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Diretor Geral

Gilmar de Oliveira

Diretor de Ensino e Pós-graduação


Daniel de Lima

Diretor Administrativo
Eduardo Santini

Coordenador NEAD - Núcleo


de Educação a Distância
Jorge Van Dal

Coordenador do Núcleo de Pesquisa UNIFATECIE Unidade 1


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FACULDADE DE TECNOLOGIA E
CIÊNCIAS DO NORTE DO PARANÁ.
(44) 3045 9898
Núcleo de Educação a Distância;
LUPION, Marcia Regina de Oliveira.
www.fatecie.edu.br
Metodologia do Ensino Religioso.
Marcia. Regina de Oliveira Lupion.
Paranavaí - PR.: Fatecie, 2020. 108 p.
As imagens utilizadas neste
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária livro foram obtidas a partir
Zineide Pereira dos Santos. do site ShutterStock
AUTORA

Professora Doutoranda Marcia Regina de Oliveira Lupion


• Doutoranda em História, Cultura e Narrativas com ênfase em História das
Religiões e Religiosidades – Universidade Estadual de Maringá.
• Mestre em História Social – Universidade Estadual de Maringá.
• Especialista em História das Religiões – Fundamentos para a Pesquisa e o
Ensino – Universidade Estadual de Maringá.
• Graduação em História pela UEM – Universidade Estadual de Maringá.
• Membro do Laboratório de Estudos em Religiões e Religiosidades – LERR –
Universidade Estadual de Maringá.
• Atuação como docente da Rede Pública entre 2012 e 2016;
• Atuação como docente da Universidade Estadual de Maringá entre 2004 e 2006
e 2016 e 2017.
• Atuação como docente da Faculdade SMG – Santa Maria da Glória entre 2013
e 2016;
• Atuação como docente da Especialização em Religião e Cultura no Ensino de
História do Brasil pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mandaguari,
FAFIMAN;
• Atuação como docente da Especialização em História das Religiões –
Fundamentos para a pesquisa e o ensino pela UEM – Universidade Estadual
de Maringá.
• Coautora do livro “Nas Águas de Lobato: uma micro-história construída a
partir das falas de seus moradores”, 2008, resultado da pesquisa de mestrado
desenvolvida entre os anos 2001 e 2004.
Áreas de concentração: Religiões e Religiosidades com ênfase na Religiosidade
Católica; História de Cidades, Micro-história, Biografia, História das Sensibilidades, História
Regional e História Oral.
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/6053672753953434
APRESENTAÇÃO DO MATERIAL

Bem-vindo Estudante!

O Livro de Metodologia do Ensino Religioso é um convite à introdução aos estudos


em religiões e religiosidades e também um material didático pois, os temas e problemas
abordados são um convite à reflexão acerca do papel da disciplina de Ensino Religioso no
âmbito escolar.
Pautado sobre os fundamentos teóricos pertinentes ao estudo das religiões e
religiosidades a apostila busca definir conceitos e fundamentos teóricos de forma que o
fenômeno religioso seja compreendido considerando sua estrutura de formação histórica
e cultural. Para contribuir com essa compreensão, o Livro foi dividido em quatro Unidades
sendo que na Unidade I são abordados os conceitos de Metodologia e os primeiros autores
que fundamentaram os estudos em religiões e religiosidades.
Na Unidade II a abordagem recairá sobre o conceito amplo e complexo de Religião,
Princípios religiosos e definição de Sagrado. Em seguida, apresentaremos, a título de
exemplo, características históricas de algumas manifestações sagradas ocorridas desde o
Paleolítico até os dias atuais.
Dada a relevância das mudanças ocorridas no universo religioso cristão no Século
XVI, no Unidade III a temática recairá sobre a Reforma Protestante ocorrida nesse período
de forma que possamos contemplar os motivos que levaram a essa mudança no seio da
cristandade ocidental. Como forma de pensar as religiões e religiosidades na atualidade,
a Unidade IV traz uma discussão envolvendo questões ligadas ao incentivo à tolerância
religiosa proposto pelo governo federal. Documentos institucionais elaborados pela
Secretaria de Direitos Humanos embasam essa unidade que se propõe ainda, refletir sobre
o papel da disciplina de Ensino Religioso na promoção do respeito à diversidade religiosa
existente em nossa sociedade.
Espero que apreciem a leitura e que a vejam como uma introdução aos estudos do
fenômeno religioso e da tolerância religiosa assim como também, aluno e aluna, que vocês
compreendam a relevância da disciplina de Ensino Religioso na promoção da paz em nossa
sociedade. Uma disciplina não proselitista, mas, científica e historicamente comprometida
com essa promoção.
Obrigada pela leitura, e bons estudos!!!
SUMÁRIO

UNIDADE I....................................................................................................... 6
Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado

UNIDADE II.................................................................................................... 30
A Religião e a Humanidade

UNIDADE III................................................................................................... 61
A Reforma Protestante no Século XVI

UNIDADE IV................................................................................................... 78
Religiões e Religiosidades no Brasil
UNIDADE I
Metodologia Científica – Os Diversos
Caminhos para o Aprendizado
Professora Me. Marcia Regina de Oliveira Lupion

Plano de Estudo:
• Conceito de Metodologia Científica.
• O Positivismo: conceitos, definições e autores.
• A Fenomenologia: conceitos, definições e autores.
• O Materialismo Histórico: conceitos, definições e autores.

Objetivos de Aprendizagem:
• Conceituar Metodologia Científica.
• Estudar as escolas positivista, fenomenológica e histórico-materialista em suas
proposições metodológicas.
• Compreender a diversidade de metodologias utilizadas para o estudo das religiões e
religiosidades.

6
INTRODUÇÃO

Olá, estudante da disciplina de Metodologia do Ensino Religioso! É com alegria e


satisfação que compartilho esse livro, que foi elaborado pensando exclusivamente numa
forma de melhor apresentar essa importante disciplina, para você.
Esperamos que esse seja um espaço de compartilhamento e aprendizado de
ambas as partes e que você se sinta instigado(a) a buscar novos conhecimentos sobre a
disciplina e o tema ao final desse trabalho.
Iniciemos então nossos estudos acerca da Metodologia do Ensino Religioso!
Muitas vezes ao ler, ouvir ou ver uma obra científica ficamos encantados com
os resultados apresentados pelo autor ou pelos autores, e nos perguntamos como um
resultado tão impressionante pôde ter sido obtido diante da temática proposta. Às vezes,
tais obras são recheadas de imagens gráficas, paisagísticas, documentais etc., que dão
rostos e formas ao tema proposto; outras vezes é a trilha sonora e/ou as imagens presentes
em vídeos e músicas que atraem nossos olhares. Noutras, ainda, as obras se destacam por
utilizarem uma narrativa que seduz ora por seu discurso ora pelas informações que contém.
Em qualquer dos suportes citados ou dos estilos narrativos devemos ter sempre em
mente que a pesquisa que resultou em um trabalho tão gracioso e relevante foi elaborada a
partir de uma metodologia específica, ou seja, a partir de um método ou caminho percorrido.
Esse processo de elaboração, que soma tanto a atividade prática quanto a intelectual, é
compreendido como metodologia do trabalho científico, o que nos leva a considerar que
uma pesquisa não é algo dado, espontâneo. Todo trabalho científico demanda um esforço
prático e racional. Portanto, a obra que nos encantou e que nos levou a refletir acerca de
sua elaboração deve ser compreendida em várias etapas, sendo a metodologia uma delas.
Considerando a relevância da metodologia dentro do escopo dos trabalhos
científicos, organizamos esta unidade a partir de dois eixos temáticos interligados, que são
a apresentação do conceito de metodologia científica e o fato que, a partir do século XIX,
a produção científica do conhecimento elaborou caminhos diversos, ou seja, metodologias
múltiplas para obter esse saber considerando os pressupostos teóricos aos quais a produção
intelectual se identifica.
Além desses objetivos, pretendemos apresentar como tais discussões podem

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contribuir para a metodologia do ensino religioso, tendo em vista que a presente apostila
tem como objeto principal exatamente essa área de conhecimento.
Dadas a inúmeras escolas de conhecimento que têm contribuído para pensar
cientificamente as religiões e religiosidades, e que elaboraram teorias e metodologias
no campo das Ciências Humanas, vamos circunscrever nossos estudos em apenas três
escolas que são o Positivismo, a Fenomenologia e o Materialismo Histórico.

UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado 8


1 METODOLOGIA: CONCEITOS BÁSICOS

Fonte: EmprendeMentes (2019).

Em primeiro lugar, cabe destacar que todo conhecimento que se propõe ser científico
pressupõe um método de trabalho, ou seja, um caminho cujo percurso realizado tenha
possibilitado alcançar o conhecimento científico desejado. Assim como um chef de cozinha
descreve a forma como o prato servido ao cliente foi elaborado, citando tanto ingredientes
quanto sua técnica de produção, também o cientista descreve os caminhos ou os meios
pelos quais alcançou os resultados de suas pesquisas.
Em alguns casos, os caminhos ou meios – ou seja, a metodologia –, tornam-se
referência para abordagens cujas temáticas inscrevem-se dentro da linha de pesquisa ou

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área de concentração em que tal metodologia foi criada. No entanto não é regra que uma
metodologia criada por uma determinada área do saber deva ser utilizada somente por
pesquisadores daquela linha de pesquisa.
Por exemplo, diversos estudos em História das Religiões seguem o método
comparativo proposto por Mircea Eliade, filósofo de formação, mas que se destacou
como estudioso das religiões, sobretudo por sua abordagem tangencial como antropólogo
acerca do “sagrado”. Ou seja, os historiadores utilizam a abordagem de um filósofo que
desenvolveu estudos em antropologia para analisar o universo religioso.
Como visto, temos utilizado diversas vezes a palavra “caminho” e também a palavra
“meios” para nos referir ao conjunto de “métodos”, ou a já citada metodologia, sobre as quais
uma pesquisa científica se sustenta. Portanto, é lícito afirmar que toda pesquisa científica
necessita de uma metodologia que defina a forma como determinado conhecimento foi
gerado.

1.1 O Conceito e os Conceitos


De acordo com o Dicionário Michaelis (2019), o conceito de metodologia possui cin-
co significados:

1 Parte da lógica que trata dos métodos aplicados nas diferentes ciências.
2 Estudo dos métodos, especialmente dos métodos científicos.
3 Conjunto de regras e procedimentos para a realização de uma pesquisa.
4  Estudo e pesquisa dos componentes e do caráter subjetivo de um texto
narrativo, poético ou dramático (na literatura).

Com esses breves dados inferimos duas condições:


1. O uso do conceito metodologia está intrinsecamente ligado à produção de
conhecimento científico.
2. Metodologia e método são partes de uma mesma ação dentro das pesquisas
científicas.

As condições citadas remetem a uma terceira situação. Se metodologia e método


são partes da produção do conhecimento científico, o que vem a ser conhecimento
científico?
De acordo com Antonio Carlos Gil (2008), conhecimento científico é todo
conhecimento gerado mediante linguagem apropriada e rigorosa, que vise formular leis
que regem os fenômenos. Na busca por manter o rigor em suas pesquisas, o pesquisador
encontra na metodologia seu ponto de apoio, pois sua validade resulta dos métodos aos
quais os dados da pesquisa foram submetidos (LAVILLE; DIONNE, 1999).

