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O. K.

Tikhomirov

AS CONSEQUÊNCIAS PSICOLÓGICAS
DA COMPUTERIZAÇÃO

Entre os novos problemas teóricos que têm confrontado a psicologia no


decorrer da revolução tecnológico-científica está o estudo das conseqüências
psicológicas dos computadores.
O computador afeta o desenvolvimento da atividade mental humana? Se
assim é, como? Para responder a estas questões, precisamos comparar como os seres
humanos e os computadores resolvem um mesmo problema. Tal análise nos permite
estabelecer se a atividade humana é ou não reproduzida no computador. Primeiramente
deixem-nos tratar dos computadores que já foram criados; em relação aos modelos
futuros, limitar-me-ei a avaliar esquemas concretos para aperfeiçoar o potencial
funcional.
Nos últimos anos, a analogia entre pensamento (e o comportamento dos
organismos em geral) e os princípios de trabalho dos computadores tem se tornado
largamente usual. Significado especial tem sido dado aos assim chamados programas
heurísticos (Simon, Newell). O termo, heurística, é um reflexo de um determinado
estágio no desenvolvimento da teoria de programação de problemas para computador.
Designa qualquer princípio ou sistema que contribui para reduzir o número necessário
de passos para a tomada de uma decisão. Heurísticas são mecanismos que guiam uma
pesquisa de modo a torná-la mais seletiva e, consequentemente, eficiente. É importante
colocar que esta interpretação não corresponde ao significado completo do termo
heurística, o qual é atribuído a Papp e quer dizer “a habilidade de resolver problemas”.
Este último significado, que tem um conteúdo bastante indefinido, foi usado até que as
ciências que estudam o pensar humano foram diferenciadas, e refere-se a instrumentos
de análise e síntese.
A possibilidade de resolver com um computador problemas que ultimamente
têm sido resolvidos por humanos, levou os acadêmicos a concluir que:
1. O roteiro do trabalho de um computador é uma teoria do pensamento
humano.
2. A possibilidade de reprodução em uma máquina de algumas funções é o
critério para a validade ou não de uma explicação psicológica de atividade.
3. Uma resposta negativa à tradicional pergunta: “uma máquina é capaz de
pensar?” é “não científica e dogmática”, pois a comparação do comportamento de uma
máquina e de um ser humano geralmente revela resultados idênticos.
Se considerarmos estas idéias, a influência dos computadores na atividade
intelectual é vista como se segue. O computador assume o lugar do ser humano ou
substitui-o em todas as esferas do trabalho intelectual. Esta é a teoria da substituição.
Entretanto, para checar a validade desta teoria sobre a influência dos computadores nos
processos mentais humanos (uma teoria que começa com a hipótese que a programação
heurística reproduz o pensamento criativo humano), devemos analisar em que nível o
processo humano de dirigir uma pesquisa para a solução de um problema corresponde


De O. K. Tikhomirov (Ed.), [Man and computer]. Moscow: Moscow University Press, 1972.

1
ao usado pelo computador na realização da mesma tarefa. Como se tem demonstrado
em nosso laboratório, estes processos não são os mesmos. Uma grande parte dos
mecanismos de controle de busca para os seres humanos em geral não estão
representados nos programas heurísticos existentes para computadores. Quando as
heurísticas do computador realmente se assemelham às humanas, são significativamente
mais simples e são comparáveis em alguns modos essenciais A reprodução de alguns
resultados externamente observados da atividade humana pelo computador tem sido
executada sem reproduzir a heurística humana.
Baseados nos dados coletados no decurso das investigações psicológicas
experimentais, podemos estabelecer que a idéia de substituição não expressa a real
relação entre o pensamento humano e o trabalho do computador1. Ela não representa
exatamente como o último influencia o desenvolvimento do primeiro.
Dificilmente consegue-se determinar como os computadores influenciam o
desenvolvimento dos processos mentais humanos sem considerar o que é o pensamento
humano e que importantes estágios históricos no desenvolvimento do pensar podem ser
identificados à época do surgimento dos computadores. Nós abordamos o problema
desta maneira, de modo a examinar a questão da computerização numa perspectiva
histórica mais ampla – a perspectiva do desenvolvimento da cultura humana.
Nos últimos anos a teoria informacional do pensamento tornou-se muito
popular. Achamos necessário contrastar esta teoria com a teoria psicológica do
pensamento (elas às vezes são incorretamente vistas como sendo idênticas). A primeira
teoria é frequentemente formulada como uma descrição do pensamento ao nível dos
processos elementares de informação e está preocupada primariamente com as
características dos processos de informação.
A teoria informacional do pensamento consiste nas seguintes idéias.
Qualquer comportamento, incluindo o pensamento, pode e deve ser estudado
relativamente independente do estudo de seus fundamentos neurofisiológicos,
bioquímicos, ou outros. Apesar das diferenças entre o cérebro e o computador serem
evidentes, existem similaridades funcionais importantes. A idéia de que os processos
complexos do pensamento são constituídos de processos elementares de manipulação de
símbolos é a principal premissa da explicação do pensamento humano no nível do
processo informacional, em geral, estes processos elementares são descritos como se
segue: Leia o símbolo, escreva o símbolo, copie o símbolo, apague o símbolo e compare
dois símbolos. Não é difícil de se ver que os “processos informacionais elementares” ou
“processos elementares de manipulação simbólica” não são nada mais que operações
elementares no modo operante de um calculador2. Sendo assim, o desejo de estudar o
pensamento “ao nível dos processos informacionais elementares” é atualmente
interpretado como uma insistência em explicar o pensamento humano exclusivamente
dentro de um sistema de conceitos que descrevem o modo de operar de uma
calculadora.
Os conceitos fundamentais dentro desta estrutura são: (1) informação, (2) o
processamento da informação, e (3) o modelo de informação. Informação é, em
essência, um sistema de sinais ou símbolos. O processamento da informação lida com
os vários tipos de processamentos destes símbolos de acordo com regras dadas
(“manipulação de símbolos”, como alguns autores referem-se a isto). O modelo de
informação (ou “o espaço de um problema”, em oposição ao meio ambiente do

