observação nos leva ao resultado que, num regime de taxa cambial fixa com movimentação
livre de capital, o banco central não consegue afetar a quantidade de moeda. Qualquer tentativa, como,
por exemplo, por meio de uma operação no mercado aberto, dá origem somente a uma perda de
reservas internacionais. Portanto, o estoque monetário é endógeno, isto é, não é controlável pelo banco
central (Sachs & Larrain, p.340).
Taxas Cambiais Flexíveis
Num regime de taxas flexíveis de câmbio, o governo não intervém quando há depreciação na
taxa de câmbio. À medida que a depreciação continua, os preços internos vão aumentando na mesma
proporção, de acordo com a paridade do poder de compra (ou seja, a depreciação aumenta o preço em
moeda nacional dos produtos estrangeiros, o que também aumenta o preço interno dos produtos
congêneres nacionais). Por sua vez, o aumento de preço corrige o excesso de oferta de moeda,
reduzindo a sua quantidade real. Como M/P fica mais alto depois da compra no mercado aberto,
continua havendo um excesso de oferta monetária e isto continua a empurrar a taxa cambial e os
preços para cima. Num certo ponto, os preços vão ser aumentados na mesma proporção do aumento
no estoque monetário, de modo que M/P terá voltado ao nível inicial.
Portanto, o excedente de oferta monetária é resolvido por meio de um aumento nos preços
internos, e os saldos monetários reais voltam ao nível original antes da operação no mercado aberto.
Neste caso, a moeda e os preços aumentaram em mesma proporção.

49
No prazo muito curto, a taxa interna de juros pode cair em comparação com as taxas externas, mas isto levaria
rapidamente a um deslocamento da demanda para o ativo estrangeiro, reduzindo o preço do título nacional (e, portanto,
aumentando a taxa interna de juros) até que i = i* seja restaurado.
50
A idéia de que uma expansão monetária se traduz numa perda de reservas cambiais é um resultado básico da abordagem
monetária do balanço de pagamentos, um esquema que remonta ao trabalho de David Hume no século XVIII, com a
economia operando sob um regime de pagamentos internacionais em ouro.
104
Podemos resumir a análise feita até aqui: com taxas de câmbio fixas, o estoque monetário é
endógeno e a taxa de câmbio é exógena. Com taxas flexíveis, ocorre o inverso: a taxa cambial é a
variável endógena e o estoque de moeda é exógeno (Sachs & Larrain, p.341).
Obs: expansão do crédito interno > demanda de moeda → compra de títulos externos → déficit no balanço de pagamentos
→ perda de divisas (no câmbio fixo), depreciação da moeda doméstica e, consequentemente, aumento de preços (no câmbio
flexível).

2.9 A Dominância Fiscal


(Excertos de artigo. Dominância Fiscal e os seus Impactos na Política Monetária: uma avaliação para a
economia brasileira. Autores: João Batista da Luz e Souza e Maria Helena Ambrosio Dias, Universidade
Estadual de Maringá, publicado em https://www.anpec.org.br/sul/2016/..., acessado em 22.08.2017).
A abordagem da dominância fiscal proposta por Blanchard (2004) refere-se a que, nos países que
adotam o regime de metas de inflação, a política monetária poderia ser insuficiente para conter o nível
de preços dentro da meta pré-estabelecida, podendo ainda ter um efeito adverso ao esperado,
promovendo uma aceleração do processo inflacionário.
Isso ocorreria perante algumas condições específicas das variáveis fiscais, como: alta razão dívida
líquida do setor público em relação ao PIB e elevada proporção da dívida pública em moeda estrangeira
(em mãos de investidores externos). Este ambiente de constrangimento fiscal tende a piorar quando há
um alto grau de aversão ao risco pelos investidores estrangeiros – típico nos momentos de crise. Os
efeitos da política monetária sob estas hipóteses podem ser observadas no diagrama abaixo.
1) Elevação da taxa de
juros
visando manter a
inflação
dentro da meta.
5) Nova pressão de alta do 2) Elevação do serviço da
nível de preços. dívida pública e maior
expectativa de default.

4) Depreciação do câmbio 3) Maior risco de default


real impactando a poderá levar a uma fuga
balança comercial. de capitais.

Diagrama – Efeito adverso ao esperado da política monetária. Fonte: elaboração pelos autores do
artigo. Para Blanchard (2004) a elevação da taxa de juros pelo Banco Central tem como objetivo a
redução da taxa de inflação, mas, consequentemente, há uma elevação dos encargos da dívida pública.
Em uma economia com finanças públicas comprometidas, com alta dívida pública indexada a moedas
estrangeiras (comprada por investidores externos) e um ambiente externo de elevada aversão ao risco,
um aumento dos juros poderia ser interpretado pelos aplicadores como um aumento na probabilidade
de default. Dessa forma, ocorreria uma fuga de capitais – ao contrário da atração de capitais esperada
pela teoria econômica convencional – e, portanto, uma depreciação cambial que levaria a uma nova
pressão inflacionária.
Detentores da Dívida Pública Mobiliária Interna (em percentual).
Mês/Ano Fundos Previdência Bancos Não Governo Seguradoras Outros
Residentes
dez/17 25,2 25,5 22,3 12,1 4,5 4,8 ..
dez/18 26,9 25,0 22,7 11,2 4,2 4,1 ..
dez/19 26,7 24,9 24,7 10,4 4,0 3,9 5,4
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.
105
ANEXO 1 - Resumo de Texto
O Papel da Política Monetária (Milton Friedman)
Nota: Reimpresso do American Economic Review (março de 1968), pp. 1-17, com permissão do autor e
do editor. Discurso presidencial, feito na 80a. Conferência Anual da American Economic Association,
Washington, D.C., 29 de dezembro de 1967.
Existe ampla concordância a respeito dos objetivos principais da política econômica: taxa elevada
de emprego, preços estáveis e crescimento rápido. Há menos acordo quanto a que esses objetivos
sejam mutuamente compatíveis ou quanto aos termos em que poderão e deverão ser substituídos um
pelo outro; há muito menos concordância a respeito do papel que os vários instrumentos de política
poderão e deverão desempenhar para a realização das diversas metas.
Meu tema para esta noite será o papel de um dos instrumentos: a política monetária. Com o que
ela poderá contribuir e como deverá ser conduzida a fim de contribuir ao máximo? As opiniões sobre
essas questões variaram amplamente. No primeiro rojão de entusiasmo sobre o (então) recém-criado
Sistema de Reserva Federal, muitos observadores atribuíram a relativa estabilidade dos anos 1920 à
capacidade do Sistema de promover uma sintonia precisa para se empregar um termo moderno
adequado. Foi largamente aceito que havia chegado uma nova era, em que os ciclos econômicos se
haviam tornado obsoletos, em virtude dos avanços da tecnologia monetária. (…) A Grande Contração
destruiu essa atitude ingênua. As opiniões transportaram-se para o outro extremo. A política monetária
era uma corda. Poder-se-ia puxá-la a fim de estancar a inflação, mas não se poderia empurrá-la para
interromper a recessão.