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Figura 1 - Metodologia

A essa altura de nossos estudos já é possível observar a relevância do método


para a produção do conhecimento científico. Cabe agora refletir acerca de sua origem e
conceito.
É ponto comum entre cientistas em geral que René Descartes, filósofo moderno,
seja considerado o criador do método científico, o que ficou registrado no livro O discurso do
método, em 1637. Segundo Descartes (1967), conforme citado por Laville e Dionne (1999,
p. 11), “O método são regras precisas e fácies, a partir da observação exata das quais se
terá certeza de nunca tomar um erro por uma verdade, e, sem aí desperdiçar inutilmente
as forças de sua mente, chegar ao conhecimento verdadeiro de tudo do que se é capaz”.
Assim, temos que a origem do método, enquanto um dos elementos do processo
de produção do conhecimento, encontra-se nos primórdios da formação da sociedade
moderna e, de forma bastante contundente, atrelada à obra do francês René Descartes.
Quanto à etimologia da palavra método, é também em Laville e Dionne (1999,
p. 11, grifos do autor) que encontramos uma definição precisa. Segundo eles, “método é
derivado do grego methodos, formado por meta, ‘para’, e hodos, ‘caminho’. Poder-se ia,
então, traduzir a palavra por ‘caminho para’ ou então, ‘prosseguimento’, ‘pesquisa’”.
Dada essa definição, com ênfase na ideia de caminho, prosseguimento e pesquisa,
é possível inferir o conceito de método como sendo aquele que “indica regras, propõe um
procedimento que orienta a pesquisa e auxilia a realizá-la com eficácia” (LAVILLE; DIONNE,
1999, p. 11), de forma que o produto resultante seja confiável e válido.
É inegável o fato de que o século XVII inaugurou uma forma de pesquisar baseada

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no método, mas foi no século XIX que esse modelo se expandiu para além das ciências
naturais. Com as intensas mudanças ocorridas nas sociedades, tanto no ritmo quanto
nas descobertas do século XIX, inaugura uma nova forma de conceber o conhecimento
científico, sobretudo com relação ao saber relativo dos seres humanos, suas ações e
reflexões perante o mundo.
Até então as reflexões sobre o fazer humano partiam do universo filosófico, mas no
século XIX,

O método empregado no campo da natureza parece tão eficaz que não se vê


razão pela qual também não se aplicaria ao ser humano. É com esse espírito
e com essa preocupação que se desenvolvem – serão inventadas, poder-se-
-ia dizer – as ciências humanas na segunda metade do século XIX (LAVILLE;
DIONNE, 1999, p. 26).

É nesse ponto da história da ciência que acontece a especialização dos saberes


e, assim, disciplinas como a antropologia, a história, a geografia, a sociologia e a psicologia
passam a concorrer com a filosofia na construção de explicações acerca dos homens e das
mulheres em relação ao universo que os cerca.
Com as experiências adquiridas, cada um desses campos desenvolveu suas
próprias teorias e metodologias, de forma que demarcaram seus espaços de trabalho.
Essa demarcação, longe de afastar os saberes produzidos ou os métodos criados, acabou
por tornar ainda mais ricas as análises que souberam utilizar a interdisciplinaridade como
elemento para suas pesquisas, ainda que esse não tenha sido o primeiro caminho utilizado.
Postas essas definições, é possível concluir, com mais assertividade, que por
metodologia compreende-se o caminho para se chegar a um determinado fim e que esse
caminho, dentro das pesquisas científicas, é composto tanto por procedimentos intelectuais
quanto técnicos que visam atingir um determinado conhecimento (GIL, 2008, p. 8).

1.2 Metodologia do Ensino Religioso


No que tange à metodologia do ensino religioso, os trabalhos desenvolvidos nessa
área encontram-se alinhados com as pesquisas desenvolvidas por uma série bastante
diversificada de autores. Contribuem para o conhecimento sobre o fenômeno religioso
pesquisadores das áreas da antropologia, sociologia, história, filosofia, ciências da religião
e, atualmente, geógrafos e, inclusive, biólogos, como Richard Dawkins.
Ou seja, o estudo do universo religioso não se restringe apenas às ciências humanas
e sociais. O interesse pelo sagrado e as formas como os seres humanos agem e reagem
perante essa condição extrapolam as barreiras, sempre maleáveis, dos campos científicos.

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Por esse motivo, a metodologia do ensino religioso está atenta às formas como esses
estudos se organizaram, para analisarem seus objetos de pesquisa.
A metodologia do ensino religioso é, portanto, uma metodologia rica e variada,
pois agrega saberes diversos em sua composição. O trabalho com a disciplina de Ensino
Religioso em sala de aula pode e deve se apropriar dessa diversidade de caminhos para,
com isso, intentar atingir o proposto, por exemplo, no livro elaborado pela Secretaria da
Educação do Paraná, intitulado Ensino religioso: diversidade cultural e religiosa:

No contexto da educação laica e republicana, as interpretações e experiên-


cias do sagrado devem ser compreendidas racionalmente como resultado de
representações construídas historicamente no âmbito das diversas culturas,
tradições religiosas e filosóficas. Não se trata, portanto, de viver a experiên-
cia religiosa ou a experiência do sagrado, tampouco de aceitar tradições,
ethos, conceitos, sem maiores considerações, trata-se, antes, de estudá-las
para compreendê-las e de problematizá-las, ou seja, tratar o Ensino Religio-
so como uma disciplina escolar, diferente das aulas de religião, pois nosso
enfoque é conhecimento sobre a diversidade do Sagrado e não a crença
(PARANÁ, 2013, p. 12).

Com foco no sagrado e não na crença, a Metodologia do Ensino Religioso é


herdeira de um expressivo conjunto de conhecimentos sobre as religiões. Sendo construída,
sobretudo, a partir do século XIX, quando religião passou a ser concebida como um
fenômeno e, portanto, algo passível de ser estudado cientificamente.
Vejamos como algumas das escolas que compõem esse conjunto de estudos
organizaram suas metodologias de trabalho, de forma que podem ser consideradas, em
maior ou menor grau, colaboradoras dos estudos voltados para o universo religioso.
Numa perspectiva cronológica, iniciaremos a apresentação a partir do Positivismo,
seguido dos estudos marcados pela Fenomenologia, até alcançar a metodologia proposta
pelo Materialismo Histórico.

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2 O POSITIVISMO

Fonte: UFRGS (2019).

Neste tópico vamos estudar o Positivismo, uma escola de pensamento que propunha
encontrar regras que pudessem organizar e conduzir as sociedades rumo ao progresso.
Elaborada na França pós-Revolução, o modelo explicativo conhecido como positivismo
traz a marca de uma proposta que tinha, na supressão do caos em que se encontrava a
sociedade francesa, a aplicabilidade de uma teoria.
Como visto anteriormente, a partir do século XIX surgiram disciplinas especializadas
em estudar o ser humano, só ou coletivamente, de forma científica. O positivismo foi uma
construção do saber científico, que tinha por objeto de estudo exatamente as sociedades
humanas, ou seja, foi uma ciência da sociedade.
Seu criador foi o francês Isidore Auguste Marie François Xavier Comte, ou
simplesmente Auguste Comte (1798-1857). Em meio a uma conturbada vida privada, na
qual se separou de sua esposa, foi internado com perturbações mentais que o levaram a
uma tentativa de suicídio e viveu um amor platônico pela jovem Clotilde de Vaux, o pensador
desenvolveu aquela que seria sua contribuição para os estudos acerca das sociedades.
Objetivava criar leis que pudessem organizá-las de forma positiva, ou seja, para que
atingissem o progresso tão alardeado pela sociedade ocidental do século XIX (BOURDÉ;
MARTIN,1990).
Esses estudos se deram entre os anos de 1830 e 1852, quando Comte publicou
o Curso de filosofia positiva. O curso foi dividido em seis volumes, com mais de sessenta
lições que tratam da formação das ciências e da evolução das sociedades.

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SAIBA MAIS
Por seus trabalhos, Comte pode ser considerado como o inventor da “sociologia”, visto
que, com sua abordagem e método,
[...] pôs em evidência o caráter irredutível da realidade social; procurou de-
terminar a posição da Sociologia entre as outras ciências humanas e em
relação às ciências sociais da natureza; pôde enriquecer a sociologia com
as conquistas da história e da etnografia; finalmente, sentiu a dificuldade
metodológica de uma ciência em que o sujeito e o objeto podem confundir-
-se, em que um homem se entrega ao estudo dos outros homens (BOUR-
DÉ; MARTIN, 1990, p. 52).

O método de estudo proposto por Comte partia dos mesmos princípios das
pesquisas realizadas pelas ciências da natureza e é marcado por cinco características:

Quadro 1 – Características da construção do conhecimento de acordo com o


Positivismo

Para o conhecimento positivo, qualquer forma de conhecimento – como cren-


Empirismo ças e valores, por exemplo – que não derive da experiência não resulta em
conhecimento científico.
O conhecimento positivo estabelece dois elementos essenciais dentro da pes-
quisa: o pesquisador e o objeto pesquisado. Cabe ao pesquisador – sujeito co-
Objetividade nhecedor – dotar-se de procedimentos que reduzam ao mínimo sua interven-
ção sobre o objeto pesquisado, de forma a respeitar a integralidade do objeto1.

O conhecimento positivo se alicerça sobre a experimentação. A observação de


um fenômeno leva o pesquisador ao levantamento de uma ou mais hipóteses
Experimentação que expliquem sua ocorrência. Ao testar a(s) hipótese(s), ou seja, ao experi-
mentá-la(s) é que sua precisão pode ser estabelecida.

A ciência positiva é herdeira das ciências da matemática, portanto, quantitati-


va. Ao controlar os experimentos, o saber positivista acredita afastar as pertur-
Validade bações que possam incidir sobre o mesmo e, com isso, validar e generalizar
os resultados obtidos.

Para o conhecimento positivo é possível estabelecer, assim como no domínio


físico, as leis que regem os seres humanos. O cientista, no domínio dessas
Leis e previsão leis, poderá prever os comportamentos sociais e geri-los de acordo com a ciên-
cia, no caso, a ciência social.

1
Fonte: adaptado de Laville e Dionne (1990, p. 28).

1 Uma das maiores críticas recebidas pelo conhecimento positivo é exatamente sua ênfase na objetividade. Pois,
não raro, pesquisadores em religiões e religiosidades buscaram essa temática por fazer parte do universo que pesquisam.
Michel de Certeau, por exemplo, foi um padre jesuíta que dedicou grande parte de sua produção historiográfica ao estudo
das práticas religiosas.

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Pelas características do modelo proposto para o estudo das sociedades ocidentais
emergentes no século XIX, Comte criou o método experimental e, assim como seus
seguidores, acreditava que esse método poderia ser aplicado a todos os objetos de
conhecimento, tanto naturais quanto humanos. Mas, a realidade se mostrou diferente,
sobretudo no que diz respeitos aos fenômenos ligados aos seres humanos (LAVILLE;
DIONNE, 1990, p. 31).
Émile Durkheim (1858-1917) é considerado um dos pais do positivismo nas
ciências humanas. Esse pesquisador francês realizou seus trabalhos considerando que os
fatos humanos, longe de serem previsíveis, como os fatos naturais, encerram na realidade
uma complexidade bastante distinta, sendo, portanto, necessário serem analisados de
forma diferente.
Para tanto, Durkheim (2004, p. 47) fundiu o conceito de “Fato social” que consiste
em: “[...] toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma
ação exterior: ou então, que é geral no âmbito de uma sociedade tendo, ao mesmo tempo,
uma existência própria, independente das suas manifestações individuais”.
Devido a complexidades dessa natureza é que o positivismo, nas ciências sociais
e humanas, resultou numa abordagem diferente do positivismo aplicado às ciências da
natureza. Pois “o verdadeiro, em ciências humanas, apenas pode ser um verdadeiro relativo
e provisório” (LAVILLE; DIONNE, 1990, p. 35).
Como visto no início desta unidade, Comte produziu sua teoria numa França
conturbada politicamente. Para o pensador, as condições em que a França se encontrava
na primeira metade do século XIX eram equivalentes a uma situação de anarquia. Para
superar essa condição, Comte acreditava ser necessário a adoção de um novo sistema
orgânico, científico, mas que, curiosamente, foi batizado por ele de Religião da Humanidade
(HERMANN, 1997).
Segundo Bourdé e Martin (1990, p. 54), o pensamento de “A. Comte, marcado
inicialmente por um certo racionalismo, acaba numa religiosidade exaltada”. Mas, mesmo
diante desse fato, o positivismo se manteve como modelo de análise do social, mas com
alterações, cujos maiores exemplos são, o já citado, Émile Durkheim e, o economista
alemão, Max Weber.
Dadas as especificidades dessa apostila, estudaremos apenas a contribuição

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desses dois pensadores no que afeta a metodologia do Ensino Religioso.