1
N.T. Nota-se que Tikomirov utiliza o termo pensamento (thought) apenas em relação ao elemento
humano, quando trata das máquinas ele usa o termo trabalho (work).
2
N.T. Calculator. O sentido aqui não é o de apenas uma máquina de calcular, mas o de alguém ou algo
que efetua um cálculo, que calcula.

2
problema) é a informação sobre o problema representado ou coletado (na forma de uma
descrição codificada) na memória do sistema que resolve o problema. Um complicado,
mas final e totalmente definido, conjunto de regras para o processamento da informação
foi visto como formando a base para o comportamento do pensar humano. Esta tornou-
se a posição que diferencia as abordagens “científicas” das “não científicas” (i.e.,
aquelas que toleram o “misticismo”).
Se aceitarmos a teoria informacional do pensamento (i.e., a descrição do
pensamento como análogo ao trabalho de um computador), pode haver uma resposta à
questão de como os computadores afetam o pensamento humano: os computadores
suplementam o pensamento humano no processo da informação, aumentando o volume
e a velocidade deste processo. Este ponto de vista pode ser rotulado como a teoria da
suplementação. Dentro da estrutura da teoria da suplementação, as relações entre o
funcionamento dos seres humanos e do computador, se combinados dentro de um
sistema, são relações das duas partes de um todo – o “processamento da informação”.
Com a ajuda do computador, humanos processam mais informação, mais rápido e,
talvez, mais corretamente. Acontece um aumento puramente quantitativo em seus
recursos. Visto que a teoria da suplementação está diretamente ligada com a teoria
informacional do pensamento, é necessário examina-la com mais detalhe.
Psicologicamente, o que significa pensamento? Será que a abordagem
informacional descreve os atuais processos do pensar humano, ou ela subtrai destes as
suas características mais essenciais? Não acharemos as respostas a estas questões
através da “modelagem” dos processos mentais, mas através de uma análise
experimental e teórica dos processos de pensamento.
Psicologicamente, o pensamento frequentemente aparece como a atividade
de resolver um problema. O problema é geralmente definido em termos de um objetivo
em uma certa situação. Entretanto, o objetivo nem sempre é “dado” inicialmente.
Mesmo que ele seja externamente imposto, ele é frequentemente um tanto indefinido e
permite interpretações complexas. Portanto, a formulação e obtenção de um objetivo
estão entre as mais importantes manifestações da atividade do pensar. Por outro lado, as
condições nas quais os objetivos são formulados não são sempre “definidas”. É ainda
necessário distingui-las da situação geral da atividade na base de orientação ou de uma
análise da situação. O problema de se dar objetivos em condições definidas ainda
precisa ser analisado. Consequentemente, pensar não é simplesmente solucionar
problemas: também envolve formula-los.
O que entra nas condições de um problema? Em outras palavras, com o quê
os humanos que estão resolvendo um problema têm que se preocupar? Se examinarmos
casos do assim chamado pensamento viso-ativo, podem ser objetos ou coisas, e/ou
podem ser pessoas. No caso do pensamento verbal, podem ser símbolos. Será que é
suficiente dizer do pensamento verbal humano que ele “opera com sinais” para
expressar o aspecto essencial do pensamento? Não, isto não é suficiente. Seguindo
Vygotsky, na análise do pensamento verbal eu devo distinguir o sinal por si só, seu
referente e seu significado. Ao “operar com sinais”, o ser humano opera com
significados. Sendo assim, se descrevemos o pensamento humano apenas como
manipulação por meio de símbolos, estamos extraindo3 e focalizando um único, isolado
aspecto da atividade pensante de uma pessoa real. Isto é exatamente o que a teoria
informacional do pensamento faz.
Os objetos reais ou os objetos nomeados que entram em um problema
possuem características importantes como os valores. Ações com estes objetos (i.e.,