Keynes ofereceu simultaneamente uma explicação para a impotência presumida da política
monetária em estancar a depressão, uma interpretação não-monetária da depressão e uma alternativa
à política monetária, para fazer frente à depressão, e sua oferta foi avidamente aceita. Se a preferência
pela liquidez for absoluta ou quase absoluta, como Keynes acreditava ser provável em épocas de
elevado desemprego, as taxas de juros não poderão ser reduzidas pelas medidas monetárias. Se o
investimento e o consumo forem pouco afetados pelas taxas de juros, como Hansen e muitos dos outros
discípulos norte-americanos de Keynes acreditavam, as taxas de juros mais baixas, mesmo que
pudessem ser alcançadas, resolveräo muito pouco.
A retraçäo posta em movimento sob este ponto de vista, por meio de um colapso do
investimento ou por uma escassez das oportunidades de investimento ou uma parcimônia teimosa, näo
poderia, argumentava-se, ser estancada por medidas monetárias. Mas havia uma alternativa disponível:
a política fiscal. O dispêndio governamental poderia compensar o investimento privado insuficiente. As
reduçöes dos tributos poderiam minar a parcimônia teimosa.
A larga aceitaçäo desses pontos de vista no seio dos economistas significava que, por duas
décadas, a política monetária seria considerada por todos, menos uns poucos espíritos reacionários,
como tendo-se tornado obsoleta, em virtude do novo conhecimento econômico. A moeda näo tinha
importância. Seu único papel era aquele desprezível de manter baixas as taxas de juros, a fim de auxiliar
o dispêndio governamental a manter um alto nível de procura agregada.
Essas visöes geraram a adoçäo generalizada de políticas, que receberam choque rude quando
essas políticas falharam de país a país, quando os bancos centrais, um após outro, foram forçados a
abandonar a pretensäo de que poderiam manter indefinidamente a taxa de juros em nível baixo.
A inflaçäo, estimulada pelas políticas de moeda barata, e näo a depressäo de pós-guerra
amplamente anunciada, foi que se tornou o assunto do dia. O resultado foi o início de um ressurgimento
da crença na potência da política monetária.
O renascimento da crença na potência da política monetária foi também amparado por uma
reavaliação do papel que a moeda havia desempenhado de 1929 a 1933. Keynes e a maioria de outros
economistas acreditavam que a Grande Depressäo nos Estados Unidos ocorreu apesar das políticas
106
expansionistas agressivas por parte das autoridades monetárias, que haviam feito de tudo e, no
entanto, näo foi suficiente. Estudos recentes demonstraram que os fatos säo exatamente o inverso: as
autoridades monetárias dos Estados Unidos seguiram políticas altamente deflacionárias. A quantidade
de moeda nos Estados Unidos havia caído em um terço no decorrer da retraçäo. E caiu porque o Sistema
de Reserva Federal forçou ou permitiu uma reduçäo profunda na base monetária, porque falhou em
exercer as responsabilidades a ele atribuídas na Lei da Reserva Federal, de fornecer liquidez ao sistema
bancário. A Grande Depressão é uma testemunha trágica do poder da política monetária, e não prova
de sua impotência, como Keynes e muitos de seus contemporâneos acreditavam.
Desacostumado como sou em denegrir a importância da moeda, realçarei, portanto, como
primeira tarefa, o que a política monetária näo poderá fazer. Depois, tentarei delinear o que poderá
realizar e como poderá dar sua contribuiçäo da melhor maneira ao estado atual de nosso conhecimento
ou ignorância.
A - O Que a Política Monetária Não Poderá Fazer.
Do universo infinito da negaçäo, selecionei duas limitaçöes da política monetária a serem
discutidas: a) näo poderá determinar as taxas de juros em mais que períodos bastante limitados; e b)
näo poderá determinar a taxa de desemprego em mais que períodos bastante limitados.
1. Determinação da Taxa de Juros
Esta limitaçäo provém de aspecto sobremodo mal compreendido da relaçäo entre a moeda e as
taxas de juros. Imaginemos que o governo decida manter baixas as taxas de juros. Como tentará fazer
isso? Naturalmente adquirindo títulos mobiliários. Isso eleva seus preços e reduz seus retornos. No
processo, também aumenta a quantidade de reservas disponíveis aos bancos, daí a soma de crédito
bancário e, finalmente, o montante total de moeda. É por isso que os bancos centrais em particular e a
comunidade financeira de modo mais amplo, geralmente acreditam que um aumento na quantidade de
moeda tenderá a diminuir a taxa de juros. Os economistas acadêmicos aceitam a mesma conclusäo, mas
por diferentes razöes. Vêem na funçäo preferência pela liquidez uma inclinaçäo negativa. Como poderäo
as pessoas ser induzidas a guardar soma maior de moeda? Somente baixando a taxa de juros.
Ambos estäo corretos, até certo ponto. ‘O impacto inicial de se aumentar a quantidade de
moeda a uma taxa mais rápida do que aquela em que estava aumentando será a reduçäo das taxas de
juros, em um período, a um ponto mais baixo do que seria de outra forma. Mas isso é somente o
começo do processo, e näo o fim. A taxa mais rápida do crescimento monetário estimulará o dispêndio,
quer através do impacto sobre o investimento das taxas de juros mais baixas do mercado, quer por
intermédio do impacto sobre os outros dispêndios...Mas as despesas de um homem seräo a renda de
outro. A renda crescente elevará a funçäo preferência pela liquidez e a procura de empréstimos; poderá
também elevar os preços, o que reduziria a verdadeira quantidade de moeda.
Observação: aumento na procura de empréstimos, aumento na demanda por moeda (preferência pela
liquidez), mediante a renda crescente (decorrente do aumento do dispêndio em investimento e em
consumo) e elevação dos preços (o que reduz o estoque monetário real).
Esses três efeitos inverteräo a pressäo decrescente inicial sobre as taxas de juros de uma
maneira bastante imediata, digamos em pouco menos que um ano. Juntos, tenderäo, após um intervalo
mais ou menos longo, digamos um ou dois anos, a fazer com que a taxa de juros retorne ao nível que de
outro modo teria tido. Na verdade, a tendência da economia de exagerar provavelmente elevará
temporariamente a taxa de juros além daquele nível, pondo em movimento um processo cíclico de
ajustamento.
Um quarto efeito, caso venha a funcionar, irá mais longe e significará, realmente, que uma taxa
mais alta de expansäo monetária corresponderá a nível mais alto, e näo mais baixo, de taxa de juros.
Imaginemos que a taxa mais alta de crescimento monetário produza preços em ascensäo e que o

107
público venha a esperar que os preços continuem a subir. Os tomadores de empréstimos estaräo
dispostos a pagar e os emprestadores, entäo, exigiräo taxa de juros mais elevadas, como Irving Fisher
salientou décadas atrás. Esse efeito de expectativas de preços é de lento desenvolvimento e demora
também para desaparecer.
Esses efeitos subsequentes explicam porque todas as tentativas para manter as taxas de juros a
um nível baixo forçaram a autoridade monetária a se engajar em sucessivas e cada vez maiores
aquisiçöes no "open market". Explicam porque, historicamente, as elevadas e crescentes taxas de juros
nominais têm sido associadas com o crescimento rápido da quantidade da moeda, como no Brasil ou no
Chile e nos Estados Unidos, em anos recentes, e porque taxas de juros baixas e decrescentes têm sido
associadas com o crescimento lento na quantidade de moeda, como na Suíça de agora ou nos Estados
Unidos de 1929 a 1933. Como uma matéria empírica, as taxas de juros baixas säo um sinal de que a
política monetária tem sido apertada, no sentido em que a quantidade de moeda cresceu lentamente;
taxas de juros altas säo um indício de que a política monetária tem sido fácil, no sentido em que a
quantidade de moeda cresceu rapidamente. Os fatos mais amplos da experiência correm exatamente na
direçäo oposta àquela em que a comunidade financeira e os economistas acadêmicos acreditavam fosse
verdadeira.
