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REVISTA DE DIREITO PENAL REVISTA


Diretor: Prof. "Heleno C. Fragoso
DE
Secretário: Dr. Nilo Batista 1 DIREITO PENAL
Redação: Trav Paço, 23 grupos 701/2' - Rio de Janeiro, GB.
I
I,
óRGÃO OFICIAL DO INSTITUTO DE CI~NCIAS PENAIS DA
Assinaturas:
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I' FACULDADE DE DIREITO CÂNDIDO MENDES
':1!
I

Na Guanabara: Livraria Cultural da Guanabara Ltda., }

Rua da Assembléia, 38

Demais Estados: Diretor: Prof. HELENO C. FRAGOSO

Editor Borsoi, Rua Francisco Manuel, 51/55, Benfica,

ZC-15 - Rio de Janeiro, GB. i,;

N.o 2

ABR. - JUN. I 1971

Preço dêste volume:. Cr$ 20,00


Assinatura anual (4 números) Cr$ 72,00 EDITOR BORSOI
SUMÁRIO
DOUTRINA
Eduardo Novoa Monreal, Progress{) Humano .!J Direito Penal ........... . 9
Roberto Lyra Filho, Crimino'logia e Dialética .......................... . 29
COLABORAM NESTE NúMERO: Heleno Cláudio Fragoso, Aspectos dro Teoria do Tipo ................... . 59
NOTICIÁRIO......................................................... 85

EDUARDO NOVOA MONREAL - Professor da Fac. Direito da Univ. Católica RESENHA BIBLIOGRÁFICA
de Santiago - Chile Código Penal Brasileiro, ed. Alba - Nilo Batista ...................... . 89
Revista de Ciencias Penales - Nilo Batista ........................... . 89
HELENO CLÁUDIO FRAGOSO - Professor titular da Fac. Dir. Cândid& João Mestieri, Curso de Direito Criminal - Nilo Batista ..... .......... . 90
Mendes. Teodolino Castiglione, Lombroso und die heutige Kriminologie - H. C. F. 90
Hans Welzel, Derecho Penal Alemán - H. C. F . ...................... . 91
Hélio Sodré, A prova penal referente à posse de entorpecentes - Nilo Batista 91
NILO BATISTA - Professor assistente da Fac. Dir. Cândido Mendes. Anais da III Conferência Nacional da Ordem dos Advogados - H. C. F. 92

ROBERTO LYRA FILHO - Professor titular da Universidade de Brasília. JURISPRUD:í!JNCIA


Lenocínio. Hotel licenciado. Irrelevância .............................. 95
Substância avariada em depósito. Não há crime sem o intuito de vender 95
Atividade comercial com mercadoria m.citamente introduzida no país. Indis-
pensável a habitualidade .......................................... 97
Condenação baseada exclusivamente em prova de inquérito. Nulidade .... 97
Crime contra cônjuge. Não se aplica a agravante se o casal está desquitado 97
Estupro com violência presumida. Ação penal privada .................. 98
Decadência. Contagem de prazo ...................................... 98
Entorpecente. Uso próprio não constitui crime ......................... 98
Citação por edital. Réu prêso em outra unidade da Federação. Nulidade 99
Representação feita por avô. Validade ................................ 99
Habeas Corpus. Suspensão condicional da pena ......................... 99
.Justiça Milit~r .. Recurso. d_e embargos em caso de competência originária,
sendo unanlme a declsao .......................................... 100
Contrabando. Se a mercadoria fôr apreendida no momento de seu desem-
INSTITUTO DE CIÊNCIAS PENAIS (Fac. Dir. Cândido Mendes) barque há mera tentativa ......................................... 100
Conflito de jurisdição. Crime praticado por civil contra militar à paisana,
RAFAEL CIRIGLIANO FILHO (diretor), HELENO CLAUDIO FRAGOSO (sec. em situação de atividade, ignorando o agente a qualidade da vítima.
Competência da Justiça Comum .................................... 101
geral), ALEXANDRE GABRIEL GEDEY (sec. executivo), EDERSON DE Falsidade documental e uso de documento falso. Ausência de concurso
MELLO SERRA, HORT:í!JNCIO CATUNDA DE MEDEIROS, JOAQUIM DIDIER de crimes ........................................ " . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
Conflito de. jurisdição entre juiz federal e estadual. Prevalência dos fatos
FILHO, OLíMPIO PEREIRA DA SILVA, SILVIO AMORIM DE ARAÚJO, descritos na denúncia sôbre a capitulação .......................... 101
Precatória para audiência de testemunhas. Falta de intimação do defen-
VIRGíLIO LUIZ DONNICI sor. Nulidade .................................................... 102
Furto e estelionato. Não há reincidência específica .................... 102
Crime contra a honra através da imprensa. Exigência de dolo específico 102
Acidente de trânsito. Falta de habilitação, não induz em culpa do condutor 103
Contrabando. Exame de corpo de delito desnecessário ................... 103
Denúncia inepta. Descrição dos fatos atribuídos a cada partícipe nos crimes
de autoria coletiva ................................................. 104'
Prisã?A p~eventiva. As inforn:ações prestadas pelo juiz não suprem as defi-
CIenClas na fundamentaçao ........................................ 104\
Suspensão condicional da pena. Deve o juiz pronunciar-se a respeito ....• 104

t
Retenção de contribuições previdenciárias. Apropriação _indébita ........ . 133/
Registro de Nascimento falso para obtenção de benefício. Estelionato .•.• 104 Omissão de socorro. Pode ocorrer em atropelamento sem culpa .......... . 133/
Citação por edital. Incabível se consta dos autos o enderêço do réu. Nulidade 104 Roubo qualificado pelo resultado exclui a aplicação do 1§ 2. 0 do art. 157
Intimação de advogado para inquirição de testemunhas. Sua falta importa do Código Penal ................................................. . 133
em cerceamento de defesa .....................................•... 105 Furto qualificado pelo concurso de ag~ntes e qu~d:-ill~a ............. : .... . 134
Assistente de acusação. Limites de suas atribuições processuais .........• 105 Roubos sucessivos praticados por quadrIlha. Inexlstencla de CrIme contmuado 134
Contrabando. Não o configura o transporte no país de café de comerciali- Crime contra a economia popular. Gestão fraudulenta ................. . 134
zação proibida .................................................. . 106 Jornalista. Prisão especial ........................................... . 135
Inquérito policial. Excesso de prazo .................................•. 107 Lei de imprensa. Direito de Resposta ................................. . 136
Latrocínio. Pluralidade de vítimas. Inexistência de concurso material .... 108 Crime de imprensa. Direito de resposta. Contagem de prazo ........... . 136
Ilícito penal e ilícito administrativo ..................................•• 108 Prostituição não justifica o processo por vadiagem .................... . 137
Expulsão. Concessão de h.c. para impedir entrega a determinado país .. 108 Prisão Especial. Oficiais das Fôrças Armadas na reserva ............. . 137
Crime de automóvel. Imprudência na ultrapassagem de faixa de segurança. Falsificação de letra de câmbio com aceite de instituição financeira. Com-
Irrelevância do sinal aberto ..................................•.... 109 petência da Justiça Federal ...................................... . 137
Crime de automóvel. Prova .....................................••.... 109 Intimação em sexta-feira. Contagem de prazo ......................... . 138
Crime de automóvel. Concorrência de culpas irrelevantes ............•.. 109 Injúrias. Crime contra a Segurança Nacional ......................... . 138
Crime de automóvel. Imprudência pelo estado de veículo de carga ....•... 110 Stibstância avariada. Restaurante. Inexistência de crime se o alimento
Crime de automóvel. Tráfego junto ao meio-fio ...................•..•. 110 ainda não está preparado ........................................ . 142
Crime de automóvel. Aprendiz não age com imprudência ............... . 110 Sentença. Omissão do preceito legal aplicado. Nulidade ............... . 143
Imputabilidade. Silvícola ...........................................•.. 110 Pena privativa da liberdade. Cômputo de prisão provisória anterior em
Co-autoria. Vínculo psicológico .....................................•.• 111 outro processo .................................................. . 145
Aplicação da pena. Crime culposo ..................•................... 112 Marechal reformado com direitos políticos cassados tem direito a fôro
Aplicação da pena. Réu menor. Co-autoria ...........................• 112 especial ..................................................... : ... . 145
Decadência. Crime continuado. Crime contra a propriedade industrial •.. 113 Assalto a banco sem motivação política. Crime contra a segurança naCIOnal.
Suspensão condicional da pena. :É obrigatória ao condenado que satisfaz Conceito de Segurança Nacional .................................. . 146
os requisitos da lei ...........................................•... 113
Aplicação da pena. Fixação da pena-base .............................• 113
Suspensão condicional da pena. Condenação à pena de multa não a prejudica 114
Pena acessória. Crime cometido com automóvel. Não é obrigatória ....•. 115
Perdão do ofendido. Pode ocorrer se há recurso extraordinário ......... . 115
'Crimes contra a liberdade sexual. Interpretação da Súmula 388 ......... . 116
Prescrição. Crime continuado ........................................ . 119
Prescrição. Crime falimentar ......................................... . 121
Prescrição da condenação. Reincidência .........................•.•.... 122
Prescrição. Interrupção pela denúncia e não por sua alteração ......•... 122
Crime de automóvel. Cruzamento. Dano resultante da fuga precipitada .• 122
Homicídio privilegiado (art. 121, § 1.0, C. P.). Redução da pena é facultativa 123
Prisão preventiva. Crime político. Exigência dos requisitos legais ....... . 123
Homicídio culposo. Atropelamento ...................................•• 124
Lesões corporais. Incapacidade para as ocupações habituais. Exame com-
plementar ....................................................•... 124
Perigo para a vida ou a saúde. Exige pessoa determinada ............. . 124
Maus tratos excluem o crime de lesões corporais leves ................. . 125
Crime contra a honra praticado por vereadores. Ausência de a.ninnu8'
injuria.ndi •......•...............................•..............•• 125
Crime contra a honra. Reitor de Universidade Federal. Competência da
Justiça Comum .................................................. . 126
Crime contra a honra de vereador. Ação Penal ........................ . 126
Furto de uso. Reposição imediata e uso momentâneo ................•... 127
Furto e venda posterior da coisa furtada. Inexistência de concurso ..... . 128
Furto de pequeno valor em detrimento de Fôrça Pública. Inexistência
de crime ........................................................ . 130
Furto com rompimento de obstáculo. Exame pericial indispensável •...... 131
Furto e abuso de confiança .......................................... . 131
Estelionato. Torpeza bilateral ........................................ . 131
Estelionato não se confunde com insolvência de sociedade .............. . 131
Estelionato e falsidade documental. Concurso material ................ . 132
Estelionato e falsidade documental. Inexistência de concurso de crimes .. . 132
o extraordinário sucesso que obteve o lançamento desta
Revista, com acolhida surpreendente, constitui itndicação segura
do que ela vem rep'resentar no p~ano cultural, em nosso país, e
de que nesse setor havia, rea~mente, um vazio a ser preenchido.
Em diversas loca~idades a Revista esgotou-se r.àpidamente. Rece-
bemos de. pro!essôres, magistrados, membros do Ministério
Púb~ico e advogados numerosas comunicações com pa~avras de
louvor e estímulo, e queremos aqui deixar consigrnado o nosso
agradecimento, com a garantia de que prosseguiremos na obra
,encetada, sem desfa~ecimento.
Neste número o leitor encontrará três artigos na parte
doutrinária. O primeiro, do prof. EDUARDO NOVOA MONREAL, da
Faculdade de Direito da Universidade Católica do Chile, figura
,excepcional de jurista, que presidiu, por longos anos, o ](Y/)8tituto
de OiJências Penais de seu país, e foi secretárrio-executivo da
'Comissão Redatora do Código Penal Tipo para a América
Latina, que se deve à sua iniciativa. Seu trabalho, "'Progresso
Humano e Direito Pena~", focaliza o impacto das transformações
'Sociais e do progresso técnico sôbre o Direito Penal, com refe-
rência a questões que hoje estão na ordem do dia.
COlY/)cltuímos nesta edição o notável estudo do prof. ROBERTO
LYRA FILHO, "Criminologia e Dialética", no qua~ o mestre exa-
mina em profundidade e com penetrante espírito crítico a proble-
mática da Criminologia, numa perspectiva filosófica renovadora,
de valor excepcional. São poucos os q~w no Brasil se dedicam
seriamente ao estudo da Criminologia, que serve bem à reali-
zação de um charlatanismo cultural, à base de uma pseudo ciêrn-
·cia, na tentativa de uma exploração causalista simplória e super-
ficial. O estudo do prof. LYRA FILHO é dêstes que marcam o terre-
no e assinalam os rumos, merecendo porisso mesmo, a atenção
:indispensável de todos os estudiosos.
Essa parte termina com um estudo jurídico de nossa autoria,
"Aspedtos da TgorVa ,do Tiplo", ma qual pretendemos examinmre
'Sistematizar algumas categorias gerais da Parte Especial.

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o leitor encontrará neste número as rnossa8 seções habituais, DOUTRINA
com particular ênfase na parte relativa à jurisprudência. Aqui
estão tratados em profundidade e extensão alguns dos problemas
mais importantes que a aplicação de nosso Direito Penal neste
momento aprese.nta.

H. C. F.

PROGRESSO HUMANO E DIREITO PENAL (~)

EDUARDO NOVOA MONREAL

Enfrentando o risco de pecar pela superficialidade, queremo~


abrir, nas breves linhas que seguem, uma janela que comunique O>
âmbito jurídico com o mundo exterior, a fim de que se renove o ar
de muitos conceitos estanques e se ilumine a necessidade de reformar'
tantos conceitos penais que o progresso do mundo deixou para trás.
Nunca, em sua já longa história, a humanidade passou por uma
época de tão bruscas e profundas mutações, como esta que estamos.
presenciando. Tudo se altera e modifica, na maior parte das vêzes,
em sentido muito positivo de progresso e melhoramento. Isso se veri-
fica em todos os setôres da vida humana e dos fatôres que a condi-
cionam, especialmente dentro do campo dos conhecimentos - tanto)
científicos como tecnológicos - das estruturas e formas da vida.
social (em boa parte alteradas pela mui rápida aplicação prática.
que hoje se logra dêsses novos conhecimentos), e inclusive dos valô-
res éticos e jurídicos que reconhecem e sustentam a cultura dos povos ..
Não obstante, junto a tais mutações vão surgindo ou se consolidando'
também novas formas de vida de conteúdo negativo, que lançam
uma séria interrogação ,à sorte futura de muitas nações, especialmente.
daquelas que estão situadas no que nos foi dado chamar de Terceiro)
Mundo.
Jamais, por isso, o Direito foi submetido a uma tão dura prova
em sua necessidade de ir-se adaptando constantemente às novas con-
dições sociais. A urgência com que essa adaptação é exigida no
presente nem sempre pode ser atendida, em virtude de limitações.
oriundas de suas próprias estruturas e, ainda, da mentalidade da.
maior parte de seus cultores.
Comprovamos que o direito positivo, tanto nos sistemas da legis-
lação escrita, como nos de práticas consuetudinárias, tem uma natu-'
ral tendência a estabilizar-se. A difícil elaboração das fórmulas legis-·
lativas, especialmente as codificadas, em primeiro lugar, e a perma-'
nência, estendendo-se ao futuro, dos usos e costumes precedentes, por'
(*) Tradução de J. Sérgio Fragoso.

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outro lado, exerc,emsôbre o direito positivo uma influência estrati- 'no atuarhumano ese comprova até que ponto a vontade está condi.
fi cante, que tende a consolidar normas antigas e a projetá-las, com donada por numerosos dinamismos fisiológicos e psíquicos, que mui-
pretensões de validez mais ou menos duradouras, até o futuro. tas vêzes impedem ao homem dirigir sua cOnduta da maneira como lhe
Entretanto as alterações sociais, com sua surpreendente mobi- proporia sua inteligência. Simultâneamente, estudam-se as relações
lidade, vão s~brepassando amplamente os esquemas jurídicos e do homem com o meio em que vive e atúa, e se descobre que elas
terminam por deixá-los de lado como coisa inútil e perturbadora do podem decidir grande parte de sua conduta e de suas reações.
progresso de uma humanidade que parece haver alcançado um dos -':. Tudo isto conduz a que cada vez em maior medida, tanto o Direi-
seus pontos culminantes em seu esfôrço pelo domínio da natureza. to Penal como o Direito Processual Penal ampliem suas normas des-
Se quisermos que o direito continue firme norma de con- tinadas a reconhecer e ponderar o conhecimento do ser humano, que é
duta nas sociedades modernas, capaz de assegurar a todos os obj eto de seus preceitos e o das circunstâncias exteriores que sôbre
homens a livre possibilidade de desenvolvimento integral, os juris- êle puderam atuar. Isso conduz, por seu turno, a uma política sempre
tas temos de convencer-nos de que não temos outra saída senão a de mais individualizada em matéria penal e a uma maior atenção para.
modernizar o direito e reestruturá-lo sôbre bases que o permitam os as'pectos subjetivos do ser humano. O atual princípio de que não
ir-se adaptando, com a flexibilidade necessária, às novas e segura- há pena sem culpabilidade, poderia ser tido, de certa forma, como
mente mais aceleradas alterações que haveremos de ver na vida futu- a concretização de tais progressos no conhecimento humano, dentro
ra dos povos. do âmbito do Direito Penal.
Evidentemente essa tarefa, não obstante a urg.ência de que se Esta nova posição acêrca do homem deveria trazer igualmente,
reveste, necessita de uma visão multi disciplinar para ser encetada. como conseqüência própria, um abandono cada dia maior dos crité-
Sem o esfôrço conjugado de historiadores, sociólogos, antropólogos rios absolutos em matéria penológica e sua substituição pelos de índo-
e de outros cientistas especializados nas transformações das socieda- le relativa. Ela também se refletiu em mais acertada escolha das penas
des humanas, o jurista nada poderia fazer. Sem tôda a bagagem cien- adequadas para as diversas violações do Direito. Contudo, apesar de
tífica exigida por um trabalho dessa espécie, qualquer incursão no estar marcado o progresso científico pelo conhecimento do ser huma-
tema poderia ser tomada, com razão, como irresponsável, ou quando no, temos de admitir que os mecanismos mais profundos e superio-
nada, superficial devaneio, carente de integridade e de sistema, sôbre res do atuar humano continuam sendo um mistério. Por muito que
os pontos que haveriam de ser abordados. se tenha progredido, o íntimo do homem constitui ainda um sério
Mas, como antes de obter o desenvolvimento dêste estudo cien- enigma.
tífico completo, é indispensável despertar a consciência dos juristas Daí que o juízo penal continue sendo, apesar de tudo o que a ciên-
e convencê-los da inescusável responsabilidade que sôbre êles pesa por cia nos possa fornecer hoje em dia, sOmente um juízo de aproxima-
esta desvalorização social do direito, cada dia maior, sentimo-nos ção. Nem por sua possibilidade de conhecer a interioridade humana
autorizados a parcial e fragmentário exame de alguns aspectos que e de conhecer, assim, o suj eito que delinqüiu, nem pelos seus alcances
deveriam ser levados em conta dentro do campo do Direito Penal, na ponderação das manifestações verbais humanas (sejam elas tes-
seguros de que a inteligência de outros, permitirá ir completando os temunhos ou confissões), pode sustentar-se que o juiz de nosso tempo
notórios vazios que se encontrarão neste simples destaque de uma tenha aumentado em medida apreciável sua aptidão para elaborar
parte dêsses problemas. decisões que de forma exata ajuízem tanto a verdade dos fatos suce-
Damos por assentado que o estado atual do conhecimento do didos, como a responsabilidade dos que nêles intervieram.
homem, do ponto de vista científico, importa em avanço notável em Todavia e apesar da enorme importância que tem tudo que con-
relação com o que a respeito se sabia há trinta ou quarenta anos. cerne ao conhecimento do próprio homem, terreno que recentemente
Porém, por apreciáveis que tenham sido os progressos havidos no começa a ser limpo, com insubstituíveis métodos e técnicas científi-
campo da biologia, da psicologia, da sociologia e da psiquiatria, prin- cas e no qual, seguramente, em futuro mais ou menos próximo, have-
cipalmente, ninguém pode duvidar de que é neste terreno, do exato remos de obter nova informação muito valiosa, capaz de variar em
conhecimento do ser humano, suj eito primordial do direito, onde o mais de um aspecto fundamental conceitos atuais sôbre imputabili-
progresso científico faz e pode fazer cada dia, novos e maiores dade, culpabilidade, natureza e fim das' penas, apreciação de provas
avanços. em matéria penal e política criminal, entre outras, nosso propósito
Aprofunda-se agora, na grande variedade de tipos de indivíduos, não é, agora, o de proporcionar idéias nessa perspectiva, excessiva em
e se aperfeiçoa cada vez mais, o conhecimento das diversas caracte- profundidade e dimensões, para a capacidade do que escreve e pela
rísticas da pessoa. Penetra-se no exame das motivações que influem extensão destas linhas. O propósito é menos pretensioso e mais ao

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nosso alcance. Consiste em assinalar diversos fatos SOCIaIS recentes, havia ocorrido nas já referidas Jornadas de Direito Penal, de 1960
fàcilmente observáveis por quem quer que seja na vida moderna, re- com a inseminação artificial humana. '
sultante em sua maior parte da descoberta e da introdução na vida Com o objetivo de introduzir certa ordem mínima nas observa-
humana de novos elementos ou progressos de caráter técnico-cienti- ções que seguem, pareceu-nos preferível agrupar os novos fatos que
fico que trouxeram consigo ameaças à vida tranqüila do homem, a nos traz a vid~ soc!a~ na atualid~de e os que já começam a esboçar-se
tal ponto que, em muitas oportunidades, seus direitos pessoais, sua para anos maIS proxlmos, de acordo com o âmbito dos conhecimentos
integridade e mesmo a sua própria vida puderam sofrer danos. humanos ou da vida social ou das atividades humanas a que êles pode-
Nosso desejo teria sido não somente assinalarêsses fatos (acei- riam estar adstritos. Compreendemos cabalmente que alguns dêsses
tando desde logo que a especificação não poderá ser completa e que a?,rupamentos 1?ode~ia~ ser tidos por arbitrários sob certo ponto de
pode ser integrada pela observação s~gaz de m~is. de. um leitor), se:r:ão v~st3:' ou por d~scuhveIs s~b outro, ou, pelo menos, difkilmente sepa-
também haver mencionado e resolVIdo as prmcIpals novas questoes ravelS, entre SI, alguns deles. De qualquer forma, a necessidade de
de caráter jurídico-penal a que elas dão origem. Todavia, a exigüi- sistematizar, ainda que seja com a ajuda de categorias propensas a
dade de espaço obrigará a reduzir esta última parte a breve resenha crítica, impeliu-nos a assinalar tais grupos que, pelo que ora se afir-
dos problemas envolvidos. ma, podem ser tidos como puramente provisórios.
Tema tão rico e atrativo não tem sido ignorado por muitos juris- Temos de nos referir exclusivamente àqueles novos fatos sociais
tas de prestígio. que trazem problemas - e com isso a necessidade de uma eventual
Não escapou à clarividência do grande mestre JIMENEZ DE ASÚA. consideração legislativa explícita - dentro da parte especial do Di-
quando organizou as brilhantes Jornadas de Direito Penal, realiza- reito Penal.
das em Buenos Aires em agôsto de 1960, pois um dos grandes temas
ali propostos foi o de "Novas Figuras da Parte Especial dos Códi-
gos Penais" (1). É possível que não houvesse sido cabalmente com- I. - Alterações nas Estruturas Político-Administrativas
preendido em seu verdadeiro propósito por todos aquêles que par-
ticiparam de tão notável torneio científico; mas houve intervenç~es. ~) Crescimento cada vez maior dos organismos, escritórios e
certeiras, entre as quais cabe assinalar a do professor SEBASTIAN sermços estatais e administrativos, com o conseqüente aumento do
SOLER (2).
número de funcionários públicos e do poder que êstes, de direito ou
Improvisadamente, correspondeu-nos em ditas Jornadas esboçar de fato, adquirem sôbre os cidadãos.
algumas idéias (3), que posteriormente complementamos num do- Isto faz com que qualquer cidadão deva entrar em numerosas e
cumento de trabalho, preparado para as tarefas de elaboração do Pro- f~eq?entes relações e contatos com os funcionários públicos. A inge-
jeto de Código Penal Tipo para a América Latina (4). re~c~a semp~e. crescente que êstes, p~r sua parte, vão adquirindo nas
O atualíssimo e difícil problema dos transplantes de órgãos um multIplas atIvIdades antes entregues a livre gestão particular, vai-lhes
dos fatos que exigem particular consideração por uma lei positiva concedendo, na prática, um poder muito efetivo. O simples não for-
renovada e que suscita tantas questões no âmbito penal, tem d~sperta­ necimento de uma certidão indispensável, pode ser meio de paralizar
do nos últimos tempos interêsse tão imenso, que se produzIU e se uma atividade lícita e de ocasionar prejuízos graves.
anunciam a seu respeito numerosos estudos (5). A mesma coisa já
Efeito dêsse crescimento é também a proliferação de normas
administrativas, especialmente de índole regulamentar, tão abundan-
(1) Ver Jormadas d(J Derrecho Penal, Buenos Aires, 1962, págs. 247 e 360. tes, em suas regras, que adquirem um sentido hermético e permane-
(2) Obra citada, págs. 331 e seguintes. cem desconhecidas pelos demais, escapando à informação até de mui-
(3) Obra citada, pág. 286.
(4) Ver Oriminalia, ano XXXI, n. o 5, maio de 1965, pág. 217. Documento
de trabalho n. o 2.
participação de médicos, juristas, filósofos e moralistas sôbre o tema Os Trans-
(5) Ver Conside.raciones Juridica$ sobre los Transplantes Cardiacos, por
Luís JIMÉNEZ DE ASÚA em Revista de Dereeho pe,nal ':ii Cri'rninologia, n. 2, pl~nt~s de 6rgão$ Humanos ante Q Direito, cuja reprodução publica a Revis·ta. de

abril-junho de 1968' La Ley, Buenos Aires, 1968; El Tramsplant(} de Órgãos Hu- Cwnctas Pernales, tomo XXVII, n. o 3, de setembro-dezembro de 1968. Em meu
manos ante El Dere~ho, por MANUEL DE RIVAOOBA, em El Mercurio, de Valparaiso, traba!ho Que Queda; ~el perech~ Natural?, Editorial Dapalma, Buenos Aires, 1967,
5 de maio de 1968 e El Tra.nsplante de C01la'ZÓn (Aspectos médico-legales, éticos tambem se faz referenCIa a taIS transplantes (pág. 254); mas, o que ali se ex-
y juridicos), por EDUARDO NOY.OA MONREAL, Editora Univevsitaria, Santiago do pressa, deve entender-se só em relação com o transplante de partes de um corpo
Chile. O Instituto de Ciências Penais do Chile realizou, em data de 12 de de- human~ vivo, cuja eliminação ~o "doador" não significa neste sua morte, por
zembro do 1968, sob a direção do autor do presente trabalho, um fôro com a serem estes transplantes os úmcos que no momento em que a obra foi escrita
haviam sido postos em prática.

12
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A legislação que estabelece tais medidas tem que acudir, se quer-
t s letrados. A possibilidade 'que têm alguns !uncionários 'de Il1ane- ser eficaz,à ameaça de penas para aquêles que .as transgridam. Surge--
.0 r' com desenvoltura êsses preceitos, permIte-lhes aumentar seu
Jaoder face aos demaIS . CI'da d-aos. assim todo o vasto campo dos delitos econômico-sociais, abundantes
. em muitas legislações, porém pouco trabalhados pela doutrina e mal
p A reforma das leis penais há de consider~r, por .consegumte, a sistematizados dentro da lei penal. Figuras delituosas como violação>
. . muita atenção os tIpos dehtuosos corres- de prêços, sonegação de v~nda, resistência à produção, especulação>
necessI~::ea d:ri~~~sa:u~o~metem funcionários pú~licos Il:0 ex~rcício com divisas estrangeiras, importações ilegais, formam parte dêle, entre
~~n::s funções, em especial, os d~ corrur;>ção paSSIva, ~nrlqueclme,?to muitas outras.
ilícito omissão em prestar o servlço.devldo e usu!,paçao. de fun~oes~
' te há que rever as penas fIxadas para esses tIpos dehtuo b) Forte aumento das exigências tributáJrias do Estado.
I guaI men , , .
sos, para aumentá-las se fôr necessarIO. A ' • A um crescimento do Estado e de seus serviços, há de seguir-
b) Irrupcão de extensos setóres populares como força poht'Wa necessàriamente uma grande elevação dos gastos fiscais e por con-
4

. n'brastável consciente de seus direitos, que procura. a transfor- seguinte a elevação da carga tributária. As necessidades financei-
:~~'ãO dos si~temas tradicionais de organização instituctonal dentro- ras do Estado adquirem tal preeminência, que se deve reprimir qual-
quer descumprimento das obrigações tributárias por parte do par-
do Estado. ticular.
:Esse fato demanda maior exigência de diligente e alerta atenção, Com isso ganham maior importância os delitos de contrabando·
do bem coletivo por parte da9-uêles que governam oU e:ce:~em aUJ'!~=' e aduaneiros, e nasce tôda uma nova série de fatos puníveis, cons-
.d d e consciência muita VIva de parte dos que a dmlms ram tituídos por atividades produtivas ou econômicas clandestinas, fraude
~:ç: ~ara não afrontar uma aberta rebeldia das ~assas e um\per~a: da fiscalização estatal, eliminação de guias de comprovação, alteração,
, l' d da fe' no Direito como norma SOCIal ou na ap lCaçao de declarações à administração, adulteração de contabilidades e frau-
genera Iza a . d t
concreta da justiça, pelos tribunaIS correspon. en es: . . d des tributárias de natureza muito variada.
D ' também a necessidade de uma conslderaçao maIS cUl?-a a. Todo êste complexo de delitos é tido por muitos penalistas como,
e com;~'eensiva d~ muitas figuras penais, relativas à seg,ur~nça r~.t~­ um aspecto que não pertence propriamente ao Direito Penal, senão;
xior do Estado, como são as da justiça feit~ ~elas p~opr!as ~ao , que, com certa independência, poderia constituir-se em um Direito.
sedição insurreição interna e terrorismo. As ansI~s Ade. JustIsa, damda Penal financeiro ou tributário.
quando' em certas oportunidades desbordem ~n; vldolen~Ita, nao, ;~~:
. '1 d - quer acentuar os VICIOS o SIS ema, a e c) Acentuação dos antagonismos de classes.

~~::i~:~;~~~;~:~~;~1t~a~bZ~it~ ~~~:~~ade;:li~~~;:i~o~oÍí~f:~=' Constata-se, na maior parte dos países, uma polarização dos in-
divíduos em grupos sociais, aos quais as circunstâncias da vida eco-
s~cfal~ que deve gozar do tratamento privilegiado, que àquele se re- nômico-social fazem adquirir consciência de uma oposição de inte-
conhece. rêsses, que desemboca, às vêzes, em antagonismos inconciliáveis.
A organização gremial ou sindical dêstes grupos agudiza a ten-
são entre êles e torna fácil a aparição de greves, lock-out e até sabo-
II _ Alterações nas estruturas económico-sociais. tagem industrial.
Por parte da legislação, êstes fatos são enquadrados em novos
a)Economia dirigida pelo Estado. tipos penais, complementados com preceitos destinados a reprimir as
A planificacão econômica e a necessid~de de orientar no sen-' infrações a normas sôbre salários mínimos e outras vantagens, como
tido do interêss~ coletivo as atividades p~rtIculare~ que opera~d~~~~ uma maneira de dar proteção aos direitos básicos dos assalariados.
fim lucrativo, conduz à necessidade de lmplan!açao ~e u:n oe ven- d) Multiplicação das grandes emprêsas industriais, dotadas de'
mento econômico, que considera cotas de ?rAod~çao'd obrIg~~~O dd êso v,ultosos capitais.
das a prêço fixado pela autoridade, eXlgenClaS e qua I a e, P
A existência destas grandes emprêsas, dotadas de um poder-
ou medida, etc. b' trições enorme, entra em conflito com um Estado que quer reservar-se o di-
A defesa da economia nacional interna leva tam em a ~es . ,
de importação, à proibição de exportação de cert~s merc.a. orlas, a reito de planificar a economia e com os interêsses de pequenos indus-
de operações sôbre moeda estrangeira e do comércIO de dIVIsas, etc. triais, que sentem a ameaça de ser inteiramente deslocados por elas.

15
11;
:Surge daí, uma legislação que tenciona superar a contradição, atra- têste fenômeno, que em si mesmo não tem graves inconveniências não
vés da criação de delitos de monopólio, ágio, concorrência desleal é atendido pelo Estado mediante a criação de estabelecimentos' edu-
.e dumping. ,cacionais especialmente apropriados para acolher e atender devida-./
mente aos menores, ou de creches destinadas às crianças durante a
e) Explo8ão demográfica. jornada de trabalho dos pais, de forma a promover a convivência do
O incremento da natalidade nos países subdesenvolvidos, que se grupo familiar nos momentos livres, as conseqüências podem ser
:acentua especialmente nos grupos humanos mais pobres e de origem muito negativas.
camponesa, que se transladam às grandes cidades em busca de tra- A ausência dos pais durante lapsos de tempo prolongados e com
balho ou de melhores condições de vida, intensifica os problemas maior freqüência, as dificuldades conjugais ou o rompimento da' vida
dêste setor da população, o qual, sem poder abandonar um círculo .em comum dos pais, pode acarretar aos filhos danos à sua forma-
vicioso que o afasta cada vez mais de um melhoramento económico ção psíquica, afetiva e moral, que chegam a traduzir-se em manifes-
,estável, começa a formar favelas em vilas miseráveis ou marginali- tações muito variadas, daquilo que com impropriedade se denomi-
zadas, que, por seu turno, se convertem em lugares de refúgio de na de "delinqüência juvenil". Os bandos juvenis, o vício prematuro
meliantes habituais, assaltantes noturnos, ladrões profissionais, re- do consumo de drogas ou álcool, os assaltos praticados por jovens
.ceptadores e comerciantes de objetos furtados, prostitutas, vagabun- as brigas e rixas e o furto de automóveis, figuram entre suas priri~
,dos e mendigos. Este fenómeno tem, em certas épocas, proporções cipais manifestações.
-tais, que deve ser abordado primeiramente com medidas de caráter b) Igualdade d08 sexos.
,económico-social. Porém, do ponto de vista penal, deve ser conside-
rado, enquanto se mantenha a partir da dupla focalização preventiva, Dia a dia cedem as barreiras e mesmo as meras diferenças que
mediante a aplicação de medidas de segurança pré-delituais, e repres- separavam os sexos em tantos aspectos sociais. Homem e mulher de
.sivas, com o aperfeiçoamento dos preceitos de punição aplicáveis. hoj e, consi~er~m-se i~u~lmente aptos para desempenhar qualquer
tarefa, p-;ofIssao. ou atIvIdade e com maior ou menor rapidez, segun-
f) A atração urbana. do os pmses, vaI-se alcançando uma igualdade não somente jurídica
Mencionada anteriormente, a grande cidade moderna oferece ao mas de fato, nas aspirações e possibilidades de ambos.
.despossuído das zonas rurais maiores possibilidades para superar sua Êsse fato, unido a transformações do sentido ético a que fare-
.difícil vida, seja por via de uma atividade lícita ou por aquela que mos alusão mais adiante, fez com que tenham variado muito antigos
,se afasta da lei. Certos progressos urbanos funcionam, outrossim, conceitos sôbre respeito, ordem e compostura dentro da vida da comu-
como atrativos especiais, que acabam por desenraizá-lo de seu ambien- nidade moderna, em especial no que se relaciona aos sexos.
te, conduzindo-o a estabelecer-se em meios particularmente perigosos Não obstante, subsistem muitos dos velhos preceitos que, em
para a sua ética e comportamento social, especialmente para os j 0- grande parte, fundam-se numa diferença que, quando nada, está em
vens. Pense-se, por exemplo, em salões de baile, antros de jogatina, vias de desaparecer. Tipos delituosos como o rapto por sedução e a
.casas de prostituição, bares e outros lugares semelhantes (6). relação sexual lograda mediante fraude (a sedução a que se referem
alguns códigos penais), têm seus dias contados. Poderiam justificar-se
oomente quando a vítima fôsse mulher de curta idade.
III. - Alterações na 'Vida sócio-familiar.

a) Desintegração da 'Vida de família. IV - Os Progre8sos Científicos e Técnicos no Campo Bio-


Mgico.
As necessidades econômicas levam uma grande parte das mães
de família a buscar um trabalho melhor remunerado fora do lar. Se a) A inseminação artificial humana (7).
A possibilidade de que uma mulher possa ser fecundada artifi-
(6) Obviamente êste parágrafo sôbre as mudanças nas estruturas econômi- cialmente, dá oportunidade a que possam ser mães algumas que, por
co-sociais, como o anterior, sôbre as que se operam nas estruturas político-admi-
nistrativas, daria margem para muitas e mais variadas observações. Contudo.
preferi ser intencionalmente cauteloso ao referir-me a elas, para não parecer . (7) C<:mo já dissemos, a inseminação artificial foi um tema que atraiu
como sustentando teses ou propiciando soluções de uma determinação posição mUlta atençao nas Jornadas de D.erecho Pena,l, de Buenos Aires, de 1960~ - Ver
política.

16 17
defeitos orgânicos de conformação, não podiam sê-lo; a que possam daqueles órgãos duplos que possui todo ser humano vivo, oomo o rim~
iniciar uma gravidez aquelas que estão separadas por longo tempo por exemplo. De cadáveres se extraíam córneas, artérias e ossos, prin~
de seus maridos, e a que possam ter filhos mulheres solteiras que cipalmente, para sua implantação em um ser vivo.
não aceitariam uma relação sexual normal sem matrimónio (8). Che- Foi em dezembro de 1967 que se efetuou a primeira operaçã()l
gou-se até a recomendá-la como solução para a mulher casada com de transplante de coração de um recém falecido a um vivo. Desde:
um impotente e que desej a ter filhos. então realizaram-se muitas dezenas de operações desta classe n()l
O tema é espinhoso e árduo, especialmente do ponto de vista éti- mundo, com resultados fatais rápidos na maior parte dos casos e com
co. Porém precisamente o número e a gravidade das dificuldades que prazos de sobrevivência incertos nos demais. Tudo isto faz com que
origina, exigem que a lei positiva as regule. o problema dêstes transplantes seja, nos momentos que correm, um
No campo civil produzem-se problemas relacionados com a legi- dos mais atuais e discutidos da nossa disciplina.
timidade do filho havido através de uma inseminação heteróloga (ou Careceria de obj eto estender-se sôbre a matéria, que tem sido
seja, com sêmem que não é do marido) em uma mulher casada e tratada em inúmeros estudos jurídicos recentes (10). Somente que-
com a infração, por esta, de seus deveres conjugais se o fez, sem remos precisar: que a lei positiva deve resolver expressamente em
conhecimento do marido. Também se questiona a validez jurídica dos que casos um vivo está autorizado a dispor de um dos seus órgãos
atos em virtude dos quais se obtém o sêmem estranho, seja median- ou de uma parte do seu corpo, entendendo-se que jamais caberia a
te pagamento ou gratuitamente. privação de um órgão ou de partes que certamente lhe causassem
Do ponto de vista penal, deve resolver-se a punibilidade da ação a morte; que a extração de órgãos ou partes do corpo de qualquer
destinada a fecundar uma mulher contra sua vontade, fato que não espécie de um cadáver (bem entendido, se se acha devidamente com-
se poderia considerar como tipificado no delito de violação, e se se provado o fato da morte e, para isso, a lei deve contemplar medidas
deve sancionar a inseminação heteróloga em mulher casada, que tam- acauteladoras suficientes) deve ser permitida pela lei, sem prejuí-
pouco cabe dentro do delito de adultério (9). Também podem surgir zo de reconhecer certas faculdades decisórias aos parentes do defunto;
questões acêrca de se se poderia incriminar o fato como criação falsa que não se deve aceitar uma declaração de morte que emane dos mes-
de um estado civil, no caso em que a mulher fecundada seja casa- mos médicos que vão praticar o transplante; que uma operação de
da, tendo-se em conta que se introduziu na família alguém alheio ao transplante efetuada em condições que não asseguram, dentro da
seu sangue (isto mesmo que o marido tivesse consentido) e que pode lex artise de possibilidades racionais, uma melhor sobrevivência do
haver prejuízo para a descendência regular. receptor, pode originar responsabHidades por homicídio doloso ou
culposo, segundo os casos.
b) 08 transplante8 de órgão8 humano8.
c) A m~ldança de 8exo.
Até poucos anos sômente se havia tentado transplantes de vivo
a vivo, de pele, de pedaços de osso e, em raras ocasiões, de um só Poucas notícias recebem uma difusão mais estridente na impren-
sa de nossos dias que as chamadas mudanças de sexo, a que seriam
submetidos alguns indivíduos.
obra citada na nota (1), págs. 269, 272, 293 e 333. Também foi 'Objeto de dis- Ainda quando na opinião dos médicos tais operações não impor-
cussão incendiada no IX Congresso Internacional de Direito Pnal, de Haia, em tam numa verdadeira mudança de sexo, senão que somente permi-
agôsto de 1964. tem definir uma pessoa indiferenciada sexualmente ou pór em evidên-
(08) Afirmam os biólogos a possibilidade 'de fecundar artificialmente ainda
cOm espermatozóides do marido morto 'Ü que daria origem ao que alguém deno- cia manifesta o verdadeiro sexo de um indivíduo com aparências do
minou "filhos post mortem". contrário, o fato é que mediante tais operações se altera a condição
(9) No IX Congresso Internaciosal de Direito Penal, de Haia, em 1964, ou aparência sexual que até então havia tido aquêle que sofreu a.
aprovou-se, por maioria de votos, uma moção 'do autor destas linhas que reprova intervenção.
a inseminação artificial heteróloga realizada sem o consentimento do marido. Em
suas demais formas, estimou-seque a inseminação artificial devia ficar fora Basta o que ficou dito para advertir que intervenções desta classe
do Direito Penal. não podem ser realizadas sem o expresso consentimento da pessoa
A exclusão dos tipos de violação e adultério tradicionais, explica-se pelo fato. afetada. Elas vão transformar inteiramente o gênero de vida que;
de que êstes exigem ou supõem uma relação sexual, que está ausente na insemi- levavam na sociedade e a forma como eventualmente poderiam pro-
nação artificial de que se trata. Contudo, a questão não está isenta de dúvi- criar; exigirão variações em sua documentação pessoal e mudarão de-
das, pois SEBASTIÁN SOLER já se pronunciou pela qualificação de adultério, no-
caso da fecundação artificial durante a vida marital (Jornadas de Dirdito Pernal.
Buenos Aires, 1960). (10) Ver neste mesmo texto a nota 5.

18
forma muito importante seu estatuto e suas obrigações legais. Tudo
i
Nossa conclusão, por conseguinte, é que a lei positiva deve resol-
isso requer, como exigência ineludível, dito consentimento expresso. ver a questão, e dispor tôdas as garantias a um- valor tão alto, como e
Seria conveniente, por isso,contemplar um tipo penal que des- um germe humano, sem impedir as possibilidades do progresso cien-
crevesse e sancionasse atos tendentes a modificar a aparência sexual tífico.
de um indivíduo ou a defini-la, sem o seu consentimento. Tudo isso
aparte das indispensáveis regulamentações que se fariam necessá- e) Os anticoncepcionais.
rias em matéria civil. Poderá parecer estranho que num estudo sôbre as repercussões
d) Fecundação "'/,n vitro". penais de alguns progressos técnicos em matéria biológica, mencione-
mos os anticoncepcionais. Não se trata de uma opinião, que já exte-
De alguns anos para cá, vem-se tentando expenencias biológi- riorizamos (11), acêrca de que seu uso voluntário pudesse ser
cas, consistentes em provocar in vitro, a fecundação de um óvulo hu- considerado, por si mesmo, como ilícito ou digno de sanção legislativa.
ê~an? Po! um esp~rmatoz?id~ extraído de um homem. Tais expe- O que agora queremos examinar é um aspecto bem diverso, ligado à
rIenCIas tem-se realIzado prmcIpalmente na Grã-Bretanha e na Itália. existência, na quase totalidade das legislações, do tipo penal de abôrto,
. . LO~Tou-se ~ fusão das célulast correspondentes e o comêço da mul- ainda que praticado com o consentimento da mulher.
tIpIIcaçao de celulas, que se segue ao ato da concepção. Porém, o Porque há determinados anticoncepcionais que parecem exceder
processo deteve-se em poucos dias, porque a gestação de um nôvo ao que o seu nome indica e que, mais do que impedir a fecundação do
ser humano tem tanta complexidade e requer tantas exigências bio- óvulo, o que fariam seria impedir que o óvulo já fecundado se implan-
lógicas que a ciência atual não pode reproduzir em uma proveta que tasse no útero feminino para continuar sua gestação, como deve ocor-
é impossível ir mais além das primeiras manifestações posterio;es a rer em tôda gravidez normal.
uma concepção normal. A questão surge especialmente com certos tipos de dispositivos
O fato em si significa a realização de um ato no qual um óvulo intrauterinos, destinados a operar mecânicamente, deixando escorre-
humano fecundado é levado à destruição, isto é à sua morte como gar o óvulo para o exterior. Tal é o caso dos anéis uterinos, princi-
ente biológico. Êste fato é realizado com o fim d~ obter novos conhe- palmente.
cimentos científicos que esclareçam muitos aspectos que a embriolo- Como a generalidade das legislações penais não descreve detalha-
gia atual desconhece. damente o tipo de' abôrto, pois se limitam a mencionar o indivíduo que
pratique um abôrto ou o que dê morte a um feto, fica impreciso legal-
. ~êste fato podem derivar numerosas questões de ordem legal. mente o momento inicial em que pode existir a ação abortiva ou em
Cmglr-nos-emos a duas, que vamos examinar. A primeira é se nesse que se entenda que já há um feto. MEZGER expondo opinião muito
ato que trará consigo a dest:uição de um germe de vida humana, que seguida, pensa que há feto (e, por conseguinte, abôrto) desde o
con;e9~u. a desenyolver-se, aInda qu~. seja em condições inteiramente
momento "em que o óvulo feminino é fecundado pelo sêmen masculino,
artIfICIaIS, poderIa haver responsabIlIdade por delito de abôrto.
no ventre materno" (12).
Os códigos penais não costumam definir o delito de abôrto mas Os dispositivos intrauterinos a que nos referimos, têm um efeito
de modo mais ou menos uniforme admitem os juristas que tal delÍto se que a ciência todavia ainda não esclareceu plenamente, mas que parece
comet~ 2-uando se destrói um feto humano. Porém é evidente que a operar sôbre o óvulo já fecundado, seja fazendo-o passar à cavidade
destru,:çao o,? a morte do feto h~mano, ~ue está subentendida no tipo uterina de forma demasiado rápida e' num momento em que não está
de~ aborto, e aquela qu~ se .r<:ahza medIante ação sôbre o corpo da apto para a nidação, seja levando-o a um útero que ainda não está
mae. O contexto das dISposlçoes, seus antecedentes históricos e seu devidamente preparado para permitir a implantação do óvulo fecun-
sentido .geral ass~m o deI?onstra~. P?r conseguinte, não se poderia dado. Como resultado disto, o óvulo seria expulso do ventre materno
persegUIr por delIto de aborto ao CIentIsta que faça experiências desta depois de fecundado e, conseqüentemente, destruir-se-ia um germe
ordem. biológico apto para originar uma nova vida humana.
Mas, há um segundo aspecto. Ê ilimitada a possibilidade de ação Daí que na opinião de alguns estudiosos, êstes dispositivos intra-
no a~pecto de" inve~tigação científica? Pode ela desenvolver-se sem uterinos, não seriam precisamente "anticoncepcionais", pôsto que não
respeI~o a valores tao altos como uma existência humana em germe?
,:!-,~do 1St? n?s. apresenta um problema dificílimo, que abarca aspectos . (11) Ver EDUARDO NOVOA MONREAL, Qlté Queda Del D,erecho Natural?, Edi-
etIcos e JurIdlcos de grande envergadura e que a lei não deve deixar torIal Dapalma, Buenos Aires, 1967, pág. 2'54.
ao livre critério de cada um. (12) EDMUNDO MEZGER, Derecho Penal, Libr'o de EstudJo, Parte Especial,
tradução do Dr. Conrado Finzi, Editora Bibliográfica Argentina, 1959, pág. 57.

20, ,21
'impediram a concepção, mas, sim, obstaculizariam a nidação de um culpa, com uma progressiva especificação de seus divers?s graus e
óvulo já fecundado, unidade biológica independente, mesmo que ne- espécies, e um avanço teórico, empora. distante de- uma des.eJ~vel ~eta,/
cessitada de implantação no útero para seu normal desenvolvimento. a respeito dos delitos de perigo, tem SIdo os resultados maIS ImedIatos.
Tratar-se-ia, por conseguinte, de verdadeiros "microabortivos" (13). Os fatos puníveis concernentes à circulação de veículos, especial-
É desnecessário assinalar a importância de que a lei penal precise mente terrestres, exigiram em razão de seu notório incremento, me-
com mais exatidão seus conceitos no que diz respeito ao abôrto, diante didas especiais de política criminal, de ~aio: interven~ão da. técnica
dês ses novos meios técnicos para impedir a gravidez, determinando se em sua investigação e prevencão, e de leglslaçao repreSSIva maIS aper-
o conceito tradicional de abôrto se aplica ou não a êstes "micro- feiçoada. Outro tanto poder-se-ia afirI:?ar dos f~tos aten~atórios à
abortivos" . vida e à integridade humana que derIvam do nao cumprImento de
normas sôbre a segurança industrial e sôbre atividades científicas ou
técnicas perigosas.
v - Progressos no domínio e utilização de novas formas de b) Produção, conservação e comercialização em massa de artigos
energia e desenvolvimento do maquinário, a eletrônica
e as técnicas que permitem inesperados efeitos do alimentícios.
operar humano. O homem de hoje consome qU,ase exclusivamente produtos alimen-
tícios que foram objeto de uma elaboração indu~trial, em m~ior ou
a) Desenvolvimento da Maquinaria. menor medida. Êsses produtos se guardam medIante procedImentos
que em certos casos arriscam alte::ar _sua aptidão pa!a o consu~o.
O aproveitamento de novas formas de energia natural que são Sua distribuição através de orgamzaçoes extensas eXIge precauçoes
dominadas pelo homem e postas a seu serviço, multiplicou de uma especiais para mantê-los em ótimas cond~ções e fazê-los chegar nas
maneira surpreendente as possibilidades e a potencialidade do obrar melhores condições de higiene ao consumIdor.
humano. O aperfeiçoamento de mecanismos cada vez mais complexos, Todo êsse sistema pode dar origem a que, por defeitos das
que permitem utilizar com máximo proveito ditas energias, tradu- matérias empregadas, por vícios de elaboração, por procedimentos de
ziu-se no mundo atual num aumento incrível de tôda classe de conservação inadequados ou por distribuição qu~ não. se ajuste às
máquinas, especialmente aquelas que têm utilização para a indústria regras de higiene, sofra a saúde e, às vêzes, ate a vId~ do consu-
e para o transporte (para não nos referirmos às de aplicação bélica). midor. Daí a grande importância que adqui~em os ~ehtos q?e se
O homem introduziu-se, dêste modo, por obra de seu próprio chamam contra a saúde, entre os quais adqUIrem relev~ particular
engenho, num mundo em que op~ram fôrças, que mesmo dominadas os delitos de perigo e os culposos, que podem ser cometidos em re-
por êle, às vêzes, se descontrolam, e se movem constantemente e por lação com as substâncias alimentícias.
tôdas as partes, artifícios. poderosos, capazes de causar a morte ou Em lugar secundário dentro dêste plano, porém não em grau que
graves danos corporais aos homens. justifique um silêncio a seu respeito, acham-se os delitos de adulte-
Tudo isso faz com que os encarregados do manejo dessas máqui- ração de marcas e os de aproveitamento do prestígio de certas marcas.
nas, e os que se servem delas, devam ter um especial cuidado em sua
operação e em-seu bom funcionamento e que surj a ante o direito a c) Utilização de meios de dif1.fs~o de idéias. _e imagens; o
possibilidade de que faltem a seu dever de cuidado, com grave risco grande desenvolvimento do radw e da teleV'i,sao.
para êles mesmos e para os demais. Também, o direito pode tratar de Pràticamente todos os homens estão sob o influxo dêstes meios,
prevenir danos tipificando determinadas condutas que se consideram que alguns deno~inam meios modernos de co~unicação social. Subs-
como capazes de pôr em perigo a vida ou a integridade das pessoas tituída a imprensa escrita pela falada e pelas Imagens, nem os anal-
ou, em certos casos, até de certos bens materiais. fabetos subtraem-se a seu efeito. A forma como se leva a cabo es~a
Para o Direito Penal esta nova situação tem exigido uma maior difusão, seu alcance e a maneira como dela se dispõe, fazem, ademaIS,
atenção à culpa, como espécie de culpabilidade, aos delitos culposos e com que penetre em todos os lugares.
aos delitos de perigo (14). Um notável aperfeiçoamento da noção de

gresso Internacional de Direito Penal, em Lisboa, em setembro de 1961 e que 0$


(13) Ver EDUARDO NOVOA ALDUNATE, El Comienzo de La Existencia Hu- delitos de perigo foram um dos temas do X Congresso da mes~a classe, que
mana Y Su Protección Jurídica, Editôra Jurídica dó Chile, 1969, cap. 3.°, § 3. se realizou em 1969, em Roma. Tudo sem se levar em conta o n~mero sempre
(14) A importância cada dia maior dêstes delitos pode ser apreciada pela crescente de obras jurídicas dedicadas aos delitos culposos e aos delItos de perIgo.
simples consideração de que os delitos culposos foram um dos temas do VIII Con-

22 23
Dêste modo, as organizações publicitárias e de propaganda, pos;.. Com isso produz-se, de um lado, uma invasão à vida privada do,
tas ao serviço de certoS! interêsses, adquirem um poder extraordinário,. ser humano e,' por outro, facilitam-se atentados contra a sua digni-
que lhes permite moldar aspirações, gostos e até costumes em exten- dade. Chantagem, violação de segredos, difamação e outra série de
sos grupos humanos. Como tais organizações são constituídas geral- fatos que importam numa evidente violação de um dos mais essen-
mente com fins comerciais, surge o perigo de fraude em massa, as. ciais direitos do ser humano, como é o reconhecimento de sua digni-
quais, ainda que sOmente originem prejuízos reduzidos a cada vítima dade e o respeito a sua intimidade, podem ocorrer.
em particular, pela forma multitudinária em que se organizam, per- Na prática os preceitos penais tradicionais centralizam-se prin-
mitem alcançar imensas vantagens ilícitas àqueles que as pre- cipalmente na proteção do que' se costuma chamar "a honra" das,
parem (15). pessoas porém, geralmente, se revelam insuficientes para os fatos
que antes mencionamos e propiciam fáceis esquivas por parte de'
Contra esta classe de fraude os tipos delituosos tradicionais
sôbre estelionato, fraude ou engano, não resultam eficazes. Nenhum seus autores.
particular se interessa individualmente por persegui-los, nem por
prová-los; sua indagação judicial, considerando-os como um acúmulo VI - Modificações nas valorações culturais e éticas da.
de pequenos delitos, é confusa e ineficaz. Mas, considerando-os como Sociedade.
problema social de conjunto, originam a existência de grupos pode-
rosos e organizados, que podem acumular enormes ganhos fraudu- a) A derrubada do tabu sexual.
lentos. Ainda que se provassem suas fraudes, considerando cada um
isoladamente, tampouco a pena poderia alcançar a proporção devida Tem sido principalmente o' rechaço de velhos valôres, realizado>
à gravidade social desta classe de atentados. Desta maneira, en- . com decisão pela juventude moderna, com maior acêrto umas vêzes,
quanto não se constituam tipos novos de delito, destinados a conter e com menor outras, o que mais tem contribuído para deitar por'
essas fraudes de massa, as penas que hoje se lhes aplicam, especialmen- terra uma errônea conceituação ética, que centralizava sua preocupa-
te de ordem pecuniária, não constituirão para estas organizações ilíci- ção no corpo humano e nas funções genésicas,. para rep~?var .quase'
tas senão um risco econômico a mais que as grandes vantagens do ne- tudo o que a êles se refere. Trata-se dessa antIga moral da cmtura
gócio absorvem folgadamente. . para baixo" - dedicada a impor um hipócrito silêncio sôbre tudo o'
Entram nestes casos as "emprêsas" de vendas de terrenos para que é concernente ao sexo e à vida sexual, o que dava origem a
construir casas, que cobram o preço e não outorgam título de pro- muitos males, que poderiam ter sido corrigidos e que deixava. no
priedade, as vendas de artefatos de uso doméstico defeituosos ou de esquecimento aspectos morais muito mais importantes, preterIdos;
qualidade inteiramente inferior à anunciada, etc. ' em favor dessa exagerada deformação do sexual.
Os passos que a humanidade tem dado a respeito nos anos mais
\ - - d) Captação técnica de SOlThS e imagens, por meio de instru- recentes têm sido rápidos e de grande alcance.
mentos simples, portáteis, de ação rápida e de fácil manejo? Esta tomada de posição diversa frente ao sexo traz muitas con-
capazes de cobrir certas distâncias. seqüências, no âmbito penal. As noções de mAoralidade públ~ca, obs-
Aparelhos fotográficos e de filmagem e gravadores magnetofô- cenidade, pornografia, bons costumes e escandalos, experImentam
nicos entram neste grupo. Todos êles permitem a qualquer uni invadir indubitável alteração. Um corpo humano em gra~de, parte descober!o,
a vida privada de quem quer que sej a, muitas vêzes sem que a pessoa ou mesmo totalmente desnudo, não se tem, por SI so, como algo CU] a
afetada o pressinta. . exibição possa originar inculpações por atentados dessa ~sp~cie.
Especifica-se melhor a obscenidade como algo tendente a ~tmglr o
Atitudes ou palavras íntimas, não destinadas à divulgação e respeito para com nobres funções humanas e a pornografIa,. como,
nem sequer a ser conhecidas por ninguém mais, podem ser captadas, manifestações que buscam provocar excitação erótica, liberar lllc?n-
conservadas e difundidas à vontade. troláveis instintos ou desviar inclinações normais, com dano SOCIal,
em especial, dos adolescentes.
(15) Certamente não nos referimos com estas palavras aos. meros excessos
de propaganda, que numa forma socialmente tolerada exageram as qualidades b) Acentuação do respeito à dignidade da pessoa humana.
do. produto oferecido. Sôbre êsteponto poder-se-á ver com maior extensão a É indubitável que a humanidade, através de nutridas. e dolorosas
o?ra El Delito de Estafa y sus Relaciones con los C~tratos Ci'Viles y CO'I;e,.-
males, que temos em preparação. provas que podemos ainda em parte observar, vem afmando gra-

2f5.
.24
-dualmente um elevado. co.nceito. da dignidade humana. Ninguém se aco.lhido. nas dispo.sições do. último. código. brasileiro.; o. seqüestro. de
satisfaz ago.ra co.m garantias externas a liberdades individuais de aviões; a utilização. de dro.gas que co.nstituem -para muito.s insatis..~
mo.lde em que a cada cidadão. se reco.nhece uma co.ta de um princípio. feito.s co.m as fo.rmas de vida atuais, uma maneira artificial de eva-
libertário. muito. impesso.al, principalmente para deambular livre- são. o.U de ativação. extrema de certas funções psíquicas; lo.go. o. tras-
mente para expressar suas idéias. A cada dia pro.gride o lado. de um cidadão. a lugares extraplanetário.s co.ntra sua vo.ntade.
<co.nceito. de que cada ho.mem tem dentro. de si um santuário. invio.- A especificação. po.deria ser muito. extensa. Po.rém, um mínimo.
lável que não. sOmente deve ser pro.tegido. em suas po.ssibilidade§ de de sistema em sua expo.sição. induz-no.s a co.nfo.rmar-no.s, po.r o.ra,
verter-se para o. exterio.r, co.mo. também, em sua manutenção. co.mo. co.m o. expo.sto..
vida interio.r autênticamente pesso.al, fiel à individualidade em que
,se gera, inseparável e intransferível da pesso.a, resguardada de tôda
intro.missão. vinda de fo.ra e que pro.cure penetrá-la sem seu co.nsen-
timento. o.u que pro.cure alcançá-la po.r qualquer maneira.
Daí que o. emprêgo. de pro.cedimento.s especiais, de caráter téc-
:nico., químico. o.U psico.lógico., que intentam mo.dificar a perso.nalidade
,de um ho.mem, seja para abo.lir a sua vo.ntade, o.U para eliminar sua
memória, o.U para inco.rpo.rar nela idéias alheias àquelas que espo.n-
tâneamente admitia são. repudiadas pelo. direito. atual. As chamadas
'''lavagens cerebrais", e, em geral, to.do.s aquêles ato.s que de qualquer
fo.rma pro.curam desperso.nalizar um ser humano., to.tal o.U parcial-
mente; seja para mo.dificar em alguns aspecto.s suas reações psíqui-
cas, seja para alterá-las radicalmente, devem ser prescrito.s jurldi-
·camente e sancio.nado.s penalmente.
Outro. tanto. po.de-se dizer daquelas ações que intentam dar a
.co.nhecer a o.utro.s, sem vo.ntade do. interessado., o.S pensamento.s o.U
manifestações de qualquer classe que êle não. queira revelar, salvo.
-que se pro.ceda co.m fins terapêutico.s. Po.r isto. é que máquinas o.U
pro.cedimento.s que pro.curam o.bter de o.utro. indivíduo., mesmo. acusado.
criminalmente, a manifestação. daquilo. que êle realmente sabe o.U
reco.rda, sem sua plena vo.ntade, ficam também repro.vado.s. Os cha-
-mado.s "detento.res de mentira" e o.S pro.cedimento.s hipnótico.s o.U po.r
-meio. de dro.gas, a que muitas vêzes se reco.rre o.U se pro.põe reco.rrer,
,devem ser rechaçado.s.
A intimidade do. ser humano., enquanto. somente a êle co.rres-
po.nde decidir sôbre o. que quer dar a co.nhecer daquilo. que existe em
sua interio.ridade psíquica, deve ser, igualmente, muito. bem salva-
:guardada. Po.r isso., antes havíamo.s manifestado., tratando. de certo.s
meio.s técnico.s que são. capazes de surpreender palavras, ato.s o.U
gesto.s não. premeditado.s o.U manifestações em ambiente privado.,
para sua po.sterior difusão., que atentavam co.ntra a vida privada do.
:ser humano., aspecto. impo.rtante de sua dignidade co.mo. tal.
As legislações penais co.meçam a o.cupar-se em estabelecer pr e-
'ceito.s que tendam a sancio.nar fato.s co.mo. o.S assinalado.s, que co.ns-
tituem sério.s atentado.s à dignidade da pesso.a humana.
Muitas o.utras no.vidades do. mundo. atual po.deriam ser mencio.na-
,das em sua relação. co.m uma necessária revisão. o.U co.mplementação.
,das legislações penais. O perigo. da radiação. atômica, po.r exemplo.,

,28 27
CRIMINOLOGIA E' DIALtTICA

2.111 Parte
ROBERTO LYRA FILHO

N o final da primeira parte, destaquei a criminologia crítica de


NAGEL. A proposta, aqui fundamentada, é a criminologia dialética,
em que aquela se consuma. No encaminhamento do debate, creio
haver provado, de início, que as relações entre nossa disciplina e o
direito penal hão de buscar suas raízes dentro do exame duma filo-
sofia jurídica, em correlação com a antropologia filosófica, já esbo-
çada. Nesse exame, ficou, também, ressaltado que, antes de mais
nada, é preciso clarificar o próprio conceito de direito cujas ambi-
güidades se refletem no de crime. Daí arranca a criminologia dialé-
tica: e eis o que pretendo demonstrar, agora.
A noção de crime está obviamente ligada à de Direito; mas,
quando aprofundamos a análise emerge uma verificação surpreen-
dente. Os criminalistas, salvo algumas raras exceções, mostram-se
pouco familiarizados com o que se vem realizando, na filosofia jurí-
dica e até na teoria geral do direito (1). Aliás, mesmo os que tran-

(1) Emprêgo e expressão, no sentido duma disciplina intermediária, em


parte atinente à filosofia jurídica e, em parte, relativa à chamada ciência do
direito, a que a teoria geral serve, mediante a sistematizaçíilo de métodos e con-
eeitos operacionais. ROBERTO LYRA FILHO, Te'oria Geral do, D'I,'reito, Brasília,
UnB, 1970, edição mimeografada. Sôbre o assunto, E. B. PASUKANIS, La Théorie,
Oénérale du Droit et le MlJlrxisme, Paris, Êtudes et Documentation Internatio-
nales, 1970, p. 37. Quanto às vicissitudes da teoria geral do direito, ver, e. g.,
LUIGI BAGOLINI, Visioni della, Giustizia e Se.nso' Commune, Bologna, II Mulino,
1968, sobretudo pgs. 221 e segs.; MIGUEL REALEl, Filosofia do, Direito, São Paulo,
Saraiva, 1969, voI. 2, ps. 514 e segs.; Luís R1!lOASÉNS SWHElS, México, Porua, 1959,
ps. 160 e segs. Não é possível discutir aqui, adequadamente, a questão da cha-
~ad.a "ciência normativa" do direito. Ver, a propósito, G. SAROTT1!l, Lei Maté-
'r!al'/,8m~ Historique dans rÉtulde du Droit, ParÍf~, Les Études du Pavillon, 1969,
ps. 21 e segs.; GElORGES 'KALINOWSKI, La Querelle dle la Science N ormative, Paris.
L.G.D.J., 1969, passim; NlOoS POULANTZAS, Nature rks Choses et Droit, Paris,
L.G.D.J., 1965, passim.
sitam desembaraçadamente, ,nessa área, não parecem "dispostos a cOJ?o !undamenta~s, dos conceitos de obrigação e prestação. Aliás, o.
purg~r a mora, fazendo os necessários reaju~t~mento~ internos ~a prImeIro .gra?de lmpuls,? daquela teoria corresponde, justamente, à
doutrina. Por outras palavras, a reflexão. t~orlCa maIS ampla, nao era do prlvatlsmo burgues, desdenhando, ademais o estudo dos funda-
chega a ser domesticamente atuant~, no. dIr~It~ penal, e o capitulo mentos de sua dogmática, ao menos enquanto a' chamada "sociedad.;
das relações dêste último com a ~llosofIa JundIca, me~mo qua~do ocidental" permanecia "firme em suas estruturas", como assinala
frontalmente encarado, termina, VIa de regra, com apelo a ;reInas. MIGUEL REALE (10). A coruja filosófica desperta e voa nas noites,
metafísicas de vário estilo (como é o caso, por exemplo, do emmente~ da crise dum sistema de "crenças" (11) - já o sublinhava noutro.
BETT:DOL) (2) ou suas alambicadas aplica~ões. Destas resulta um obs- contexto, o próprio HEGEL. '
curecimento ainda maior do assunto. ASSIm acont~ce~ a r:t eu . ver,. ~a Aquêle privatismo, entretanto, não impediu que se tentasse uma
obra, sem dúvida import~nte, de .WELZEL (.3)! cUJa I~fluencIa,. alIas" adaptação e harmonização, no terreno penal, em proveito de sua
retardada, pesa, hoje, sobre mUltos especIalIstas l~tmo-amerIcan?s. própria estrutura orgânica e do apuro do elenco de conceitos gerais:
O mestre de Bonn tem, no Chile, alguns de seus maiS talentosos dls- (12). Neste sentido, são relevantes, por exemplo as contribuições de
cípulos como JUAN BuS'11OS (4) e ENRIQUE CURY URZUA; (5), entre CARNELUTTI, em que pese o vêzo de originalidade, a todo custo atin-
outros' (6). A obra dêstes é densa e valiosa, não em VIrtude, mas~ gindo proporções fantásticas, sôbre o pano de fundo de seu; com-
promissos filosóficos, nitidamente obsoletos (13). Outras tentativas;
apesar, da filiação. ,
Diante da herança dos positivismos filosóficos ~o secul.o XIX, frustradas aparecem, como a de GRISPINI, que trocou o enderêço do,
criando obstáculos para a compreensão do ver~a?eIrO sent~~o. das; engajamento, sem ganhar em atualidade, e ainda acrescentou um es-
interferências interdisciplinares, a oposição dogmatIca ~o POSItIVIS~O> tilo de construção sobrecarregado pelos ornatos rococós (14).
jurídico (7) esgotou-se num tecnicismo estéril, :: que nao traz re~e­ Em qualquer hipótese, parece espantoso que, atualmente esca-·
dio a reedição da filosofia tradicional (8). Esta e completamente ~na­ pem à atenção da maioria dos criminalistas os debates, refer~ntes à
dequada para a tarefa, sempre necessária ao cientista, de meditar natureza e estrutura da norma, à pluralidade dos ordenamentos - e
sôbre pressupostos e resultados do seu afazer (9). . portanto, à teoria das fontes - , bem como aos novos caminhos d~
Por outro lado, as dificuldades aumentam, quando se c?nsIdera hermenêutica: em síntese, tôdas as investigações sôbre epistemologia
que a teoria geral do direito foi, .em grand~ parte, ,co~~trUlda c?m, jurídica e suas implicações ontológicas e axiológicas, de alcance, inclu-
materiais extraídos ao direito privado e afeIçoados a otIca "p~cul:ar sive prático, no trabalho científico. Obscurece-se a "efetiva conti-
dos civilistas - o que fica bem patente, por exemplo, na utIhzaçao, nuidade entre a.tarefa do filósofo e a do jurista enquanto tal" (15)
- e isto atinge, com maior ênfase o direito penal, onde a consciência
daquela continuidade ainda não pôde inspirar investigações especia-
(2) Ver GIUSEPPE BETTIoOL, O problmna Penal, Coimbra, Coimbra Editôra lizadas, no gênero e' ao nível da obra de LAREN'Z, predominantemente'
Ltda., 1967, ps. 15-44. '. h"
(3) Ver HANS WELZEL, Das Neu,?' Btld des Strafrec tssystems.
E' E'
~ne ~n-
orientada para o direito civil (16).
führung in die Finale Handlun[Jslehre, Gottingen, Verlag Otto Schwarz & Co., Esta situação dificulta, extremamente, o estudo das relações
1961,(4)
passim. . .SantIago, '
entre o conceito de crime, em criminologia e direito penal. Vimos
Ver JUAN BUSTOS, C~üpa y Fznahdad, I orla1 J url'd'lca d e
Ed't'
Chile, 1967,passim. . ., E d' d 1 T .
(5) Ver ENRIQUE CURY URZÚA, Ofi~nta~on para el stu to e a eortet (10) MIGUEL REALE, Te-or~w Tridim.gnsional do Direito, São Paulo, Saraiva.
del Delito, Valparaiso, Edeval, 1969, pass~m.. _ ., . - 1968, ps. 16 e segs.
(6) Não há lugar, aqui, para uma dIscussao mmUCIOsa das pos~ço~s. de (11) O têrmo - crenças - é empregado no texto, em sentido orte-
WELZEL. Sôbre o assunto, ver a síntese de BJAGlO PElTROCElLLJ, ~wggt dt D,~~tto guiano. Ver JosÉ ORTEGA Y GASSET, Obras Compl~ta8, Madrid, Revista de Occi-
penale padova, Cedam, 1965, ps. 81 e segs. ~ .. dente, 1964, voI. V, ps. 383 e segs.
(7') Refiro-me ao positivismo jurídico, sob certo ll:ngulo_ oposto ao POSitI- (12) Ver, a propósito, EDUARDO B. CARLOS, Introducci6n al Estudio deZ
vismo filosófico. Em têrmos jurídico-penais, aquela ~rI~nta~ao, como se sab~" Der~cho Procesal, Buenos Aires, Europa-América, 1959, ps. 21-2'2.
é chamada de preferência, tecnicismo jurídico, para dIstmgm-Ia da escola POSI- (13) Ver FRANCESOO CARNELUTTI, Teoria General del Derecho e Teoria Ge-
tiva esta 'sim, ligada à escola filosófica positivista. ., . . neral ,del Delito, Madrid, Revista de Derecho Privado, 1941, passim.
'(8) 'Alguns autores, aliás, oscilam, até contradItorIamente, entre o tecm- 514) Ver FILIPPO GRISPIGNJ, Diritto penale Italiano, Milano Giuffre 1947
cismo dogmático e essa filosofia trad~ci?nal, como, por exemplo, BIAGIO PET!W- passzm. ' "
CELLI. Veja-se, neste sentido, os Sagg~ CItS., p~. 178 e~95,.parll: o ~0!ltr~st~ ~ntre (15) MIGUEL REALE, O Direito como Experiência, São Paulo, Saraiva, 1968,
certas postulações feitas em linha ~e princí?I~, no ~mblto fllosofIco-JurldIco El- ps. 227 e segs.
os cortes sumários de aderência estrIta ao dIreIto ~egIsI?,do. . . (16) Ver KARL LARENZ, Methodenlehr09 deZ Re>cht8lwissenscheft, Berlim,
(9) Sôbre o assunto, ARMAND CUVILLIER, Partzs PfiS, ParIS, Armand Colin;. S prmger, 1960, pas8Ím.
1956, ps. 53 e segs.