3
N.T. Extracting, do verdo to extract que tem o sentido de extrair, mas também de selecionar.

3
transformações de uma situação) também têm diferentes valores. Existem diferentes
fontes de formação destes valores para um mesmo elemento ou situação e diferentes
inter-relações entre estes valores. A representação formal das condições de um
problema (por exemplo, na forma de um gráfico ou lista de sinais), que reflete alguma
realidade, é artificialmente isolada das características situacionais objetivas que o
acompanham. As condições do problema podem incluir fatores como (1) a correlação
dos vários valores dos elementos e significados para transformar a situação, e (2) a
intenção do formulador do problema. Estas características, que estão perdidas na
representação formal, não somente existem, mas até mesmo determinam (e algumas
vezes mais do que qualquer outra coisa) o fluxo de atividade na resolução de um
problema. Sendo assim, as características psicológicas e informacionais de um
problema não são as mesmas.
A atividade mental frequentemente resulta em sinais humanamente gerados
(por exemplo, na identificação de ações que levam a um objetivo). Entretanto, estes
sinais têm um significado (por exemplo, personifique o princípio das ações) e um valor
definidos. Para que alguém resolva um problema o significado do sinal tem de ser
formulado, e o valor surge como uma avaliação.
Um exame psicológico da atividade intelectual humana deve incluir uma
análise nas seguintes áreas: (1) O sentido4 operacional de um indivíduo resolvendo um
problema, (2) O sentido das tentativas concretas na resolução do problema, (3) o sentido
de re-investigação do problema, (4) o sentido dos vários elementos da situação em
oposição ao significado de seus objetivos, (5) o surgimento dos sentidos do mesmo
conjunto de elementos da situação e da situação como um todo nos diferentes estágios
da resolução do problema, (6) a correlação dos sentidos não verbais e verbais dos vários
tipos de informações no decorrer da resolução do problema, (7) os processos de
interação na formação dos sentidos, (8) o papel da formação do sentido na organização
da atividade de pesquisa na definição de seu alcance (seletividade) e direção, (9) os
processos surgimento e satisfação dos requerimentos da pesquisa, (10) a mudança no
valor subjetivo ou a falta de significado do mesmo conjunto de elementos de uma
situação e ações expressas na mudança de seu colorido emocional (com motivação
constante), (11) o papel de uma escala mutante de valores subjetivos na organização do
fluxo da pesquisa, e (12) a formação e dinâmica do sentido pessoal da situação do
problema e seu papel na organização da atividade na resolução do problema.
No contexto mental humano da resolução de um problema, as formas
funcionais reais tais como sentido (operacional e pessoal) e os valores dos objetos para
o solucionador do problema não são simplesmente neutros em relação às características
informacionais do material; antes, eles tomam parte no processo de direção da atividade
de resolver o problema de um modo importante. É esta grande importância que acima
de tudo cria a distinção qualitativa da atividade mental em comparação com o
processamento da informação. Isto é o que diferencia a teria psicológica do pensamento
da informacional.
Deste modo, não podemos aceitar a teoria da suplementação em nossa
discussão do problema da influencia dos computadores no desenvolvimento da
atividade intelectual humana, visto que a abordagem informacional no qual ela está
baseada não expressa a real estrutura da atividade mental humana.

4
N. E. - A noção de sentido [smysl] de Tikhomirov é basicamente a mesma de A. N. Leontév e V. P.
Zinchenko. Veja a nota de rodapé sobre este termo no artigo no volume de Zinchenko & Gordon. –
J.V.W.

4
É impossível discutir o problema da influencia dos computadores no
desenvolvimento dos processos mentais humanos sem levar em conta as pesquisas em
inteligência artificial.
Na cibernética é comum lidarmos não apenas pequenos e específicos
problemas, mas também os gerais e teóricos. A análise de como estes problemas são
interpretados constitui um passo necessário não apenas para avaliar a contribuição da
cibernética para o estabelecimento de uma cosmovisão mas também para predizer o
desenvolvimento de certas áreas da ciência.
No decurso do seu desenvolvimento, a cibernética, a qual Weiner entendia
como a teoria orientação e conexões entre organismos vivos e máquinas, foi dividida
em algumas áreas: sistemas auto-reguláveis, a modelagem do pensamento humano, e
inteligência artificial. Atualmente, a terceira área tornou-se a principal em diversos
países. Isto ocorreu porque no decorrer de seu desenvolvimento a primeira área
encontrou dificuldades significativas e porque a segunda e a terceira, de fato, estão
combinadas.
Inteligência artificial não é simplesmente um tema para romances. É uma
tendência científica que requer também uma análise do ponto de vista psicológico. Eu
devo olhar para a interpretação desta tendência que pode ser encontrada nos trabalhos
de Minsky, McCarthy, Simon, e outros pesquisadores que desenvolveram suas posições
sobre a questão.
A definição mais difundida é a seguinte: Inteligência artificial é a ciência
cujo objetivo é desenvolver métodos que habilitarão as máquinas a resolver problemas
que requereriam inteligência como se fossem resolvidos por humanos. Ao mesmo
tempo, a expressão inteligência artificial é frequentemente usada para designar
possibilidades funcionais humanas: uma máquina é inteligente se ela resolve problemas
humanos. Inicialmente, na teoria de programação de problemas para computadores
havia uma distinção, até mesmo uma oposição, entre duas correntes científicas –
“inteligência artificial” e “modelagem de processos mentais”. Esta diferenciação
aparece nas seguintes linhas: a primeira corrente envolve a programação de problemas
para computadores sem relacionar como estes problemas são resolvidos pelos humanos;
a segunda corrente propõe a programação como uma tentativa de duplicar os meios
humanos de resolução de problemas nas máquinas. Depois de um tempo, as fronteiras
entre estas duas áreas tornaram-se praticamente inexistentes. Entretanto, o termo
inteligência artificial é significativamente mais popular do que o segundo, modelagem
de processos mentais. Pesquisadores preocupados com a modelagem têm expresso sua
insatisfação com o termo simulação, pois este implica em uma imitação (i.e., uma
similaridade puramente externa de dois objetos que não reflete as aspirações científicas
dos autores). Por outro lado, pesquisadores preocupados com inteligência artificial têm
enfatizado que os programas das máquinas eventualmente devem ser baseados na
resolução de problemas humanos.
Sendo assim, a inteligência artificial é interpretada diferentemente do que de
cinco a dez anos atrás. Criar métodos de resolução de problemas que se aproximem dos
métodos humanos é o objetivo estratégico das pesquisas em inteligência artificial. É
geralmente dito que não existem mais restrições nas possibilidades de duplicação das
habilidades humanas pelos programas de máquinas.
Uma estratégia que tem sido então formulada, toca em uma série de
problemas fundamentais. Pensa-se, por exemplo, que uma resposta positiva à tradicional
pergunta “pode uma máquina pensar?” deve estar vinculada à uma cosmovisão
materialista (Borko). Neisser expressa uma idéia similar: em sua opinião a analogia
entre humanos e computadores é baseada no materialismo.