Paradoxalmente, a autoridade monetária poderia assegurar taxas baixas de juros nominais, mas,
para fazê-lo, teria que iniciar pelo que parece ser a direção oposta, empenhando-se numa política
monetária deflacionária. De forma semelhante, poderia assegurar taxas altas de juros nominais,
empenhando-se numa política inflacionária e aceitando um movimento temporário das taxas de juros
na direçäo oposta.
2. Emprego como um Critério da Política Econômica
A segunda limitaçäo que desejo analisar vai mais contra a natureza do pensamento corrente. O
crescimento monetário, como é largamente considerado, tenderá a estimular o emprego, e a retraçäo
monetária a retardar o emprego. Por que, entäo, näo poderá a autoridade monetária adotar uma meta
para o emprego ou desemprego, digamos de 3% de desemprego? Retrair ou näo a moeda, conforme o
desemprego seja menor ou maior que a meta?
Graças a Wicksell, estamos todos a par do conceito de uma taxa de juros "natural" e da
possibilidade de uma discrepância entre a taxa "natural" e a de "mercado". A análise precedente das
taxas de juros poderá ser traduzida, de forma razoavelmente direta, em termos Wicksellianos. A
autoridade monetária poderá tornar a taxa (de juros) de mercado menor que a taxa natural apenas pela
inflaçäo. Poderá tornar a taxa de mercado maior que a natural apenas pela deflaçäo. Acrescentamos
somente uma sugestäo a Wicksell: a distinçäo de Irving Fisher entre a taxa de juros nominal e a real.
Deixemos que a autoridade monetária mantenha a taxa nominal de mercado, por um tempo, abaixo da
taxa natural, por meio da inflaçäo. Isso, por sua vez, elevará a própria taxa nominal natural, täo logo as
antecipaçöes da inflaçäo se tornem generalizadas, exigindo, assim, uma inflaçäo ainda mais rápida para
manter baixa a taxa de mercado.
Essa análise possui contrapartida no mercado de emprego. Em qualquer momento no tempo,
haverá um nível de desemprego que possua a propriedade de ser consistente com o equilíbrio na
estrutura das taxas de salários reais. Neste nivel de desemprego, as taxas de salários reais tenderäo, em
média, a crescer a uma taxa secular "normal", isto é, a uma taxa que poderá ser indefinidamente
mantida enquanto a formaçäo de capital, os melhoramentos tecnológicos etc permanecerem em suas
tendências de longo prazo. Um nível mais baixo de desemprego é uma indicaçäo de que existe uma
procura excessiva por trabalho, que produzirá uma pressäo ascendente sobre as taxas de salários reais.
Um nível mais alto de desemprego é uma indicaçäo de que existe uma oferta excessiva de trabalho, que
produzirá uma pressäo decrescente sobre as taxas de salários reais.
A "taxa natural de desemprego", em outras palavras, é o nível que seria preparado pelo sistema
walrasiano de equaçöes de equilíbrio geral, desde que nelas estivessem incluídas as características
108
estruturais reais do trabalho e dos mercados de bens, inclusive as imperfeiçöes dos mercados, as
variaçöes conjunturais nas procuras e ofertas, o custo de coletar informaçöes sobre vagas de empregos
e disponibilidades do trabalho, os custos da mobilidade e assim por diante.
Reconhecemos a semelhança íntima entre essa demonstraçäo e a famosa curva de Phillips. A
análise de Phillips a respeito da relaçäo entre o desemprego e a mudança de salários é merecidamente
celebrada como uma contribuiçäo importante e original. Mas, infelizmente, contém um defeito básico: a
falha em distinguir entre os salários nominais e os reais, da mesma forma que a análise de Wicksell
falhou em distinguir entre as taxas de juros nominais e as taxas de juros reais. Implicitamente, Phillips
escreveu seu artigo para um mundo em que todos antecipassem que os preços nominais seriam estáveis
e em que aquela antecipaçäo permanecesse estável e imutável, näo importando o que acontecesse com
os preços e salários reais. Suponhamos, em contraste, que todos antecipassem que os preços subiriam a
uma taxa de mais de 75% ao ano, como os brasileiros o fizeram há alguns anos atrás. Entäo os salários
deveriam aumentar a uma taxa igual àquela, simplesmente para manter imutáveis salários reais. Uma
oferta excessiva de trabalho será refletida num crescimento menos rápido dos salários nominais do que
os preços antecipados, e näo num declínio absoluto dos salários. Quando o Brasil embarcou numa
política para reduzir a taxa de aumento de preços e teve êxito em reduzir o aumento dos preços a
aproximadamente 45% ao ano, houve um aumento inicial agudo do desemprego, porque, sob a
influência de antecipaçöes anteriores, os salários continuavam a subir a um ritmo que era maior que a
nova taxa de aumento dos preços, embora menor que antes. Esse é o resultado experimentado e
esperado de todas as tentativas para reduzir a taxa de inflaçäo abaixo daquela largamente antecipada.
Para evitar incompreensöes, deixem-me enfatizar que, usando o termo taxa "natural" de
desemprego, näo quero sugerir que seja imutável e inalterável. Pelo contrário, muitas das características
de mercado que determinam seu nível säo realizadas pelo homem e pela política econômica. Emprego o
termo "natural" pela mesma razäo de Wicksell: para tentar separar as forças reais das forças
monetárias.
Vamos pressupor que a autoridade monetária tente determinar a taxa de "mercado" do
desemprego, a um nível abaixo da taxa "natural". Suponhamos, hipoteticamente, que considere 3%
como o objetivo de taxa, e que a taxa "natural" seja maior que 3%. Suponhamos, também, que
iniciemos numa época em que os preços sejam estáveis e em que o desemprego seja maior que 3%.
Consequentemente, a autoridade monetária aumentará a taxa de crescimento monetário. Isso será
expansionista. Tornando as disponibilidades monetárias nominais mais altas que as pessoas desejarem,
isso tenderá, incialmente, a reduzir as taxas de juros, e dessa e de outras formas, estimulará o
dispêndio. A renda e o dispêndio começaräo a aumentar.
Para começar, muita ou a maior parte do aumento de renda assumirá a forma de um aumento
da produçäo e do emprego, e näo dos preços. As pessoas esperavam que os preços fossem estáveis e os
preços e os salários foram programados para algum tempo no futuro, naquela base. Leva tempo para as
pessoas se ajustarem a um novo estágio de procura. Os produtores tenderäo a reagir à expansäo inicial
da procura agregada por meio do aumento da produçäo, os empregados através de um trabalho mais
longo e os desempregados aceitando empregos agora oferecidos a salários nominais anteriores.