30 31
.que aquela é, r::o momento, n::uito influenc~ada p.elo forI?álismo. socio-
logista, mas nao se pode aflrmar que seja maIS saudavel o mfluxo Ora, a dialética da segurança e da justiça não é tão simples, nem
do formalismo jurídico. A adoção dêste último importa, aliás, numa admite o endeusamento sumário da certeza do dir-eito, para fins que, /
espécie de anacronismo, pois a vanguarda filosófica está assinalando em última análise, traem o próprio obj etivo. Os criminosos, indiscutI-
rumos decididamente anti-formalistas, cujas repercussões, na dou- velmente criminosos, nazistas, no Tribunal de Nuremberg, procura-
trina penal, se revelam contudo, fragmentárias, lentas e, muitas vêzes, ram acobertar-se, com a alegação de que estavam sendo julgados,
inconscientes das implicações teóricas de suas postulações. Exemplo segundo lei ex post facto, isto é, voltaram contra êle próprio o lado
disto é o debate sôbre a chamada antijuridicidade material - um formal do princípio liberal-democrático, se não a sua efetiva garan-
conceito encaixado, à fôrça, para garantir a abertura do sistema, dito tia, e justamente no ponto mais autêntico e vital: a defesa dos direi-
llositivo,e que ganharia outra feição e relêvo, quando ligado às dife- tos do homem, diante do genocídio. Por outro lado, RADBRUCH já
rentes perspectivas já exploradas pela filosofia jurídica. É por essa sugeria que, tomando-se apenas a segurança, como valor inerente
razão que o tema definha, às voltas com defesas e impugnações, fre- ii. justiça, à lei irremediàvelmente injusta termina por gerar "uma
,qüentemente estéreis, de que não escaparam, sequer, as colocações pugna da justiça consigo mesma" (21). A defesa do formalismo, a
feitas por juristas do porte dum ALDO MIOl~o (17). Uma resenha muito título de segurança, cai na armadilha da pura formalização, trans-
erudita do status quaestionum encontra-se em notável ensaio de HE- formada em critério de legitimidade, e portanto, leva à aceitação de
LENO FRAGOSO, que admite, ao menos quanto às descriminantes, aque- todo direito formalizado como eo ipso legítimo, desde que convenien-
la antijuridicidade material, "com tôdas as suas implicações" (18). temente legislado. A teoria, chamada pura, do direito deu a isto a
A posição é, portanto, francamente antiformalista e a hostilidade máxima expressão lógica, no mecanismo formal de derivações, a par-
,que manifesta à idéia da antijuridicidade material, "para a incrimi- tir da "norma fundamental", que só a fôrça garante. Sem desres-
nação de fatos", advém, não de estreito tecnicismo, porém de uma peito a KELSEN, é inegável que, para transformar essa teoria, de
coerente e respeitável defesa de princípios filosóficos, ligados à sua pura em prostituída não é preciso, sequer, o tradicional mau passo,
respeitável e coerente atitude liberal. já admitido, francamente, em linha de princípio. O direito, na visão
É que, no direito penal, o tema se torna ainda mais complexo, ikelseniana, é simples técnica de se organizar a loi du plus fort, como
pois o contraforte do positivismo jurídico pode assentar no chamado se fôsse la meilleure, ou indiferente a que o seja.
princípio de segurança - aqui, reforçado pelas conotações axioló- ROBERTO LYRA trata do assunto, en passant, a propósito da repul-
gicas da reserva legal. Ela dá por demonstrada a sua validade, enquan- sa à aplicação analógica, em nome duma segurança, iludida com ga-
to "princípio de preconstituição" (19), sem atentar para as vincula- rantias formais (22). Que insegurança maior pode haver do que a
ções histórico-culturais a que está sujeita. E assim emerge uma espé- clamorosa injustiça, formalizada em lei e,' ademais, sem meio de im-
cie de boa consciência, exibindo opções filosóficas básicas, como se pugnação, depois de se tomar a formalização como intocável fonte
fôssem coisa assente. Num formalista, ademais, parece contraditória de segurança e, portanto, de "justiça"? Nas antinomias de RADBRUGH,
a admissão de elemento construtivo anterior e, portanto, de certo seria trocado o caos da indeterminação do direito pela reverência
modo, superior, à lege lata do Estado, que seria o ponto de partida ante os eventuais editos dum paranóico (23) - situação dramática,
inarredável tomado como uma espécie de "dado de fato", na expres- de que êle mesmo pretendeu salvar-se, ao fim da vida (24), sem
são de ANroLISEI (20). Por êsse caminho, a chamada ciência do direi- tempo ou vocação para a Aufhebung, dados os padrões de sua for-
to se transforma em operação exegética e, indiretamente, apologética mação relativista.
ou, pelo menos,. conformista. Os encontros espúrios do direito penal com a filosofia não pude-
ram render mais do que acenos vagos e contraditórios para o que os
(17) Amo MORlo, L'AntigiurididJtà Penale, Palermo, Priulla, 1947; ver, es-
formalistas, tendo confinado o direito à norma (e, em certos casos,
pecialmente, ps. 135 e segs. jurídico-penais, à lei), chamam, depois, de terreno metajurídico. A
(:18) Ver HELENO C. FRAGOSO, Antijuridici~rorÃe', in Revista Brasileira de
Crirninolo'gia e Direito pe'nal, outubro-dezembro de 1964, ps. 29-46.
(19) A expressão é de MANZINI. Ver RoBERTO LYRA FILHO, Curso de Teoria (21) GUSTAV RADBRUCH, Introdueción a la; Filosofia del Derecho, México,
Geral do Direito Penal, Brasília, UnB, 1965, edição mimeografada. Está claro Fondo de Cultura, 1948, p. 44.
que já reformulei muitas posições aí defendidas. (22) ROBERTO LYRA, in Revista Brasileira de Crinninológia, janeiro-março
(20) FRANCESCO ANTIOLISEI, ManuaDe di Dirittó penaZe - Parte Generale, de 1948, ps. 14-16.
Milano, Giuffrê, 1960, p. 17. Segundo êste eminente autor, a ciência jurídica (23) Ver MIGUEL REALE, Filosofia do Dirooto, cit., vol. 2, ps. 458-459.
recebe os institutos, legalmente definidos, como "dados de fato, e se p,-"opõe, (24) Ver GUSTAV RADBRUCH, Introdueeión, cit., ps. 179-180. Ver, também.
principalmente, a descrevê-los com a maior exatidão, na sua estrutura e função". GUSTAV RADBRUCH, Filosofia do Direito, Coimbra, Armenio Amado, 1953, vol. 2,
ps. 219-222.
32
33
v.erdade é que a limitação ao imperfeitamente chamado direito posi. do que aderência aos recortes nítidos da "legislatura". Como nota
tIVO (25) car,rega, sempre, algum contrabando filosófico - a come~ RADBRUCH (29), a recepção do elemento consuetudinário geral (com.,~
çar pela red?-çã.o d~ ~ireito ao seu as~ecto formal, o que já esboça mon law) , em oposição aos costumes locais, recobre a criação dum
uma ontologIa ImphcIta, embora da pIOr qualidade. Trabalhando às direito nôvo, que vincula, pelos precedentes, qualquer caso análogo.
cegas, o formalismo termina inspirando conselhos semelhantes àquêle Assim é que o humorista GILBERT pôde traçar a sua famosa sátira
de AN110LISEI, que vedaria aos juristas um exame "demasiadamente" dum TriaZ by Jury.
aprofundado da justificação dos institutos ... (26). Ademais, o espanto aumenta, se juntarmos, a essa remissão his-
A única via, portanto, é uma retomada, por assim dizer da ca/iJO tórica, a diversidade dos direitos penais americanos, de âmbito esta-
de. todo o :p~ro~lema, a.~artir da esfera do jurídico, embora' com per~ dual. O próprio código penal-modêlo; do American Law lnstitut;e
feIta conSCIenCIa das dIfl(~uldades da tarefa e sem a pretensão de liqui~ admite, aliás, a rej eição de infrações de minimis, entre as quais estão
d~r~ o deba~e .. O exame. é, ~m qualq~er hipótese, imprescindível, pois as admitidas por "tolerância ou licença costumeira" ou que apresen-
so ele enseJarIa a focahzaçao posterIor do conceito de crime evitan- tariam descriminantes tais que "não se poderia razoàvelmente con~
do-se °
risco de formalismo. ' siderar que a legislatura as houvesse previsto, ao incriminar a con·
,É evidente que direito e crime não representam noções unívocas duta" (30). Por outro lado e independentemente da lei, já alguns
e a Aufhebung necessária, para enquadrá-las, está no plano de inter- tribunais absolvem, de fato, os acusados a que foram imputadas con-
ferência dos saberes filosófico, científico e técnico, sob pena de nos dutas que "o juiz acha que não são efetivamente criminais" (31),
co~tentarmos com simples jôgo de pala~ras, isto é, "som e fumaça'" como adultério, jôgo de azar trivial e homossexualismo consensual,
(~chall un.d !la,!"ch) (27). D.outra maneIra, a extrapolação, de disci- entre outros. Isto, a despeito da incriminação formal, numa tendên-
plma a dIscIplma, carregarIa as mesmas antinomias, que cumpre cia ao freies Recht e com todos os perigos de subjetivismo que sómen-
superar, e aumentaria a perplexidade do criminólogo transformada te uma fundamentação objetiva de padrões de ilegitimidade ou ine-
em recepcionista confuso. ' ficácia da norma legal poderia eliminar.
O preço que se paga pelo abandono dessa tarefa de classificação É verdade que TAPPAN fala também no crime como conduta defi-
resulta óbvio na obra de eminentes autores, como, por exemplo, PAUL nida "pela legislatura e pelos tribunais" (32), porém o que não se
W. TAPPAN. Vale a pena demonstrá-lo, porque é um caso típico. Êsse entende é como, diante de tal oscilação (direito penal estadual e cria-
autor pensa ter resolvido o problema dizendo que o crime "deve ser ções judiciais), a criminologia ficaria bem servida de critérios firmes,
definido bem precisamente e de acôrdo com as formulações explíci- evitando as "frouxas abstrações" e os "juízos minoritários de valor"
tas da legislatura", sem concessão a outras modalidades de compor- (33), que o criminólogo deseja proscrever. Desde o avanço, no início
tamento anti-social ou ao que "deveria ser incriminado" (28). do século, da SociologicaZ Jurisprudence, o direito americano se volta
A nossa primeira impressão é de espanto, ao- encontrar tal obser- para a tentativa do entrosamento entre ordem legal e ordem social
vação num americano, pois os Estados Unidos da América não têm (34). Afastar, portanto, a visão sociológica da conduta aberrante ou
uma formação jurídica essencialmente "codificante", como a Europa anti-social, como pretende TAPPAN, para cortar o desenvolvimento
continental, seguindo as tradições ilhoas da Inglaterra. Ora, na rea- livre do conceito de white coUar crime, é esquecer que precisamente
lidade, aqui se trata, em grande parte, dum judge-made law, mais juristas e tribunais, há muito, dão ênfase à abertura. Essa tendên-
cia antiformalista, no sentido jurídico, tem, é claro, o defeito de devol-
ver o problema ao formalismo das chamadas teorias do consenso, que
(25) A respeito, ver a crítica de R'OUBIER, espo.sada po.r SAROTTE Le Maté- predominam na sociologia americana (35). Mas, em todo o caso, a
dJO direito,
:i(J)lis;ne, cit.,. p. 93, no.ta 22. Mais positivo é o. aspecto. da eificá.cia posição de TAPPAN, voltando as' costas aos sociólogos, cria, nesse
IstO. e, a efetIva regênCia, de fato., das relações intersubjetivas que po.de corres~
~o.n~er, ou não, à fo.rmalização.: a no.rma po.de ser fo.rmalm~nte vigemte mas
~'fIJehcaz. No. sentido. da eficácia, é que EDUARDO GARCIA MAYNEZ po.r ex~mplo. (29) Introducción, cit., p. 70.
fala em direito. "po.sitivo." (Ver La Definición d"3l Derecha, Xal~p .. , Universi: (30) Ver DONALD J. NEWMAN, Con'VÍction: The Determ~nation of Guilt or
dad Veracruzana, 1960, ps. 101 e segs.). Innocence Without Trial, Bo.ston, Little, Brown & Co., 1966, ps. 148-149.
(26) Ob. e lo.c. cits. (31) NEWMAN, ob. cit., p. 148 .
. ( 27 2 Namen si!"d ScmaU und Rauch, no.ta ALFRED WElBER, no. limiar de uma (32) Ob. cit., p. 7.
el~crdaçao. do. co.ncerto de So.cio.lo.gia (Einführung ~'n die SOziologie~ München (33) Ob. cit., p. 10.
Prper & Co.., 1955, p. 9). Aqui também parece indispensável, quanto. ao direito., .(34) Ver JULIUS STONE, LUIW and the Social Sciences" Minneapolis, Uni-
,um. apro.fundamento. daquele weiten Sinn der sich aus derm Ursprungs'[ffoblem verslty o.f Minneso.ta Press, 1966, paossim. .
erg~bt.
(35) Ver GEORGES BALANDIRE in Sociologie des MutaUons, Paris, Anthro.po.s,
(28) Crime, Justice and Correction, New Yo.rk, Mac-Graw-Hill, 1960, p. lO,. 1970, p. 14.

35
aspecto de ~'in'Stituição", influenciando, inclusive, certas' direções euro-
ponto, um círculo VICIOSO, pois, êle recorre aos juristas, que estão péias. Como diz, incisivamente, DUVIGNAUD~ ,as "ideologias socio-
muito entrosados com a chamada jurisprudência sociológica e o que lógicas contemporâneas (estruturalismo, lingüística estrutural, mate-./
sai por uma porta, entra pela outra. Basta conferir, a respeito, o matização e formalizações) são outras tantas manifestações. de m.ar-
monumental levantamento de JULIUS S'l10NE (36). O fato de que a ca passo e cadaverização" (44). Ê ó.bvio, entretanto, par3; ev~ar .sIm-
sociologia americana opere dentro dos parâmetros e segundo os mo- plismos, que essa condenação as atmge, enquanto orgamz~çoes .mt~­
delos, ditados pela matriz ideológica dominante (37), é outro aspecto, lectuais tendentes a estabelecer determinadas antropologIas fIloso-
que não ampara o formalismo jurídico; apenas, desmoraliza o for- ficas implícitas, sem prejuízo do valor ou aproveitamento de alguns
malismo sociológico também, e mostra que, nêle, tôda mudança tende dos elementos de suas operações ou metodologia, desde que melhor
a ser apreendida como ruptura "decorrente de empreendimentos, de focados. Neste sentido é que se revela muito equilibrado o juízo de~
alguma forma, apocalípticos" (38). É o vêzo conservador, que repeti- BAUMAN sôbre a obra de LÉVI-STRAUSS (45). A ontologia sociológica,
damente acentuei, ,no primeiro capítulo dBste trabalho e que a socio- dêste é irremisslvelmente idealista - o que não desqualifica, eo ipso.,
Rogia das mutações vem procurando transfigurar, com o exame obj e- tôdas as suas contribuições científicas em concreto, embora compro-
tivo das "condutas renovadoras e contestantes" (39), ao nível do meta a direção geral da obra e inspire grandes reservas, quanto 3t
:próprio sistema, radicalmente pôsto em questão. Aliás, é justo assi- muitas etapas e resultados de. sua construção.
nalar que essa preocupação já atinge u' a minoria de escola da pró- Os formalismos sociológico e jurídico, debaixo da oposição peri-
pria sociologia nos Estados Unidos da América, à medida que as férica, mantêm um ponto ideológico de afinidade. Aí se desvendam o
contradições, atualmente muito aguçadas, da estrutura onde se acha
mêdo e as reações, mais grosseiras ou mais sutís, diante duma rea-
imersa, tendem a facilitar a conscientização do processo, em têrmos
críticos. Êsse "criticismo científico" (40), todavia, des~nvolve-se, com lidade social em transformação, que vem ameaçar a tranqüilidade
mais desembaraço, fora dos padrões rotineiros daquela sociologia do mundo acadêmico e a cultura a que êle tem servido, até êste mo-
ianque, cuj a tradição de ingenuidade filosófica atrapalha muitos auto- mento de abalo e contestação.
:res bem intencionados, a exemplo do honesto e corajoso WRIGHT Uma sociologia atualizada, há de manter em vista as grandes
MILLS (41). hipóteses teóricas mais arriscadas, retemperando-as na praxis (para
O caminho atual da sociologia crítica, acentuando o retôrno refle- evitar a alienação) e na crítica (para evitar o dogmatismo bruto da
xivo sôbre pressupostos e resultados da investigação empírica, esta- ação cega). Doutra forma, voltaríamos ao empirismo rasteiro, ali-
belece aquêle encontro de filosofia e ciência, já registrado, aqui, com mentado pelas famosas teorias de médio alcance, cuja índole é con-
apôio nos estudos de THEODOR ADORNO e MAX HÜRKHEIMER (42). Há servadora (46) e, em última análise, acarretam uma opção filosó-
pouco, JEAN DUVIGNAUD repetia que, ou a teoria sociológica passa a fico-social, no endeusamento da homeostase, para servir, consciente
nutrir-se com o questionamento radical, ou definha ,no "tecnicismo ou inconscientemente, às situações constituídas. O que não pode ser
pedante" e na "burocratização" (43) isto é, como eu preferiria dizer, evitado é o .nôvo dinamismo do trabalho empírico, de acôrdo com reo-
do meu ponto de vista - dialetiza-se ou morre. Hoje, a teoria socio- rientações teóricas dialetizadas.
lógica há de ser crítica sociológica, para evitar aquelas "cristaliza- O grande parti-pris antifilósofo dos empiristas puros está con-
ções intelectuais", que nos Estados Unidos da América assumiram ó denado; mas também se desmascara, assim, o tipo de filosofia idea-
lista, que se deixa ancilosar na reedição das velhas metafísicas ou
(36) Social D~'m&Y/Jsions 01 Larw and Just~ce, London, Stevens and Sons nas cartilhas do marxismo preguiçoso, a que se referia SARTRE (47).
Limited, 1966, pas8im.
(37) Ver BALANDIIDR, ob. cit., loco cito
(38) lbidem.
(39) lbidem. ( 44) lbidem. .
(40) lbid.em. (45) Ver ZYGMUNT BAUMAN, Ma'1'X and the Contempor.ary Theory 01 Cul-
(41) A contaminação do pragmatismo e do instrumentalismo, a todo ins- ture, p. 492, in UNESCO, Marx amd Cont.e1nporary Scientif1'c Thought, The Hague
tante, cria limitações para êsse eminente sociólogo, cuja escassa familiaridade Mouton, 1969.
com a problemática filosófica mais requintada, de timbre europeu, constitui outro (46) Ver KÁLMAN KULCSÁR, Ricerche di Sociologia del Diritto vn Ungheria,
obstáculo fundamental. Apesar disso, é claro, são muitas, e excelentes, as suas in RENATO TRElVES, org., La SodJologia deZ Diritto, Milano, Edizioni di Commu
intuições; e, em todo caso, a óbvia tentativa de libertar-se dos padrões acadê- nità, 1966. .KÁLMAN admite a middle range the.ory como "ponte entre os dados
micos "oficiais" torna-o extremamente simpático a um pensamento mais avançado. empíricos e a teoria geral". Neste sentido, também, a minha ressalva, na pri-
(42) Ver ADORNO e H{)RKHEIMER, Sociologia, Madrid, Taurus, 1966, nota- meira parte, ao falar nas hipóteses mediadoras de trabalho. .
datam ente ps. 9 e segs. e 273 e segs. (47) Questão de Método, São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1966, p. 48.
(43) in Sociologie des Mutations, cit., p. 63.
37.·.
38
o estudo. de JOSEPH GABEL apro.fundo.u aspectos dessa "ideo.lo.giza- dimensão. fática e delimita o. âmbito. de análisedo.s empIrIsmo.s que
ção. do.. marxismo." (48), para co.nstituir aquela "falsa co.nsciência" lidam co.m o. fato. so.cial naquela falsa o.bjetividade do. dado. (53).
determI~ando.. a '~cap~açã? infra....-dialética da realidade so.cial" (49) ~ A preo.cupação. exclusiva co.m a fo.rmalização. desembo.ca no. po.si- .~
A . mvestIgaça~ cIentIÍlca nao. po.de prescindir da função. crítica tivismo. jurídico.: sua co.ntraparte é a análise da legitimidade, segun-
e to.t~hzado.ra da fIlo.so.fia e esta não. po.de, igualmente, prescindir da do. o.S princípio.s racio.nais fixistas do. jusnaturalismo. clássico.: sua
c~encIa, sem tr~nsfo.rmar-se num jôgo. arbitrário., de simples diletan- vinculação. às determinantes infraestruturais da cultura, eco.ando. a
t~smo. es~eculatlVo., que também manifesta um sentido. ideo.lógico. eli- divisão. em classes, desfaz tôda pretensão. de perenidade e manifes-
tI~ta ~ alIenado.. Quando. falo. em filo.so.fia, refiro.-me à filo.so.fia viva; ta-lhe o. cunho. ideo.lógico.; a pura análise emp:írica do.s fato.s so.ciais,
nao. ha o.utra: tudo. o. mais é co.ntrafação.. - po.r o.utro. lado., disso.lve-se em fo.rmalismo., semelhante ao po.sitivista,
do. mesmo. sabo.r ideo.lógico e cuj a visão. so.cio.lógica tendente à "inte-
. 0. apro.!unda~ento. do. co.nceito. de direito. tem desco.berto., na pró-
:r na !Il.o.so.fI~, mUltas o.bstruções, atribuíveis a interferências da capa gração. e estabilidade" (54), acaba num po.sitivismo., tão. grato. às
co.rrentes historicistas e so.cio.lo.gistas. Para evitar êsses descaminhos,
Ideo.lo.glCa. E claro. que a palavra - direito. - indica uma realidade é indispensável fo.rtalecer o. tomlS dialético., ligando. fato. e valo.r, teo.-
super.lativamente co.mplexa, o.nde GARCIA MAYNEZ ppde vislumbrar a ria e praxis e encarando. as resultantes fo.rmalizadas, à luz de uma
asso.cIação. de no.ções "distintas e irredutíveis entre si" (50). Êle re- escala o.bjetiva de valo.ração., dentro. da linha de irreversibilidade his-
co.nhece um "direito. fo.rmalmente válido.", um "direito. intrinseca- tórica. Nesta, cada revelação. do. po.tenClial o.nto.lógico. de liberdade
mente válido." e um "direito. po.sitivo.", cujas co.ntradições não. lo.gra humana, em sua luta pela po.sitivação., desperta sucessivas co.nscien-
su~erar" pela carência de fôlego. dialético. em seu perspectivismo.. A tizações jurídicas resultantes do. cho.que de interêsses e classes, dentro.
IU~Idez e co.mpro.metida po.r um vêzo. idealista, para a qual o. co.nceito. de tôda estrutura.
vaI ser. bus~ad~, quan?o. já carrega as escamo.teações dum aprio.ris- Fato., valo.r e no.rma, co.mo. têrmo.s de um tridimensio.nalismo.,
mo., de mfluenCIa kantIana (51). Subsiste, aqui a tendência a "criar" indicam a unidade do. direito. e aparecem co.mo seus aspecto.s funda-
o. o.bjeto. pelo. méto.do., ao. invés de fo.rjar o.S e;quemas de inteligibili- mentais, desde que não. seja to.mada, ao. .pé da letra, a palavra "dimen-
da~e ad~quado.s, para desvendar a unidade subjacente e captá-la, na s.ões". l!:ste é o. êrro. de OOSS1O, que penso.u ver pro.po.stas à conside-
obJ etuahdade co.ncreta, dentro. da p({"axÍ8. ração. as "dimensões dum ser físico." (55). A pro.pósito., REALE no.ta,
De qu~lquer so.rte, a trico.to.mia, bem destacada, serve para indi- lCo.m acêrto, que não. se fala em fato., valo.r e no.rma "co.mo. se fo.ssem

glo.bal. °
car que sao. aquelas, mesmas, as dimensões do. direito., no. sentido.
"direito. fo.rmalmente válido." representa a dimensão. no.r-
mativa e define a órbita de o.peração.do.s diferentes po.sitivismo.s jurí-
facetas de algo. subjacente, o.U seja, da co.nduta humana, que já seria
imanentemente jurídica em sua interferência intersubjetiva,· co.mo
quer 008S11O; assim co.mo. não. cabe co.nsiderá-Ias três perspectivas
dico.s; o. "direito. intrinsecamente válido." representa a dimensão. axio.- co.ndicio.nadas de três co.nceito.s irredutíveis de direito., co.mo. preten-
l?gi ca e ma~~a a pauta do.s que se preo.cupam co.m a inversão. do. po.si- de GARCIA MAYNEZ; são., antes, "momentos dum processo (o grifo. é
tIvIsmo. - vale po.rque manda" - , para a pesquisa do. fundamento. meu), no. qual co.nsiste a realidade mesma do. direito." (56).
- "manda po.rque vale" (52) - e está, po.rtanto., sujeito. à legiti- Essa co.lo.cação. permite, inclusive, estabelecer uma o.nto.lo.gia não.
mação.; o. "direito. po.sitivo.", no. sentido. de MAYNEZ, representa a mutilado.ra e fo.calizar a história das idéias jurídicas, destacando., o.ra
uma, o.ra o.utra dimensão., o.U a aliança delas, atê o. arremate dum tri-
dimensionalismo. glo.bal. Co.ntudo. aderindo. à abo.rdagem assim co.n-
(48) JOSEPH GABEL, La Fausse Conscience, Paris, Les Êditions de Minuit, figurada, é preciso., lo.go., verificar que ela tem muitas apresentações,
1962, p. 13.
(49) Ibid.<>An, p. 12.
desde as fo.rmas chamadas genéricas (perspectivistas e antinómicas,
(50) EDUARDO GARCiÍA MAYNEz, La Definición deZ Derecho Xalapa Uni-
discernindo. as três dimensões, sem integrá-las) até um tridimensio.-
versidad Veracruzana, 1960, p. 101. ' , nalismo. específico. e perfeitamente co.nsciente das po.ssibilidades e
(51) EDUARDO GARCÍA MAYNEZ, lntroducaión aZ Derecho, México Porrua. plano.s de entro.samento. das dimensões captadas (57). Ainda neste
1955, p. 122; no mesm~ sent!do e sob a mesma influência, Luis RECASÉNS SI<lHES,
Tratado Gen~ra;l d~ F~lo~of'l<(J) deZ Derecho, México, Porrua, 1959, p. 12, em que
um suposto .conceIto unIversal ou essencial do direito" é inscrito entre os pr e- (53) HENRI LEFEBVRE, pour Connaítre la Pensée d'.!1 Marrx, Paris, Bordas,
t;n.so s ., ~or:c~Itos puros, alheios à experiência, necessários em tôda realidade ju- 1966, p. 12.
fIdlCa, hIstOrICa ou possível, condicionantes de todo pensamento jurídico". (54) GEORGES BALANDIER, Sociologie des Mutatio'itSi, cit., p. 14.
. (52) ,E:USTÁQUIO CALÁN Y GUTlÉRREZ, Los Tipos Fundarmerntales del Pensa- (55) Ver MIGUEL REALE, Filosofia do' Difreito, cit., v. 2, p. 505.
m~ento Jur~du:o a la Luz de la "perernnis Philosophia" Madrid Instituto Editorial (56) lbidem, ibidem.
Reus, 1955, p. 77. ' , 1(57) REALE, A Teoria Tridimensional, cit., ps. 13-67•

.38
39
ú1.timo, há lugar, porém, para desenvolvimentos bem distintos, ou naquela última instância forll1alista (66). A êsse propósito, é válida:
aproximações mais ou menos felizes, daquela articulação, como, por e penetrante a crítica de lNiOC:ffiNC]OI M. COELHO, relativa à contribui-
exemplo, os de SAUER, HALL, STONE, RECASÉNS, FECHNER ou do pró- ção hermenêutica de RECASÉNS SICHES (67), que. adota express3;mente/
prio REALE. Quanto a êste, decerto a maior figura da filosofia jurídi- o tridimensionalismo realiano, e pode ser extrapolada, mutat~s mu-
ca no Brasil, creio que certos empanamentos ideológicos não lhe per- tandis, do logos de lo razonable de RECASÉNS à teoria realiana dos,
mitiram atingir tôdas as implicações da própria posição que defende. modelos' isto sem prejudicar-lhes a feição positiva, no plano de suas
A dialética de implicação e polaridade detem-se num esquema, afinal aplicaçõ~s e~egéticas, mas destacando a raiz comum, formalista e
também idealista, quando discute as relações fundamentais entre conservadora que subsiste em ambos. Veja-se, por exemplo, como.
direito e segurança ou direito e poder. Há, na sua construção, uma vai implícita: no corte positivístico, a hierarquização das fontes, a.n~i­
deferência ao Poder, que interrompe aquêle processo, por êle mesmo losando nesse lado formal, o jôgo das chamadas fontes materIaIS,
definido, recaindo no formalismo (58), ainda mais claramente denun- submetidas à camisa de fôrça da mera elasticidade (68) das normas
ciado pela barreira da justiça como ordem (59) e certeza (60). E formalizadas e suas possíveis "alterações semânticas" (69), dentro,
esta leva o eminente autor a repetir, complacentemente, com HAURIOU, do que REALE exprime, claramente, como "ina.lter,abilidade o: mal d.o.
enunciado" (o grifo é meu) (70). Desta maneIra, chega-se a ImpOSSI-
t
que "a justiça social é um luxo (sic!) até certo ponto dispensável";
com EBENSTEIN que "é mais importante que a regra de direito apli- bilidade de "desenvolver abertamente o direito", forçando o inevitá-
cável seja estabelecida do que seja justa" e com RADBRUCH que, vel impulso do progresso jurídico a entabular com a ordem form~l
"quando, numa comunidade, existe um poder supremo, deve respei- entronizada, aquela espécie de jôgo de esconder, a que se referIU
tar-se aquilo queêle ordena" (61). Tais frases parecem liqüidar, no ESSER (71). E, nesse jôgo, que põe a título de exegese a oculta ne-
itinerário, tôdas as fecundas sugestões do encaminhamento tridimen- gação do enunciado formal "inalterado", está, muitas vêzes, a linha
sional. Encarando, serenamente, a totalidade da obra de REALE é. torta por que se escreve o direito certo, como, por exemplo, em
entretanto, inocultável que, de par com suas qualidades extraordiná- alguns acordãos do nosso próprio Supremo Tribunal (72). Qual é O>
rias de erudição e originalidade e de alguma concessão à pluralidade marco do direito vigente (73), para inserção da decisão justa?
de ordenamentos (62), o direito estatal fica entronizado. É como se LARENZ, mesmo, fica um pouco assustado com as implicações da rela-
o Estado mesmo não pudesse e devêsse ser visto tridimensionalmente" ção dialética (74), seguindo a. marcha da lei n~ tempo: conforme as
enquanto fenômeno jurídico e com ênfase na legitimidade ou ilegiti- aquisições da consc~ência jurídIca, para( que se crIe,' no dIzer de ESSER,
midade da sua organização e dos produtos da atividade legislativa, a norma positiva autêntica, assimilada ao direito em ação (75). Mas.
reinseridos naquele processo, que o mesmo REALE destacou (63). O afinal não se estaria criando uma série de impasses teóricos, me-
aspecto mais grave dessa reversão ao formalismo está em que êle diant~ postulações baseadas em preconceitos, para evitar o _arro~ba­
paralisa a nomogênese, em nome de um "postulado" de ordem "jurí-· mento duma porta, de fato, aberta? BiODENHEIMER, que nao prI~
dica" (64), para garantir o monopólio estatal da declaração, "em pela audácia do pensamento, consigna, tranqüilamente, que "a legItI-
última instância" do "que é lícito ou iZícito" (65) - (o grifo é do
autor). O retôrno ao positivismo jurídico e tôdas as suas implicações
faz-se, em REALE, mediante agudos e eruditos rodeios, muitos dêles (66) Ver O DireitO' ComO' Experiência, cit., ps. 161 e segs.
(67) A Contribuição de Luís RECASÉNS SICHES à FiJ~O'sofia dO' ~ireito, Bra- .
originais e fecundos e que me parecem muito mais valiosos do que o sília, UnB (tese de doutoramento, edição datilografada), 1967, pasS'L'fTh.
decepcionante coroamento. A dimensão axiológica, então, contrai-se (68) REALE, O DireitO' Como Exp.eriência, cit., p. 185.
a tal ponto, e tão violentamente, que só resta lugar para acomodações (69) lbidem, p. 210.
da exegese (ao cabo, teleológica ou tImidamente progressiva), sob (70) Ibidem, Ibidem.
formas engenhosas e flexíveis, mas, em última análise, subordinados, (:71) LARENZ, Metodenlehre, cit., p. 290 da tradução espanhola, Barcelona,
Ariel, 1966.
(72) Veja-se HELENO CLÁUDl'O FRAGOSO, Jttrisprudê11J(fi.a Criminal, Rio, Fo-
rense, 1968, onde .Q eminente autor demonstra que houve artifícios :exegéticos e
(58) Ver O Direito Como Experiêneia, cito ps. 194 e segs. de aplicação da norma incriminadora de casa de prostituição (ps. 89 e segs.).
('59) Filosofia do Direito, cit., voI. 2, p. 521. Dentro do plano em que se colocou, está, evidentemente, com tôda razão. O que
(60) Ibidem, p. 522. sugerimos é outra coisa: o Tribunal, sensível, àquela alturlij, aos pr.Qblema~
(61) IbMAem, Ibidem. criados pela incriminação, que gerara iniqüidades e hipocrisias, procurava, alI.
(62) Ibidem, p. 523. meios e modos de contornar a questão.
(63) Ver nota 56. (73) LARENZ, ob.cit., p. 290.
(64) FilO'sO'fia dO' Direito, cit., V. 2, p. 522. (74) Ibidem, p. 2'07.
(65) Ibidem, lbidem. ('75) Ibidem, p. 208.

40 41
midade do direito positivo pode ser posta em dúvida", defendendo a em última análise, as duas ordens de no~~a;s SOCiaIS S? se distin-
"justiça contra legem" (76). O importante é, sem dúvida, libertar o guem, como enfatizarei adiante,. pela coe!cIb~lIdade e:x;terIOr da~ s~n­
processo, sem cair nas armadilhas do direito livre, que corresponde ções organizadas e pela bilatera~I~ade_ atrIbutIva, ~ec~h~res ao dIreito.
a um subjetivismo judicial, muito diferente da fundamentação objeti- De qualquer forma, a identIfIcaçao global do JurIdIco e ~os enun-
va dos critérios de legitimidade ou ilegitimidade. Essa fundamentação ciados formais dum voluntarismo de raiz e~tatal .fa~ ~egredI~ ce~tas
não reside, porém, no apêlo à axiologia fixista do jusnaturalismo posições marxistas a uma espécie de formalIsmo JundIco, de 1l1Splra-
clássico, nem no simples relativismo dos padrões que geram o outro ção diferente do positivista, porém com resultados estranhamente
formalismo, historicista ou sociologista. As notáveis pesquisas empí- coincidentes. . '.
ricas, realizadas no Brasil e na Alemanha, por CLÁUDIO SOUTO, a res- Se a correlação, aqui tomando fe~ç~? pràtI.ca~en~e_ me~an}c:sta,
peito do sentimento de justiça, já levaram o mestre pernambucano entre infraestrutura e for~ação. das ~deu~,s e 1l1StItUlÇO~S_ JurIdlCas,
para algo que se aproxima, com ressalva do nome, de um "jusnatu- corta o impulso nomogenétIco e 1l1fra.dIaletI~a aSA c~ntradIçoesA do me-
ralismo" sociológico, à maneira de SELZNICK, na busca dos princípios lhor progressismo, também não explIca a 1l1flu~ncIa, d.e re!o~no, do
de crítica das formalizações jurídicas (77). direito, libertado de sua condição de mera v~stImenta Ideolo,.?'lCa d~s
Nessa direção, que renega os formalismos, creio que cabe apro- interêsses estatais entronizados. E isto ~al~eIa a compreensao, en~I­
fundar o rumo espontâneamente tomado pela filosofia e sociologia jecendo a tese do desaparecimex;to ??
dIreito e do Estado! quen~o
jurídicas, a partir dum tridimensionalismo integral, que desvende a tem apôio em qualquer prova c~entIflCa. e serve, ape~a~, a profe~Ia
correlação dinâmica de meios e fins em função da décalage entre nitidamente utópica do estabeleCImento fmal d~m~ espec.le ,d~ parmso
infraestruturas e superestruturas, dentro das estratificações sociais. terrestre (82). Nessa ordem de idé~as, o materIahs:r:!-0 hIstorlCo ent.ra
Hoj e, os teóricos, não filiados à orientação marxista, reconhecem, com numa contradição insuperável COnSIgO_mesmo. E ~a.o o salva a dIa-
ênfase e clareza crescentes, que a prova empírica demonstra a situa- lética, pois é justamente a sua negaçao que se cr~tlCa na tese ,r~fe­
ção do direito, no sentido formal, como superestrutura, determinada rida: esta postularia, antidialeticamente, um epIlogo esca~ologI.CO,
pelos arranjos econômicos duma sociedade dividida em classes - é desimanentizando a dialética histórica e pendurando-a no cabIde fIXO
o caso, por exemplo, de JULIUS STONE (78). Ora, nesse terreno, tam- e definido duma éspécie de transcen?ência (8?).. .
bém se deixa marcar, bem nitidamente, a preocupação de não incor- Aliás, a própria filosofia marxIsta ?O ?IreIto ?sc.Ila bastante,
rer no mecanicismo grosseiro da pura determinação econômica, aliás nesse ponto, ao menos qua-r:to. à simJ?les ~gaçao de. dIreito ~ Estado,!
denunciada, antes de tudo, pelo próprio ENGELS (79). como expressão crua e mecalllca de mteresses ~la~slstas. O erro .esta
Por outro lado, deparamos, aqui, com um aspecto da filosofia justamente em ver todo o direito enquanto dIreito estatal e dlz.er,
marxista do direito que a investigação científica posterior tem levado com VYSHINSKY, que "direito é um sistema de norm:=ts, estabelecIdo
as ciências humanas a encarar com reserva. Sem maior exame, alguns pelo Estado, mediante o qual se defende uma det:rm~nada ~st~utura
autores daquela orientação continuam afirmando que o direito é sim- social" (84). Tal concepção mutilad~ra não ~:x;phcarIa o dIreito de
ples "dispositivo coativo externo, de natureza estatal", isto é, "ligado contestação e libertação, o inconformIsmo PO~ItIy~, que se apresenta
ao aparecimento do Estado". Assim, por exemplo, o filósofo ADOLFO como direito também. Diante do formalismo JurIdI.co e~t~tal, ,I~.ELLER
SANCHEZ VASQUEZ (80), sob tantos aspectos admirável em suas agu- acentuou a existência duma espécie de "jusnaturalIsmo ImphcIto em
das investigações. Aliás, ao falar na justificação dialética da moral tôda posição contestante, y compris a marxista (85): Note-se q!1e
(81), VAZQUEZ admite uma síntese ética, sobranceira ao formalismo GOlJ{)UNSKY e STRiOGOVITCH matizaram bastante es~a lmh~ ~e racIO-
e à relativização, que cumpriria estender à esfera do jurídico, pois, cínio, embora aderindo, substa:t;~ialmente, à concep.çao d~, dIreito como
"uma forma específica de polItIca da classe dommante (86), pers-
(76) EDGARD BODENHEIMER, Ciência do Dir.9ito - Filosofia e Metodologia
,Jurídioas, Rio, Forense, 1966, pg. 338. (82) A propósito, YVON BOURDET in Sociologia des Mutations!.. cito ps. 95-96. •
(77) Ver a aguda e erudita tese de doutoramento de SOLANGE SOUTO, CQn- (83) A propósito, ver, em GEORGES GURVITCH! as Qbserv~çoes sobre essa
trôle Social e Direito, Recife, Universidade Federal de Pernambuco (edição mi- dialética ascendente in Dialectiq1M et Sociologie, ParIs, Flam:narlon, 1~6~" p. 155.
meografada), 1968, p. 55. Do próprio CLÁUDIO StOUTO, Fundamentos de Sociologiw (84) Apud RECASÉNS SICHES, Panorama del pensarrmento Jurídwo en el
Jurídica, Recife, Faculdade de Filosofia da U. C. P., 1968, poiSsim. Siglo XX, México, Porrua, 1963, voI. 2, p. 1.094. ,
(78) ~n SOcW'l Dimensions ... , cit., p. 511. (85) A propósito, ver A. L. MACHADO NE'IlO, InfJrodwçã1o a Ciência do Di-
(79) Ver carta a J. Bloch (21/9/1890). A propósito, BODENHEIMER, Ciência reitó, São Paulo, Saraiva, 1963, 2.0 volume, ps. 381-3~5... .
do Direito, cit., p. 97. (86) Ver a decisão do 1.0 Congresso dos C~nstltu~lOnah~t8;s Marxlst~s. no
(80) J!:tica, Rio, Civilização Brasileira, 1970, p. 83. combate às teses de P ASUKANIS in STUCKA et alh, Teorw S01J~dtwhe del D~rttto,
(81) Ob. cit., p. 272. Milano, Giuffre, 1964, p. 317 (Texto de STROGOVIC).

42
pectiva em que, mesmo a norma consuetudinária é reduzida, mecani ..
clsticamente, a epifenômeno, e fica à espera do esfôrço duma coer-- ,daria, de vez, com a dialética histórica, sem qualquer apoio em prova
ção estatal (87). Aquêles autores admitem, de qualquer maneira, uma, empírica e sem guardar coerência com a imanentização dessa mesma _~
"consciência jurídica", de nenhum modo confinada à limitação do, ,dialética) .
Estado. Ora, essa concessão manifesta, gritantemente, a necessidade- A determinação do direito, a cada momento, seria uma operação
duma perspectiva mais ampla na abordagem do direito. Nas socieda- ,complexa, baseada naqueles processos descritivos, analítico-regressi-
des classistas, acentuam, ainda, GOi[JOUNSKY e STRlOGlOVITCH, não há vos e histórico genéticos (LEFEBVRE) (90), que permitiriam desen-
uma só consciência jurídica e, poristo "a regra de direito da classe tranhar o seu conteúdo e reorientar a crítica institucional, a partir
dominante, fundada na consciência jurídica dessa classe, não é iguaL ,da praxis jurídica em globo. A chave encontrada, por êsse meio
à que se funda na consciência jurídica da classe subordinada; sendo capta a tríplice dialéticade formalização (em que se constitui ~
justa para a primeira, é injusta para a segunda. Cada classe social. ,elenco de normas), eficácia (em que se determina o efetivo poder
esteja ou não no poder, tem sua própria concepção do direito, con- ,de intervenção, de retôrno, sôbre os processos sociais donde as nor-
cepção que não pode ser, e geralmente não é, a que se extrai do direi- mas emergem) e legitimidade (cooptação de grupos e indivíduos
to positivo em vigor" (88). S'l'OYANiOVITCH mostrou que existe, nessa _mediante a apreensão crítico-valorativa, na linha de maturação dum~
posição, verdadeira militança crítica à doutrina marxista "fechada". consciência jurídica e moral - desideologizada - da humanidade,
na pena dos próprios marxistas que se apresentam como ortodoxos. .segundo o plano e a direção da atualização progressiva dos conteúdos
(89). A simples expressão, adotada por GOlJOUNSKY e STRlOGOVITCH, irreversíveis de conscientização da justiça social). Por outras pala-
embora ainda minimizando as contradições do direito estatal, de qual-- vras, a visão total do direito envolve engaj amento no próprio devir
quer sorte já vem abrir o debate mais fecundo, pois admite, em nome, .do homem, sob o aspecto duma objetividade aprofundada (91), para
do processo jurígeno mesmo, a reinserção da dialética, pràticamente, "evidenciar os pontos de décalage local e temporal, com os instrumen-
esquecida, no jôgo das derivações infraestruturais. O que não se pode, -tos que a praxis forjou. Trata-se, em última análise, da "observação,
entender é como os autores reconciliam suas verificações da plura- mas com o olhar informado pela experiência e por uma teoria geral",
lidade de consciências jurídicas e sua redução do direito à política de· .da "análise da realidade, no sentido de datá-la exatamente e do
classe dominante, ademais tomada como bloco unívoco e sem contra- '''reencontro com o presente, mas elucidado, compreendido, expli-
dições, o que é pecado da infradialetização. ,cado" (92).
A síntese dêsse j ôgo de contradições em cada concepção j urídica,_ A atual filosofia jurídica, aliás, é muito fortemente orientada
sem desconhecer a sua vinculação à infraestrutura (isto é, hoje, larga- 'pela preocupação de encarar a dialética de fato e valor, de necessi-
mente aceito, como já assinalei, até por não-marxistas, à maneira de· ·dade e liberdade em situação, enquanto "modo de existência ontoló-
S'DONE), deveria extrair dessa visão da praxis jurídica algo mais do- :gica de tôda realidade humana possível - e, portanto, do direito"
que aquêle positivismo jurídico estatal. Assim é que se poderia des- (93). Neste sentido a sociologia do direito, apreciada como ciência
tacar um tridimensionalismo global, ao nível do conhecimento do· ,dos fatos, e a filosofia do direito, vista como ciência dos valôres (cri-
direito, em sua acepção plena, enquanto resultante e superação, a cada ticamente \abordadosn: encontram..;se, d,efinitivam,ente na forma de
etapa, das contradições, na atualização dos diferentes ideais de jus- -totalização augurada em POULANTZAS, enquanto "totalidade estru.,.
tiça, dentro do concreto histórico. Para a integração, cabe rejeítar, tural conseqüente do fato e' do valor, no mesmo nível ontológico" (94).
tanto o jusnaturalismo tradicional e fixista, quanto o relativismo em 'Tal direção geral aproxima-se da construção de FECHNER, apesar de
que vão dar, afinal, todos os formalismos. A justiça não entra na dialé- - ,desvios idealistas (95), presentes neste último.
tica do direito, como principiologia postulada pela ordem ou segu- A leitura maxista "oficial" ainda apresenta, por outro lado,
rança (formalismo positivo,de endeusamento estatal); nem como :muita fecundidade, enquanto impõe a consideração, como aspecto
crítica simplista do direito dito positivo, a título de mecânica deri-
- vação de inter.êsses econômicos (formalismo crítico infradialético,. (90) Ver SARTRE, Questão de Método, cit., p. 47.
engajado na direção utópica de um têrmo final do processo, que liqüi- - (9~) Ver LEFEBVRE, pour Conna.itr.-!3 .•. , ps. 12-13. SARTRE, Questão de Mé-
;todo, cIt.,
ps. 30-33.
(92) Ver LEFEBVRE, SARTRE, nota 90.
(87) Ibidem, p. 31lo _ . (9.~) Ver NICOS PoULANTZAS, Vers une Ontolo'Uie Juridique Aotuelle in Ar-
(88) Ver a minuciosa resenha de K. STOYNOVITCH, in Dro Philo'sophie du· .ohw fur Reohts tmd Sozialphilosophie, 1964, n. o 2, p. 193.
Droit en URSS (1917-1953), Paris, Librarie Générale de Droit et de Jurispru- , (94) NICOS POULANTZAS, Nature des Choses et Droit, Paris, Librairie Gé-
dence , 1965, ps. 2'57 e segs. llerale de Droit et de Jurisprudence, 1965, p. 171.
(89) Ob. cit., p. 259. (95) ERICH FECHNER, Reohtsphilosophie - Soziologie und Me'taphysik des
Reohts, Tübingen, J. C. B. Hohr (Paul Siebeck), 1962, pU8sim. .
relevante e até fundamental, das condições sociais com que o direito~ As oOscilações sãoO muito sugestivas e LEFEBVRE chega a assinalar
Be relacioOnoOu e que êle pretende moOdelar (CARL FRIEDRICH) (96) . uma "ambigüidade doO pensamento marxista". (103), pois MARx,/
Cumpre toOmá-Ia a sérioO - "00 que, infelizmente, nãoO sucede muitas- "ora atribui aoO EstadoO uma açãoO real. e positiva, ora vê, nele, apenas,
vêzes" (97), noO que tange a certas aboOrdagens filoOsóficas, tirantes- parasitismo" - 00 que tem óbvias ligações com 00 problema da nomo-
aoO idealismoO. PoOdemoOs, até, coOnsiderá-Ia moOdelar, se a encararmoOs gênese. De qualquer forma, essas ambigüidades hão de ser, em última
coOmoO uma crítica infraestrutural das distorções na formalizaçãoO doOs análise, bastante fecundadas, levandoO a novas pesquisas e reelabora-
chamados direitoOs poOsitivoOs. O que nãoO se pode admitir é a parali- ções. Eliminadas por certas direções do marxismo, :r:essurgem, agora,
saçãoO das investigações científicas aoO nível da informaçãoO científica para consideração, cada vez mais aprofundada, à luz dos progressos
doO século XIX quandoO trabalharam MARX e ENGELS. Diante das rei- da ciência histórica, antropológica e sociológica.
teradas ressal;as dêste últimoO (98) a "oOrtoOdoOxia" importa em exa- Mesmo .nos países socialistas, a desdoOgmatização já não se con-
g:êroO condenável e afinal os discípulos, eternamente p~eoOcupados tenta com a derivaçãoO pura e mecânica doO direito dum substrato eco-
com a letra dos se~s texto~ sagrados, justificam o suspiroO, atribuído nômico, sempre importante. Isto se verifica no trabalho de KASl-
aoO próprioO MARX, que teria dito: "eu não sou maxista" (99). Como MIRCUK, TUMANIOV e STEJNBERG, quanto à União Soviética (104). ÜJ
assinala um marxista, GODELIER, 00 impoOrtante é evitar "o corpo fe- húngaroO KALMAN KULCSÃR combate "a repetiçãoO mecânica das teses
chado de dogmas-receitas" (100). clássicas" (105). Na Iugoslávia, OLEG MANDIC acentua a função di-
HoOje, por e:}Cemplo, a antropologia poOlítica, ~ncl':1si:re_ na dir~ção nâmica doO direito, no uso da formalizaçãoO jurídica para "dispor e
marxista mais livre já refutou a tese de que as mstItUlçoes matnar- impor mudança social" (106). PIODGOREGKI, na Polônia, registra os,
cais precederam as' patriarcais (101) e alargou a discussãoO sôbre a, estudos da anomia em terreno socialista (107). Cresce a certeza de_
oOrigem doO Estado e a rígida e enganadora arrumação de etap~s de que a dialética doO conflito entre formalização e negação de normas"
desenvolvimento (comunidade primitiva, escravatura, feudalIsmo, vinculadas aos sistemas conflitantes de valôres e suas raízes infraes-
capitalismoO e socialismo), aprofundando, por exemplo, as sugestõe& truturais, é tudoO menos uma receita simplista e clássica.
dochamadoO moOdo de proOdução asiática - uma questãoO que, emboOr.a DadoO 00 acúmulo de material etnográficoO e a diversidade das,
coOntandoO coOm extensa bibliografia (102), nem aparece nas vulgan- foOrmas concretas de manifestação dos fenômenos, a antropologia polí-
zações nacionais correntes. tica, pari passu, matiza, em esquemas complexos, o sistema de rela-
ções entre as "subculturas" ligadas aos extratos ou classes sociais:
(108) e enfrenta a questãoO do coOnceito e origem doO Estado.
(96) CARL J. FRIEDRICH, Perspectiva Histórica ála, Filosofia do Direito, Rio" Em que pesem as retificações de certos pontos, pelo material
Zahar, 1965, p. 167. mais recente, as conclusões de ENGELS conservam em têrmoOs gerais~
(97) lbidem. "incontestável alcance teórico" e nelas "se inspiram certos antropó-
(98) Veja-se, por exemplo, ENGELS, quando. s.e . apoia e~ MORG~N, ressal-
A
logos, muitas vêzes de maneira nãoO confessada" (109), no dizer au-
vando que muitos daqueles dados são esboço provIsorlO, que so durara enquanto,
o admitir a documentação conhecida (ffipud MAURICE GODl!lLIER, org., Swr les So-- torizadoO e objetivoO de GEORGES BALANDIER: "00 Estado nasce da socie-
ciétés Précapitalistes Paris, Éditions Sociales, 1970, p. 99). dade; aparece quandoO esta última se embaraça numa insolúvel con-
(99) RAYMOiND' AR<ON, D'Une Sctinte Familie à l'Autre, Paris, Gallimard r tradiçãoO coOnsigo mesma e tem o encargo de amortecer o conflito,
1969, p. 306; GABEL, La Fausse Conscience, cit., p. 11. mantendoO-o nos limites da ordem; define-se como um poder, oriundo.
(100) in Les Sociétés, cit., p. 137. da soOciedade, porém que deseja colocar-se acima dela e dela se des-
(101) RALPH LIN'1'ON, The Tree of Cultttre, New York, Knopf, 1.956, p. ,?28.
GODELIER (Les Sociétés, cit., p. 110) demonstra que a transformaça? em ,u~
dogma" da Origem da Fa-rnília, da Pror;:riedade P::vada e ti? 13stado e con,~rana (103) Sociologie de Ma'f"x, Paris, Presses Universitaires de France, 1968~
ao intuito do próprio ENGELS. Isto não Impede, aha~, a a?~ISSaO de que o. ~xer­ p. 137.
cício das funções sociais está na base da supremaCIa polItIca (GODELIER, 7b1~e:n' (104) Ver in RENATO TREVES, org., L(Jj Sooio~ogia Wcl Diritto, Milano, Edi--
p. 12:3), representando, quanto aO aparecimen~o do Estado e das classes soc!,ms. zioni di Comunita, 1966 - o texto: Diritto e Ricerche Sociologiche nelI'URSS,
uma convergência de MARX com a antropologIa moderna. Mas os estudos so~re' de KASIMIRCUK, TUMAN-DV e STEJNBERG, p. 124. .
as condições de origem do Estado acham-se em plena e fecunda. reel~~o!açao, (105) Reoerche de Sociologia del Diritto in Ungheria, in TREVES, ob. cIt."
por exemplo, no que tange ao debate do chamado modo de produçao as,ratico - p. 156.
mesmo entre marxistas (GODELIER, ps. 124, 130, 133, ~34, 1~0 . e pas's1,~. -y
e~" (-106) La Sociologia del Diritto in lugosla.via, in TREVES, ob. cit., p. 181.
também, R'ÜGER GARAUDY, org., Sttr le Mode de Productwn Astat1,que, ParIS, EdI- (107) La Sociologia del Diritto in Polonia, in TREVES, ob. cit., p. 200.
tions Sociales, 1969, passim). - . (108) GElORGES BALANDIER, Antropologia Política, Difusão Européia do Livro,
(102) Ver GARAUDY, Sur le Mode ... , cit., ps. 345-347, além do livro, já São Paulo 1969, p. 87.
citado, de GODELIER. (109) , lbidem, p. 146.

