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Zilda Francisca
Rafael Abbud, Dra. Liliana Perazzini Furtado Mistura e Dra. Daniela Felício
Resumo
A glutamina é o mais abundante aminoácido do corpo. Células do trato gastrointestinal, enterócitos, rim, fígado e células
imune (linfócitos T, macrófagos) usam esse aminoácido como fonte de energia, sendo que adequadas concentrações são
necessárias para a manutenção de uma variedade de funções celulares. A glutamina é fundamental para o sistema fagocítico
mononuclear (monócitos e macrófagos), o qual produz citocinas que medeiam respostas imunes, tais como a interleucina-8,
interleucina-1ß, interleucina-6 e fator de necrose tumoral-α. A produção das citocinas depende da disponibilidade da
glutamina. Este aminoácido também participa da formação de nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato reduzida
(NADPH), resultando na formação de superóxidos pelos neutrófilos e monócitos. Além disso, a glutamina é substrato
essencial para a síntese de glutationa, um importante antioxidante intracelular, e também regula vias de transdução de
sinal da proliferação celular e apoptose. Evidências têm demonstrado os efeitos da glutamina na expressão de proteínas de
estresse ou choque térmico, com consequente redução na ativação do fator de transcrição nuclear e expressão de citocinas
pró-inflamatórias, bem como a minimização de lesão ou doença induzida por disfunção na barreira intestinal. Todas as
implicações fisiológicas da alta taxa de utilização da glutamina, especialmente pelo sistema imune, têm sido discutidas.
Abstract
Glutamine is the most abundant amino acid in the human body. Gastrointestinal tract cells, enterocytes, kidneys, liver, and
immune cells (T lymphocytes, macrophages) use this amino acid as an energy source, with adequate concentrations being
necessary for the maintenance of a variety of cellular functions. Glutamine is fundamental for the mononuclear phagocytic
system (monocytes and macrophages), which produces cytokines that mediate immune responses, such as interleukin-8,
interleukin-1ß, interleukin-6, and tumor necrosis factor-α. The production of these cytokines depends on the availability
of glutamine. This amino acid also participates in the generation of NADPH, resulting in the formation of superoxides by
neutrophils and monocytes. In addition, glutamine is an essential substrate for the synthesis of glutathione, an important
intracellular antioxidant, and also regulates signal transduction pathways of cell proliferation and apoptosis. Several
lines of evidence have demonstrated the effects of glutamine on the expression of heat shock proteins, with a consequent
reduction in the activation of nuclear transcription factor kappa-B and expression of proinflammatory cytokines, as well
as minimization of injury – or gut barrier dysfunction induced disease. All physiological implications of a high rate of
glutamine utilization, especially by the immune system, are discussed.
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Glutamina e sistema imune
A
Introdução intestinal e síndrome do intestino curto e, ainda,
transplante de medula óssea2,5-9. A glutamina exerce
A glutamina é o aminoácido mais abundante do ação trófica nas células de rápida divisão celular
corpo humano, correspondendo a cerca de 20% (linfócitos, mastócitos e enterócitos), contribuindo
do total de aminoácido livre circulante e 60% positivamente para esses pacientes2,10-11.
do aminoácido livre intracelular1. É precursor de A síntese de glutamina a partir de glutamato e
neurotransmissores e outras moléculas essenciais, sua degradação são realizadas por duas enzimas
sendo indispensável para a proliferação celular, de grande importância: a glutamina sintetase e
função imune e para o equilíbrio ácido-base2. a glutaminase, respectivamente. Amplamente
Mais recentemente, foi demonstrado que esse distribuída entre os organismos vivos, a glutamina
aminoácido é também capaz de regular a expressão sintetase tem como fatores reguladores os
gênica celular3. glicocorticoides, os hormônios tireoidianos, o
A revisão sistemática da literatura aqui hormônio do crescimento e a insulina. Dentre as
apresentada tem como objetivo avaliar o efeito atividades a ela atribuídas está a sua atuação no
da glutamina no sistema imunológico. Para isto, cérebro, como um importante agente na redução
foi realizada uma pesquisa bibliográfica nas da concentração de amônia, levando a uma
bases de dados Medline (1966-2010), Lilacs desintoxicação e ressíntese de glutamina. No que
(1982-2010) e Scielo (1997-2014), ampliada se refere ao pulmão e no músculo esquelético, é
por meio de busca em outras fontes, tais como responsável pela manutenção da concentração de
referências citadas nos artigos obtidos, utilizando glutamina plasmática, tornando-se essencial em
os seguintes descritores “immune/immunologic situações patológicas ou de estresse. Nos rins,
system”, “immunologic”, “gut”, “enterocyte”, essa enzima exerce o controle do metabolismo do
“lymphocyte”, “inflammation”, “peroxisome”, nitrogênio e manutenção do pH no organismo12.