Isso descreve somente os efeitos iniciais. Em virtude de os preços de venda dos produtos
tipicamente reagirem a um aumento näo antecipado da procura nominal de modo mais rápido que os
preços dos fatores de produçäo, os salários reais recebidos teräo caído, já que os empregados
implicitamente avaliaram os salários oferecidos ao nível de preços mais antigos. Mas o declínio ex post
dos salários reais logo afetará as antecipaçöes. Os empregados começaräo a ponderar sobre os preços
crescentes das coisas que adquirem, e a exigir maiores salários nominais para o futuro. O desemprego
do "mercado" será mais baixo que o nível "natural". Há uma procura excessiva por trabalho, no sentido
em que os salários reais tenderäo a crescer na direçäo de seu nível inicial.

109
Apesar de a taxa maior de crescimento monetário continuar, o aumento dos salários reais
inverterá o declínio do desemprego, e depois levará a um aumento, que tenderá a repor o desemprego
no seu nível anterior. A fim de manter o desemprego em seu nível de 3%, a autoridade monetária teria
de elevar ainda mais o crescimento monetário. Como no caso da taxa de juros, a taxa de "mercado" de
desemprego poderá ser mantida abaixo da taxa "natural" apenas pela inflaçäo e, também como no caso
da taxa de juros, apenas pela aceleraçäo da inflaçäo. Inversamente, imaginemos que a autoridade
monetária escolha um objetivo de taxa de desemprego que esteja acima da taxa natural, e que seja
levada a produzir uma deflaçäo e, mesmo, uma deflaçäo acelerada.
E se a autoridade monetária escolher a taxa "natural", seja de juros ou de desemprego, como
seu objetivo? Um dos problemas será que näo poderá saber qual seja a taxa "natural". Infelizmente,
ainda näo descobrimos qualquer método que possa estimar precisa e prontamente a taxa natural, seja
de juros ou de desemprego. E a taxa "natural", por si só, mudará de tempos em tempos.
Uma taxa de inflaçäo crescente poderá reduzir o desemprego, uma taxa elevada näo o fará.
Para se declarar a conclusäo geral de modo ainda diferente, a autoridade monetária controlará
as quantidades nominais, e diretamente a quantidade de suas próprias obrigaçöes. Em princípio, poderá
empregar esse controle para determinar uma quantidade nominal, uma taxa de câmbio, o nível de
preços, o nível nominal da Renda Nacional, a quantidade de moeda de uma ou de outra definiçäo, a
taxa de mudança numa quantidade nominal ou a taxa de crescimento da quantidade de moeda. Näo
poderá utilizar seus controles sobre as quantidades nominais a fim de determinar a quantidade real, a
taxa de juros real, a taxa de desemprego, o nível da Renda Nacional real, a quantidade real de moeda, a
taxa de crescimento da Renda Nacional real ou a taxa de crescimento da quantidade real de moeda.
B - O Que a Política Monetária Poderá Fazer
A política monetária näo poderá determinar essas magnitudes reais a níveis pré-determinados.
Mas a política monetária poderá e terá efeitos importantes sobre essas magnitudes. De modo algum um
é inconsistente com o outro.
A primeira e a principal liçäo que a história nos ensina sobre o que a política monetária poderá
fazer, sendo uma liçäo da mais profunda importância, é que a política monetária poderá impedir a
própria moeda de se tornar uma fonte principal do distúrbio econômico. Há, portanto, uma tarefa
positiva e importante para a autoridade monetária: a de sugerir melhorias na máquina51, que reduziräo
as possibilidades de ela se descontrolar e de utilizar seus próprios poderes a fim de se manter numa
condiçäo de bom funcionamento.
Outra coisa que a política monetária poderá fazer é providenciar um fundo estável para a
economia e manter a máquina bem lubrificada, para continuar com a analogia de Mill. A realizaçäo da
primeira tarefa será uma grande contribuiçäo para esse objetivo, mas há mais coisas ainda. Nosso
sistema econômico funcionará melhor quando os produtores, consumidores, empregadores e
empregados puderem prosseguir com plena confiança em que o nível médio de preços se comportará,
no futuro, de uma maneira conhecida, preferivelmente que venha a ser altamente estável. Numa época
anterior, contava-se com o padräo-ouro para fornecer confiança na estabilidade monetária futura. Em
seu apogeu, serviu razoavelmente bem àquela funçäo. Claramente näo o faz mais, já que säo raros os
países do mundo que estäo preparados para deixar o padräo-ouro reinar livremente, sendo que existem
razöes bastante persuasivas para os países näo o fazerem.
Finalmente, a política monetária poderá contribuir para a neutralizaçäo dos principais distúrbios
do sistema econômico, que surgem de outras fontes. Se, como agora, um orçamento federal explosivo
ameaçar a ocorrência de deficits sem precedentes, a política monetária poderá manter sob controle
quaisquer perigos inflacionários, através de uma taxa mais lenta de crescimento monetário do que de

51
John Stuart Mill referiu-se à moeda como uma máquina, analogia esta que Friedman trouxe para uma das partes do
presente texto que foi suprimida, em favor do resumo.
110
outra forma seria desejável. Isso significará, temporariamente, taxas mais altas de juros do que de outra
forma (a fim de propiciar ao governo tomar emprestado somas necessárias para financiar o déficit),
mas, impedindo a aceleraçäo da inflaçäo, poderá muito bem significar tanto preços mais reduzidos
como taxas de juros nominais mais baixas dentro de um prazo maior.
Mostrei este ponto agora no fim e o declarei em termos restritos ... porque acredito que a
potencialidade da política monetária em neutralizar as outras forças que compöem a instabilidade seja
mais limitada que comumente se acredita. Simplesmente näo sabemos o suficiente para reconhecer os
distúrbios menores quando ocorrerem, ou para prever quais seräo seus efeitos com qualquer grau de
precisäo ou que política monetária será exigida para neutralizar seus efeitos. A experiência sugere que o
caminho da sabedoria é o emprego da política monetária explicitamente para neutralizar os outros
distúrbios, e somente quando eles mostrarem um perigo claro e presente.
C - Como Deverá ser Conduzida a Política Monetária ?
Esta, sem dúvida, näo é a ocasiäo para apresentar um detalhado "Programa Para Estabilidade
Monetária". Restringir-me-ei aqui a duas principais exigências para a política monetária, que se seguem
diretamente da discussäo precedente.
A primeira exigência é a de que a autoridade monetária deve guiar-se pelas magnitudes que
poderá controlar e näo por aquelas que näo poderá controlar. Das várias magnitudes alternativas que
poderá considerar, os guias mais atraentes para a política säo as taxas de câmbio, o nível de preços,
como definido por algum índice, e a quantidade de um total monetário, moeda corrente mais os
depósitos à vista ajustados, ou esse total mais os depósitos a prazo dos bancos comerciais, ou um total
mais amplo.
Para os Estados Unidos, especificamente, as taxas de câmbio säo um guia indesejável. Poderá
valer à pena exigir que o grosso da economia se ajuste à infima percentagem constituída do comércio
exterior, se isso garantisse a ausência de irresponsabilidade monetária, como poderia acontecer sob um
verdadeiro padräo-ouro. Mas quase näo valerá à pena fazê-lo simplesmente para se adaptar à média de
quaisquer políticas monetárias que as autoridades monetárias do resto do mundo adotarem. É muito
melhor deixar o mercado, através de taxas de câmbio flexíveis, ajustar às condiçöes mundiais os 5%,
mais ou menos, de nossos recursos devotados ao comércio internacional, deixando que a política
monetária promova o uso eficaz dos 95%.