2.1 O Positivismo e a Metodologia do Ensino Religioso


A produção intelectual de Émile Durkheim e de Max Weber contribuiu para os
estudos sobre o fenômeno religioso na medida em que suas abordagens elaboraram teorias
e métodos que levaram em conta a complexidade dos fatos humanos.
Sendo dois autores cujas obras remetem à estruturação da disciplina de sociologia,
Hermann (1997, p. 331) considera que:

[...] o estudo do papel social das religiões, ou de suas crenças e práticas,


beneficiou-se ainda da constituição de novo campo de conhecimento que se
estruturava como disciplina autônoma a partir do final do século XIX: a socio-
logia. Na medida em que as categorias de estudo, seus diversos elementos
constitutivos – e entre eles a religião – passaram a merecer também maior
atenção e estudos mais objetivos e sistemáticos.

As contribuições de Durkheim para os estudos sobre a religião podem ser


sistematizadas considerando o já citado conceito de fato social. Para o intelectual, os
estudos acerca da religião partiam de sociedades ideais, modelos imutáveis organizados
por leis também imutáveis e, portanto, imunes a transformações no tempo e na história.
Seu método visava apreender essas leis e a relação entre os grupos que a
compunham. Para isso, partia de casos mais simples para casos mais complexos,
considerando como ápice de sociedade, exatamente a sociedade europeia de seu tempo.
Assim, buscava compreender os elementos constitutivos das religiões que pesquisou,
como a vida religiosa dos aborígenes australianos, através da observação e descrição das
vivências desses povos.
Nesse sentido, podemos considerar que Durkheim foi quem elaborou o primeiro
esboço teórico-metodológico para a análise dos sistemas religiosos (HERMANN, 1997).
Mas, seu modelo explicativo, considerado por muitos como a “sociologia religiosa”, embora
inovador, sofreria algumas críticas.
Sem desmerecer a relevância da contribuição durkheimiana, seu modelo explicativo
foi questionado por ser fortemente influenciado pelo evolucionismo, pois, para o sociólogo,
a vida religiosa dos aborígenes australianos seria a forma exemplar da mais elementar das
crenças religiosas, sendo a base numa pirâmide que tinha a sociedade europeia como topo
(HERMANN, 1997).
Sua proposição teórico-metodológica, entretanto, ainda seria o alicerce sobre o
qual outro estudioso do mundo religioso estabeleceria sua própria teoria. Max Weber, por
exemplo, não só assumiu em seus estudos a ideia de sociedade ideal, criada por Durkheim,

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como aliou ao modelo de análise das comunidades religiosas o conceito de “tipos ideais”.
Com base nessa premissa, para se conhecer um fenômeno social seria necessário
utilizar como método a comparação e, a partir dessa comparação, estabelecer as leis e
normas sob as quais o fenômeno ocorre ou ocorreu e, com isso, definir os tipos ideias.
Por exemplo, em sua obra mais conhecida, intitulada A ética protestante e o “espírito”
do capitalismo, publicada em 1905, o autor ao buscar compreender a origem do sistema
capitalista e, segundo o tradutor de sua obra no Brasil, Maurício Tragtenberg (1997, p. 11):

Para conhecer corretamente a causa ou causas do surgimento do capitalis-


mo, era necessário fazer um estudo comparativo entre as várias sociedades
do mundo ocidental (único lugar em que o capitalismo, como um tipo ideal,
tinha surgido) e as outras civilizações, principalmente as do Oriente, onde
nada de semelhante ao capitalismo ocidental tinha aparecido.

Após esses estudos, Weber, citado por Tragtenberg (1997, p. 11), postula a tese de
que há uma íntima ligação entre capitalismo e protestantismo e conclui que:

Qualquer observação da estatística ocupacional de um país de composição


religiosa mista traz à luz, com notável frequência, um fenômeno que já tem
provocado repetidas discussões na imprensa e literatura católicas e em con-
gressos católicos na Alemanha: o fato de os líderes do mundo dos negócios
e proprietários do capital, assim como os níveis mais altos de mão-de-obra
qualificada, principalmente o pessoal técnico e comercialmente especializado
das modernas empresas, serem preponderantemente protestantes.

Embora o estudo presente na obra de Max Weber seja essencial para


conhecer não só a hipótese levantada pelo sociólogo, como seu método, para os fins desta
apostila vamos nos ater ao fato de que, com a sociologia, a metodologia aplicada sobre
análises dos fenômenos religiosos teve um reforço inestimável. De forma que podemos
notar que a metodologia do ensino religioso se fortaleceu à proposta de Durkheim e de
Weber, sobretudo com o método comparativo proposto pelo último.

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3 A FENOMENOLOGIA

Fonte: Alexandru Darida (2019).

A Fenomenologia será estudada nesse subtópico, considerando suas contribuições


para duas áreas do saber, que são a filosofia e a religião. Dentro dos estudos filosóficos
temos o criador da ideia de fenomenologia, o filósofo Edmund Husserl, e em relação à
religião nosso foco será sobre a proposição de Mircea Eliade, pensador romeno conhecido
por seus estudos acerca do sagrado e da religião como um fenômeno.
Iniciemos por Husserl. A fenomenologia surgiu no século XIX com os estudos do
filósofo Edmund Husserl (1859-1939). Nascido em Prossnitz, Morávia, então pertencente
ao império Austro-Húngaro, Husserl formou-se primeiro em matemática e posteriormente
em filosofia, área na qual se destacou exatamente por seus estudos acerca dos fenômenos
(HUSSERL, 2005, p. 5).
De acordo com esse pensador, fenomenologia é a descrição dos fenômenos
manifestados na experiência cotidiana aos sentidos humanos e à consciência humana
imediata. Objetivamente, fenomenologia é a descrição imediata, anterior a qualquer
descrição teórica dos fatos e das ocorrências psíquicas.
Antes de entrarmos em definitivo na proposição de Husserl acerca dos estudos dos
fenômenos, é interessante compreender como o filósofo compreende o mundo.
Para Husserl, os seres humanos acreditavam espontaneamente que as coisas
exteriores existem tais como podem ser visualizadas e que, para superar essa forma de
visão, denominada por ele de “atitude natural”, seria necessário colocar tal atitude entre
parênteses, ou seja, algo como isolar o objeto/fenômeno para poder estudá-lo. Nesse

UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado 19


sentido, colocar entre parênteses um fenômeno resulta, de fato, em tornar as coisas objeto
de uma investigação intencional ou consciente (HUSSERL, 2005).
Nesse sentido, o conceito de fenomenologia, como uma área do saber, refere-se
ao estudo dos fenômenos. A palavra fenômeno, por sua vez, vem do grego phainémenon e
significa “coisa que aparece”. Assim, fenômeno é algo que está dentro, mas também fora da
consciência. O que posso apreender pelos sentidos, o que não posso, sendo esse último,
a coisa em si ou sua essência.
É comum denominarmos como um fenômeno algo extraordinário, como um tufão
ou a rápida ascensão de um artista no mundo da música. Esses dois exemplos representam
fenômenos que são facilmente captados por um ou mais de nossos cinco sentidos. Mas
existem categorias menos extraordinárias de fenômenos que são cotidianas e nos passam
despercebidas, como sentir o sabor dos alimentos, ouvir o barulho dos carros, olhar para
uma horta de legumes.
Em princípio, portanto, os fenômenos podem se caracterizar por ser algo da ordem
da aparição. Contudo, nem todos os fenômenos são dados ao conhecimento através dos
sentidos. Nesse sentido, para Husserl, um fenômeno não captável por meio dos sentidos é
algo que precisa ser revelado.
Para promover essa revelação, Husserl propôs um método que ficou conhecido
como “método da redução”, que consistia em uma:

[...] operação pela qual a existência efetiva do mundo exterior é “posta entre
parênteses”, para que a investigação se ocupe apenas com as operações
realizadas pela consciência sem que se pergunte se as coisas visadas por
ela existem ou não realmente (HUSSERL, 2005, p. 10).

Esse revelar-se, no entanto, se dá de forma intencional. Por exemplo, cada vez que
compramos um celular novo precisamos aprender e apreender as funções disponíveis no
aparelho. Algumas são conhecidas, outras são parte das intensas inovações tecnológicas
que acompanham esse tipo de objeto. Se tomarmos por referência a tese de Husserl sobre
a redução, a revelação e a consciência/intencionalidade, esse processo de aprender e
apreender as novas funções presentes no celular é um fenômeno.
Nesse sentido, a consciência seria algo plástico, maleável, passível de sofrer
alterações, pois se adapta às etapas necessárias da revelação que permitem conhecer
aquilo que, em princípio, necessitava ser revelado ou desvelado para ser compreendido, o
que a torna algo que está vinculado ao seu tempo histórico.
Com esta compreensão acerca do vem a ser um fenômeno, Husserl contribuiu para
o estabelecimento de um método que fortaleceu não somente a filosofia, mas, também,

UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado 20


outras áreas do conhecimento, como os estudos sobre as religiões e religiosidades.
Um dos nomes mais expressivos de pesquisadores do mundo religioso é o, já
citado, intelectual Mircea Eliade, nascido na Romênia, em 1907, e morto em Chicago, em
1986.
Definir o campo de trabalho de Mircea Eliade é, no entanto, algo no mínimo impreciso.
Historiador das religiões, antropólogo e cientista são algumas das definições que o saber
produzido por esse estudioso das religiões e religiosidades costuma ser apresentado. É
fato, porém, que Eliade é um nome necessário quanto se toca no tema fenomenologia,
sobretudo no que diz respeito às religiões.
Segundo Jaqueline Hermann (1997), Eliade é o mais consistente representante do
enfoque que passou a ter como objeto específico de estudo a origem das religiões de uma
lado e a essência da vida do homem religioso do outro.
Nesse sentido, a análise proposta por Eliade fugia aos propósitos da sociologia
religiosa, que se preocupava com o fenômeno religioso na medida em que ele pudesse
desvelar leis gerais para o funcionamento das sociedades (HERMANN, 1997).
Em sua proposta de estudo sobre a origem da religião e a essência da vida do
homem religioso, Eliade escreveu o livro O sagrado e o profano, a essência das religiões,
no qual a ideia de fenômeno se destaca como elemento essencial para a compreensão da
essência da religião – no singular. Com uma descrição densa das diversas modalidades
de religião, o trabalho de Eliade pode ser compreendido, ainda, como uma introdução à
história das religiões, por sua dedicação fundamental às suas estruturas originais, ou seja,
aos seus fundamentos (HERMANN, 1997).

Partindo da premissa de que o sagrado se constitui em oposição ao pro-


fano, Eliade localiza, nas chamadas sociedades tradicionais (e não só as
“primitivas”), o “homo religiosus” em estado bruto, aquele que contém todos
os atributos essenciais e necessários para o entendimento do sentido e da
importância da esfera do sagrado na vida social (HERMANN, 1997, p. 336).

Ao buscar, de forma sistemática, a essência do sagrado, Eliade foi, aos poucos,


construindo a morfologia, ou seja, as conformações do sagrado, e inventariando suas
semelhanças entre as religiões por ele estudadas. Por essa busca sistemática pela
essências dos fenômenos religiosos, sua abordagem é considerada como uma abordagem
fenomenológica.
As contribuições de Eliade para os estudos acerca do sagrado auxiliaram na
formulação de um roteiro importante para a abordagem histórica das religiões e da vivência
religiosa quando introduziu a questão dos mitos, da estrutura dos símbolos e da cosmogonia

UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado 21


como espaços que permitem uma percepção da religião nas diversas culturas.