5
Às vezes argumenta-se que a criação da inteligência artificial influenciará as
idéias que os seres humanos possuem de si mesmos e destruirá a ilusão de sua
“unicidade”. Em relação à formação de uma cosmovisão, sua influência será ainda mais
significativa do que o entendimento “do lugar do nosso planeta na galáxia” ou das leis
da “evolução a partir das mais primitivas formas de vida”. Outros autores escrevem
sobre “minar a concepção egocêntrica que os seres humanos têm de si mesmos” Ao
mesmo tempo, nós já estamos começando a ver predições das peculiaridades da
“cosmovisão” das futuras máquinas. Na opinião de Minsky, quando as máquinas
intelectuais forem construídas, não devemos nos surpreender se descobrirmos que elas,
como os humanos, terão falsas idéias sobre assuntos mentais, consciência, livre arbítrio,
etc.
Algumas vezes pensa-se que a criação de máquinas inteligentes irradiará luz
sobre o eterno problema mente-corpo e sobre o papel dos humanos no universo. Na
opinião de Slagle, a existência de máquinas inteligentes apoiará a “concepção
mecanicista” de que os homens são apenas máquinas, e a resposta ao problema psico-
fisiológico supostamente será que apenas o corpo existe.
Portanto, a posição do materialismo mecanicista é às vezes explicitamente
formulada como a fundamentação metodológica da pesquisa em inteligência artificial.
Nenhuma distinção é feita, entretanto, entre as formas mecanicista e dialética de
materialismo. O segundo é ignorado, e o primeiro é proposto como a única forma de
materialismo.
O que se pode dizer sobre a influência dos computadores no
desenvolvimento dos processos mentais humanos sob um ponto de vista mecanicista?
Se “somente o corpo existe” e se os seres humanos são “apenas máquinas”, então na
melhor das hipóteses pode-se imaginar a “síntese de duas máquinas” ou a substituição
de uma máquina pela outra. Consequentemente, na pesquisa em inteligência artificial
nós novamente entramos nas teorias de suplementação e substituição. A criação da
inteligência artificial nos anos passados diz respeito ao futuro. Avaliar a probabilidade
da obtenção de objetivos estratégicos neste programa significa simultaneamente avaliar
as teorias de suplementação e substituição em outro contexto.
Quando humanos resolvem certos problemas, o quê, exatamente, é mais
importante? Qual componente ou mecanismo deve-se tentar transferir para os
programas das máquinas? Especialistas em inteligência artificial respondem como se
segue: Devemos dar ao computador o sistema de conceitos necessário para a resolução
de problemas de uma dada classe. Devemos dar às máquinas mais “informação
semântica”.
O interesse em problemas semânticos é, em um nível significativo, baseado
em uma re-interpretação crítica das mal sucedidas experiências em tradução para
máquinas.5 Na opinião de Minsky, a máquina precisa adquirir conhecimento da ordem
de 100,000 bytes de modo a estar apta a agir adequadamente em relação a uma situação
simples. Um milhão de bytes, juntamente com a devida organização correspondente,
seriam suficientes para uma inteligência “poderosa”. Se estes argumentos não parecem
adequados, é sugerido que estas figuras sejam multiplicadas por dez.
Na análise de um programa em inteligência artificial é necessário deixar
claro qual significado é dado para termos (frequentemente usados em filosofia e
psicologia) como pensamento, conhecimento e solução de um problema. Usualmente,
no contexto da pesquisa em inteligência artificial, estes termos surgem da seguinte
forma. Conhecimento é a habilidade de responder a questões. Se algum sistema