Dos três guias relacionados, o nível de preços é, claramente, o mais importante, por direito
próprio. As outras coisas sendo idênticas, seria uma alternativa muito melhor, como muitos
economistas afirmaram no passado. Mas as outras coisas näo säo as mesmas. O elo entre as açöes
políticas da autoridade monetária e o nível de preços, embora inegavelmente presente, é mais indireto
que o elo entre as políticas da autoridade e quaisquer dos diversos totais monetários. Além do mais, as
açöes levam mais tempo para afetar o nível de preços que para afetar os totais monetários e tanto o
intervalo de tempo como a magnitude do efeito variaräo com as circunstâncias. Como resultado, näo
poderemos prever com segurança exatamente que efeito uma açäo monetária específica terá sobre o
nível de preços, e, igualmente importante, exatamente quando apresentará esse efeito. A tentativa de
controlar diretamente o nível de preços, portanto, tornará provavelmente a política monetária uma
fonte de distúrbio econômico, em virtude de falsas paradas e partidas.
Consequentemente, acredito que um total monetário seja o melhor guia ou critério imediato
atualmente disponível para a política monetária, e acredito que seja muito mais importante escolher um
total específico que näo escolher nenhum.
Uma segunda exigência para a política monetária é que a autoridade monetária evite oscilaçöes
bruscas na política. No passado, as autoridades monetárias movimentaram-se na direçäo errada, como
no episódio da Grande Depressäo, que já mencionei. Mais frequentemente elas se movimentaram na
direçäo correta, embora geralmente tarde demais, porém erraram em se movimentar para longe
demais. Tarde demais e demasiadamente tem sido a regra geral.
111
A razão para a propensäo ao exagero parece clara: o fracasso das autoridades monetárias em
permitir a ocorrência de um tempo de demora entre suas açöes e os efeitos subsequentes sobre a
economia. Elas tendem a determinar suas açöes pelas condiçöes do momento, mas suas açöes iräo
afetar a economia somente seis, doze ou quinze meses mais tarde. Daí sentirem-se compelidos a frear
ou acelerar, conforme o caso, e de forma violenta.
Minha própria receita ainda é que a autoridade monetária vá até o fim para evitar tais
deslocamentos, por meio da adoçäo pública de uma política para a obtençäo de uma taxa de
crescimento constante num total monetário especificado. A exata taxa de crescimento, assim como o
preciso total monetário, seräo menos importantes que a adoçäo de uma taxa declarada e conhecida. Eu
mesmo tenho defendido uma taxa que, em média, alcança uma grosseira estabilidade dos níveis de
preços dos produtos finais, que estimei em aproximadamente 3% a 5% para a taxa de crescimento anual
da moeda, mais todos os depósitos dos bancos comerciais, ou uma taxa de crescimento ligeiramente
menor para a moeda mais os depósitos à vista.
Pela autodeterminaçäo e posterior manutençäo de um curso firme, a autoridade monetária
poderia fornecer uma importante contribuiçäo à promoçäo da estabilidade econômica. Tornando
aquele curso em um crescimento constante, mas moderado, do montante de moeda, faria uma
importante contribuição para evitar tanto a inflação como a deflação dos preços. Outras forças ainda
afetariam a economia, exigiriam mudanças e ajustamentos e trariam distúrbios ao ritmo equilibrado de
nossas maneiras. Mas o crescimento monetário constante produziria um clima monetário favorável ao
funcionamento eficaz daquelas forças básicas do empreendimento, da engenhosidade, da invenção, do
trabalho árduo e da poupança, que são os verdadeiros trampolins para o crescimento econômico. É o
máximo que podemos pedir da política monetária, em nosso atual estágio de conhecimento. Mas esse
máximo está, claramente, ao nosso alcance, e é o bastante.

ANEXO 2 – Resumo de Texto


Banco Central Independente e coordenação das políticas macroeconômicas : lições para o Brasil. Mª
Cristina Penido de Freitas, Doutora em Economia pela Universidade Paris-XIII, professora da
Universidade Paulista (Unip). Texto publicado na revista Economia e Sociedade, Campinas, v. 15, n. 2
(27), p. 269-293, ago. 2006.
Introdução
Este artigo apresenta uma revisão da literatura sobre independência do banco central, contrapondo
duas correntes do pensamento econômico contemporâneo : a novo-clássica que fornece os
fundamentos teóricos para a defesa da independência do banco central, cuja ação teria o objetivo único
de assegurar a estabilidade de preços, e a pós-keynesiana, que sustenta que a política monetária
também tem efeitos sobre as variáveis reais e deve ser implementada de forma coordenada com as
demais políticas econômicas.
...
Intenta-se mostrar que há alternativa à visão dominante que se pretende exclusiva. Ademais, procura-se
refutar a noção de ¨despolitização¨ da política econômica e, em particular, da política monetária, sob a
alegação de que o Poder Executivo sempre é irresponsável e atua com viés inflacionário.
...
1 A Escola Novo-Clássica e a tese da independência do banco central
1.1 Os postulados da Escola Novo-Clássica
A Escola Novo-Clássica, também conhecida como Escola das Expectativas Racionais, surgiu no final da
década de 1970 como uma dissidência da contra-revolução monetarista lançada por Milton Friedman
nos anos 1960 – em reação à hegemonia do pensamento keynesiano neoclássico no pós-guerra, e
rapidamente conquistou a posição dominante no pensamento econômico convencional ou ortodoxo.
...
112
A Escola Novo-Clássica, cujos principais representantes são os economistas Robert Lucas, Robert Barro e
David Gordon, apóia suas proposições em três pilares centrais :
a) os agentes econômicos, maximizadores, otimizam também as informações e formam expectativas
olhando tanto o passado como o futuro. São agentes racionais que possuem um entendimento
perfeito e completo sobre o modo como a economia funciona ;
b) hipótese da existência de uma taxa natural de desemprego, a qual prevalecerá sempre na ausência
de políticas-surpresa. Essa hipótese significa que o desemprego existente é voluntário (os agentes
optam por mais lazer) ou friccional ;
c) existência de viés inflacionário no comportamento do governo. Este, por razões políticas, busca
resultados ainda que transitórios sobre as variáveis reais da economia.
Para essa escola, os agentes são racionais e antecipam qualquer intervenção governamental na
economia, neutralizando seus efeitos. Assim, todo e qualquer agente sabe que uma maior oferta
monetária provocará inflação tal como sugere a Teoria Quantitativa da Moeda.
...
Com o propósito de adequar o instrumental monetarista às hipóteses básicas do modelo teórico da
Escola Novo-Clássica, Lucas formulou uma nova versão da Curva de Phillips, que expressa a relação
entre a taxa de desemprego e o nível de preço da economia, conhecida com Curva de Phillips vertical.
Ao contrário da versão de Friedman, segundo a qual os agentes formam expectativas com base nos
acontecimentos passados (expectativas adaptativas), na versão de Lucas os agentes usam de forma
racional as informações disponíveis, supostas completas e corretas, para tomar decisões, prevendo
corretamente as decisões de política econômica e neutralizando os seus efeitos. Desse modo, a Curva
de Phillips é vertical indicando que a taxa de desemprego corrente é igual à taxa de desemprego natural.