46
vencilhar cada vez mais" (110). Poder estatal e direito, correta- ~ialética ~o poder político, em formalização estatal, e do próprio
mente entendidos, hão de manter em vista essa dialética originária. ~!ero SOCIal, dO?de e~sas estrutu~as provêm, procurando ganhar
Neste sentido é que o surgimento do direito legislado e sua ten- força de expansao autonoma e reorIentar os processos sociais que os
dência à apresentação com hegemonia do chamado direito positivo geraram.
-tem vínculos com o Estado, especialmente no que a estrutura dêle . ~á vári~s tipos de normas, tanto na origem, quanto na diversi-
>oferece enquanto meio de formalização normativa e mecanismo de fIcaçao espeCIal. Elas conservam a afinidade na característica geral
sanções organizadas. A passagem do terreno da mole originária de de imperatividade, enquanto tendem a apr~sentar-se como modelos
normas sociais, desde os usos, costumes, folkwwys e mores, até a obrigatórios da conduta. Aliás, é tal cunho de imperatividade que
emergência das formalizações jurídicas, tal como hoje as entende- dita 3: exclusão das chamadas . normas técnicas, dentre as norm~s
IDOS, prende-se ao avanço e às contradições do processo de cristali- proprIamente ditas (115). "Norma" técnica é a que prescreve ~
zação estatal do poder político. É claro que, na passagem ao estatal, conduta para a realização de certos fins e, embora KANT a houvesse
:subsistem ordenamentos conflitantes, modelando consciências jurídi- desig~~do co~o ,"imperativo de habilidade", não há um tipo de sanção
cas contraditórias , na própria medida em que a sociedade, dividida espeCIfIca, aphcavel no caso de seu descumprimento. Se não é seguida
em classes, o determina. Entretanto, não basta dizer isto pois a ad- a "norma" em questão, a tarefa resulta mal feita; nada mais. É ver-
missão do Estado como pura expressão da classe dominante elimina dade que, em alguns casos, a desobediênciaí à "norma" técnica acarreta
:as contradições, isto é, infradialetiza a realidade. sanções; mas, aí, vêm aplicadas, não pelo descumprimento da técnica
Gradualmente, no curso do tempo, tornaram-se mais precisas, e, sim, pelo desrespeito à norma moral ou jurídica a que ficou incor~
nas diferentes sociedades, as órbitas distintas de direito, moral e reli- porada (116).
gião, que, primitivamente, se apresentavam coligadas, numa espécie É importante dizer que, aqui, importa focalizar a moral em seu
de comunhão pro indiviso. Por outras palavras, desde o início apa- aspecto exterior, isto é, como norma social ou "sistema de impera-
reciam vários tipos de realidade objetual diferente que só a diversi- tivos, valôres e juízos axiológicos que constituem os lugares comuns
ficação posterior, no sentido dos órgãos de formalização e tutela da de uma classe, um ambiente social ou uma sociedade" (117). Tal
aplicação permitiu divisar, em suas órbitas específicas, sem prejuízo verificação, entretanto, não há de minimizar outros aspectos pois em
,das relações constantes entre elas. última análise, podemos convir em que "o problema moral 'não um é
Em tôda sociedade dada, há usos e costumes, folkwwys e mores problema simples, nem como aceitação cega de regras de conduta
tendendo à composição em escala de crescente ênfase imperativa, prefabricadas exteriormente, nem como afirmação duma liberdade
,como normas sociais (111). O uso distingue-se do costume pela bran- radical para estabelecermos nós mesmos os nossos valôres e fins"
.dura das sanções movimentadas, no caso da inobservância àqueles (118). Isto importa em afirmar, simultâneamente, o caráter social
padrões de comportamento social. Os fo~kways indicam os costumes da moral, na medida em que suas normas e relações têm origem, de-
revestidos pela fôrça da tradição, enquanto que, nos mores, a impo- senvolvimento e ender,êço sociais (119), e também a sua natureza
sição é intensificada ao máximo, pois êles são, em última análise os ~e coimplicação individual, pois "o sujeito do comportamento moral
,costumes reputados absolutamente essenciais, invioláveis e de caráter e uma pessoa singular" (120), "consciente e livre" (121) e "a cons-
sagrado (112). Através dessas normas sociais é que se delineia o perfil ciência do indivíduo é a esfera em que se operam as decisões" mo-
da moralidade, o aspecto sociológico da moral, a que está ligado o rais (122). Apenas, essa contradição é simples eco da dialética, no
:fenômeno jurídico. O direito destacou-se dos mores (113), para ga- binômio liberdade e determinação, que estudei, sobretudo na primeira
nhar o aspecto, que ora lhe conhecemos, enquanto subproduto da parte, em outro binômio correlato, que é a vinculação da teoria à
.situação urbana, como assinala RALPH LINTION (114). 1tsse
acabamento formal coincide, precisamente, com a in;auguração da
(115) GIORGrO DEL VECCHIO, Lições de Filosofia do Direito, Coimbra, A. Ama-
d o, 1 951, ps. 249-250.
(110) Ibide-rn, Ibidem. (116) Ê ° caso do art. 121, ;§ 4.0, do Código Penal Brasileiro (:1940).
(111) Ver PAUL VINOGRADOFF, Introducci6n al Derecho, México, Fondo de U . (11:7), . JEAN PAUL SARTRE, et alii, Moral, y Sociedad, Córdoba, Editorial
Cultura Económica, 1952, p. 18; JOHN F. CUBER, Sociology: a Synopsis af prin- llIversItana de Córdoba, 1967, ps. 32-33.
,ciples, New York, Appleton-Century-Crofts, 1963, ps. 90-95; DONALD PIERSON, ~ii~» ROGER GARAUDY, in SARTRE et alii, Moral y SociedadJ, cit., p. 9.
'Teoria e Pesquisa em SO(Jiologiá, São Paulo, Melhoramentos, 1955, ps. 295-303. 120) V ~QUEZ, Ética, cit., ps. 53 e segs.
( Ibtdem, p. 59.
(112) PIERSON, ob. cit., p. 323.
(113) Ibidem, p. 301. (121) Ibidem, p. 54.
(114) The Tree of Culture, cit., p. 12'3. (122) Ibidem, p. 59.

49
praxis do indivíduo (ou grupo) e sociedade (123). Em outras pala- europeu) assentam seu próprio progresso histórico-social na base da
vras, falando em sociedade ou em caráter social das atitudes morais,. exclusão ou retardamento do progresso de outros povos (127). ~
é p.reciso ter o cuidado de .não hipostasiar aquela sociedade ou fazer De qualquer sorte, num mundo hoj e tendendo ao aco:r:chê~o
do indivíduo um absoluto (124). Haverá, sempre, uma ação circular ecumênico e às comunicações rápidas, o processo de homOgenelzaçao
entre a subjetividade da consciência e a objetividade das normas. é quase fulminante e a própria dialética da exploração esgota seu
sociais. Só essa compreensão permite iluminar os vínculos entre con- ciclo na postulação dos direitos iguais de indivíduos e povos: isto
dicionamento e liberdade e a aptidão humana de autognose e auto- fica bem claro no rumo atual de reivindicações anti-imperialistas,
govêrno. A projeção dos valôres humanos, enquanto tais, não repre- pelo desenvolvimento e pela eliminação dos desníveis sócio-económicos,
senta mais do que um processo de ajustamento crítico, para incorpo- gerando até deveres morais para os p.?vo~ de~envolvidos. O pro~?ss,O
ração das sucessivas aquisições histórico-sociais em concreto, na internacional reflete o que ocorreu no ambIto mterno das naçoes OCI-
praxis conscientizada. dentais", quando a igualdade formal, que liquidou os padrões .de hie··
Assim, a atitude moral tem dupla feição: é heterónoma, en- rarquização aristocrática, pelo impulso. a.sce12dente da burguesla e do
quanto não se desenvolve naquela espécie de solipsismo kantiano - capitalismo se vai completando na sohcItaçao complementar do rea·
"das moralische Gesetz in mir" (125); a lei moral dentro de mim - ' juste de d~sníveis sócio-econômicos, A fórça dêsses princípios esta-
é autônoma, enquanto não se esgota, nem sequer se caracteriza, pel~ beleceu-se com tal firmeza que, nela, se vê a mola mestra das con-
mera aderência às normas sociais preestabelecidas. testações mais vigorosas de muitos est~blishrn.ents, J ~ ,R:OOSEVELT
As sanções correspondentes às normas morais são sociais difu- incluia entre as liberdades do homem, a hbertaçao da mlserla (128).
sas, no sentido durkheimiano, isto é, espalhadas no corpo social sem E os repertórios de direitos fundam:n~ais, .que se ,vão recolhen?~ em
órgãos definidos e procedimento específico para sua aplicação (Í26); documentos internacionais (129), dlZla-O msusp~lta~ente o fII?sofo
a sanções sociais, diversamente, são organizadas e implicam a exis- conservador JACQUES MARITAIN, devem ser enrlqueCld?s e reVIstos,
tência dêsses órgãos e procedimentos. Daí resulta a ligação entre o pois nunca 'serão "exaustivos e definitivos" (130): HOJe, por exem-
processo de estruturação estatal do poder e a autonomia relativa da plo, há um movimento geral, ~en?~ndo a" ~ara~;lr a p!1ssaHem da
órbita do jurídico. Nesta, há sanções organizadas, desde o momentÜ' igualdade jurídica abstrata de mdlvlduos , ~lvres ~ e ,naçoes s~bera­
em que se desprende da originária vinculação às outras normas so- nas", para a busca dum conteúdo real SOClO-economlCO dessa 19u~l­
ciais, procurando delinear suas próprias características - sem pre- dade formal em todos os planos. E a melhor prova dessa fOl'maçao
juízo, é claro, das .relações constantes entre as ordens normativas; valorativa e~umênica é que as próprias contradições, nas, estru~uras,
confinantes. já não podem apresentar-se ostensivamente: adotam, mcluslveo
Convém assinalar que a divisão da sociedade em classes produz; vocabulário e a principiologia do avanço que, de fato, renegam; .
necessàriamente, um pluralismo moral, diante de cujas contradições As normas morais são imperativos unila~erais, cO,mo decorrencl~,
urge tomar posição, assim como determina, também, o pluralismo aliás, do próprio caráter ~ifuso do res~ectIvo s~nclOr:amento. .N a?
jurídico já acentuado. A atitude crítica, perante os valôres morais, havendo um sistema orgamzado de sançoes, tambem nao. s~ atrIbUI,
ou jurídicos há de estar ligada à conscientização do processo e à por outro lado, a um sujeito específico a facul~ade d~ eXIgIr, o cum-
linha de progresso histórico-social da humanidade, isto é, ao alarga- primento do dever moral (131). A sanção dIfusa e :xercI~a pela
mento da quota de atualização de liberdade ontológica do homem, con- opinião pública. Já as normas jurídicas, enquant? se vao .?elmeando
forme as aquisições da praxis social. Note-se que não se trata da- autônomamente (embora correlatamente às demaIS, num. Jogo d: re-
quele progresso linear, automático do idealismo burguês e, sim, da cíproca influência e repercussões, procurando homo.~en~lza~ e, ~mte­
abertura de novas possibilidades de luta pela incorporação de pers- tizar as contradições entre os pluralismos das consc,lenclas .Jundlc:a e
pectivas inéditas conscientizadas. Muitas vêzes, nota VAZ QUEZ , deter- moral) apresentam uma característica estr~tura lmper~t:vo-atrlbu­
minados países (foi o caso, por exemplo, das nações do ocidente tiva (bilateral), pois a relação ali é estabeleCIda, entre sUJeItos - um

(127) Ética, cit., P, 43. . 1968 376


(,123 Ibidem, p. 53. (128) UNESCO, Le Droit d'Être un'Homme, TournaI, ' p. .
(124) Ibidem, Ibidem. (129) Ibidem, paBs1rm. ., ' A t de la Nouvello
(12'5) Crítica da Razão Prrotica, conclusão. (130) Sur la Philosophie des Drotts de 1H ~me, ~n . U our 64 Ver
. (12?) . ÉMILE DURKHEIM, De la Division du Travail Social, Paris, Presses Déclroration des Droits a,e l'Homm6, UNESCO, eu. SagI~taIre,. 194~5l' s '55-56
UmversItaIreS de France, 1960 passim' ROGER PIN'l10 & MADELEINE GRAWITZ, ARMAND CUVILLIER, Socialogie et problemes ,4ctu~ls, ParIS, Vrm, 1 ,p. •
Méthodes des Scienoes Sociales, 'Paris, Dalloz, 1967, p. 65. (131) Ver GAROÍA MAYNEZ, Introduccwn, cIt., ps. 1~-16.
51
50
passivo (devendo cumprir o dever jurídico); outro, ativo (a quem rIca de concretização da justiça) no próprio jôgo da praxis social e
se confere o direito correlato de exigir êsse cumprimento). Apresen- suas contradições de infraestruturas, ideologias conflitantes "subcul-
tam-se, ademais, "coativamente equipadas" (NAWIASKY) (132). turas', inerentes aos conflitos de i:r~.terêsse de esta~e~to~ ou c~a~se~.
Uma preceituação será jurídica, se fôr externamente garantida pela É preciso não esquecer que o Estado, produtor de dlre~to. I?OSItIVO ,
possibilidade de coerção para obter a conformidade, "coerção apli- pela legislação ou pela chancela de formações consuetudl~anas, ?eve
'Cada por um elenco de pessoas que se mantêm preparadas para êsse ser encarado, no seu perfil institucional, como u~ ~e~omeno mse-
fim" (MAX WEBER) (133). O direito só se aperfeiçoa, formalmente, rido no mesmo processo e, portanto, lat'L!' se::s?, J'l!'nd",-co,. enq~an!o
por meio dessa instrumentalização, que lhe define o cunho da impe- órgão de normação sujeito, na praxis SOCIal, a msplraç.ao, mfluencla
ratividade específica. (A tentativa de pegação da imperatividade do e contenção entre ~ertas variáveis de I?ossibilidade .conJuntural (que
direito abortou, após muitas polêmicas estéreis) (134). É certo que, definem a eficácia) e validade materIal (que defmem _ a quota. de
no direito internacional, ausência de rematada e definida organi- atualização de valôres substanciais atinentes à matur_açao, nu:n l~S­
:zação da coercibilidade externa parece desmentir a caracterização tante dado da consciência jurídica, enquanto supe~açao das dlreç?eS
>das sanções jurídicas, como organizadas. Mas aquêle direito se en- de pura adomodação ao interêsse classístico .domma~te~ .. Isto . 1I~­
>contra ainda numa "fase atrasada de sua formação", de sorte que a porta dizer que o direito formalizado é um projeto O? mdlcIO de JUp-
lCoercibilidade externa resulta "imperfeitame.nte determinada e regu- dicidade global, a ser medida pela eficácia de seu s::stema normatlv.o'
lada" e, como acentua DEL VECCHDO, ali há mais afinidade com a e pela legitimidade que êle apresenta, com resoluç,ao dos. e~e~tualS
órbita moral correlata, do que com o direito em sentido estrito (135). conflitos entre as três dimensões do processo atraves da ~1~letI~~ de
Aliás, essa condição rudimentar do direito internacional destaca, lu- necessidade e liberdade. POULANTZAS nota qu~ as prOP?SlçOeS , f::to
minosamente, a origem do direito mesmo, pois a indeterminação re- é valor" e "valor é fato" hão de ser; tomadas, nao no sentI?o da loglca
manescente daquele ramo corresponde à formação da urbs interna- aristotélica mas no sentido hegeliano, que certamente nao entra na
cional, lastro positivo e indispensável para que se arremate o pro- cabeça antldialética de alguns crí~icos.'. co~o KALINO~SK~ (136). .
cesso de cristalização normativa e aparelhamento sancionatório, tal É enquanto simples produto POSitIVO. de for~ahzaç~o n~rma­
como a situação urbana forneceu ao aparecimento do Estado e cons- tiva que o aparecimento do direito, e.m. se:r:tIdo autonomo, IStO e; d~­
tituição autônoma do direito as condições .necessárias de viabilidade, sentranhado das demais normas SOCIaIS, l.lga-se, de un: .lado, a Sl-.
no âmbito interno. tuação urbana (137) e ao a?v~nt~ da~ soc.leda_des estrabflCada~ com~
O direito, na sua forma primitiva, não formalizada, precedeu, plexas (138), e, de outro, a mstItuclOnahzaçao e~t::tal, pelo lllstru-
enquanto projeto e modêlo, o próprio Estado e ambos continuam li- mento de sanção organizada, cujo sistema operatono s~~ tran~fo,r:na
gados como poder estruturado e impulso de nomogênese, no mesmo numa das funções do poder político. E ê~te reverte a_o Jogo .dlaletIco
campo social onde o Estado é formado e ao qual reverte, com sua da concentração e divisão de poderes, cUJO produto sao as dIferentes
pretensão de estabelecer uma ordem, modelando as relações inter- concepções do chamado Estado, de. Direito, isto é, co:n:fu~damento a,e
subjetivas, em limites mais ou menos rigidamente definidos. A "auto- limites jurídicos regendo o proprIO poder de formahzaçao nomog,,-
nomia" do "direito positivo", como a do próprio poder estatal, também nica e jurisdição. . ' ,. .
encontra a sua medida de eficácia (valor efetivo e funcional de ope- "Direito formalizado e procedImentos JurldlCos estereotIpa~os
ração) e seu parâmetro de legitimidade (valor, não puramente ope- podem existir em sociedades não urb~~izadas, como. h~ na maIOr
racional, mas de conteúdo efetivo, em têrmos de possibilidade histó- parte das tribos africanas e na Indonesla, com seu dIreito. adat. En-
tretanto, a pequena comunidade aconchegada pode funCIOnar, com.
(132) HANS NAWIASKY, Teoria General deZ Derecho, Madrid, Rialp, 1962,
p. 31. (136) Ver GE'ORGES KALINOWSKI, La Querelle, c~~., p. 68. ....
(133) Apud MAX RHEINSTEIN, org., Max Weber on Law in Economy and (137) RALPH LrNTION, The Tr,3e,. cit., p. 122: _o subproduto slgmÍl~atIvo­
Society, Harvard University Press, 1966, p. 5. de vida urbana primitiva foi o apareCImento de pad:-oes alta~ente formalIzados.
(134) Hoje, a negação da imperatividade do direito é teima da escola ego- de direito e procedimento legal". O processo econômlco, n~~ cIda~es" <;om a sua-
lógica, argentina, de CARIIOS OOSS1:O e seus discípulos e simpatizantes (ver ENRIQUE complexa superestrutura, na organização de autoridade polItIca· e ]UrIdlCa, ~ompe·
AFTALIÓN, FERNANDO GARCiÍA OLAN'Ü e JosÉ VlLANOVA Introducción aZ Dwecho, aquela coesão dos grupos, primitivos, que dispensava a expressao ~or~alIzada:.
Buenos Aires, !.a Ley, 1964, p. 104). O próprio KELSEN, invocado pelos autores O antropólogo KLUKHOHN viu "algo de verdadeiro" naquela frase ~o mdlO velho,;.
egológicos, modificou sua posição anterior, nesse assunto (ver HANS KELSElN, Pro,.- "antigamente, não havia leis; todo o mundo fazia o que era JUs~o. e certo
blemas Escojidos de la Teoria Pura deZ Derecho, Buenos Aires, Kraft 1952, p. 47). (CLYDE KLUCKHOHN, Antropologia, México, Fondo de Cultura Economlca, 1957,.
(135) GWRGIO DEL VECCHI'Ü, Lições de Filosofia d.o Direito, Coimbra, p. 39).
A. Amado, 1959, voI. II, p. 138. (138) KLUKHOHN, Antropologia, cit., p. 40.

52 53'
vista que acaba em rendição à fatalidade dos fatos, perante os valô-
bast~?-te sucesso" s~m êsses padrões .. A cidade decididamente não res ~ define a atitude pseudo-científica. "O empirismo absoluto", disse /
pode ~ (~39~. ~st~ VI~tO q~e e,.ssa ~escrIçãosó há de ser explicada em ENGELS "até onde alcança proibe-se de pensar, e não só termina pen-
,referenCIa a mstItuclOnalIzaçao, mcipiente ou florescente com for- sando e~rôneamente, mas demonstra incapacidade de perquirir os pró-
mações burocráticas correlativas, do poder estatal assenta'do no con- prios fatos e descrevê-los, de maneira adequada, transformando-se,
trôle dos confli~os de estamentos e classes e tendendo à hegemonia assim, no oposto do verdad~i:o empirismo" (14~). A teoria pura acaba
da ~amada dommante, mas nem por isso desligado dos conflitos reais nas nuvens; o hiperemplrIsmo derro,t~ a SI I?e.smo e se trans-
sub~acentes, que co:r;ttrastam modelos jurídicos, como outros tantos
forma, subrepticiamente, em apologetIca relatiVIsta de qua!quer
p:oJeto~ "subcultu.ra:s" de atualização da justiça social. Daí, aliás, a
<l3stablishment. Note-se que as chamadas teorias puras (~omo dIrIam
bIpolarIdade do dIreIto, com a tração simultânea da ordem e da li- os alemães, wertblind, isto é, cegas ao valor) .têm ,0 .destmo mar~ad?,
b.erdade, cuj a síntese define a posição conservadora, quando repousa, 110 reencontro relativístico dos seus produt?s IdeologIcos e do proprlO
Ílrme~ente, na ordem estatal, ou contestante, quando levanta outras
bandeIras d~~ remo.de~a9ão. O i~portante é assinalar que ambos per- hiperempirismo, sociologicamente formalístIco.. . _
Creio que o aspecto mais importante das mVeS~Ig~çoes ~o c~n­
tencem ao Jogo dIaletIco da genese do direito na sua inteireza A
eeito de Direito é, hoj e, precisamente o que se refe::e a dImensao a~lO­
~bliteração de. qualquer dos polos resulta, num caso, em cego for~a­ lógica _ mas isto não significa que as outras nao tenham recebId.o
lIsmo,. subserVIente ao establishment constituído, e, noutro caso à
anomIa, no sentido da oposição à sociedade dita global sem co~di­ contribuições importantes. O essencial é i;ntegrá-Ias, :r:orque a conSI-
ções de viabilidade para substituição de seu sistema de' normas, pe- deração isolada de cada uma pode condUZIr a anomalIas graves. As-
los ~a.. formação "s~ubcultural". Mas o desafio anômico é igualmente sim, por exemplo, a exclusiva preocupação formal c~nd~z~ geralmente,
ambIguo. Quando ele representa um anacronismo regressivo (em a exercícios eruditos repousando sôbre falsa base ÍllosoÍlca, tal ~on:o
função da maturidade da consciência jurídica do homem de forma o ensaio de CAPELLA (141), cortando o fio integra:r;te, em deferen~Ia
geral) sua eficácia e, até, por assim dizer, sua mudança d~ sinal pas- à "pureza de método" (142). Já vimos em que. d~ ~al preo~uI?a~~o,
sando a empolgar o contrôle da sociedade dita global) pode ser defi- que "volta as costas" (143) para a "dimensão hIstorlCa do dIr.eIto e
nida como antijuridicidade material e até crime contra a humanidade a "análise de conteúdo". Ela manterá um "positivismo" báSICO, ge-
(foi o caso do direito nazista, por exemplo). Por outro lado quando rando obstáculos à Aufhebung, devido à "pureza", infensa a "hetero-
a contestação anômica, (isto é, o desafio ao sistema da sociedade glo- integrações" . . , .
b.al por fôrças positivas, do progresso), se insere no processo obje- Não menos nocivo é o endeusamento da efIcacIa, que troca o for-
tIvo de desenvolvimento das instituições sociais e no sentido de maior malismo normativo pelo formalismo sociológico. Êste pode ser .exem-
quota de concretização de justiça, no instante dado ganhará viabi- plificado com os ecos da ressurreição durkheimiana ortodoxa cUJas r~­
lidade, amadurecida nessa luta, e a mudança de si~al representará percussões criminológicas foram registradas por S~A~~IO (~~4). AqUI.
um progresso efetivo do sistema jurídico (foi o caso dos nossos abo- se põe a ênfase no parâmetro da "reação da coletIvIdade , obs~u:e­
licionistas; primeiros "criminosos" comuns, pelo favorecimento de eendo, com a figura da chamada sociedade global, as contradIçoes
escravos em fuga; depois, heróis consagrados, diante do triunfo de classísticas nela presentes. .
sua causa, incorporada à órbita jurídico-positiva). Em ambos os ca- Está evidente, porém, que o preocupação com o val?r, deshg~da
sos, a avaliação de qualquer mudança, pela ruptura ou pela redisposi- dos fatos concretos da vida social, também pode c~ndu~Ir a deSVIOS,
ção reformista, do quadro jurídico-formal, há de ficar em tela, num de cunho "metafísico" inteiramente alienados. ASSIm e que ~aseem
esfôrço de pesquisa da legitimidade dos projetos de prevalência dos aquêles fundamentos '~jusnaturalísticos" do direito de proprIedade,
valôres conflitantes. criticados, até por um sociólogo conservador como PERPINA RoDRI-
Não existe anomia pura, isto é, o reverso de um desafio a qual- WÊZ (145)
quer norma ou conjunto de normas é feito em conformidade a outro
(140) Apud TREVES, La, Sociologia" cit., p. 1 2 7 . . .
padrão normativo reputado superior. O problema será indagar se efe- (141) JUAN RAMON CAPElLLA, El Derecho como Lengua;Je>, Barcelona, Arlel,
tivamente o é, o que nos reconduz à questão do devir humano, em cada 1968, pa.8sim.
posição, no tempo e no espaço, e da síntese possível da necessidade e (142) Ibidem, p. 25.
da liberdade. Isto, por outro lado, engaja o jurista numa pesquisa de (143) Ibidem, Ibidern. . l" P . A d Colin
(144) Ver DENIS SZABO, Déviancf!! et Crimtna, tte, arls, rman •
amplos contornos filosóficos para evitar aquêle empirismo relati-
197\i45~1. La, Propriedad: Crítica, deZ Dominocentrismo, Madrid, Instituto Balmes
(139) LINTON, The Tree, cit., p. 123.
de Sociologia, 1959, ps. 76 e passirn.

55
54
Um tridensionalismo jurídico integral e integrante há que supe- po.sitivação normativa; co?quanto.· ainda :h~sita~tes ou sõm.ente implí-
rar, não só as limitações de perspectivismos isolacionistas e antinômi- cito.s. Êsses projetos inspIram-se na prax1,s so.clal e o.rl?!amzam-se el!l
cos, mas, inclusive, os vestígios, que o chamado tridimensionalismo~ mo.vimento.s ilegítimos (entrando. no. fluxo' de anacro.mmo.s regr.essl. . /
dito específico, mantém, dum formalismo redutível às concepções "po- vo.s) o.u legítimo.s (quando. buscam o alarga~entQ da. quo.ta de hber-.
sitivistas" . dade e justiça co.nscientizadas, p~r.ante o.S slste:t;las amda atuantes e,
em exasperado. e agressivo. dechmo.). A a~o.m.la :epr~senta o. pre-
núncio. de mudança iminente, na estrutu~a ;n.stItuclOnal:za~a, quando.,
CONCLUSÃO esta entra em décalage Co.m a corrente hlstonca. As pro.prlas co.n~:a-.
dições dum sistema, to.rnando.-se mais agudas, desp~rtam a Co.nSClen-
Reconhecido o insucesso das explicações puramente biológicas ou cia crítica, ho.je arrimada no. impulso, ca?a. vez maiS fo.rte ~a co.mu-·
psicológicas, tanto quanto do neo-sociologismo da aberração (deviant nicação, que estabelece um co.ntato. ecumemco.. ~esse pla;no. e que se
behaviour) , a crimino.lo.gia, mais recentemente, vo.lto.u a apelar para forma o. desenho. imantado. da no.va mo.ral e do. no.vo. dIreIto..
a ética. Mas esta ,salvo direções ultrapassadas, impo.rta no. reco.nheci- Filo.sofia e so.cio.logia, jurídica e mo.ral, encontram:se, nos polos.
mento. da liberdade real do ho.mem com admissão. simultânea das de- dialético.s de fato e valo.r, do.nde bro.tará a ~entelha de sl~tese~ da ne-
terminantes, a que está sujeito.. Apro.priando.-se do.s índices de seu cessidade e da liberdade, co.ligadas à. p~a~1,s. qo.m elas, llumm~-se 0.,
próprio. enquadramento no.s pro.cesso.s naturais e so.ciais é que o. ho.- processo subjacente às co.njunturas hlsto.ncas tn ?oncreto, e alI. tam-
mem dialético. po.de escapar ao. mecanismo. e ao. relativismo., reo.ri- bém se o.pera a clarificação. dos esquemas valoratIvo.s e do.s meIOS ~e:
entar, criticamente, a própria co.nduta. A superestrutura no.rmativa. inserção. de indivíduo.s e grupo.s, no. pro.cesso., para um engaJam~nto. lu-
co.m que se defronta, mergulha raízes na estratificação. da so.ciedade. cido. e racio.nal. . t'·
chamada glo.bal, e no conflito. de po.sições e interêsses dentro. dessa es- Êsse deslinde da dialética imanente, captada na prax1,s e eo.nca:
trutura. As no.rmas jurídicas e morais têm a mesma o.rigem so.cial, e se mente reo.rganizada, não. to.lera mais o. fixism~ ~e valôres" saca.9- o.s :;.
diversificam nos pro.cessos de formalização. e aplicação. - as primei- instância transcendente dalguma caverna plat?m~a: Tambem. n:;o.. da
ras, heterônomas, externamente co.ercíveis, mediante sanções o.rgani-' ensejo. para a subsistência do.s fo.rmalis:no.s Jurldlco.s e so.clOlo.glco.S.
zadas, e bilateralmente atributivas; as segundas, relativamente autô- das teo.rias puras o.U de médio. alcance (m1,ddle range t~eory). No. Bra-
nomas difusamente sancio.nadas e unilaterais. Ambos o.S tipo.s de no.r- sil o. favo.recimento. pesso.al de escravo.s em fuga mcreveu, a seu
mas geram, em seus âmbito.s co.municantes, uma: pluralidade de o.rdena- te:u.po., o.s abo.licio.nistas, no. ro.l do.s "crimino.so.s" "co.muns: N a ,~lema­
mentos, que disputam a hegemonia. Há, sempre, mais de um mo.dêlo nha nazista, o. geno.cídio. pro.spero.u, dentro. da n?rmah~a~e ,d~ma
em vias de po.sitivação. Daí o.S conflito.s de "cultura" e "subculturas". experiência "jurídica", influenciando. até as teo.rla~ cnm~no.lo.glcas,
entre si e até mesmo. internamente. É preciso. avaliar o.S parâmetro.s das "causas" raciais e da po.lítica criminal de "eugema" so.clal. ,
concorrentes do sein sollen, o.nto.logicamente vinculado. ao. próprio O itinerário. da crimino.lo.gia crítica, atualmente em fo.c~, devera
sein. Cientificamente, a bússo.la meto.do.lógica exige a dialetização, para co.nsumar-se, a meu ver, em crimino.lo.g~a dialética. Nesta, evItl:mdo.-s,e.
superar o jôgo das micro.visões e o. cancelamento. recípro.co. do.s resul-' tanto. a alienação., quanto. o. co.mpro.metIm~nto. cego. numa praX1,,8 acn-
tado.s, nas fo.rmações multi disciplinares. Po.r êsse caminho, é, então.,. tica, po.derá ser visto. o. que o.co.rre, não. so., ~o. pal~o.,. m~s tambem ,no.s.,
po.ssível enfrentar o. feixe tríplice de aspectos, indisso.luvelmente co.li- bastido.res da filo.so.fia, da ciência e da po.lItICa crlmmals.
gado.s e referentes: a) à fo.rmalização (em que se determina a o.ri-'
gem e constituição. do. elenco. de no.rmas po.sitivadas); b) à eficácia
(em que se mede o. poder efetivo. de atuação. daquelas no.rmas em re-
tôrno imperativo., para buscar o co.ntrôle do.s pro.cessos so.ciais, do.nde
emergem); c) à legitimidade (em que se analisem, crítico.-valorati-'
vamente, os co.nteúdo.s positivados, para a coo.ptação de indivíduo.s e
grupos, segundo. o.S rumos histórico.s duma consciência jurídica e mo-
ral "desideolo.gizada"). A noção. de "subcultura" é: a) fo.rmalista
(pela hierarquização. acrítica do.s elementos, co.nforme o. arranjo do-
minante); b) meramente co.nservado.ra (pela admissão de uma espé-
cie de ho.meo.stase, no. próprio sistema). Po.r o.utro lado., a ano.mia~
lo.nge de representar, socio.logicamente, a simples rejeição. nihilista de
tôda e qualquer no.rma, denuncia a po.larização. de. no.vo.s pro.jetos de,

56
ASPECTOS DA TEORIA DO TIPO
HELENO CLÁUDIO FRAGOSO

Sumário: 1. Tipos básicos e derivados; 2. Elementos do


tipo; 3. Sujeito ativo; 4. Sujeito passivo; 5. Meios e mo-
dos de execução; 6. Ouvras circunstancias do fato; 7. Ele-
mentos descritivos e normativos.

Não pretendemos elaborar completa teoria do tipo, mas, tão sO-


mente destacar alguns aspectos importantes da matéria, relacionados
.com a sua estrutura. Faremos igualmente aqui o exame de certas ques-
tões relativas à parte especial, que por sua generalidade, interessam
a numerosas figuras de delito.

Tipos básicos e derivados


1. Encontramos na parte especial tipos básicos ou fundamen-
tais de conduta punível junto a formas derivadas dos mesmos. Como
diz MEZGER. os tipos básicos constituem a espinha dorsal do sistema
na parte especial do código.
As derivações são formuladas tendo-se em vista que apresentam,
em relação ao tipo básico, diverso merecimento de pena, pela ocor-
rência de circunstâncias que agravam ou atenuam, particularmente,
a antijuridicidade do fato ou a culpabilidade do agente, na perspectiva
de determinada figura de delito.
Em alguns casos, limita-se o legislador a introduzir, no mesmo
dispositivo de lei, hipóteses agravadas ou atenuadas dos tipos básicos,
formando, assim, crimes qualificados ou privilegiados.
Em outros casos, no entanto, formula o legislador, partindo do
tipo básico uma nova e autónoma figura de delito, que é, no plano
jurídico, independente e que constitúi um deUctum sui generis. É o
caso do crime de infanticídio (art. 123).
Nos casos de crimes qualificados ou privilegiados, não surge a
formação de nóvo tipo. Estamos diante de elementos acidentais que

59
alt:ra;m o tipo funda~ental, agravando ou atenuando, de forma carac- -etc), não oferecem dificuldades. à exegese. A atenuação em tal caso,
terIshca, a pena commada. A configuração de tais hipóteses pressupõe .ora é facultativa (art. 121 § 1.0), ora é obrigatória (art. 293 § 4. 0).
sempre a aplicação do tipo básico ou fundamental. ,Aqui também, no entanto, há casos em que a atenuação é prevista em ~
A Já o !ll~.smo não ocorre em. relação a? delictum sui generis, pois, ·quantum determinado ou variável, confundindo-se com as causas de
este constItUI, para todos os efeItos, um tIpo autônomo de crime ex- diminuição de pena. Julgamos preferível renunciar a qualquer ten-
c~uindo a aplic~ção do ti~o básico. Os crimes qualificados e privilegi~dos, tativa de distinguir, em tais hipóteses; o crime privilegiado, das causas
sao, ,c?m referenca. ao tIpo fundaIrl:ental, crimes da mesma espécie, o. especiais de diminuição. De lege ferenda entendemos que os crimes
que e Importante fIxar, para, os efeItos do crime continuado. O mesmo, ,qualificados e privilegiados devem ter pena autônoma. Isso evitará
não ocorre com os tipos derivados que configuram crimes da mesma, -dúvidas nos casos de concurso de delitos privilegiados e qualificados
natureza, podendo dar lugar à reincidência específica. ,com causas especiais de diminuição ou aumento de pena (2).
A técnica adotada na parte especial de nosso código nem sempre, As causas de aumento ou diminuição estão também previstas na
torna fácil a exata identificação das hipóteses de crimes qualificados. :parte geral (exs.: arts. 22 § único; 43 § único; 48 § único, etc.). Se
Em alguns casos encontramos cominadas às hipóteses qualificadas pe- ,concorrerem causas de aumento e de diminuição previstas na parte
nas-autónomas (exs.: art. 121 § 2.°; 129,§§ 1.°,2.° e 3.'0; 133 §§ 1.;)0 ,especial, pode o juiz limitar7'se a umi só aumento ou a uma só diminui-
e 2.°; 134 §§ 1.° e 2. 0, etc.) .Todavia, em outros aparece previsto um ção, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua
aumento à pena do tipo básico, em quantum determinado. Ex. art. 127 (art. 50 § único Cód. Penal). As causas de aumento ou dimintlição
(abôrto com resultado morte e lesões corporais graves); 258 (lesão não se confundem com as circunstâncias agravantes ou atenuantes le-
corporal e morte nos crimes de perigo comum), etc. (1). Esta última gais (arts. 44, 45 e 48 do Cód. Penal) e o concurso de que aqui se
forma de qualificação aproxima-se das causas de aumento de pena cogita refere-se apenas à concorrência de causas de aumento ou dimi-
previstas em numerosas disposições da parte especial que em se~ nuição previstas na parte especial para determinado crime. Exemplo
efeito, confundem-se com as formas qualificadas. ' , de concurso dessa natureza teríamos no roubo praticado com emprêgo
As causas especiais de aumento ou diminuição caracterizam-se d~ arma, por duas ou mais pessoas (art. 157 § 2.°, incisos I e II Cód.
I?o:: pre~suporem a fixaç~o prévia da pena-base aplicável (art. 50 § Penal). As circunstâncias legais ( agravantes ou atenuantes, previstas
umco Cod. Penal). FunCIOnam como circunstâncias legais, agravan- na parte geral) não se aplicam, quando entram na definição do delito,
te3' ou atenuantes, co~ efeito sóbre determinadas figuras de delito. transformando-se em elementos do tipo. Nesse caso, deixam de ser
Sao geralmente preVIstas com 'aumento em quantum determinado tecnicamente circunstâncias, ou sej a, accidentalia delicti. Igualmente
mas, por vêzes estabelecem também aumento entre limites variáveis: não se aplicam quando qualificam o crime ou o tornam privile-
Exemplo do primeiro caso temos nos arts. 12.9 § 4.° (um têrço) e 226 giado (3).
(um sexto). Exemplo do segundo, temos no art. 157 § 2.° (aumento São muito diversas em sua natureza as circunstâncias que o le-
de um têrço até metade). gislador considera para tornar o crime qualificado ou privilêgiado.
AComo vimos, as situações de qualificação que não prevêm penas 'Qualifica-se o crime pela superveniência de resultado mais grave (art.
autonomas, estabelecendo aumento em quantum determinado dificil- 157 § 3. 0); pelo emprêgo de determinados meios (art. 155 § 4. 0 n.
mente se distinguem das causas especiais de aumento, naque{es casos lU) ou modos de execução (art. 121 § 2.0 n. IV) ; pelos motivos de-
em que a própria! rubrica não esclarece tratar-se de forma qualificada terminantes ou pelo fim de agir (art. 121 § 2. 0 n. I, II e V) ; pela
~s efeitos, no entanto, de uma e outra dessas formas de agravaçã(; condicão de vítima (art. 148 § 1. 0 n. I) ; pela extensão do dano (art.
s~o os mesmos. Têm a mesma natureza as circunstâncias que quali- 148 §·1.°,n. III) ; pela pluralidade de agentes (art. 155 § 4. 0 n. O IV) ;
fIcam e as que constituem causas especiais de aumento. Estas últimas 'pelo abuso de função:. por parte do agente (art. 150 § 2.0) ou pelas es-
são sempre obrigatórias. peciais circunstâncias de tempo e lugar (art. 150 § 1.0), etc.
Os crimes privilegiados que aparecem com a cominaçãoautônoma Observa-se, hoj e, a clara tendência a limitar a previsão de agra-
de pena menos grave (ex.: arts. 220; 242 § único, 281 § 2.°; 289 § 2.°, vantes e atenuantes na parte especial, notadamenta quando apresentam

(1) Os critérios adotados pelo legislador para escolher entre uma e outra' (2) Para uma proposta de lege ferenda sôbre o assunto, ci. MAURAC:S;, Die
das formas de qualificação são inteiramente arbitrários, como se pode ver com. Behandlung der unselbstiindig.sn tatbestandlichen Abweichungen und der etgens-
parando °art. 342, § 1.0, com ° art. 343, parágrafo único. O fundamento da 'tiindigen Verbrechen "de lege ferenda", in Materialien zur Strafrf.Jchtsreform, I.
°
agrava,ção é. mesmo (prática do crime com o fim de obter prova destinada á Band, Bonn, 1954, ps. 249 e segs. .
produzIr efeIto em processo penal). Num caso a pena para o crime qualificado (3) O art. 44, Cód. Penal consigna expressamente: "São circunstâncIaS
é autônoma. No outro .consigna-se apenas que a pena deve ser duplicada. .que sempre agravam a pena, qu:w.do não constituem ou qualif'icam o crime ..• "

60 61
caráter obrigatório. O Direito Penal moderno evolúi, evidentemente, princIpIO geral nulla poena sine culpa, que domina o Direito Penal
no sentido da ampliação do poder discricionário do juiz na aplicação. de nosso tempo.
das sanções penais. As numerosas hipóteses de crimes agravados e N os crimes qualificados pelo resultado, por- êste não responde ô/
qualificados constituem limitação a tal poder, conduzindo à aplicação agente se não os houver causado culposamente. Na maioria das hipó-
de penas inadequadas. Em nosso direito, por exemplo, quase todos os' teses do art. 129 parágrafos 1. 0 e 2.° e no art. 157 § 3. 0 o resultado
homicídios e furtos são qualificados. mais grave pode ser, igualmente, doloso. A exclusão da responsabili-
O IX Congresso Internacional de Direito Penal, reunido na Haia, dade objetiva em tais casos não é pacífica. Entre nós, autores impor-
em agôsto de 1965, recomendou que as circunstâncias agravantes se- tantes entendem que há, _no caso, responsabilidade sem culpa (7). É,
jam reservadas para a parte gerar (4). certo que nossa lei autoriza êsse entendimento, que prevalecia na Ale-
As circunstâncias, como se sabe, podem ser subjetivas (ou de cara-- manha, antes da alteração introduzida em 1953, no § 56 do Código'
ter pessoal) e reais (ou objetivas). As circunstâncias subjetivas são· Penal, embora ali sempre houvesse aquêle "círculo pequeno e seleto""
as que se referem aos motivos determinantes, à qualidade ou condi- a que aludia MAYER, repudiando a Erfolgshaftung. O código italiano,
ção pessoal do agente, às suas relações com a vítima ou com os demais, que admite expressamente a responsabilidade sem culpa, não serve'
partícipes ou co-autores. São circunstâncias objetivas as que se refe- de paradigma.
rem aos meios e modos de execução, à condição ou qualidade da viti- É hoje universal o repúdio à responsabilidade objetiva, que) os pro-
ma, ao tempo, lugar e ocasião do crime, bem como à natureza do, jetos modernos proscreveram. Nossa lei pode e deve ser interpretad:a:.
objeto da ação (5). nesse sentido, pois estabelece como princípio geral a responsabilidade
Essa distinção entre circunstâncias subjetivas e objetivas é fun-· a título de dolo, afirmando a excepcionalidade da punição a título d'e
damental em nosso direito, pois somente estas últimas se transmi- culpa. A lei penal deve ser interpretada de acôrdo com os valôres da
tem aos co-autores e partícipes. Quando as circunstâncias de cará-· época presente.
ter pessoal passam a constituir elementos do tipo, comunicam-se aos.
co-autores, segundo dispõe o art. 26 Cód. Penal. No crime de pecula- Admitir-Sei hoje,diante de nossa lei, responsabilidade objetiva nos,
to, por exemplo, a condição de funcionário público deixa de ser cir- crimes qualificados pelo resultado constitúi posição reacionária insus--
tentável. Como aceitar o entendimento de que possa o juiz impor a
cunstância, para tornar-se elemento constitutivo do crime. Em con--
seqüência, o exfJrameus que participa do delito praticará também pena de dois a cinco anos de reclusão a quem cause lesão corporal de
peculato, porque a condição pessoal elementar se comunica. que resulta abôrto, sem saber e sem ter razões para saber que a mulher
Não há, em relação às circunstâncias, responsabilidade objetiva .. estava grávida?
É necessário que o age.nte tenha consciência de que ocorrem e von- A culpa é exigência fundamental e elementar do delito, consti-
tade de sua realização, tal seja o caso (6). É êste um dos aspectos do' tuindo, como dizia MAX ERNST MAYER, um produto da cultura. No
sentido de torná-la pressuposto indispensável da pena evolúi o Direi-
(4) As conclusões dêsse congresso, em cujo ternário estavam as circunstân--
to Penal, e é missão do jurista interpretá-lo, dentro da possível capa-
cias agravantes, estão publicadas na Rev. Bras. Crim. Dir. Penal, n. o 7, ps. 123, cidade de expansão da norma, para que se ajuste àquela exigência.
e segs. O congresso recomendou que as circunstâncias agravantes previstas na Com respeito aos crimes qualificados pelo resultado, em nosso sistema
legislação penal sejam sempre facultativas e não obrigatórias. de direito, isso se faz com extrema simplicidade e correção técnica,
(5) Cf. HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, Circunstâncias .agravantes, Rev. Bras. como bem demonstrou NELSON HUNGRIA.
Crim. Dir. penal n. o 6, ps. 109 e segs. HUNGRIA (Comentários, voI. I, p. 573) ,_
dando à expressão circunstância sentido amplo admite a existência da circuns-- A regra a estabelecer é, pois, a de que deve haver, em relação à
tâncias mistas que seriam aquelas que, "embora pessoais, se refletem sôbre a. circunstância agravante ou à condição de maior punibilidade, pelo'
objetividade do crime". Seriam exemplos, a desistênci~ voluntária e o arrepen- menos culpa stricto sensu. Se, por exemplo, o crime de estelionato
dimento eficaz. Data venia, parece-nos impróprio aphcar a tais causas de ex-- for praticado em detrimento de entidade de direito público, somente
tinção da punibilidade o conceito de circunstância, não o justificando a impre-
cisão técnica da própria lei. Não há circunstâncias mistaS'. De acôrdo, com
razões diversas: JosÉ FREDERIOO MARQUES, Tratado, IV, p. 30.
(6) Conclusão nesse sentido foi aprovada por unanimidade no IX Congresso> (7) OOSTA E SILVA, Comentários a,o Código Penal, 1967, p. 98; BASILEU'
Internacional de Direito Pernal (cf. Rev. Bras. Crim. Dir. Penal n.o 7, p. 124). GARCIA Instituições de D'ireito Penal, voI. I, p. 270; ESTHER FIGUEIREDO. FERRAZ,
No direito italiano prevalece entendimento diverso, por fôrça de disposição ex- Os dez/tos qualificados pelo resultado no regime do Código de 19.1;0, 1948, p .. 131;
pressa de lei (art. 59, Cód. Penal), à qual se opõe) a doutrina moderna. Cf. o' ANIBAL BRUNO Direito Penal voI. II, p. 460 (veja-se, porém, as reservas que llltro-
relatório de NUVOIJONE, no volume L,es circontances aggravante,s en dlroit pénak duz no voI. IV: ps. 89 e 200).' Com a boa doutrina: HUNGRIA, ComerntárWs, V'oI. I,
italien, Editions Cujas, 1964, p. 15. HUNGRIA (Comentrorios, voI. I, p. 573) sus- p. 309; JosÉ FREDERICO MARQUES, Tratado, voI. II, p. 377; MAGALHÃES NORONHA,.
tenta que as circunstâncias se aplicam "sejam ou não conhecidas". Dir. Pen., voI. I, p. 168.

62 63'
.'se aplica a agravação prevista no art. 171 § 3.° CM; Penal, se o agen- Pode configurar-se a tentat~va nos CnUlel:S 4.UC:Ul.u~i:!.UU"', ue"...e 'i"""
te conhecia essa circunstância ou se, pelo menos, devesse conhecê-la. não se trate de crimes qualificados pelo resultado, salvo as hipóteses
Dm caso à parte constitúi, em nosso direito, a hipótese do arti- já assinaladas (arts. 129 §§ 1. 0 e 2.° e 157§ 3.°), em que o evento
ogo 48 § único Cód. Penal, segundo a qual, se o agente quís participar mais grave pode ser doloso.
,de crime menos grave, a pena é diminuida de um têrço até metade, As circunstâncias subj etivas operam independentemente do gráu
não podendo, porém, ser inferior ao mínimo da cominada ao crime alcançado pelo delito a que se referem (12). Assim sendo, configura-se
"cometido. Êsse antiquado dispositivo de nosso código contrasta com tentativa de homicídio qualificado quando o agente, por motivo fútil,
a regra que hoje domina a responsabilidade em caso de participação inicia a execução do crime e o resultado não sobrevem. As circunstân-
,e co-autoria. Essa regra estabelece que cada partícipe ou co-autor deve cias objetivas permitem, por igual, a tentativa de crime qualificado,
.ser punido segundo sua própria culpabilidade e independentemente da podendo certos meios e modos constituir mesmo início de execução do
,culpabilidade dos demais (8). É evidente que no art. 48 § único esta- crime a que se referem. É o caso, por exemplo, do arrombamento ou
:mos diante d~ um caso excepcional de responsabilidade sem culpa. da escalada, no furto. Cumpre notar que a desistência relativamente
O dispositivo que examinamos, no entanto, não será aplicável se ao meio que qualifica exclúi a tentativa do crime qualificado, quando
oa maior gravidade resultar de uma circunstância de caráter pessoal. o agente prossiga na execução por outros meios. Dá-se aqui, como
.Assim se alguém participar de um crime de homicídio executado por observa V ANNINI, aplicação analógica da regra geral sôbre a desis-
,quem ~isava a assegurar a vantagem de outro. crime'A nãoo responderá tência voluntária.
,por homicídio qualificado, se ignorava essa CIrcunstancIa. Prevalece
,em tal caso a incomunicabilidade da circunstância de caráter pessoal.
Pode ocorrer o concurso entre circunstâncias que agravam e cir- Elementos do tipo
<cunstâncias que atenuam; entre situações que tornam o crime privi- 2. Apresenta o tipo a conduta delituosa constituindo, como diz
legiado e situações que o tornam qualificado. É o caso, !.l0r exemplo, WELZEL, a matéria da proibição. O comportamento punível expressa-se
do homicídio praticado por motivo de relevante valor socIal ou moral por um verbo que constitúi, como se tem afirmado, o seu núcleo. A
mediante asfixia. O fato apresenta ao mesmo tempo circunstâncias ilicitude penal, no entanto, raramente aparece com uma simples ação,
que atenuam e circunstâncias que qualificam.. _ , como no caso do homicídio, que se define "matar alguém" (art. 121
Não se pode cogitar do concurso a que aludImos, em relaçao as Cód. Penal). Geralmente surgem no tipo referências ao sujeito ativo,
circunstâncias de caráter subjetivo, como seria o caso, no homicídio, à vítima, à modalidade da ação ou ao meio, tempo, lugar, etc. Isso sig-
do crime praticado por motivo fútil, mediante paga ou promessa de nifica que a ofensa ao interêsse penalmente tutelado se apresenta ou
recompensa, etc. O concurso só é possível com causas objetivas de agra- é condicionada pelo concurso de tais elementos, que são constitutivos da
vação, que dizem com os meios e modos de execução ou com a quali- infração.
dade do objeto. Como é óbvio, a ação delituosa exige sempre a exata realização
MEZGER entende que em tais situações deve averiguar-se, em cada de todos os elementos da conduta típica.
caso qual o fundamento mais importante, no sentido da lei, pois é Estudaremos a seguir, em suas características gerais, os elemen-
êste' que deve prevalecer. Em caso de dúvida, deve aplicar-se a causa tos mais importantes na estrutura do tipo.
.de atenuação (9). MAURACH no entanto afirma que, quando as conse-
qüências jurídicas da qualificação e do privilégio se contrapõem, deve
Sujeito ativo
.prevalecer a hipótese :priVilegiada (10). Essa d~ve serA a . solução e:n
nosso direito, que consIdera preponderantes as cIrcunstancIas de cara- 3. Em regra, não se refere a lei ao sujeito ativo do crime. Podem
ter pessoal (art. 49 Cód. Penal) (11). os fatos puníveis, em geral, ser realizados por qualquer pessoa. Há
casos, no entanto, em que a autoria está limitada a determinadas
(8) Para crítica ao art. 48, parágrafo único, e seu correspoud~nte_no ante- pessoas que apresentam certas qualidades, jurídicas ou de fato, ou que
.projeto HUNGRIA, cf. HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, A Reforma da, Leg~slaçao Penal, se acham em situação especial.
in Rev. Brws. Crim. Dir. Penal, n.o 2, ps. 71 e segs. O art. 33, § 3.°, do ante-
.projeto foi alterado pela comissão revisora. Cf. art. 35 § 1.0 nôvo Código Penal.
(9) Leipzig.sr Kommentar edição de 1957, voI. I, p. 44. . Instituições, p. 513; OLAVO OLIVEIRA, O Deli!0 de matar, p.1,?5. Contra: E. CUSTÓ-
(10) MAURACH, ob. cito (nota 2), p. 255 ,e Lehlrbuoh, p. 205. Chama a isso DIO DA SILVEIRA, Dir. Pen., p. 72; MAGALHAES NORONHA, DiIr. Pen., vol. II, p. 33.
•de efeito de bloqueio do tipo atenuado (Sperrwir.kung des milderen Tatbestwndes). A jurisprudência é vacilante, como deixaremos consignado em cada caso. Ci.
Ci., para mesma solução, HELLMUTH MAYER, Strafrecht, 1953, p. 96. sôbre o assunto, ·igualmente JIMÉNEZ DE ASÚA, Tra.tado, vol. II, p. 506.
(11) De acôrdo: ANIBAL BRUNO, 'Dir. P.sn., IV, p. 126; BASILEU GARCIA, (12) V ANNINI, Il problema giuridico del tentativo, Milão, 1952, p. 155.

64 65
Os crimes que podem ser praticados por qualquer pessoa, cha- Quando, para caracterizar' o crime próprio, a lei penal se refere
mam-se comuns (delicta commwnia) Os que só por determinadas pes- à qualidade jurídica do agente, acolhe,em regra, o coneeito que da
soas podem ser cometidos chamam-se especiais ou próprios (delicta mesma prevalece em outros ramos do direito. Isso não exclúi que a
própria) (13). Nêstes últimos, a qualidade ou condição pessoal do própria lei penal estabeleça, em certos casos, para os efeitos do direi-
agente constitúi fundamento da ilicitude ou fator de particular repro- to punitivo, conceituação especial, como, por exemplo a de funcioná-
vabilidade da ação, pela transgressão de especiais deveres, funcionando rio público (art. 327 Cód. Penal).
como agravante da punibilidade (14). A qualidade do agente exigida pela lei deve ser presente no mo-
Alguns autores afirmam que a norma penal nos crimes próprios mento da ação e o agente deve ter consciência da mesma. O êrro a
se dirige apenas às pessoas que reúnem as condições exigidas para a respeito é essencial (17).
autoria (15). Tais crimes admitem, no entanto, a participação do extra- A lei penal atribúi relevância à qualidade ou condição pessoal!
neus e é evidente que a norma penal a êstes não poderia aplicar-se, do agente em casos diversos. Nos crimes próprios identificamos efi--
se não fôssem por igual válidos destinatários da mesma. cácia constitutiva. Aqui a configuração do tipo depende da qualifi-
As qualidades e situações relativas ao agente, nos crimes pró- cação do agente, o que se verifica quando a prática do fato por pessoa
prios, podem ser de fato ou jurídicas. As qualidades ou situações de diversa seria penalmente indiferente ou daria lugar a outro crime.
fato podem ser naturais ou sociais. Exemplo das primeiras temos no A qualificação do agente tem eficária impeditivá, quando exclúí
sexo (o crime de auto-abôrto só pode ser praticado por mulher; a punibilidade, constituindo causa pessoal de exclusão de pena. Assim,
o de sedução, por homem) e na condição de enfêrmo (arts. 130 e 131 a relação de parentesco nos crimes patrimoniais não violentos (arti-
Código Penal). Situações sociais relativas ao agente, temos nas rela- go 181 Cód. Penal) e no favorecimento pessoal (art. 348 Cód. Penal).
ções de auto'ridade (art. 133 Cód. Penal), ofício ou profissão (art. 154 A ·eficácia é mOdificativa, quando inflúi na pena, aumentando-a ou
Código Penal). etc. diminuindo-a (exs.: arts. 226, 227, § 1.0, 228 § 1.°, etc.).
CARNELUTTI apresenta ampla enumeração das qualidades e situa- Crimes próprios são todos aquêles em que se apresentam como
ções jurídicas relativas ao agente nos cr~m~s próprios, mostr~ndo. que elementos constitutivos qualidades, estados, condições e situações do
podem provir de diversos ramos do dIreito, como o constI~uclOnal sujeito ativo, de forma explícita ou implícita. Entram, pois, nesta
(cidadão)' o processual (juiz, procurador, testemunha, pento); o categoria aquêles casos em que se exigem determinadas relações do
administr~tivo (oficial ou agente de polícia, funcionário do serviço agente com o sujeito passivo, com o objeto material, o instrumento
postal, pessoa que exerce profissão ~anitária)A; ? privado. ~c~njug~, ou o lugar, ou, ainda, um comportamento precedente do sujeito ativo
tutor, curador, proprietário, co-herdeIro, condommo, deposItarlO, s.o- (18). Exemplos dessa última categoria temos no recebimento da moé-
cio etc) (16). dá de bôa fé, no crime previsto no art. 289 § 2. 0 Cód. Penal. Da pri-
meira, na omissão de socorro (art. 135 Cód. Penal), que só pode
(13) A bibliografia sôbre o tema não é muito ampla: NAGLER, Di.e Teil- ser praticada por quem tenha encontrado criança abandonada ou.
nah1ne rom Sonderverbreehen, 1903; ALLEGRA, S1dla riZevanzl'1· giuridica della posi-
zione deZ soggetto a;ttivo deZ 'reato, Riv. it., 1936, ps. 511 e segs. e 255 e segs.; extraviada ou pessoa inválida ou ferida, etc.
Idem Azione del rea.to proprio e tipologia. di azione e di autore, Se. Pos., 1950~ São próprios os crimes comissivos por omissão (19), pois só>
ps. 389 e segs.; BETTlOL, Sul reato próprio, 1939; MAJANI, Ossetr1;uzVont S'U.lleb podem ser praticados por quem se ache na posição de garantidor
situaziani giurid,iea deZ soggetto agente neZla struttura del rea.to proprw, Ballettina da não superveniência do resultado, pela ocorrênci'a de um dever jurí-
·dell'lstituto di dir. e proe. penale, Pavia 1960-1961, ps. 129 e segs.; Idem, ln tema. dico que deriva da lei, do contrato ou de anterior atividade causadora
di rea·to proprio, 1964. Cf., ainda, CARNELUTTI, T.goria General del Delito, trad.,
1952, ps. 97 e segs. e GRISPIGNI, D'tr. Ptm. It.! voI. II} p~. 211 e seg~•. do perigo. Tais crimes só podem ser praticados por quem se ache em
(14) A doutrina alemã distingue no cnme propno duas espeCles. Quando determinada relação com o bem jurídico tutelado.
a qualidade ou condição pessoal do agente é fundamento da punição, o crime As circunstâncias de caráter pessoal não se transmitem aos cOr
próprio diz-se genuíno. Exemplos em nosso direito: arts. 267, 317, 319, 355 etc. autores e participes, salvo quando deixam de ser circunstâncias e se,
Não genuínos são os crimes próprios em que a condição pessoal do sujeito ativo
apenas torna o fato mais grave. Êstes últimos, como diz MAX ERNST MAYER transformam em elementos constitutivos do delito. Admite-se, pO'lr'-
(Der Allgemeiner Teil des Deutsch..gn SMrofro.chts, 1915, p. 95), não constituem tanto, a participação e a co-autoria de um extraneus nos crimes' pr<Íi,..
transgressão de dever jurídico geral. Exemplos dessa última categoria temos
nOs crimes funcionais impróprios: arts. 312, 322, etc.
(15)BETTroL, Sul reato proprio, p. 12; Diritto Penale, 1966, p. 81; GRIs.- situação do agente nos crimes próprios no capítulo da le,giti'!nal,;ão para' cr delitO'.
PIGNI, ob. cit.,p. 212. Veja-se a confutáção de VON HIPPEL, Deutsches 8tra;freckt, empregando a inaceitável terminologia de seu conhecido sistema.
1930, voI. II, p. 482, e MAJANI, Osservazioni, cit., p. 138. (17) Contra: MANZINI, Tratado, vol. I, p. 512.
(16) CARNELUTTl, Teoria general del Delito, p. 100. CARNELUTTl estuda a (18) GRISPIGNI, Dir. Peno it., vol. II, p. 215.
(19) WELZEL, Strafrecht, ps. 58 e 184.

66 6/t
prios. Subsiste, por outro lado, o crime próprio, quando o intraneus
se_ serve. de pessoa .não qualificad~ para a prática da ação típica. A participação do agente lia ação do co-autor é indiferente e nãO'
Nao deIxa de confIgurar-se o cnme de concussão (art. 316 Cód. implica em pluralidade de crime. Na bigamia, por. exemplo, se amba..c;
as pessoas são casadas, praticarão um só crime (23). -----/
Penal), por exemplo, quando o funcionário se utiliza de um ex-
traneus para formular a exigêrncia da vantagem indevida ou o crime O concurso necessário dos demais agentes deve estar abrangido
d~ corr.upção passiva (art. 317 Cód. Penal), quando o' funcionário pelo dolo de quem pratica crime plurissubjetivo. Isso significa que,
nao solIcIta ou recebe, pessoalmente, a vantagem, mas o faz através do ponto de vista subjetivo, tais crimes exigem a consciência da par-
de outr~ pessoa, que pode ser um extraneus ou outro funcionário. ticipação alheia.
Como dIZ MEZGER, entende-se que ;neste caso foi proibida e sancio- Consuma-se o crime plurissubjetivo quando se realiza a condu-
n~da com pen~ não determinada conduta pessoal, mas sim a produ- ta típica de todos os agentes necessários, ainda que essa conduta se
çao de determmado resultado por pessoa qualificada (20). desenrole em tempo e lugar diversos. Não há possibilidade de que o
São crimes de mão própria aquêles que não admitem autoria me- crime seja consumado para alguns e tentado apenas, para outros. O
diata, ou seja, os crimes em que o sujeito ativo deve necessàriamente crime plurissubjetivo constitúi um todo unitário.
realizar a ação típica, não podendo utilizar para isso interposta pessoa. Com relação à desistência voluntária e ao arrependimento eficaz,
~estes casos, o desvalor da conduta delituosa e a ofensa ao bem jurí- prevalecem as regras do concurso eventual. A extinção da punibili-
dICO tutelado dependem da realização pessoal da conduta típica. Ê o dade limita-se ao agente que desiste ou se arrepende, sendo os demais
-caso, por exemplo, do adultério, do falso testemunho, da deserção puníveis por tentativa (24). No caso de desistência, se subsiste o
'e~c. ~21). Os crimes de mão própria admitem, no entanto, a parti~ número mínimo indispensável de agentes, podem êstes ser punidos.
<CIpaçao. tal seja o caso, por crime consumado.
Chamam-se plurissubjetivos ou coletivos aquêles crimes que ne- Em alguns casos, o concurso de agentes eventual constitui forma
cessàriamente exigem para configurar-se o concurso de duas ou mais qualificada ou agravada de certos delitos. Dois são os critérios ado-
pessoas. São também chamados crimes de concurso necessário (22). tados pelo legislador neste ponto. Ora se exige a presença de todos:
Os crimes dessa espécie podem ser· de conduta unilateral ou de conduta os que concorrem para o crime em atos de execução, como no caso
bilateral. São de conduta unilateral quando a ação de todos os auto- do constrangimento ilegal (art. 146 § 1.0 Cód. Penal), ora não se
res converge para um único fim, como no crime de bando ou quadri- exige, bastando qualquer forma de participação no delito. Esta últiIll:a
lha (art. 288 Cód. Penal). São de conduta bilateral, também chama- é a modalidade mais comum, e vamos encontrá-la no furto (art. 155
dos de encontro, quando os agentes se apresentam em oposição uns § 4.0 n. O IV), no roubo (art. 157 § 2. 0 n. II), no esbulho possessório
aos outros, ou em recíproca agressão, como na rixa (art. 137 Códi- (art. 161 § 1.0 n. O II) e nos crimes contra a liberdade sexual (arti-
go Penal). go 226 n. O 1). No primeiro caso, o fundamento da agravante reside
Os crimes plurissubjetivos admitem a participação. Pode alguém, no efeito que advem da presença dos qu~ praticam o crime no momen-
por exemplo, participar do crime de rixa, auxiliando de forma secun- to da execução. No segundo caso atende-se à maior eficiência e peri-
dária os que se empenham em luta. Ê claro que a participação pres- go da criminalidade associada, que não depende da presença de todos
supõe a presença do número necessário de agentes para integrar a os partícipes na execução do crime (25).
estrutura do crime plurissubjetivo.
Sujeito passivo
(20) MEZGER, Tratado, voI. II, p. 287. Veja-se também, MEYER-ALLFELD, 4. À semelhança do que ocorre em relação ao sujeito ativo, há
Lehrbueh, p. 215 nota 6, e os autores ali citados. Em sentido contrário à solução numerosas figuras de delito que se referem· expressamente à pessoa
.1proposta no texto, MAJANI,OSserv,azioni, cit., p. 144. que deve ser atingida pela ação criminosa.
(21) Sôbre os crimes de mão própria veja-se especialmente BINDING Die
,drei GrundJformen l1es verbrerischen subie~ts: der Tiiter, der Ver'Wl's:Wh.er
(Urheber) , der Gehife, in Strafrechtliche und Stra;fprozessunde Abhwndlungen
::t.915, voI. I, ps. 265 e segs. ' (23) GRISPIGNI, Dir. Peno it., II, p. 263.
(22) Esta categoria de delitos foi objeto de estudo notável na obra de (24) HUNGRIA, Comentários, voI. I, p. 572 (n. o 120), entende que o arre-
tGRISPIGNI, Diritto Penale Italiano, voI. II, ps. 220 e segs. Num sentido amplo pendimento e a desistência se comunicam aos partícipes e co-autores. No sentido
-GRlSPIGNI admite a existência de crime plurissubjetivo sempre que () fato pu~ do texto: ANIBAL BRUNQ, II, p. 624.
mível exija necessàriamente a conduta 'de duas ou mais pessoas. Admite também (25) Sôbre a configuração da agravant61 do concurso de agentes eventual,
tum crime pluri~s~bje~iv? de ~orma anômal.a ou pseudo-plurissubjetivo, no qual cf. HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, Concurso de agentes na quaUficaçã,o dQ furto, R&1J.
lPode lla:v.e.r partlclpaçao Impumvel, constitutIva do e'Vlflnto. For., voI. 173 (1957).