5
N.T. “machine translation”, no sentido de linguagem de programação.

6
responde uma questão, isto serve como indicador que ele possui “conhecimento”. Está é
a chamada definição empírica de conhecimento. O modo pelo qual identificamos o
conhecimento necessário para que alguém resolva um problema de uma dada classe é
observar este alguém no processo de auto-instrução. O pensamento humano é o
processo de realização de um algoritmo. A fonte de informação sobre o pensamento
humano com a qual o trabalho do computador é comparado é com freqüência
simplesmente as definições extraídas de um dicionário (um dicionário de definições).
Todas as quatro posições têm uma diferente relação com as ciências que estudam o
pensamento humano, com a psicologia em particular. Entretanto, é aconselhável
examinar em que nível os resultados científicos concretos da pesquisa psicológica são
levados em conta pelos pesquisadores em inteligência artificial.
Há tempos, temos uma distinção entre conhecimento formal e descritivo na
psicologia. Vamos assumir que um estudante sabe três questões que estarão em um
exame e decore as respostas mecanicamente. Um bom professor dificilmente estaria
satisfeito com o sucesso deste aluno. Psicologicamente, conhecimento é a reflexão de
algumas relações essenciais entre os objetos à volta. É um sistema de generalizações.
Quando uma pessoa aprende “mecanicamente”, ela determina6 apenas a conexão entre a
pergunta e a resposta (é outra questão que, na sua forma pura, este fenômeno é
raramente visto). Quando alguma informação é significativamente adquirida, é sempre
incluída em algum sistema da experiência passada da pessoa. Portanto, em “inteligência
artificial” conhecimento é tratado formalmente e tem apenas uma similaridade externa
com o genuíno conhecimento humano.
O método que aqueles que advogam esta tendência científica propõem para
revelar a natureza do conhecimento humano usado na resolução de problemas (através
de observações do processo de auto-instrução) parece ser extremamente limitado. O fato
é que nas ações humanas alguns componentes são realizados conscientemente e outros
não, incluindo as generalizações. Há muito tempo se conhece que estudos de como os
seres humanos realizam ações com objetos revelam que eles usam generalizações
práticas, e que elas não são realizadas de modo totalmente consciente, mas que têm um
papel ativo no processo de resolução de certos problemas. Se falharmos em levar em
conta estas generalizações, a resposta à questão de que tipo de conhecimento uma
pessoa usa na resolução de uma dada classe de problema será incompleta em um
aspecto importante.
Como foi colocado acima, a investigação psicológica do pensamento revela
um organização de algum modo mais complexo dos processos de pesquisa na resolução
de problemas pelos humanos do que no processo análogo no computador. Estas
investigações, em particular, mostram que o atual processo de pesquisa humano na
resolução de problemas não está baseado em um algoritmo. O algoritmo, na melhor das
hipóteses, surge como produto da atividade criativa humana. Nesta área a apelação é
apenas para os dicionários, nos quais a comparação do pensamento humano com o
trabalho de um computador parece fora de moda.
É interessante que uma análise crítica das tentativas de identificar as
características do pensamento que são únicas aos humanos (em oposição aos
computadores) tem revelado apenas um fator. Slagle tem “refutado” apenas uma tese:
“o computador pode fazer apenas o que lhe mandam fazer, e as pessoas podem fazer
mais.” Em sua opinião, em algum sentido, os humanos também podem fazer apenas o
que são “mandados”. Por exemplo, a hereditariedade supostamente “manda” o que fazer
aos humanos e determina como estes recebem a experiência do meio ambiente.

6
N.T. to ascertain: determinar, apurar.

7
Baseados neste raciocínio, o autor chega à conclusão que os argumentos a favor da
noção de que a máquina em princípio não pode ser tão inteligente como os humanos
estão errados. É bem sabido, entretanto, que até mesmo no nível do assim chamado
comportamento instintivo dos animais, o fator hereditariedade não predetermina sua
orientação com respeito ao meio ambiente circundante mesmo que de modo simples.
Consequentemente, o argumento de Slagle não é estritamente correto.
A defesa do pensamento da máquina que discutimos contém a suposição que
pode ser formulada como se segue: se um sistema técnico resolve os mesmos problemas
que um humano resolve pelo uso do pensamento, e se o sistema usa isto para resolver o
problema, significa que o sistema técnico também possui pensamento. Há uma boa
razão, entretanto, para considerar esta inicial (intuitiva) hipótese simplesmente
incorreta. O fato é que o conceito científico de pensamento está preocupado não apenas
com a natureza dos resultados, mas também com o lado processual da atividade
cognitiva humana. Entretanto, pode-se dizer que um sistema técnico possui pensamento
apenas quando ele não apenas resolve os mesmos problemas que os humanos resolvem,
mas quando os resolve da mesma maneira. O ato de rotular como pensamento o trabalho
de uma máquina que apenas resolve os mesmos problemas que os humanos não possui
mais fundamentação do que rotular um avião, num contexto científico (por exemplo,
biológico) e não coloquial como pássaro.
Nossa análise mostra que as hipóteses iniciais da tendência científica que
tem se tornado conhecida como inteligência artificial consistem em uma simplificação
fundamental das idéias sobre pensamento e conhecimento e sobre a correlação do
pensamento e do conhecimento nos humanos. Esta situação nos dá razão para duvidar se
os que advogam a presente tendência (i.e., aqueles que querem criar um autômato que
reproduza todas as habilidades humanas do pensar) conseguiram provar sua posição.
Pode-se também concluir que não existe fundamentação para pensar que uma
cosmovisão dialético-materialista, que é resultado do desenvolvimento de um sistema
científico, deve-se render a uma representação mecanicista do mundo.
Considerando isto, o que podemos dizer sobre “inteligência artificial”?
Devemos considerar a “inteligência artificial” como uma teoria de programação de
problemas para computadores. Este simples título não é mais que uma metáfora que
reflete o romantismo sobre o qual, por exemplo, Minsky e Papert escrevem em seu livro
Perceptrons (1969, p. 10).
A psicologia está agora se desenvolvendo de maneira própria. Vamos
examinar como o problema com o qual estamos preocupados pode ser proposto ao
definir a estrutura da psicologia soviética.
A psicologia tradicional soviética tem trabalhado baseada em uma
abordagem histórica do desenvolvimento dos processos mentais humanos. Vygotsky
desempenhou um papel considerável no estabelecimento deste princípio. Na análise da
atividade prática, os psicólogos enfatizam a ferramenta como o mais importante
componente da atividade humana. Este componente cria uma singularidade qualitativa
da atividade humana em comparação com o comportamento animal. A ferramenta não é
simplesmente adicionada na atividade humana: antes, ela a transforma. Por exemplo, a
mais simples ação com uma ferramenta – cortar madeira – produz um resultado que não
poderia ser atingido sem o uso de um machado. Ainda que o machado por si só não
tenha produzido este resultado. A ação com uma ferramenta implica uma combinação
de ativação e adaptação criativa humanas. As ferramentas por si só aparecem como
órgãos suplementares criados pelos humanos. A natureza mediativa da atividade
humana claramente desempenha um papel de liderança na análise da atividade prática.