Apenas quando adota políticas monetárias que causam surpresa, o governo provocaria efeitos reais na
economia. (...) Por exemplo, maior expensão monetária pode reduzir o desemprego no curto prazo,
porém às custas de inflação. Todavia, tudo o que o governo consegue na prática é confundir os agentes
e provocar distorções no curto prazo, em função dos erros de previsão. Uma vez compreendido o erro,
os agentes racionais reajustariam suas posições e a taxa de desemprego corrente voltaria a ser igual à
taxa de desemprego natural (Carvalho e outros, 2000). Reforça-se assim a hipótese de neutralidade da
moeda, presente em todas as escolas do pensamento ortodoxo.
Assim, a Escola Novo-Clássica defende a texe de que o governo não deve utilizar a política monetária de
forma discricionária. Esta deve basear-se em regras claras e conhecidas, para evitar um ambiente de
incertezas e desconfianças em relação ao comportamento do governo.
...
Em desenvolvimentos teóricos posteriores, as regras claras e conhecidas assumiram a forma de uma
meta de crescimento máximo da inflação (inflation target), à qual todas as demais variáveis
macroeconômicas estariam subordinadas. A adoção do mecanismo de meta de inflação reforçaria a
independência operacional do banco central.
...
1.2 A tese da independência do banco central
Um dos principais expoentes da tese da independência do banco central é Alex Cukierman, porém cabe
ressaltar que, a partir dos postulados da Escola Novo-Clássica, vários autores colaboraram para sua
elaboração, inclusive recorrendo a contribuições de outras áreas das ciências sociais, como a ciência
política, incorporando argumentos, por exemplo, da teoria do ciclo político e econômico.
De acordo com as teorias do political business cycles, os políticos tendem a criar condições econômicas
mais favoráveis imediatamente antes das eleições, mesmo que essas políticas venham a exigir
ajustamentos de alto custo após as eleições.
...
113
Segundo a rational political business cycles theory, uma autoridade monetária subordinada ao Tesouro –
que é administrado por uma autoridade política com horizonte de planejamento finito – pode estimular
a adoção de políticas econômicas instáveis. (...) Para garantir a continuidade de seu mandato, o poder
político procuraria melhorar a sua imagem por meio de medidas ¨populistas¨, as quais seriam
financiadas mediante a emissão monetária, se o banco central fosse dependente do Tesouro. Haveria
assim uma inconsistência temporal na política econômica em geral e na política monetária, em
particular.
Um arranjo institucional para evitar a inconsistência temporal da política econômica seria a concessão
de independência do banco central para a formulação da política monetária.
...
Na construção da tese da independência do banco central também esteve presente a discussão em
torno das vantagens da adoção de regras ou discricionaridade na formulação da política econômica, em
geral, e da política monetária, em particular. A opção pela definição de regras simples, com poucas ou
nenhuma contingência, baseadas em instrumentos, fundamenta-se na crença de que o sistema
econômico é autorregulado, basicamente estável e tende para o equilíbrio.
...
Assim, haveria nas políticas governamentais discricionárias, inclusive na política monetária, um viés
inflacionário. Ou seja, no caso da política monetária, a discricionaridade indicaria a existência de um
incentivo à utilização de políticas inflacionárias pelas autoridades monetárias com o intuito de reduzir o
desemprego.
...
Regras monetárias ou orçamentárias poderiam introduzir alguns graus de coordenação política
intertemporal entre os governos no poder ao longo do tempo em um país em particular.
Para garantir o cumprimento das regras, sugere-se a criação de agências independentes, tais como o
banco central, não sujeitas ao poder discricionário de cada novo governo (Alesina, 1989, p. 83-84).
...
O banco central seria então a entidade apolítica à qual é delegada uma parte do poder da autoridade
política com o objetivo de preservar a estabilidade dos preços, dado que possui maior aversão à inflação
que a média da sociedade.
...
Quanto maior for a independência concedida ao banco central, maior será o comprometimento da
autoridade política com a manutenção da estabilidade dos preços, dado que o banco central é, em
geral, mais conservador no que se refere à busca e à manutenção da estabilidade e atua com uma visão
de mais longo prazo do que a autoridade política (Cukierman, 1992).
A independência o banco central diz respeito a sua competência para formular e executar a política
monetária, sem intervenção do Executivo, com objetivo de assegurar a estabilidade dos preços, mesmo
que tal objetivo contrarie os demais objetivos das autoridades políticas. Nesse sentido, são considerados
pré-requisitos institucionais :
(1) a inclusão no estatuto do banco central do seu objetivo único e exclusivo de combater a inflação e
os limites para a interferência do Executivo ;
(2) existência de regras que fixam mandatos e dificultam a demissão dos dirigentes por razões
políticas ; e
(3) existência de patrimônio próprio e liberdade para definir o próprio orçamento.
...
2 A Escola Pós-Keynesiana e não-neutralidade da política monetária
2.1 Os fundamentos da Escola Pós-Keynesiana e a eficácia da política monetária

114
(...) Em contraste com a corrente keynesiana da síntese neoclássica (os chamados keynesianos
bastardos, expressão cunhada pela economista inglesa Joan Robinson) que popularizou a ideia de que
para Keynes a moeda não importava e que apenas a política fiscal possuía eficácia em termos dos
efeitos sobre a demanda agregada da economia, a corrente pós-keynesiana procura mostrar a
importância que Keynes atribuía à política monetária resgatando seus estudos sobre a moeda e os
arranjos institucionais monetários e financeiros que desempenham papel crucial tanto no
desenvolvimento como na instabilidade da economia capitalista.
...
Como ressaltam os economistas pós-keynesianos, a importância da contribuição de Keynes está em
integrar o comportamento e a estrutura dos mercados monetário-financeiro e de produto-trabalho na
análise da economia capitalista. Em oposição à visão convencional que representa o sistema econômico
como uma ¨uma feira de aldeia¨, a referência das formulações teóricas de Keynes é o ¨mundo de Wall
Street¨, na expressão de Minsky, dotado de uma institucionalidade monetária e financeira complexa e
sofisticada, no qual a moeda desempenha papéis muito mais complexos do que a simples intermediação
da troca.
...
Nesse tipo de economia onde a moeda é um ativo desejado por ser a expressão da máxima liquidez e do
poder de tudo comprar em qualquer lugar e a qualquer momento, as decisões dos agentes em termos
de alocação e busca de valorização da riqueza podem dar origem ao desemprego involuntário, se a
demanda por liquidez reduz a demanda efetiva por bens e serviços. Keynes considerava a política
monetária como um importante instrumento para promover alterações na produção e reduzir o
desemprego, pois a moeda é um objeto desejado por si mesmo pelos agentes que buscam liquidez.
...
Na economia capitalista moderna, a moeda que está na base de todas as transações econômicas
relevantes é uma moeda de emissão privada, que é criada no momento da concessão do crédito
bancário. Oa bancos têm o poder, por excelência, de monetizar, no sentido estrito do termo, as
obrigações primárias emitidas pelos devedores bancários no momento da concessão do crédito, porque
os depósitos à vista, reconhecimentos de dívida emitidos pelos bancos contra si próprios, são utilizados
como meio de pagamento para a maior parte das transações econômicas. Entretanto, um banco
individual só pode criar moeda enquanto parte de um sistema hierarquizado, centralizado e organizado
em torno do banco central.
...