3.1 Metodologia do Ensino Religioso e Fenomenologia


Como visto, o estudo sobre o universo religioso foi alavancado a partir do momento
em que Edmund Husserl passou a considerar todo e qualquer fenômeno como algo passível
de análise sistemática. Aceita essa premissa, os estudos de Mircea Eliade estimularam
ainda mais as pesquisas sobre o sagrado, o que resultou no fato de que seus trabalhos se
tornaram essenciais para todos e todas os que desejam adentrar no mundo das religiões.
Vejamos agora como outra corrente de pensamento altamente influenciadora das
ciências sociais atuou sobre a dimensão religiosa presente nas sociedades humanas, o
materialismo histórico.

UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado 22


4 MATERIALISMO HISTÓRICO

Fonte: Mário Dionisio (1946). “Salesman”.

SAIBA MAIS
Mário Dionísio (1916-1993) é autor da obra que ilustra essa unidade, intitulada Sales-
man, produzida no ano de 1946. Artista português, Mário Dionísio teve uma atividade
bastante diversificada, tendo trabalhos publicados tanto na área da literatura quanto das
artes plásticas. Membro atuante do movimento literário, conhecido como Neo-realismo
português “que nos anos de 1940 e 1950, à luz do materialismo histórico, valorizou a
dimensão ideológica e social do contexto literário, enquanto instrumento de intervenção
e de conscientização” tem na obra Salesman um dos trabalhos realizados a partir da
perspectiva materialista histórica.
Fonte: Pedro Ribeiro Simões (2016).

Neste tópico vamos abordar o modelo Materialista Histórico, criado por Karl Marx
(1818-1883) com contribuições de Friedrich Engels (1820-1895), que consiste em um
método de estudo das sociedades humanas, considerando o caráter histórico e as relações
de produção existentes nelas.
O materialismo histórico foi uma corrente de pensamento que influenciou diversas
áreas de saber durante quase todo o século XX. No decorrer dos anos 1980, no entanto,
essa forma de analisar a sociedade sofreu um sensível declínio, sobretudo, com o advento
dos estudos marcados pela abordagem culturalista.

UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado 23


Karl Marx, o primeiro nome dessa teoria, nasceu em Trèves, na Alemanha, em 1818,
e morreu em Londres, em 1883. Formado em filosofia, em seus estudos sobre economistas
ingleses, Marx elaborou sua teoria sobre a alienação do trabalhador (BOURDÉ; MARTIN,
1990). De acordo com essa teoria, o trabalhador especializado encontra-se diante de um
objeto estranho, pois desconhece as demais etapas de produção desse objeto.
Acolhido pelo também alemão Friedrich Engels em 1851, Marx e sua família
instalam-se em definitivo na cidade de Londres. Engels era industrial e tornou-se, junto com
Karl Marx, o teórico do materialismo histórico. Sua obra mais conhecida é A situação da
classe trabalhadora na Inglaterra, publicada em 1845 (BOURDÉ; MARTIN, 1990). Nessa
obra, Engels descreve as péssimas condições vividas pelos trabalhadores ingleses nas
cidades de Manchester e Salford.
Após diversos estudos em conjunto, os amigos elaboraram aquela que viria a ser a
base do pensamento histórico-materialista. O fato de que seriam as condições materiais as
determinantes do desenvolvimento das sociedades ao longo da história.
Assim, em 1859, Marx publica Contribuição crítica da economia política, obra que
traz no prefácio as ideias-forças do materialismo histórico, que são os conceitos de “relações
de produção” e de “forças produtivas” (BOURDÉ; MARTIN, 1990, p. 154).
De acordo com a teoria materialista, relações de produção referem-se “às relações
sociais que os homens estabelecem entre si a fim de produzirem e de dividirem entre si os
bens e os serviços” (BOURDÉ, MARTIN, 1990, p. 154), enquanto que o conceito de forças
produtivas congrega duas formas de produção: a material e a humana.
No universo das forças produtivas materiais, o materialismo histórico distingue
quatro tipos de forças. A primeira das forças trata-se das fontes de energia, como a madeira,
o carvão e o petróleo, por exemplo. As matérias primas, como o algodão, a borracha e o
minério de ferro etc., constituem o segundo grupo das forças produtivas; enquanto que as
máquinas – moinho de vento, máquina a vapor, cadeia de montagem etc. – representam
o terceiro grupo das forças produtivas materiais. O quarto grupo é formado pelas forças
humanas, foi estabelecido a partir do momento em que, em seus estudos sobre as condições
dos trabalhadores nas indústrias e fábricas, Marx e Engels perceberam que existe um saber
sobre o trabalho marcado pelo domínio da técnica (BOURDÉ, MARTIN, 1990).
Com essa proposição marcada pela ideia de que entre os trabalhadores e os donos
dos modos de produção ou empresários – donos dos meios de produção – sempre há um
conflito, Marx e Engels, após analisarem a sociedade, desde a formação dos primeiros
grupos humanos, consideram que somente por meio de uma relação conflituosa entre
trabalhadores e empresários foi possível às sociedades, sobretudo as industriais, chegaram

UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado 24


aos patamares existentes no século XIX.
Nesse sentido, o enfoque materialista encerra em seus aportes teóricos a ideia
de que as sociedades evoluem por etapas e colocam a dimensão histórica como um
dos elementos para compreender as sociedades e as relações de trabalho existentes. A
dimensão temporal, portanto, é uma das maiores contribuições do materialismo histórico
para os estudos em ciências humanas e sociais.

4.1 Metodologia do Ensino Religioso e Materialismo Histórico


Segundo Jaqueline Hermann (1997), Marx e Engels pouco contribuíram para a
valorização da história das religiões como objeto de investigação. Em seus estudos,
o universo religioso está submetido às relações de produção e, portanto, sujeito “às
possibilidades históricas de manipulação das crenças para a dominação social e o exercício
do poder” (HERMANN, 1997, p. 334).
Podemos considerar, no entanto, que, embora essa teoria não tenha contribuído
de forma específica para a metodologia do ensino religioso, ela o fez tangencialmente ao
demonstrar a relevância dos processos históricos para a compreensão das sociedades,
pois evidenciou a importância não só das relações de produção como também das relações
culturais.

SAIBA MAIS
Atualizações acerca dos estudos realizados sobre o sagrado, as religiões, as religiosi-
dades e as práticas religiosas podem ser encontradas tanto em estudos antropológicos
quanto históricos, sociológicos ou entre cientistas da religião. Citaremos apenas dois
autores, a título de exemplo.
Atualmente, os estudos sobre as religiões e a religiosidades – no plural – têm sido rea-
lizados considerando a relevância das culturas para sua compreensão. Sem perder de
vista o fato de que as religiões e suas manifestações podem ser consideradas como
fenômenos passíveis de serem estudados de forma sistemática e por meio de metodo-
logias diversas. Autores como Roger Chartier (1945-) e Michel de Certeau (1925-1986)
trouxeram inestimáveis contribuições para essa área do saber, notadamente no campo
da história das religiões.
Chartier (2002), ao cunhar o conceito de representações, demonstrou que a apreensão
do mundo social estaria submetida à “figura” criada pelos grupos que as desenvolveram
e às quais atribuem sentido. Ou seja, o conceito de representação está intimamente

UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado 25


ligado à especificidade dos grupos que as elaboraram.
Por exemplo, para os católicos o sagrado, se manifesta tanto em objetos quanto em
locais criados pelos homens e nos vestígios de sua história. Já para os povos indígenas
do Alto Rio Negro, na Amazônia, não somente objetos distintos são considerados sagra-
dos, mas também lugares, como a Cachoeira Iauaretê, um fenômeno natural.
Já Michel de Certeau, ao se debruçar sobre a crença na obra A debilidade de crer
(2006), demonstrou a relevância dos rituais e das orações como elementos essenciais
para compreender a morfologia das crenças. Para ele, as orações criam espaços sa-
grados, uma vez que, por seu intermédio, se define toda uma linguagem intencional que
leva à comunicação entre os pares, ou seja, entre pessoas que comungam do mesmo
léxico cultural.
Por exemplo, quando uma pessoa se coloca diante de um túmulo de um ente querido e
ali faz suas orações, o túmulo torna-se um espaço topofílico, ou seja, um espaço no qual
o afeto entre duas pessoas, ainda que uma já esteja morta, se manifesta. Com Certeau
(2006) temos, portanto, que a oração é algo topofílico, ou seja, um “local” em que os
afetos se manifestam e se encontram.

REFLITA
Ensino Religioso = Proselitismo?
“Um Ensino Religioso de caráter doutrinário, como ocorreu no Brasil Colônia e no Brasil
Império, estimula concepções de mundo excludentes e atitudes de desrespeito às dife-
renças culturais e religiosas” (PARANÁ, 2019).

UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado 26


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), concluímos aqui alguns estudos sobre a Metodologia do Ensino


Religioso. Esperamos que tenha aproveitado a leitura e aprecie as sugestões de filmes.
Como dito no início desta apostila, por vezes nos perguntamos como uma obra
foi realizada. Esperamos que ao final de nossos estudos você já tenha a resposta dessa
questão. Pois vimos, ainda que forma bastante sucinta, que todo o conhecimento parte de
um método de trabalho ou de uma metodologia.
No corpo desta unidade buscamos abordar as diversas formas como a metodologia
proposta pelas ciências naturais e humanas contribuíram para os estudos acerca das
religiões e das religiosidades, sobretudo a partir de meados do século XIX.
Como pudemos constatar, as contribuições nesse sentido foram muitas e bastante
relevantes, demonstrando que, de fato, os fenômenos religiosos são parte fundamental
para compreender as sociedades e o sagrado presente em cada uma delas.
Desde as contribuições de Comte, com a elaboração do método experimental,
que influenciaram os sociólogos Durkheim e Weber, passando por abordagens menos
expressivas sobre o sagrado, oriundas dos trabalhos de Marx e Engels, até alcançarmos
abordagens como a de Eliade, nas quais o fenômeno religioso é compreendido como algo
mais do uma alienação ou estado fora da consciência. Vimos surgir perante nossos olhos
uma série de propostas metodológicas que buscam validar os estudos desse objeto ao
mesmo tempo tão presente e tão difícil de ser definido nas sociedades.
Com isso concluímos nossa proposta inicial, que foi a de demonstrar que foram
múltiplas as metodologias propostas para o estudo dos fenômenos religiosos e que cada
uma delas contribuiu decisivamente para os estudos sobre os fenômenos religiosos na
atualidade.
Esperamos que, com essas palavras iniciais, o tema suscite seu interesse e que
busque outras obras e autores – alguns sugeridos a seguir – que permitam o aprofundamento
dos conhecimentos sobre essa que é uma dimensão singular no seio das sociedades
humanas, ou seja, a religião e suas práticas.
Bons Estudos!

UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado 27


LEITURA COMPLEMENTAR

● LÖWY, M. Marx e Engels como sociólogos da religião. Lua Nova, São Paulo, n.
43, 1998. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0102-64451998000100009. Acesso em: 30 ago. 2019.

● MARTINS, G. P.. Auguste Comte e a religião da humanidade. Revista Brasileira de


História das Religiões, Maringá, v. III, n. 9, jan/2011. Disponível em: http://www.dhi.
uem.br/gtreligiao/pdf8/ST9/003%20-%20Gabriela%20Pereira%20Martins.pdf. Aces-
so em: 30 ago. 2019.

● ZILLES, U. Fenomenologia e teoria do conhecimento em Husserl. Revista da Abor-


dagem Gestáltica, v. XIII, n. 02, p. 216-221, jul-dez, 2007. Disponível em: http://
pepsic.bvsalud.org/pdf/rag/v13n2/v13n2a05.pdf. Acesso em: 29 ago. 2019.

UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado 28


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Ensino religioso: diversidade cultural e religiosa
Autor: Secretaria de Estado de Educação. Superintendência de
Educação.
Editora: Secretaria de Estado de Educação - Paraná.
Sinopse: Livro que dispõe sobre a forma de trabalho com a
metodologia do ensino religioso, considerando os atuais aportes
teóricos e metodológicos propostos pelas legislações que regem
a disciplina e os autores que se debruçam sobre o estudo das
religiões.

FILME/VÍDEO
Título: O Corpo
Ano: 2000
Sinopse: Debates sobre fé e método científico se digladiam nesse
longa do ano 2000, quando uma arqueologista (Olivia Williams),
ao realizar um trabalho de campo em Jerusalém, encontra um
corpo crucificado, cujo exames apontam que ele é do primeiro
século antes de Cristo. Ao saber do corpo, o Vaticano envia um
padre (Antonio Banderas), que tem por missão investigar se o
corpo encontrado seria de Jesus Cristo, que viveu exatamente
nesta época. A ameaça de que as suspeitas estejam corretas
desestabiliza a Igreja Católica, que pode ter sua credibilidade de
séculos arruinada, já que, como Cristo ressuscitou, não pode haver
um corpo seu na Terra.

Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=bCsqGS60Wow

UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado 29


UNIDADE II
A Religião e a Humanidade
Professora Me. Marcia Regina de Oliveira Lupion

Plano de Estudo:
• Conceitos e Definições de Princípios Religiosos e Religião.
• A religião ao longo da História.

Objetivos de Aprendizagem:
• Conceituar e contextualizar religião.
• Compreender o conceito de sagrado.
• Conhecer os desdobramentos das religiões ao longo da história.

30
INTRODUÇÃO

Caríssimo(a), nesta unidade vamos analisar o conceito de princípios religiosos, na


acepção mais ampla de sua definição, e estudar a religião ao longo da história, considerando
as formas como o sagrado se manifesta ou é manifesto pelos homens desde o período
paleolítico até os dias atuais.
É salutar esclarecer que as poucas páginas presentes nesse material didático
são palavras introdutórias e sempre incompletas acerca da temática. Afinal, antropólogos,
historiadores, biólogos, religiosos, cientistas sociais e uma infinidade de outros estudiosos
se debruçaram e se debruçam constantemente sobre o estudo das religiões e das
religiosidades, cujas explicações se modificam de acordo com cada campo de abordagem,
sua metodologia e com cada cultura na qual se expressa.
Assim, esse trabalho é apenas um ponto de apoio para você, estudante, do
sagrado e tem por objetivo primeiro suscitar o interesse pelo tema mais do que apresentar
conclusões únicas e acabadas.
Iniciemos nossa jornada histórica pelo mundo das religiões!

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 31


1 PRINCÍPIOS RELIGIOSOS

Fonte: Savage (2007).

1.1 Princípios religiosos – o conceito


Antes de iniciarmos o estudo sobre o conceito de princípios religiosos, vamos nos
deter perante o complexo conceito de religião.

1.1.1 Religio, Relegere, Religare


O termo religião, com o sentido de “religar”, no caso religar o homem a Deus, data
dos primeiros séculos do cristianismo. Entretanto, antes que esse conceito se tornasse

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 32


preponderante, o termo religião estava ligado à ideia de zelo para com os deuses nas ações
cotidianas dos romanos e era designado pela palavra religio (AZEVEDO, 2010, p. 90).
O praticante da religio era denominado de religiosus, assim, o termo religio
estava ligado não só ao culto, mas também à prática em relação a esse culto. Ao realizar
escrupulosamente os rituais, o religiosus entrava em contato direto com a divindade.
Esse contato via rituais foi conceituado como relegere, ou seja, uma relação
respeitosa para com os deuses, que se manifestam na disciplina zelosa para com os ritos
e os cultos. Por associação, relegere diz respeito a “recolher-se, a fazer nova escolha, a
retomar uma síntese para recompô-la” (AZEVEDO, 2010, p. 91).
Com o advento do cristianismo e suas pretensões universalizantes, uma das
primeiras medidas adotadas para alcançar esse objetivo foi traçar fronteiras entre o mundo
pagão politeísta e o mundo monoteísta cristão.
Uma dessas fronteiras foi exatamente a mudança no conceito de religio, que passou
a designar não mais o zelo em relação aos cultos e deuses em geral, e sim, a “religião
verdadeira”, ou seja, o cristianismo.

As experiências das outras culturas, que poderiam estar relacionadas com


a esfera sagrada, foram consideradas “primitivas”, necessitando de uma in-
terpretação, de uma explicação; tratava-se de um estágio primitivo do pen-
samento que, necessariamente, em uma linha determinada pelo progresso,
teria que alcançar o máximo de sua evolução no monoteísmo do verdadeiro
Deus (AZEVEDO, 2010, p. 93).

Com as mudanças propostas pelo cristianismo, o termo religio passa a ser


relacionado com religare. Desse termo surge a ideia de que a religião consiste no laço de
piedade através do qual os homens e as mulheres estão ligados a Deus. Sendo que cabe
aos primeiros servir e obedecer ao Deus único e verdadeiro.
Nesse sentido, não mais a observância meticulosa dos rituais aproxima os homens
e mulheres de Deus, e sim, a relação de dependência, passividade e submissão que estes
passam a sentir em relação a Deus e seu infinito amor.
Considerando esse último sentido, portanto, o conceito de religião, cunhado a partir
do termo religare, está em acordo com as acepções mais aceitas na atualidade.
Contudo, a prática zelosa dos ritos, rituais e cultos, ou seja, a relegere, é uma
realidade existente em todas as religiões, que não pode ser simplesmente excluída. Assim,
Azevedo (2010, p. 95) sugere que quando

[...] ouvirmos o termo religio, devemos ter em mente mais do que uma re-
conciliação entre duas origens etimológicas possíveis; trata-se de uma com-
plementaridade: a observância escrupulosa do culto, a prática religiosa, e os
laços de piedade e amor que unem os homens ao deus único.

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 33


Assim, em termos de etimologia, o termo religião congrega em si a complementaridade
citada por Azevedo.
Em seguida, vejamos como as ciências humanas definem religião.

1.2 O Conceito de Religião para a Ciência


De acordo com Schwikart (2001), o conceito de religião está ligado a questões
fundamentais para o homem, como “quem sou?”, “de onde vim?”, “para onde vou?”. E,
estando presente em todas as culturas e tempos, sob as mais diferentes formas, torna-se
bastante difícil definir o que de fato vem a ser religião.
Durkheim (2008, p. 39) considera que “a religião é coisa eminentemente social” e,
portanto, “exprimem realidades coletivas”. Eliade compartilha do conceito estabelecido por
Durkheim e considera que “sendo a religião uma coisa eminentemente humana, é também,
de fato uma coisa social” (ELIADE, 2010b, p. 3).
Kuchenbecker (2004, p. 23), cientista social e teólogo, compreende a religião como
“parte do sistema de vida de um povo”, que envolve crenças e condutas. Nesse sentido, a
religião é explicada como um fenômeno cultural que não pode ser compreendido somente
pela razão, mas também pela fé (KUCHENBECKER, 2004).
Ligada a questões existencialistas, vista como uma coisa social e humana ou como
um fenômeno cultural e de fé, a religião, portanto, não pode ser definida de forma objetiva,
mas sim, compreendida a partir da complexidade que a envolve e na qual interagem entre
si princípios, emoções, práticas, tempos, lugares e culturas.
Diante dessa afirmação de complexidade, podemos compreender porque se utiliza
o termo religiões no plural e não religião no singular quando estamos estudando esse tema
de forma genérica.
Por isso, a metodologia do estudo com o ensino religioso parte do princípio de que
existe uma pluralidade de religiões, cada uma com estrutura própria, que garante o seu
funcionamento e permanência, formada por elementos materiais e imateriais.

1.2.1 O Sagrado como elemento condutor


Outro ponto interessante a ser abordado quando pensamos as religiões ao longo
do tempo, refere-se ao conceito de sagrado.
Para Eliade (1992, p. 12), o sagrado deve ser compreendido na complexidade
da relação entre sagrado e profano, não somente como algo irracional. Assim, quando
o sagrado se manifesta, acontecem as hierofanias, e em sua ausência quem surge é o
profano.

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 34


Manifestando o sagrado, um objeto qualquer torna-se outra coisa e, contudo,
continua a ser ele mesmo, porque continua a participar do meio cósmico
envolvente. Uma pedra sagrada nem por isso é menos uma pedra; aparente-
mente (para sermos mais exatos, de um ponto de vista profano) nada a dis-
tingue de todas as demais pedras. Para aqueles a cujos olhos uma pedra se
revela sagrada, sua realidade imediata transmuda se numa realidade sobre-
natural. Em outras palavras, para aqueles que têm uma experiência religiosa,
toda a Natureza é suscetível de revelar-se como sacralidade cósmica. O Cos-
mos, na sua totalidade, pode tornar-se uma hierofania (ELIADE, 1992, p. 13).

Importante salientar que o espaço do profano não carrega consigo conotações


negativas universais, apenas apresenta-se como algo oposto ao sagrado, ou no qual há a
ausência deste.
Na sociedade hodierna, ou seja, na atualidade, o conceito de sagrado tornou-se
ainda mais amplo. Quando, por exemplo, estádios de futebol, espaços historicamente
profanos, passam a significar locais sagrados, a partir do momento em que recebem
eventos que são da ordem das religiões.
Nesse sentido, o sagrado, tanto quanto as religiões, é elemento plástico que se
modela de acordo com a cultura envolvente.

1.3 Princípios Religiosos


Princípios religiosos podem ser compreendidos como orientações para a conduta
do seguidor de determinada religião, e tem por base a reordenação dos cosmos ou, no
caso, do mundo, e a manutenção mesma da religião. Em geral, as religiões, cada uma
a seu modo, buscam despertar e manter valores como a compaixão, a fraternidade, a
sinceridade, a honestidade, a humildade, a mansidão e, principalmente, o amor.
Entretanto nosso cotidiano é repleto de atitudes de ausência de respeito entre
integrantes de religiões diversas. Em muitos casos, existe um oceano de preconceitos que
impede a convivência pacífica entre praticantes de religiões diferentes e, na atualidade,
essa intolerância tem se acirrado.
Ainda que propagandas e ações assertivas tenham sido criadas, tanto pelas
próprias igrejas, por meio de encontros ecumênicos, quanto por organizações, como a
ONU e a UNESCO, envolvendo tanto formação de pessoal quanto elaboração de materiais
didáticos escritos, imagéticos e audiovisuais, que visem a promoção da paz entre pessoas
de religiões diferentes, o respeito ao sagrado alheio ainda não se efetivou de forma plena.
Como forma de contribuição para a promoção da convivência pacífica, a disciplina
de Ensino Religioso caminha na direção proposta pelas igrejas que apostam no ecumenismo
e pela ONU/UNESCO. Por isso o proselitismo não é pauta nessa disciplina, que visa à
harmonia entre os praticantes das diversas religiões existentes.