“heat shock protein”, “apoptosis”, “glutathione”, Atualmente sabe-se que um grande número
“oxidative stress”, “cancer”, “aids/HIV”, usando de tecidos e células do corpo utiliza glutamina
o operador “and” para cruzá-las com a palavra em altas taxas, sendo esta essencial para suas
“glutamine”. funções. Estes tecidos e células incluem os dos
rins, intestino, fígado, neurônios específicos no
Revisão da Literatura sistema nervoso central (SNC), as células do
sistema imunológico e as células ß-pancreáticas.
Considerações gerais sobre a glutamina A glutamina é importante como um precursor
para as sínteses proteica, de peptídeos e de purina
A glutamina, também conhecida como ácido e pirimidina, portanto, de ácidos nucleicos e
2-aminoglutarâmico, é um L-α-aminoácido nucleotídeos3,12. Também serve como fonte de
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hormônios com efeitos locais e sistêmicos, além de precursoras de intermediários celulares de grande
representar o maior sistema de órgãos com funções importância para a proliferação celular26.
imunológicas do corpo humano14. A degradação de glutamina por meio da
O intestino apresenta microbiota contendo de glutaminase fornece intermediários metabólicos
1000 a 1500 espécies diferentes de bactérias, sendo como glutamato e íon amônio27. Por meio do
algumas patogênicas, representando maior risco glutamato, pode ocorrer a síntese de outros
para infecção e sepse em algumas circunstâncias15. aminoácidos (l-alanina, l-aspartato, l-prolina e
Sendo assim, o intestino possui a importante l-ornitina) e antioxidantes, como a glutationa
função de barreira contra os microrganismos e (GSH), um dos principais antioxidantes no
antígenos que habitam o lúmen, prevenindo a intestino, que mantêm o estado redox, com o
translocação bacteriana15. qual é essencial para o adequado funcionamento
O imunonutriente mais estudado por atuar do intestino e células imunes12,28. A glutamina
na barreira intestinal é a glutamina14. Por ser é doadora do nitrogênio necessário para:
constituído por células de rápida divisão, o epitélio síntese dos nucleotídeos purina e pirimidina,
intestinal utiliza a glutamina como importante fonte participando, dessa maneira, na produção de ácido
energética e de nitrogênio amídico para a síntese desoxirribonucleico (DNA) e ácido ribonucleico
de nucleotídeos16-18. Este aminoácido também (RNA), durante proliferação de linfócitos; síntese
tem efeitos tróficos sobre enterócitos e, como tal, de ácido ribonucleico mensageiro (RNAm) (para
auxilia na manutenção da integridade intestinal proteínas secretórias, mensageiros peptídeos
em situações de estresse. Estudo demonstra que e receptores proteicos); e reparo de DNA em
a suplementação com glutamina está associada macrófagos 29. A ribose-5-fosfato, produzida
com a diminuição da permeabilidade intestinal na via das pentoses, reage com a adenosina
em pacientes críticos19-20. Também se considera trifosfato adenosina trifosfato (ATP) formando
a hipótese de a glutamina atenuar as reações que adenosina monofosfato (AMP) e 5-fosforibosil
impulsionam inflamação sistêmica mediada pelo 1-pirofosfato (PRPP). O PRPP está envolvido
intestino, minimizando a produção de citocinas na síntese de purinas e pirimidinas, e reage
pró-inflamatórias e aumentando as concentrações com a glutamina formando 5-fosforibosilamina,
de imunoglobulina A (IgA)21. Em estudos com glutaminato e pirofosfato. A reação é catalisada
ratos, Shu et al.22 investigaram o efeito do uso pela glutamina PRPP amido transferase, e é a
da glutamina no pós-operatório do transplante principal reação reguladora da síntese de novo
hepático e notaram que a mesma permitia um das purinas. A síntese de novo das pirimidinas
efeito positivo significativo na recuperação, por inicia-se com a produção do carbamoil-fosfato a
meio da redução da translocação bacteriana e partir da glutamina, dióxido de carbono e ATP. O
melhora da função da barreira imunológica. carbamoil-fosfato é, então, ligado ao aspartato e
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e IL-6. Outros estudos demonstraram que níveis transcrição nuclear kappa-B (NF-kB), produção
fisiológicos de glutamina plasmática (0,5 – 2mM), de IL-8 e atração de neutrófilos.