Em outras palavras, a moeda bancária ou a moeda de crédito nasce como moeda privada, cuja validação
social é fornecida pelo Estado através do banco central que garante a conversão das moedas bancárias
privadas em moeda central ou legal. É a existência do banco central que permite que os ativos emitidos
pelos bancos (os depósitos à vista) sejam substitutos perfeitos da moeda legal, ou seja, a moeda de
curso forçado de poder liberatório que é a unidade de conta e meio de pagamento último de todos os
contratos econômicos relevantes.
...
De um lado, criam moeda, sob a forma de depósito à vista, ao conceder crédito. De outro, atuam como
intermediários mobilizando a poupança financeira e servindo de elo entre a esfera da circulação
produtiva e a esfera da circulação financeira.
Na visão de Keynes e dos economistas pós-keynesianos, a arte da política monetária executada pelo
banco central consiste em estimular a transformação da moeda-ativo em moeda-meio de pagamento,
ou seja, alterações nos porta-fólios dos agentes econômicos no sentido da aquisição de itens ilíquidos na
esfera da produção, mediante a alteração na preferência pela liquidez dos agentes econômicos,
inclusive os bancos, que são criadores ativos da moeda de crédito ou moeda bancária.
...
115
No mundo real, no qual existe incerteza e irreversibilidade temporal, o comportamento dos agentes não
pode ser previsto, o que faz com que cada participante do mercado desconheça as decisões dos demais.
Desse modo, não há como assegurar uma convergência para o equilíbrio.
...
A capacidade dos bancos centrais em controlar a oferta monetária de modo rígido também tem sido
comprometida pela globalização, pela proliferação de novos instrumentos financeiros, pela crescente
integração dos mercados e pela liberalização dos movimentos de capital. Em uma economia aberta, com
taxa de câmbio flexível, a ação dos bancos centrais através da política monetária torna-se bastante
limitada e reduzindo-se a esterilizar os fluxos de capitais e a garantir o equilíbrio do balanço de
pagamentos. Porém, mesmo nesse contexto, os economistas pós-keynesianos defendem a ideia de que
as autoridades governamentais devem buscar arranjos monetários que permitam contornar as
restrições externas e introduzir maior flexibilidade na implementação da política monetária para o
alcance dos objetivos adequados à economia nacional.
2.2 A crítica à tese da independência dos bancos centrais
A concepção pós-keynesiana não reconhece, como pressupõe a economia tradicional, a existência nem
de um ponto de equilíbrio estável na economia nem de um dilema entre inflação e taxa de desemprego.
Assim, como ressalta Mendonç (2000, p. 115), ¨não existe, sob esta interpretação, um viés inflacionário
inerente à política monetária, não havendo por conseguinte espaço para o arcabouço teórico daqueles
que defendem a proposição de um BCI (banco central independente)¨.
Segundo Carvalho, o principal equívoco do arcabouço teórico subjacente aos modelos de independência
do banco central é :
(...) a noção de que se possa atribuir aos bancos centrais uma natueza intrínseca, isto é, garantir o poder
de compra da moeda mediante o controle de sua quantidade. Assume-se assim que o banco central tem
uma função-objetivo, a exemplo dos consumidores e das firmas, e deste modo, deixado livre para atuar
de acordo com sua natureza, o banco central irá, fatalmente e por conta própria, perseguir a
estabilidade dos preços. (Carvalho, 1995/96, p. 164).
...
Na crítica pós-keynesiana também é ressaltada a importância da história para a compreensão do
desenvolvimento da institucionalidade monetária e financeira da economia capitalista (Carvalho, 1995).
O banco central não é uma instituição apolítica, com a função ¨natural¨ de garantir a estabilidade dos
preços, e por consequência a estabilidade do valor da moeda, como sugerem alguns dos defensores da
teoria da independência do banco central.
A análise da evolução histórica do surgimento e desenvolvimento dos bancos centrais evidencia
claramente que os bancos centrais mais antigos, como o Banco da Inglaterra e o Banco da França,
assumiram gradativamente e de forma interrelacionada as funções hoje consideradas típicas de
banqueiro central : emissor da moeda legal, banco dos bancos, prestamista de última instância (Freitas,
2000). (...) A exceção é o alemão Bundesbank, em virtude da existência de consenso social em torno da
estabilidade, construído após o traumático processo de hiperinflação nos anos 1920.
...
Outro importante argumento contra a tese da independência do banco central refere-se à relevância da
política monetária. Como já assinalado, para a corrente pós-keynesiana, a moeda não é neutra e a
política monetária tem efeitos duradouros sobre o lado real da economia, ou seja, repercute não apenas
sobre a inflação, mas também sobre a produção e o emprego. Assim, não faz sentido reduzir a política
monetária ao objetivo exclusivo da estabilidade de preços em detrimento do crescimento.
...

116
De igual modo, a política monetária não deve ser utilizada de forma independente das demais políticas
econômicas. A coordenação das políticas é essencial tanto para o planejamento dos objetivos
macroeconômicos como para o sucesso das diferentes políticas em atingir esses objetivos.
...
A não-coordenação de políticas pode ser uma fonte potencial de conflito, sobretudo se o banco central
tem completa liberdade de ação. (...) Se o banco central age sem levar em consideração os objetivos
gerais da política econômica, o resultado será a estagnação da economia e o aumento do desemprego,
sem falar na maior vulnerabilidadeão da economia e o aumento do desemprego, sem falar na maior
vulnerabilidade que a dependência de recursos externos voláteis representa. Outro efeito deletério de
tal política se expressa na elevação do custo financeiro da dívida pública, o que coloca constrangimentos
adicionais à política fiscal.
...
Finalmente, um outro aspecto importante a ser considerado na discussão em torno da independência
do banco central é a questão da instabilidade financeira intrînseca à economia capitalista, fundada na
moeda e no crédito. O objetivo exclusivo da estabilidade dos preços poderia dificultar uma rápida ação
do banco central ante a ameaça de instabilidade financeira, dado que há uma evidente contradição
entre a função de guardião do valor da moeda e a função de prestamista em última instância para
impedir a ocorrência de grave crise financeira.
...
3 A independência do Banco Central e a coordenação das políticas econômicas : reflexões para o caso
do Brasil
Nos anos 1990, multiplicaram-se os países, desenvolvidos e em desenvolvimento, que adotaram como
instrumento de política monetária o regime de metas de inflação, com a consequente concessão de
independência aos seus bancos centrais para a formulação e execução da política sem intervenção
direta ou indireta do Poder Executivo seja do Legislativo. Dada a natureza da economia capitalista, a
adoção do regime de metas pode deixar os governos sem um importante instrumento de combate ao
desemprego e à recessão.
...
No caso de países em desenvolvimento como o Brasil, a adoção de regime de metas de inflação coloca
problemas adicionais associados à forma de inserção internacional dessas economias e à não-
conversibilidade de suas moedas, dado que ocupam uma posição absolutamente secundária na
hierarquia do sistema monetário e financeiro internacional.
...