69
Sujeito passivo do. crime é o titular do bem jurídico tutelado com elementos constitúi tarefa delicada e exigirá que se tenha em conta
a incriminação de determinado fato. O sujeito passivo não se con- a objetividade jurídica d~ ~elito e as circunstânci~s ~e f~to, .r.el.acio-/
funde com Ó objeto material dOi crime, que é a coisa ou pessoa sôbre a nadas com a idade da vItima, capazes de conferIr a açao IlIcItude
qual recái a ação delituosa. Em alguns casos, porém, o objeto mate- penal ou maior gravidade (quando a menoridade funciona como causa
rial e o suj eito passivo se confundem, como no homicídio. de aumento de pena).
N 08 crimes contra o corpo social ou a sociedade ( exs.: crimes A condição pessoal da vítima apresenta-se com grande variedade.
<contra a saúde pública, a fé pública, etc.), há ofensa a interêsse que Em relação ao sexo, observamos que há crimes que só podem ser pra-
pertence a todos os cidadãos, considerados uti singuli, motivo pelo ticados contra mulher, como O abôrto (arts. 125 e 126); o estupro
qual é sujeito passivonecessàriamente a coletividade ou o corpo so- (art. 213); a posse sexual mediante fraude _(art. 215); o atentado
cial, e não o Estado como pessoa jurídica. ao pudor mediante fraude (art. 21~) ; a seduçao (art. 217! e o rapto
A pessoa atingida pela ação delituosa é mencionada em grande (arts. 219 e 220). Na sedução eXIge-se que a mulher seJa menor e
variedade de tipos de delito, seja como sujeito passivo, seja como virgem. No atentado ao pudor mediante fraude e no rap~o v~ole!lto
obj eto material do crime. ou mediante fraude, que seja honesta, elemento de determmaçao Im-
A qualificação da vítima tem também eficácia modificativa, nas precisa, em termos conceituais. ,. .
situações em que agrava a punibilidade particularmente (26). A condição de saúde, física e mental, e consIderada na confIgu-
A idade da vítima é elemento constitutivo de diversos delitos, no ração de alguns delitos. Na omissão de socorro, ~rt. 135 (a pessoa
aspecto da menoridade, funcionando também como causa de aumento inválida ou ferida ao desamparo); no abuso de mcapaz.es, art. 173
de pena. O adolescente, a criança e o recém-nascido constituem objeto (pessoa alienada ou débil mental); no abandono materIal, al't. 244
de especial tutela jurídica, os primeiros particularmente no que se (ascendente inválido ou valetudinário, descendente ou _ascen~ente
refere aos crimes contra os costumes. gravemente enfêrmo) ; no induzimento à fuga e .na subt~açao. de mca,-
Há casos em que o legislador menciona, na descrição da con- pazes, arts. 248 e 249 (pessoa inte~dita). O crIm~ de mduzImento a
duta típica, exp;ressamente, a idade da vítima, seja fixando-lhe um especulação (art. 174 Cód. Penal) so pO,de s~r praticado contra pessoa
limite máximo (ex.: menor de 18 anos, arts. 224, 245, 247, 248, 249) ; inexperiente, simples ou mentaltmente unfertor.
seja estabelecendo também um limite mínimo (ex.: menor de 14 a A qualificação do sujeito passivo pode consistir em ?e.termi~a­
18 anos, arts. 217, 218; menor de 14 a 21 anos, art. 220). A fixação da qualidade jurídica ou de fato, como ocorre ~om o sUJeito atIvo
do limite mínimo relaciona-se com a presunção de violência em razão nos crimes próprios. Alguns tipos referem-se a f~lho (arts. 243, 244,
da menoridade, aplicável sõmente aos crimes contra os costumes (arti- 246 Cód. Pen.) e a ascendente ou descendente ~Art. 244). A rela-
gos 224 letra a e 232). ção de parentesco, no entanto, é geralmente conSIderada como agra M

Quando os limites de menoridade funcionam como causa de au- vante de certos delitos, notadamente contra os costu~es (arts. 148
mento, os critérios são os mesmos: menor de 18 anos (arts. 159 n.O I, 226, 227 § 1.°, 228 § 1.0, 230 § V>, 231 § 1. ). .
§ 1.0, 281 § 4.°) ; menor de 14 a 18 anos (arts. 215 parágrafo único, Em todos os casos em que o tipo exige determinada qualIdade
216 parágrafo único, 227 § 1.0, 228 § 1.0, 230 § 1°, 231 § 1.0). ou condição pessoal da vítima, deve ela estar coberta pe!? d.olo, sendo
Em certos casos a menoridade deve concorrer com outra quali- elemento essencial. Deve o agente, portanto, ter conSCIenCIa de. qu~
ficação pessoal da vítima. Exs.: mulher virgem (art. 217); filho a vítima possúi a qualidade exigida por lei. O êrro a ~al respeIto. e
(arts. 244 e 245) ; menor sujeito a poder, guarda ou vigilância (arti- essencial e pode dar lugar à configuração de outro t!PO de. delIto
go 247). (se a qualidade do sujeito passivo for mero elemento d1,ferenc1,al) ou
N em sempre, porém, os limites de idade estão fixados no tipo.
Nos arts. 134 e 242, refere-se a lei a recém-nascido. No art. 135, a à exclusão de crime.
criança. No art. 246, a filho em idade escolar. Nos arts. 122 § II e
173, simplesmente a menor. Os limites são, em tais casos, incertos, Meios e modos de execução
tratando-se de elementos normativos do tipo. A determinação dêsses
5. Considera a lei, em diversas figuras de del~to,. determinados
meios e modos de execução, como elementos constitutivos ou como
(26) Não nos referimos às agravantes genéricas do art. 44, II, letras f, circunstâncias qualificativas e causas de aumento de pena.
u e l, mas aos casos em que a qualidade ou condição pessoal da vítima qualifica Meio é o instrumento de que se serve o agente p~ra práti~a Ada
o crime ou constitui causa de aumento de pena. Não há causas de dimilnuição
ou privilégio relacionadas com a pessoa da vítima. ação criminosa, sendo constitui do sempre por· uma COIsa. A vlOlen-

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cia, â ameaça e a fraude, não são meios, mas modos· de execução OU As legislações antigas referiam-se a armas ofensivas e defen-
formas da conduta (27). sivas (30), bem como a arma insidiosas (31). Hoje prevalece na. ./
. . A lei destaca determinados m.eios para configurar hipóteses qua- doutrina a distinção entra armas próprias e impróprias, que é, aliás,
lIfIcadas ou agravadas de determmados delitos (28). Não encontra- antiga, já estando prevista nos Códigos toscano, de 1853, e sardo,
mos, em regra, o meio como elemento integrante do tipo. A incri- de 1859.
minação faz-se, nos crimes materiais, atendendo-se a certos resul- A expressão arma perante nossa lei compreende todos os instru-
tados de dano ao bem jurídico que a lei tutela, qualquer que tenha mentos normalmente destinados ao ataque ou à defesa (arma pró-
sido o meio utilizado pelo agente para alcançá-los. pria), bem como quaisquer outros instrumentos que, conquanto des-
O emprêgo de meios perigosos (substância inflamável ou explo- tinados a outros fins, podem ser eficientemente empregados no ata-
siva) qualifica os crimes de homicídio (art. 121 § 2.° III) e de que ou na defesa (arma imprópria).
~a!l0 (art. 163 parágrafo único, n.O II). O homicídio é também qua- São armas próprias, por exemplo, as de fogo, como revólveres~
lifIcado quando o agente o pratica mediante veneno asfixia tortura metralhadoras, pistolas, espingardas; e as armas brancas, como.
ou outro meio insidioso ou cruel. " punhais, sabres, estiletes, estoques, espadas. Aqui também se incluem
Diversos delitos são qualificados ou agravados quando o agente os explosivos como bombas e granadas, morteiros, etc. São armas im-
os pratica servindo-se de arma. próprias, por exemplo, as espingardas de caça, as ~acas, facões, nava-
.. O crime de constrangimento ilegal tem condição de maior puni- lhas, canivetes, não se excluindo qualquer outro mstrumento pesado-
bIlIdade quando para a execução do mesmo há emprêgo de armas ou utensílio que possa servir ao ataque, como bastões, barras de
(art. 146 § 1.°). A invasão de domicílio é qualificada se for praticada ferro e, inclusive, pedras (32).
com o emprêgo de arma (Art. 150 § 1.0). A pena do roubo será au- Constituem arma também os gases mortíferos e lacrimejantes.
mentada se a violência ou ameaça forem exercidas com emprêgo de (33).
arma (art. 157 § 2.° n.O I), o que ocorre também com a extorsão Como vimos, nosso código se refere a arma como elemento que-
(art. 158 § 1.°). Em todos êsses casos, a qualificação ou o aumento agrava ou qualifica determinados delitos, atendendo a que constitui
de :pena ~xigem o emprêgo da arma, o que significa que a arma é meio perigoso, ou seja, ao perigo que representa o. emprêgo de arma.
aqUI consIderada como elemento instrumental em ato. Não basta que É necessário em conseqüência, que se trate efetIvamente de arma,
o agente ~enha a arma consigo. É necessário que a empregue. não bastand~ que o agente se sirva da arma simulada (como seria
O crIme de fuga de pessoa prêsa ou submetida a medida de um revolver de brinquedo) (34). Por outro lado, o agente deve ter
segurança detentiva, será qualificado se fôr praticado a mão arma- consciência de que emprega verdadeiramente uma arma.
da (aI't. 351 § 1.° Cód. Penal), o que igualmente significa o emprê-
go atual ~a arma,. como forma tácita ou expressa de intimidação.
(30) Ordenações Filipinas, Livro V, art. 80,. §!§ 12 ~ 13 (espingardas, a:ca-
O crIme preVIsto no art. 288 Cód. Penal qualifica-se "se o bando buzes e béstas). O Código Penal de 1830 refena-se amda a armas ofens~,,!a8
ou quadrilha é armado". :msse dispositivo é equívoco e oferece difi- (art. 297), o mesmo ocorrendo com o Código de 1890 (art. 377). Sôbre a antIga
culdades exegéticas que a seu tempo examinaremos. Assinalamos no distinção entre armas ocultas e aparentes, cf. CARRAM, Progrwm.a, § 2.7.97.
ent~nto que a;qui a arma funciona como agravante atendendo-s~ ao (31) Código Zanardelli, art. 470. Além de armas brancas per~gosas. (pu~hais.
estiletes) incluíam~se nesSe conceito as armas de fogo de calIbre mferwr a
per~go potencw,Z que representa o seu uso. Para a qualificação bas- 161 mm.; as bombas e máquinas infernais, bem como as armas brancas ou de
tara a po~se ,de ar~a ou armas. Nesse caso, ou seja, no caso em que fogo encerradas em bastões e tubos.
a. a;r:r,na nao e consIderada como meio, não bastará a posse acidental e (32) A conceituação ampla de arma remonta ao direito romano, e vamos
dIfIcIlmente s~ poderá admitir que bastem as armas impróprias. encontrá-la em várias passagens do Digesto. Em substância, arma é tudo ° que
Ao contrarIo do que ocorre com outras legislações, nosso Código pode causar dano. Cf. D. 43, 16, 3 i§ 2.°; D. 48, 6,9; D. 48, 6, 11 § 1.0 e D. 50,
16, 41. Êste último fragmento refere-se expressamente às pedras (lapid.gs).
Penal não oferece definição de arma (29). Veja-se também, por significativa, a passagem de CAI{), no D. 47, 2, 54, § 2.°
(omne quod nocendi causa habetwr). CHAVEAU~HÉLIE Théorie, II, p. 174, wment!
admitem que as pedras sejam consideradas armas, Se chegaram a ser lançadas
(27) GRISPIGNI, Dir. Pen., II p. 283. Em algumas passagens a lei emprega pelo agente: aLe jet de ceI! pi.erres révele se'1l.!.l l'intention de l'agent; c'est un
a palavra meio ~o~ impropriedade' (ex.: art. 130, Cód. Penal). acta qui leur imprime la qttalité d'armes". Era, aliás, a lição de FARINÁC'IO
(28) ConstItUI .agrava~t~ genérica a prática do crime "com emprêgo de (Quaest. 108, n. O 88): Armorum appellatione veniunt 1apUks et fust8s, PQst per~
veneno, fogo, explOSIVO, asfIxIa tortura ou outro meio insidioso ou cruel ou de cussianem cum ipsis factum, non autem. ante.
que podia resultar perigo comuin" (art.· 44, II, letra e). ' (33) O Código italiano menciona-o cxpressamente (art. 585 in fine): «S1J'YW
(29) Cf. CÓ?igos francês (art. 102); italiano (art. 585); tchecoslovaco, assimi1ate aUe armi 1e mat!!rie esplodenti e i gasasfissianti o accecanti".
de 1970 (>§ 1); hungaro, de 1961 ('Sec. 115). . (34) SCHÜNKE-SCHRÔDER, Kommentar, p. 1.052; SOLER, Der. Pen., IV, p. 247.

73
Não constitúi arma uma velha garrucha enferrujada, nem o sentam intenso desvalor social· e que condicionam ou agravam em
revolver a que faltam peças essenciais, tornando-o imprestável na muitos casos a ofensa ao bem jurídico tutel~do. _ _ .
ocasião (Rev. For., 98/705) .Arma é o instrumento em condições Tendo em vista a amplitude com que taiS elementos sao consIde-
de ser utilizado ou o que pode a qualquer instante, ser pôsto em rados pela lei, convém examiná-los n~ma p~rs~ectiva geral. .
condições de ser usado para o ataque ou a defesa. O revólver descarre- Entende-se por violência, em sentido propno, o desenvolvImento
gado, se o agente não trazia a munição, ou o revólver carregado com de fôrça física para vencer resi~tência~ r~al ou suposta (37~. Obser-
cartuchos de pólvora sêca, não constituem arma no sentido que esta- vamos, no entanto, que êsse sentido proprIO ven: send? ~.nlT?hado pela
mos examinando (35). Isso não exclúi, como é óbvio, que tais ins- doutrina e pela jurisprudência, sej a ~ar~ supnr_ defIcI~ncIas de na-
trumentos (e inclusive a falsa arma) possam ser empregados com tureza legislativa (como ocorreu .!lo .dIreIt? alemao), seJa~ p~ra aten-
eficiência para ameaçar e intimidar der a certas exigências da conSClenCla socIal,. com a tende.ncla a d:s-
Quando a arma é efetivamente empregada como meio para a locar o acento, em relação à violência, do mew para o e~e1,to, da açao.
violência, não surgem dificuldades para a agravação ou qualificação, Desta forma amplia-se o conceito, para compreender nao somente a
pelo emprêgo de armas impróprias. Se se trata, porém, de ameaça, fôrça física, como também o. c~nstrangimen~o ~do .querer, tornando-se
ou seja, se tais armas não foram efetivamente empregadas para a em alguns casos incertos os lImItes entre ~ vI?le~CI~ e .a ameaça (38).
violência pessoal, é necessário, como ensina SOLER, que o juiz at>re- É antiga a distinção que, com !espeIto . a vIOlenc~a, .se f~z entre
cie se, de fato, pela forma como foram mostradas, representavam· ou vis phys'ica e vis compulsiva (ou vtS mora!ts). A. primeIra e a. pro-
não um argumento de violência física imediata (36). duzida com meios físicos representando força ;dIret~rr:en~e aphcad:=t
Em numerosas figuras de delito surge a violência como ele- sôbre a vítima (vis corpori illata). A se!?unda e.a ~IOlencla .prod1;lzI-
mento constitutivo. Em alguns crimes está ela implícita, como no ho- da pela ameaça, constituindo constrangImento mdlreto ( vtS antmo
micídio, nas lesões corporais, na rixa, no dano, no arrebatamento illatta). Essa distinção não se confunde co:n a que se estabele~e entre
de prêso, etc. Em outros, há referência expressa à violência, como vis absoluta e vis relativa, a qual se relaCIOna co~ 2: sup~e.ssao com-
moda'idade da ação delituosa. É o caso do constrangimento ilegal pleta ou relativa da vontade. A vis physica tem sido Identificada ~om
(art. 146) ; do roubo (art. 157); da extorsão (art. 158); do esbulho a vis absoluta, mas não é difícil demonstrar que nen: s~mpre. a força
possessório (art. 162, n. II); do atentado à liberdade de trabalho física se dirige à supressão da vontade, podendo serVir mcluSlVe para
(art. 197); do atentado contra a liberdade de contrato de trabalho determiná-la (39). .... - .
e boicotagem violenta (art. 198); do atentado contra a liberdade de Tais classificações são próprias no dIrel~o prIvado e nao se aJu,.s-
associação (art. 199); da paralização de trabalho seguida de violên- tam às exigências do Direito Penal, que nao e~pr~ega: a expressao
cia ou perturbação da ordem (art. 200); da frustração de direito violência para designar também a ameaça 01;1 a vIOle~c:a ~oral. Por
assegurado por lei trabalhista (art. 203); da frustração de lei sôbre outro lado, a vis physica não esgota o conteudo da vlOJencIa para os
nacionalização do trabalho (art. 204); do estupro (art. 213); do efeitos penais (40). . t'
atentado violento ao pudor (art. 214) ; do rapto violento (art. 219) ; A violência, em nossa lei penal, aparece preVIsta .alterna lVa·
da violência arbitrária (art. 322) ; da resistência (art. 329) ; da coa- mente com a grave ameaça (41) ou com a ameaça, SImplesmente
ção no curso do processo (art. 344); da evasão mediante violência
à pessoa (art. 352) e da violência em arrematação judicial (art. 358). (37) Sôbre .o tema devem ser c.onsultados:, PEOORARO~ALB~NI, Il, co:ncetto di
A vioLência é também prevista como qualificação ou como causa , I nel D °r~tto Penale 1962" PISAPIA V?,olenza, Mtnroccta e tng,anno nel
vwe'nza t • " ' I ) D't P 'na,l
D' -tt pena,le 1940' OOMENT Essai sur la notwn de vW ence en, rm e ,
o •

especial de aumento de pena de numerosos delitos (arts. 150 § 1.0;


155 § 4.° n. I; 163, n. I; 208 parágrafo único; 209 parágrafo único; S;~~.o Zeit., 1952, ps.' 372 e se~s,;, ~NODEL, D~~ l!,;grif;', der lr?:a,!.~~~:::!r~~t~
1962' NEPPI MOOONA, SuL/a p<istzwne deUa, mOl,enzjcc e, e
227 § 2.° 228 § 2.°; 230 § 2.° e 231 § 2.°). strut'ura delle fattispecig criminos e , 1964. 997
A violência, a ameaça e a fraude estão presentes em numerosas (38) Ci. MAURACH, Lehrbtwh, p. 100; ,SC~ÕNKE-S~HRÕDER, Kommentar, p. '
passagens da parte especial. Trata-se de formas de conduta que apre- (39) PEOORARO-ALBANI, Il concetto dt vwl,enza, .cIt.? p. 14. . . "La,
(40) C.ontra: PECORARO-ALBAN~, Il c?nC6'tto, d~ ,?~olfJnza" c t., p. 29.,~
l e-
violenza '[Yd.à de{inirsi la estrinseca,z~one dt fJnergta hswa, trwnsmoda,nteI ~ p1'93
(35) SCUÔNKE-SCHRÔDER, K.ommentar, p. 1.052'. N.o sentid.o de que não se giudizio fisico di una p.ersona, .o cosa". Rem.onta a BINDING, Lehrbuch, ,p: ;ii~
Pllll
c.onfigura sequer a c.ontravenção d.o art. 19, LCP, se ° revólver estiver descar- e HAL " "'CHNER Das g,omeine d&nt&che St:rafrecht, v.oI. 2, 1884, p. 121,. a °d
., , , - . - l' °t
h.oje inteiramente a?and.onad~ na ~.outrina ~l~ma, que lml a .o c
.oncelt.o e VlO-
.
regado e .o agente não tr.ouxer consig.o a munição, d. Rev. For., 166/359; 198/291.
Em sentid.o contrário, d. JosÉ DUARTE, Comentúrios à Lei da$ Contravenções lência a.o c.onstranglment.o duet.o s.obre a VItIma.
(41) Cód. Penal, arts. 146, 157, 158, 161 n.o II, 163 n. ,
° I 197 ' 198, 199, 213 ,
Penais, 1958, v.oI. II, p. ,29.
(36) SOLER, Der. Pern., IV, p. 247. 214, 230, 344 e 358.

75
(42). Em outros casos, a violência é indicada como alternativa da torista a parar o veículo; deixar de parar o automóvel :para forçar
fraude (43), não faltando as situações em que é prevista isolada- que nêle permaneça quem pretenda descer; barrar o cammho a uma /
mente (44). :pessoa impedindo-lhe que passe; subtrair as roupas de uma pess~a
Alguns autores entendem que, quando a lei penal se refere exclu- -que s; banha (50). Não consU~úi violência,. mas sim ~meaça, .a açao
sivamente à violência, ou a contrapõe à fraude, nela se inclúi também ,de disparar tiros de pólvora seca como melO de coaçao, 0':l dIsparar
a ameaça, salvo se é evidente o propósito do legislador de restringir tiros para o ar, para que o condutor de u~ veículo o estac!one (51).
a violência ao seu sentido próprio (45). Devemos admitir que há Há violência, no entanto, quando o motorIsta se lança sobre o pe-
fundamento lógico nessa opinião, que não podemos, no entanto, aco- destre, para forçá-lo a afast~r-se (52~. _ . A • A

lher. Nossa lei prevê, em numerosos casos, a violência, a grave amea- Há controvérsia quanto a caracterIzaçao de vIOlencIa no emprego
ça e a fraude, no mesmo dispositivo de lei (46). Daí se conclúi que de narcóticos ou inebriantes, e na sugestão hipnótica. Predomina o
quando a palavra violência é empregada só ou em alternatividade entendimento de que em tais situações há violência, salvo quando
com a fraude, exclúi a ameaça, pois a diversidade de critérios seria. .ocorre o consentimento da vítima (53).
no caso, inadmissível (47). A nosso ver, a violência requer supressão externa da capa<:idad,e
A violência é, em primeiro lugar, a fôrça física que se exerce .de agir, mecânica, como diz PEOORAR!O-ALB~N.I, ou ':lma ~gressao fI-
para subjugar resistência. Pode ter por objeto pessoa ou coisa. A sica. A subministração não violenta de narcotIcos e mebrIantes apre-
violência à pessoa ou contra a pessoa haverá quando o agente empre- .senta-se como emprêgo de um meio que é fraudulento ou astucIOsO,
ga energia física sôbre o corpo de alguém (vis corpori afflicta) , mas não representa agressão física nem coação ~essoal externa (5~).
sendo indiferente que se sirva da própria energia ou de outros agen- A subministração do narcótico ou do estupefacIent~ po~e ~e:: feIta
tes (fogo, eletricidade, gases lacrimogêneos, animal amestrado, etc.). .através de violência, ameaça ou fraude. A s~g~~tao hIpnotIca de-
A violência a pessoa pode também configurar-se através da vio- pende, como sabe, do consentimento e não constItUI de forma ~lguma
lência à coisa, quando esta se reflete diretamente sôbre a pessoa, violência. Isso não exclui que seja, juntamente com o ~mprego de
operando como coação pessoal (violência indireta). Nêste caso, a vio- narcóticos e inebriantes, meio idôneo :para .0 constr~ngImento ,p~s­
lência à coisa deve ser fisicamente sensível para a vítima, sôbre a :soaI. Nossa lei alude ao emprego de taIS meIOS na clau~ula gell:erIca
A

qual deve produzir um efeito físico e não psíquico (48). É o caso de ("ou por qualquer outro meio") prevista no constrangImento Ileg!ll
quem retira ao aleijado ou ao cego o seu meio de locomoção. Outros (art.146) e no roubo (art. 157), não lhe sendo estranha a presunçao
exemplos: encerrar a vítima no compartimento onde se encontra de violência prevista no art. 224 letra c (55).
(49) ; disparar tiros sôbre os pneus do automóvel, para forçar o mo- O Código Penal argentino, no art. 78, esclarece 9-ue ª.ued;t. com-
preendido en el concepto de violencia., _el uso de mer}'Ws htPn:ott~os. o
narcóticos. Como ensina SOLER, admItIr tal conclusao por VIa JUrIS-
(42) Cód. Penal, art. 329.
(43) Cód. Penal, arts. 203 e 204.
(44) Cód. Penal, arts. 150, § 1.0, 200, 208, parágrafo único, 209, parágrafo
único, 322 e 352. (50) PEOORARO-ALBANI, Il c<oncetto di violenza, p. 35. Fixando o critéri.o
(45) GRISPIGNI Dir. Peno It., voI. II, p. 175, MANZINI, Trattato, voI. IV, ara tais casos afirma o autor: "O que decide é que a pessoa venha a ser fi~l­
p. 556. ~amente prejudicada, sendo esta a caracterís~ica da violência, que a vítima seJa
(46) Cód. Penal, arts. 219, 227, § 2.0, 231, ~ 2.° e 358. , lesionada em sua possibilidade de conduta fíSIca". t
(47) Nesse sentido é a lição de HUNGRIA, repetida em diversas passagens. (51) Para WEUZEL, Strafrecht, p. 276, e ANTOLISEI, Manuale, p. 109, es as
Cf., por característico, Comentários vol. IX, p. 385. Igualmente, MAGALHÃES .duas hipóteses são de violência.
NORONHA, Dir. Pen., vol. 3, p. 71. (52) SCHõNKE-SCHRÕDER, Kommentar, p. 999.
(48) Cf., entre outros, HUNGRIA, Comentários, voI. VI, p. 150; ANIBAL (53) Cf. SCHÕNKE-SCHR'õDER, Konumentar, p. 997 e os au.tores ~li citados.
BRUNO, Dir. Pen., IV, p. 354; MAURACH, Lehrbuch, p. 100; FRANK, Strafgesetz- Essa opinião remonta a BINDING, Lehrbuch, vol. 1, p. 83. VeJa-se, Igualmente,
b,!:!ch,. p., 504. SCHÔNKE-SCHRÔDER, K.lYYYIffItantar, p. 998, afirmam que as limita- MANZINI Trattato IV p. 558, com indicações históricas.
(54)' PEOORARÓ-A~BANI, Il concetto di violenza, cit., p. 49; LISZT-SCRMIDT,
çoes mdIcadas no texto não mais prevalecem. É indiferente que o resultado da
violência à coisa seja fisicamente sensível. Lehrbuch, p. 523-nota: GERLAND, Reichsst'rafrecht, p. 513; FRANK, Strafgl3s etzbuch,
. (49) Não se exige que a ação no caso seja necessàriamente violenta, Com p. i5t55) HUNGRIA Comentários, voI. VI, p. 150; voI. VIII, p. 228i MAG~ÃES
I~SO se demonstra que o conceito de violência é normativo e que pode chegar a
?lSpenSar o desenvolvimento de fôrça física. Cf. KNODEL, Der Begrif! der Gewalt NORO,NHA, Dir. Pen:, vol. 2, p. 178. Ao definir o crime de constrangImento I!~g~!,
'/.m ,S,trafecht" 1962, p. 33; SCHÕNKE-SCHRÕDER, Kommentar, p. 999. É o que se -o código suíço (art. 181) também se refere à coação ude que.zru;e aUtr~ ma/f!,Mre .
verIfICa tamb~m no exemplo corrente na doutrina alemã, com a ação de destelhar Os autores reconhecem que aqui se inclui o emprêgo d~ narcotIcoS e mebrIantes,
a casa ou retIrar-lhe as portas e janelas para constranger o morador a sair. !bem COID(i) .& sugestão hipnótica. Cf. Doooz, ClYYYIffIterntatre, voI. I, p. 271.

76 77
prudencial constituiria aplicação analógica da lei (56). O projetli exclúi-se a culpabilidade da pessoa coagida, se fôr obrigada a come-
alemão de 1962 (§ 11, 2) também estabelecia expressamente a equi- ter um crime (art. 18 Cód. Penal). Se a coação fôr apenas relativa, ./
paração de tais meios à violência. será aplicável a atenuante genérica do art. 48, IV, letra c. A lei ge-
Pode haver violência mediante omissão, desde que o agente te- ralmente se refere à violência em sentido instrumental, indicando
nha o dever jurídico de agir. É o caso, por exemplo, da enfermeira que o resultado deve ser obtido mediante violênma (62) ou com em-
que deixa de ministrar alimentação ao enfêrmo ou de quem encerra prêgo de violência (63). Em outros, alude à prática da ação incrimi-
uma pessoa, por esquecimento, em determinado lugar, e deliberada- nada com violência (64) ou usando de violência (65) ou, ainda, por
mente não a liberta (57). Não há, porém, violência, se a ação é pra- meio de violência (66). Na maioria das vêzes, a violência deve cons-
ticada inopinadamente, mediante surprêsa, tornando impossível a tituir antecedente causal da produção do resultado. Se a violência
resistência da vítima (58). Subsistirá, porém, a violência, se o agente fôr causada de forma estranha ao agente, não lhe pode ser imputada.
empregar mais fôrça do que a necessária para lograr o seu intento Assim, por exemplo, não pratica roubo, mas furto, quem subtrái
mediante surprêsa. coisa móvel da vítima posta em estado de inconsciência pela ação de
A violência à pessoa pode configurar-se através da violência di- terceiro. Tanto nessa como nas demais situações o dolo deve cobrir
rigida contra terceiro, desde que sem êste a vítima seja atingida em o emprêgo da violência, o que significa que o agente deve ter consci-
sua capacidade de ação. É o caso do guia de pessoa cega ou do con- ência e vontade da ação violenta. Quando a ação é praticada de sur-
dutor de pessoa paralítica. A violência contra terceiro só pode ter prêsa, não há o dolo a que nos referimos. Não se exige, porém, que
relevância para a pessoa visada em têrmos de violência, como vis a vítima tenha consciência da ação violenta.
absoluta. Como vis relativa e em têrmos de coação psíquica, só pode A violência à pessoa pode conduzir a constrangimento absoluto
valer como ameaça, como veremos (59). ou relativo, como vimos. l'tste último deixa subsistir a vontade (coa-
A violência à coisa chama-se real. Encontramos no art. 392 do tus tamen voluit). O crime de extorsão, por exemplo, não pode ser
Código italiano uma definição de violência real: Agli effeti della praticado com vis absoluta, pois exige que a vítima, coagida, prati-
legge penale, si ha violenza sulle cose allorche la cosa viene danneg- que determinada ação.
giata o transformata, o ne e mutata la destinazione. A violência à A violência é presumida por lei nos crimes contra a liberdade
coisa tem no dano o seu efeito invariável. Há dano com a destruição sexual e de lenocínio (arts. 224 e 232 Cód. Penal). A seu tempo vere-
ou O rompimento, a inutilização e o estrago provocado na coisa. mos o alcance de tal presunção. Não há violência sem o dissenso da
Há casos em que a lei se refere, explícita ou implicitamente, à vítima. Tal dissenso adquire maior relêvo nos crimes contra a liber-
violência à pessoa (60). Em outros casos, a lei não distingue (61). dade sexual, em que se exige seja atual e militante.
Nêstes, para a configuração do delito, da agravante ou da conse- O emprêgo da violência dá lugar, em regra, ao cúmulo material
qüência jurídica que se considere (art. 345 § único), é indiferente das penas se da violência resultam, pelo menos, lesões corporais sim-
que a violência se faça à pessoa ou à coisa. ples. N o ~oubo, no estupro e n? atentado .violento ao pu~or, exce~­
Não se exige que a violência seja irresistível. Basta que seja cionalmente não bastam as lesoes corporaIS leves, que sao absorvI-
idônea para atingir o fim visado pelo agente. Quando é irresistível. das O cúm'ulo material de penas resulta de expressa disposição da
lei ·e prevalece sôbre a regra do concurso formal (art. 51 § 1.° Cód.
Pe~al) . A contravenção de vias de fato é sempre absorvida (art.
(56) SQLER, Der. Pen., voI. I, p. 151. 21 LCP).
(57) Nesse sentido, a imensa maioria dos autores. Em sentido contrário,
PETROCELLI, Violenza- e froibe, in S~'ggi di Diritto Penale, 1952, p. 182. Como já vimos ao estudar a violência, a ameaça é considerada
(58) Cf. SOONKE-SCHRODER, Kom1nenfxJ.'r, p. 999 e os autores por êles citados. pela lei elemento c~nstitutivo ou condição de ma~orA p1!nibilidade de
PEOORARO-ALBANI, II concetto dri violenza cit., p. 53. A surprêsa tem sido equi-
parada à violência particularmente em c~rtos crimes contra os costumes. numerosos delitos, prevista sempre ao lado da vlOlencla, em forma
(59) A doutrina admite, em geral, em têrmos mais amplos, a existência de alternativa.
violência, quando se exerce sôbre terceiros. Cf. FRANK, 8trafgesetzbuch., p. 504;
WELZEL, 8trafrech.t, p. 276; SCHÕNKE-SCHRÕDER, Kowmentar, p. 999.
(60) Código Penal, arts. 146, 157, 158, 161 n.o II, 163, parágrafo único (62) Cód. Penal arts. 146, 157, 158, 197, 198, 199, 203, 204, 213, 214, 219, 329.
n.o I, 197, 198, 199, 213, 214, 219, 227 § 2.0, 228 § 2.0, 230 § 2.0, 231 § .o, 329. (63) Cód. Penal, arts. 150 § 1.0, 208 parágrafo único, 209 parágrafo único,
344, 352, 353. 227 § 2.0, 228 § 2.0, 2'30 § 2.°, 231§ 2.°
(61) Código Penal, arts. 150 § 1,0, 203, 204, parágrafo único, 209 pará- (64) Cód. Penal, arts. 161 n.o II, 163 parágrafo único n. o I, 200.
grafo único, 322, 345 parágrafo único. Somente no art. 200 a lei se refere ex- (65) Cód. Penal, arts. 344, 352.
lIre ssamente à prática de violência "contra pessoa ou contra coisa". (66) Cód. Penal, art. 358.

78 79
A ameaça pode configurar um crime em si mesma (art. 147 " _. Pode a; allieaçaser .pratica.dapor palavra,escritool,l gesto, ser-
Cód. Penal), mas é em geral prevista como forma de conduta para v;llldo-se p agente de qualqu~r meio para a n:an!festàção do pensa- ./
.alcançar ? re~ultado que constitui o delito, ou seja, como a violência, mento. DIz-se que a ameaça e real quando pratIcada por meio de ges-
num sentIdo mstrumental. tos que tra~uzem inequivocamente oprQPósito do agente (ex.: apontar
A ameaça é a violência moral (vis animo illata) , que se destina a arma). E verbal, quando feita por palavras .
.~ I?er.tur~ar a lib~rdade psíquica e a tranquilidade da vítima, pela A poss!bilidade de fuga e de resistência é irrelevante (70).
mtImldaçao. ConSIste na revelação do propósito de causar um mal 'rradicIOnalmentea ameaça tem sido identificada com a vis rela-
futuro, cuja superveniência dependerá da vontade do agente. A tiva, cujo efeito in:rariável é o, ~etus, ou seja, o temor e a perturba-
.ameaça distingue-se da simples advertêlncia, porque nesta a superve- çao de mente que Impedem a lIvre determinação da vontáde. Já vi-
niência do mal não depende da vontade do agente. lI!0s que e~s3; antiga classificação civilística não se ajusta às exigên-
Pode o mal consistir em dano ou perigo. Nossa lei, ao contrário CIas do ~Ir~:nto Penal. Pode a ameaça ser de tal. forma aterradpra
do que sucede com algumas leis estrangeiras, não especifica qual que exclua completamente a vontade, operando como coação absoluta.
deve ser o conteúdo do mal ameaçado, limitando-se (salvo no art. O mêdo, por outro la~o, não é essencial à existêncià da ameaça, que
329 <?ód~ Penal) a indicar que deve ser grave. A gravidade da ameaça se esgo.ta no aspecto Intelectual da previsão do dano, como elemento
relacIOna-se com o mal (67), que deve ser relevante e considerável, determInante de um comportamento (71).
tendo-se em vista as condições peculiares da pessoa ameaçada. . Finalmente, devemos examinar a fraude que também está pre-
Não se exige que o mal seja injusto (68). Pode êle dirigir-se VIsta em numerosas passagens da parte especial.
contra a vítima ou contra terceiro, desde que isto represente tam- Constitui a fraude o elemento típico e característico do estelio-
bém um mal para a vítima, o que dependerá da existência de estrei- nato, estando prevista como modalidade essencial da ação punível dE
tas relações pessoais de parentesco ou amizade. Diz-se que a ameaça forma implícita ou explícita, em diversos crimes. Em alguns cas~s é
em tal caso, é indireta. O mal que aqui se considera, não é apenas ~ considerada como constitutiva de condição de maior punibilidade
dano à integridade corporal ou à vida, podendo referir-se a qualquer (arts. 227 § 2.°,228 § 2.°, 231 § 2.°).
bem ou interêsse jurídico, de natureza material ou moral. Pode a Com a fraude determina-se erróneamente a ação ou omissão da
ameaça igualmente ter por objeto dano a coisa, bastando que tenha pessoa iludida, que atua sob falsa representação da realidade. Diz-se
excepcional relêvo e importância para a vítima, de modo a constituir que é fraudulento o meio enganoso (art. 171 Cód. Penal) com o qual
sua perda, grave prejuízo. Tanto faz que o agente afirme que êle o agente induz ou mantém em êrro.
mesmo ou terceiro cumprirá a ameaça. . P~de a ~raude pr~!ica.r-se através de atos e palavras, pela men-
Não se exige que haja o propósito de cumprir verdadeiramente tIra e InClUSIVe pelo SIlenCIO, quando a situação impunha ao agente o
a ameaça, nem que ela possa ser cumprida. Basta que seja idónea dever de falar e dizer a verdade.
para constranger e intimidar, tendo-se em vista as circunstâncias do
A fraude é geralmente prevista como modalidade de ação com a
caso concreto, e que o agente tenha consciência de tal idoneidade. É qual o agente alcança determinado resultado que consuma o delito
necessário que a ameaça se apresente como séria. Não há dúvida de
(Y2). Tal resultado será, conforme o caso, ~ma vantagem patrimo-
que a arma simulada e os disparos de pólvora sêca são meios idóneos
mal. (a::t. 171), a negação de um direito trabalhista .(art. 203), a
para ameaçar. conJunçao carnal (art. 215), o rapto (art. 219), a prostituição (art.
A ameaça pode surgir combinada com a violência, quando o 22 § 2.°), etc.
agente, por exemplo, ameaça prosseguir com um espancamento. Por
outro lado, o mal ameaçado pode ser uma omissão,' o que ocorre
quando o agente ameaça não fazer cessar o dano que causou ou que Outras circunstâncias do fato
tinha o dever jurídico de impedir (69). ,. 6 . ~ão. P?ucas ~~ disposições d~ parte especial em que se atri-
bm.relevanCla a ocas'/,ao em que o crIme é praticado, para agravá-lo.
(67) HUNGRIA, Comentário8, VI, pág. 151. Isso ocorre com referência à noite, nos crimes de invasão de domi-
(68) HUNGRIA, Comentário8, VI, p. 151; ANmAL BRUNO, Dir. Pen., IV, p.356.
Contra: MANZIINI, Trattato, Iv, p. 561; LISZT afirma que a ameaça de um mal
em si justo pode ser antijurídica, quando não constitui meio adequado ao fim
(70) LISZT-SOHMIDT, Lehrbuch, p. 522.
pretendido. LISZT-SCHMIDT, Lehrbuch, p. 522. Quando a ameaça é crime autô-
(71) PED~ZI, Inur:t:nno ed errore?Z'ei deliUi.
contro il pa,trimonio, 1955, p. 51.
nomo( deve ser necessàrianiente injusta (art. 147, Cód. Penal).
69) SOHÕNKE-SCHRÕDER, Kommentar, p. 1.000; ANIBAL BRUNO, Dir. Pen., (.72) Isso nao exclUI que alguns crImes pratIcados com fraude sejam formais.
Exs.; art. 171 i§ n.o V, .l72, 179 etc.
IV, p. 356.

80
81
cílio e furto bem como. à calamidade pública, no crime de interrupção natureza do objeto também é especialmente considerada no crime de'
ou perturbação de serviço telegráfico ou telefônico que a seu tempo incêndio, para configurar formas qriálificadas (art. 250 §l.o).
--_.---/

veremos.
Nossos Códigos de 1830 (art. 16 § 1.0) e 1890 (art. 39 § 1.0) con-
sideravam como agravante genérica ter sido o crime praticado de
Elementos descritivos e normativos
noite, ou, como se dizia no primeiro código republicano, "ter o delin- 7. Os elementos que o legislador emprega na configuração das
qüente procurado a noite para mais fàcilmente perpetrar o crime". condutas delituosas são de diversa índole.
O código vigente abandonou a orientação anacrônica de nossa São elementos descritivos aquêles cujo conhecimento se opera
legislação anterior. através de simples verificação sensorial, o que ocorre quando a lei
Vários são os critérios adotados pelas legislações para configu- se refere a membro, explosivo, parto, homem, mulher, etc. A identi-
rar a existência de noite (73). Nossa lei penal não seguiu critério ficação de tais elementos dispensa qualquer valoração (74).
unitário. Assim, o crime de invasão de domicílio é qualificado se fôr Ao lado de tais elem~ntos encontramos os chamados normativos,
cometido "durante a noite" (art. 150 § 1.0), com o que se adota a que só podem ser determmados mediante especial valoração jurídica
chamada teoria físico-astronômica.Entende-se aqui por noite o inter- ou cultural. Exemplos da primeira hipótese encontramos nos casos
valo de tempo compreendido entre o por e o nascer do sol. O reco- em que se inserem na descrição da conduta punível elementos de na-
nhecimento da existênéia da noite, em tal caso, é questão de fato, tureza jurídica, como cheque, conhecimento de depósito, warrant,
pois o seu início e o seu fim variam segundo a estação do ano e a documento, etc. Exemplos da segunda existem nos casos em que o
situação geográfica do lugar. Noite é a ausência de luz solar, a obs- tipo se refere a elementos cujo reconhecimento exige por parte do
curidade, residindo a' razão de ser da agravante no fato de ser mais juiz recurso a valôres éticos vigentes no meio cultural e que são, em
fácil praticar o crime na escuridão, quando mais difícil é a defesa da última análise, valôres culturais. É o caso de tipos que se referem
vítima. a ato obsceno (art. 233 Cód. Penal), mulher honesta (arts. 215, 216~
Com respeito ao crime de furto, não adotou o legislador o mesmo 219 Cód. Penal), perigo moral (art. 245 Cód. Penal), adultério (art ..
critério, referindo-se ao aumento de pena quando o crime fôr prati- 240 Cód. Penal).
cado "durante o repouso noturno" (art. 155 § 1.0 Cód. Penal; art. Uma terceira espécie de elementos entrelaçam, como diz EN-
198 § 1.0 Cód. Penal Militar). É o chamado critério psico-socioló- GISCH, aspectos descritivos e normativos, que se ·determinam através
gico. A noite aqui limita-se ao período de recolhimento, dedicado ao. de um juízo cognitivo, que deriva da experiência e dos conhecimen-
repouso, não podendo ser fixado de forma unitária. A La Confe- tos que esta proporciona (75). Assim, por exemplo, quando se trata
rência dos Desembargadores, realizada no Rio de Janeiro, em 1943, de determinar .se certa conduta ou meio é perigoso; o "logo após o
estabeleceu a propósito: "O critério para se aferir o repouso no- parto", no crime de infanticídio (art. 123 Cód. Penal) e a coisa "de
turno é variável e deve obedecer aos costumes locais, relativos à pequeno valor", nos crimes patrimoniais. Elementos dessa natureza
hora em que a população se recolhe, e a em que desperta para a vida não se identificam através de simples verificação sensorial.
cotidiana" (conclusão XIII). A relatividade dessa distinção tem sido assinalada por muitos
autores (76) e é, a nosso ver, irrecusável. Mesmo os conceitos des-
Não há outras características da conduta típica, ligadas ao critivos adquirem, em regra, por sua introdução na lei, referência a
conteúdo da ação, que, por sua generalidade, mereçam especial des- valôres jurídicos e caráter teleológico. Isso pode ver-se, por exem-
taque. Refere-se a lei ao lugar, em especial, para qualificar a inva- plo, com o conceito de embrião e homem, para o efeito de determi-
são de domicílio (lugar êrmo, art. 150 § 1.0) e como elemento cons- nar-se o momento a partir do qual há homicídio, e não abôrto. Não
titutivo da exibição, audição ou recitação obscenas (lugar público há dúvida, porém, de que há características no tipo de conteúdo es-
ou acessível ao público, art. 234 § único, nOs. III e IV). sencialmente fático, em completa concordância com o .uso verbal sô-
Quanto ao objeto merece destaque apenas o de pequeno valor,
nos crimes patrimoniais (arts. 155 § 1.0, 175 § 2.° e 180 § 2.°), que
configuram hipóteses privilegiadas, reunidos a outros requisitos. A (74) Para visão geral da matéria, cf. HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, Conduta
Punível, 1961 ps. 138, 207 e segs.
(75) ENGEISCH, Die Normative Tatbestand8ele1'Mnt, in Mezger Festschrift,
p. 144; MEZGER, Tratad.o, voI. I, p. 388.
(73) Veja-se sôbre ° °
assunto e~celente estudo de JORGE ALBERTO RJOMEIRO, (76) A partir de ERIK WOLF. Cf. FRAGOSO, Conduta Punivel, p. 142; MAU-
A noite no Direito e no Proces8o Penal,no volume Estudos de Direito e Processo RACH, Deutsche8 Strafrecht (Parte Geral), 1965, p. 207 e BAUMANN, Strafrecht,
Penal em Homenagem a Nelson Hungria, 1962, ps. 180 e segs. 1966, p. 111.

82 83
bre .0 dl:!.dQ ol;>j~tivo .qlW indica:m, .em relação aos quais o juiz se
limita a pura ativid;:tde Coguoscitiva. NOTICIÁRIO
Os elementos normativos enfraquecem a função de garantb do
tipo, introduzindo certa indeterminação .no conteúdo ÇlacoI).dutapu-
lllvel. Cumpre, no entanto, observar que a valoração realizada pelo
juiz deve ser objetiva,isto é, realizada segundo os padrões vigentes,
te não conforme o entendimento peculiar do julgador. .
A incorporação ao tipo de elementos normativos de natureza ju-
:rídica, que alguns cham;:tm de impróprios, postulam a aplicação de
-valorações que prevalecem em outros ramos do direito. É o C;õlSO, por
'exemplo, de cheque e warrant, cuja conceituação não é própria da RELATÓRIÔ fiA JUNTA INTERNACiÔNAL DE CONTRoLE
Ilei penal. . DE NARCÓTICOS
Em todos os .casos de elementos normativos, a culpabilidade deve
reobrir o seu alcance e significado. Não haverá dolo se o agente não A Junta Internacional de Contrôle de Narcóticos, órgão composto por repre-
tiver consciência da valoração ético-jurídica do fato. Não é necessá- si:ntantes de onze países, escolhidos a cada três anos pelo Conselho Econômico e
rio, porém, que tenha o agente exato conhecimento do significado Social (ECOSOC) da ONU, nos têrmos da Convenção Internacional de Drogas
jurídico do elemento que se considera, bastando a significação que Narcóticas, de 1961, advertiu, em seu relatório referente a 1970, da necessidade
do mesmo se costuma ter na esfera do leigo. É o que MEZGER cha- de medidas globais para suprimir a' produção ilegal de substâncias narcóticas,
mava de "valoração paralela na esfera do leigo": apreciação da ca- registrando preocupação especial com o elevado aumento do consumo da caJI1-nabis:
racterística do .. tipo no círculo de pensamento da pessoa individual (marijuana ou haxixe). .
e no ambiente do autor do crime, que marcha na mesma direção e "O uso de narcóticos e outras substâncias perigosas sofreu uma violenta
.sentido que a valoração judiciária legal (77). Oêrro que nesses limi- esca~ada em vários países, e as perspectivas são profundamente desanimadoras.

tes se opere, em relação ao elemento normativo, é êrro de fato essen- Essa escalada foi mais intensa no que tocou à Gannabis. O volume do
cial, pois versa sôbre fato constitutivo do crime. consumo cresceu vertiginosamente, em especial entre a geração mais jovem. O
volume das transações ilícitas com a cannabis, em todo o mundo, subiu propor-
cionalmente e grandes carregamentos foram confiscados. Além disso, países que
se consideravam imunes conhecem agora o crescimento do problema. Isso se
aplica não só a certos países econôm,icamente avançados, mas também, a alguns
que ainda estão em processo de desenvolvimento", revela o relatório para 1970.
Depois de assinalar que o uso de drogas se registra, atualmente, em pràti-
camente, ., todos os níveis da sociedade", deixando de ser "exclusivo das perso-
nalidades desajustadas, dos grupos minoritários, ou das pessoas sujeitas a
pressões econômicas", o documento assinala que "o abuso destas substâncias"
especialmente pelos jovens, às vêzes tende a se revestir de uma pse1ildocultura.
e até da prática do misticismo".
Acêrca das possíveis causas da difusão observada destaca o relatório o'
papel dos meios de transporte, e a circunstância de q~e "as matérias-primas;
est'3jam sendo beneficiadas, cada vez mais, no próprio local de cultivo".

I SIMPóSIO INTERNACIONAL DE VITIMOLOGIA


A Sociedade Internacional de Criminologia incumbiu ao Institut6\ de Crimi-
nologia da Universidade Hebrátca de Jerusalém a organização e a direção do
I Simpósito Internacional de Vitimologia, que se realizará em .Iernsalém, de 2
a 6 de setembro de 1973.
"~ \. 1
Para a realização dêsse Simpósio, o Instituto de Criminologia, que é dirigido
('77) MEZGElR-BLEI, Strafreoht, 1967, p. 186; Tratado; voI. II, ps. 136-7;. pelo eminente prof. ISRAEL DRAPKIN, decidiu estabelecer um Conselhu As:;:essQr
BINDING, N ormen, voI. III, p. 146; FRAGOSO, Conduta Pumvel, p. 208. Internacional, constituíd.) por espe.-ialistas de to-io o mundo. Os pr-)fessõr~ RQ·

85
BERTO LYRA FILHO e HELENO C. FRAGOSO foram convidados para integrar êssa A reumao foi presidida pelo Prof. JOÃo BERNARDINO. GoNZiAGA, sendo os tra-
Conselho. balhos dirigidos pelo Prof. MIGUEL SCHWEITZER, profess()r da Universidade do
Chile e Secretário Executivo da Comissão. í!:sse cargo foi desempenhado até
ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITO PENAL à última reunião, celebrada em Bogotá, em 1970, pelo Prof. EDUARDO NOVOA
MONREAL, que deixou a direção do Instituto de Ciências Penais de Santiago,
Celebrou-se em Paris, no dia 15 de maio, a reunião anual do Conselho de tendo sido eleito o Prof. SCHWEITZER.
Direção da Associação Internacional de Direito Penal. A reunião foi presidida Participaram da reunião representantes do Chile (ALFREDO ETCHEBERRY,
pelo Prof. PIERRE BOUZAT. Estiveram presentes, além do Secretário-Geral, ENRIQUE CURY, FRANCISCO GRISOIlÍA, MANUEL GUZMAN, SERGIO POLITOFF, MIGUEL
Prof. BOGDAN ZLATARIC, os professôres PAUL CORNIL e PAUL DE CANT (Bélgica), SCHWEITZER WALTERS, SÉRGIO YÁNEZ e JUAN BUSTOS), do Peru (Luís BRAMONT,
JEAN GRAVEN (Suíça), HANS HEINRICH JESCHECK (Alemanha), MAHMOUD Mous- JUAN ARCE, DOMINGO GARCIA RADA, RAUL PENA CABRERA, JUAN PORTOCARRERO
TAFA (República Árabe Unida), GERHARD MUELLER (Estados Unidos), IVAN NENOV HIDALGo, LUIZ E. ROy FREIRE, OTÁVIO TORRE, LUIS DEL VALLE), da Colômbia
(Bulgária), A. P. PIONTKOVSKIJ ('URSS), JACOB VAN BEMMELEN e L. H. C. (JORGE ENRIQUE GUTIERREZ ANZOLA, HERNANDO BAQUERO, FREDERICO ESTRADA,
HULSMAN (Holanda), lGOR ANDREJEW (Polônia), DEMÉTRIOS BARAKOS (Grécia), ALFONSO REYES, LUIS E. ROMERO SOTO) , do México (RAUL CÁRDENAS, RICARDO
BARLETTA CALDARERA (Itália), HAIM COHN (Israel), M. EL FADEL (Síria), MIKlJOS FRANOO GUZMAN, RAUL CARRANCÁ Y RIVAS, FERNANDO LAMBARDINI), do Equador
KADAR (Hungria) e HELENO C. FRAGOSO (Brasil). (JORGE CORNEJO GONZALEZ), da Bolívia (MANUEL DURAN, NANCY ROMERO), da
Nessa reunião ficou deliberado que o XI Congresso Internacional de Direito Argentina (FRANCISCO LAPLAZA, ENRIQUE GRACIA MÁS, OMAR LIMA QUlNTANA,
Penal será realizado em Budapest (Hungria), de 5 a 12 de setembro de 1974, ENRIQUE RAMOS MEJIA) , de EI Salvador (JosÉ E. SILVA), do Uruguai (ADELA
tendo como temas: O tráfico de entorpecentes (relator prof. MUELLER), Novos RETA, OFELIA GREZZI) , de Costa Rica (GUILLERMO PADILLA), da Venezuela (JosÉ
'métodos e meios de repressão penal (relator prof. NENOV), Indenização às vítimas AGUSTIN MElNDEZ). Os brasileiros que participaram foram os professôres PAULO
do delito (relator prof. JESCHECK) e pi.rataria aérea (relator prof. ZLATARIC). JOSÉ DA COSTA, TEODOLINDO CASTIGLIONE, JoÃo BERNARDINO GONZAGA, MANUEJ"
Serão realizados colóquios preparatórios ao Congresso, no ano de 1973, em PEDRO PIMENTEL e GUILHERME PERCIVAL DE OLIVEIRA, de São Paulo, e RAFAEL
Nova Yor'k, Moscou, Salônica e Friburgo em Brisgau (Alemanha). CIRIGLIANO FILHO e HELENO C. FRAGOSO, do Rio de Janeiro.
O Instituto de Ciências Penais, da Faculdade de Direito Cândido Mendes, à Nessa reunião terminou-se a Parte Geral do Código Penal Tipo (que esta
semelhança do que fêz por ocasião do X Congresso Internacional, realizará opor- revista oportunamente divulgará), tendo-se iniciado o exame da Pwrtl} Especial,
tunamente um Colóquio Regional preparatório, para exame dos temas em nosso com base no Projeto apresentado pela Comissão Argentina, sôbre os crimes
continente. contra a vida.
A próxima reunião será brevemente realizada em São José (Costa Rica).
PENA DE MORTE.
O Conselho Econômico e Social da ONU acaba de aprovar resolução em 5.0 CONGRESSO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A PREVENÇÃO
que pede aos países membros da organização internacional a abolição completa DO CRIME E TRATAMENTO DOS DELINQUENTES
da pena de morte.
Será realizado em Toronto, no Canadá, em 1975, o próximo Congresso das
A resolução afirma que o "objetivo que se deve buscar é restringir progres- Nações Unidas. O último foi celebrado no ano passado, em Kioto, no Japão.
sivamente o número de delitos pOr motivo dos quais se pode impor a.pena capital,
com a finalidade de se estabelecer a possibilidade de abolição da pena em todos
IÜS países, garantindo assim o direito à vida". SOCIEDADE AMERICANA DE CRIMINOLOGIA
A seguir o documento convida os Estados membros que ainda não o fizeram
a comunicarem ao Secretário-Geral U Thant sua atitude com respeito à possi- A Sociedade Americana de Criminologia, em colaboração com os grupos ame-
bilidade de maior restrição do uso da pena de morte ou de sua abolição total, ricano e canadense da Associação Internacional de Direito Penal, realizará um
proporcionando a informação pedida pela Assembléia-Geral. Simpósio de 3 a 7 de novembro próximo, em Pôrto Rico. Serão examinadas
nesse Simpósio diversas questões, principalmente a nova delinqÜiência de caráter
político e violento. Incluem-se no temário o apoderamento ilícito de aeronaves
VI REUNIÃO DA COMISSÃO REDATORA DO CóDIGO
e o seqüestro de diplomatas, matérias que serão estudadas numa perspectiva
PENAL TIPO PARA A AMÉRICA LATINA
objetiva e científica.
Realizou-se em São Paulo, de 12 a 17 de abril último, a VI Reunião da Igualmente serão examinadas as característcas do estudo criminológico na
Comissão Redatora do Código Penal Tipo para a Amérioo Latina, com a parti- América Latina em confronto com a Criminologia americana.
eipação de numerosos penalistas de tôda a América. O Prof. HELENO FRAGOSO é um dos convidados ~ficiais a êsse conclave.

87
86
M1ilTonos CIENTíFICOS DE INVESTIGAÇãO POLICIAL
RESENHA BIBLIOGRÁFICA
·Sob patrocínio oficial, será realizado na Costado Marfim (Abidjan), de 10
a 16 de junho de 1972, um colóquio sôbre os métodos científicos de investigação
policial.
O desenvolvimento da criminalidade em todos os quadrantes do mundo, não
sõmente em quantidade como também em qualidade, pelo surgimento de infrações
novas ou de novos procedimentos técnicos, paralelamente ao desenvolvimento da
sociedade de consumo, tornou-se uma das grandes preocupações dos governante3.
A luta 'contra êste fenômeno está nestes últimos anos inscrita nas profissões
de fé políticas, notadamente nos Estados Unidos.
CóDIGO PENAL BRASILEIRO, ed. Alba, 1971.
Ao mesmo tempo, o problema da eficácia da polícia e da J mr~iça está em
causa, bem como o da disponibilidade dos meios científicos que permitam inves- · - do no'voCódigo Penal , essa que a Editôra, Alba nos
Uma exceI en t e e d lçao
tigação mais fácil .das provas (detentores de mentiras, narco-análise, gravações ap,'esenta orgamza . d a p elo Prof . João MESTIERI e pelo advogado . CLOVIS MELD.
1
em fita magnética, etc.). -';
Alem do ,Decret0-ieI' n.° 1 . 004 , acompanhado da Expos~ção de MotIvos, o vo ume
O objetivo do colóquio de Abidjan é o de fazer o inventário dos meios que apresenta satisfatória compilação de legislaç.ão penal complementar.
a ciência pode colocar à disposição da Justiça em sua ativ:dade para a desco-
berta da verdade e de estabelecer até qUe ponto é possível nêles confiar. Nilo Batista
A utilização dêsses meios, entretanto, não deixa de incidir sôbre a integri- REVISTA DE CIENCIAS PENALES. Tomo XXIX, n.o 1
dade da pessoa humana, notadamente sôbre o respeito à vida pr;vada e à perso-
nalidade de cada um. Assim, é possíve1 argüir da compatibilidade de sua utili- , . 'd a por F
DIrIgI '
ranclsco GRI"OLIA
" , conhecido entre ' "n,ós por seu trabalho
' o.'.sôbre
d
zação com o respeito aos direitos do homem. o obJeto. .
do CrIme e d a tutela J'urídico-penal , contem este numero dad Rev1S1ta
U' .e
O Colóquio de Abic!jan possibilitará um confronto geral de idéias acêrca Ciendas penales primorosa conferência do Prof. SÉRGIO POLlTO~F: a lll~ersI-
dêste ponto. dade do Chile, sôbre o nôvo código penal da República Dem?:ratIca !lema.. _0
Enfim, haverá um modo de conciliar o benefício para a ordem social de Prof. POLITOFF, que estêve no Brasil recentemente, por o~~sIao da. 6. Re~mao
métodos, cuja eficácia estava demonstrada, eom o respeito à pessoa humana? da Comissão redatora do Código Pe.nal Tipo para a Amer'.1ca Latma, de.tem-se
O colóquio de Abidjan trará possibilidade aos juristas, professôres, magis- especialmente sôbre o conceito de culpabilidade do § 5.°, do C.P. d~ R.D.A., no
trados e advogados de expor seu ponto de vista e de desenvolver os prinClplOS l' aI "a idéia de responsabilidade individual não se opõe a uma socIedade n~utra

gerais de um processo de aplicação destinado a evitar todo emprêgo arbitrário q"


ou mel' te , mas a uma sociedade que tem uma responsablidade . . correlata
d a "b'
do
dos métodos e processos técnicos modernos de investigação. . d" 'd o"· de'sse modo visto que o conceito de culpabIlIdade parte as pOSSI 1-
m IVI u " f.t " 'b'to
O colóquio de Abidjan deve ser, em princípio, uma confrontação geral de !idades que o indivíduo recebeu da sociedade, examina seus e e1 os. no am 1
diversas opiniões concernentes a tal questão. Desta forma, êle co::stituirá uma d a responsa b 1'l'1dade do indivíduo frente à sociedade e portanto da socIedade • d frenter
fonte apreciável com vistas à pesquisa de soluções futuras. ao m . d'IVI'd u o" . A par das preciosas considerações que se seguem, . alllma
_ as 'b po
Participarão do colóquio, como convidados, entre outros, MARc ANCEL, PIERRE um fino e generoso espírito, são de extraordinário val~r as mfo~maçoes 80, re
BOUZA'l', FULLY, JEAN GRAVEN, LEVASSEUR, JEAN SUSINI, DENIS SZAOO, ZLATARIC organização e funções de órgãos sociais da administra~ao. d~ JustI?a (Konfl1kt-
e GEORGES HUYER. ,kMm), issionen e Schiedskommissionen) , cuj a ação de dISCIplll11~ SOCIal pode ofe-
Os interessados poderão dirigir-se ao Secretariado Geral do Congresso, Côrte recer margem a debates isentos dos preconceitos com os quaIS certamente tal
Suprema, B. P. v 30 Abidjan, Costa do Marfim. matéria seria tratada, entre nós.
"Evo'eaeión y vig,encia de Dorado Montero", trabalho do Prof. Manuel de
RIVAOOBA Y RIVAOOBA, incorpora-se definitivamente à bibliografia sôbre o mestre
espanhol, da qual o autor nos dá exaustiva ~otícia.. •
Entre as várias decisões comentadas, contIdas na Rev~8ta, destacamos. a.no:a
de JAIME VIVANOO a decisão da Côrte Suprema, na qual faz segura apreClaçao
da natureza e efeitos da motivação política, em crimes contra. a_ segura~ça d:
E s t a d o,. a not a d e FRANCISOO GRISOLIA e SERGIO POLlTOFF a declsao . da Corte t dd
Santiago versando sôbre concurso formal entre estupro e incesto; e a no a .e
ENRIQUE , CURY a proposIto , . de d uas d ' -
eClsoes, ver,san
. d o sôbre estado de neceSSl-
dade no furto e estado de necessidade no abôrto.