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 35


Estudar como uma religião organiza sua realidade e religiosidade é essencial nesse
processo de promoção e manutenção da harmonia entre as religiões e seus praticantes.
Como dito anteriormente, para despertar e manter uma religião, foi-se construindo,
ao longo do tempo, uma série de normas e leis, juntamente com dogmas, rituais e
consagração de espaços físicos e humanos, como forma de representar e manter a relação
estabelecida entre os homens e sua fé.
Por serem plurais, as religiões também o são em suas manifestações e em sua
estrutura de funcionamento. Nesse sentido, é bastante útil o conceito criado por Pierre
Bourdieu (2007), denominado “campo religioso” para estudar as religiões e suas estruturas.
Tendo em vista que a maior parte das religiões objetiva retomar a ordem das origens
do mundo, os processos de reordenação resultantes do encontro entre o universo social e
o universo cosmológico dos diferentes grupos sociais constituem o que Bourdieu (2007),
chamou de fenômeno religioso. Para que este fenômeno se estabeleça, é necessário que
ele corresponda à demanda e ao consumo dos bens simbólicos, ou como concluiu o autor:

[...] a religião contribui para a imposição (dissimulada) dos princípios de estrutu-


ração da percepção e do pensamento do mundo e, em particular, do mundo so-
cial, na medida em que impõe um sistema de práticas e de representações cuja
estrutura objetivamente fundada em um princípio de divisão política apresenta-
-se como a estrutura natural-sobrenatural do cosmos (BOURDIEU, 2007, p. 33).

A teoria criada por Bourdieu observa a forma de organização usada pela religião
para se estabelecer junto a um determinado grupo social. A partir dessa observação, ele
elabora sua teoria a partir de questões como: 1. a formação de um corpo de especialistas que
monopolizam e manipulam o saber e os bens sagrados; 2. a desqualificação dos saberes
e das simbologias sobre as quais as culturas ou grupos sociais invadidos constituem sua
religiosidade e, acima de tudo, 3. considerando a questão relativa à práxis, ou prática, como
método de manutenção de novos clientes ou fiéis.
Em conjunto, os três elementos organizacionais citados formam o que o autor
denominou de “campo religioso”.
Com relação à formação do grupo de especialistas, podemos tomar, por exemplo,
os seminários formadores de padres, as faculdades que formam teólogos-pastores e os
ritos de iniciação que permitem a ascensão na Umbanda:

Independentemente deste SIM do mundo espiritual, para a concretização


no plano material se o adepto será sacerdote na Umbanda, cada escola do
movimento umbandista, possui um caminho de iniciação (conjunto de obri-
gações ritos/litúrgicas), que proporcionam o progresso religioso dos seus fi-
lhos-de-fé. Esse aprendizado envolve desde os ensinamentos básicos até
os necessários para que eles adquiram a autonomia de poder caminharem
sozinhos (OMOLU, 2007).

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 36


Já a desqualificação dos saberes e das simbologias envolve questões mais
delicadas, pois, em muitos casos, algumas religiões utilizam discursos negativos envolvendo
a religiosidade do outro. Nesse processo, supervalorizam sua organização religiosa, seus
dogmas, ritos, enquanto tratam como inimigas outras denominações. Não é novidade que
tais atitudes levaram, e levam ainda hoje, a ações de intolerância, tanto a pequenos grupos
quanto a sociedades inteiras.
O terceiro ponto levantado por Bourdieu (2007), diz respeito à prática. Talvez seja
o elemento mais amplo dentro do campo religioso proposto por ele. Pois colocar em prática
o que uma religião propõe exige tanto um asseio pessoal quanto um envolvimento coletivo.
Pessoalmente, o adepto de uma religião necessita manter-se em acordo com os dogmas e
os princípios de sua religiosidade, assim como manifestá-la em sociedade.
No caso dos praticantes da Umbanda, a prática dos ritos e a conduta em sociedade
são fatores determinantes para o aspirante alcançar níveis mais elevados dentro da
hierarquia umbandista. Ou seja, a práxis citada por Bourdieu (2007), remete ao fato de que
existe um componente ético que acompanha a formação e manutenção do campo religioso.
Gaarder, Hellern e Noraker (2005, p. 34, grifos do autor), concordam com isso:

As religiões com frequência não fazem distinção entre o plano ético e o plano
religioso. Os costumes da tribo, as regras ou os princípios morais da casta
são tão religiosos quanto os sacrifícios e as orações. Entre os dez manda-
mentos que Moisés deu aos judeus havia os que tratavam a religião – “Não
terás outros deuses diante de mim” – e os relativos à ética – “Não matarás”.
Incluem-se nos cinco pilares do muçulmano tanto o orar a Deus como o dar
esmolas aos pobres. Não há aqui distinção entre ética e religião. A noção de
ser humano como uma criação divina implica que ele é responsável perante
Deus por tudo o que faz, ritual, moral, social e politicamente.

Outro exemplo que nos permite compreender como os princípios religiosos buscam
ordenar não somente a retomada e manutenção da ordem no mundo a partir das ações e
condutas de seus praticantes é o Taoísmo.
Os princípios do taoísmo estão ligados ao próprio sentido da palavra Tao que seria
a suprema ordem do universo, que deve ser seguida pelo praticante dessa religião.
Como aspecto harmônico do mundo, o Tao é tido como a “verdadeira base da qual
todas as coisas são criadas, ou delas jorram” (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p.
89). Mas não se deve confundir o Tao (criador de tudo) com o Deus das religiões monoteístas,
por exemplo, pois, embora o Tao remeta à origem do cosmos, sua representação não
encontra expressão na realidade humana, de forma que

[...] o homem não pode investigar ou estudar a verdadeira natureza do tao,


mas pode usar o intelecto para compreendê-lo. Ele deve meditar, imerso
numa tranquilidade sem nexos e esquecer todos os seus pensamentos a

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 37


respeito de coisas externas, como o lucro e o progresso na vida. Só então irá
alcançar a união com o tao e será preenchido pelo te, a força vital (GAAR-
DER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 89).

Ao longo do tempo, os princípios do taoísmo foram se modificando, sobretudo, em


relação à passividade do praticante, pois um dos princípios taoístas é exatamente a não-
ação. Para alguns críticos dessa religião, a passividade tornava seus adeptos suscetíveis a
governos autoritários, devido à ingenuidade com que tal atitude os mantinha. Com o tempo,
o taoísmo foi incorporando rituais mais complexos que apenas a meditação e a não-ação
como procissões, oferendas de alimentos aos deuses e cerimônias em honra dos vivos e
dos mortos (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005).
Como visto, a administração do sagrado demanda uma série de elementos,
sistematizado por Bourdieu no conceito de campo religioso, que nos permite compreender
como os princípios religiosos são criados e regidos, tanto pelo corpo de especialistas quanto
pelos praticantes.
Esses princípios orbitam em torno de uma prática marcada por elementos morais
e éticos assim como também por um processo de delimitação de espaços e valores – por
vezes geradores de intolerância –, que devem ser explorados quando estamos envolvidos
com a disciplina de Ensino Religioso. Assim, ao ofertar às alunas e alunos o maior número
de informações e exemplos de religiões e suas religiosidades, a disciplina se contribui para
a promoção do respeito para com o outro e sua prática religiosa.
Em seguida, apresentaremos aspectos de algumas religiões ao longo da história.
Esperamos que tais informações possam colaborar com a proposta de Ensino Religioso
vista até o presente momento.

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 38


2 RELIGIÃO AO LONGO DA HISTÓRIA

Fonte: Quackenbush (2019).

2.1 Religião ao longo da História


Neste tópico estudaremos aspectos de algumas religiões ao longo da história
humana. Para a discussão, adotamos perspectivas que se adequam ora às formas como as
manifestações religiosas se apresentam, ora a uma cronologia marcada pela temporalidade
sempre numa perspectiva histórica.
Seria ousadia supor que todas as manifestações religiosas ou sagradas serão
abordadas nesse estudo. Além de ser uma tarefa hercúlea, certamente ela jamais seria
completa, pois o sagrado é algo que não só ultrapassa o tempo de suas manifestações,
como se altera ao longo de suas trajetórias culturais que são múltiplas e plurais.
Mesmo Mircea Eliade sentiu o peso de tal empreitada ao tentar elaborar um estudo
que fosse conciso acerca das religiões e, no prefácio ao volume I da obra História das
ideias e das crenças religiosas, o estudioso conta sobre seu fracassado intento em produzir
algo em torno de 400 páginas sobre o tema. No total foram 4 volumes produzidos – algo
em torno de 1500 páginas – como forma de compilar o sagrado em todas as eras e povos,
sendo que nos 3 primeiros o autor estuda detalhadamente o fenômeno religioso manifesto,
desde a Idade da Pedra até as reformas ocorridas na Modernidade, passando pela história
da religião na Mesopotâmia e Egito antigos, Grécia, Irã, Israel, Índia, Germânia, China,
Roma, dentre outros.
É no sentido de sugerir uma metodologia para o estudo das religiões ao longo
da história e menos um texto enciclopédico que adotamos a perspectiva de pensar as

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 39


manifestações religiosas para algumas sociedades ao longo do tempo considerando
elementos institucionais, espaciais e culturais, como veremos a seguir.

2.2 Existiu Religião na Pré-História?

SAIBA MAIS
Houve uma época em que período da Pré-História estava limitado ao momento em que
a escrita começou a ser utilizada pelos homens. Contudo estudos na área da linguís-
tica demonstraram que são diversas as formas de comunicação utilizada pelos seres
humanos e, por isso, o conceito tornou-se mais abrangente. Na atualidade, é consenso
entre os pesquisadores que o termo Pré-História é definidor do período que vai desde a
existência dos primeiros hominídeos até o Neolítico.
Para saber mais, você pode ler: FUNARI, P. P.; NOELLI, F. S. Pré-História do Brasil.
São Paulo: Contexto, 2009.

Há um acordo entre os pesquisadores de que os paleantropídeos tinham “religião”,


mas é praticamente impossível determinar o conteúdo desta (ELIADE, 2010b) Contudo
os pesquisadores acreditam que “documentos” que datam do paleolítico recente, algo em
torno de 30 mil anos antes do presente (AP), como ossadas humanas, ferramentas de
pedra, pigmentos e objetos encontrados em túmulos, possam revelar, ainda que de forma
opaca, uma intencionalidade religiosa de parte dos primeiros hominídeos.
Eliade (2010b) afirma que todo documento tem a sua opacidade, cabendo ao
pesquisador decifrá-lo, integrando-o a um sistema de significações. Por exemplo, a
disposição de ossadas em sepulturas ou a conservação de crânios humanos observada
por paleontólogos pode levar o pesquisador a refletir acerca da relação do paleantropídeo
com a morte.
As pinturas rupestres, ou grafismos rupestres, levam os estudiosos a refletir acerca
de suas simbologias. O que representam? Quais seus significados? Dado o fato de que
a maioria das imagens rupestres presentes nas grutas encontram-se nas partes mais
profundas das cavernas, isso levou os pesquisadores a considerarem que tais locais eram
tidos como santuários.

Têm-se interpretado ursos, leões e outros animais selvagens crivados de fle-


chas, ou as modelagens de argila encontradas na gruta de Montespan, repre-
sentando leões e um urso com perfurações redondas e profundas, como pro-
vas da “magia da caça”. A hipótese é plausível, mas algumas dessas obras
poderiam ser interpretadas como a reatualização de uma caçada primordial
(ELIADE, 2010b, p. 29; grifos do autor).