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Uma das teses centrais de Vygotsky é a de que os processos mentais nos
seres humanos mudam na medida em que seus processos de atividade prática mudam
(i.e., os processo mentais tornam-se mediados). O sinal (linguagem, sinal matemático,
meios mnemônicos, etc.) surge como um elo mediacional. A linguagem é a mais
importante forma de sinal. No uso de meios e sinais auxiliares (por exemplo, no fazer
um entalhe numa vara para se lembrar), os humanos produzem mudanças nas coisas
externas; mas estas mudanças subsequentemente têm um efeito nos seus processos
mentais internos. Mudando o ambiente, os humanos podem controlar seu próprio
comportamento e dirigir seus processos mentais. Os processos mentais mediados
inicialmente surgem como funções distribuídas em novas formas de relações
interfuncionais. O surgimento de: (1) pensamento lógico em oposição ao pensamento
situacional que não é mediado, (2) memória mediada em oposição à memória não-
mediada, e (3) atenção voluntária em oposição à atenção não-voluntária são exemplos
do desenvolvimento de funções mentais mais elevadas. A escrita é a memória artificial
da humanidade, o que dá à memória humana uma imensa vantagem sobre a memória
animal. Com a ajuda da fala, os humanos controlam o pensamento, pois o
processamento lógico de sua percepção é conduzido através de uma formulação verbal.
Nós abordamos a análise do papel dos computadores confiando nestas
tradições da abordagem histórica da atividade humana. Para nós, o computador e outras
máquinas são órgãos do cérebro humano criados pelas mãos humanas. Se, no estágio da
criação dos motores, os automóveis servem como ferramentas na atividade humana por
cuidar de trabalhos que requerem grande gasto de energia, no estágio de
desenvolvimento dos computadores, estes se tornam ferramentas da atividade intelectual
humana. A atividade mental tem sua própria estrutura mediada, mas os significados são
novos. Como resultado, a questão da influência dos computadores no desenvolvimento
dos processos mentais humanos precisa ser reformulada como se segue: Como a
mediação dos processos mentais pelo computador difere da mediação dos sinais? Os
significados introduzem mudanças dentro da estrutura do processo intelectual? Em
outras palavras, podemos distinguir um novo estágio no desenvolvimento dos processos
mentais humanos mais elevados?
Como resultado do uso dos computadores, uma transformação da atividade
humana ocorre, e uma nova forma de atividade emerge. Estas mudanças são uma
expressão da revolução científico-tecnológica. A distribuição de informação
bibliográfica e a computação em um banco, o planejamento de novas máquinas e a
adoção de complexas decisões em um sistema de gerenciamento, diagnóstico médico e
o controle do movimento de aeronaves, pesquisa científica, instrução, e a criação de arte
estão todas construídas em novos meios. O problema da criação de tais sistemas
envolve muitos problemas científicos: técnicos, lógico-matemáticos, sociológicos e
psicológicos. Eu irei examinar os psicológicos mais detalhadamente.
Qual é a natureza específica da atividade humana em sistemas “homem-
computador” em relação às demais formas de atividade? De acordo com a definição
geralmente usada, sistemas “homem-computador” não podem funcionar sem pelo
menos um humano e um programa gravado na memória do computador.
Consequentemente, estamos falando de formas de atividade humanas que não
acontecem sem a presença do computador. (Sistemas “homem-computador” geralmente
não estão preocupados no uso de computadores para controlar processos nos quais um
humano está incluído apenas por motivos de segurança ou quando um humano acaba se
envolvendo apenas quando deficiências no funcionamento sistema aparecem).
Umas dos aspectos característicos da atividade humana nos sistemas que
estamos examinando é o imediato recebimento de informação sobre um ou outro

9
resultado das ações. No seu tempo, Anokhin e Bernstein descreveram o princípio da
aferentação7 reversa. Mais tarde, o mecanismo de feedback como um princípio universal
foi formulado nos trabalhos de Weiner. A reorganização desta regulação na atividade
intelectual humana é um dos modos nos quais os computadores vêm sendo estudados.
Esta reorganização de mecanismos de feedback torna os processos mais controlados.
Nós iremos comparar o processo de regulagem da atividade mental humana
através de comandos verbais normais com o processo quando ajudados por computador.
A similaridade aqui é óbvia, mas há uma importante diferença: as possibilidades de
feedback imediato são muito maiores no segundo caso. Mais, o computador pode
calcular e prover informações sobre resultados imediatos da atividade humana que não
são percebidos por um observador externo. (por exemplo, mudanças nos estados
revelados por um eletroencefalograma). Sendo assim, em relação ao problema da
regulagem podemos dizer que não apenas no computador um novo modo de mediação
da atividade humana é usada, mas também verifica-se uma verdadeira reorganização
dos significados da atividade descritos por Vygotsky.
Em termos concretos, o que está envolvido na mudança da atividade
intelectual humana quando uma pessoa está trabalhando em um sistema “humano-
computador”? Usualmente esta mudança é descrita em termos de libertação da técnica,
de componentes de performance. Nós vamos examinar mais detalhadamente o que
significa o componente de performance na atividade mental do ponto de vista
psicológico.
Vamos tomar a situação do trabalho em um sistema “humano-computador”.
O computador tem um algoritmo para resolver problemas de xadrez que consiste em
dois movimentos. A necessidade de descobrir a solução para um problema específico
surge em uma pessoa. A solução consiste em enumerar ou listar a sucessão de
movimentos que inevitavelmente levam a um checkmate (i.e., consiste num plano de
ações). É suficiente dar ao computador o objetivo, e uma descrição das condições do
problema concreto de modo a obter o plano de ações necessário para atingir o objetivo.
Pode-se dizer que o computador libertou a pessoa de um algoritmo? Não, não se pode
dizer isto, pois este algoritmo não era conhecido pela pessoa. Isto significa que do ponto
de vista psicológico, este caso envolve a liberação da pessoa da necessidade de ir
através da real busca pela solução do problema. Como os estudos psicológicos têm
demonstrado, mesmo a solução de um problema de xadrez geralmente surge como uma
atividade genuinamente criativa que inclui complexos mecanismos de regulação de uma
busca, os quais descrevemos acima. Consequentemente, neste exemplo, o humano é
liberto não do “trabalho mecânico”, mas do “trabalho criativo”. Em um plano mais
amplo podemos dizer que em relação a problemas nos quais o algoritmo não é
conhecido pelos humanos, ou é tão complexo que é impossível ou irracional usá-lo, o
algoritmo pode libertar os humanos das formas criativas de busca.
Á primeira vista nossas conclusões apóiam a teoria da substituição, na qual o
trabalho do computador substitui a atividade criativa. Tal substituição pode realmente
ocorrer, mas ela é relevante apenas para uma classe de problemas, aqueles para os quais
um algoritmo pode estar, e realmente está sendo, trabalhado. Em relação a esta classe de
problemas, a estrutura psicológica da atividade do usuário e aquela do programador
serão essencialmente diferentes.
O usuário que obtém uma resposta a um problema do computador pode não
saber completamente o algoritmo para a sua solução. Este algoritmo, que foi
desenvolvido por outra pessoa, é usado depois de sua criação sem ser dominado (i.e.,