88
89
Contém ainda a revista um noticiário bibliográfico de grande interêsse. HANS WÉLZEL, DERECHO PENAL ALEMAN, Editorial Juridica de Chile
Elaborada por uma plêiade de penalistas da maior categoria, a Revista de (Ahumada, 131 - Santiago), 19'70.
C1.9ncia8 Penales é publicação cuja leitura recomendamos vivamente (Revista de Registramos com alegria o aparecimento desta excelente tradução da obra
Ciencias Penales - Instituto de Ciencias Penales - Huerfanos, 1147 - of. 546 de WELZEL, realizada pelos professôres .JUAN BUSTOS i, RAMIREZ e SERGIOYÁNEZ
Santiago - Chile. PÉREZ, da Faculdade de Direito da Universidade do Chile. O professor BUSTOS \
Nilo Batista -estudou com WELZEL na Alemanha e é hoje um dos jovens valôres mais repre-
:sentativos da ciência penal em seu país, juntamente com seu colega.
JOAO MESTmRE, Curso de Direito Criminal, ed. Alba, 1970, 202 págs. A tradução foi feita da H.a edição (1969), e compreende a Parte (l&ral.
~Até aqui os que não têm acesso ao original, por dificuldades do idioma, para
Neste livro, que marca o inicio da execução de plano que abrange tôda a -conhecer a obra de WELZEL viam-se forçados a recorrer à precaríssima tradução
matéria da parte especial do nôvo Código Penal, e cujo objeto são os crimes realizada por FONTAN BALESTRA, da 3.a edição alemã (De Palma, Buenos Aires).
contra a vida, o professor JOÃo MESTIERI realiza expressivo trabalho de recons- Numa obra em que as edições se sucedem pràticamente todos os anos, e na qual
trução dogmática, contido por uma auto disciplina que certamente se deve à decla- :são introduzidas constantes alterações e adições, a aIltiga tradução era de pouca
rada destinação didática da obra. valia.. BUSTOS e YÁNEZ, com perfeito domínio do idioma alemão, realizaram
Um dos pl'i:Q.cipais destaques do trabalho está na ampla informação acêrca magnífico trabalho, colocando a importante obra de WELZEL ao alcance de todos
de direito comparado, com transcrição e comentários de diversas legislações. O os estudiosos de Direito Penal nesta parte do mundo. E o fizeram tendo por
tratamento deferido às figuras examinadas é preciso, e as questões essenciais ~base um texto recente e atual. Como se sabe, foram promulgadas as leis de·
por elas suscitadas são abordadas com segurança. reforma do Direito Penal alemão, em 25 de junho e 4 de julho de 1969, alte-
Por sôbre o elevado teor informativo, contudo, é de notar-se a influência da Tando-se integralmente o velho Código de 1871. A primeira dessas leis entrou
teoria da ação final, o que se reflete especialmente no a;pproach às modalidades em vigor em 1.0 de abril de 1970. A segunda entrará em vigor em 1.0 de
culposas e na cuidadosa elaboração dos tipos subjetivos. Êsse aspecto acrescenta ,outubro de 1973. Na !l.a edição de seu livro, WELZEL já considera as extensas
consideràvelmente a importância do livro, que se torna, assim, o primeiro estudo modificações introduzidas pelas leis de reforma penal, de modo que o leitor desta
sistemático da lei penal brasleira fundado em concepções finalistas, infelizmente tradução já terá presente (\ nôvo Direito Penal germânico, na reconstrução
pouco difundidas entre nós, e às vêzes injustiçadas por opiniões mais afoitas do notável do grande mestre do finalismo.
que sérias. H. C. F.
A contribuição que o professor JoÃo MESTIERI ora oferece ao direito penai
brasileiro, e a quantos dêle se ocupam, é pois altamente significativa, e o decurso
:HÉLIO SODRÉ, A PROVA PENAL REFERENTE A POSSE DE ENTORPE-
do tempo nô-Io demonstrará. CENTES (ed. Forense, 1971, 37 págs.).
Nilo Batista
A plaquete em epígrafe comporta duas apreciações absolutamente distintas:
enquanto opinião técnica e enquanto depoimento pessoal de seu autor, o juiz
TEOLDOLINDO CASTIGLIONE, Lombroso und die heutige Krimiuologie, Hélio Moniz Sodré Pereira.
Kriminalistik Verlag, Hamburgo, 1970 Sob (' primeiro aspecto, o autor coloca a questão da prova sufic;iente diante
da simples existência de testemunhos de agentes da autoridade policial que par-
Aqui está a bela tradução do excelente livro de mestre TOOJ){)LINO CASTIGL1!ONE,
ticiparam da prisão do acusado. Em outras palavras, põe em discussão o cré-
Lombroso perante a Criminologia Contemporân6/J!, editada em nosso país pela
dito que deve ser atribuído às declarações de policiais em geral, e particular-
Saraiva, em 1962, e que aparece na prestigiosa série de publicações da Socie-
mente no que se refere ao crime de posse de entorpecente, quando desacompa-
dade Alemã de Criminologia, dirigida pelo Prof. ARMAND MElRGEN.
Com a modéstia dos que verdadeiramente sabem, TEODOLINO CASTIGLIONE nhadas de qualquer outra prova.
trouxe, com esta obra, contribuição pessoal extremamente valiosa a uma visão A partir de uma generosa pósição, que postula para a condenaçã() "uma
moderna da obra de LOMBROS'.>. Essa contribuição pode agora ser difundida, como prova cristalina e indubitável", e firmado, entre outros autores, numa passagem
merece, através da tradução alemã, realizada cuidadosamente por DIERK BASEOAN. de GORPHE, busca o autor demonstrar que, em certas situações, há uma espécie
Vencem-se assim uma vez mais as limitações de nosso idioma, que relegam a de compromisso moral das testemunhas - policiais com a decisão, ocorrendo por-
obra cientifica dos que escrevem em português, pràticamente aos limites de nossas tanto aquilo que MITTERMAYER chamava de "causa mais grave de suspeição"
fronteiras. E é um prazer verificar que isso ocorre com uma obra da categoria (cf. Tratado, trad. A. Soares, Rio, 1909, p. 293).
da de TEODOLINO CASTIGLIONE. A gênese confessada do trabalho reside nos famosos "flagrantes de maco-
H. C. F. nha", submetidos à judicância do autor.

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91
que os a d voga d os b raSl'I'
eIros assuml'am naquele momento
- tão incerto na vida
A matéria é tratada, conquanto sucintamente, com rigor, assinalado na idéia
da nação. ,
básica de prova suficiente como "aquela que afasta tôdas as hipóteses em con- Essa III Conferência Nacional, como bem revelam êsses Anais contrasta
trário" (pág. 13). A extensão do trabalho contudo,não permite ao autor desen- flagrantemente com a IV Conferência, realizad~ em no~em~~o do ar:o . passado
volver algumas questões que coloca em considerações laterais de muita relevância em São Paulo, na qual os grandes temas da hberdadli; mdlVIdual pratlcamente
Cp. ex., a natureza da intervenção da polícia no processo penal, págs. 2-7 e segs;). não figuraram do temário. Constituem os Anais um belo volume, com trabalhos \
Abre-se, de qualquer forma, na literatura jurídica -brasileira acêrca de prova de grande importância que os estudiosos não podem desconhecer.
- carente de contribuições como essa - um front de debates em tôrno do teste-
munho de agentes da autoridade policial que intervieram na prisão do acusado.
H. C. F.
Apesar do trabalho se dirigir imediatamente à hipótese do crime de posse de
entorpecentes, a verdade é que suas idéias, se acolhidas, transcendem esta situa-
ção, sendo aplicáveis a vários outros casos. Exatamente porque vivemos um
momento em que o Estado se lança declaradamente na luta contra os tóxicos
- louvável campanha - avulta de importância o livro de Hélio Sodré, enquant(}
repre~enta o equilíbrio, o bom senso, e o acatamento às mais caras tradições do
processo penal democrático, que não se compraz com meias pI'ovas, nem admite
que o Judiciário se transforme num cego soldado de metas governamentais.
Sob o segundo aspecto, vale dizer, enquanto depoimento da atividade judi-
ciária do aut'or, o trabalho revela invulgar vocação de magistrado, rigoroso com
a prova, apto para a tarefa de dirigir a busca da verdade material, distan-
ciando-se da figura que HUNGRIA estigmatizou no rótulo de "juiz fetichista da
jurisprudência ", que "reduz sua função ao humilde penal de esponja, que só res-
titui a água que absorve" (in Comentário&, 1.0 voI., 4.a ed., pág. 71).
Também neste sentido, merece o trabalho a atenção sobretudó dos estu-
dantes que se sentem chamados para a magistratura, que só é honrada pela cria-
tividade e pela diligência que hão de nortear o livre convencimento, balizado
pela apreciação rigorosa da prova e pela crença viva no princípio da presunção
de inocência. "Sou um magistrado envelhecido, de cabelos brancos, profunda-
mente vivido e sofrido, que faz de seu caráter o motivo maior de seu orgulho.
Posso errar". Eis um legado inestimável para os jovens.
Nilo Batista

ANAIS DA UI CONFERíl:NCIA NACIONAL DA ORDEM DOS


ADVOGADOS, Recife 1970, 697 págs.

o Conselho Secional da Ordem dos Advogados do Brasil, de Pernambuco,


editou os Anais da memorável III Conferência Nacional da Ordem dos Advogados
do Brasil, que se realizou em Recife, de 7 a 13 de dezembro de 1968, em que
se debateram diversos problemas da maior significação para nosso país na hora
presente. Entre os temas do conclave destacam-se os que se referem à liberdade
individual e aos direitos humanos, com os trabalhos de SOBRAL PIN'l10, Da liber-
dad.e, su,u,s mamifestaçõe8 e garantia8; HELENO C. FRAGOSO, Aperfefiçowmento da,
proteção juri8dicional interna; C. A. DUNSCHEE DE ABRANCHES, A protelÇlãa inter-
nacional de direito8; ADERBAL MEIRA MATOS, Efetivação compulsória doS' Direito8
Humano8.
Neste volume estão publicados também os discursos feitos nas solenidades de
instalação e de encerramento, qUe bem demonstram a posição firme e corajosa

93
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JURISPRUOONCIA

Lenocínio.. Ho.tel licenciado.. Irrele- mercadoria avariada em depósito, em


vância. seu estabelecimento comercial. Contra
essa errônea orientação vem se pro~
Revendo a orientação iterativa que nunciando o STF em numerosos jul-
adotava na matéria, decidiu o STF, por gados.
sua La Turma, relator o eminente Min. No HC 46.085, relator o eminente·
BARRiOS MONTEIRO, no HC 47.354, que Min. ADAUTO LÚCIO CARDOSO, por una-
"embora se trate de hotel devidamente nimidade afirmou a 2. a Turma que "ter
licenciado e em dia com o pagamento de mercadoria avariada em depósito só é
impostos, caracteriza-se o crime do ar~ crime quando seu destino. é a venda.
tigo 229 do Código Penal se aquêle es- Não. provado êsse intuito. não há que
tabelecimento se dedica, com intuito de se falar em crime, pois a responsabili-
lucro e habitualidade, à hospedagem de dade não se presume". (D. J. 6/2/1969,
casais para a prática de atos libidino- pág. 2'90).
sos, com a sua transformação, assim, Representativo da orientação de nossa
em casa de exploração do lenocínio". Côrte Suprema na matéria é o. acórdão.
Decisão unânime, corretíssima. (D. J., proferido no Recurso Extraordinário.
22/5/70, pág. 2.105). °
n. o 62.212, relator ilustre Min. DJACI
No RHC n. o 48.302, a 2.a Turma de- FALCÃO, da La. Turma, que assentou:
cidiu, por unanimidade, no mesmo sen- "Para a configura~o do delito previsto
tido: "Não basta, para descaracteriza- no art. 279 Código Penal, na modali-
ção do crime do art. 229 Código Penal, dade do depósito para vender substãncia.
independente de outras circunstâncias alimentícia, ft»z-se mister o dola, repre~
do fato a formalidade da licença dada sentado pela consâê'l'Wia d;a deterioração
para funcionamento de hotel". (D. J., do alimento. A ciência do estado M
14/5/71, pág. 2.11'7). avaria da substância alimentícia nã.o
pode decorrer de mera preswngãcl' .
Substância avariada em depósito.. Não. (D. J. 20/9/68, pág. 3.703).
há crime Sem o. intuito. de vender. Veja-se também a correta decisão
proferida pela 2.a Turma, no HC n.o.....
o crime previsto no art. 279 Código 43.205, relator ° eminente Min. PEDRO.
Penal é doloso, e na forma de ter em CHAVES, unãnimemente. Na hipótese,
depósito exige especial fim de agir, que o paciente fôra co.ndenado, porque em
é o propósito de vender, que funciona seu estabelecimento. fo.i enco.ntrada carne
como elemento subjetivo do tipo, ou de porco. salgada, imprópria para o
como dolo específico, como entre nós consumo.
geralmente se afirma. Foi a ordem concedida porque enten-
É comum, no entanto, que os tribu- deu o E. Tribunal que o crime somente
nais decidam como se tal crime fôsse se configura, quando o destino.' da mer-
culposo, presumindo a responsabilidade cado.ria é a venda: - "Não provado.
do comerciante pelo fato de estar a êsse intuito, não há que se falar em cri-

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me, port[u.e a responsa.biUdade pena.l de dolo. Frisa o acór,dão,. que "o crime, pública, praticando consciente e vollln- nho por equiparação". A decisão -
não g@ presume" .. (Rev. Trim. Juris- definido no art. 279 .do Código Penál' tàriamente a ação típica. foi unânime. (D. J., 2/12/1969, pág. 2).
prudênma, 41/531). é crime doloso. Exige ciência do mau A habitualidàde a que se alude na
A presunção a que alude MAURACH
Nessa decisão, o Supremo Tribunal estado dos artigos e, mesmo assim, a (e com a qual estamos de acôrdo) re- exatíssima decisão, é a que se refere
afirma a ausência de tipicidade, e não sua destinação à venda, ou ao consumo fere-se ao perigo que a lei não exige à atividade comercial ou industrial.
do dolo específico acolhendo a teoria comum". (R,9V. Jurispr., T. J. dkl, Gua-
para a consumação do crime, presu- Não se justificaria a severa pena pre- \
dos elementos subjetivos do tipo. A nlkbfkrlk, 14/339). vista pela lei, se se tratasse de fato
mindo-o.
orientação é corretíssima. O fim de Pronunciando-se em sentido diverso isolado, não correspondente à habitual
Decidir pela presunção de dolo no
de agir de certas figuras de delito é (ReviS'ão Criminal n. O 5.567), o mesmo atividade do agente, no exercício do
crime previsto no art. 279 Código Penal
condicionante da ilicitude e da própria ilustre Tribunal de Justiça da Gua- comércio ou da indústria. Isso não
é violar um dos princípios fundamentais
tipicidade. Ter em depósito substância nabara decidiu por suas Câmaras Cri- significa que se tenha de exigir a qua-
do Direito Penal moderno, que é o da
alimentícia ou medicinal avariada i não minais Reunidas que neste crime "o lidade de comerciante por parte do
inexistência de responsabilidade penal
é, conduta típica do crime previsto no dolo é presunção da lei, incumbindo ao agente, como o TFR já decidiu no HC
sem culpa. Como se diz na Exposição
art. 279 do Código Penal, se não existe réu a prova contrária". Nesse caso, 2.436, relator o ilustre Min. GODOY ILHA,
de Motivos do Código Penal vigente,
o fim de venda~ A prova da ação cri- para sustentar o entendimento quanto por unanimidade (D. J., 17/5/71, pá-
a culpa não se pr.'3S'Ume. Não há dis-
minosa e de todos os pressupostos da à presunção do dolo, o acórdão invocava gina 2.164).
crepância doutrinária com respeito à
pena, incumbe à acusação (Cf. Rocm, d,ecisão do ilustre Des. ALCINO PINTO identidade, para os efeitos técnicos,
L'ogetto de.l reato, ed. 1962; pág. 367).' FALCÃ:O, publicada no volume n. o 1 da Condenação baseada exclusivamente
entre o dolo nos crimes de dano e de
No Rec.· Extr. Criminal n. o 69.044, Rev. J.urispr. do T. J. da Guanabara, em prova do inquérito. Nulidade.
perigo. Ê o que afirma DAVID BAIGÚN
relator o eminente Min. DJACl FALCÃO, na qual se afirma que o dolo, nos cri- (Los delitos d.'3 pe.ligro y llk Prueba del
a La Turma também .por unanimidade O inquérito policial é inquisitório e
mes de perigo abstrato, é preS'Umido dolo, Buenos Aires, 1967, pág. 42):
decidiu que "para configuração do de- constitui apuração sumária do fato.
POt' lei, invocando o culto magistrado em "En el território pa.rticular del dolo
lito previsto no art. 279 Código Penal, Tem o caráter de instrução provisória,
socorro de sua tése a abalisada opi- ninguna diferencia cabe notar entre los
na modalidade do depósito para venda cuja finalidade precípua é a de mi-
nião de MAURACH. delitos de lesión y los delitos de pe-
de substância alimentícia, faz-se misteL' nistrar elementos necessários à propo-
Convém assinalar o grave equívoco ligro. Esta afirmlkmón ya no tiBne
o dolo, representado pela consciência do oontroversia" • situra da ação penal (cf. art. 9. 0 Código
estado de avaria da substância alimen- do eminente Des. PINTO FALcÃO. O que do Processo Penal Militar).
tícia, o qual não pode decorrer de mera afirma o grande professor de Munique No exato sentido decidiu o T. A. da Não pode a condenação basear-se ex-
presunção". Em tal aresto; assinalou é coisa diversa. Guanabara, por sua 2.a Câmara Cri- clusivamente na prova obtida no inqué-
o ilustre relator que a lei não exige a Ensina MAURACH que "os crimes de minal, na Ap. Crim. n. o 4.320, relator rito policial, que tem apenas valor sub-
prova do perigo para a consumação do perigo abstrato se castigam sem se ter o excelente juiz RAUL DA CUNHA RI- sidiário. Nesse sentido decidiu o STF',
crime (que é de perigo presumido). em conta se o perigo ocorre ou não BEIRiO, por unanimidade. Cf. D. O. no HC 40.420, por sua 2. a Turma, re-
Mas isso não quer significar presunção no caso concreto, presumindo-se a exis- (Parte III), 17/5/71, pág. 403, dI) lator o eminente Min. Ewy DA ROCHA
de dolo, como vontade e consciência da tência de dolo ou culpa com respeito apenso. (D. J. 2/4/71, pág. 1.301). Concedeu o
ação típica. a êsse reS'Ultado poterncilkl" (" b.9ztÜglich Tribunal habeas corpus em face da
O T. J. da Guanabara já decidiu no dieS'es potentiellen Erfolges"). Deuts- sentença condenatória de primeira ins-
mesmo sentido. Invocamos, como exem- ches Strafrecht, Algemeiner Teil, ed. Atividade comercial r,om mercadoria tância, baseada exclusivamente em prova
plo, a decisão proferida pela 2. a Câ- 1965, pág. 202. Isso significa apenas ilicitamente introduzida no país. produzida no inquérito policial.
mara Criminal na Ap. Crim. n. o 44.332, que nos crimes em que o perigo não é Indispensável a habitualidade. Ê oportuno reafirmar êsse princípio
relator o ilustre Des. OLAVO TOSTES integrante do tipo, funcionando apenas de direito, particularmente em vista dos
FILHO (Rev. Jurispr., T. J. da Gua- como mo,tivo da incriminação, sendo, Na Ap. Crim. 1.498, relator o ex- procesos por crimes políticos, nos quais
nabara" 14/313) e a decisão dada na portanto, presumido, o dolo, em rela,ção celente Min. JORGE LAFAIETE PINTO a prova comumente se limita às con-
Ap. Crim. n. o 48.396·pela 3.a Câmara ao perigo, também se presume. Não GUIMARÃES, decidiu o TFR que "não fissões obtidas na fase policial, em cir-
Criminal, relator. o ilustre Des. HA- significa e jamais poderia significar provada a habitualidade, não ocorre a cunstâncias de constrangimento bem
MILTON MORAES E BARROS, assinalando presunção de dolo como vontade e cons- necessária atividade comercial, sem a conhecidas.
que a absolvição em tais casos se' le- ciência da fkção típica. qual não se caracteriza o crime do ar-
gitima,quando a permanência dos gê- Assim, por exemplo, se o comerciante tigo 334 !§ 1.0 letras "c" e "d" do Có- Crime contra cônjuge. Não se aplica
neros deteriorados deriva de culpa.
Tratava-se de gêneros alimentícios ava-
expõe à venda mercadbria deteriorada,
jamais poderia presumir-se que conhece
digo Penal; consequentemente, embora a agravante se °
casal está
provada a posse das mercadorias de desquitado.
riados que as autoridades acharam em o estado da mesma e a sua destinação.' procedência estrangeira sem cobertura
balcão frigorífico, numa segunda-feira,' Pode-se,no entanto, presumir, que o fiscal, nem por isso ficou demonstrada A agravante prevista no art. 44, II
sem que houvesse ,qualquer evidência agente queria expor a perigo a saúde a prática de contrabando ou descami- "f" do Código Penal, mantida no nôvo

96 97
Código (art. 56, II, "g"), não se aplica direito de· ação, extinguindo o jus de maconha. Em seu voto afirmou o tava prêso, sob a guardado Estado,.
quando a sociedade conjugal está dis- aceusationis e impedindo, portanto, a eminente relator: "O simples uso .do não se encontrava em lugar incerto e
solvida pelo desquite, pois desaparece, queixa, condição do procedimento penal. entorpecente, em pequena quantidade, não sabido, de modo a legitimar a ci-
em tal caso, o fundamento da exacer- A contagem do prazo deve ser feita como no caso se verificou, não constitui tação edital". No cas@, o paciente fôra
bação da pena. conforme o critério fixado pelo Código crime. Acho nimiamente rigoroso que condenado pela 8.a. Vara Criminal de
Nesse sentido decidiu, de forma in- Processo Penal (art. 798 § 1.0). Ir- se processe um homem, pelo simples São Paulo e estava cumprindo pena na \
censurável, a 2.a Câmara Criminal do relevante é a circunstância de ser êsse fato de estar fumando um cigarro de Penitenciária Lemos Brito, no Rio de
T. A. da Guanabara, na Ap. Crim. 4.191, critério menos favorável ao acusado, maconha, quando êle não exerce o co- Janeiro. Decisão excelente, tomada pOr
relator o ilustre juiz RAUL DA CUNHA bem como que a matéria esteja prevista mércio da droga proibida". Participa- unanimidade (Rev. Trim. M Jurispru-
RIBElOO. Decisão unânime. (D. O. da igualmente no Código Penal, onde se ram do julgamento os Ministros ELOY ~ên(Jia, 44/83).
GB, Parte III, 15/3/71, pág. 137 do encontram numerosos dispositivos de na- DA ROCHA, ADAUTO CARDOSO, THOMP- Em contrário decidiu a mesma
apensQ). No mesmo sentido, cf. Rev tureza processual. Na interpretação o SON FLORES e BlLAC PINTO. (Acórdão 1.a Turma, por unanimidade, no H. C.
Tribs., 296/760. que decide não é ser o resultado be- ainda não publicado). n. o 48.532, relator o ilustre Ministro
nigno ou rigoroso, mas certo ou errado, No caso da decisão o paciente foi BARROS MONTElRO:É válida a citação
não vigorando aqui o princípio in dubio surpreendido quando fumava o cigarro, por edital de réu prêso em outra uni-
Estupro. co.m vio.lência presumida. pro reo. o que constitui, sem dúvida, ter consigo. dade da Federação, "desde que se des-
Ação. penal privada. É absurdo, no entanto, que alguém conhecia o paradeiro do citado" (D.J.~
possa ser, ao lmesnro tempo, sujeito 2-4-71, pág. 1.301).
A ação penal nos crimes contra a Ento.rpecente. Uso próprio não. ativo e sujeito passivo do delito, pôsto
liberdade sexual tem sido objeto de con- co.nstitui crime. que a ação delituosa atinja primàrill- Representação feita pelo. avô. Vali-
trovérsia, na doutrina e na jurispru-
mente um bem-interêsse coletivo, ou dade.
dência. Cf. HELENO C. FRAGOSO, Juris- o Dec.-lei 385, de 26/12/68, al- seja, a saúde pública. Esta constitui,
prudência Criminal, n.os 89, 99 e 100. terando o art. 281 do Código Penal, in- No julgamento do RHC 48.495, a
no entanto, uma abstração, indepen-
No julgamento do RHC 48.667, a troduziu, no inciso III do § 1.0, a pu- La Turma do STF, relator o ilustre
temente da proteção das pessoas atin-
2 ..a Turma do STF, por unanimidade, nição do fato de trazer consigo a subs- Ministro ALIOMAR BALEEIRO, denegou ao
tância entorpecente para uso próprio, gidas em concreto ou em potencial, par-
afirmou que a ação penal em caso de ordem por unanimidade, afirmando ser
ticularmente em casos como o de trá-
estupro com violência presumida é pri- punindo-o com as mesmas penas do válida a representação feita pelo avô.
tráfico. É orientação deplorável e fico de entorpecentes, curandeirismo,
vada, orientação que nos parece exa- em caso de corrupção de menores.
inexplicável, posta em péssima pers- exercício ilegal da medicina, etc..
tíssima. Nesse caso, desaparece o crime Como assinala o acórdão "a juris-
pectiva social. Confiamos em que a decisão criadora
complexo. Se a violência é real, a ação prudência do STF, em casos especiais,
de nosso Supremo Tribunal Federal
é pública, por fôrça da regra estabele- A punição absurda para os viciados, tem admitido que outro parente, como
venha a prosperar, aplicando-se a todos
cida para o crime complexo (art. 103 que são vítimas, tem conduzido os tri- a mãe, o tio, o irmão, possam apresen-
Código Penal). Foi relator o eminente os casos em que a ação envolva vicia-
bunais a grande relutância na aplica_ dos Ou usuários da droga. tar queixa, quando o pai não pode fa-
Min. ELOY DA RoCHA. (D. J., 5/3/71, ção do nôvo dispositivo. Isso se observa zê-lo· por fôrça de circunstâncias. A in,.
pág. 709). claramente nos casos que envolvem pe- flexibilidade da interpretação oposta,
quenas quantidades da droga e réus Citação.· Po.r edital. Réu prêso em frustraria a proteção legal de crianças;
Decadência. Co.ntagem do. prazo.. menores e primários, situações em que o.utra unidade da Federação. e adolescentes ameaçados pela periculo-
os juízes e tribunais aceitam qualquer Nulidade. sidade de delinqüentes sexuais".
No julgamento do Rec. Crim. 203, a versão exculpatória razoável para ab- No caso da decisão, o avô tomou a
2.a Câmara Criminal do T. A. da Gua- solver. As leis penais iníquas, que A Súmula 351 estabelece a nulidade iniciativa da ação penal, em face de
nabara decidiu, por unanimidade, que ofendem a consciência dos magistrados, da citação por edital de réu prêso "na ser o pai um lavrador pobre, analfa-
a decadência é instituto de direito ma- não se aplicam, sendo esta uma antiga mesma unidade da Federação em que beto e atingido por oligofrenia ('D. J.,
terial e que o prazo que a rege deve lição na história do Direito Penal. o juiz exerce a sua jurisdição". To- 19-3-71, pág. 997). Orientação corre-
ser contado de acôrdo com o Código Um passo adiante acaba de ser dado davia, ampliando a regra, a La. Turma tíssima. Cf. HELENO C. FRAGOSO, Juris,-
Penal (art.' 8. 0 ), ou seja, com inclusão pelo Supremo Tribunal Federal, por do STF, no H.C. 44.494, relator o prudência Criminal, n.o 182.
do dia do início. Foi relator o ilustre sua 2.a Turma. No julgamento do HC eminente Ministro DJACI FALCÃO, de-
juiz RAUL DA CUNHA RIBEIRO. (D. O. n. o 48.484 (realizado em 6/11/70), re- clarou a nulidade do processo (art. 564, "Habeas co.rpus". Suspensão. condi-
GB, Parte III, 22/3/71, pág. 152, do lator o eminente Min. ADALámo No- III, letra e, Cód. Proc. Penal), quando cional da pena.
apernsa). GUEIRA, decidiu o Tribunal declarar a o denunciado, citado mediante edital,
Não nos parece correta, data venia,. ausência de justa causa para o pro- encontra-se prêso em cumprimento de Julgando o HC 48.394, decidiu o·
a decisão. A natureza procesual da de- cesso, num caso em que o acusado foi pena noutro juízo. Como observou, com STF,por sua 2.a. Turma, relator o emi-.
cadência é manifesta. Ela põe fim ao prêso em flagrante fumando um cigarro exatidão, o relator, se o condenado "es- nente Ministro EIJOY DA ROCHA, que "o,

·98
habeas corpus não é meio hábil para tanto não deve ocorrer, quando se tra- Ministro MÁRCIQ RIBEIOO, que "a apre- NEDER, po:r; unanimidade, afirmou ine-
revisão da decisão que, valorizando tar de uma única apreciação, ainda ensão de mercadoria estrangeira, no xistir concurso de crimes num caso de
diversas circunstâncias, negou a sus- quando tenha sido unânime a decisão. momento de seu desembarque no país, falsificação de documento utilizado
pensão condicional da pena". Decisão Não se coaduna com o espírito e índole configura tentativa e não crime consu- pelo próprio falsário. Diversamente do
unânime (R.J., 19-3-71, pág. 997). de nosso sistema processual o julga- mado de contrabando" (D .J., 19-4-71, que ocorre no caso de falsidade do- \
A suspensão condicional da pena m.~3nto único, sem possibilidade alguma cumental e estelionato, a doutrina é, na
pág. 1. 558).
constitui direito do condenado, se con- de, pelos meios regulares, corrigir-se Define-se o crime de contrabando hipótese, inteiramente pacífica (D. J.,
correm as condições estabelecidas pela um lapso, uma inadvertência e até um como importar ou exportar mercadoria 19-4-71, pág. 1.558).
lei para sua concessão. Não se excluL êrro de fato ou de direito. Assim devf proibida. Importar é fazer entrar no
portanto, que ocorra ilegalidade ou abu- ser entendido o pronunciamento do co- território nacional. Todavia, se a mer- Conflito de jurisdição. Crime prati-
so de poder na recusa do sursis, dando lendíssimo Tribunal Federal que, no cadoria é importada através de alfân- cado por civil contra militar à
margem, portanto, ao habeas corpus. Habeas Corprus n. o 40.952, de que foi dega, sendo nesta apreendida, haverá paisana, em situação de atividade,
São numerosas as decisões do STF em relator o Exmo. Sr. Ministro VILAS apenas tentativa. No caso de desca- ignorando o agente a qualidade da
habeas corpus, concedendo a suspensão BOAS, assim se manifestou por unani- minho esta solução é evidente. Cf. HE- vítima. - Competência da Justiça
.condicional da pena, recusada em face midade: "É impossível suprimir um LENO C. FRAGOSO, Lições de Direito comum.
.de anterior condenação à pena de mul- dos graus de jurisdição, sem prejudicar Penal 1965, vol. 4, pág. 1.177: "No
lta. Não existe, portanto, incompatibi- a ampla defesa garantida pela Consti. que c~ncerne ao momento consumativo, Em caso de crime praticado por civíl
lidade do remédio legal, nem foi isso tuição" (D.J., 13-4-66, pág. 1.143). cumpre distinguir, a nosso ver, confor- contra militar à paisana, no exercício
:afirmado pelo STF, que se limitou a Termina o acórdão: "Não se tra- me a importação ou exportação se de função militar, em lugar sujeito à
ll'ecusá-Io quando a decisão denegatória tando de embargos a acórdão que apre- faça, ou não, através de aduan~. ~ão administração civil, ignorando o agente
do sursis estiver fundada numa valora- ciou uma apelação, que é o caso pre- se pode dizer que já tenha SIdo ~m­ a qualidade da vítima, decidiu o TFR.
ção da prova relativa aos requisitos, visto pelo CJM, é de se admitir ser portada a mercadoria que ainda não pela competência da Justiça comum, de-
2'ealizada pelo', magistrado. intenção do legislador dar aos embar- foi desembarcada e que ainda se en- cidindo conflito de jurisdição suscitaM
gos em ação originária, o caráter de contra na posse e guarda de autorida- entre esta e a Justiça Militar.
apelação, sem, portanto, a restrição do des fazendárias, que s'omente a entre. A decisão foi proferida por unani-
J'ustiça Militar. Recurso de embargos art. 322, do CJM" (D. J., 10-2-71, pá- midade no Conflito de Jurisdição nú-
em caso de competência originária, garão ou remeterão ao interessado me-
gina 71, apenso). diante determinadas condições". mero 1.031, sendo relator o eminente
sendo uJ;lânime a decisão. Foi vencido, na decisão que transcre- Ministro ANTÔNlO NEDER.
Se a situação é de contrabando (mer-
'vemos em seus pontos essenciais, ape- cadoria proibida), a entrada no terri- O CPM prevê, em seu art. 9.°, in-
Não obstante disporem o antigo Cód. nas o saudoso Ministro SALDANHA DA ciso III, letra d, como crime militar o
.Justiça Militar (art. 322) e o Código tório nacional fora das alfândegas con-
GAMA. Ela revela, por um lado, a ín- suma o delito a nosso ver, ainda que praticado por civil contra as institui-
.Proc. Penal Militar (art. 539), que não dole liberal da E. Côrte, uma das cons- ções militares, considerando como tal o
.cabe o recurso de embargos quando fôr haja apreensão em flagrante. Se se
tantes de sua longa e gloriosa história tratar de descaminho, no entanto, a hi- que se comete contra militar em fun-
unânime a decisão, entendeu o STF e, por outro, a preocupação em realizar ção de natureza militar, ainda que fora
que êss~ princípio s'omente se aplica Justiça, não recusando a oficiais ge-
pótese é diversa, porque a ação incri-
do lugar sujeito à administração mili-
€m caso de apelação, não prevalecendo minada não é importar mas iludir o
nerais condenados a penas graves e pagamento dos tributos devidos. Em tar. O tribunal entendeu que, "igno-
quando se tratar de ação originária. infamantes uma nova possibilidade ju- rando o autor dêsse crime a qualidade
Decidindo Agravo oposto ao despa- tal caso, a apreensão em flagrante, no
rídica de provar a sua inocência. momento do desembarque, configura militar do ofendido, tal crime não me-
cho que indeferiu o recurso na Ação No julgamento dos embargos na ação rece havido como pra-ticado contra ins-
Originária n. o 29, relator o ilustre Mi- originária n. o 35, relator o ilustre Mi-
apenas a tentativa, mesmo que a im-
tituição militar" (D _J., 5-4-71, pági-
nistro MURGEL RESENDE, entendeu o portação não se faça através da al-
nistro ALCIDES CARNEffiO, o Tribunal na 1.339).
'Tribunal que no regime do Código os fândega.
conheceu dos embargos, apesar de ser Embora o acórdão a que aludimos
,embargos constituem um terceiro jul- unânime a decisão, sem qualquer dis-
;gamento e que "interposta apelação, se refira a contrabando, parece-nos Conflito de jurisdição entre juiz
crepância. federal e estadual. Prevalência
<estuda o Tribunal tôda a matéria de que em realidade tratava-se de desca-
fato e de direito decidida na primeira minho. dos fatos descritos na denúncia
iinstância. Neste caso, lícito pois, é ad- sôbre a capitulação.
Contrabando. Se a mercadoria fôr
lmitir-se que sejam insuscetíveis de nova apreendida no momento de seu Falsidade documental e uso do No Conflito de Jurisdição' n.o 797,
,apreciação os fatos em duas oportuni- desembarque, há 'mera tentativa. documentQ falso. Ausência de decidiu o TFR por unanimidade, rela-
'dades debatidos e resolvidos, sendo unâ- (',oncurso de crimes. tor o eminente Ministro ANTÔNIQ NE-
mime o convencimento dos juízes" .. Afirmou o TFR, por unanimidade, na DER que não é decisiva a classificaçíio
:E prossegue o v. acórdão: "Outro Ap. Crim. n. o 1.771, relator o eminente Na Ap. Crim. 1. 737, o TFR, rela-
tor o eminente Ministro ANTONrD feita na denúncia para estabelecer a

101
competência. No caso, o crime descrito unanimidade, decidiu não haver rein- intenção perversa de ofender" e "o' de- em se tratando de contrabando". (D. J.,
na denúncia impunha a competência da cidência específica entre o furto e o sejo maldoso de ferir a reputação 20/1/71, pág. 143).
Justiça Estadual, tendo sido classifica- estelionato. (D. O., Parte III, 12/4/71, alheia" (Retv. For., 60/436), nunca A lei estabele-ce,com perfeita clareza,
do, no entanto, como fato punível da pág. 273 do apenso). Há vários julga- bastando o emprêgo de. expressões apa- que o exame de corpo de delito é in-
Justiça Feder:;!l. o, M .P. descreveu a dos nesse sentido (Rev. Tribs., 177/139; rentemente ultrajantes (R.9V. For., dispensável nos crimes que deixam ves-
ocorrência de usura pecuniária ou real Rev. For., 127/298; Rev. Tribs., 177/ 82/403) . Para que o dolo se configure tígio (art. 158 Código de Processo
(Lei n. o 1. 521, art. 4.°) e a classifi- /105; 180/112, etc). A reincidência "' é preciso que se apresente o ânimo Penal). Por corpo de delito entende-se
'cou como prevista no art. 44,§ 7. 0 , da específica entre o furto e o estelíonato, de injuriar, o dolo específico, o pro- o conjunto de elementos sensíveis do
}Lei n. o 4.595. Entendeu o tribunal no entanto, a nosso ver, é irrecusável pósito de expor alguém .ao desprêzo fato delituoso (JoÃo MENDES,O Pro-
<que "ao decidir a respeito da compe- qualquer que seja o critério adotad~ público" (Rev. For., 103/337; 152/442) cesso Criminal Brasileiro, 1911, vol. II,
itência em tal caso o intérprete deve para identificar os caracteres funda- ou a "manifesta intenção de prejudicar" pág. 6), compreendendo todos os ele-
:ater-se ao crime descrito e não ao errô- mentais comuns. Cf. MANZINI Trattado .(Rev. For., 141/453). Cf., entre muitas mentos materiais da conduta incrimi-
Illeamente classificado da denúncia ,. di Diritto Penale Italiwno, ' ed. 1950, ,outras decisões, Rev. For., 3/457; nada, inclusive meios ou instrumentos
'(D.J., 5-4-71, pág. 1.339). voI. II, pág. 679. 4/273; 7/285; 8/497; 14/63; 18/167; usados na ação delituosa.
Decisão exata. Todavia, pedimos li- Em verdade, o critério da reincidên- 13/246; 49/486; 56/526; 97/188; 106/ Parece-nos não haver a menor pos-
cença para consignar que nem sempre cia específica não tem mais cabimento /133; 132/562; 127/556; 152/442. Rev. sibilidade de dúvida de que o crime de
os crimes previstos (aliás, pessimamen- no Direito Penal moderno, desaparecen- Tribs., 181/939; 177/535; 194/948; contrabando é de fato permanente.
te) na Lei 4.595 são da competência do de nosso nôvo Código Penal (veja- 157/80; 230/293, etc .. Trata-se de fazer entrar ou sair do
da Justiça Federal. Isso só ocorrerá se a respectiva Exposiçã.o de Motivos Pareee-nos correta a afirmação de país mercadoria proibida e não se pode
se o fato fôr em detrimento de bens, n.O 23). Negando em certos casos; que os crimes contra a honra exigem o cometer o crime sem a mercadoria, que
serviços ou interêsse da União ou de reincidência específica, os tribunais não propósito de ofender. Trata-se, no en- constitui o seu objeto material. É fato
suas entidades autárquicas ou emprê- fazem mais do que reagir contra um tanto, de elemento subjetivo do tipo, e punível que se comete necessàriamente
·'Sas públicas (Const. Federal, art. 125, critério legal descabido que constante- não de dolo específico. Cf. JIMENEZ em relação a coisa, como o furto, o
inciso IV). o, empréstimo feito ilegal- mente conduz a graves injustiças, que DE ASÚA, Tratado, Vol. III, págs. 738 roubo e a apropriação indébita, e o
mente pelo diretor de uma fimmceira repugnam à consciência dos julgadores. e seguintes. exame de corpo de delito é, data venia,
'Privada a seu cônjuge é crime da com. indispensável perante nossa lei, que
:petência da Justiça comum. com essa exigência pretende tornar
Crime contra a honra através da Acidente de trânsito. Falta de Habi- certa a materialidade do fato. A au-
l>recatnria para audiência de teste- imprensa. Exigência de dolo espe- litação não indnz a culpa do sência do exame de corpo de delito nos
munhas. Falta' de Intimação do cífico. condutor. crimes que deixam vestígio implica em
def.ensor. Nulidade. nulidade (art. 564, III, letra "b" Có-
o T. A. da Guanabara, na Ap. Crim. Na Ap. Crim. n.o 2.106, a 2.a. Câ- digo de Proceso Penal).
1: nulo o processo em que foi expe- 4.174, relator o ilustre JUlZ PEDRO mara Criminal do T. A. da Guanabara, O exame de corpo de delito direto
dida precatória para audiência de tes- LIMA, por sua l.a Câmara Criminal afirmou, por unanimidade, que "o fato pode ser suprido pelo indireto (art. 167),
temunhas sem que fôsse intimado o decidiu por unanimidade, que o dol~ de alguém não estar habilitado como que se realiza através da prova tes-
defensor. Assim decidiu a 1. a Câmara nos crimes contra a honra é específico. motorista não induz culpa em crime de temunhal. Duas são, porém, as con-
Criminal do T. A. da Guanabara, no exigindo-se, portanto, o propósito d~ lesões corporais". dições indispensáveis: (a) - que os
HC 2.199, relator o ilustre juiz FABIANO ofender, excluído pela ocorrência de Na hipótese tratava-se de acidente de vestígios tenham desaparecido; (b) -
DE BAIrnOS FRANOO, por unanimidade. um animus dJefendendi. Como lembrou trânsito que envolvia motorista não ha- que a prova testemunhal seja uniforme
(D. O., Parte III, 12/4/71, pág. 273). o relator, a vigente lei de imprensa bilitado, que não se demonstrou ter e categórica, de forma a excluir qual-
Cf. Súmula, n.o 155. deixou extreme de dúvida a relevância agido culposamente. Excelente decisão quer possibilidade de dúvida quanto à
No caso, o oficial de justiça certificou do propósito ofensivo ao legitimar ex- em que foi relator o juiz JORGE ALBERTO existência dos vestígios.
ter intimado o defensor. Êste, no en- pressamente a opinião desfavorável da RroMEIRO (D. O., Parte III, 1/2/71, pá- Não se admite o corpo de delito in-
tanto, provou que se encontrava, na crítica, "salvo quando inequívoca a in- gina 56 do apenso). direto quando nenhum impedimento
oportunidade, ausente, em viagem. tenção de injuriar ou difamar" (art. 27 havia para a realizàção do exame. Como
n. o I lei 5.250). (D.O., Parte III, Contrabando. Exame de corpo de já decidiu o Tribunal de Justiça de
Furto e estelionato. Não há reinci- 18/1/71, pág. 29 do apenso). delito desnecessário. São Paulo, "nulo é o processo em que,
dência' específica. N o sentido de exigir o animus in- tendo a infração deixado vestígios, e não
juriandi como elemento indispensável Decidiu o TFR, na Ap. Crim., 1.728, havendo qualquer obstáculo à realiza-
A 1.0. Câmara do T. A. da Guanabara· aos crimes contra a honra é a juris- relator o ilustre Min. PEÇANHA MAR- ção do exame de corpo de delito, êste
na Ap. Crim. n.o 4.368, relator o ilus~ prudência uniforme e antiga de nossos TINS, por unanimidade, que é "desne- não é realizado". (Rev. Tribs.; 208/71).
tre juiz ORLANDO LEAL CARNEIRO, por tribunais. Exige-se de longa data "a cessário o exame de corpo de delito, O Tribunal da Guanabara também já

102 1.0.3
assantlOu: "É im[prescindível o corpo tantas vêzes adotada, de que "é d~ eminente Min. EVANDRO LINS, concedeu Uma questão paralela se dá com a
de delito direto. Se não se prova a im- nenhuma valia a fundamentação ofe- unânimemente a ordem para anular o citação dé Juncionários públicos. Neste
possibilidade de obtê-lo, nenhuma valia recida pelo juiz, ao ministrar as suas processo· a partir da citação, porque, caso, "o oficial -de Justiça deve citar
tem o indireto". (Re'V. For., 90/816). informações", quando o decreto de pri- possuindo o Juízo o enderêço certo do o funcionário público, o que porém, é
Sôbre a exigência de referências pre- são preventiva desatende ã motivação. réu, fôra êle citado por edital (D. J., insuficiente para que o ato citatório
cisas por parte das testemunhas para Foi relator o ilustre Min. DJACI FALCÃO 25/10/68, pág. 4.406). A mesma Tur- se tenha por exaurido. Indeclinável é \
que seja válido o exame indireto, veja- (D. J., 25/10/1968, pág. 4.405). ma, no HC n. o 46.108, relator o emi- que, também, se proceda à notificação
se o. excelente acórdão do T. J. da nente Min. ADAU'l'O LÚCIO CARDOSO, de- do funcionário e do chefe da reparti-
Guanabara, em que foi relator oDes. cidiu que "é inaceitável a certidão que ção" (cf. J. FREDERICO MARQUES, Elem.
OLAVO TOSTES FILHO (Re'V. Jurispr. do Suspensão ~ndicional da pena. Deve de Dir. Proc. P&n., Forense, Rio, 1961,
o juiz pronunciar-se a respeito. dá o acusado como tendo paradeiro in-
T. J. da Guanaba1lCh, n. o 15, pág. 287). certo e não sabido, em colisão com a pág. 178). No HC n.o 31.822, o STF,
Se a lei exige que os peritos descrevam No julgamento do HC 46.609, de- prova dos autos", determinando a nuli- em acórdão da lavra do Min. NELSON
minuciosamente o que examinarem cidiu o STF, por sua 2. a Turma, re- dade (D. J., 5/9/69, pág. 3.938). HUNGRIA, decidiu que "as sucessivas
(art.
. 160
. Código de Procesos Penal) , lator o eminente Min. ELOY DA RoCHA Trata-se de matéria incontroversa. notificações determinadas no art. 359,
serIa meongruente que a prova tes- que "deve a sentença pronunciar-se' O art. 564, n. o III, letra e, do Código quer ao funcionário acusado, quer ao
temunhal pudesse suprir o exame di- s~bre a suspensão condicional da pena, de Processo Penal impõe nulidade ao chefe de sua repartição, são tão inde-
reto com vagas referências. amda que não requerida pelo réu" processo em que não ocorra a citação, clináveis quanto a citação inicial. Faz-
O TFR já decidiu ser indispensável (D. J., 10/10/69, pág. 4.703). Trata-se equiparando-se à sua falta situações se ne~essário que o funcionário e o
o exame de corpo de delito em caso de de mandamento legal expresso (art. 697 nas quais a citação se faça "impropria- chefe da repartição sejam previamente
contrabando ou descaminho, julgando o Código de Processo Penal) , algumas mente". O STF afirmara que "no pro~ notificados". (Re'V. For., 146/397). No
HC 1.060, relator o ilustre Min. MÁRCIO vêzes desobedecido. cesso penal domina, com caráter ab- mesmo sentido, Re'V. For., 200/213;
RmEIoo. Cf. HELENO C. FRAGOSO Ju- A suspensão condicional da pena soluto, o princípio de que a citação Re'V. Tribs., 303/72..
risprudência Crimina'l, n. 0 148. ' constitui direito do condenado, que deve ser feita pessoalmente. A citação
reune os rejuisitos legais. Cf., a pro- por edital depende da exaustão de
todos os meios para o conhecimento do Intimação de advogado para inqui-
Denúncia inepta. Descrição dos fatos pósito, NILO BATISTA Em tôrno da rlCao de testemunhas. Sua falta
concessão do SURSIS: Rev. Min. PúbI. paradeiro do acusado" (cf. acórdão in
atribuídos a cada partícipe nos iniporta em cerceamento de defesa.
crimes de autoria coletiva. Fluminense, n. o 1, 1970, pág. 63. D. J. 8/10/64). Neste sentido há nume-
rosos julgados (Rev. Tribs., 3011347; Assim decidiu a La Turma do STF,
É inepta a denúncia que deixa de 322/102; 291/641; Re'V. For., 200/231; concedendo o HC n. o 47.358, relator o
Registro de nascimento falso para 174/375; 161/349).
descrever a ação atribuída a cada obtenção de benefício. Estelionato. eminente Min. DJACI FALCkO, por una-
acusado, em casos de autoria coletiva. A verdade é que, na prática judi- nimidade. Frisa-se na ementa: "A falta
1!:sse princípio elementar foi reafirmado O fato relativamente comum, de re- ciária ,o oficial de Justiça não se com- de intimação do advogado do réu para
pelo STF, por sua 1.6 Turma, no HC gistro falso de nascimento para ob- porta sempre com o zêlo necessário, a inquirição de testemunhas, importa
45.456, relator o eminente Min. BARROS tenção de benefício previdenciário em "abstendo-se de lavrar a certidão de em cerceamento de defesa, suscetível
MONTEIRO, por unanimidade. dano, portanto, do INPS, tem sido' con- ausência sempre que lhe restar ainda de anular o processo. A nomeação de
Afirmou o tribunal: "Tratando-se de siderado crime de estelionato, excluída um lugar onde com probabilidade puder defensor para o ato não supre a falta".
denúncia referente a crime de autoria a falsidade documental. Assim decidiu encontrar o acusado", como prescreve (D. J., 29/12/69, pág. 6.239).
coletiva, é indispensável que descreva o TFR na Ap. Crim. 1.198, por unani- MAGALHÃES NORJONHA (Curso de D. A inquirição de testemunhas cons-
ela, circunstanciadamente, sob pena de midade, relator o eminente Min. AMA- Proc. Pen., S. Paulo, 1964, págs. 263 titui, como se sabe, um dos momentos
inépcia, os fatos típicos atribuídos a RfLIO BENJAMIN (D. J., 23/1/69, pá- e 267). O que se vê é que, bem ao de maior importância no processo penal,
cada paciente". Concedeu-se a ordem gina 125). A hipótese está a exigir, contrário da "exaustão dos meios", o exigindo evidentemente a presença' do
sem prejuízo do oferecimento de outr~ a nosso ver, específica previsão legis- oficial de Justiça às vêzes não pro- defensor escolhido pelo réu.
denúncia, em forma regular. (D. J., lativa, embora seja correto o enquadra- move a utilização mínima dos meios
6/2/1969, pág. 290). mento que se vem fazendo. disponíveis para a citação pessoal do
acusado, lavrando incontinenti a cer- Assistente de acusação. Limites de
tidão de ausência ao primeiro sintoma suas atribuições processuais.
Prisão preventiva. As informações Citação pOr edital. Incabível se de qualquer dificuldade para sua loca-
prestadas pelo juiz não suprem consta dos autos o enderêço do lização. Isso explica os constantes re- Na Reclamação n.o 291, a 2.a Câ-
as deficiências na fundamentação. réu. Nulidade. querimentos de habe;a'8 corpus por réus mara Criminal do T. A. do Estado da
citados por edital que teriam sido fã- Guanabara teve oportunidade de exa-
Nesse sentido, a La Turma do STF A 2. a Turma do STF, no julga- cilmente localizados com simples leitura minar a função processual do assisten-
reiterou, por unanimidade, a orientação mento do HC n. o 45.805, relator o dos autos. te, e o âmbito de suas atribuições. Di-

10"' 105
rigia-se a Reclamação contra despacho ginação e preparo técnico de seus ela- Como tentativa de contrabando, em em flagrante, preventiva ou imposta
do Dr. Juiz da 22'.3. Vara Criminal, boradores, em seuart. 2 .• 0 estabeleceu: .data anterior ao referido Dec.-lei, jul- pelo próprio encarregado (art. 59, De-
que concedera relaxamento de. prisão, "Fica equiparado ao crime de estelio- .gou o Tribunal, na Ap. Crim. 1.056, creto-lei n.o 898). .
com assentimento do M. P., a dois nato despachar por ferrovia, rodovia relator o eminente Min. GoOOY ILHA, O prazo lega( para conclusão do IPM
acusados, susltentando inexistência de ou fazer transitar,por qualquer meio, por unanimid~de, o transpü:rte de café em crimes políticos não está previsto
.amparo legal à medida. Em feliz pas- cafés de comercialização proibida de .em circunstâncias altamente suspeitas, na lei de segurança e é o mesmo es-
sagem, o a~órdão, da lavra do Juiz acôrdo com as normas e resoluções bai- nas proximidades da Foz do 19uaçú. tabele cid o para todos os casos, pelo \
FONSECA PASSOS, assinala: "O Código xadas pelo IEC, sujeito aquêle que o (TFR Jurispr., 16/127). A nosso ver, Cód. Proc Penal Militar, em seu ar-
de Processo Penal admite essa inter- fizer às penas previstas nos artigos 171 ',em tal caso não havia crime, sendo tigo 20. Como se pode ver pelo § 1.0
venção assistencial ad adijwvandum e seguintes do Código Penal. -§ 1.0 In- aquêle transporte, claramente, mero dêsse dispositivo legal, só é prorrogá-
,tantum - e não sob forma litiscon- corre nas mesmas penas aquêle que ne- ,ato preparatório, devendo o fato dar vel (por mais de 20 dias) o prazo pre-
sorcial - e delimita, outrossim, no ar- gociar por endôsso ou a qualquer tí- lugar a meras sanções fiscais. visto para a conclusão do inquérito
tigo 271, os marcos de suas atribuições: tulo como portador do respectivo do- (40 dias), quando o indifYÍado estiver
.ao assistente será permitido propor cumento representativo, ós cafés a que sôlto.
meios de prova, requerer perguntas às se refere o presente artigo, bem como lnquérito policial. Excesso de prazo. Encontramos, no entanto, no mesmo
testemunhas, aditar o libelo e os ar- aquêle que os der em garantia para
Código o prazo de prisão para averi-
ticulados, participar de debate e ar- o levantamento antecipado de numerá- A regra que se inscreve no art. 10,
guações (imposta pelo encarregado do
razoar os recursos interpostos pelo rio em função do suposto valor do pro- CPP, estabelece prazo peremptório e
IPM), com duração até 30 dias, pror-
Ministér:o Público, ou por êle próprio, duto. § 2. 0 Excetuam-se da hipótese .fatal para conclusão do inquérito, se
rogáveis por mais 20 (art. 18), dispo-
nos casos dos artigos 584 -§ 1.0 e 598. prevista neste artigo os cafés enca- o réu estiver prêso. Ê:sse prazo é de
sição análoga à da Lei de Segurança
Só nesse último caso assume o papel minhados, dentro do mesmo município dez dias e é improrrogável. A tran-
(art. 59).
de parte ptincipal, pois, nas demais, produtor, às usinas de beneficiamento e .qüila jurisprudência nesse sentido vem
de ser confirmada pela 1.a Turma do É difícil conciliar dispositivo que li-
funciona como simples auxiliar de padronização ou para fins de indus"
.acusação e quem auxilia não pode ter trialização.§ 3.0 O encaminhamento de STF, no RHC 48.675, relator o ilustre mita a duração do inquérito se o indi-
iniciativa". café para os fins referidos no pará- Ministro BARROS MONTEIRO, por unani- ciado estiver prêso, com outro que per-
Transcrevendo FREDERlOO MARQUES grafo anterior para município outro midade. Decidiu o Tribunal que "o in- mite a prisão na fase do inquérito por
(ElementQs de Dir. Proc. Penal, voI. I, que não o de origem dependerá sempre quérito policial de indiciado prêso de- prazo superior ao que é fixado para a
,pág, 352), onde afirma que "como o de prévia e expressa licença do IEC". verá ser entregue à distribuição den- sua conclusão, de forma peremptória.
Estado é o único tituhr do direito de Antes do Decreto-lei o TFR julgava tro do decêndio legal" (D.J., 2-4-71, Trata-se de dificuldade surgida com
punir, o ofendido ou querelante, na que o transporte de café no território pág. 1.302). . o nôvo CPPM, pois o antigo Código da
.ação privada, não invoca nenhum di- nacional estava condicionado ao exato Essa regra tem sido comumente es- Justiça Militar fixava o prazo de 30
reito material seu", o acórdão assinala cumprimento da resolução 133 do IEC quecida nos processos por crimes polí- dias para a terminação do inquérito,
-que, na ação penal pública, de inicia- (2/4/191>9), baixada com fundamento ticos, sendo difícil fazê-la prevalecer, autorizando a sua prorrogação (arti-
tiva do Estado, com muito maior razão na lei 1.779, de 1952. Segundo tal re- em virtude da deplorável situação em go 115, § 4. 0 ), de modo a permitir que
a interferência do ofendido só pod~ gulamento, "nenhuma mercadoria pode que nos encontramos, com a suspensão a prisão imposta pelo encarregado (ar-
ser admitida na feição ad adjwvandum, circular nos locais ali mencionados sem do habeas CDrlJU8. Os inquéritos poli- tigo 156) durasse até à conclusão dv
:sem o direito de agir ou de qualquer que seus condutores est2jam munidos ciais relativos a crimes políticos podem inquérito.
postulação ou de transferência do di- dêsse certificado de licença do IEC". ser feitos pela polícia civil (caso em A antinomia deve resolver-se com a
reito de punir: a lei estabeleceu' os Essa equiparação qúoad poenam ao que é observado o Código de Processo prevalência do dispositivo que limita a
limites da coadjuvação, que não pode crime de estelionato, do transporte e Penal comum) ou através de inquérito duração do inquérito policial, se o in-
ser transposta, sem grave dano ao da comercialização ilícita do café é in- policial militar, caso em que se observa diciado estiver prêso, de conformidade
princípio da titularidade do jus pu- teiramente descabida, sendo represen- a lei de segurança e o Código de Pro- com os princípios gerais que excluem.
niendi. Decisão unânime. tativa da péssima legislação elaborada cesso Penal Militar. em tais casos, os que restringem ou
em nosso país, por via de decreto, na- N o caso de inquérito feito pela polí- afetam o direito de liberdade. Formu-
quêle período. cia civil, decretada a prisão preventiva lamos essas conclusões constatando, me-
Contrabando. Não o configura o O TFR já decidiu que "o transporte, ou efetuada a prisão em flagrante, o lancolicamente, que são numerosos os
transporte no país de café de no país, de café de comercialização inquérito deve estar concluído em dez casos de prisão, na fase do inquérito,
comercialização proibida. proibida não configura o crime de con- dias. por prazo incomparàvelmente maior do
trabando, e sim o ilícito penal previsto Se se tratar de IPM, o inquérito deve que a lei autoriza, quando Se trata de
O Dec. lei 47, de 18/11/66, seguindo no art. 2. 0 do Dec.-Iei 47, de 1966". estar concluído no prazo improrrogável crimes políticos, inclusive com' a com-
numerosos exemplos de leis penais mal (Ap. Crim. 1.349, relator Min. ARMANDO de 20 dias, se o indiciado estiver prêso pleta falta de comunicação à autori-
'feitas e que revelam a falta de ima- ROLLEMBERG, D. J., 3/7/68, pág. 2.510). (art. 20, CPPM) , quer seja a prisão dade judiciária.