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 40


Já figuras femininas e objetos representando falos, descobertas no último período
glacial, em torno de 11.500 anos atrás, são tidos pelos pesquisadores como objetos que
denotam uma certa polaridade entre os gêneros.
Destacam-se, nesse conjunto de objetos, estatuetas femininas, conhecidas como
Vênus. Talhadas de forma simples e com abdômen avantajado, essas estatuetas de damas
foram encontradas em diversos locais da Europa e sua simbologia não foi totalmente
determinada. Supõem-se, porém, que elas representem alguma sacralidade com poderes
para proteger a habitação e as famílias, assim como a fertilidade, tanto da mulher quanto
das lavouras.
Outro elemento do pensamento religioso presente no período paleolítico são os ritos.
A partir do momento em que os homens e mulheres começaram a perceber a constância
das fases lunares esse conhecimento passou a ser acumulado, cerimoniais e ritos puderam
ser pensados com antecedência. Esse saber acumulado e a prática intencional de um ritual
teriam sido desenvolvidos, sobretudo no paleolítico superior, algo em torno de 15 mil anos
antes do surgimento da agricultura.
Observa-se que o sagrado atribuído pelos estudiosos aos homens e mulheres
do paleolítico superior não configura uma religião como a conhecida na atualidade, e sim
uma série de práticas cotidianas inscritas no desenvolvimento cultural dos grupos que os
praticavam.
Assim, nos períodos mesolítico e neolítico, o sentimento do sagrado tornou-se cada
vez mais complexo, assim como a cultura que foi sendo criada, experimentada, mantida e
desenvolvida pelos homens e mulheres que viveram aqueles momentos. Entre os séculos
X e III a. C., ou seja, no período neolítico, a história ocidental costuma identificar duas
grandes sociedades modelo que são sociedades estabelecidas ao longo dos rios Tigre e
Eufrates, conhecidos como povos mesopotâmicos, e os povos e culturas surgidos ao longo
do rio Nilo, no Egito (ELIADE, 2010a, passim).
A relevância que a descoberta da agricultura tem para a organização dessas
sociedades nos permite compreender como esses povos passaram a organizar, de forma
sistemática, seu universo religioso.
Nessas sociedades, é possível delimitar com clareza o campo religioso em seus
três elementos constitutivos, pois há, nas religiões praticadas tanto por mesopotâmicos
quanto por egípcios, um corpo de sacerdotes – especialistas – que detém o poder e o
saber sobre sagrado; que determinam e criam as leis, assim como os ritos que devem ser
realizados, mantidos e também criados.

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 41


Sendo sagrado tudo o que é determinado pelos especialistas, e profano aquilo
que foge às normas impostas, sacerdotes egípcios e mesopotâmicos fortalecem a ideia de
que a organização do cosmos está submetida à repetição, tanto dos rituais celebrados em
coletividade quanto dos executados na vida cotidiana. Nesse sentido, a ideia de religião
assume o papel de condutora moral, ética e de princípio – religioso – norteador das ações
de seus participantes.
As ações humanas há muito têm sido vistas como possíveis promotoras de caos
ou de equilíbrio cósmico, haja vista os tabus existentes desde as sociedades consideradas
mais simples. Como atos condenados, os tabus têm carga negativa, pois sua realização por
um ou mais membros do grupo interfere na harmonia cósmica e coloca em risco o grupo
todo.
Nas sociedades mais complexas, como as mesopotâmicas e egípcias, o zelo pela
manutenção dessa harmonia cabe aos sacerdotes, dada sua relevância dentro do grupo,
uma vez que são os grandes detentores dos mistérios do sobrenatural. Por isso são eles
os administradores do sagrado, e por isso fazem parte da esfera do poder político, que,
nessas duas sociedades, se encontra intimamente ligado ao poder religioso. Conselheiros
de muitos faraós, os sacerdotes eram os primeiros a serem consultados pelo governante,
tanto em questões cotidianas quanto de Estado.
Historicamente a religião praticada no Egito antigo, marcada pelo politeísmo e
mitologia própria, foi se transformando ao longo do tempo e, atualmente o islamismo é a
mais forte representação religiosa no país.

2.3 Religião Grécia Antiga


Na Grécia antiga predominavam os cultos aos personagens mitológicos, cujas
façanhas estavam ligadas às origens da Terra, do Universo e das ações humanas.
Um deus ou deusa gregos, especialmente os viventes do Olimpo, possuíam a
particular característica de serem ao mesmo tempo deuses, mas com atitudes humanas.
Por isso sentiam e externavam emoções, como raiva, amor, ciúmes ou ainda promoviam
discórdias e criavam intrigas.
Embora não seja uma característica presente apenas na Grécia antiga, as narrativas
que rememoram as origens do universo e dos homens trouxeram para o estudo dessa
sociedade a ideia de mito ou mitos. Para Eliade (1972, p. 9), “o mito é uma realidade cultural
extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas
múltiplas e complementares”, pois “o mito conta uma história sagrada; ele retrata um
acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do ‘princípio’” (ELIADE,

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 42


1972, p. 9).
Ou seja, ao criarem mitos, como os ligados à origem do universo ou do próprio
homem, as sociedades sacralizam esse fato que, inscrito na ordem do imaginário, toma
forma de verdade na medida em que fornece os modelos para a conduta humana, conferindo,
por isso mesmo, significação e valor à existência de homens, mulheres e da sociedade
(ELIADE, 1972, p. 06).
É assim que os mitos gregos e suas representações divinas (Zeus, Afrodite, Hefesto
etc.), exaustivamente narrados em livros, filmes, peças teatrais e na própria internet, foram
cultuados em forma de estátuas e ritos e participavam ativamente do cotidiano da sociedade.
Uma das obras mais interessantes para o estudo da religião praticada na Grécia
antiga é a Teogonia de Hesíodo. Como a obra data dos primeiros séculos em que a escrita
foi sendo inserida na sociedade grega, os estudiosos da Teogonia calculam que ela deve
ter sido escrita entre o final do século VIII e início do século VI a. C.
Nessa obra, Hesíodo narra a origem do universo, a genealogia dos deuses, suas
linhagens e poderes. De acordo com essa narrativa, o universo se formou a partir do Caos,
que, por sua vez, gerou três divindades: Gea, Tártaro e Éros. Mas, gerou também dois
outros seres chamados Nix, a grande noite, e Érebo, o negrume profundo1.
Nix e Érebo se tornaram um casal e geraram três outros seres:
• Éter – a luz brilhante.
• Hémera – a luminosidade do dia.
• Éris – as duas lutas.

Sobre Éris recaem já algumas reflexões acerca da importância da mitologia para


explicar as ações humanas. Segundo Hesíodo (1995), existia a Éris boa e a Éris má. Da
primeira ocorreria a promoção humana por meio do trabalho, da segunda emergiria a
violência e a guerra.
Gea, por sua vez, teria gerado Urano e com ele se tornado um casal. Desse casal
primordial é que se originam os deuses e, de acordo com a Teogonia, há três gerações de
deuses, sendo que os deuses do Olimpo fazem parte da terceira geração.
É também na terceira geração que haveria maior interação entre deuses e homens
e o nascimento dos semideuses.
De forma simplificada, essa é a organização mitológica sobre a qual se assenta
a religiosidade na Grécia antiga. Com relação aos espaços sagrados, os rituais eram

1 Todas as informações presentes nos próximos parágrafos são parte do resumo feito da obra HESÍOSO. Teogonia:
a origem dos deuses. 3. ed. São Paulo: Iluminuras, 1995.

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 43


realizados tanto em templos especialmente dedicados a uma divindade quanto em locais
abertos, como lavouras, quando eram feitas oferendas pedindo ou agradecendo por boas
colheitas.

Figura 1 - Templo de Delfos

Há ainda outro ponto que convém destacar em relação às manifestações sagradas


gregas, que é a adoção de uma postura baseada na alegria de viver.
De acordo com Eliade (2010a), para o grego antigo, o primeiro dever é ser justo
e render honrarias aos deuses, especialmente na forma de sacrifícios. Caso os mortais
transgredissem os limites impostos pelos deuses, certamente eles seriam punidos,

Porém, é difícil não transgredir os limites impostos, pois o ideal do homem é


a aretê, a “excelência”. Ora a excelência excessiva corre o risco de suscitar
o orgulho desmedido e a insolência (húbris). Foi o que aconteceu com Ajax,
que se vangloriou de ter escapado à morte apesar da vontade dos deuses foi
abatido por Psídon (ELIADE, 2010a, p. 250; grifos do autor).

Sabedor de suas limitações, inclusive de sua precária vivência na terra, os mortais,


ao invés de se impor frente às forças criativas do gênio religioso grego, desenvolveram o
sentido de vida sagrada, ou a sacralidade da condição humana. Essa descoberta os levou
a buscar a harmonia física e dos movimentos, a calma e a serenidade e, sobretudo, a
valorizar o presente.
A “alegria de viver”, portanto, reside na valorização religiosa do presente, o existir
no tempo. Ela revela “a satisfação de existir, de participar – mesmo de maneira fugidia – da
espontaneidade da vida e da majestade do mundo” (ELIADE, 2010a, p. 252; grifos do
autor).

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 44


2.4 Hinduísmo
O hinduísmo surgiu na Índia em torno de 3 a 4 mil anos atrás e designa uma série de
religiões desenvolvidas naquele país, não uma religião em particular. Politeísta, o praticante
do hinduísmo é denominado hinduísta, termo que se refere também aos nascidos no vale
do rio Indo.
As raízes do hinduísmo datam do momento em que povos chamados “arianos”
passaram a ocupar as margens do rio Indo. Esses povos também são conhecidos como
indo-europeus e sabe-se que tiveram contato com outras crenças, como a grega, a romana
e a germânica, assim como também com remanescentes de uma civilização anterior, que
viviam na região por eles ocupada. Gaarder, Hellern e Notaker (2005) acreditam que todas
as culturas influenciaram na constituição da religiosidade múltipla e singular dos praticantes
do hinduísmo.
A constatação da existência dessa influência foi possível quando os pesquisadores
analisaram o Livro dos Vedas, ou o Livro do Conhecimento, “que eram citados pelos
sacerdotes durante os sacrifícios a seus muitos deuses” (GAARDER; HELLERN; NOTAKER,
2005, p. 44).
Segundo Eliade (2010b, p. 210), anteriormente ao hinduísmo,

O culto védico não conhecia santuários; os ritos realizavam-se na casa do


sacrificante, ou num terreno limítrofe atapetado de relva, sobre o qual se
instalavam três fogos. As oferendas eram leite, manteiga, cereais e bolos.
Sacrificavam-se também a cabra, a vaca, o touro, o carneiro e o cavalo.

Os ritos existentes no período pré-hinduísmo eram classificados em dois tipos: os


domésticos e os solenes. Os primeiros eram realizados no seio das famílias e estavam
ligados à manutenção do fogo, às festas agrícolas ou por ocasião dos sacramentos ou
consagrações. Quem realizava os ritos era o pai e tinha por base a manutenção da tradição.
Já os ritos solenes demandam um sistema litúrgico próprio e uma complexidade
abrangente. Ocorriam geralmente com o objetivo promover o renascimento do indivíduo
e podiam durar até três dias, dependendo de sua relevância. Os rituais mais elaborados
demandam um especialista que os comandam e uma série de etapas para sua realização
(ELIADE, 2010b, p. 211).
Embora organizado sobre uma série diversificada de cultos, o hinduísmo tem alguns
pontos em comum que são o sistema de castas, a sacralidade das vacas e o carma.

2.4.1 O sistema de castas


A questão acerca das castas é sempre um tema que suscita discussões. Por

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 45


promover a exclusão e a discriminação ao dividir a sociedade em classes baseada na ideia
de pureza e impureza (veremos esse elemento posteriormente), a Constituição indiana de
1947 objetivou introduzir medidas para banir a discriminação por castas. Mas a força da
prática baseada no sistema de castas ainda é mais forte que a lei, assim, efetivamente o
sistema de castas continua a existir na Índia.
As castas nada mais são que a organização da sociedade em estratos. No início as
castas eram divididas em quatro grupos:
• Sacerdotes (Brâmanes).
• Guerreiros.
• Agricultores, Comerciantes e artesãos.
• Servos.

No início do século XX, porém, havia mais de três mil castas na Índia, o que
demonstra a volatilidade do termo ao longo do tempo.
A base religiosa desse sistema é a noção de pureza e impureza. Pode-se nascer
impuro se tiver vindo de uma família cujo trabalho, passado de geração a geração, seja
um trabalho considerado impuro, de acordo com o sistema de castas. Manter contato com
um indivíduo de casta inferior ou mesmo sem casta, ou seja, um párea, é outro motivo que
torna alguém impuro. O método tradicionalmente utilizado para tornar o impuro puro é a
imersão em rios sagrados, como o Ganges, por exemplo.
Cristãos e muçulmanos não fazem parte do sistema de castas.