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N.T. afferentation: referente à transmissão de impulsos nervosos do nervo ao sistema nervoso central.

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ele permanece na memória do computador). Um algoritmo é um procedimento
totalmente formalizado para a solução de um dado problema trabalhado pelo
programador. Consequentemente, a atividade do usuário é mediada por este
procedimento formalizado. Ele tem um caráter externo à atividade mediada.
À primeira vista esta atividade é quase análoga à qualquer tarefa dada a outra
pessoa. Por exemplo, ao invés de resolver um problema de xadrez por mim mesmo, eu
peço a um colega para fazê-lo. A diferença é revelada quando dizemos que o colega
não resolve este problema de acordo com um algoritmo. Isto significa que simplesmente
temos uma transmissão da solução de uma pessoa para outra, e não uma transformação
para um processo formalizado. Podemos justificavelmente afirmar que a atividade do
usuário que é mediada por um procedimento que ele não domina é uma nova forma de
atividade humana.
Agora vamos examinar os aspectos psicológicos da atividade dos
programadores que previamente trabalharam em um algoritmo para a solução de um
problema de xadrez e introduziram-no na memória do computador. Eles foram
confrontados com um novo problema que consiste de dois movimentos. A solução do
problema pode ser alcançada por dois meios: sem o auxílio do computador, caso este
em que não teremos a natureza de um processo totalmente formalizado, ou buscando o
computador, caso este em que se usará um processo totalmente formalizado que foi
programado previamente. Pode-se dizer que o usuário foi liberto de um processo
totalmente formalizado (no segundo caso?) Não, porque o problema não é resolvido
mesmo pelos programadores de modo puramente formal se eles o fazem sem a ajuda do
computador. Programadores não se fazem a partir de um processo formalizado, mas
especialmente cuidam da formalização de modo a aliviar outras pessoas ou eles mesmos
da necessidade de resolver uma certa classe de problema.
Isto significa que uma máquina pode executar trabalho “mecânico” não
porque o trabalho mecânico humano é transferido para ela, mas porque o trabalho
anteriormente feito de forma não mecânica é transformado em trabalho mecânico.
Enxergar a computerização como a libertação da atividade humana de seus aspectos
técnicos é correto em alguns casos – quando uma atividade é formalizada no decurso do
desenvolvimento da atividade humana por si só e na divisão do trabalho, i.e., a atividade
a ser composta de ações monótonas e repetitivas que são executadas de acordo com
rígidas regras fixas. É claro, isto nunca é completamente “mecânico” no significado
estrito do termo; mas a significância da atividade pode deixar de ser essencial do ponto
de vista da obtenção de resultados não-mediados da ação realizada. Neste caso, a
computerização pode significar transmitir à máquina aqueles elementos que começam a
ser formalizados na própria atividade humana.
Os casos de grande interesse não são aqueles nos quais o computador
assume a solução de certos problemas resolvidos anteriormente por humanos (não
importa como), mas aqueles nos quais um problema é resolvido juntamente por
humanos e computador (i.e., o próprio sistema “homem-computador”). Do nosso ponto
de vista, este tipo de sistema (não aqueles da “inteligência artificial”) é de interesse
fundamental para o futuro da computerização. Nós sabemos que o pensamento criativo
é impossível sem o uso de conhecimento previamente preparado, no qual é
frequentemente armazenado na “memória artificial humana” (livros de referência,
enciclopédias, revistas, livros, etc.). Ao mesmo tempo, o acúmulo de informação
significa que a busca por informação na memória exterior geralmente torna-se uma
tarefa independente, a qual é às vezes tão complexa que distrai o solucionador do
problema da solução do problema fundamental. Frequentemente tal atividade de busca
torna-se impossível, é por isso que ouvimos que às vezes é mais fácil fazer uma