106 107
passagem do a:pelante. Acr,esce no caso
infundado. Tal pena foi abolida na
Latrocínio. Pluralidade de vítimas. nal; quant à la décision du juge pénal, que se cuidava de uma faIxa de segu-
Bolívià desde 2 de fevereiro de 1967,
fuexistênr,ia de concurso material. eUe /aisse libr.~ l'aJUtorité ddsciplinaire rança que servia a uma escola de
.quando foi promulg~d~ a nova Cons-
si lo juge pénal a estimé qUe le fait crianças o que recomendava maior
Mais uma vez o T .J. da Guanabara tituição, que a supnmIU (art.. 17). \
reproché na constituait pas une infrac- cautela.' Assim, o pretendido sinal
O STF já concedera antenormente
reafirmou a sua jurisprudência no sen- tion, puisque précisement wn jait peut aberto, na hipótese, carece de maior
h,abeas corpus semelhante, para que a
tido da irrelevância da pluralidade do être faute disciplinairesans être in- expulsão não se transformasse numa significação, vez que se omitiu o ~li:-e.ito
resultado morte na configuração do fraction pénaw; celui-ci a consvil>té que de preferência do pedestre, que ITIlClOU
extradição indireta. Cf. HELENO C.
crime previsto no art. 157, !§ 3.0, Cód. les faits reprochés n'avaient matériel- a travessia com sinal a seu favor e
FRAGOSO, Jurisprudência Criminal, nú-
Penal. A decisão desta feita foi pro- lement pas eu lieu parce que jo'lkf! alars tinha o direito de completá-la".
ferida por sua 3.a Câmara Criminal na mero 3. Na Ap. Crim. 1.717, a mesma 2.a Câ-
l'autorité de la chose jugée (Rev. Trim. A Comissão dos Direitos do Homem,
Ap. Crim. n.o 53.818, relator o ilus- Jurispr., 43/23). mara sendo relator ainda o juiz Os-
.do Conselho da Europa, incumbida de
tre Des. LIMA RoCHA, por unanimidade A sentença absolutória criminal, WALD~ GOULART PIRES, afirmou a im-
.fazer respeitar a Convenção Européia
(D.J., 8-10-70, pág. 521, do apensQ). como dizia CARRARA, em regra não pro- prudência do motorista que dá partida
,de Salvaguarda dos Direitos do Ho-
Essa orientação nos parece, daro ve- clama a inocência do acusado, mas a brusca em seu carro estacionado, sem
.mem, em decisão tomada em () de ou-
nia, incorreta e injustificável. Cf. FRA- insuficiência das provas recolhidas se assegurar de que não há pedestres
tubro de 1962 admitiu pela primeira
GOSO, Juri8lJ11"Udênc:ia Criminal, n.o 66. em travessia, que para sua manobra
para submetê-lo a castigo. Em nosso vez que a exp~lsão de um estrangeir,o
Os graves defeitos do atual Código direito, pode o juiz na sentença abso- não estavam advertidos, Decisão unâ-
:para um país determinado pode constI-
Penal nessa matéria e as incertezas da lutória (art. 386, Cód. Proc. Penal) re- nime.
tuir tratamento desumano (Cf. Bulle-
jurisprudência ficarão sanados com o conhecer ter sido provada a inexistên- tin de la Commission Internationale de
nôvo Código Penal (art. 168, § 3.°). cia do fato. Pode também absolver por- ,,Juristes, n. o 24, de. 1965, pág. 15). Crime de automóvel. Prova.
que não houve prova da existência do
llícito penal e ilícito administrativo. fato ou porque não houve prova de No julgamento dos Embargos de Nu-
que ° réu concorreu para a infração. lidade e Infringentes do Julgado, na
'Crime de automóvel. Imprudência
No Rec. Extr. 40.213, julgado pela A absolvição criminal, em regra, não Ap. Crim. 1,013, decidiram as Câma-
na ultrapassagem de faixa de
3.a Turma do STF, relator o eminente impede a pena disciplinar. Isso só ras Criminais Reunidas do T .A. da
segurança. Irrelevância do sinal
Ministro PRADO KELLY, considerou-se a ocorrerá se o juiz criminal afirma a Guanabara, relator o ilustre juiz Os-
aberto.
situação de funcionário público demi- inexistência do fato ou reconhece que WALDO GOULART PIRES, que "sem prova
tido, que pleiteava reintegração. O o réu não o praticou, pois nesse caso A hipótese considerada pela 2'.a Câ- direta e positiva de culpa é inexeqüí-
autor era fiscal de rendas e respondeu a matéria não pode ser reaberta na mara Criminal do T. T. da Guanabara, veI conclusão condenatória". Na hipó-
a processo criminal por concussão (ar- esfera cível ou adminhltrativa, por fôr- na Ap. Crim. 1.347 era a seguinte.: tese a única prova existente era a da
tigo 316, Cód. Penal) em que foi ab- ça da coisa julgada (art. 1. 525, Cód. aproximava-se o motorista de uma faI- oco;rência de um choque entre auto-
solvido, porque se afirmou ter havido Civil). Cf. HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, xa de segurança situada em frente a móvel e triciclo, à noite, com vítimas,
crime putativo, por obra de agente pro- Jurisprudênez'c, Criminal, n. o 4. uma escola, com sinal fechado para os quando os veículos íam ;10
mesmo se~­
vocador. veículos e com carros parados em obe- tido. A mecânica do aCIdente, a razao
O juiz julgou a ação improcedente, diência ao sinal. Antes de chegar à do choque, nada pôde ser apu:-a,?-o,
e o Tribunal (São Paulo) confirmou Expulsão. Concessão de h.c. para faixa o sinal abre, mas os carros que Afirmou-se no acórdão, com precIsao:
a sentença, que o STF manteve, em impedir entrega a determinado estavam parados assim continuam, não "Não cabe ao réu demonstrar que não
decisão unânime. Entendeu o tribunal país. partem e encobrem a visão do mot?~ista é culpado ou que é inocente, m.as ao
que as instâncias administrativa e ju- que se aproximava, não lhe p~rmltmdo M.P. evidenciar sua culpa. A SImples
diciária são independentes, bem como No julgamento do HC 44.329, rela- ver que havia pedestres reahzand? a evidência material, a verificação do
as órbitas peculiares, ao poder discipli- tor o Ministro Ewy DA ROCHA, conce- travessia. Apesar disso o motorIsta choque com vítimas, por si só, não de-
nar e ao penal. Afirmou o relator que aeu o Tribunal Pleno a ordem para prosseguiu e atropelou um me~or. , monstra a culpa na espécie".
'''daria pela submissão da autoridade que o paciente não fôsse expulso para A culpa do motorista era Irrecusa-
executiva à coisa julgada, se a justiça a Bolívia. Tratava-se de asilado polí- vel e assim decidiu a Câmara por 1;lna-
houvesse reconhecido a inexistência ma- tico condenado no país por crime co- nimidade. O acórdão, da lavra do llu~­ Crime de automóvel. Concorrência de
terial dos fatos em que se fundaram, mum e submetido a processo de expul- tre juiz OSWALDO GoULART PmES, aSSI- culpas irrelevante.
a um só tempo, a ação criminal e o são. Temia que o govêrno o mandasse nala: "Evidente a culpa, inafastável a
inquérito administrativo". E invocou a para a Bolívia onde, segundo alegava, A 2. a Câmara Criminal do T. Al-
imprudência de avançar sem se assegu-
lição de LAUBADERE (Traité Elémenro,;,re poderia ser submetido à pena de morte çada da Guanabara, na Ap. Crimin~l
rar de que não havia pedestres em
de Droit Administratif, § 1.362, pá- (Rev. Trim. Jurispr., 43/74). n.o 1.260, por unanimidade, decidIU
curso de travessia e, conseqüentemente,
gina 706): La déc:ision de l'aJUtorité Desejamos observar que o temor do que é irrelevante a eventual culpa de
com preferência e precedência sôbre a
disciplinaire ne Ue jamais le juge pé- impetrante quanto à pena de mort.e era
t09
108
outro motorista, dando aplicação ao juiz OSWALOO GOULART PLRES, foi unâ-
princípio de que não há compensação nime.
MotivO'$ (n. o 18) que justifica a omis- normas de cultura, entende que se o
de culpas no Direito Penal. Na: hipó- são de referência ao silvícola inadapta- indígena é' incap_az de captar a norma
tese, o agente trafegava em velocidade do, através do emprêgo da expressão de cultura, fundamento da antijuridi-
imprópria, por lado proibido da pista, Crime de automóvel. Aprendiz nã~ ,desenvolvimento merntal, pois o têrmo cidade da ação, não poderá agir dolo-
dando causa a violento choque com veí- age com imperícia. mental "é relativo a tôdas as faculda- samente. ,
des psíquicas, congênitas ou adquiridas, Por tais razões, seria indubitàvel": \,
culo que se achava estacionado irregu-
larmente. Foi relator o ilustre juiz Na Ap. Crim. 1.894, a 2.6 Câmara desde a memória à consciência, desde mente mais correto estabelecer expres-
OSWALDo GoULART PmES. do T. A. da Guanabara decidiu, por a inteligência à vontade, desde o ra- samente a inimputabilidade do silvícola
unanimidade, que "o aprendiz de dire- ciocínio ao senso moral". inadaptado. Aqui, com grande clareza,
ção de veículo auto-motor, habilitado- Nem sempre a questão estará bem revela-se muito bem o caráter valora-
Crime de automóvel. Imprudência para aprendizagem e acompanhado de' posta pelo aspecto da inimputabilidade. tivo do juízo de imputabilidade, que
pelo estado de veículo de carga. instrutor, não responde penalmente por Imputabilidade é capacidade de culpa, compete ao julgador, na análise da ca-
imperícia eventualmente originadora de, vale dizer, capacidade de entendimento pacidade de culpa.
Afirmou a 2.a Câmara do T. A. da acidente em que se envolve". "A im- do caráter reprovável da ação que exe- A bibliografia sôbre o tema não é
Guanabara a imprudência de motorista perícia é típica e normal no aprendiz cuta e capacidade de governal' a con- muito ampla. Cf., no entanto, RAUL
de caminhão que trafega com o seu de direção. Por isso que é êle apren- duta conforme as exigências do orde- CARRANCÁ Y TRUJILlIO, La organización
veículo sem uma das rodas do eixo diz e está aprendendo as regras técni- namento jurídico. Parece-nos ter razão social de los antiguos mexicanos, Mé-
traseiro (que era de roda dupla). O cas da condução de veículos. A impe- MANUEl. DURAN (El indio ante el de- xico, 1966 especialmente págs. 64 e
acidente ocorreu quando o carro rea- rícia que a lei penal pune é a do .ha- recho penal, in Estudios Juridicos en segs.; JosÉ MEDRANr() OSSIO, Responsa-
lizava uma curva em declive, perdendo bilitado pelo poder público para diri- H omenaj,g al Professor LUtÍ8 Jimenez de bilidad penal de los indigenas, Potosi,
a estabilidade. Do acórdão lê-se: "É gir; não sendo exigível do habilitado Asúa, Buenos Aires, 1964, pág. 556) 1941; ANGEl. VINAN, El problema de
imprudente o motorista que roda com a aprender a dirigir. Pela imperícia quando diz que "no hay fundamento la responsabilidad penal de'l indigena
seu veículo de carga com falta de uma dêste responderá, quando pudesse ser válido alguno para formular como prin- equatoriano, in Revista de Ciencias Pe_
roda no eixo traseiro, que é de roda- superada, o motorista instrutor" cipio general, el de la inimputabilidad nales, Santiago de Chile, jul-set., 1943,
gem dupla e acaba por causar aciden- Diversa é a situação se o mot~rista -deI indio". Escrevendo em relação ao pág. 274. Intervindo na reuinão que
te, em tombamento do carro, em fun- aprendiz conduz o seu veículo desacom- índio boliviano, diz DURAN: "El indio realizou no México a Comissão Reda-
ção da má estabilidade". Decisão unâ- panhado. Na Ap. Crim. 1.269, a en general posee la capacidad suficien~ tora do Código Penal Tipo para a Amé-
nime, na Ap. Crim. 1. 908, relator o 2.a Câmara Criminal do T. A. da Gua- te para darse cuenta de sus actos y rica Latina, em' outubro de 1965, o sau-
eminente juiz OSWALDO GoULART PmEs. nabara, relator o ilustre juiz OSWALOO está dotado deI sentido ético necesario doso prof. CARRANCÁ Y TRUJILIJO ob-
GOULART PIRES, decidiu por unanimi. para apreciar aquellos inmorales o servava: "Realmente no veo por qué
(Jrime de automóvel. Tráfego junto dade, que há imprudência por parte do prohibidos y para abstenerse de eje- se ponga en el banquillo constantemen-
ao meio-fio. motorista aprendiz quando conduz o cutarlos. Vive de acuerdo con normas te como faltos de desarollo mental com-
veículo sem a presença do motorista morales que vienen de sus antepasados pleto a los indigenas", pois "pueden
O T .A. da Guanabara, na Ap. Cri- habilitado. Na hipótese, o motorista y es casi seguro que si alguien se de- tener un desarollo mucho más com-
minal 1.875, por sua 2.8. Câmara afir- desatendeu à sinalização e foi chocar-se dicase a hacer un estudio comparativo pleto que outras razas" ('Codigo Penal
mou a imprudência do motorist~ que com outro veículo. de la moralidad media de la población Tipo para IAtinowmericano, México,
trafega demasiado rente ao meio-fio que habita en las ciudades con la de 1967, pág. 191). Advirta~se, no entan-
sem as cautelas adequadas e colhe pe~ los indios, llegaria a la conclusión sor- to, que a questão dos indígenas em di-
destre que ali se achava, aguardando Imputabilidade. Silvícola. prendente de que en esa comparación versos países latino-americanos (como
a oportunidade de travessia. Trata-se No H. C. 45.349, relator o ilustre resulta favorecido el elemento autóc- a Bolívia, o Peru, o Equador, etc) é
de tJráJfego perigoso. No limite da cal- Ministro DJACI FALCÃO, decidiu por tono. Lo prueba el hecho fácilmente bem diverso da que se apresenta em
çada estava uma criança, prestes a unanimidade a 1.a Turma do STF que comprobable de que la criminalidad deI nosso país. Na Bolívia, por exemplo,
atravessar a rua, em local de traves- "na cláusula de desenvolvimento men- indio es reducida, si se considera que o elemento indígena constitui a maio-
sia de pedestres estando à vista dos tal incompleto ou retardado, prevista tiene menos posibilidades que el blanco ria da população.
motoristas que por ali passavam. A no art. 22', Cód. Penal, pode situar-se para eludir la acción de la justicia, por
eventual imprudência da vítima em fi- o silvícola ", desde que fique demons- su desamparo economlCO y social". Co-autoria. Vínculo psicológico.
car em local que não a protegia inte- trada a sua inadaptação à vida do Trata-se de atribuir relevância jurídica
gralmente de veículos que viessem mui- meio civilizado (D. J., 11-10-58,pá- ao deficit social dos silvícolas, enquanto O aspecto subjetivo do concurso de
to rentes ao meio-fio era irrelevante. gina 4.117). estranhos e alheios ao nosso estilo de pessoas no fato punível foi assinalado
A culpa do motorista era evidente. A' No sentido da decisão é bem carac- civilização. no julgamento dos Embargos de nuli-
decisão, em que foi relator o ilustre terística a passagem da Exposição de ASÚA (El OriJminalista, tomo IX, dade e infringentes, na Ap. Criminal
1944, pág. 256), partindo da teoria das n.o 41.798, realizado pelas Câmaras

110
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relator Ministro PEDRO, CHAVES (Rev. rior a dois anos pode $er suspensa, des-
Criminais Reunidas, do T. J. da Gua- "A não ser em casos excepcionais, Trim. Jurispr., 36/254). de que e:;;tejam reunidas as condições
nabara. Roi relator oDes. LoURIVAL de culpa gravíssima e de circunstân- previstas nos incisos I e II do mesmo
Go.NÇALVES DE OLIVEIRA. Do acórdão, cias singulares que rodeiem o fato, de dispositivo. A mesma regra está con-
lê-se: "Para que se verifique o con- modo a exigir aplicação de pena bas- Decadência. Crime continuado. Crime signada no art. 696, Cód. Proc. Penal.
curso de agentes é necessário que haja tante severa, não há como, nos crimes co.ntra a pro.priedade industrial. A jurisprudência dos tribunais, no \
vínculo psicológico que una as ativida- culposos, partir da média do máximo entanto, têm-se firmado no sentido de
des em concurso, ou seja, a vontade e do mínimo quando se trata de crimi- N o II. C. 20.822, decidiu a 2.a Câ- excluir a faculdade, se se reúnem os
consciente de cada co-partícipe na re- noso primário. A circunstância prepon- mara Criminal do T .J. da Guanabara, requisitos da lei, afirmando ser obri-
ferida ação coletiva". Não se exige o derante é a primariedade, devendo a relator o eminente Des. OLAV1() TOSTES gatória a concessão do sursig ao sen-
ajuste prévio, bastando a consciência e pena-base aproximar-se em ser fixada FILHO., que não há falar em .deca~ência tenciado que satisfaz aos requisitos da
vontade de cooperar na ação comum. no mínimo. Após essa operação, o juiz do direito de queixa se o CrIme e con- lei. O sursis seria, assim, um direito.
Ficaram vencidos os Desembargadores fará os aumentos ou diminuições espe- tinuado. N a hipótese tratava-se de Essa orientação foi consagrada nO
ODUVALOO ABRITTA, ROBERTO MEDEIRüS cificados na parte geral ou na especial". crime contra a propriedade industrial julgamento do H. C. 43.676, pela
e JosÉ MURTA RIBEIOO que julgavam No caso em julgamento, êsse voto e' o querelante, há mais de 4 anos, h~­ 3:a Turma do STF, relator o Ministro
estar evidenciada a participação dos não prevaleceu, pois os Ministros ADA- via notificado o réu para que se abstI- ELo.y DA Ro.CHA, que em seu voto afir-
recorrentes (Rev. JUrrispr., 13/334). LÍero. NOGUEIRA e ADAUC'I'o. CARDOSO de- vesse da fabricação criminosa, revelan- mou: "Não mais se discute que, reu-
Cf. HELENO, C. FRAGo.So., Jurisprudência negaram a ordem. Prevaleceu o voto do o seu inequívoco conhecimento do nidos os requisitos legais, ao senten-
Ciminal, n. o 15. do Ministro ALIOMAR BALEEmo., redu- crime. Quando promoveu a ação penal, ciado se deve conceder a suspensão con··
zindo a pena a 24 meses de detenção, logo em seguida à apreensão dos arti- dicional da pena". A questão se resu·
como voto médio. Decisão da 2.a Tur- gos com a marca fraudulenta, alegou me em saber se o condenado preenche
Aplicação. da pena. Crime culpo.so. ma (Rev. Trim. Jurispr., 43/741). o querelado que havia decadência, pois
os requisitos da lei.
estava ultrapassado largamente o pra-
No caso, tratava-se de pessoa conde-
Votando no julgamento do H. C. zo do art. 38, Cód. Proc. Penal. nada por homicídio culposo, praticado
h.o 44.485, o eminente Ministro EVAN- Aplicação. da pena. Réu menor. ea- Afirmou a Câmara, com inegável
na condução de automóvel. O tribunal
DRJo. LINS E SILVA, referindo-se a deci- auto.ria. acêrto, que o crime era continuado e ordenando a concessão do sursis, man-
são em crime culposo, deixou consig- que o artigo de lei invocado s'omente dou que entre as condições figurasse a
nado: "A meu ver a sentença é nula, Concedeu o STF, por sua 2. a Turma, poderia referir-se às infrações já con- prova da boa conduta, inclusive com
e o acórdão da apelação não a corri- o H. C. 43.985, relator o Ministro ALIü- sumadas, não àquelas que continuam certidão do serviço de trânsito. Exce-
giu, no ponto fundamental, que a torna MAR BALEEIRO, para anular sentença no tempo, em relação às quais a c?n- lente iniciativa (Rev. Trim. Jurispr.,
írrita. A nulidade decorre da desobe- que impôs a réu menor, em caso de tinuidade da ação criminosa protraI o
diência ao art. 42, Cód. Penal, pois co-autoria, a mesma pena imposta a 42/722).
início da decadência e da prescrição.
dela não consta a menor referência à outros réus adultos. A menoridade é Entendeu ainda, a Câmara, que nos
personalidade do agente". circunstância que sempre atenua a pena crimes cont~a a proprieáade imaterial, Aplicação da pena. Fixação da pena-
Assinalou, a seguir, que a sentença (art. 48 n.o I, Cód. Penal). o prazo de decadência não começa do base.
era pouco clara quanto ao grau da culpa Salientou o eminente relator que, em conhecimento da infração penal pelo
e às circunstâncias e conseqüências do caso de co-autoria e participação, é ne- lesadO', mas da sua inércia por mais O STF tem decidido, em diversas
crime, acrescentando: "Ao mesmo tem- cessário que se estabeleça, na sentença, de 30 dias, após a homologação do lau- oportunidades, que a aplicação da pena
po, para fixar a pena-base, a sentença em que consistiu o concurso de cada do de exame dos artigos apreendidos, exige a fixação da pena-base, que se
não obedeceu à regra do art. 49, do um dos que contribuíram para o delito. a que alude o art. 52'9, Cód. Proc. Pe- determina atendendo às circunstâncias
Cód. Penal. Entre as circunstâncias De outra forma não será possível rea- nal. Observamos que em contrário já judiciais e aos elementos previstos ~o
preponderantes a que alude essa dis- lizar correta individualização da pena. se pronunciou o STF (Cf. HELENO C. art. 42 do Código Penal. E que s'Ü-
posição, como critério para ser seguido Domina hoje a matéria a regra se- FRAGo.Sü, Jurisprudência Criminal, nú- mente é dispensável tal fixação, quando
pelo juiz, está a personalidade do agen- gundo a qual cada partícipe será pu- mero 291). A decisão foi unânime se trata de impor a pena nO' mínimo
te. A essa personalidade a ,sentença nido de acôrdo eom a sua, culpabilida- (Rei). Jurispr., 13/360). (Revista B'fI,a,sileíra Crimin. e Direito,
não faz referência. Daí não se saber de, e independentemente da culpabili- Penal, 12/146) ou não ocorrem circuns-
a razão pela qual a sentença chegou à dade dos demais. Cf. nôvo Código Pe- tâncias legais de agravação ou ate-
Suspensão condicio.nal da pena. :í!: nuação. No h. c. 43.693, da 1.a Turma,
pena-base de 24 meses, ou seja, a me- nal, art. 33, § 1.0. Essencial é, por-
o.brigatória ao. condenado que consta do voto do eminente relator, o
tade da soma do mínimo com o máxi- tanto, que se estabeleça o alcance da satisfaz o.s requisitos da lei.
mo, critério que se adota para a rein- participação (Rev. Trim. Jurispr., Min. EVANDRO LINS E SILVA, o entendi-
cidência escpecífica, a fim de aplicar 41/478). Ci., igualmente, H.B. 42.998, ,Segundo o art. 57, Cód. Penal, a exe- me,nto prevalente: "Só há necessidade
a pena acima dessa média (art. 47 relator Ministro ETANDRO LINS E SILVA cução da pena de detenção não supe- de uma expressa referência à pena-base
n.O I)". (Rev. Trim. JurWpr" 36/302) e 42.912,
113
112
quando essa há de sofrer acréscimo ou Suspensão rondicional da pena. Pena ac.essorla. Crime cometido com pena accessória. Assim, BENTO DE F A~
diminuição pela interferência de aten- Condenação à pena de multa automóvel. Não é obrigatória. RIA (Código de PrOOess<i Penal, 1942,
nu antes ou agravantes legais. Quando não a prejudica. vol. II, págs. 207/8); EDUARDO Es-
não haja, como no caso, agravantes ou O Tribunal de Alçada da Guana- PÍN'OLA FILHO. (Código de Processo Pe-
atenuantes obrigatórias a considerar, Decidiu a La Turma do STF, relator bara, por sua 2. a Câmara na Ap. nal Brasileiro Anotado, vol. V, n'O ........
não há que falar em pena-base, pois o Sr. Min. DJkCI FALCÃO., que a con- Crim. 279 relator o juiz Jo.RGE ALBERTO 1.2:72, pág. 878/9); FLORÊNCIO. DE ABREU \
esta é a que deveria resultar do com- denação posterior à pena de multa não RoMEIRO, 'decidiu por unanimidade que (Comentários a.o CódigO' dl9 Process'o
plexo das chamadas circunstâncias ju- implica em revogação do sursis anterior- a pena accessória prevista no art. 69 Penal, 1945, vol. V, n. o 181, pág. 365)
diciais arroladas no art. 42 e se iden- mente concedido. Trata-se de aplicar n. o IV Código Penal não é obrigatória. e ARY FRANCO (Código de Processo
tificaria assim com a pena fixada" Na hipótese, o réu havia sido condenado Penal, voI. II, pág. 288).
o art. 59, I Código Penal, que dispõe:
(Rev. Trim. Juri8(pr., 40/324). por lesões corporais culposas, em crime Êsses autores, como evidenciou o
"A suspensão é revogada se, no curso ue automóvel, e o M. P. recorrera para
Todavia, no h. c. 43.857, da mesma ilustre relator, basearam-se na lição de
do prazo, o beneficiário é condenado, pleitear a imposição da medida de se- MANZINI (Trattato di Diritto Proces-
turma, funcionando o mesmo ilustre por sentença irrecorrível, em razão de
relator, seguiu-se entendimento diverso. gurança, que o juiz expressamente suale Pe1/U1.113, voI. IV pág. 579) relativa
crime, ou de contravenção pela qual havia excluído. ao direito italiano, que faz da pena
N o caso, o juiz deixara de fixar a pena-
tenha sido imposta pena privativa de Na sentença o juiz afirmara: "A in- accessória, em todos os casos, conseqüên-
base, tratando-se de lesão corporal gra-
liberdade" . terdição do exercício de profissão, em cia da condenação (art. 20, CO'dice di
ve, ocorrendo a agravante do art. 44,
O STF vem excluindo os casos de con- meu entender é mais medida de se- Procedurr.a Penale). A situação no di-
II, f. Considerou o juiz tôdas as cir-
denação à pena de multa das restrições gurança do que propriamente pena e reito brasileiro é diversa.
cunstâncias judiciais e os demais ele-
impostas ao sursis pela prática de só deve ser concedida em situações de- Em nosso direito, a pena accessória
mentos do art. 42 e, ainda, a agravante terminadas, comprovado o abuso, que
outro crime. É orientação que deve ser está sujeita à proibição da reformati!>
legal, chamando de pena-base o quan- não existe no caso, já que não demons-
aplaudida porque atende às finalidades in pejus, salvo quando resulta "da sim,..
tmm que então determinou. Nessa de- trada a periculosidade do acusado, nos pIes imposição da pena principal" (ar-
cisão, entendeu a Turma que a pena- do instituto. A decisão proferida no
trinta e cinco anos em que dirige. Sua tigo 70 ,§ único Código Penal). Cf.
base deve ser fixada compreendendo já h. c. 44.080, por unanimidade, certa- aplicação generalizada teria efeitos anti- HELENO C. FRAGOSO, Juris'[Yl"uaência.
as circunstâncias legais, de tal forma mente dará lugar a reiterados pronun- sociais, tendo como conseqüência até Criminal, n. o 323.
que só restariam a considerar as causas ciamentos no mesmo sentido. O emi- enveredarem os réus na seara do cri- Na Ap. Crim. 1.715, a 2.a Câmara
espeCIaIS de aumento ou diminuição, nente Min. VICTOR NUNES assinalou me, quando incapacitados para o exer- do T. de Alçada da Guanabara, reiterou
previstas na Parte Geral ou na Parte que já havia votado em sentido con- cício imediato de outra atividade ou em a sua jurisprudência, em acórdão unâ-
Especial. (Rev. Trim. Jurispr., 40/329). trário, no Rec. Extr. 56.308, não tendo dificuldades para obtenção de emprê- nime em que foi relator o ilustre juiz
Parece-nos que a primeira orienta- o seu voto prevalecido. (Rev. Trim. go quando ultrapassada determinada OswALDO GOULART PIRES. Nesse acórdão,
ção é que é a correta. O que se pre- JuriS'[Yl"., 41/84). idade". lê-se: "primário e sem maior reper-
tende é levar o juiz a exata motivação A 3.a Turma, no h. c. 43.731, re- Assinalou o acórdão que a orientação cussão penaI a sua culpa, não é de
do qwamtum da pena aplicada, reconhe- lator o ilustre Min ELOY DA ROCHA, da sentença apelada era a da maioria se aplicar a pena accessória, que se di-
cendo nisso um elemento de garantia afirmando que a anterior condenação a dos juízes de primeira instância, lem- rige, segundo a jurisprudência tran-
para o condenado. O juiz deve demons- pena de multa, ainda que por crime, brando que o anteprojeto HUNGRIA quila dêste tribunal, aos que revelam
trar como chegou à pena finalmente não obsta à concessão do sursis, pon- transformara tal interdição em medida periculosidade, tal como se fôra uma
imposta. Ora, se existem elementos de deradas as circunstâncias e, entre de segurança (art. 91). Gf. nôvo Có- verda.deira medida de segurança". No
agravação ou atenuação obriga,tórios, elas, a de ser primário o réu, assi- digo Penal, art. 97. Manteve o acórdão mesmo sentido a 2.a Câmara decidira
que são as circunstâncias legais, não nalou que o legislador fornece ao jul- a orientação prevalente, entendendo que na Ap. Crim. 477, relator o juiz EPA-
há dvida de que tais elementos devem gador motivo para estender, conside- seria IDlqUO alterá-la nos raros casos MIN'ONDAS PONTES, por unanimidade:
incidir sôbre a pena que o juiz apli- rando o caso, a regra da revogação de recursos que chegam à segunda "A pena acessória consistente na proi-
caria à sua falta. Essa é a· chamada facultativa. A pena de multa, mesmo instância. bição de dirigir veículo só se justifica.
pena-base. Sabemos muito bem que Interessante questão surgiu nesse sendo o apenado perigoso".
aplicada na condenação por crime, é
acórdão, um pouco à margem do tema
êsse critério de aplicação da pena é hoje reveladora da inexistência de gravidade
principal: se a proibição da reformatio
objeto de críticas muito sérias e que na infração. A decisão foi unânime.
in pejus refere-se também à pena ac- Perdão do ofendido. Pode ocorrer, se
desaparecerá, certamente, no futuro (Rev. Trim. Juris'[Yl"., 42/237). Veja-se
cessorIa. Lembrou o eminente relator há recurso extraordinário.
Direito Penal. Mas, por ora, o critério também, da 3.a Turma, a decisão unâ- que vários de nossos tratadistas res-
da lei parece claro e deve ser obedecido. nime proferida no h. c. 44.133, relator pondem pela negativa, admitindo, por- Decidiu o STF, por sua 3.a. Turma,
Veja-se o nôvo Código Penal, art. 63,' o ilustre Min. GONÇALVES DE OLIVEIRA tanto, que a proibição da reformatio unanimemente, relator o eminente Min.
que esclarece definitivamente o assunto. (Rev. Trim. Jurispr. 42/526). in pejus não colhe quando se trate de P.RADO KELLY, que o perdão do ofen-

114 115
dido extingue à punibilidade nos crimes ceiro. Como decorreram seis meses,
de ação privada, mesmo quando, não desde o casamento, sem que a ofendida 388 à ação penal pública já iniciada 43/390) também aderíu, assinalando':'
havendo mais recurso ordinário, há re- ou seu marido ratificasse a representa- pela denúncia, que é indisponível, sendo "Que interêsse. há em que se prossiga
curso extraordinário pendente. A de- ção, pleiteava o criminoso a extinção por outro lado, irretratável a repre- num processo ou que se leve a conde-
cisão foi proferida no h. c. 43.690. Na da punibilidade. A ação penal, eviden- sentação, depois de iniciada a ação. Em nação a um homem, quando aquela que
hipótese, o paciente fora condenado por temente, era pública. tais circunstâncias, "não há vontade da êle ofendeu, casando-se com outro, já
crime contra a propriedade industrial, Diz a Súmula 388: "O casamento da ofendida que possa fazer' cessar a ação fez reparar, plenamente, o mal que êle \
tendo sido absolvido em primeira ins- ofendida com quem não seja o ofensor pública". "Nenhum fato ulterior à de- lhe causara?". .
tância e condenado em grau de recurso. faz cessar a qualidade do seu represen- núncia desfará a representação, trans- O excelente Min. EVANDRlO LINS g,
Interpôs então recurso extraordinário tante legal, e a ação penal só pode formando a ação pública em ação pri- SILVA esclareceu que o argumento da
'para o STF. prossegUIr pOr iniciativa da própria vada, ou acarretando a ilegitimidade irretratabilidade da representação re-
Entrementes, as partes entraram em ofendida, observados os prazos legais do Ministério Público, que age como solvia-se da seguinte forma: "Esta é-
,composição e o querelante perdoou o de decadência e perempção". órgão do Estado, e não representante uma representação condicionada. O Mi-
.querelado. O Tribunal de Alçada de Tanto na Turma como no Plenário, legal da ofendida". nistério Público, ao oferecer a denúncia
,são Paulo entendeu ser inadmissível o o eminente Min. EIJÜY DA ROCHA for- Concordando com as observações do levou em consideração que a ofendid~­
iPerdão àquela altura, tendo em vista mulou objeções seríssimas ao entendi- Min. ElJOY DA ROCHA, o Min. PRADO era solteira, era menor de idade e era.
'que o art. 107 ,§ 3. 0 Código Penal esta- mento da maioria, segundo o qual a KELLY recomendou a remessa do pro- miserável. No curso da ação penal mo-
helece que "não é admissível o perdão Súmula 388 era aplicável à hipótese cesso do Tribunal Pleno, asseverando dificou-se o estado inicial da ofendida •.
Gepois que passa em julgado a sentença em julgamento. Dizia êle que sua di- que nunca em seus votos atribuiu tão As condições preliminares se alteraram
condenatória". vergência era menos com o enunciado larga eficácia à Súmula 388. no curso da ação penal, com o casamen--
Com exatidão afirmou o Min. PRADO da Súmula, do que com a amplitude de No Tribunal Pleno o debate se re- to da ofendida. De solteira que erre
KELLY: "À data do perdão, pendia re- sua aplicação. Observava que a Súmula novou. O relator, Min. GONÇALVES DE tornou-se casada desaparecendo condi-
curso extraordinário interposto do acór- somente pode se referir aos casos de OLIVEIRA, afirmava' não ser possível ção essencial para punibilidade nos cri-
dão condenatório. É certo que o apêlo ação privada, inclusive porque alude a um tratamento diferente entre moças mes contra os costumes. Com o casa-
extremo não tem efeito suspensivo ('Có- decadência ou perempção que inexistem pobres e ricas. "O processo destas se mento passou a haver uma nova re-
digo de Processo Penal, art. 637), mas na ação pública: "Aceito a construção inicia por ação privada e dá-se desis- presentação". Em conseqüência dêsse
também é certo que só opera coisa jul- na forma da Súmula 388, na ação penal tência com o casamento. Em relação raciocínio, a irretratabilidade da ação
privada, promovida mediante queixa; às môrças pobres, em que a ação penal penal prevista no art. 104 do Código
Dada, material e formalmente, a decisão
da qual já não caiba recurso (lei de . ou, ainda, na ação pública, dependente iniciada torna-se pública, não poderá Penal e 25 do Código Processo Penal,
de representação, antes de oferecida a haver desistência?". nos casos de representação da ofendida,
introdução ao Código Civil, art. 6. 0 ,§
,3. 0 ), seja êle ordinário, com apôio nas denúncia. A ação privada, intentada O Min. ElJOY DA ROCHA fez uma aná- está condicionada àqueles pressupostos.
leis processuais, seja extraordinário, mediante queixa ,ficará perempta pela lise da evolução da jurisprudência, que Tendo êles desaparecido, a ação penal
.com direito a arrimo na Constituição". ausência de ratificação, no curso do se cristalizou na Súmula 388 invocan- fica sem suporte. Verifica-se o seguin-
(Rev. Trim. Jurispr., 42/442). processo, da iniciativa da ofendida. Con- do os h. c. 29.885, 38.851, 39.071, 40.342, te: essa ação penal é retratável se a
sidera-se o fato do casamento da ofen- 40.32'7, 40.326. ofendida casa com o próprio ofensor.
Crimes cGutra a liberdade sexual. dida com quem não seja o ofensor, caso O Min. DJACI FALcÃo acompanhou Ela não é, pois, irretratável em têrmos,
interpretação da Súmula 388. de não permanência de iniciativa da o relator, que concedia o h. c. para de- absolutos, de acôrdo com a própria lei " ..
ação privada, exercida mediante queixa. clarar a extinção da punibilidade " so- A êsse último argumento evidente-
O enunciado da Súmula 388, bem Presume-se o desaparecimento dessa bretudo tendo em vista o sentid~ hu- mente apressado, observou o Min. ElJO'Y'
como a sua aplicação aos casos de ação iniciativa, quando tendo casado com mano e social da interpretação defen- DA RiOCHA que o casamento da ofen-·
pública, foram objeto de amplo reexame, terceiro, a ofendida não a confirma no dida por S. Excia." . No mesmo sentido dida com o agente não implica em re-
no julgamento do h.· c. 43.779, realizado curso do processo. Na mesma hipótese pronunciou-se o Min. ALIOMAR BAlJEEI- tratação ou desfazimento da represen-
pelo Tribunal Pleno, sendo relator o de casamento, pode-se presumir, tam- RIO, referindo-se sempre, no entanto, ao tação, mas na extinção da punibilidade,
ilustre Min. GONÇALVES DE OLIVEIRA. bém, a retratação da representação, crime de sedução, ao passo que se tra- por fôrça de dispositivo legal, o que
Originalmente considerada na 3. a para efeito da ação pública, enquanto tava de e$tupli"o: "Acredito que seria é fenômeno diverso.
Turma, a matéria foi enviada ao Pleno. ela fôr retratável, isto é, antes de ini- penosíssimo para uma mulher e para Aduziu ainda, o Min. EVANDRO LINS'~
Tratava-se de estupro cometido contra ciada a ação: Em virtude dessa pre- seu marido continuar a marcha de um "O preconceito da virgindade está sub--
menor de 12 anos incompletos, sendo o sunção, poderá ocorrer decadência do processo de sedução contra a vontade jacente na razão da punição. O pre-·
agente casado. Em virtude de tal crime direito de representação". dêles, revolvendo coisas que gostariam conceito cria para a menor ofendida,_
foi proferida sentença condenatória, Sustentava o Min. ElJOY DA ROCHA, de esquecer". em virtude de seu disvirginamento, di-
que se achàva' em grau de recursO, a nosso ver com inteira procedência, a O Min. ADAIJÍCJlO NOGUEIRA (que na ficuldades para o casamento~ a quase
quando a ofendida se casou com ter- impossibilidade de aplicar-se a Súmula 2.a Turma fôra relator de caso idên- imposibilidade da aceitação, em razão
tico, o h. c. 44.705, Re>v. Trim. Jurispr" dêsse prejuízo, pOT' parte' da homem,
116
117.'
em receber como espôsa uma mulher sel'vando o perigo que representa a ex- 1'0 não pode ter efeito sôbre o estupro ponsáveis, como defeituosamente pre-
que não seja virgem. Posteriormente, tensão dada à Súmula 388, abrangendo contra ela praticado. Basta pensar que viam antigas -leis. Sõmente o Código
vem essa mulher a casar-se. A razão casos gravíSSImos de estupro e rapto: êsse crime pode ser praticado contra italiano o inclui entre os fatos puní-
de ser do direito de punir, da nOrma .. Nesses casos não são só os interês- mulher casada. Se um perverso pratica veis mediante querela, que, no entanto,
legal, desaparece". ses da ofendida que devem ser consul- estupro contra menor de 12 anos, como declara irrevogável (art. 542). Nosso
Aderindo ao pensamento da maioria, tados". No mesmo sentido votou o Mi- dizer que cessa o interêsse social na Código, aliás, também declara a repre-
\
o Min. HERMES LIMA declarou: "Não nistro OSWALDO TRIGUEIRIO. Deixaram repressão, com o casamento? Como ad- sentação irretratável, depois de inicia-
vejo como se pode prosseguir na ação de partIcipar do julgamento os Minis- mitir que desaparece "a razão de ser da a ação (art. 104), numa passagem
quando a ofendida se casou, e, portanto, tros PRADO KELLY e HAHNEMANN GUI- do direito de punir e da norma legal"? rigorosamente ignorada pela jurispru-
se integrou na sociedade, através do MARÃES (Rev. Trim. Jur-ispr., 43/464). É claro que aqui o dano transcende o dência do STF em relação aos crimes
costume da moral, que a coloca em si- O estudo atual da jurisprudência de interêsse individual. contra a liberdade sexual.
tuação ~espeitável. A reparação apro- nosso Supremo, em substância, deriva Não conhecemos qualquer legislação Seria razoável também que a ofen-
veita a ela. Por que o Estado irá su- do fato de não admitir efeito diverso que atribua relevância jurídica ao ca- dida fôsse intimada, quando se reque-
jeitá-la aInda à agonia de um pro- do casamento da ofendida, com o agen- samento com terceiro. A extinção da resse a extinção da punibilidade. Sen-
cesso?" . te ou com terceiro, que a nossa lei cla- punibilidade no casamento com o ofen- do pública a ação, é claro que o re-
Com a maioria votaram também os ramente estabelece. Desatende às exi- sor é circunstância pessoal e subjetiva querimento da defesa nesse sentido é
Ministros PEDRIO CHAVES (" Como teria gências da lei e repele doutrina cons- (MANZI:NI, TrC/)ttar1o, voI. VII, pá- inteiramente despercebido. Já que a
() Ministério Público o direito de per- tante e antiga, com uma construção, gina 301), que significa a extinção da ação pública se transforma, estranha-
turbar um casal constituído sob a égide àata v enio" superficial, que não resis- pena para, Q agente, porque êle repa- mente, em ação privada, é necessário
.da lei; um casal que fêz um contrato te à análise. Isso ficou demonstrado, rou, se se quiser, a ofensa, e porque fazer um jôgo l1mvpo, para não benefi-
,civil de matrimónio, geralmente entre de forma completa, no voto exatíssimo não é possível separar, pelo processo, ciar ainda mais o criminoso.
:nós acompanhado por um ato religioso, do Ministro ElJOY DA ROCHA. duas pessoas agora ligadas pelo vín-
para dizer à espôsa: Você vai conti nuar A jurisprudência dominante baseia-se culo do matrimônio, em cuja manuten- Prescrição. Crime continuado.
sendo vítima de um estupro, que eu na. presumida inconveniência social do çào há prevalente interêsse social.
quero demonstrar e trazer ao público; processo, após o casamento com tercei- Não se percebe que dano pode advir Contra o voto do Ministro HAHNE-
.e ao marido: você foge aos padrões da ro, e na reparação que êsse casamento à fal!lília da ofendida com o prossegui- MANN GUIMARÃES, que a nosso ver es-
moral, pois tomou por espôsa uma mu- significa. mento do processo, em grau de recurso, tava com a boa doutrina, o STF, por
lher por outrem violada") e VICTOR É certo que a moral sexual de nosso em caso de estupro. Ao contrário, a sua 2. a Turma, voltou a afirmar, no
NUNES LEAL ("A falta de lógica, que tempo evoluiu extraordinàriamente, im- condenação do culpado exclui a dúvida H.C. 43.791, que o aumento de pena
em certo sentido poderia ser atribuída pondo uma visão diversa do crime de quanto ao procedimento da ofendida, relativo à continuação, não se leva em
à jurisprudência do Supremo Tribunal, sedução e da presunção de violência, em evidenciando que foi verdadeiramente conta para a prescrição. Relator para
em face da expressão literal da lei, certos casos. O tabu da virgindade não vítima de crime. o acórdão, Ministro EVANDRO LINS E
é apenas um réplica à falta de lógica existe mais para a juventude dos gran- Do ponto de vista técnico, parece que SILVA (Rev. Trim. Jurispr., 41/131).
do legislador, ao regular de maneira des centros. É preciso, no entanto, con- nada é necessário acrescentar ao que A 2. a Turma já havia decidido da mes-
diferente os efeitos do casamento com siderar, que a criminalidade sexual não já foi dito pelo Ministro Ewy DA ma forma no H. C. 46.653 relator o Mi-
<O ofensor ou com terceiro. Como já se limita às situações geralmente mais RoCHA. A interpretação dada à SÚ- nistro LAFAYETTE DE ANDRADA, ficando
ioi amplamente explicado, a extinção que duvidosas de sedução e rapto con- mula, 388 significa aplicar à ação pú- vencido o Ministro OswALDO TRIGUEIRO
·da punibilidade pelo casamento tem o sensual. A criminalidade sexual vio- blica em curso os princípios que regu- (Rev. Trim. Jwrispr., 411263) .
.sentido de constranger o ofensor a res- lenta é fenômeno grave e, em certos lam a ação privada. Em contrário já decidiu o TFR, no
taurar um status social, isto é, a sa- lugares, alarmante, não podendo rece- Essa ampliação da Súmula 388 torna H. C. 1.432, relator o Min. HENRIQUE
.tisfazer a legítima expectativa da ofen- ber o tratamento benevolente que o altamente recomendável considerar sem- D'ÁVILA (D.J., 31-10-66, pág. 3.785).
,dida de contrair matrimônio, equili- STF estabeleceu e que significa a im- pre pública a ação penal, independen- A matéria foi levada ao Tribunal
,brando, assim, de certo modo, os ma- punidade. Veja-se os trabalhos de temente de representação, quando se Pleno, com o julgamento do H. C. 43.740,
]efícios do crime. Se êsse equilíbrio, HARRY L. K0210L e outros, Ildelinquente tratar de estupro com violência real. relâfõr o ilustre Ministro LUIZ GAL-
.afinal foi encontrado, ainda que por sessuale perivoloso in senso vriminale, Nessa hipótese, o crime é complexo, liOTTI. O TF'R havia denegado a or-
'outra via, cessa o interêsse do Estado Quadierrni di Criminologia Clinica, 1966, sendo aplicável o art. 103, Cód. Penal. dem, por maioria de votos. A orienta-
(em prosseguir na ação penal, ficando n. o 2, e também JEAN GRAVEN, Le pro- É êste o mais grave dos crimes contra ção do STF foi mantida, concedendo-se
'o assunto no plano da conveniência das bleme de's délinquents sexuels devant a liberdade sexual, com o qual não de- a ordem contra os votos dos eminentes
-pessoas atingidas pelas repercussões la justice pénale en Suisse, Rev. Int. veria haver contemplação . ministros EIJOY DA RQCRA, PRADO
.sociais do processo"). Crim. Pol. Scientifique, abr.~jun. 1954, Em quase tôdas as legislações, o pro- KELLY, OSWALDO TRIGUEIRQ e HAR-
O Ministro ADAUCTO CARDOSO acom- pág. 1. eesso do crime de estupro não depende NEMANN GUIMARÃES ('Rev. Trim. Ju-
panhouo Ministro EWY DA RlOCHA, ob- O casamento da ofendida com tercei- da vontade da vítima ou Q.e seus res- risprudência, 41/345). A controvérsia é
119
118
conhecida e são conhecidos os argumen- H. C. 44.2'68, relator o ilustre Minis- própriá letra da lei: "La volontà delIo dibilidade de seus componentes. É o.
tos de ambas as correntes. Para nossa tro ALl'OMAR BALEEmo (Rev. Trim. Stato, imponendo di considerare come que diz DELIT~ (Reato continuado e
posição crítica à tese predominante, cf. Jurispr., 42/460). Veja-se também o un solo reato una pluraiità di reati". cosa giudioo,ta" Seuola Positiva" 1928, I,
HELENO C. FRAGOSO, Jurisprudência H. C. 45.288, da 1.a Turma, relator o Estão todos, porém, de acôrdo em pág. 118): "O crime continuado cons-
Crimin(/)l, n. o 40. Ministro VICTOR NUNES LEAL, no qual que se trata de crúne único. Eisa li- titui um título de delito por si, en-
No sentido da opinião dominante pro- se assinala que a jurisprudência do ção de nosso COSTA E SILVA (Comen- quanto os delitos ficticiamente compos- \
nuncia-se o nosso doutíssimo OSCAR Tribunal, no sentido de que para efeito tários ao Código Penal Brasileiro, 1967, tos em unidade, não podem mais re-
STEVENSON (Presicrir;ão do crime e da de prescrição não se conta o acréscimo pág. 237): "O crime continuado tem cuperar, em caso a,lgum, vida autó-
pena em pedido de extradição, parecer resultante da continuação, . aplica-se caráter unitário. É para todos os efei- noma".
publicado na revista Jurídica, n. o 99, também à prescrição da condenação tos de dir.Bito, um crime único". IMPALLOMENI (ob. e loco cits.) tam-
out.-dez. 1967, pág. 763), com invoca- (D .J. 25-4-69, pág. 1. 637). E ANIBAL BRUNO (Dir. Penal, vo- bém ensinava que o crime continuado
ção de autorizada doutrina: "Realmen- Entendemos que o crime continuado lume II, pág. 680): "No crime conti- "é único essencialmente, e não ficticia-
te, na estimativa da pena em abstrato constitui unidade para todos os efei- nuado há uma série de verdadeiras mente. A unidade do fato que o cons-
não se pode contar o aumento oriundo tos jurídicos. ações, cada uma das quais aparece iso- titui é jurídica, e não natural, em ra-
do crime continuado, embora o art. 157, Nossa lei é clara, ao definir o crime ladamente como crime perfeito, embora zão justamente de sua unidade jurí-
do Código italiano, mande alterar o continuado ('art. 51, § 2. 0 ), quando es- na realidade seja simples fração de um dica, n·ão é cindível e1n paTtes".
prazo se houver agravantes. É que o tabelece, em relação aos diversos cri- crime único que é a atuação total, uni- Características da orientação juris-
delito continuado não constitui senão mes, que "os subseqüentes devem ser das entre si as ações pela I'onexão na- prudencial e doutrinária na Alemanha
artifício jurídico, sem existência onto- havidos como continuação do primei- tural das circunstâncias em que se são as observações feitas por JAGUSCH
lógica, mera unidade complexa de de- ro". Que os diversos fatos que confi- repete". (Leipziger Kommentar, 8.a ed., 1957.
litos .ex vi legis. Não tem por isso a guram por si sós um delito, constituem A doutrina alemã é uniforme em pág. 595), de que se opõe à fragmen-
natureza de circunstâncias agravantes, uma unid(uile, não há qualquer dúvida proclamar a unidade do crime conti- tação processual do crime continuado
como bem evidenciou LEIONE (DeZ reato na doutrina. Isso pode se ver, inclu- nuado, extraindo daí tôdas as conse· (die verfahrensrechtliche Zerlegbarkeit
abitua,le, Continua to e Permanente Na- sive, remontando-se às origens do ins- qüências. Veja-se GRAF Zu DOHNA der Fortzetzungstat). A série conti-
poli, 1933, págs. 364, 365). Por 'iden- tituto, na conhecida passagem de FARI- (Aufbau der Verbrechenslehre, 1950, nuada só se separa com a sentença
tidade de razões, no cálculo da pena NACIO (unicum r.Bputandur furtum). pág. 66) ao afirmar que "uma plura- (V'DN LIzsT, ob. cit., pág. 253).
em concreto, para se precisar a pres- Divergem os autôres apenas quanto a lidade de delitos da mesma natureza é A necessidade de considerar o crime
crição extintiva da pena, faz-se de mis- saber se se trata de simples ficção ju- tratada como unidade, no direito mwte- continuado como unidade de ação fun-
ter desintegrar a pena resultante do rídica ou de unidade real. rial e processual, embora cada um dêles ciona a favor e também contra o réu,
crime continuado e distribuÍ-la pelos Alguns autores afirmam que o crime tenha sido concretizado como ação pró- como se pode ver pela regra da pres-
delitos componentes. É o que ensina continuado constitui uma unidade ver- pria (mas não independente)". crição (art. 111, letra c, Cód. Penal).
PILLITU, que ainda observa: "Disso dadeira e real, que a lei reconhece e HELMUTH MAYER (Strafrecht, 1953, É a correta lição de DOERR. (Die Lehr·9
deduz-se a importante conseqüência de disciplina, opondo-se à tese da mera pág. 408), também ensina que no crime von fortzesetztrm Delikt, Fr'wnk Fe'St-
que os múltiplos crimes em continua- ficção. Assim, por exemplo, PUNZ(} continuado, uma série de atos indepen- gabe, II, pág. 214) que afirma não ha-
ção deverão considerar-se todos extin- (" Reato continuado", 1951, pág. 146): dentes é considJer.ada, como fato unitá- ver nesse case prescrição aos pedaços
tos, quando se extinga o delito que deu "II reato continuato non e una finzione. rio (cr,ls eine enheitlic'he Tat be·handelt). (Kein.8 sf1ückweise Verjahrung).
lugar à pena base" (Il reato conti- ne una realtà sol tanto giuridica, ma No mesmo sentido, com a clareza habi- Por essas razões, não nos parece
nuato, Padova, 1936, págs. 120, 121). un'unità vera e reale che Ia legge ri- tual, VON LIZST (LBhrbuch, 26,'a edi- exata, data venia, a jurisprudência que
N o mesmo sentido a lição dos autores conosce e disciplina". ção, 1932, pág. 352'): "Diversos fatos se consolidou e que o nôvo Código Pe-
- LEONE, obro cit., págs. 361, 363: No mesmo sentido, ALIMENA ("Sul' independentes devem aqui ser julgados nal consagra (art. 111, :§ 3.0 ). Sôbre
PISAPlA, Re'ato continua to, Napoli, 1938, concorso di reati e pene", Enciclopedia jurIdicamente como unidade". crime continuado, extensamente, cf.
pág. 85; PUNZO, Reato continuato, Pa- Pessina, voI. V, pág. 403); DE MARSICO' N a Alemanha, essa lição comum re- RDP, n. o 1, pág. 106.
dova, 1951, pág. 185. 1l';ste último che- ("Diritto Penale", 1937, pág. 392); monta às notas de MITTERMAIER à
ga mesmo a assentar a tese de que, PISAPIA ("Reato continuato" 1938 14,'a edição do Tra,tado, de FEUERBACH Prescrição. Crime falimentar.
transcorrido o prazo prescricional, re- pág. 230); PROTO (" SuIla nat~ra giu~ (1847, pág. 218), onde se diz que uma
lativamente a um ou mais delitos em ridica deI reato continuato", 1951, pluralidade de ações torna-se um todo No Rec. Extr. 58.952, relator o Mi-
continuação, antes da ofensa sucessiva, pág. 68); IMPALLOMENI ("Istituzioni jurídico (juristisches G(J)nzes), de sorte nistro GONÇALVES DE OLIVEIRA, decidiu
aquêles crimes se extinguem não se in- di Diritto Penale", 1921, pág. 467). ·que apenas um crime será considerado o Tribunal Pleno que a prescrição em
tegrando no delito continuado (ob. cit., Sem chegar a tais extremos outros (nur ein Verbrechen). crime falimenta; opera-se em dois
pág. 184). entendem que a unidade é fictídia e re-· Parece claro, todavia, que a unidade anos, considerando-se a data em que
A 2.,a Turma do STF reafirmou, por suIta da lei. É a posição de MANZINI, do crime continuado tem como primei- deveria estar encerrada a falência. Cf.
unanimidade a sua jurisprudência no que afirma estar a teoria da ficção na ra e elementar conseqüência a incin- Súmulxn 147. Segundo o art. 132, § 1.°,

120 121
da Lei de Falências, o prazo de encer- É claro que a reincidência, para ter
ramento é de dois anos. Em conse- o ilustre juiz OSWALDO GoULART PIRES, preferência, para os cruzamentos, exi-
o efeito de dilatar o prazo prescricio- decidiu que age com imprudência o mo- ge a contemporaneidade da aproxima-
qüência, opera-se a prescrição, se a de- nal, deve ser anterior à condenação. A
núncia não fôr oferecida dentro de torista que desatende às regras de ção dos veículos: "Para que se apli-
reincidência posterior, como se diz no .preferência de passagem em cruzamen- casse a regra da passagem preferen-
quatro anos (dois do prazo para o en- acórdão, não aumenta o prazo da pres- to em que uma das vias é preferencial. cial era mister positivar-se que os car- \
cerramento e dois do prazo de prescri- crição, quanto ao crime pretérito, mas <O apelante tentara vencer um cruza- ros se aproximaram do cruzamento ao
ção). Todavia a denúncia interrompe interrompe a prescrição da condena- mento vindo de via não preferencial. mesmo tempo; isto porque, se um dêles
a prescrição nos crimes falimentares e ção, nos têrmos do art. 117, Código 'Como assinalou o acórdão, são duas as precedeu ao outro, de forma a poder
são numerosos os precedentes nesse Penal. regras básicas de passagem em cruza- fazer o cruzamento sem risco, isto é,
sentido. Cf. sôbre a matéria HELENO Não se percebe, no entanto, por que mento: a) - passam preferencialmen- sem obrigar o outro a qualquer parada
C. FRAGOSO, Jwrisprud'êncda Clriminal, motivo deve a reincidência estar men-
D. o 50.
te os que trafegam pela via preferen- brusca, ou cortar-lhe a passagem nor-
cionada na sentença, para que se opere .daI, cuja corrente de tráfego não se mal, aí já não vigiria a regra, seria
No caso, a denúncia fôra apresen- o efeito previsto na lei. A reincidên- deve ou pode cortar; b) - tem pre- ela inaplicável".
tada 3 anos e 11 meses após a aber- cia constitui fato jurídico que se prova ferência de passagem entre veículos na
tura da falência, e não havia prescri- com a anterior condenação. Uma vez iminência de se cruzarem, os que pro-
ção. O juiz, no entanto, a declarou. evidenciada esta, a qualquer tempo, cedem da direita. HomicÍdi.u privilegiado (art. 121 § 1.°
Ante recurso do M. P., o Tribunal re- prorroga-se o lapso prescricional. A Na hipótese em julgamento, houve C.P.). Redução da pena é facul-
formou a decisão para que prosseguisse reincidência não depende de qualquer tativa.
colisão de veículos por culpa exclusiva
a ação penal. Foi interposto Recurso referência na sentença condenatória re- de um dêles, com lesão corporal leve Decidiu o STF, por sua 2. 6 Turma,
Extraordinário, a que o STF negou sultando do simples fato da prática de em pedestre que caíra ao solo. O mo- no H. C. n. O 48.618, relator o eminen-
provimento. Considerando porém, que nôvo crime após condenação anterior torista inocente, no entanto, afastou-se te Ministro ADALÍCIO NOGUEIRA, que "a
dEsde a data do recebimento da de- definitiva.
'precipitadamente do local com seu veí- redução da pena feita pelo juiz nos
núncia (28-8-63) e o dia em que o jul-
culo e nessa manobra atingiu a vítima, têrmos do art. 121, § 1.0, C .P., é fa-
gamento do Rec. Extr. se realizava Prescrição. Interrupção pela denún-
(21-10-66), mais de dois anos haviam
_matando-a. A Câmara condenou tam- cultativa" (D.J., 14-5-71, pág. 2.118).
c:ia e não por sua alteração. bém, e com acêrto, êsse segundo I?o-
decorrido, o Tribunal converteu o re- Decisão correta. Cf. FRAGOSO, Lições de
curso em habeas c:orpus e o concedeu, O recebimento da denúncia ou da torista. Não pelo que ocorreu ate o Direito Penal, 1962, voI. 1.0, pág. 132",
por unanimidade (Rev. Trim. Jurispr., queixa interrompe a prescrição ('ar- momento da colisão, mas por seu com- bem como R.D.P. n. o 1, pág. 160.
41/838) . 1l0rtamento posterior, consignando: "É
tigo 117, l, Cód. Penal). A posterior
ratificação ou retificação da denúncia imprudente o motorista que após a co-
Prescrição da condenação. Reinci- lisão tenta a fuga sem verificar a ex- Pl'isão Preventiva. Crime político.
não significa o início de nova ação pe-
dência. nal e, portanto, não pode funcionar tensão do malefício e a possibilidade Exigência dos requisitos legais.
de executar a fuga sem acarretar no-
O Cód. Penal, em seu art. 110, in como causa interruptiva da prescrição.
vos malefícios ou agravar os já exis- Contrastando com a ligeireza com
fine, estabelece que os prazos para Nesse sentido decidiu a 3.a Câmara
Criminal do T .J. da Guanabara na tentes e com essa atitude vem a matar que se tem decretado a prisão preven-
prescrição da condenação aumentam-se vítima da primeira colisão, que com
de um têrço, se o condenado é reinci- Ap. Crim. 48.236, sendo relator d ex-
esta caíra ao solo". O resultado morte
tiva em crimes políticos e com a faci-
lidade com que se mantêm tais prisões,
dente. Procura-se, com isso, dificultar celente Des. HAMILTON DE MORAES E
BARROS: "Se a denúncia é ratificada foi causado por ambos motoristas, sem o STM decidiu por unanimidade no
a extinção da punibilidade com res- <lúvida. Rec. Crim. n.o 4.512, relator o exce-
peito a quem revela positiva rebeldia e retificada, isso não quer dizer que
ação penal nova começou, mas tão-so- Sôbre ultrapassagem em cruzamento, lente Ministro LIMA TORRES: "Prisão
ao direito, através de repetida ação 1ê-se no acórdão: "A proibição de ul- preventiva. Para a sua decretação é
delituosa. mente que foram alterados o pedido de
condenação e a sua razão de ser. O trapassagem em cruzamento se refere indispensável que exista indicação cer-
No julgamento do H.C. 45.228, re- obviamente a vias de mão dupla e não ta do crime praticado e indícios sufi-
lator mestre VICTOR NUNES LEAL de- que interrompe a prescrição é o só re-
cebimento da denúncia ou da queixa" àquelas de mão única. Nestas a ultra- cientes da autoria, devendo ainda o
cidiu a La Turma do STF, por u~ani­ passagem só está condicionada à cor-
(Rev. Jurispr., 14/333). despacho fundar-se no art. 255,· do
midade, que para o aumento do prazo rente única de tráfego da própria via CPPM, demonstrando finalmente a ne-
prescricional a qUe alude o citado dis- em que ocorre e às regras de oportu-
Crime de automóvel. Cruzamento. cessidade da medida excepcional, nos
positivo da lei, "é necessário que a nidade e prudência". Decisão unânime.
Dano resultante da fuga preci- têrmos do art. 257, do mesmo Código"
condenação anterior (reincidência ge-
pitada. No julgamento da Ap. Crim. 1.25,2, (D. J., 5-5-71, pág. 374, do aprenso).
nérica ou específica) tenha sido men-
o T. A. da Guanabara, por sua 2.6 Câ- Decisão exatíssima que aplica fielmen-
cionada na sentença" (D. J. 25-4-69
pág. 1.637). ' A 2.a Câmara do T. de Alçada da mara, relator o ilustre juiz OSWALDD te a lei. Cf. sôbre o assunto, extellsa-
Guanabara, na Ap. Crim. 360, relator OOULART PIRES, afirmou que a regra da mente, RD'P, n. o 1, pág. 143.