ou valores próximos, modulam a produção
de citocinas pelos monócitos e macrófagos, Glutamina e síntese de glutationa
evidenciando a participação desse aminoácido
na resposta imune envolvendo essas células de A glutationa (L-γ-glutamil-L-cisteinil-glicina)
defesa .
32,40
é o segundo maior fator de proteção celular
em mamíferos, devido ao seu potencial redox
Neutrófilos intracelular, crucial para a defesa celular contra
o estresse oxidativo 44. Como maior fonte de
Os neutrófilos compreendem 60% dos glutamato, a glutamina é um importante substrato
leucócitos totais e atuam como a primeira linha para a síntese deste antioxidante45. A glutamina,
de defesa no sangue e nos locais de infecção41. via glutamato, cisteína e glicina, é o aminoácido
Uma vez ativados, produzem diversos produtos precursor para a síntese de glutationa, a qual está
intermediários reativos de oxigênio, incluindo presente nas células nas formas reduzida (GSH)
superóxido, peróxido de hidrogênio, radicais e oxidada (GSSG)34. A adição de glutamina em
hidroxila, ácido hipocloroso e oxigênio singlet. células in vitro e in vivo resultou em aumento da
Estes produtos intermediários são gerados por glutationa total, conforme demonstrado em estudos.
meio da NADPH-oxidase localizada na membrana Níveis baixos de glutamina correlacionam-se,
plasmática, que reduz o oxigênio molecular a ânion significativamente, com a diminuição da glutationa
superóxido29. Em nível subcelular, a adrenalina intracelular46-47.
inibe a liberação de enzimas dos grânulos de A síntese de certas moléculas de adesão e
lisossomos pela via AMP cíclica (AMPc). Em citocinas depende da ativação do NF-kB. A
neutrófilos incubados com adrenalina, ocorre glutamina aumenta o GSH intracelular, reduz a
a inibição da produção de ânion superóxido atividade das quinases sensíveis às alterações do
induzida por forbol 12-miristato 13-acetato redox e inibe a liberação da NF-kB de sua proteína
(PMA) na presença de glicose42. Por outro lado, inibitória 48. Desta forma, a glutamina, como
a glutamina aumenta a produção de agentes precursor da GSH, poderia impedir a ativação
redutores (NADH e NADPH) no ciclo de Krebs e, do NF-kB e reduzir a expressão de citocinas pró-
neste caso, reduz o efeito inibitório da adrenalina inflamatórias dependentes deste fator, como o
na produção de ânion superóxido42. Dessa forma, TNF-α, bem como diminuir a transcrição de genes
quando há liberação de adrenalina aumentada, inflamatórios49.
a glutamina pode ter um papel importante na
regulação da produção de ânion superóxido, Glutamina e resposta ao estresse celular
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maneira o desenvolvimento de inibidores seguros proliferação de células de alta divisão celular, tais
do metabolismo da glutamina para o controle e como fibroblastos, células da mucosa intestinal e
tratamento desta patologia. do sistema imunológico. Outra função destacada
da glutamina é que esta é a maior fonte de glutama-
Considerações Finais to, o qual é substrato para a síntese de glutationa,
um potente antioxidante. Também foi verificado
A revisão bibliográfica permitiu analisar que que esse aminoácido exerce papel no processo
a glutamina é um aminoácido essencial para o de apoptose, reduzindo-o em células normais e
sistema imunológico, especialmente em situações estimulando-o em células tumorais, por ser o com-
de estresse, uma vez que é indispensável para bustível respiratório preferencial dessas células.
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