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descoberta de modo novo por você mesmo do que checar se outros já o fizeram. O uso
dos computadores para armazenar informações é um novo estágio no desenvolvimento
do que Vygotsky chamou de “memória artificial da raça humana”. O uso efetivo de
computadores para a busca de informação nesta memória, reorganiza a atividade
humana no sentido de tornar possível focalizar na resolução de problemas criativos
verdadeiros.
Portanto, não estamos nos confrontando com o desaparecimento do
pensamento, mas com a reorganização da atividade humana e o aparecimento de novas
formas de mediação nas quais o computador como uma ferramenta da atividade mental
transforma esta mesma atividade. Eu sugiro que a teoria da reorganização reflete os
fatos reais do desenvolvimento histórico melhor do que as teorias da substituição e
suplementação.
A influência dos computadores na atividade mental deve ser examinada não
apenas em termos do desenvolvimento histórico da atividade humana, mas também em
termos ontogênicos e funcionais. A elaboração da teoria do desenvolvimento
ontogênico leva à formulação da afirmação de que a aquisição da experiência da
sociedade é o maior traço característico do processo de desenvolvimento ontogênico
humano. Com o surgimento do computador, a forma de armazenar a experiência da
sociedade (o “cérebro eletrônico” versus a biblioteca) mudou, como mudou o processo
de aquisição de conhecimento quando as relações professor-aluno começaram a ser
mediadas pelo computador. Acima de tudo, o processo de aquisição de conhecimento
está mudado (i.e., agora é possível reduzir o número de procedimentos formais a serem
adquiridos graças aos computadores). Isto nos dá base para afirmar que como resultado
da computerização, um novo estágio no desenvolvimento ontogênico do pensamento
também tem se revelado.
A pesquisa psicológica tem mostrado que a solução de um complexo
problema cognitivo pelos humanos é um processo de desenvolvimento funcional, ou um
processo de sucessão de diferentes estágios e mecanismos que realizam esta atividade –
por exemplo, adivinhações intuitivas e a verificação estritamente lógica destas
adivinhações, o sentimento de estar perto de uma solução e o total desenvolvimento da
análise lógica da solução. O computador muda drasticamente (ou pode mudar) este
processo de desenvolvimento funcional. Pela tradução dos componentes formais da
atividade na solução de um problema para a forma de uma cadeia de mediação externa,
o computador torna possível revelar e desenvolver o componente intuitivo do
pensamento e a cadeia de geração de hipóteses, pois a complexidade da tarefa de
verificar estas hipóteses frequentemente subjuga os componentes intuitivos do
pensamento. Os resultados das análises que têm sido conduzidas nos permitem afirmar
que mesmo no plano funcional, ocorrem mudanças nos processos intelectuais de uma
pessoa resolvendo complexos problemas em conjunto com o computador.
Na elaboração da teoria das funções mentais elevadas, Vygotsky traçou um
paralelo entre o desenvolvimento histórico e o ontogênico da atividade. A criança
adquire sinais que foram desenvolvidos anteriormente na história humana. Em
diferentes exemplos, a mediação externa foi interpretada por Vygotsky como um estágio
no caminho para a atividade internamente mediada. Por exemplo, a fala, que implica no
falar interno, é o fundamento do pensamento discursivo, da memória voluntária, da
atenção, etc. Um novo estágio de mediação (pelos computadores) não é um estágio no
caminho da mediação interna: é um desenvolvimento avançado da mediação externa ou
funcionamento inter-psicológico (de acordo com Vygotsky), o qual exerce uma
influência no desenvolvimento do funcionamento intra-psicológico. Aqui vemos ainda
outro aspecto das novas formas de mediação da atividade mental humana.

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Neste artigo tenho dado especial atenção em mostrar como o computador
muda a estrutura da atividade intelectual humana. Memória, o armazenamento da
informação, e suas buscas (ou reproduções) são reorganizadas. A comunicação é
mudada, pois a comunicação humana com o computador, especialmente em que
linguagens que são similares às linguagens naturais estão sendo criadas, é uma nova
forma de comunicação. As relações humanas são mediadas através do uso dos
computadores. É claro, o computador cria apenas a possibilidade para a atividade
humana adquirir uma estrutura mais complexa. Tais possibilidades são realizadas
apenas quando certas condições técnicas, psicológicas e sociais são encontradas. A
condição técnica é que o computador deve ser adequado; a condição psicológica é que o
computador deve ser adaptado à atividade humana, e o homem deve adaptar-se às
condições do trabalho com um computador. As principais condições são sociais – quais
são os objetivos para os quais o computador é usado em um dado sistema social. Como
a sociedade formula o problema do avanço do conteúdo criativo do trabalho de seus
cidadãos é uma condição necessária para o uso total das possibilidades dos
computadores.
Do nosso ponto de vista, a análise da reorganização da atividade intelectual,
mnemônica, comunicativa e criativa humana como um resultado do uso de
computadores e a otimização destas reorganizações, incluindo tanto a expansão das
possibilidades funcionais dos computadores e a coordenação da atividade humana com
o uso de ferramentas, devem constituir o conteúdo de um novo ramo da psicologia, a
qual proponho trabalhar, a psicologia da computerização. O desenvolvimento deste
novo ramo da psicologia permitirá um mais completo uso das possibilidades do
desenvolvimento das atividades humanas que são reveladas graças aos computadores, e
nos permitirá evitar conseqüências secundárias negativas do progresso técnico nesta
área.

Referência

Minsky, M & Papert, S. Perceptrons. Cambridge, Mass.: M.I.T. Press, 1969.

Este artigo foi publicado em


Wertsch, J. V. (Ed.). The Concept of Activity in Soviet Psychology. New York: M.E.
Sharpe Inc. pp. 256 – 278, 1981

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