122 123
Homicídio culposo. Atropelamento. tivesse sido realizado o exame comple- interpretando corretamente, aquêle um pedaço de pau, e, da segunda, sem
mentar. dispositivo de lei, decidiu a 2.a Câmara atender à intervenção de terceiro em
Na Ap. Crim. 497, a 2. a Câmara Criminal do T .J. da Guanabara, na favor da ofendida, amarrando esta com
Criminal do T. Alçada da Guanabara , ~nte:r:d.eu a Câmara que "em regra
,Ap. Crim. 44.543, relator o ilustre Um pedaço de corda e nela batendo com
decidiu, pOr unanimidade, que age cul- e InsufICIente o prognóstico de que a
Des. JOAQUIM DIDIER FILHO, que o pe- uma correia, causando-lhe lesões cor-
posamente o motorista que não dimi- lesão vai inabilitar a vítima para as
rigo concreto que constitui o elemento porais. A lei não autoriza expressa-
nui a marcha do veículo ao divisar ocupações habituais por 'mais de trinta \
objetivo daquele crime é limitado a de- mente o castigo físico, mesmo modera-
crianças na pista. Foi relator o ilus- dias, mas isso não significa dizer que
terminada pessoa, não se confundindo, do, mas, implicitamente, punindo o ex-
tre juiz EPAMINONDAS PONTES. o exame complementar é sempre neces-
portanto, com os crimes de perigo cesso" (Rev. Jurispr., 14/325).
A imprudência em tal caso deriva do sário". A natureza e a sede das lesões
comum.
tráfego em velocidade imprópria. O podem dispensar o segundo exame. In-
A hipótese era de simples colisão
conceito de velocidade imprópria é re- vocando a lição de JosÉ FREDERIOO Crime contra a honra pratil'ftdo por
culposa de veículos, sem lesões corpo-
lativo e depende de um conjunto de cir- MARQUES (Tratado, vol .IV, pág. 205, vereadores. Ausência de "animu!i'
rais ou dano propositado, afirmando a
cunstâncias. No acórdão se alude a nota 15), afirma o acórdão: "N em se injuriandi".
E. Câmara que ocorrera apenas a con-
"velocidade inadequada para uma pista compreende que um Código cuja Expo-
travenção prevista no art. 34, da LCP
em ,que transitavam crianças". A culpa sição de Motivos faz praça da verdade
(direção perigosa de veículo na via pú- A 2. a Turma do STF' concedeu por
esta na desconformidade do comporta- real, pudesse fazer tamanha concessão maioria o H. C. 44.228 impetrado em
blica). Decisão unânime (Rev. Juris-
mento com certos padrões socialmente às chamadas provas legais, a ponto de favor de vereadores condenados pelo
prudência, 13/369).
exigíveis. obrigar o juiz a cerrar os olhos à evi- Reconhecendo a configuração do cri- crime de calúnia em ação privada mo-
No julgamento da Ap. Crim. 1.878 dência prognosticada pela ciência". me previsto no art. 132, Cód. Penal, vida por antigo prefeito do lugar. Em
a 2. a Câmara do T. A. da Guanabara, Cf. Rev. Tribs., 166/550. Ficou ven- com o fato de disparar alguém arma primeira instância os pacientes haviam
relator o ilustre juiz OSWALDO GOULART cido o ilustre Des. FAUTINO NASCI- de fogo em direção de pessoas indeter- sido. absolvidos, sendo, no entanto, con-
~IRES, caracterizou-se bem a imprudên- MENT'Ü, que entendia ser imprescindível minadas, decidiu a 2. a Câmara do T. J. denados pelo Tribunal de Alçada de
CIa com o tráfego em velocidade im- a aplicação do disposto no art. 168, da Guanabara, na Ap. Crim. 40.922, São Paulo.
própria para o local. Na hipótese tra- § 2.°, Cód. Proc. Penal ('Re'V. Jurispru- relator o ilustre Des. ODUVALDO ABRITTA Em longo e penetrante voto, o rela-
tava-se de pista enlameada e havia dência, 15/291). (Rev. Jurispr., 6/437). tor, Ministro EVANDRO LINS E SILVA,
chuva. O Tribunal afirmou que "não Voltou a Câmara a decidir no mes- examinou as diversas questões jurídicas
era necessário alta velocidade para ca- mo sentido na Ap. Crim. 48.787, rela- suscitadas na impetração. Entre elas,
racterizar a marcha sem segurança tor o Des. ROBERTO MEDEIROS, já agora Maus tratos excluem o crime de a da ação penal privada, em caso de
para o local". Decisão unânime. lesões corporais leves. ofensas recebidas propter officiwm. A
por unanimidade, em face da ausência
ação penal em tal caso é pública e está
do Des. FAUSTINO NASCIMENTO. Na
Nos crimes em que a violência apa- condicionada à representação do M.P.
hipótese a vítima sofrera fratura do
Lesões corporais. Incapacidade para rece como modalidade da co.nduta típi- Somente na hipótese de não ofereci-
cramo (fronto-parietal esquerdo), de
as ocupações habituais. Exame 'ca, haverá, em regra, concurso mate- mento da denúncia no prazo legal, é
complementar. tal gravidade, a excluir totalmente a
rial ou formal, se resultam lesões cor- que se justificaria o o.ferecimento da
possibilidade de retornar às ocupações
porais. Em certos casos, porém, não queixa. Nesse sentido, cf. Rev. Trim.
Segundo dispõe o art. 168, ,§ 2.0, CÓ- habituais no prazo de 30 dias (Rev. Jurispr., 37/569. No caso em julga-
'bastam as lesões corporais leves, que
dig.o Proc. Penal, o exame de corpo de Jurispr., 15/314). mento, no entanto, o funconário não
são absorvidas, como acontece também
delIto complementar deve ser realizado 'com a contravenção de vias de fato. mais estava no exercício do cargo e a
findo o prazo de 30 dias, quando se É o que sucede com o crime previsto ação era, sem dúvida, privada.
tratar da lesão corporal a que alude o Perigo para a vida ou a saúde. Exige no art. 136, Cód. Penal, que exclui o Considerou o relator as circunstân-
art. 129, ,§ 1.0, n. o I, Cód. Penal. O pessoa determinada. ,de lesões corporais leves. cias em que a ação teria sido prati-
caráter subsidiário dêsse exame foi Na Ap. Crim. 46.850, o T.J. da Gua- cada, afirmando a inexistência de cri-
O crime previsto no art. 132, Cód.
prOclamado pela 2.,a Câmara Criminal nabara, por sua 1.11, Câmara Criminal, me, pela inocorrência de animus inju-
Penal, é de perigo concreto e somente
do T .J. da Guanabara, na Ap. Crimi- se configura quando alguém é exposto relator o Des. FERNANDES PINHEIRO. riandi. Os vereadores não têm imuni-
nal 47.136, relator o eminente Des. Ro- a situação de iminente prObabilidade decidiu, com evidente acêrto,que não dades parlamentares (que, se existis-
BERTO MEDEIROS. No caso, a vítima ha- de dano à vida ou à saúde. Não é pos- 'comete o crime de lesões corporais le- sem, tornaria o fato impunível), mas
via sofrido fratura com arrancamento sível imputar tal crime a motoristas ves, mas sim o de maus tratos, "o pai nem por isso podem subtrair-se às ten-
ó~se? do rádio e do cúbito do antebraço por. direção de veículos em condições i]ue, a pretexto de exercer o direito sões da política, possivelmente mais
?IreIto,. tendo ~os peritos afirmado a perIgosas, como na Guanabara os di- de correção doméstica, matrata filha exasperadas quanto. menor a cidade, à
mc~paCldade para as ocupações habi- retores do trânsito mais de uma vez menor de onze anos, castigando-a, por vista da convivência forçada de inimi-
tuaIS por mais de 30 dias, sem que já tentaram fazer. duas vêzes seguidas, da primeira, com gos: "Ainda que os vereadores não

12ft, 125
gozem de 'imunidade parlamentar, ADAUcTo. 'CARDOSO, afirmando qüe "a penal pública que a nov,a lei subordina disposição legal (ci. FRAOOSO, Lições,
têm maior poder de criticar assuntos benignidade da justiça criminal, em re- apenas à representação do ofendido, IV, pág. L064).- A nosso ver, a qua-
públicos municipais que um simples lação aos delitos contra a honra, é que poderia, pela lei anterior, iniciar-se lidade de funcionário público do verea-
particular, pois do contráriQ, seria a torna a vida pública particularmente também mediante o ruviso. dor pode ser afirmada para Os casos
vereança uma coisa morta com os edis áspera entre nós" (Rev. Trim. Juris- No caso de que damos notícia, de- em que a ação delituosa se pratica em
sempre temendo que alguma crítica prudência, 42/806). fendeu-se o réu alegando que vereador relação a êle. Há corrupção ativa (ar- \
desse margem a um processo por difa- não é funcionário público, motivo pelo tigo 333) se alguém oferece vantagem
mação ou calúnia". AssinaloÍl ainda os qual a ação penal não poderia ser pú- a um vereador para determiná-lo a
enOrmes percalços que a atividade po- Crime contra a honra. Reitor de blica. Denegando a ordem de h. c., im- praticar omitir ou retardar ato de
\}íllica oferece à integridade sensitiva Universidade Federal. Competência petrada, afirmou o relator: "O art. 29, ofício.
moral: "Quer entrar na política, pode da Justiça Comum. I, da Lei 2. 083, refere-se não só a fU11l- A tese afirmada pela pela 3.a Tur-
contar com graves arranhões à sua cionário, senão a órgão e a entidade. ma é igualmente aceitável: a ofensa
pessoa". Por unanimidade de votos decidiu o No atual sistema político, não se con- feita a um membro do órgão é também
Nessa decisão, reconheceu-se que o TFR, no Rec. Crim. n. o 147, relator o testará que a Câmara dos Vereadores feita ao próprio órgão. A decisão foi
dolo nos crimes contra a honra é es- ilustre Ministro M'ÜREllRA RABELLú, que é um dos podêres locwis, dada a auto- unânime (Rev .. Trim. Jurispr., 41/36).
pecífico, segundo-se a orientação uni- é competente a Justiça Comum, para o nomia conferida pela Constituição Fe-
forme de nossa jurisprudência e da julgamento do crime de injúrias prati- deral aos municípios. O mesmo órgão
maioria de nossos autores. Citando cado contra o reitor da Universidade tem funções legislativas no que con- Furto de uso. Reposição imediata e
ALBERTO BORCIANI, afirmou o ilustre Federal de Alagoas. Entendeu o Tri- cerne à adminisaração da comuna e, uso momentâneo.
relator: "O crime contra a honra em bunal, com acêrto, que "compete à Jus- especialmente, à decretação de tribu-
tôdas as suas modalidades, não ~ode tiça comum o julgamento dos crimes de tos, à aplicação das rendas e à orga- A 2. a Câmara Criminal do T .J. da
existir senão com o dolo que lhe é ine- injúrias contra as pessoas, não se po- nização de serviços públicos. Funcio- Guanabara, na Ap. Crim. 48.060, rela-
rente, isto é, com a vontade consciente dendo confundir a instituição com o 'nários, em sentido estrito, são os ser- tor o ilustre Des. ROBERTO MEDEIROS,
de ofender a honra e a dignidJade seu dirigente" (D .J., 17-9-68, pági- vidores que integram o quadro de sua decidiu que o furto de uso não pode
alheias". A decisão do STF pare- na 3.615). secretaria. Estariam êstes, na linha de ser identificado na ação de quem sub-
ce-nos acertada, pelos fundamentos in- argumentação do impetrante em condi- traiu um automóvel e o utilizou por
vocados pelo relator, quanto ao aspecto ções de beneficiar-se da precipitada dois dias, levando-o de volta ao depó-
político da ação dos vereadores e à re- Crime contra a honra de vereador. regra; mas tal faculdade o impetrante sito de onde o tirou, com pequenas
Ação penal. recusa ao membro do órgão político- avarias.
percussão do caso no âmbito municipal.
administrativo. A norma em causa não Não há falar em furto de uso se
"Havia no município uma espécie de
No H.C. 43.959, relator o eminente confere privilégio senão resguarda (se- não há uso momentâneo da coisa, além
status belli entre as correntes políticas
Minitro PRADO KIDLLY, decidiu a gundo as origens do texto) a au tori- de sua reposição. Nesse sentido, como
que disputavam a preferência do elei-
3.a Turma do STF que é pública a ação dade do poder público e a responsabili- observou o relator, são as disposições
torado. J1::sse statUlJ levou a excessos
penal movida por vereador, por crime dade dos seus agentes, inclusive no que constantes do Código italiano (art. 121,
reprováveis, de parte a parte. Não
contra a honra de que foi vítima em toca à exeel)ão da verdade (art. 36). I) e do projeto ALCÂNTARA MACHADO
pode o STF, em casos como êste, ficar E, se tais motivos militam em relação (:arts. 356, i§ 2.°, n.o I, e 350, § 4.0,
razão de sua atividade. Na hipótese,
indiferente ou insensível a essas pon- um vereador, ofendido em razão de a órgãos ou entidad.!3s, referidos na n.o I). "Por uso momentâneo de um
derações. As consequências das conde- suas funções pelo prefeito do lugar, disp,osição legal, nela estão incluídos, veículo não se pode entender, evidente-
nações seriam, talvez, mais nocivas às requereu ao Secretário de Justiça que pOr fôrça de compreensão, os que com- mente, o que se dilata por dois dias".
atividades da comuna do que as conse- expedisse aviso ao M.P. para que pro- põem a corporação eletiva, em razão Decisão unânime (Rev. Jurisprudência,
quências do ato dos, pacientes". " A cessasse criminalmente a autoridade. A das atribuições que exercem e que de- 13/410). Sôbre a configuração do furto
absolvição dos pacientes se dá apenas rivam de mandato popular". de uso, cf. Rev. Jurispr., 6/438.
tal aviso aludia o art. 29, §2. 0 , da Lei
porque seria iníquo - e o qUe é iníquo n. o 2.083. A vigente Lei de Imprensa A doutrina entre nós geralmente O STF, por sua 2.a Turma, refor-
não pode ter a chancela da lei - iso- ('Lei n. o 5.250, de 9-2-67), não mais afirma que a definição de funcionário mou a decisão, no H. C. 44.043, rela-
lar, durante longa luta política, um de- se refere àquele expediente, estabele- público contida no art. 327, Cód. Pen., tor ° ilustre Ministro ADALÍCIO No-
terminado fato, para, anàlisando-o fria- cendo que a ação penal será pública" oomente corresponde aos crimes em que GUEIRA, por unanimidade de votos. En-
mente e dentro de um ponto de vista median.te representação do ofendido, o funcionário é sujeito ativo. Cf. HUN- tendeu o Tribunal que a hipótese era
formal concluir pela condenação, quan- nos crImes contra a honra, praticados GRIA, Comentários, IX, pág. 401: MAGA- de furto de uso, constituindo apenas
do inúmeros fatos anteriores revelam contra funcionário público em razão de LHÃES N'ÜRiONHA, Dir. Pen., IV, pági- infração dis.ciplfnar pela qual o pa-
'a existência de acusações recíprocas suas funções; contra órgão ou atori- na 292. Entendemos que essa limita- ciente foi punido. Era êle soldado da
que vinham de muito longe". ' ção não existe e que ela contrasta cla- Polícia Militar da Guanabara e foi ex-
dade que, exerça função ou autoridade
Ficou vencido .0 eminente Ministro pública (art. 40, I, letra b). A ação ramente com o sentido e o alcance da cluído da corporação. Para o relator'

126 127
não ficou evidenciado oanimus furandi. boa fé do comprador não estêve em Pen., voI. II, pág. 189, afirma que de- ços. Cf. JEAN GRAVEN, Estroquerie,
-essencial à configuração do delito (Rev: discussão, motivo pelo qual deveria êle vemos considerar consumido pela figura Effets, problerrws de corncowrs, Fiches
Trim. Jurispr., 42/86). continuar como vítima do segundo cri. principal tudo aquilo que enquanto Juridiques Suisses, Fiche 1013a, pág. 7;
A existência de furto de uso não me. O concurso deveria ser admitido, ação (anterior ou posterior) a lei con- PAUL LOQOz, Commentaire, voI. I, pá-
.pode ser decidida exclusivamente com porque houve duas vítimas: o possui- cebe como explícita ou implicitamente gina 103. No mesmo sentido: MANZINI,
base no lapso de tempo que ocorre en~ dor, dado o desapossamento da coisa e necessário, bem como aquilo que den- TrattMo, voI. IX, pág. 168 (com invo-
tre o apoderamento da coisa e a sua o adquirente, que ficará sem ela. AI€im tro do sentido de uma figura constitua cação de copiosa jurisprudência) e \
devolução. O furtum rei exige o dolo do Des. ROBERTO MEDEIROS, ficaram .quod pl.3rumque accidit. O ato poste- QUINTANtO RIPOLLÉS, Tratado, voI. Z,
'específico que não existe quando a coisa igualmente vencidos os Desembargado- rior impunível não pode constituir ação págs. 172 e 882.
é tirada sem o propósito de tê-la o res ST:AMPA BERG, CARDOS DE OLIVEIRA autônoma, realizada noutra direção. Entre nós, MAGALHÃES NOR'ÜNHA
,agente para si ou para outrem. Para RAMOS e MOACIR REBÊLO HORTA (Re,v. Decisiva será a natureza do nôvo fato (Dir. pen., II, pág. 264) sustenta que
·antecedentes sôbre a matéria, no STF, Jurispr., 13/337). cometido, "com referência ao poder de há concurso de crimes. ANIBcAL BRUNO
cf. Re'v. Trim. Jurispr., 34/655; 37/96. A questão que nesse acórdão se de- absorção" da figura anterior. No an- (Dir. P.en., voI. I, pág. 27) entende que
Nosso nôvo Código Penal, no entanto, bateu é difícil e controvertida. Trata- te-fato é característica a passagem de o estelionato é fato posterior impuní-·
·limita a existência do crime à subtração se de saber se há estelionato punível meio a fim; no pós-fato, a realização vel, pronunciando-se no mesmo sentido
"para uso momentâneo", sendo a coisa na venda efetuada pelo ladrão a adqui- de um dos meios ordinários de atuação JosÉ F,REDElRlOO MARQUES (Tratado,
"imediatamente restituída ou reposta rE;nte de boa fé (venda de coisa alheia -do fim, próprio do crime principal vol. 2, pág. 342') e OSCAR STEVENStON
no lugar onde se achava" (art. 166). como própria). É claro que está fora (SINISCALOO, Il COncorsO' apparente di (Estudos de Direito e Process'o Penal
de. dúvidas a hipótese de receptação, norme, Milão, 1961, pág. 182'). em Homenagem a Nels'on Hungria, pá-
pOIS em tal caso o ladrão não vende O dano é fato posterior impunível gina 42). HUNGRIA (Comentário$', vol. I,
.Furto e venda posterior da coisa com respeito ao furto (contra: MAG- pág. 1-21) afirma que há apenas o cri-
a coisa como própria, não havendo
furtada. Inexistência de concurs{). tGIORE, Dir. Pen., vol. I, pág. 186) e à me de estelionato, sendo o furto sim-
êrro do adquirente. O mesmo proble-
ma, no entanto, Se apresenta, com a apropriação indébita. O mesmo pode ples absorvido pelo mesmo.
As Câmaras Crim:nais Reunidas do disposição fraudulenta de coisa obtida -dizer-se da apropriação' indébita da Os tribunais já decidiram que não há
T .J. da Guanabara, na R€v. Crimi- através de apropriação indébita, roubo coisa furtada. concurso entre o furto e o estelionato,
nal 4.330, relator o Des. SEBASTIÃO ou extorsão. A ex;istência de !ante-fato 'ou pós- excluindo-se êste último porque a venda
,PEREZ LIMA, afirmaram que não há A possível exclusão do concurso ma- fato impunível nem sempre se declara da re'8 fwrtiv1a "constitui mera ativi-
concurso entre o furto e o estelionato terial teria de surgir pelo reconheci- com precisão, pois, ao invés de crité- dade complementar do crime de furto"
relativo à venda como própria da coisa mento de concurso aparente de nor- rios lógicos (empregados nos casos de (R.'3v. For., 164/359) ou "simples con-
·furtada. Na hipótese, o requerente ha- mas, considerando-se o estelionato um subsidiariedade e especialidade), aqui, seqüência normal do primitivo delito"
via furtado uma bicicleta, que poste- pós-fato impunível. O ante-fato e {) é necessário recorrer a critérios de va- (Rev. Tribs., 187/574; Rev. Jurídica,
-riormente vendera. Foi o:!ondenado como pós-fato impuníveis oCOrrem quando o loração jurídica, nem sempre fixados 15/309). Em situações análogas, re-
incurso nos arts. 155 e 171, § 2.0 n. o I, agente realiza mais de uma ação deli- com segurança. Isso explica, em par- ferentes à apropriação indébita, o con-
combinados com o art. 51, todos do Có- tu os a, as quais, no entanto são con- te, a discrepância doutrinária na solu- curso tem sido também excluído. Assim,
"digo Penal. sideradas como unidade jurídica por- -ção da hipótese decidida pelo Tribu- na ação de dar em penhor objeto alheio
Entendeu o Tribunal que "a utiliza- que se dirigem contra o mesm~ bem nal de Justiça da Guanabara. de que o agente tinha a posse, ora se
ção ou alienação da coisa subtraída jurídico, representando a segunda ação Na Alemanha, os autores pronun- reconhece que existe apenas estelionato
constituem um dos efeitos do crime de um exaurimento da primeira (e como ciam-se invariàvelmente no sentido do (ReIIJ. For., 145/429; 145/436), ora que
furto", sendo importante considerar tal já valorada na respectiva incrimi- concurso de crimes. Veja-se, por exem- se configura tão somente a apropria-
que no caso o comprador sabia ou de- nação) ou fato que normalmente se se- plo, VON HIPPEL, Deutsches Strafre- ção indébita (Rev. For., 97/730). Na
'via saber que a coisa era produto de gue a determinado crime. O fato an- cht, 1930, voL II, pág. 549; MAURACH, venda de c'oisa obtida mediante con-
crime, tendo em vista o baixo preço terior e o fato posterior, pelas relações AT, pág. 661; WELZEL, Strafrecht, trato com reserva de domínio, igual-
·de venda. que entre êles existem são unitària- pág. 206; SCHÕNKE-SCHRÕDER, Kom- mente, reconhece-se apenas o estelio-
Em seu voto vencido, sustentou o mente considerados, do ponto de vista memtar, pág. 789, com indicação de ju- nato (Rev. For., 101/562.) ou a apro-
eminente Des. ROBERTO MEDEIROS que de sua valoração jurídica; Como ensi- Tisprudência; HONIG, Sflraflose Vor-und priação indébita (Rev. For., 70/612).
o requerente havia praticado os doi::; nam SCHIÔNKE-SCHRÕDER Kommentar Navhtat, 1927, pág. 88. O argumento A controvérsia é grave também na
-crimes, em concurso. Afastou desde pág. 501, no fato poste;ior impuníveÍ que prevalece é o de que o estelionato Argentina, como se pode ver pela ex-
logo as considerações relativas à pos- a interpretação da lei revela que o con- cometido pelo ladrão constitui um nôvo posição de JIMENEZ DE ASÚA, Tratado.
sível receptação, pois elas não haviam junto das ações puníveis praticadas delito, ofendendo nôvo bem jurídico (o voI. II, págs. 492 e seguintes.
'sido consideradas nem no julgamento pelo agente deve ser valoradoapenas patrimônio do adquirente). Entendemos que não existe concurso
-da ação nem no da revisão, surgindo sob o ponto de vista da ação anterior. Afirmam também a existência de (FRAGOSO Lições, voI. I, pág. 240).
'no acórdão como tardio argumento. A Com a clareza habitual, SOLER, Der. concurso a doutrina e os tribunais suí- O estelionato é fato posterior impunível.

.128 12f)
A venda do objeto furtado é forma de questra o melão e o devolve ao ver-
realizar o pr0-veito que o agente pre- dureiro. Joana, com" segurari:ça; não' de algUl~s mantim~ntos. pratics.d?sem mitida no emprêgo. Reconheceu-se, po-
tende alcançar· ~om .astibtraçãb .. O'· ém- foi víti1ha de estelionato; porque coÍrieu prejuízo da' Fôrça, Pública poderia não rém, a agravante do. art. 44, II, letra g
prêgo de artifício ou ardil para' Carac- o melão e 'I'/;{lda dev.!} ao verdureiro· ao constituir crime, mas simples trans- (abuso de relações domésticas).' De-
terizar-se como proprietário é irrele- contrário do que ocorre com as Jo~nas gressão disciplinar. A hipótese é in- cisão unânime. (Rev. Juril5pr., 16/373).
vante (ao contrário do que afirma JI- da Alemanha, que lhe devem o preço. teressante. O réu foi absolvido em pri-
MENEZ DE ASÚA, Tratado, voI. II, pá- Petra tampouco, porque os melões ir- meira instância, tendo o Tribunal a quo \
gina 502, que exclui o concurso sõmente feito aplicação do que dispõe o art. 13 Estelionato. Torpeza bilateral.
reivindicáveis se compram na quitanda
se não existe um (')ngamo .ativo). As e não aos vendedores de jornais. Se- n. o 123 do Dec. 13.657, que constiui o
penas cominadas em nosso direito re- regulamento disciplinar da Fôrça PÚ- É conhecida a divergência doutriná-
gundo a jurisprudência do furto-de_
velam claramente a desproporção do blica (São Paulo), e que tem esta re- ria a respeito da configuração do crime:
fraudação, a escala penal correspon-
castigo em face do malefício, considerado dação: "Apropriar-se de objetos perten- de estelionato em caso de torpeza bi··
dente a João seria até 2 anos e a de
unitàriamente em sua valoração ju- centes ao Estado ou a particulares, lateral. Para ampla informação sôbrSi
Pedro, até 8 anos. A diferença se fun-
rídica. desde que, pelo seu valor, não chegue a matéria, cf. FRAGOSO, Liçõe8, voI. II,.
da, posto que João e Pedro fizeram exa-
a constituir crime". Seria possível, evi- pág. 349, onde se conclui pela existên-
SOLER traz ao debate importantes tamente o mesmo, no bom apetite de
dentemente, introduzir no debate a ques- cia de crime. Nesse sentido pronunciou-
considerações relativas à bôa fé e ao Joana. . Com o mesmo raciocínio se
tão do conceito de valor patrimonial se também a Z.a Câmara Criminal do
prejuízo do adquirente, extraindo con- pode dizer que o fato de imputar ao
para efeito da configuração do furto, o T. J. da Guanabara, na Ap. Crim.
clusões de irrecusável procedência. O ladrão de galinhas um estelionato de-
que certamente conduziria a solução 49.475, relator o ilustre Des. OLAV0
adquirente de boa fé, na situação a que pende do bom apetite de seus clientes
TOSTES FILHO, em decisão unânime.
se refere oart. 2'.768 do Código Civil que pode constituir causa de impuni~ desfavorável ao réu. A decisão é. no
entanto, claramente, uma sOluçãd de (Rev. Juri8pr., 17/461).
argentino (análoga à do art. 521 § d~de (cf. SOLER, Der. Pen., vol. II, pá-
gmas 185 e seguintes). equidade, proferida, porisso mesmo, com
único do Código Civil Brasileiro, em-
A indagação relativamente ao pre- sabedoria. Foi relator para o acórdão
bora mais ampla), tem o direito de res- Estelionato não se c,onfunde com
juízo inspira as soluções formuladas o Min. EVANDOO LINS E SILVA. (Rev.
gate, que consiste em ser reembolsado insolvência de sociedade.
por HUNGRIA (Comentários, voI. VII, Trim. Juri8'pr., 40/414).
pelo reivindicante. Nessa situação ex-
clúi-se qualquer prejuízo, mesmo po- pág. 137) para o caso de venda a ter- Contra presidente de sociedade anô-
tencial, por parte do comprador. Di- ceiro de bôa fé de coisa que é produto Furto com rompimento de obstáculo. nima, formada para IOperar com fi-
versa é a solução no direito germânico. de apropriação indébita: se o compra- Exame pericial indispensável. nanciamento de automóveis foi ofere~
O prejuízo poderia ser afirmado apenas dor vier a ser obrigado a restituir a cida denúncia pelo crime de estelionato'.
com respeito à compra fora daquelas coisa sem reembolso do prêço por parte N o furto qualificado pelo rompimen- porque a companhia foi levada a si-
hipóteses, ou seja, nos casos a que alu- do dominus, o estelionato tornará in- to de obstáculo à subtração da coisa, é tuação em que não pôde cumprir os
difer~nte a apropriação indébita (pois indispensável o exame pericial, como se contratos para entrega de veículos.
de o art. 521 caput do Código Civil
brasileiro. O que se verifica, no en- o úmco prejudicado é o comprador)' verifica pelo que dispõe o art. 171 Có- Julgando o h. c. 44.290, impetrado
tanto, é que o prejuízo do adquirente se, ao contrário, fôr reembolsado ~ digo de Processo Penal. Decidindo nesse em favor do presidente da sociedade, a
pode inexistir, porque êste consome comprador pelo dominu8 ou já tiver sido sentido, por unanimidade, no h. c. 1.a Turma do STF concedeu a ordem,
destrói, revende ou usa a coisa, d~ revendida a coisa por aquêle, subsistirá 1.202, o TFR afirmou que, na falta do por ausência de justa causa, contra os
modo a excluir que possa ser reivindi- apenas o título de apropriação indébita exame, é de ser desclassificado o crime votos dos ilustres Ministros DJACr FAL-
cada. Em tal caso, não deve o prêço (poi~, afinal, não sofreu lesão patri- para furto simples. Relator o eminente cÃü e RAPHAEIL DE BARROS MQNTEIRO.
ao proprietário, diversamente do que momal o comprador, tendo sido o do- Min. AN'I1ONIO NEDER. (D. J., 20-5-69, Em seu excelente voto, demonstrou o
ocorre no direito alemão. Assim sendo, minu8 o único prejudicado). No sen- pág. 2.068). Min. VrC'I'OR NUNES LEAL que os fatos
o crime de estelionato não se consuma- tido de que se exclui o concurso entre relatados na denúncia não eram con-
ria com o pagamento do prêço ao la- o furto e o estelionato, porque não duta típica de estelionato, acrescentan-
houve prejuízo para o comprador, cI. Furto e abuso de confiança.
drão, mas dependeria do destino dado do: "pode ter havido uma insolvência.
à coisa pelo adquirente. Apresenta Rev. For., 147/405. Na Ap. Crim. 49.048, relator o ilustre fraudulenta, mas, se fôr o caso, estando.
SOLER um exemplo jocoso, para reduzir Des. RiOBElR'I'O MEDEIWOS, decidiu a 2. a a sociedade sujeita a falência, o caso,
ao absurdo a teoria do furto-defrauda- Furto de pequeno valor em detri- Câmara Criminal do T. J. da Gua- será de crime falimentar, a ser apu-
ção. João e Pedro, vendedores de jor- mento de Fôrca Pública. Inexis- nabara, que "simples relação de em- rado no juízo da quebra. Estelionato·
nais, furtam cada um um melão ao ver- tência de crim~. pregado e empregador não autoriza por oomente porque não pôde uma socie-
dureiro. João o vende a Joana, que o si só o reconhecimento da qualificação dade financiadora cumprir contratos de
come, e Pedro a Petra, que o guarda No Rec. Extr. 60.740, decidiu a 1.a do abuso de confiança". Tratava-se de financiamento futuros? Só isso não,
para depois. Advertida a polícia, sé- Turma do STF, que o pequeno furto furto praticado por empregada domés- basta. Seria necessário caracterizar o,
tica precisamente no dia em que foi ad- ardil ou a fraude. O que vemos é um,

130
131:{
bara relator o ilustre Des. ROBERTO
lição de NELSON HUNGRIA, afirmou.se Retenção de contribuições previden-
negocIO comercial mal sucedido, a ser ME~IRi()S que o crime de omissão de
deslindado no juízo cível". que '~o crimen falsi (art. 298 Código ciárias. Apropriação indébita. " "
socorro pode configurar-se com a f uga
Houve empate' na votação, pois o Penal), quando praticado na obtenção A retenção pelo empregador das con- do local de acidente por parte de mo-
presidente (Min. LAFAYETTE DE AN- de vantagem ilícita (es:telionato, ar- tribuições previdenciárias descontadll:s torista que causou atropelamento sem
DRADA) acompanhou o Min. VICTOR tigo 171), constitui simples meio para de seus empregados deixou de consti-
fim. Exaure-se o falsum, como crime
culpa. Se a omisão de socorro suc:de \.
NUNES. A ordem foi concedida, fazen- tuir crime de apropriação indébita, des- ao crime de homicílio culposo ou lesoes
do-se exata aplicação do disposto no formal, para integrar e qualificar a de o advento da lei 1.239-A, que, pos- corporais culposas, ocorrem apenas as
art. 664 parágrafo único Código de figura única do crime de estelionato". sibilitando o recolhimento do débito em agravantes previstas nos arts. 121. § 4.0
Processo Penal, segundo o qual deve As graves penas cominadas em nosso atrazo, tornou impunível tal fato, .P?r e 129 ,§ 7.0 Código Penal. TodaVIa, se
prevalecer, em tal caso, a ,decisão mais Código Penal para os crimes de falsi- se tratar de dívida meramente CIvIl, não houve culpa do condutor do veículo
favorável. (Rev. Trim. Jurispr. 43/31). dade documental fazem com que a ori- sujeita a cobrança pelas vias regulares. e se êle omite socorro à vítima que se
Várias tentativas têm sido feitas entação da maioria (ficaram vencidos Assim decidiu o TFR, no h. c. 1.2~O, ache ferida ao desamparo ou em grave
ultimamente, para identificar estelio- os eminentes Ministros CUNHA MElDO e relator o Min. CÂNDIDO LOBO, confIr- e iminente perigo, pratica, sem dúvida,
nato na atividade de comerciantes que MÁRCIIQ RIBEIRO) seja a mais justa, mando anterior pronunciamento sôbre o crime previsto no art. 135 do Código
não praticam êsse crime e que somente embora tecnicamente defeituosa. Foi re- a matéria (Rev. Bras. Crim. Dir. ~en:xl Penal. Decisão unânime. (Rev. Ju-
podem ser punidos por crimes falimen- lator o ilustre Min. ESDRAS GUElR>OS n.o 7, pág. 161). Decisão por maIOrIa. rispr., 13/411).
tares. (TFR Jurispr., 14/96). Cf. HELENO D. J. 6/5/65, pág. 959. . No mesmo sentido voltou a decidir a
C. FRAGOSO, Jurisprudência Criminal, Na Ap. Crim. 1.344, relatúr o emI- mesma Câmara, na Ap. Crim. 48.738,
Estelionato e falsidade documental. n. o 71. nente Min. GODOY ILHA, o TFR por relator o ilustre Des. aLAVO T'OSTES
Concurso material. Proclamando a absorção do falsum unanimidade voltou a decidir que "a FILHO, por unanimidade. - Tratava-se
pelo crime patrimonial, sob o funda- retenção pelo empregador das contri- de atropelamento sem culpa, no qual
É conhecida a controvérsia relativa mento inaceitável de que constitui de- buições previdenciárias descontada~ ~e o motorista não prestou socorro. "Nesse
ao concurso entre o crime de falsidade lito>-tJneio, cf. Rev. For., 208/297; 209/326 seus empregados deixou de constItUIr caso diz o acórdão, o agente ficará as-
documental e o crime patrimonial, quan- e 215/296. crime de apropriação indébita des~~ .0 sem~lhado às demais pessoas próximas,
do o falsum é meio para a obtenção No julgamento do h. c. 44.319, re- advento da lei 1.239-A, que, pOSSIbIlI- compelido mais do que essas a prestar
do proveito. lator o ilustre Min. CÂNDIDO MOTTA tando o recolhimento do débito em ajuda, visto que foi o criador do risco.
A hipótese levada a julgamento pela FILHO, a 3.a Turma do STF afirmou atrazo tornou impunível tal ato, por A consciência social, antes da lei, já
2.a. Câmara Criminal do T. J. da Gua- que a controvérsia sôbre o concurso en- se tr~tar de dívida meramente civil, atribuiu aos condutores de veículos au-
nabara, na Ap. Crim. 46.388, relator tre o falso e o estelionato não pode ser sujeita a cobrança pelas. v~as. re~u~a­ tomotores o dever de prestar assistên-
o ilustre Des. aLAVIO TOSTES FILHO, era eliminada em h. C., entendendo qu~ res. a crime de apropnaçao mdebIta cia, em qualquer hipótese, por estare:n
a de fraudulenta compra de automóvel isso dependia do exame dos fatos, "o de contribuições da Previdência Social, aparelhados a propiciarem socorro maIS
a prazo e venda posterior do veículo, que está excluído do campo de habev,s de modo geral, depende de represen- pronto, conduzindo as vítimas aos hos-
com documentos falsificados. oorpus". A decisão deixa entrever o en- tação de órgão previde~ciário, compe- pitais". (Rev. Jurisprudência, 16/365).
a estelionato consistente na venda tendimento de que há concurso, não sen- tente ao Ministério PúblIco e ha de re-
posterior do automóvel (art. 171 § 2. 0 do um crime absorvido pelo outro. Data, sultar da intenção manifesta do con-
n. o I Código Penal) foi considerado ab- venia, não nos parece haver qualquer tribuinte em fazê-las suas. Fora disso, Roubo qualificado pelo resultado
sorvido pelo primeiro. Todavia, a fal- dificuldade, em tese, para resolver a o regime de constante prorrogação d.e exclui a aplicação do § 2.0 do art.
sidade documental foi considerada, com questão por via de habeas corpus. ,J!: prazo de pagamento, em que se tem VI- 157 do Código Penal.
acêrto, crime autônomo, dando lugar ao possível que, no caso concreto, a matéria vido, exclui por completo qualquer ar-
concurso material. A falsificação não de fato não fôsse clara, conduzindo a güição de ofensa à lei penal". (D. J., Na Ap. Crim. 47.550, considerou a
teve qualquer influência na prática do dúvidas intransponíveis. A decisão foi ·9/9/68, pág. 3.42'8). . 2;& Câmara Criminal do T. J. da Gua-
primeiro estelionato. (Rev. Jurispr., unânime. (Rev. Trim. Jurispr. 43/605). No mesmo sentido, novamente deCI- nabara hipótese de' concurso de agentes
14/320). A 1.a Câmara Criminal do T. J. da diu o TFR, por unanimidade, na Ap. na prática de roubo com pluralidade
Guanabara, na Ap. Ctim. 47.006, re- Crim. 1.317, relator o ilustre Min. de vítimas, ~um mesmo contexto de
lator o Des. BANDEIRA STEELE, reconhe- MOACIR CATUNDA. (D. J., 26/5/69, pá- ação. Houve emprêgo de arma e uma
Estelionato e falsidade documental.
ceu a existência de concurso material gina 2.184). das vítimas faleceu. Foi relator o
Inexistência de concurso de crimes.
entre o crime de estelionato e a falsi- ilustre Des. RoBERTO MEDEIROS.
Decidindo a Ap. Crim. 1.214, a 3.a dade documental, num caso em que Omissão de socorro. Pode ocorrer em Entendeu a Câmara, corretamente.
Turma do TFR declarou a inexistên- houve fraudulenta aquisição de automó- atropelamento sem culpa. que havia concurso formal de crim?s,
cia de concurso de crimes, quando a vel, posteriormente vendido com do- julgando inaplicável a causa espeCIal
Na Ap. Crim. 48.115, decidiu a 2. a
falsidade documentaI é meio palia a prá- cumento falso. A decisão foi unânime. de aumento prevista no art. 157 § 2.°
Câmara Criminal do T. J. da Guana-
tica de crime patrimonial. Seguindo a (Rev. Jurispr., 17/441).
133
132
'Código Penal. Invocou o ,acórdão a si- ou grave aIrleaça, <.I)le atingem ,a pessoa. 'X'< decisão é, evidentemente, correta. °
as normas 'e obrigações que juiz, ten-
tuação análoga que ocorre com o :furto Em conseqüência, não é pos'sível con- 0
O crime' previsto no inciso 9. ,'do ar,- dei "em vista as circuristâncias~' venha
qualificado e a agravante do repouso figurar-se crime continuado em relação tigo 3.° da Lei 1.521 tem como con~dI­ a estabelecer" '(R.9V. Trim.Jurispr.,
noturno na qual se tem excluído o a tais delitos, salvo quando se trata do ção objetiva de punibilidade a falen- 43/480). \
concurs~ (Cf. FRAGOSO, Jurisprudência mesmo sujeito passivo. Veja-se, entre cia ou a insolvência da sociedade ou, No caso levado a julgamento, o fato
Criminal, n. o 62). Decisão unânime. outros nesse sentido, SCHÕNKE-SCHRÕ- ainda, o descumprimento das .cláusulas ocorreu em Brasília, onde não havia na
(Rev. Jurispr., 13/396). DER, Kornrm.9ntar, pág. 489, e JAGUSCH, contratuais com prejuízo dos mteressa- ocasião (dezembro de 1966), a sala es-
Leipziger Kommcrntar, ed. 1957, pá- dos. Se tais resultados não ocorrem, pecial a que se referia a lei. Em seu
gina 593, com indicação de jurispru- não se configura o delito. voto afirmou o relator: "Segundo a
Furto ,qualificado pelo concurso de dência. lei ao paciente assiste o direito de
agentes e quadrilha. A 2. a Câmara Criminal do T .J. da prisão preventiva em sala especial. _A
Guanabara, na Ap. Crim. 49.652, rela- Jornalista. Prisão especial. Lei de Imprensa não usa a expressao
Na Ap. Crim. 47.252, relator o ilus- ror o ilustre Des. aLAVO TOSTES FILHO, sala esmecial mas outra, que lhe é equi-
tre Des. Jü~o FREDERIOO MüuRÃo Rus- a art. 58, da Lei 2.083, estabelecia :t' , "d
declarou, por unanimidade, que não se valente, quando se refere a sala e-
SELL, afirmou a 1.a Câmara Criminal configurou crime continuado na prática que "o jornalista profissiona~ não ~o­ cente, perfeitamente ar~jada ~, onde ~n­
do T. J. da Guanabara, a existência de sucessiva de roubos pelo mesmo bando, derá ser detido, nem recolhIdo pr.eso contre tôdas as comodIdades. a fIm
concurso entre o crime de furto qua· contra várias pessoas. Em tal caso, há antes de sentença transitada em ~ul­ da lei não é, somente, dispensar o mí-
lificado pelo concurso de agentes e o concurso material de delitos (Rev. Ju- gado, senão em sala decente, perf~Ita­ nimo de confôrto, na prisão preventiva
crime de quadrilha, que os autores do risprttdênmll', 17/469). No mesmo sen- mente arejada e onde encontre todas de jornalista, mas impedir a promis-
crime constituíam. Ficou vencido o tido decidiram as Câmaras Criminais as comodidades". A lei vigente, ado- cuidade do prêso com quaisquer outros
Des. CRISTÓVÃO BREINER, que estava, a Reunidas do mesmo tribunal, por una- tando texto mais amplo, dispõe: "a detentos.
nosso ver, com a boa doutrina. Pare- nimidade, sendo relator o ilustre jornalista profissional 'não poderá ser Considerando a inexistência de prisão
ce-nos evidente a impossibilidade do Des. LIMA ROCHA: "Vários roubos, detido nem recolhido prêso antes de nas condições previstas em lei, enten-
concurso em tal caso. Como se diz no praticados contra várias vítimas, in- sentença transitada em julgado; em deu o relator que o juiz deve prover e
€xato voto vencido, "a qualificativa clusive com a morte de uma delas, não qualquer caso, somente em s~la decente, adotar a solução adequada atento, como
confunde-se na sua condição elementar, caracteriza o crime continuado" (D. J., arejada e onde encontre todas as co- de praxe, às disposições da lei e aos
de co-autoria perfeita, com a do pró- 8-10-70, pág. 521 do apenso). modidades".No parágrafo único do seus fins sociais: "Não entendo que,
prio texto do art. 2'88, ou organização mesmo artigo está previsto o cumpri- na espécie, a solução seja a liberdade
de bando ou quadrilha. É indiscutí- mento de pena em estabelecimento es- vigiada, precisamente nos têrmos, ~os
vel o caráter ilegal ou antijurídico da Crime contra a economia popular. pecial, desconhecido da lei anterior:
Gestão fraudulenta. arts. 767 e parágrafos e 769, do COdlgO
repetição de pena, contrariando assim "A pena de prisão de jornalist~ ~erá Proc. Penal, em que, fixadas, pelo
o velho princípio non bis in idem" (Rev. Decidiu o TFR, no H. C. 1.551, re- cumprida em estabelecime~to dIStI?tO juiz as normas de conduta do indiví-
Jurispr., 17/444) . Entendemos que lator ° eminente Ministro HENRIQUE dos que são destinados a reus de CrIme duo' há liberdade relativa. No caso,
deve ser ~cluída a qualificação do D'ÁVILA, que "o delito previsto nos in- comum e sem sujeição a qualquer re- im;õe-se medida idônea, na impossibi-
furto, configurando-se apenas o furto cisos 9.° e 10.°, do art. 3. 0 , da Lei gime penitenciário ou carcerário". _ lidade da prisão prevista em lei". A
simples em concurso com o crime de n. o 1.521/51, não se configura em tese A nova lei quer dizer apenas que nao solução dada foi a detenção domiciliar,
quadrilha. A razão de ser da qualifi- pelo simples fato de o diretor de de- prevalece em relação aos jornalistas, a "observadas as normas e obrigações
cação sobrepõe-se ao fundamento da terminado estabelecimento de crédito ,odiosa r~gra do art. 594, Cód. Proc. que o juiz, tendo em vista as cir~un~­
incriminação contida no art. 288 do Có- haver autorizado operações de emprés- Penal. Não significa que conceda o tâncias, venha a estabelecer. A prImeI-
digo Penal. timo extravagantes à ficha cadastral privilégio de excluir a pri~ão em. fla- ra delas será necessàriamente, a de
de seus respectivos tomadores; mor- grante ou a prisão preventiva, pOIS se permanecer na residência". A decisão,
Roubos sucessivos praticados por mente quando estas vêm sendo solvi- o fizesse seria inconstitucional. criadora e inteligente, foi unânime.
quadrilha. Inexistência de crime das ou renovadas regularmente". No Aplicando a Lei 2.083, o STF, por Com a superveniência da Lei 5.256,
continuado. caso concreto, não se afirmava ter ha- sua 3.a Turma, no H. C. n.o 43.880, rela- de 6-4-67, a prisão domiciliar passou
vido, em decorrência de tal procedi- tor o eminente Ministro Ewy DA Ro- a ser expressamente reconhecida. Em
Não há crime continuado quando se mento qualquer abalo financeiro capaz CHA, proclamou o direito do j~rnalista seu art. 1. 0 essa lei dispõe: "Nas lo-
trata de ofensa a bens jurídicos rela- de levá-lo à insolvência. Ficou vencido ao recolhimento a sala espeCIal. No
calidades em que não houver estabele-
tivos à pessoa, salvo quando as suces- o ilustre Ministro AMAR1LIO BENJAMIN, caso o jornalista era acusado de ho-
cimento adequado ao recolhimento dos
sivas ações se dirigem contra o mesmo que negava a ordem apenas porque a micí~lio qualificado. Afirmou ainda .0 que tenham direito a prisão. especial,
sujeito passivo. Roubo e extorsão são denúncia, narrando um fato delituoso STF qu:, "na im~os~ibil~dad: de ~rI­
crimes complexos, em que a ofensa ao em tese, não poderia deixar de prosse- o juiz, considerando a grav:dade, as
são preVIsta em leI, fIcara o JornalIsta
patrimônio é acompanhada de violência, guir (TFR Jurispr., 14/126). detido em sua residência, observadas circunstâncias do crime, OUVIdo o re-

135
134
presentante do Ministério Público, po- Crime de imprensa. Direito- de aos ônus da via judicial" (Rev., JUrÍs- 1942, pág. 220, e MAGALHÃES NORiONHA.
derá autorizar a prisão do réu ou in- resposta. Contagem do prazo. "Trottdir" e- vadiagem, Rev. Bras.
[Yrudência, 13/400).
diciado na própria residência, de onde Crim. Dir. Penal, n. O 16, pág. 98.
o mesmo não poderá afastar-se sem A contagem do prazo estabelecido.
prévio consentimento judicial". pela lei para que se exerça o direito de Prostituição não justifica o professo
O art. 3.° da mesma lei estabelece resposta, tem dado lugar a dúvidas na por vadiagem. Prisão especial. Oficiais das Fôrças
\
que o beneficiário de prisão domiciliar jurisprudência dos tribunais. O art. 23. Armadas na reserva.
~o?erá ser submetido a vigilância po- letra I, da Lei 2.083, negava a publi,.. Nesse sentido decidiu a 2.a Câmara
lIcIal, se o juiz determinar. cação "quando houver decorrido mais_ do Tribunal de Alçada da Guanabara, Interpretando com precIsa o o qUEt
Como vimos, no entanto a prisão de 30 dias entre a publicação do artigo> unânimemente, no H. C. 630, relator o dispõe o art. 2'95, inciso V, do Código.
domiciliar foi introduzida e~ nosso di- que lhe dê motivo e o pedido de res- juiz JORGE ALBERTO RoMEIRO. Entendeu Proc. Penal, bem como o art. 93, da
reito por via pretoriana, em excelente posta". A lei vigente (n. o 5.249, de a Câmara que não se justificava abso- Constituição Federal, o TFR afirmou
antecipação ao que a lei veio, a seguir, 9-2-1967), no art. 29, § 2.°, estabelece lutamente a prisão e o processamento que os oficiais das Fôrças Armadas na
estabelecer. que "a resposta ou retificação deve ser da paciente como vadia, pela simples reserva têm direito à prisão especial.
formulada por escrito, dentro do prazo> circunstância de ser prostituta e fazer "A norma legal, mencionando os oficiais
de 60 dias da data da publicação ou o trottoir nas ruas da cidade, fato pe- das Fôrças Armadas e do Corpo de
transmissão, sob pena de decadência nalmente irrelevante. Bombeiros sem fazer distinção entre os
Lei de imprensa. Direito de resposta. do direito". Parece-nos correta a tese do acórdão. da ativa, da reserva e reformados, cer-
N o regime da Lei 2.083, decidiu & Lembramos, porém, que a solicitação tamente protege quantos detenham dita
Para que possa alguém exercer o di- 3.a Câmara Criminal do T. J. da Gua- ostensiva de prostitutas é fato ilícito qualidade. A enumeração não é limi-
reito de resposta, basta a notícia falsa nabara, na Ap. Crim. 47.546, relator que pode e deve ser reprimido pela po- tativa, admitindo a equiparação de
ou errônea, "independente de haver no o ilustre Des. JosÉ MURTA RIBEilRO, que lícia. Não existe direito ilimitado ao pessoas outras, por paridade de moti-
escrito incriminado qualquer ofensa à o prazo de 30 dias seria referente aO' tro~toir, como algumas decisões apa- vos". Excelente decisão, proferida no
honra ou intenção de prejudicar a pes- pedido de resposta a ser feito di reta- rentemente afirmam. Cf. HELENO FRA- H. C. 2.358, relator o ilustre Ministro
soa visada". Assim decidiu correta- mente ao jornal. Ficou vencido o 0000, Jurisprud-ência CriJminal, n.O S 102 MOACIR CATUNDA (D.J., 24-5-71, pá-
mente a 3.a: Câmara Crimin~l do T .J. Des. CARIJOS OLIVEIRA RAMOS, que, a e 104. gina 2.375).
da Guanabara relator o eminente De- nosso ver, estava com a melhor orien-
No H.C. n.o 200, a 2.a Câmara do
sembargador ALBERTO MOURÃO RUSSELL tação. O prazo é para o pedido judi-
T. de Alçada da Guanabara reiterou a
na Ap. Crim. 49.021, por unanimida~ cial de resposta e não para o pedido
sua jurisprudência, em decisão de que
Falsificação de letra de câmbio com·
de (R,gv. Juris[Yr., 16/372). particular. Se assim não fôsse nãO' aceite de instituição financeira.
haveria prazo na lei para o direito de foi relator o ilustre juiz JOÃO CLAUDINO
Competência da Justiça Federal.
resposta e êle poderia ser exercido mes- DE OLIVEIRA E CRUZ. Afirmou o tribu-
mo após decair o ofendido do direitO' nal que "o simples fato de ser mere- A falsificação de letras de câmbio
Lei de imprensa. Direito de Resposta. de queixa ou representação (Rev_ triz e passear pela rua não caracteriza com aceite de instituição financeira
Juri&[Yr., 13/393). a contravenção de vadiagem", porque constitui crime da competência da Jus-
É comum violarem os jornais e re- A 2.11, Câmara Criminal, na Ap. Cri- "se trata de uma atividade, embora tiça Federal. Assim decidiu o TFR,
vistas o direito de resposta de pessoa minal 47.616, relator o ilustre Desem- imoral, não proibida por lei e tolerada por unanimidade, no H. C. 2.108, re-
atingida por publicações ofensivas, in- bargador OLAVO TOSTES FILHO, decidiu pela autoridade pública, pelos seus lator o eminente Ministro ANTÔNIO
serindo as respostas que lhes são envia- também que o prazo de 30 dias do ar- reflexos de ordem social". A decisão, NEDER. Na ementa do julgado está
das com ligeiras notas ou comentários tigo 23, letra I, é para o pedido extra- que foi unânime, termina afirmando ,dito: "Se esta (a letra de câmbio) é
que reafirmam as ofensas e anulam a judicial e que êsse pedido é pressupos- que se trata de um problema comple- de aceite de instituição financeira,
resposta. \ to indispensável para que o ofendida xo, de ordem social, que exige trata- equipara-se a documento público perti-
A 3.a Câmara Criminal do T .J. da venha a juízo. Ficou vencido o Desem- mento fora da lei penal. A 2.11, Câmara nente a serviço da União" (D.J.
Guanabara na Ap. Crim. 47.417, rela- bargador ROBERTO MEDEIROS, entenden- voltou a decidir da mesma forma no 29-8-69, pág. 3.8063.
tor o ilustre Des. HAMILTON DE MORAES do que o prazo é para que a parte se H. C. 686, relator o juiz EPAMINONDAS Pedimos licença para observar que a
E BARROS, afirmou, por unanimidade, dirija ao juiz. Por outro lado, afir- PONTES. letra de câmbio equipara-se a documen-
que "não podem as respostas ou retifi- mou, COm razão, que o pedido extra- No sentido da jurisprudência domi- to público porque é transmissível por
cações se fazerem acompanhar de no- judicial não é indispensável, "eis que nante, cf. Rev. For., 104/542, e JosÉ endôsso -(art. 297, I§ 2.°, Cód. Penal).
entre as causas de indeferimento do DUARTE, Cumetntários à Lei das Con- O fato de ter o aceite de instituição
vos. comentários da redação", dando
aSSIm exato entendimento à finalidade
pedido judicial não está a falta de pe- travenções Petnais, 2.a edição, vol. II, financeira não transforma a letra de
dido extrajudicial (art. 23). que o in- pág. 270. Em sentido contrário, BENTO câmbio em documento pertinente a ser-
da lei" (Rev. Jurisprr., 15/294).
teressado usará se quis\"r poupar-se DE FARIA, Das Cont'riavenções Penais, viço da União, salvo se a instituição

136 137
.em causa constituir uma autarquia fi- Injúrias. Crime contra a Segurança 'Cf!.strad~,e acocorado. ,O Poder . E:x;e- lista de acesso ao Tribunal de Alçada,
nanceira federal. A competência da Nacional. 'cutivo o~ípotente a ditar a torto e a na condição de Juiz de Direito mais an-
..Justiça Federal em matéria criminal .direito, leis que se contrapõem às pró- tigo. E foi precisamente como autor da-
determina-se pela titularidade do su- A vigente lei de Segurança Nacio- prias bases e deliberações da ONU e quela carta que a Procuradoria da 2a •
jeito passivo da infração, e ocorre nal (Dec. lei 898), em seus artigos 34 .da Carta das Nações Unidas. Qual a Auditoria da Marinha o responsabili-
.,quandoesta atinja bens, serviços ou e 36, incrimina a ofensa a quem exer- . :nome que Vossa Excelência daria a ês- zou como infrator do art. 29 acima ci- \
interêsse da União ou de suas entida- ça autoridade e, particularmente a cer- .se regime? Quanto mais o Poder Judi- tado. Afastada a tipicidade do compor-
des autárquicas ou emprêsas públicas tos funcionários importantes, como cri- .ciário se agacha, mais perde sua dig- tamento do acusado do Decreto-lei 314,
(art. 125, inciso IV ,da Constituição me político, punindo-a com penas alar- nidade, mais aliena sua liberdade, mais porque, como já disse exaustivamente,
eFederal). mantes (reclusão de 2 a 4 anos e re- perde sua independência. Hoje, os três em nenhum momento aquela carta se-
Decidindo o H.C. 2.509, afirmou o clusão de 2 a 6 anos, aumentada de me- podêres da República são Poder Exe- quer ameaçou a segurança nacional,
TFR que é "insofismável, segundo a tade, se o crime for praticado através .cutivo, Poder Executivo e Poder Exe- porque não tinha como motivo faccio-
.Lei 4.728, que constitui lesão do inte- da imprensa, rádio ou televisão). cutivo". "Poder que se auto castrou" . sismo ou inconformismo político, im-
erêsse da União a falsificação de títu- No art. 34 diz-se que a ofensa deve "Lamento por tôda uma população que procedem as teses sustentadas neste
los de valôres mobiliários e seu lança- ser praticada "por motivos de faccio- ainda acredita na existência do Poder Recurso pela Procuradoria Militar e
emento no mercado financeiro de capi- sismo ou inconformismo político so- .Judiciário. A magistratura hoje fun- pela Procuradoria-Geral da Justiça Mi-
tais, que é disciplinado pelo Conselho cial". No art. 36, que prevê expressa- dona qual teatro de marionetes mani- litar para subsistir, com outros funda-
Monetário Nacional, sob fiscalização mente a ofensa a certos funcionários pulado por mãos invisíveis, mas conhe- mentos, o que se contém no voto ven-
do Banco Central da República". Em (Presidente da República, Vice-Presi- cidas" . cido do ilustre Dr. Auditor.
,conseqüência, tal crime seria da com- dente da República, Presidentes da Câ- Entendeu o Tribunal que não houve, Como se verifica, o acórdão sublinha
:petência da Justiça Federal. Decisão mara Federal e do Senado, etc.), nada nas ofensas, facciosismo ou inconfor- o fato de que "em nenhum momento
unânime (D .J., 1-6-71, pág. 2.566), re- se refere quanto ao motivo ou fim de mismo político-social. Reza a ementa aquela carta ameaçou a segurança na-
lator o eminente Min. MÁRCI'O RIBEIRO. agir. do julgado: .. Desde que as ofensas mo- cional". (D.O., Parte III, 5/5/71, pág.
Parece-nos que o interês$e da União O STM, julgando o Rec. Crim. 4466, .l'ais irrogadas, em carta, por um ma- 315 do apenso) .
,de que se cogita para fixar a compe- relativo a rumoroso caso que envolvia gistrado, ao Presidente do T'ribunal, No mesmo sentido voltou a decidir o
etência da Justiça Federal tem de ser um magistrado da Guanabara, decidiu seu superior hierárquico, não são mo- STM no Rec, Crim. n. o 4.513, por unâ-
,'<liretamente atingido pela ação delituo- por unânimidade que não havia crime tivadas por inconformismo ou faccio- nimidade, relator o eminente Min. AMA-
'sa, constituindo o objeto da tutela ju- contra a Segurança Nacional na carta nismo político, não se tipifica crime RÍLlO LOPES SALGADO: "Injúrias assa-
rídica in C'oncr.eto. altamente injuriosa que o acusado di- previsto na lei de segurança nacional.; cad as sem "inconformismo poIítico-so-
rigia ao presidente do Tribunal de Jus- Crime previsto na lei penal comum e cial", não atentando à Segurança Na-
A falsificação de títulos lançados no cional configuram delito da competên-
tiça. Tal carta fôra motivada pela pri- -competente o tribunal de Justiça para o
'mercado financeiro é apenas crime con-
são do magistrado. processo e julgamento, face ao privi- cia da Justiça Comum".
'tra a fé pública, com lesão a bens pa- No exatíssimo acórdão está dito:
A denúncia imputava ao acusado o légio de fôro a que tem direito o acusa-
trimoniais dos que eventualmente ad- "Como se vê nos autos, três civis, após
crime do art. 29 do Dec.-Iei 314, e as- '<lo, nos têrmos da Constituição Fede-
'quiriram êsses títulos. A nosso ver a uma série de libações alcoólicas em de-
~im dizia: "O primeiro, julgando-se pre- ral. Dá-se provimento ao recurso, de-
competência é, data v.enia, da Justiça terminado bar, puseram-se a ofender,
'comum. Judicado em sua promoção para o Tri- clarando-se incompetente a Justiça Mi-
bunal de Alçada do Estado da Guana- litar e determina-se seja providenciada a injuriar o Prefeito do Município de
bara, endereçou no dia 10 de março de a remessa das peças necessárias ao juí- Tracunhaém, Estado de Pernambuco,
1969 (fls. 32) ao Presidente do Tri- zo competente". faltando, assim, com o devido respeito
:Intimação em sexta-feira. Contagem bunal de Justiça do Estado da Guana- ~m seu voto assinalou o excelente a essa autoridade. Nada mais fácil do
de prazo. bara, o ofício n.o 150-69, em têrmos relator (Min. WALDEMAR TORRES DA que se concluir pela responsabilidade
violentos com ataques ao Presidente do COSTA): "O inconformismo do acusado dêsses indiciados; mas não se pode as-
"Intimado o réu na sexta-feira, o respectivo tribunal e ao Poder Judiciá- não foi de natureza político-social, mas severar que violaram a Lei de Segu-
prazo de apelação terá início na se- rio do país, fazendo ainda referência -contra o Tribunal de Justiça da Gua- rança: não houve - como bem frisou
gunda-feira imediata, ou no primeiro de caráter faccioso e político, quando nabara e, principalmente, contra o seu a Procuradoria Militar - sentido sub-
.dia útil, se também na segunda-feira declarou: " . .. ou o indivíduo se dobra Presidente, mas, tão só e unicamente, versivo de propaganda, e sim, mero
não houver expediente". Assim deci- e rasteja à altura dos dominadores e porque não recebeu o amparo a que se incidente entre desafetos, nas tricas e
diu o TFR, por unanimidade, no Recur- continua consentidamente, no seu lu- julgava com direito quando foi detido, futricas da política local, mero falató-
:80 Criminal n. o 201, relator o eminen- gar ou então é prêso como subversi- aumentando êsse inconformismo, quan- rio interiorano, tudo isso salientado e
te Min. MÁRCIO RIBEIRO. Decisão evi- vo". E mais adiante: "Hoje qual o re- do atribuiu à fraqueza, à covardia do bem pela Procuradoria Geral. Não pu-
·dentemente incensurável. (D.J., 7/6/71, gime que temos no Brasil ? O Poder Le- Tribunal, para não desagradar a mi- seram êles em risco a ordem constitui-
;pág. 2691). gislativo fechado. O Poder Judiciário litares, o fato de não ser inéluído na da, tão pouco feriram-na. Há gráus

e138 139
nisso, compreendidos entre as simples inciso VIII da lei 5.250). Essa cláu- O projeto alternativo do nôvo Códi- Num sistema de ordenamento jurí-
injúrias e calúnias assacadas, até o sula estende uma esfera de licitude que go. Penal alemão eliminou também ês- dico .livl'e, mesmo as supremas autori-
profundo inconformismo evidenciado cobre mc'lusive as expressões eventual- se delito (Verumglimpfung des Bun- dades do Estado .estão institucionalmen-
em o artigo 34 da Lei n.o 898. Há que mente ofensivas. d 9 spr..;asidenlen) , e a fundamentaçã.o te submetidas ao contrôle, mesmo vivaz
se fazer êsse "diagnóstico" não per- Como assinala OOING (" Ehrensehutz excelente, do ponto de vista de um re- e polêmico, dos outros membros da co-
dendo de vista o fato que possa trans- und Pr@ssefreiheit, 1953, pág. 21), o gime democrático de govêrno, pode ver- letividade, pelo que concerne à sua vida \
cender da esfera particular e daí inte- estilo vigoroso da imprensa é uma ne- se no volume Alternativ-Entwurf eines de relação.
ressar à Segurança. Pareceu ao Minis- cessidade que deflui de sua forma de Bt'N1!tges.9tzb1-whes, Politisehes Strafre- Fala-se, assim, numa zona di illwmi-
tério Público, seja da primeira, seja da trabalho. As notícias têm de ser ob- eM, 1968, pág. 107. nabilità,que é tanto mais vasta, quan-
segunda instância, que, embora infa- tidas com rapidez, e apresentadas de No direito francês, o fato está pre- to mais alta é colocada a pessoa, porque
me a ação perpetrada pelos inniciados, forma a chamar a atenção do público. visto na lei de imprensa, de 29.7.1881 fica mais exposta à crítica em razão
não se poderia chegar à conclusão de Os acontecimentos devem ser comenta- (art. 26) com penas leves (3 meses de de suas funções e em face do direito
que os mesmos houvessem atingido e dos quando surgem, sob o efeito da detenção ou multa) e a severa lei edi- de opinião que todos têm, num regime
ferido a manutenção da ordem e da paz emoção que despertam. Daí a lição de tada em 1960 (O'l"tllonnanee n. o 60-529), democrático, quanto aos governantes.
social, muito menos desejassem derru- GEORGES BURDEAU (Les libertés politi- à época da guerra da Argélia, não a Daí concluir NUVOlJONE ser lícita tôda
bar o regime. Disso não tinham êles ques, 1966, pág. 257): "On 1U3 sauroit alterou. a apreciação ofensiva Cé le'cito o'gni
consciência". (D.O., Parte III, 5/5/71, exiger ~ journaliste tenu de T'eúnir et A ofensa ao Presidente da Repúbli- apprezzamento offensivo) se motivada
pág. 375). ca está prevista também em nossa lei por fatos verdadeiros ou considerados
de donner rapidement des informa-
Num caso mais antigo, o da ação pe- tions, la même prudenee que eelle qui de imprensa, como forma agravada da verdadeiros, enquanto se refira a ele-
nal contra Niomar Moniz Sodré Bit- peut être exigé.9 de l'auteur d'un ou- calúnia, da difamação e da injúria co- mentos que a coletividade tem direito
tencourt, que envolvia acusação de ofen- vrage". muns (art. 23). O fato somente po- de conhecer, para o exercício de seu
sa do Presidente da República através derá configurar um crime político, apli- direito de escolha e juízo sôbre os ho-
da imprensa, o STM seguiu, bàsica- Desejamos também observar que nos cando-se então a lei de segurança, se mens chamados a representar a auto-
mente, a mesma orientação. regimes democráticos o govêrno não apresentar o elemento fundamental de ridade do Estado. A imprensa tem o
Fatos dessa natureza exigem, quan. tem direito a um prestígio ou a uma todo crime dessa natureza, ou seja, direito de excitar o contrôle da opinião
do está em causa a liberdade de im- reverência de caráter quase místico, quando a ofensa ao Presidente da Re- pública para mover os podêres públi-
prensa" particular atenção. A Cons- como ocorria nos antigos regimes e nos pública possa atingir as bases da obe- cos.
tituição Federal em vigor assegura a sistemas autoritários atuais. É a per- diência que lhe é devida, atentando con- A propósito dessa lição comum, BOG-
]i'O,erdade de manifestaça'o do pensa- feita lição de BOGNETTI (Vilipendio deZ tra a segurança do Estado. Por isso :NETTI (Vilipendio deZ governo, pág.
mento, que constitui um dos sinais ca- governo e prineipi eostituzionale di li- mesmo, nos países da eo'J1U/'l'l;on larw, as 957) também observa que a posição dos
racterísticos de um regime democrá- bertà, Rivista italiama di Diritto e Pra- expressões ofensivas ao govêrno só se polí'tic;os . difere da dos demais cida-
tico de govêrno. Não se trata de um c.9dura Penale, 1960, pág. 950). O g(}- punem quando constituem se'CDitious of- dãos. Na luta política, o caráter poc.
direito ilimitado: a própria Constitui- vêrno é um simples instrumento para jense s . E o citado BOGNETTI (Vilipen- pular do debate, a presença de paixões
ção afirma que não será tolerada a pro- a direção da coisa pública. Porisso dio del governo, pág. 962) afirma ser acesas, justificam maior licença de sen-
paganda de guerra, de subversão da mesmo, desapareceu do moderno direi- necessário que o perigo a ser provoca- timentos e de linguagem (giustificarno
ordem ou de preconceitos de raça ou to alemão a ofensa ao presidente da do pela desobediência, em virtude da una, ma,ggior licenza, di serntimenti e di
de classe. ~sses limites constitucionais República como crime político, que Q ofensa, seja grave e imediato,. linguaggio) .
efetivam-se através de leis ordinárias Código Penal previa no § 95 (fazendo Na Inglaterra, com o Fox Aet (1792) Porisso mesmo é difícil distinguir
que proibem ou incriminam a propa- depender a ação penal de autorização e com leis promulgadas logo após nos entre a crítica áspera e violenta e a
ganda que a Carta Magna não tolera. expressa 'do Presidente). A nova lei Estados Unidos, as seditious offenses ofensa punível, em face da necessidade
As imputações ofensivas são incrimi- alemã sôbre crimes contra a seguran- s'omente eram puníveis quando se de- de assegurar, numa sociedade aJberta e
nadas pela lei de imprensa e pela lei ça do Estado, de 25.6.1968 revogou êsse monstrasse uma efetiva "intenção se- democrática o livre desenvolvimento do
de segurança, constituindo também li- dispositivo, que era reminiscência de diciosa" (seditiou8 intent) , e a interpre- debate em relação aos administradores
mitações à liberdade de manifestação um antigo crime de maiestatis, como tação jurisprudencial, por longo tempo, da coisa pública. É precisamente no
do pensamento. Tais são, no entanto nota, com exatidão PETER CRAMER (Po- exig'fl inciltamento imediato ou quase campo político que é mais grave e im-
os valôres a preservar quanto à liber~ litisehes Strfafreoht, 1968, pág. 2'4) , imediato ao delito. periosa a necessidade de assegurar a
dade de imprensa, num país democrá- acrescentando: "Em realidade, a pro- Como diz o excelente NUVOIJONE (Ren- livre manifestação do pensamento, pois
tico, que a lei esclarece não constituir, teção da honra garantida a todo cida- ti di Starmrpa" 1951, pág. 32), existem é precisamente nêsse setor, como diz
em nenhum caso, abuso no exercício da dão basta também para Os detentores manifestações da imprensa que ofen- CAMPISI (Libera, manifesfXpzion6' deZ
liberdade de ma1l\if:estaçãodo pensa- das mais elevadas funções públicas" dem a suscetibilidade, mas que não po- pe'lt8ii~a. eI delitti prevmti da,gni (M"t.
mento e de informação "a crítica ins- (aueh für den lnhaber des Mehsten dem dizer-se ofensivas da honra, da 290, 291 e 292' CP, no volume Le'gge
pirada pelo interêsse público" (art. 27 StlMatsamts ausreieht). reputação ou do prestígio. Pena,le e libertá; deZ pensiera, 1966, pág.