A abertura financeira ampla tornou as economias periféricas extremamente vulneráveis, ainda que em
graus diferenciados, às oscilações de humor dos investidores internacionais em um contexto de finanças
globalizadas, marcado pela volatilidade dos fluxos de capitais associada à predominância da lógica
especulativa e financeira sobre a produtiva. Em certos casos, a necessidade de atrair capitais externos
para equilibrar o balanço de pagamento conduz à manutenção da taxa de juros em patamares elevados,
de modo a oferecer ganhos de arbitragem aos investidores estrangeiros. No entanto, tais ganhos podem
perder sua atratividade subitamente em caso de crise de confiança nem sempre motivada pela perda de
qualidade dos chamados fundamentos macroeconômicos.
O fato de as economias periféricas possuírem moedas não conversíveis, ou seja, para as quais não existe
demanda fora dos mercados domésticos, faz com que a dependência de fluxos de capital externo
introduza constrangimentos adicionais à implementação de políticas monetária e fiscal. Se as taxas de
juros são fixadas abaixo do nível determinado no mercado internacional, o qual embute um prêmio de
risco, os países periféricos podem sofrer com fuga de capital doméstico, além de interromper a atração
de recursos externos. Nesses países, a taxa de juros doméstica elevada muitas vezes tem resultado
incerto sobre a estabilidade dos preços, porém seus efeitos são quase sempre nefastos para os
117
trabalhadores e empresários, na medida em que pode se traduzir na redução dos lucros e, por
consequência, em demissões.
A adoção da estabilidade dos preços como objetivo único do banco central, como previsto no regime de
metas de inflação, engessa toda a política econômica, impede a coordenção de políticas e retira do
Executivo o poder de formular a política monetária. Nesse tipo de regime, todas as demais políticas
tornam-se subordinadas à política monetária, potencializando os constrangimentos decorrentes da
posição internacional periférica.
...
(...) Até mesmo a formulação da política fiscal fica limitada, pois ao manejar a taxa de juros, a variável-
chave da política econômica, para cumprir a meta de inflação fixada, o banco central condiciona a
execução orçamentária do Tesouro.
...
Em estudo elaborado por pesquisadores do FMI (Carare et al., 2002) são definidos quatro conjuntos de
pré-requisitos para a implementação de regime de metas de inflação em países em desenvolvimento (os
chamados ¨países emergentes¨) :
(1) independência do banco central e responsabilização pública dos seus atos, mediante mandatos não
coincidentes e regras rígidas para a demissão dos dirigentes, transparência e prestação de contas à
sociedade (accountability) ;
(2) estabilidade macroeconômica, expressa através de equilíbrio fiscal, baixa dependência externa,
inflação descendente quando da adoção do regime ;
(3) estabilidade e desenvolvimento do sistema financeiro, pressupondo estabilidade e higidez do
sistema financeiro e mercado de capitais desenvolvidos ; e
(4) existência de instrumentos de política monetária apropriados, incluindo domínio das técnicas de
controle e previsão da inflação e objetivo cambial subordinado à meta de inflação.
Talvez seja desnecessário dizer que o Brasil não atendia, por ocasião da implementação do regime de
metas de inflação, a maioria desses pré-requisitos e, em particular, o ajuste das contas públicas e a baixa
dependência externa.
Contrariando as expectativas de uma grande parcela do seu eleitorado, o governo Lula não alterou as
diretrizes básicas da política econõmica do seu sucessor (sic). A conquista de credibilidade e reputação
junto aos investidores internos e externos, o chamado ¨mercado¨, tem sido a justificativa para manter e
aprofundar o rumo da política econômica herdada do governo FHC. Com o mesmo sentido, pode ser
interpretada a defesa pela atual equipe econômica do regime de metas de inflação e da concessão de
autonomia legal ao Banco Central do Brasil.
...
Considerações finais
Como foi visto, a tese da independência do banco central tem como premissas a neutralidade da
moeda, a existência de uma taxa natural de desemprego e o viés inflacionário da política econômica.
Isso leva seus defensores a postular que a política monetária não pode ser usada na promoção do
crescimento econômico, pois teria efeitos inflacionários permanentes. A partir das formulações de
Keynes e dos autores pós-keynesianos, procurou-se ressaltar o equívoco dessa interpretação, com
destaque para a não-neutralidade da moeda em seus efeitos nas decisões dos agentes e na dinâmica da
economia e para a importância da utilização da política monetária de forma coordenada com as demais
políticas econômicas com vistas a atender não só os objetivos de estabilidade dos preços, mas também
os objetivos de estimular a produção e o emprego.
A discussão da autonomia do banco central nos moldes como está sendo conduzida no Brasil impõe a
necessidade de efetuar uma clara distinção entre a formulação e a execução da política econômica, sob
pena de que, a pretexto de buscar a estabilidade monetária, institucionalizarem-se práticas que
118
conduzam a situações de ingovernabilidade da política macroeconômica, uma vez que esvaziam o poder
do Executivo.
A formulação dos objetivos da ação econômica é uma tarefa eminentemente política e como tal
corresponde ao Executivo, o qual deve implementá-la dentro de um esquema que facilite a integração e
a coordenação de todas as políticas do governo. A execução é uma tarefa que pressupõe um domínio ou
conhecimento específico, porém condicionada e subordinada às diretrizes e aos objetivos estabelecidos
pelos formuladores da política. O banco central, na execução das políticas monetárias, creditícia e
cambial, deveria atual com independência, sobretudo em relação ao setor privado, em especial do
sistema financeiro. Nesse sentido, seria fundamental definir com precisão as incompatibilidades prévias
e futuras de seus dirigentes.
Nos países de regime democrático, ao se eleger um presidente da República (ou um novo primeiro-
ministro), a maioria da população opta, com maior ou menor clareza, por um programa de governo, no
qual estão contempladas metas de performance da economia. A representatividade obtida através do
voto popular confere legitimidade às decisões do Executivo. Estas, por sua vez, estão sujeitas ao
controle político, consubstanciado nos processos eleitorais. Em um contexto de banco central
independente ou autônomo com podere decisórios de política econômica, há grande risco de que um
presidente recém-eleito se veja impossibilitado de implementar seu programa, frustrando as
expectativas de seus eleitores, se com este não estiver de acordo a autoridade monetária. (...)
A concessão de independência ao banco central para a formulação da política monetária apresentaria
ainda o sério inconveniente da diluição da responsabiliade política pelo manejo da economia. É
fundamental que a sociedade possa responsabilizar as autoridades que são eleitas e que, portanto,
podem ser trocadas ou reeleitas por seus fracassos e êxitos no manejo econômico.
Em vez de conceder independência ao banco central para a formulação de políticas e definição de regras
para a política monetária, o mais apropriado seria instituir normas claras para o relacionamento da
autoridade monetária com o governo e com o setor privado, em especial com o sistema financeiro, e
estabelecer mecanismos institucionais que garantam a participação mais efetiva dos dirigentes do
banco central nas instâncias decisórias do governo.
A decisão de conceder independência ao banco central do Brasil para que possa formular a política
monetária com foco exclusivo na estabilidade dos preços está longe de ser uma questão técnica ou
apolítica como alegam os seus defensores. Ao contrário, essa é uma questão política que, como
qualquer outra, implica escolhas que não são neutras em seus efeitos sobre a economia e sobre
diferentes grupos sociais. Tal decisão faz parte do jogo político e essa sua dimensão precisa ser posta em
evidência no debate. Não se pode permitir que suas implicações políticas permaneçam mascaradas
como se se tratasse de uma questão puramente técnica e consensual.
Referências bibliográficas
(ver na publicação original).

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