140 141
Sentença. Omissão do preceito legal E arremata (pág. 148): "II dispo-
333) que com maior violência se en- sempre um conjunto" ele gente <iisposta: " aplicado. Nulidade. sitivo co~tit1fis'ce la ,v.era sede" della;
contram as paixões dos homens e a' ma~ a agradar e a dêm~nstrarfid~lÍdade. ded,sione ' deZ, giudice e, quando la sen-
nifestação do pensamento adquirire' cer- Ensina, porém, incisivamente, a se- Decidiu a 1.a Câmara Criminal do tenza diven~1JJ irrevocabile, la 8ede dei-.
to tom mais emocional que racional. guir, o grande mestre: "Não são puní-- T.A. da Guanabara, na Ap. Crim. 11.° giudicato" .
FABREGUETTES, em sua clássica veis a mera indelicadeza, a simples pe-, 4.633, que é "nula a sentença que ao Assim é. O dispositivo constitui a, \
obra (Traité me:> délits Politiques et des tulância, as apreciações desfavoráveis. condenar o agente não menciona o ar- verdadeira séde da decisão, e quando,
infractions par la Parole, l' escriture A ofensa deve atingir imediatamente a tigo do Código Penal em que êle foi en- se torna irrevogável, é a séde do julga-
et la pres'se, 1901, voI. II, pág. 377), quadrado". A decisão foi unânime, sen- do, ou seja, é ,aqui que se, encontra (),
personalidade do Chefe de Estado e 'I1.ião, p!f"oruunc,~amento jU1"isd<àcional no pr'O-
tratando da ofensa ao Presidente da do relator o ilustre juiz BARROS F,RANCO
por reflexo. Essa limitação se deduz CD·O., Parte III, 31/5/71, pág. 440, cesso.
República, ensina que deve ser consi-
derado o caráter das palavras ou do do espírito da lei, porque, no caso da, ,do apenso). AFONSO FRAGA ('Instituiçõe8 do Pro-,
escrito, e que não se pode confundir ofensa reflexa, se é possível vislum- É nula a sentença condenatória se cesso Civil do Brasil, 1940, II, pág._
jamais a polêmica contra a autoridade brar lesão de um bem jurídico da pes- em seu dispositivo há omissão de for- 598), de forma sugestiva afirmava que
do Presidente da República e o calor soa privada, deve-se excluir a ofensa malidade essencial, constituída pela re- a parte dispositiva constitui "o elemen-
do ataque contra sua política e sua res- à instituição representada pela própria ferência à lei penal aplicada. Infringe- to substancial do julgado, a sua crase
ponsabilidade governamental, com a pessoa" (pág. 409). se assim o disposto expressamente no sanguínea, a sua vida jurídica".
zombaria, a desconsideração e o des- N o mesmo sentido, MAGG10RE (Dirit- art. 381, inciso V do Código de Pro- Por isso a lei estabelece formalida-
prêzo, lançados sôbre sua pessoa. to penale, 1956, voI. I, pág. 70): "L' cesso Penal. Trata-se de formalidade des essenciais que essa parte da sen--
Há, portanto, tôda uma área de li- offesa deve essere pera imediata, nel que constitui elemento essencial do ato, tença deve conter. A motivação se de-
citude, na atividade da imprensa, mes- dela dependendo a validade da senten- senvolve como simples pressuposto ló--
semso che deve direttamente riferirsi
mo quando há emprêgo de expressões ça. A pena de nulidade é cominadá pelo gico do dispositivo, pois, como diz AN-
alla pe-rsonw del Presidente".
objetivamente ofensivas. É esta a lição art. 564, inciso IV do Código de Pro- DRÉ VITU (procédure Péna,le, 1957, pág.
de NUV'OLONE (Reati di Sta.rrnpa, pág. Confiamos em que a índole liberal cesso Penal. 376), "Z.es motifs justifient le dtisposi-
74): "A ofensa simples à reputação de nossos tribunais dê aos textos ter- O dispositivo constitui o elemento ti!,'. Não se admite, no entanto, que
pode ser descriminada quando aparece ríveis da lei de segurança correta in- central da sentença. É através dêle uma parte do dispositivo esteja na mo-
conexa a determinados fatos que a jus- terpretação, de modo a afastar a ini- que se expressa a vontade do Estado, tivação (MANZINI, loc. cit.), o que res-
tificam . Nesta hipótese socorrem os quidade e a prepotência que caracteri- na administração da Justiça, com a de- salta, bem a relevâneia excepcional da
critérios da verroade e da continência, zam a perseguição por crimes de ma- terminação a que corresponde o julga- parte pl'opriamente decisória. A mo-
devendo ficar contida nos confins da nifestação do pensamento nos países mento. tivação só pode servir para interpre-
função da imprensa, que é de satisfa- totalitários. Como ensina MANZINI ( T1'a·tado de tar a parte dispositiva e fixar as suaS'
zer a um interêsse social para conhe- Derecho Procesal Penal, trad., vol. IV, premissas, que constituem a decisão em;
cimento e valoração. Os confins da di- pág. 497), "a parte dispositiva, na, qw,amto se relaciona.rrn com ,a parte dis-
famação lícita são tanto mais amplos Substância A variada. Restaurante. Ine- qual se contem a decisão, é a aplicação positiva. Não há na doutrina qualquer-
quanto maior é a responsabilidade do xistência de crime se o alimento do direito objetivo ao caso concreto fei- discrepância a respeito.
sujeito passivo e o seu dever de soto- ta pelo órgão do juiz. Éo pronuncia.. Justificando as exigências da lei quan-
ainda não está preparado.
por-se ao contrôle da opinião pública. mento sintético e imperativo do magis- to às formalidades da sentença, o nosso'
A injúria política não integra os ex- trado, que declara qual é a vontade da excelente JosÉ FREDERJCO MARQUES'
tremos da difamação quando não se Exatíssima decisão proferiu o T.A. lei com referência à preten81ão puniUva, (Instituições de Direito Processual Pe-
traduz em um epíteto injurioso nor- da Guanabara na Ap. Crim. n.o 4.394, que se realiza mediante a a<;ão pemal. nal, vol. III, pág. 23) ensina: "É que
mal, suscetível de expor o sujeito pas- da 2.a Câmara Criminal, relator Juiz° A falta ou o incOllnpleto ~ao part.9 dis-
positiva em seus elementos essenciais
a sentença definitiva, como ato que en-
sivo a conseqüências jurídicas danosas RAUL DA CUNHA RIBEmo, por unani- cerra e consubstancia o juízo de pri-
de direito comum, ou a um denomina- midade: "É atípico o fato de, em res- torna nula a sentença." meiro gráu, deve resumir todo o prO'-
dor comum de desestima social". taurante em que só se vende o alimen- GIOVANI LElONE (Istituzioni di Dirit~ cesso. Daí as exigências da lei proces-
MANZINX ('T'lla,ttato di Diritto PenaZ,'J to pronto para ser ingerido, encontra- to ProCl3issuale Penale, 1965, voI. II, sual, discriminando os requisitos for-
Italiano, 1951, voI. IV, pág. 407), ad- se avariada substância alimentícia ain- pág. 147), por igual, afirma que o dis- mais da sentença, todos êles indecliná-
verte que são fáceis nessa matéria os positi'OO .. Gonstituisve il punto finale veis e imperativos, porquanto imprimem
da não preparada". É evidente que não
excessos de zêlo mais ou menos since- deZ pf.Jrcmrso logico compiuto dal giu- jurídicidade ao ato decisório e consti-
ros, mas sempre injustificáveis, as de- se pode dizer que está em depósito para <dice e raptp'resenta la dichiJa'/",azione giu- tuem modo de ser eS8encrial à conswmJa-
núncias de fanáticos e de caluniadores; vender substância alimentícia que não risdizionale della volomtá della legge ção de seu escopo e fun<;ão. Na senten-
acusações dirigidas a excitar pérfidas é vendida no estado em que se encon- nel caso specifico porbaoto a cognizione ça penal, a parte conclusiva conterá
vinganças com o pretexto de demons- tra. (D.O., Parte III, 31/5/71, pág. del giudive". também, tal como determina o art. 381,
trar devoção pelo chefe do Estado. Há 440, do apenso).

142
inciso V, a, indicação dos artigos de lei e que a sentença final pode modificar •
a,plicadiOs" . O artigo é expresso: a sentença conte- da crim.e. Porque é na conclusão, no' réu tem de pagar até o último momen-
N o mesmo sentido pronuncia-se rá o dispositivo legal infringido e a dispositivo, que o julgamento é efeti- to o tempo de condenação, também o
EDUARDO ESPINOLA FILHO (Código de sentença deverá expressamente fixar a vado, e, só aí, o juiz dispõe e decide. Estado tem de de~olver-Ihe qualquer
Processo PenJ,(JJl Brasil.eiro Ano'tadlo. voI. pena básica". A sentença, assim, não contém forma- fração de tempo de privação injusta
IV, pág. 52): "A conclusão ou dispo- No julgamento do H.C. 43.52'8, re- lidade essencial - a exigida pelo art. da liberdade. É isso uma decorrência
sitivo é o que constitui, propriamente, lator ainda o eminente Min. GONÇAL- 384, IV do Cód. Proc. Penal - e é da Justiça distributiva. E é tão clara
\,
o jUlgado concretizado na subsunção do VES DE OLIVEIRA, decidiu a 3.a Turma, nula, na forma do artigo 564, IV do essa noção de direito subjetivo aqui no
caso concreto ao preceito de direito ob- por unânimicLade: "Ha1J.eas corpus. mesmo Código". "Nula é a sentença caso, que caberia sempre ao réu uma
jetivo, que o disciplina, pelo que tem Condenação. Falta de indicação do dis- condenatória que não menciona o pre- reparação pecuniária pelo tempo per-
de ser baseado na aplicação, à espécie positivo penal em que incorrera o réu. ceito legal violado". (Rev. For., •.• dido numa prisão injusta, caso não pu-
de fato, dos dispositivos aplicáveis. Es- Concessão da ordem para proferir o 211/335). "É nula a sentença que não desse haver outra forma de compensa-
tamos em que, no assunto delVe exigir- juiz nova sentença devidamente funda- contém tôdas as indicações do art. 381 ção, como aqui há, através da impu-
se, rigorosamente, o cumprimento, da lei mentada". (RTJ, 39/601). Cód. Proc. Penal". (Rev. For., ••• tação do tempo anterior na pena atual".
pelo juiz". Entre numerosas outras decisões po- 91/508) . (D.O., Parte III, 7/6/71, pág. 452 do
Entre as formalidades essenciais da demos citar: "É' nula a sentença em que apenso ) .
sentença inclui-se "a indicação dos ar- não consta, de modo expresso, o dispo- Entre nós sempre se entendeu, com
tigos de lei aplicados" (art. 381, IV, sitivo legal em que o réu foi julgado Pena privativa da liberdade. Cômpu- base no art. 34 do Código Penal, in-
Cód. Proc. Penal). A sua ausência incurso. De acôrdo com o art. 381, V, to de prisão provisória anterior terpretado estritamente, que não se
implica em nulidade e quanto a isso do Cód. Penal, a sentença conterá, en- em outro pro('~sso. desconta num processo a pena cumpri-
não pode haver dúvida. tre outros elementos substanciais, o da em outro, sem qualquer relação com
São numerosas as decisões de nossos ,dispositivo legal. A omissão de forma- Em decisão excelente o T. A. da o primeiro Ccf. RDP, n. o 1, pág. 110).
tribunais que acolhem a uniforme lição lidade que' constitua elemento essencial Guanabara, por sua 2. a Câmara Crimi- Trata-se, no entanto de situação injus-
da doutrina. E já que vamos aludir à do ato constitui nulidade, nos têrmos do nal, no H.C. n.O 2.273, relator o ilus- tíssima. O anteprojeto de Código das
jurisprudência, convém lembrar a de- art. 564, IV, do referido Código". (Rev. tre Juiz ELIEZER RQSA, afirmou que Execuções do Prof. ROBERTO LYRA con-
cisão em que se fixou: "A condição pri- Tribs., 150/97). "Anula-se o processo "na contagem do tempo da pena leva- sagra a tése do julgado de que damos
macial para uma boa sentença é a cla- uma ve'z que a sentença condenatória se em conta o tempo durante o qual notícia, o qual esperamos possa pros-
reza do dispositivo, porque, entre ou- é omissa na part.<.J esserrwial, a conclu- esteve o réu prêso provisoriamente, perar na jurisprudência de nossos tri-
tros requisitos formais, deve a decisão são, não se metncionando o texto legal mesmo que tal prisão seja referente bunais.
ser certa e pura quanto à condenação". em que está incurso o réu. Não basta a outro processo ou a fato diverso no
(Rev. For., 163/268). que na fundamentação se faça referên- tempo. O Estado não pode ficar deven- Marechal reformado com direitos po-
Em diversas oportunidades, o E. Su- cia a dispositivos em que possa se en- do tempo de liberdade a nenhum réu".
premo Tribunal Federal decidiu sôbre quadrar os fatos .. A lei quer, d.!! modo líticos cassados tem direito a fôro
Em seu voto assinalou o relator: "A especial.
a matéria. No H.C. 30.625, sempre expresSo, que o juiz indique o artigO' da liberdade da pessoa humana é de tal
invocado, em que foi relator o ilustre lei em que se rocha incurso -a acusado, Decidiu o STM, na Ação Originária
importância no Estado democrático que
Min. LAFAYETTE DE ANDRADA, afirmou- afastando, assim, qualquer dúvida e pos-
tem de ser creditado a qualquer um o n. o 37, por maioria, relator o eminente
se: "A sentença que não contém todos sibilitando a expedição da carta de guia,
tempo durante o qual esteve dela pri- Min. AMARILJlO LOPES SALGAOO, que
os requisitos enumerados na lei e prin- depois de passada em julgado a senten-
vado por ordem de autoridade, ou mes- "marechal-reformado no mesmo pôsto
cipalmente a indicação dos artigos da ça". (:Diário da Justiça, 10.2.43, Apein-
mo que não seja autoridade legalmente faz jus ao privilégio foTi". A hipótese
lei penal que aplic(J;, não pode ser vá- 80, pág. 807). "Nula é a sentença que
investida, mas que tenha agido em no- era de marechal que tivera seus direi-
lida". (Rev. For. 123/&30). omite, na parte dispositiva, a indica-
me do Estado. O Estado não pode ficar tos políticos cassados, sem que sua pa-
No julgamento do H.C. 42.470, re- ção do artigo da lei aplicado" (Rev.
devendo liberdade a quem dela foi pri- tente fôsse cassada. Foi êle apenas re-
lator o eminente Min. GONÇALVES DE :For., 213/429). Nessa decisão (do T.J.
vado sem justa causa, qualquer que formado no mesmo pôsto.
OLIVEIRA, o Tribunal Pleno decidiu: do Paraná), afirmou o relator, Des.
"anula-se o julgamento porque o acór- OLIVEIRA SOBRINHO: "A sentença, na seja o motivo da privação. É um di- Entendeu o Tribunal que em tal si-
dão condenatório não indica o artigo par~ diSlliositivla, omitiu a indicação reito subjetivo imprescindível êsse do tuação subsiste o privilégio de fôro que
de lei violado pelo réu". (RTJ, 36/136). homem de entrar em contas com o Es- deflui de condição pessoal não afetada
do artigo de lei aplicado, limitando-se
Nessa decisão, o ilustre Min. PEDRO tado e exigir lhe seja descontado na pela cassação dos direitos politicos.
a condenar o apelante na pena de re-
CHAVES afirmou: "Pouco importa que execução de pena, o tempo anterior du- "Sujeitar um marechal a sentar-se ,;fren-
clusão, sem mencionar o inciso legal em
o relatório tenha feito menção a um rante o qual permaneceu prêso sem ra- te a um Conselho Permanente de Jus-
que estava incurso. Não S11JJYrf?J a falto)
artigo do Código. O relatório faz men- laJ transcrição, na relatório, da parte da zão legal. A igualdade perante a lei tiça, diz o' acórdão, composto, quase
ção a um artigo que a denúncia incluiu denúncia em que consta a classificação é preceito que alcança o próprio Esta- sempre de segundos tenentes e primei-
do em frente ao indivíduo. Se algum ros tenentes, é, sem sombra de dúvida,
algo estranho, singular mesmo". Ex- As impropriedades são muitas no De- Desde o Dec.-Iei 314, as leis de segu- contra. o Estado e a ordem política ou
celente decisão. creto-lei n.o 898, e tão graves são os rança passaram a apresentar uma de- social, cogita-se de um bem jurídico,
defeitos que se é tentado a Supor que finição de segurança nacional, que en- que se refere ao estado de segurança
Assalto a banco sem motivação polí- não foi redigido por juristas. contramos nos arts. 2.° e 3.°, do De- política e social do país, em sua estru-
tica. Crime contra a Segurança Não se compreende, por exemplo, a creto-Iei n. o 898: "A segurança nacio- tura jurídica, ou seja, em sua estrutu- \
razão de ser do destaque especial do nal é a garantia da consecução dos ra constitucional. Não se cogita de
Nacional. Conceito de Segurança objetivos nacionais contra antagonis- todo e qualquer fato que atente contra
roubo a estabelecim.<.mto de crédito ou
Nacional. finamciamernto, no art. 27, para mais mos, tanto internos como externos. A os interêsses sociais, a ordem e a se-
leve punição, com respeito ao roubo em segurança nacional compreende, essen- gurança pública.
Dando aplicação ao que reza o ar-
geral. O roubo de um veículo trans- cialmente, medidas destinadas à preser- Segurança nacional é, em suma, a
tigo 27, do Dec.-Iei n. o 898, o STM
portador de valôres ou de um pôsto de vação da segurança externa e interna, segurança do Estado em sua estrutura
decidiu, no Rec. Crim. 4.494, por una-
gasolina é mais gravemente punido inclusive a prevenção e repressão da jurídica, ou seja, é a ausência de pe-
nimidade, relator o eminente Ministro guerra psicológica adversa e da guerra
(art. 28) do que o roubo a um estabe- rigos e riscos em relação à estrutura
NELSON BARJli()SA SAMPAIO, que "com- revolucionária ou subversiva. A segu- jurídica e social do Estado, na forma
lecimento de crédito.
pete à Justiça Militar processar e jul- rança interna, integrada na segurança em que a Constituição a estabelece.
gar os infratores do ilícito previsto no No Recurso Criminal 4 .494, de que
damos notícia, sustentava o recorrente nacional, diz respeito às ameaças ou Como se atenta contra a segurança
art. 27, do Decreto-lei n. o 898, de 29 pressões antagônicas, de qualquer ori- nacional? Atenta-se contra a seguran-
ser inconstitucional o art. 27, quando
de setembro de 1969, qualquer que seja gem, forma ou natureza, que se mani- ça nacional pondO-se em perigo a exis-
a sua motivação" (p.O., Parte III, se trata de roubo praticado por delin-
qüentes comuns, sem motivação política, festem ou produzam efeito no país. A tência do Estado, a integridade de seu
5-5-71, pág. 373 do apenso). guerra psicológica adversa é o emprê- território, a sua unidade e a sua inde-
e a nosso ver estava, data venia, com
Diz o art. 27: "assaltar, roubar ou o bom direito. go da propaganda, da contra-propagan- pendência. Isso é o que tradicionalmen-
depredar estabelecimento de crédito ou da e de ações nos campos político, eco- te se designa por segurança externa.
financiamento, qualquer que seja a sua O art. 129, § 1.0, da Constituição em
nômico, psicossocial e militar, com a Atenta-se também contra a seguran-
motivação". A pena cominada é de 10 vigor estabelece que o fôro especial da
finalidade de influenciar ou provocar ça nacional quando se põe em perigo
a 24 anos de reclusão, passando a ser Justiça Militar" estender-se-á aos civis,
opiniões, emoções, atitudes e comporta- o sistema político vigente; quando se
de prisão perpétua ou morte, se do fato nos casos expressos em lei, para re-
mentos de grupos estrangeiros, inimi- põem em perigo as bases políticas e
resultar a morte. pressão de crimes contra a segurança
gos, neutros ou amigos, contra a con- econômicas da constituição social; quan-
nacional ou as instituições militares".
Os defeitos de nossa legislação re- secução dos objetivos nacionais. A do se atenta contra a existência ou
Submeter delinqüentes comuns à Jus-
lativa aos crimes contra a Segurança guerra revolucionária é o conflito in- contra a incolumidade dos órgãos su-
tiça Militar será constitucional, na me-
Nacional são manifestos, e transpare- terno, geralmente inspirado em uma premos do Estado. Isso é o que sem-
dida em que o roubo de bancos sem fi-
cem muito bem nesse dispositivo, que ideologia, ou auxiliado do exterior, que pre se chamou de .seguranca interna.
nalidade política constitua crime contra
veio corrigir em parte as gritantes in- visa à conquista subversiva do poder A segurança nacional não se confun-
a segurança nacional. É necessário"
correções dos textos anteriores (art. 25, pelo contrôle progressivo da nação". de com a segurança públiC11J, nem com
pois, para deslinde da questão jurídica,
do Dec.-Iei n. o 314, emendado pelo De- Como se vê, diz-se inicialmente, no a ordem pública ou a paz pública. A
examinar o conceito de segurança na-
creto-lei n. o 510). art. 2.°, que a segurança nacional é a criminalidade comum atenta contra a
cional.
Diante do atual art. 27, cabe obser- garantia da consecução dos objetivos segurança pública (a polícia entre nós
Por segurança nfliCÍornal, em têrmos nacionais contra antagonismos, tanto chama-se Departamento de "Seguran-
var, de início, que assaltar não tem
jurídicos, entendecse bens jurídicos e internos como externos. ça Pública" ) . Sôbre o significado de
significação técnica em direito penal.
interêsses que se relacionam com a per- A segurança nacional é definida como paz pública e ora.em pública, cf. FRA-
É difícil saber a que alude a lei ao
sonalidade do Estado e a segurança do. garantia da consecução dos objetivo's Gúso, Lições de Direito Penal, IV, pá-
referir-se a assaltar, no art. 27, já que regime e do govêrno, ou seja, o que se
neste se prevê também o roubo. Não naciornais. Observamos, desde logo, que gina 919. Todos os crimes, de forma
tem chamado de segurança externa e segurança não pode ser definida como direta ou indireta, afetam a paz públi-
se pode conceber que no âmbito do di- interna. À segurança .externa se refe-
reito penal a idéia de assalto apareça garantia de alguma coisa. Segurança ca ou a ordem pública, sendo êste o as-
rem interês&es relacionados com a exis- é um est~Q; se quisermos, um estado pecto político de todo delito, como en-
desvinculada de violência à pessoa. A tência, a integridade, a unidade e a
subtração de valôres sem o emprêgo de de garantia, mas não pode ser garan- sinaram os clássicos. CARRARA (Pro-
independência do Estado, bem comO' tia para alguma coisa. gra;mma, § 3.015) afirma que todo cri-
violência à pessoa chama-se furto e com a defesa militar contra agressão Se.gurança contrapõe-se a perigo e a me diminui, mais ou menos, segundo
certamente não foi a êsse delito que o exterior.
risco. Segurança é o estado seguro de suas distintas condições, a opinião de
legislador pretendeu aludir quando em- A segurança interna compreende a segurança, em número indeterminado
riscos e perigos; de incerteza e de
pregou a expressão assaltarr. Razoàvel- inviolabilidade do regime político vigen-· acontecimentos prejudiciais. d-e cidadãos.
mente só pode aqui incluir-se, além do te, a existência e a incolumidade dos; Quando se fala em segurança nacio- Não é disso que se trata, quando se
roubo, a extorsão. órgãos supremos do Estado. considera a segurança nacional. Como
nal, nas leis que definem os crimes

146 1.47
bem disse o Ministro RIBEIRO DA COSTA, preende medidas destinadas à preser-
no julgamento do H.C. 43.071, "o que vação da segurança externa e interna". Percebe-se, pois, que o conceito de dicos que constituem a segurança i114
diz respeito à segurança nacional é A impropriedade salta aos olhos. O segurança nacional que o Dec.-lei 898 terna. A vantagem patrimonial obtida
aquilo que diz respeito ao interêsse po- enunciado corresponde a dizer que se- oferece, constitui apenas mal inspirada pelos agentes não será empregada para
lítico da nação". gurança nacional compreende medidas noviálade legislativa, que não altera o o ataque à segurança do Estado, mas
Segundo a lei, segurança nacional é destinadas à preservação da segurança conceito liberal, que continua a preva- em seu próprio benefício. Em conse-' \
"a garantia da consecução dos objeti- nacional. lecer na parte da lei que define crimes qüência, é evidentemente inconstitucio~
vos nacionais" contra o que a êles se e estabelece sanções. Raramente os nal o art. 2'7, do Dec.-Iei 898, na parte'
Ora, a segurança nacional é um es- tribunais aludem, nas decisões, ao con- em que submete ao fôro militar os de--
opõe, dentro ou fora do país. Não se wdO' e não pode campreender medidas.
diz aqui o que são vbj.BtivaS' naciO'naiS'. ceito que a lei apresenta em seus ar- linqüentes comuns autores de roubos 3'
A defesa ou a preservação da segu- tigos iniciais, o qual se destina a não estabelecimentos de crédito, já que êsse'
Objetivos nacionais, na perspectiva de rança nacional é que pode compreen-
uma lei de segurança do Estado, só ter qualquer efeito na prática judi- fôro, segundo dispõe a Constituição em;
der medidas, entre as quais a incrimi- ciária. v:igor, . só pode eEltender-se aos civis,.
podem ser constituídos pelos princípios nação de determinados fatos. O enun-
jurídicos que a Constituição estabelece, A gravíssima criminalidade política nos crImes contra a Segurança Nacio..·
ciado do art. 3.0 , caput, é assim per- que nos últimos tempos surgiu entre nal ou as instituições militares.
no plano interno e externo. feita inutilidade. As medidas de de-
O enunciado do art. 2. 0 , do Dec.-Iei nós, de forma alarmante, destaca-se Uma ampliação do conceito jurídico
fesa da segurança nacional, no plano com o roubo de bancos, de automóveis, de segurança nacional, que sempre se
n.D 898, reduzido à expressão mais sim- jurídico-penal, constituem as diversas
ples .não pode trazer nada de revolu- de estabelecimentos comerciais, de veí- pôs na perspectiva dos ataques políticos
figuras de delito previstas pela lei. culos de entrega e cobrança de bebidas à estrutura do Estado e de seus órgãos,
cionário ao conceito que se procura es-
O § 1.0, supondo que define o que ou destinados ao transporte de valôres. para abranger outros tipos de crimina-
tabelecer. Os objetivos nacionais, para
seja segurança interna, não é menos '1i:sse tipo de ações delituosas era prà- lidade grave, porém sem qualquer fi-
os efeitos de uma lei que reprime os
infeliz: a segurança interna diz res- ticamente desconhecido entre nós, no nalidade política, constitui grave risco
d~litos contra a segurança do Estado,
peito às pressões antagônicas que se âmbito da criminalidade comum. Veri- para a democracia, comprometendo um
sao os que resultam dos valôres polí-
manifestam ou produzem efeito no âm- ficaram, os ladrões comuns, todavia, a direito repressivo liberal, qu e é da
ticos e sociais que a Constituição in-
corpora. bito interno. Deve entender-se: pres- facilidade com que os criminosos polí- nossa tradição.
Os antagO'nism,aS', de que a lei fala sões antagônicas aos O'bjetivQs 1l;aciO'- ticos roubavam à mão armada e o Isso já foi feito, com grande infeli.
tão impl'õpriamente, inclusive pela ne- Mis. Ora, pois. A segurança interna grande êxito que obtinham e não hesi- cidade, quando se pretendeu transferir
hulosidade e indeterminação, não pode- não diz respeitO'. A segurança interna é taram em se lançar ao mesmo estilo de para a jurisdição militar os crimes
riam configurar-se jamais através de alguma coisa e não diz respeito a qual- ação delituosa. contra a economia popular, com o De·
qualquer manifestação contrária ao que quer "pressão". Que são pressões an- A motivação política é elementar aos creto-Iei n. o 2, de 14-1-66.
se definiu como objetivos nacionais per- tagônicas? Juridicamente, só podem crimes políticos. Poderia dizer-se, ado- O art. 3.0 de tal Dec.-lei dispunha
manentes (ONP). Cf. Dec.-Iei 348. Os ser os atentados que se realizam atra~ tando a nomenclatura clássica entre em sua redação original: "O não cum-
antagonismos são típicos de um regime vés das ações incriminadas. nós, que o fim de atentar contra a se- primento das obrigações estabelecidas
democrático. Só as ditaduras não os OS §I§ 2. 0 e 3.0 , do art. 3.0 , por seu gurança do Estado constitui o dolo es~ no art. 2. 0 e a oposição de quaisquer
toleram. turno, trazem definições complicadas e pecífivo indispensável nessa categoria dificuldades ou embaraços à consecução
Para os efeitos do conceito . jurídicO' exotéricas de "guerra psicológica ad- de delitos. dos objetivos do presente nec.-Iei, bem
de segurança nacional, os antagonismos versa" e de "guerra revolucionária", O roubo de bancos e de estabeleci- como a infração aos dispositivos da LeI
se apresentam em dois grandes grupos que não afetam o conceito de seguran- mentos de crédito praticado por delin- Delegada n. o 4, de 26 de setembro de
de ações delituosas, que esquemàtica- ça nacional. qüentes comuns sem finalidade política 1962, sujeitarão o infrator ou os res-
mente poderíamos resumir na traição A chamada guerra psicO'lógica adver- é simplesmente crime contra o patri- ponsáveis às sanções previstas no ar·
(perduelliO') e na sedição (crimen ma- sa nada mais pode ser do que a pro- mônio que nada tem a ver com a se- tigo 13, da Lei 1. 80l?:".
jestatis). De um lado, os crimes con- paganda, a instigação ou a apologia gurança nacional. Não se distingue, de O art. 13, da Lei 1. 802, punia com
tra a segurança exte:l'na; de outro, os perigosas para a segurança do Estado. forma alguma, das outras formas de a pena de 2 a 5 anos de reclusão c:
crimes contra a segurança interna. Os Não era preciso uma fórmula tão .alam- roubo em que o sujeito passivo é pes- crime de "instigar, preparar, dirigir ou;
antagonismos a considerar são, portan- bicada e imprecisa para aludir ao que soa jurídica ou simples indivíduo. O ajudar a paralisação de serviços. pú-.
to, apenas aquêles que visam a atingir sempre foram os crimes de manifesta:.. furto com finalidade política, no en- blicos ou de abastecimento da cidade " ..
a existência, a integridade, a unidade ção do pensamento contra a segurança tanto deveria ser crime político, seja A Lei Delegada n. o 4, previa san-
e a incolumidade dos órgãos supremos nacional. contra banco ou outra qualquer pessoa, ções de natureza administrativa para·.
do Estado, bem como a inviolabilidade A guerra revO'lucivnária, definida e no entanto não é previsto na lei. fatos que a Lei 1.521 considerava crj..·
do regime político vigente. como "conflito interno" enquadra-se na O roubo comum, sem finalidade po- mes contra a economia popular. O De-.
. No art. 3.0 do mesmo Decreto-lei, lítica não atinge, em têrmos jurídicos, creto-Iei n. o 2, em conseqüência, tor-·
sedição e é reprimida através da incri-
dIz-se que a segurança nacional "com- a segurança nacional porque não cons- nando puníveis os ilícitos de que tra-
minação dos .atos que a configuram.
titui um atentado contra os bens jurí- tava a Lei Delegada n. o 4, revogou a:
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parte da Lei 1.521, que cogitava dos H. C. ao STF, em favor de comercian- Percebe-se claramente a importância contra a ,economia popular podem ser
mesmo fatos. tes presos, alegando a falta de compe- da questão levada ao STF. O julga- considerados contra a segurança nacio.
O texto original do Dec.-Iei n. o 2, tência constitucional do Presidente da mento foi feito no dia 17 de março de nal. O Ministro ADALÍCIO NOGUEIRA
como vimos, em sua última parte, limi- República para baixar ° Dec.-lei n.o 2 1966. Estava em jôgo o conceito ju- entendia que "os delitos praticados
tava-se a dizer que as transgressões e a inconstitucionalidade do alarga- rídico de segurança nacional, matéria contra a economia popular, têm, in- \
daqueles preceitos "sujeitarão o infra- mento da competência da Justiça Mili- ·que estava e está destinada a graves e contestàvelmente, implicações com a se-
tor cu os responsáveis às sanções pre- tar, que se operava através de tal De- importantes repercussões em face da gurança nacional".
vistas no art. 13, da Lei 1.802". Como creto-lei. Constituição em vigor. Ficaram vencidos os Ministros EVAN-
era evidente, tratava-se de equiparação °
:f:sse H. C. tomou o n. 43.071 e teve O eminente relator, inaugurando a
:corrente vencedora, entendeu que "den-
DRO LINS E SILVA, LUIZ GALLOTTI, GON-
quoad poenwm, isto é, somente para o como relator o ilustre Min. LAFAYETTE ÇALVES DE OLIVEIRA e RIBEIRO DA COSTA.
efeito da sanção, e nesse sentido che- DE ANDRADA. tro do conceito de segurança nacional O Presidente votou, porque se tratava
garam a pronunciar-se o STF e diver- O Dec.-Iei n. o 2 havia sido baixado se pode incluir o da defesa da economia de matéria constitucional.
sos auditores, em exatíssima interper- com fundamento no art. 30, do Ato popular", "por suas implicações com a Em voto exatíssimo e minucioso, c
tação da lei. Institucional n. o 2. Como se sabe, o tranqüilidade geral e com a paz públi- ilustre Ministro EVA:NDRO LINS demons-
O govêrno, no entanto, pretendia ca". Resolvido êsse ponto, o segundo trou que os crimes contra a economia
art. 31, do AI-2 permitia ao Presidente
transferir os processos por crime con- estava liquidado: "se os crimes contra popular nada têm a ver com a segu-
baixar decretos-leis sôbre matéria de
tra a economia popular para a juris- a economia popular podem ser conside- rança nacional. Examinou os antece-
qualquer natureza, qW[1rndo tivesse de-
dição militar, tendo imaginado que o rados como atentatórios ao interêsse dentes históricos e as leis de seguran-
cretaM o re'eesso ·do Congresso. Fora público e à paz social, não há como ça, desde a primeira, promulgada na
conseguiria fazer com a redação origi-
de tal hipótese, que não ocorria no caso, :recusar sua sujeição à Justiça Militar".
nal do Decreto-lei. Verificando, porém, vigência da Constituição de 1934.
o equívoco, ou seja, que não havia ali o Presidente estava autorizado a legis- :f:sse voto vencedor foi adotado pelos, Referindo-se ao art. 13, da Lei 1.802,
uma equiparação para todos os efeitos lar por decretos, somente sôbre maté- ministros CARIJOS MEDEIROS, ALIO MAR afirmou: "Evidentemente, a paralisa-
('quaad substantiarn) lançou mão de ria de segurança 'f/Ja'Cional. É a mesma BALEEIRO, OSWALIJ{) TRIGUEIRO, PRADO ção de serviços de abastecimento da ci-
expediente inédito, com um alegado êrro disposição que consta da vigente Cons- KELLY, ADALOCCIO NOGUEIRA, VILAS BOAS, dade perturba a paz pública, causa
na publicação. A pretexto de ter sido tituição Federal. HERMES LIMA, CÂNDIDO MúTA, PEDRO desassossêgo de tal ordem que pod~
o Dec.-Iei publicado com incorreções, A legislação por decretos constitui CHAVES e HAHNEMA:NN' GUIMARÃES. conduzir a atos capazes de interessar
editou o govêrno, quase clandestina- violação de princípios elementares do O Ministro CARDOS MEDEIROS susten- à segurança do Estado, à segurança
mente, um nôvo texto, em que ficou Estado de Direito, que não pode exis- tava a tese de que o AI-2 era, por sua interna do país. É um gesto coletivo,
expressa a jurisdição militar para o tir quando as leis não são feitas por natureza, um ato de emergência, tendo um ato de maior gravidade, que se en-
processo: "O não cumprimento das Legislativo que seja expressão de um "inspiração revolucionária" e que "o contra entre os delitos contra a segu-
obrigações estabelecidas no art. 2. 0 e govêrno representativo livremente esco- propósito que inspirou o Ato Revolu- rança interna do país. Mas não se
a oposição de quaisquer dificuldades ou lhido por sufrágio universal. Como donário n. o 2 deverá inspirar também pode equiparar à mera alteração de
embaraços à consecução dos objetivos afirmou a Comissão Internacional de a interpretação do art. 30". Coisas se- preço de mercadorias". Mostrou, por
do presente Decreto-lei, bem como a .Juristas em seu Congresso de Bang- melhantes disse o ilustre Ministro HUGO outro lado, que a norma do art. 30, do
infração aos dispositivos da Lei Dele- ~ok, a legislação pela via de decretos AULER, no TFR, sôbre a legislação ex- AI-2 era excepcional e que deveria ter
gada n. O 4, de 26 de setembro de 1962, equivale, de fato, ao abandono da Cons- -cepcional do govêrno que se instalou interpretação restritiva, acrescentando:
serão proe6 sgados e julgados pela Jus- tituição (aLa Primwuté du Droit, Idée após o movimento de abril de 1964, "Isto me parece tão claro, que a minha
tiça Militar, na forma da le'gislação force clu proges", Genebra, 1965, pá- felizmente sem a aprovação de seus dificuldade é demonstrar o óbvio".
pra<:.9ssual vigente, sujeitando os infra- gina 43). colegas. Assinalou ainda, em seu magnífico
tores ou os responsáveis às sanções Alegavam os impetrantes que o De- Entendia o Ministro CARDOS MEDEIROS voto, o Ministro EVANDRlO Lrns E SILVA,
previstas no art. 13, da Lei 1.802:, de creto-lei n. o 2 era ilegal, porque a ma- 'que o Presidente da República não es- o perigo que constituiria o alargamen-
5 de janeiro de 1953". téria que nêle se tratava não se refe- tava adstrito à conceituação tradicional to ao AI-2, "quase que eliminando o
A retificação da lei foi publicada no ria à segurança nacional. ~os crimes contra a segurança nacio- Poder Legislativo. Digo mais: ama-
dia 11 de fevereiro de 1966. Invocando o disposto no art. 108, nal e que o seu DeC.-lei oferecia uma nhã, também um problema de locação,
Ao entrar em vigor o Dec.-Iei n.o 2, parágrafo único, da Constituição F'e- ~. nova definição, irrecusável. Em suma: que diga respeito à habitação, poderá
na data de sua publicação, estabele- deral de 1946, alegavam, por outro matéria de segurança nacional é aquilo ser objeto de decreto-lei, como infra-
ceu-se situação terrível, pois deixaram lado, a ilegalidade da extensão do fôro 'que o Presidente diz que é relativo à ção à segurança nacional. Assim tam-
de ser afiançáveis infrações como não militar aos civis, pois tal extensão a segurança nacional. bém os despejos contra os inquilinos.
afixar tabelas de preços, recusar nota lei só permitia se efetuasse nos casos Os demais votos vencedores não aco- Dir-se-á: isso é matéria que afeta a se-
de venda, transgredir tabelamento etc. de crime contra a segurança nacional lheram a tese revolucionária do antigc gurança nacional, porque pode, even-
Diversos advogados no Estado da ou as instituições militares, o que nã() ministro da Justiça e eminente jurista. tualmente, perturbar a paz pública.
Guanabara uniram-se na impetração de ocorria. Limitaram-se a !).:firmar que os crimes Tudo seria deslocado, por fôrça dessa

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interpretação, ampliativa, para o, jul- aos .comerciantes que praticam o,S cha- co,mpra simultânea de o,utros 011 de o, princípio, -da reserva legal, pela im-
gamento, da Justiça Militar. mados delito,s eco,nõmico,s, em cuja es- uma quantidade impo,sta; so,negar do- precisão, e indeterminação, do, que era.
Seria o, esvaziamento, do, Po,der Le- sência há apenas violação das regra&' cumento,s ou ,compro,vantes para apu- pro,ibido, ("o, não, cumprimento, das o,bri-
g.islativo, e o esvaziamento, do, Po,der impostas pela econo,mia dirigida pelO' ração do custo, de pro,dução, e de ven- gações estabelecidas no, art. 2.° e a o,Po,-
Judiciário, regular, o,rdinário" co,m 8 Estado,. E a mesma idéia ressurge err da; impedir o,U dificultar exames con- sição, de quaisquer dificuldades o,U em-
\
ampliação, da co,mpetência de uma Jus- diversas no,rmas fascistas, que equipa· tábeis que forem julgados necessários. baraço,s à co,nsecução, do,S objetivo,s do,
tiça Especial, que tem uma finalidade ravam os crimes co,ntra a eco,no,mia po, A simples enumeração convence, a presente Dec.-lei"). Cf. sôbre o, Po,nto
específica, de julgamento, das infraçõeE pular ao,s crimes co,ntra a Nação" e, no,sso ver, de que em nada disso, se Co,- em questão" HELENO C. FRAGOSO, O,
propriamente militares. Seria uma por conseguinte, cQntra o, próprio, Es gita de segurança nacio,nal." Trata-se nôvo Direito, Penal Tributário e Eco-
fo,rma o,blíqua de se submeter o,S civis, tado,. É o, que dispunha a nQssa Cartf de normas que integram a defesa da nômico, Rev. Bras. Crim. Dir. P.<3nal,
na generalidade, ao, julgamento, da Jus· CQnstitucional de 1937, em seu art. 141, chamada eco,nomia Po,Pular e cuja tu- n.o 12, pág. 81.
tiça Militar". inspirada na Carta del Lavoro: "Os tela jurídica se projeta sôbre a eco- O epílogo dessa triste história é·
O Ministro, LUIZ GALlJOTTI, em seu crimes cQntra a econo,mia PQPular sã()l nomia de indeterminado número, de pes- muito ilustrativo, do, que representa
Vo,to, vencido" demo,nstro,u que a trans· equiparadQs aQS crimes CQntra o Esta- soas que consomem bens e utilidades êsse processo, de fazer leis no,s bastidQ-
gressão, de tabelamento, nada tem a ver do, devendo, a lei cominar-Ihes penas. e contratam serviços o,ferecidQs ao, pú- res da República, segundo a regra sic'
,co,m o,S crimes Po,líticos, visando, apenas graves e prescrever-lhes prQceSSQ e jul- blico em geral. volo, sic jubeo.
à ganância, ao lucro e à especulação,. gamento, adequados à sua pronta puni- Não se exclui que o, abastecimento da Co,m a decisão, do, STF, o,S crimes
O eminente Ministro, RIBEIRO DA çãQ". Em conseqüência, o julgamento> cidade Po,ssa interessar à segurança na- cQntra a eCQnomia PQPular passaram à.
COSTA, a quem rendemos aqui a ho,me- dêsses crimes se fazia, naquela épQca cio,nal. Isso" todavia, OCQrre em situa- jurisdição, militar. O rigo,r excessivo,
nagem de no,ssa saudade e grande ad- de lágrimas, de terrQr e de opróbrio ções abso,lutamente excepcio,nais e de das no,vas penas e as deficiências da
miração" em seu voto co,rajo,so, dizia para esta nação" pelo, Tribunal de Se- extrema gravidade. É o, caso, de esta- Justiça Militar, que não, fôra instituí-
que "em no,me da segurança nacio,nal gurança NaciQnal, que servia, co,m ra- do, de guerra o,U de calamidade pública da para isso" cQmpro,meteram definiti-
se está atingindo, a segurança do,S in- pidez e eficiência, à tirania que no,s em que a ação, envo,lve a paralisação vamente a aplicação, do, Dec.-Iei n.o 2.
divíduo,s, quando, se acena co,m a co,m- dominava (art. 122, n. o, 17, da Carta de serviços de abastecimento, da cidade. Não, há juiz debaixo, do, SQl que impQ-
petência de um Tribunal Militar para de 1937). Tais situações Po,dem co,nduzir a grave nha a um comerciante que não, afixa
julgar delito essencialmente co,mum, de- Tal justiça não, passava de uma ca- perturbação, da o,rdem, praticada co,m o tabela de preços, recusa nQta de venda
lito que não tem, pela sua repercussão" ricatura Ou de um arremêdQ de jus- fim de atentar co,ntra o, gQvêrno,. A o,U aumente vinte QU trinta centavos'
qualquer reflexo sôbre a segurança na- tiça, em que se pro,curava impor penas simples paralisação, de serviço,s de no, preço, da carne, a pena de dois anos·
cio,nal". "O que diz respeito, à segu· exemplares, numa afirmação, do, poder abastecimento, da cidade, que a Lei de reclusão,. É antiga lição" que remQn-
rança nacional é aquilo, que diz res. punitivo e de supremacia do, EstadQ', n. o, 1.802 co,ntemplava no art. 13, é ta a MONTESQUIEU, a de que a eficiên-
peito, ao, interêsse Po,lítico, da nação. que representava a mais ho,rrenda e crime co,ntra a o,rdem so,cial e nada cia da repressão, não, depende da seve-
Onde está, no, fato de cidadão, nego- intolerável negação da justiça. tem a ver .CQm a segurança nacio,nal. ridade das penas, mas sim da certeza
ciante afixar tabela de preço acima do, As infrações previstas na Lei Dele- É tQtalmente inaceitável o, entendi- de sua imposição,. As penas evidente-
previsto, o,U cobrar mercado,ria pOI gada n. o, 4 eram as seguintes: vender mento de que transgredir tabela de mente injustas e desproPQrcio,nadas à
preço, acima do, previsto" o,nde está, ou expor à venda mercadorias ou o,fe- preçQS, deixar de fo,rnecer nota fiscal gravidade do, malefício" não, se aplicam.
nestes atos, o atentado, contra interês- recer serviços PQr preçQS superiQres o,U deixar de afixar um tabelamento, Po,r o,utro, lado" a estrutura e a or-
se político da nação" contra a interêsse aos tabelados; sonegar gêneros ou mer~ são, fatos que atentam contra a segu- ganização, da Justiça Militar não eram
permanente da nação?" (Re'V. Trim cadorias, recusar vendê-los ou retê-IQs rança naicional. adequadas ao, nôvo, encargo,. É o, que
Jurispr., 42/296). para fins de especulação; não manter Se não, se trata de fatos contra a assinalo,u o, Presidente do, STM, então
Era evidente a correção dos votos afixado em lugar visível e de fácil lei- segurança nacional, se não se trata de o, eminente Ministro, DIOOO BORGES
vencidos. A fúria descontrolada na pu- tura tabela de preços; favorecer ou fatos contra as fnstituições militares; FORTES, em 24-5-66 (cf. Rev. Bra's.
\1):.
nição dos crimes contra a econo,mia preferir comprador em detrimento, de se não, se trata de fatos previstos na erim. Dir. Penal, n.o 14, pág. 187).
popular constitui, na história do Di- outros; negar ou deixar de fQrnecer Lei 1.802, não havia como" através de Em to,do, o, território, nacio,nal há ape-
reito, Penal, fenômeno, episódico, que fatura o,U nota; prQduzir, expor 011 lei Qrdinária, transferir o, julgamento nas 19 Auditorias, localizadas quase
tem caracterizado, os governos totalitá- vender mercadorias cuja embalagem,' para a Justiça Militar. tôdas no, litoral, as quais deveriam
rios. Nestes, a idéia abstrata e impes· tipo" especificação, pêso ou composição A Qrientação, ilegal do, gQvêrnQ co,m- atender aos 4.000 municípiQs que se
sQal de povo adquire significação, mís- transgridam determinações legais; efe- pro,metia a Justiça Militar, que se pre- espalham por tQdQ o, território, naciQ-
tica, que tudo, justifica e que Co,nstitui tuar vendas QU ofertas de venda 0,11 tendia pôr a serviço, de política crimi- nal. Isso, significava que um comer-
freqüentemente mero, pretexto, para 8· CQmpra que incluam prestação, oculta; nal intimidativa e cQmpletamente desQ- .ciante prêsQ em Go,iás deveria ser tra-
o,pressão, do, grupo, do,minante. emitir fatura ou duplicata que não cor- rientada. zido, a Juiz de Fo,ra para o, processo,
'É co,m base nessa idéia que se impõe, respo,nda à mercadoria moocionada; O Dec.-lei n. o 2, em seu art. 3.0" na e no, Rio, de Janeiro, deveria ser feito
na Rússia Soviética a pena de morte subordinar a venda de um pro,dutQ à primeira parte, por o,utro, lado" o,fendia o, processo, do, fato, o,co,rridQ em Vitória.

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TE!!sa situação fêz com o que STM con- cional e sua reVlsao (aliás, já iniciada mo do Presidente ou do Congresso. etc. Não emito uma opinião pessoal:
<cedesse uma infinidade de h. c. por ex-
cesso de prazo. Num só dia, o 29 de
pelo STF) será inevitável.
No julgamento do Rec. Extr. 62.739, r "Segurança Nacional" envolve tôda a
matéria pertiriente à defesa da inte-
- infiro do que está nos arts. 89 a 91,
da Constituiçãô, encimado pela "Se-
.abril de 1966, havia na pauta 139 pro- o STF (pleno) declarou a inconstitu- gridade do território, independência, ção V, do Cap. I, do Tít. - Da Segu-
cessos de h. c. em favor de comercian- cionalidade do art. 5.0 , do Dec.-Iei 322, sobrevivência e paz do país, suas ins- runça Ncu:ionul. Nesses três dispositi-
\
tes presos. de 7-4-67, que dispõe sôbre a purgação tituições e valôres, materiais ou mo- vos, está dito que as medidas perma-
A mensagem do presidente do STM, da mora nas locações comerciais. Tal rais contra ameaças externas e inter- nentes de estudo e organização se re-
inspirada no bom senso e na prudên- decreto-lei foi editado pelo Presidente nas, sejam elas atuais e imediatas ou ferem à mobilização nacional e às ope-
cia dava conta de uma situação in- da República, com base no art. 58, I, ainda em estado potencial próximo ou rações militares, concessões de terras
da Consto Federal, afirmando-se que a remoto. Repugna à Constituição que, de fronteiras e lugares estratégicos,
-su;tentável. Não t-eve, no entanto,
matéria se referia à segurança nacio- nesse conceito de "segurança nacional", transporte e comunicações, pontes e in-
qualquer resultado, pois o govêrno não
nal. Não entendeu assim o STF, que seja incluído assunto miúdo de Direito dústrias direta ou indiretamente vin-
tomou qualquer providência.
decidiu: "O conceito de segurança na- Privado, que apenas joga com interês- culados à defesa".
Com a supervemencia do Dec.-lei
cional não é indefinido e vago, nem ses também miúdos e privados de par- Parece-me, pois, que em matéria ob-
n. o 314, foi revogada expressamente a aberto àquele discricionarismo do Pre-
Lei 1.802 e seu art. 13. No STM, os ticulares, como a purgação da mora jetivamente definida na Constituição
sidente ou do Congresso. Segurança nas locações contratadas com negocian- Carts. 89 a 91), não é constitucional
Ministros PERY BFNILAQUA e RIBEIRO nacional envolve tôda a matéria perti- tes como locatários. O Dec.-lei 322, de interpretar-se a cláusula segurança na-
DA COSTA sempre entenderam que o De. nente à defesa da integridade do ter- 7-4-67 afasta-se da Constituição quan- cional, do art. 58, I, como algo que o
.creta-lei n. o 2 era inconstitucional e ritório, independência, sobrevivência e do sob color de se.gurança nacional re- Presidente da República faz e o Con-
votavam reiteradamente nesse sentido. paz do país, suas instituições e valô- gula matéria estranha ao conceito gresso desfaz, ou que ambos podem fa-
ü mal estar dos juízes na Justiça Mi- res materiais ou morais contra amea- desta". zer discricionàriamente.
litar era evidente, pois não raro lhes ças externas e internas, sejam elas Em seu voto magnífico, o ilustre re- Já se disse que o Parlamento britâ-
vinha a julgamento casos ridículos. O atuais ou imediatas ou ainda em esta-' lator assinalou: "Mas o conceito de nico pode tudo, menos transformar um
grande Tribunal não se fêz para jul- do potencial próximo ou remoto". "Os segurança $lCÍonal, a meu ver, não homem em mulher ou mulher em ho-
gar os casos de alhos e cebolas, como direitos e garantias individuais, o fe- constitui algo indefinido, vago e plás- mem. Mas num país de Constituição
mais de uma vez os ministros repeti- deralismo e outros alvos fundamentais tico, algo que pode ser ou não ser, en- escrita e rígida não há o mesmo arbí-
ram. De certa feita, foi julgado h.c. da Consti:tuição ficarão abalados nos tregue ao discricionarismo do Presiden- trio. A lei, no Brasil, não pode trans-
,em favor de um proprietário de um alicerces e ruirão se admitirmos que te e do Congresso. Os direitos e ga- formar o quadrado no redondo, sempre
botequim que vendeu a um bêbedo um 'representa segwrança nacional tôda rantias individuais, o federalismo e ou- que o redondo e quadrado tenham sido
-envelope de anti-ácido por prêço acima matéria que o Presidente da República tros alvos fundamentais da Constitui- designados como tais na Constituição,
da tabela. declara que o é, sem oposição do Con .. ção ficarão abalados nos alicerces e rui- expressa ou implicitamente".
Isso explica bem a repulsa que o gresso". Em seu voto excelente afir- rão se admitirmos que representa se- Respondendo a uma ponderação do
STM manifestou quando foi promulga- mou o ilustre relator, Ministro ALIO- gurança nacional tôda matéria que o Ministro HERMES LIMA, acrescentou
,do o Dec.-Iei 314, declarando unânime- MAR BALEEIRO: "Segurança nacional, il Presidente da República declarar que o com preclsao o Ministro BALEEIRo:
mente que desapareceu o art. 13, da meus olhos, não é o que o Presidente é, sem oposição do Congresso. Querll "No art. 58, há um conceito de que é
Lei 1.802 e que, portanto, o art. 3.0 , e o Congresso dizem que é, mas apenas crer que segurança rt,ucian.al envolve "segurança nacional", e de tôdas aque-
do Dec.-Iei n. o 2 ficara inaplicável. A o que se concilia com o que está ex- tôda matéria pertinente à defesa da las matérias que constituem a "segu-
vocação democrática dos JUIzes que presso e implícito nos arts. 89-91, da integridade do território, independên- rança nacional". E o próprio bom sen-
compõem o STM revelou-se claramente Constituição sob a epígrafe "Da Segu- cia, paz e sobrevivência do país, suas so está dizendo que só podem ser a paz,
nesse triste episódio da legislação re- rança Nacional". E, por certo, purga- instituições e valôres materiais ou mo- a segurança, o bem-estar, enfim, a pre-
l)olucionária. ção da mora em locações não residen- rais, contra ameaças externas e inter- servação da incolumidade da Nação,
Observamos ainda que a advertência ciais não se harmoniza com o conceito nas. Em duas palavras, - contra a quer quanto às ameaças externas, quer
<contida no voto do Ministro EVANDRO de seguranç'l1 n31cional" (Re1J'. T1·í,n. guerra externa ou intestina, esteja ela quanto às internas.
LINS E SILVA (que o Ministro CARLOS Jurispr., 44/54). travada e efetiva ou fermente ainda, Mas, purgar mora de comerciantes.
MEDEIROS qualificou de terrorista), foi No julgamento do Rec. Extr. 62.731, em estado potencial próximo ou remo- tenha paciência!
mais que uma advertência, constituin- relator o eminente Ministro ALIOMAR to. Daí, admitir eu que o conceito de Por exclusão, podemos dizer o que é
,do um verdadeiro vaticínio. Segurança BALEEIRO, atual presidente de nossa segurança nacional abranja medidas "segurança nacional". Vejamos o que
Nacional foi o fundamento de que se' Côrte Suprema, o conceito de Seguran- preventivas contra os lêvedos da ação não é segurança nacional: bola de fu-
'serviu o govêrno para editar decretos- ça Nacional voltou a ser examinado. armada ou da desordem, nesta época tebol não é segurança nacional. Baton
leis. Entre êsses havia um sôbre loca- Afirmou-se então que "o conceito de em que tanto se falou e fala-se em de môça não é segurança nacional, ci-
.ção. Numerosos dêsses decretos-leis segurança nacional não é indefinido e "5.a Coluna", "guerra fria", "guerra garro de maconha não é segurança na·
nada têm a ver com a segurança na- vago, nem aberto àquele discricionaris.:. revolucionária", "guerra psicológica", cional".

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o ilustre Ministro ELY DA ROCHA sa- tos-leis quando se trata de .segurança.
lientou: "O voto do eminente relator nacional ou de finanças públicas".
é exaustivo, convincente, brilhante. O eminente Ministro CÂNDIDO MOTA..
Estou de acôrdo com S. Exa. Seguran- FILHO também observou: "Se conside-
ça nacional, certamente, não compreen-
de relação de direito privado. Concei-
rarmos a segurança nacional no seu
sentido mais amplo, dentro dessa dis-
Nôvo Direito Penal \
tua-se a segurança nacional, na Cons- cricionalidade de que aqui se falou, não
tituição, não sÓ, na Seção que, dentro haverá mais garantia nem para os di--
do 'Capítulo Do Poder Executivo, trata reitos individuais, nem para os direi-
Da Segurança Nacional - arts. 89-91 tos sociais, nem para os direitos polí-
- , mas, ainda, no comêço da Consti- ticos. Acho mesmo que a Constituição. Saíram o segundo e o terceiro volumes do livro
tuição, quando, no Capítulo sôbre a distingue, nos seus têrmos, o que é
ComplBtência da União a ela se refere ordem pública, o que é questão políti- "NóVO DIREITO PENAL" do professor Roberto Lyra,
o art. 8.°, inc. IV. C~m êsse conceito ca, o que é ordem social, o que é ordem
genérico, contrasta o art. 5.°, do D-l econômica, o que é direito individual. Ex-Ministro da Educação e Cultura e Membro da Côrte
n.o 322. Poder-se-á discutir sôbre a E, quando ela se refere à segurança
extensão do conceito, mas, no caso, é nacional, está se referindo à manuten- Permanente de Arbitragem de Haia.
evidente o excesso". ção da integridade política do povo"
Observou, por seu turno, o eminente como Estado, e é por isso que ela ouve
Ministro ADAIJÍCIO NOGUEl1RA que "o o Conselho de Segurança Nacional" O chefe da escola penal brasileira diz tôda a ver-
conceito de segurança nacional, real- como base, as suas decisões a respeito,
mente, está definido na Constituição, bem como às Fôrças Armadas". dade sôbre crime, criminoso, pena e temas afins.
expressa ou implicitamente, não nos N o mesmo sentido foi o pronuncia-
sendo possível ampliar ou restringir mento do ilustre Mini,stro LUlZ GAL-
êsse conceito, ao sabor de uma inter- LOTTI: "Entendo que, quando a Cons-, O professor Roberto Lyra liga o Direito Penal a
pretação plástica". tituição usa a expressão segurança na-
O ilustre Ministro EVANDRIO Lms E cional, refere-se a um conceito fixado< tôdas as ciências humanas sociais, proj etando-o como
SILVA recordou, na oportunidade, o de- estabelecido na doutrina. Ê o que acon-,
bate travado por ocasião do julgamen- tece também com "impôsto", "taxa"" base, comunicação e estímulo da cultura geral e das
to da constitucionalidade do Dec.-lei "crime político", "anistia", etc., comOo
n.o 2, a que já aludimos, afirmando já tenho argumentado em outros casos. técnicas profissionais.
que sustentava, então, que se não po- Se ao legislador ordinário fôsse livre,
dia ampliar conceitos, de modo a ab- subverter êsses conceitos, que a Cons-
sorver a competência do Poder Legis- tituição teve em mira, ruiria todo o. A matéria reunida e revelada em "NóVO DIREITO
laivo. E acrescentou: "A meu ver o sistema constitucional. O Congresso,
eminente relator situou perfeitame~te em lei ordinária, não pode alterar o PENAL" não consta de outro livro, iluminando cami-
o problema. O conceito de segurança conceito de segurança nacional. Se'
nacional é o gênero, que envolve duas pudesse, estaria modificando a própria nhos para a interpretação e a aplicação das leis penais
espécies: a segurança externa e a se- Constituição que dispôs levando em
gurança interna. conta tal conceito, e, .obviamente, para. sob todos os aspectos.
De segurança externa evidentemente ser respeitado.
não se cuida, porque ela compreende Entendido amplamente, isto é, que 00
problemas de guerra externa, de defesa Congresso, sem limites, pode alargar 00 Pedidos pelo Reembôlso Postal a Borsoi & Cia. -
de territóro nacional, o que não está conceito de segurança nacional, então,
em causa. A segurança interna com- poderia haver descretos-leis sôbre tudo,. Rua Francisco Manuel, 55 - Benfica - ZC-15 - Rio
preende a defesa das instituições polí- porque, remotamente, tôda a ordem
ticas do país, de modo geral, isto é o jurídica interessa à segurança nacio-, de Janeiro - GB.
sistema de govêrno, os podêres da Re- nal, e a limitação constitucional, da
pública, a Federação e tudo o mais competência do Executivo para baixar'
que forma a estrutura do regime sob' decretos-leis, pràticamente aesapareci-,
o qual vivemos.
Telefones: 248-8176 e 248-2834.
da". Veja-se essa decisão memorável
A Constituição só autoriza o Presi- n~ Rev. Trim. Jurisprr., voI. 45, pá-
dente da República a expedir decre- gma 559.

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