2.4.2 A sacralidade da vaca


Já a simbologia sagrada remetida à vaca tem suas raízes no Livro dos Vedas, como
visto anteriormente. Neste livro são várias as passagens em que as vacas são relacionadas
com a capacidade de sustentar a vida:

Em termos de culto, a vaca é mais “pura” do que o brâmane. Assim, a pes-


soa que toca uma vaca está ritualmente limpa. Todos os produtos derivados
da vaca – o leite e a manteiga – são utilizados em diversas cerimônias de
purificação. Até mesmo o excremento e a urina da vaca são tão sagrados
que podem ser usados como agentes de purificação (GAARDER; HELLERN;
NOTAKER, 2005, p. 47; grifo do autor).

Com base no fato de que as vacas são essenciais para o sustento da vida é
que muitos hinduístas se tornam vegetarianos, pois, além da vaca, também o macaco, o
crocodilo e a cobra. De um modo geral, os hinduístas preferem não tirar uma vida. Segundo
Gaarder, Hollern e Notaker (2005), esse comportamento fomentou a ideia da não-violência

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 46


proposta e praticada por Mahatma Gandhi, por ocasião do movimento de independência da
Índia em relação à coroa britânica.

2.4.3 O carma e a reencarnação


Com relação ao carma, ou karma, é importante saber que os hinduístas acreditam
na reencarnação, que pode se dar tanto no renascimento em uma casta superior, quanto
em uma inferior ou, até mesmo, num outro ser vivo.
Derivada do sânscrito, a palavra carma significa ato, e é por meio de suas ações
que o hinduísta pode “melhorar seu carma, e assim lançar as fundações para uma vida
melhor na própria encarnação” (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2010, p. 49).
Com relação ao conceito de reencarnação, o hinduísmo acredita na sobrevivência
da alma individual, presente nos homens, de uma existência a outra. Sendo, portanto, a
alma o elemento que reencarnaria nos seres vivos.

2.5 Budismo
O budismo foi criado na Índia, por Sidarta Gautama. entre os anos de 560 a 480 a.
C., mas se difundiu, sobretudo, em países da Ásia.
O princípio do Budismo está em compreender que o homem deve libertar-se do
eterno círculo vicioso de renascimentos a que está submetido pelo carma. Assim como os
hinduístas, os budistas acreditam em carma e na reencarnação. Ao contrário daqueles, no
entanto, os budistas negam a existência da alma e a existência de um ser universal, sendo
que a alma é vista como algo fugaz como tudo o mais no mundo (GAARDER; HELLERN;
NOTAKER, 2010, p. 61).
Por isso, cabe ao indivíduo desapegar-se dessa alma/eu que o aprisiona na
ignorância que cria o carma.

“De nada mais posso dizer: ‘Isto é meu’”, ensinava Buda, “e de nada posso
dizer: ‘Isto sou eu’”. Ambas as coisas são ilusões. Não há núcleo imutável
da personalidade, não existe um “eu”, um ego. Tudo é constituído de fatores
existenciais impessoais eu formam combinações fadadas a decair. Tudo é
transitório (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2010, p. 61; grifos do autor).

O budismo se constituiu a partir também de condutas morais e éticas que devem


ser observadas cotidianamente. Essas condutas foram baseadas no fato de que Buda,
ou Sidarta Gautama, após alcançar a iluminação, decidiu tornar-se guia do ser humano e
exortá-lo a uma vida ética, baseada na compaixão e no amor.
A vida religiosa budista se organiza a partir da criação de uma ordem monástica,
cujas regras são bem mais estritas para os monges e monjas que para os leigos.

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 47


Com relação aos deuses, o budismo não nega sua existência, mas acredita que,
assim como a alma humana é transitória, também os deuses o são. Nesse sentido, as
deidades têm papel insignificante na literatura monástica budista, embora muitos templos
budistas costumem conter estátuas de deuses, como Ganesha, Vishnu e Indra, que também
fazem parte do panteão hinduísta (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005).

Não obstante, nos países budistas há uma adoração generalizada de demô-


nios, espíritos e várias outras divindades. Diferentemente do próprio Buda,
todos estes seres são seres vivos e ativos, os quais – se cultuados de modo
correto – podem trazer vantagens mundanas (GAARDER; HELLERN; NO-
TAKER , 2005, p. 73).

Figura 2 - Templo budista em Foz do Iguaçu-PR

Por seu espectro amplo de cultos e sentimentos religiosos, o budismo ganhou


ampla aceitação em toda a Ásia e fora dela. Atualmente, templos e práticas budistas são
encontrados em diversos países mundo afora, inclusive no Brasil como visto na Figura 2.

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 48


2.6 Monoteísmos
As religiões monoteístas de maior alcance mundial são o Judaísmo, o cristianismo
(em suas denominações católicas e protestantes) e o Islamismo. Surgidas em períodos
diferentes da história, essas três religiões têm sua origem no Oriente Médio. Em comum,
ainda, além da crença num Deus único, judeus, cristãos e muçulmanos têm em Abraão o
patriarca mais expressivo de sua genealogia e o fato de terem um livro sagrado com as
narrativas de origem e orientações para a conduta de seus seguidores.
Cristãos têm ainda na pessoa de Jesus, jovem judeu que viveu no século primeiro da
atual era, o seu maior ícone, enquanto os muçulmanos têm no profeta Maomé a personagem
que ocupa o maior espaço de reverência dentro da simbologia de sua religiosidade.
Às vezes alguns autores se referem a essas religiões como Religiões do
Mediterrâneo, pois todas são oriundas daquela região. Mas, mais comumente, o costume é
denominá-las Religiões do Livro, pois seus princípios derivam, sobretudo:
• da Torá, para os judeus.
• da Bíblia, para os cristãos.
• do Corão, para os muçulmanos.

Vejamos outras características dessas religiões.

2.6.1 Judaísmo
A primeira dessas três religiões monoteístas a propor a crença num só Deus foi
o judaísmo. As primeiras percepções que se tem dessa religião datam do século IV a. C.,
embora sua história remonte ao já citado patriarca Abraão, que teria vivido algo em torno de
1800 a. C. (DURAND, 2003, p. 11) na cidade Ur, Suméria, hoje Iraque.
O judaísmo pode ser explicado a partir de dois pontos:
A. Características tradicionais da religião;
B. O Estado de Israel.

2.6.1.1 Características tradicionais da religião


Abraão, antepassado espiritual de todos os três monoteísmos, é considerado o
patriarca dos hebreus, povo do qual descendem os judeus, dois milênios antes da era cristã.
De acordo com a tradição judaica, Deus fez uma aliança com Abraão de forma
que esse deveria criar uma grande nação naquela que seria a Terra Prometida. O território
escolhido por Abraão foi Canaã, no litoral palestino-fenício entre 2000 e 1750 a. C. Região
que se tornou, em 1947, o atual Estado de Israel.

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 49


Os fundamentos do judaísmo estão escritos em três livros: a Torá, o Talmude e o
Zohar. A Torá compreende os cinco primeiros livros da Bíblica, conjunto de textos conhecido
também como Pentateuco. Já o Talmude foi redigido após a Bíblia e é constituído pela
compilação de comentários presentes na Torá. Dessa forma, “os ensinamentos das grandes
escolas rabínicas foram resumidos no final do século V sob o nome de Talmude palestino
ou de Jerusalém. Talmude significa ‘estudos’” (DURAND, 2003, p. 19, grifos do autor).
O Zohar foi escrito no século XII, na Espanha, e significa esplendor. Para Durand
(2003, p. 19), o Zohar “dá a dimensão afetiva e mística da alma judaica” e é a base da
cabala. No Zohar estão compiladas as revelações do profeta Elias feita a Simeão Bar Yochai,
rabino que viveu no século II da atual era. De acordo com o dicionário de termos religiosos,
a cabala surgiu no sul da África e na Espanha entre os séculos XII e XIII. Segundo essa
corrente, os judeus podem influenciar “na maneira de Deus atuar no mundo e na luta contra
o mal” (SCHWIKART, 2001, p. 21).
Milenar em sua estrutura institucional, o judaísmo é, atualmente, uma religião
dividida em três correntes: os ortodoxos, os conservadores e os liberais.

2.6.1.2 O Estado de Israel


Em 14 de maio de 1948 é criado o Estado de Israel e, atualmente, convivem mais
de 4,2 milhões de habitantes que podem ser definidos, em termos de religião, da seguinte
forma: 84% são judeus; 12% são muçulmanos; 2,2% são cristãos e o restante, ou seja,
1,8%, pertencem a outras religiões (DURAND, 2003).

2.6.2 Cristianismo
O cristianismo surgiu no século I da atual era e tornou-se não só uma das religiões
mais praticadas, sobretudo no ocidente, como também um divisor do tempo histórico dessas
sociedades. Sua gênese deriva da crença gerada a partir da vida, morte e ressurreição de
um jovem judeu chamado Jesus que, nascido de forma espetacular na cidade de Belém,
na Judeia, tornou-se pregador antes de ser crucificado e morto sob o domínio do governo
do império romano.
Com uma filosofia de vida baseada no amor ao próximo, o jovem Jesus atraía
pessoas de todas as idades, gêneros e grupos sociais. Tendo ao seu lado doze homens de
sua confiança, com os quais compartilhou detalhes preciosos acerca do Reino de Deus,
a quem chamava de pai, Jesus acabou sendo visto pelas autoridades romanas e por
religiosos judeus como um elemento subversivo e, por esse motivo, teria sido condenado
à morte na cruz.

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 50


Jesus não deixou escritas de si, mas autores como “o historiador judeu Flávio
Josefo, e dos historiadores romanos Tácito e Suetônio, contém breves comentários sobre
Jesus” (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 165).
A história de Jesus, no entanto, é descrita em detalhes em quatro livros presentes
na Bíblia, o livro sagrado dos cristãos. Sendo parte do Novo Testamento, os evangelhos
de Mateus, Marcos, Lucas e João descrevem como Jesus viveu, morreu e ressuscitou e
com isso fortaleceu a ideia de que existe um outro Reino, que não o terreno, ao qual terão
acesso após a morte os justos e os bem-aventurados.
Seus ensinamentos foram levados à frente, sobretudo por seu discípulo Pedro e
por Paulo, que, embora não tendo convivido com Jesus, converteu-se à sua proposta de
vida quando já era adulto.

El prendimiento, el proceso y el suplicio de Jesús produjeron la dispersión


de sus fieles. Poco después del prendimiento, Pedro, su discípulo preferido,
renegó de él tres veces. Es seguro que la predicación de Jesús, y puede
que su mismo nombre, hubieran caído em el olvido de no haber sido por un
acontecimiento singular e incomprensible al margen de la fe: la resurrección
del que había sido ejecutado. La tradición transmitida por Pablo y por los
evangelios concede una importancia decisiva a la tumba vacía y a las nume-
rosas apariciones de Jesús resucitado. Independientemente de la naturaliza
de aquellas experiencias, lo cierto es que constituyen la fuente y el cimiento
del cristianismo. La fe en Cristo Jesús resucitado transformo al puñado de
fugitivos desmoralizados en un grupo de hombres resueltos y seguros de ser
invencibles. Casi podríamos decir que los apóstoles conocieron también la
prueba iniciática de la desesperación y la muerte espiritual antes de renacer
a una vida nueva y de convertirse en los primeros misioneros del evangelio
(ELIADE, 1999, p. 395).

Devido a certos acontecimentos relativos aos suplícios vividos antes de sua morte
e pela própria forma como morreu, Jesus ficou conhecido como o cristo, palavra que pode
significar pessoas que sofreram violência ou zombarias em nome de outros, ou ainda,
pessoa que foi crucificada. Em qualquer um dos sentidos, a palavra lembra o que aconteceu
com Jesus.
Os evangelistas registraram que, após a morte de Jesus e sua ressurreição
no terceiro dia, muitos de seus seguidores continuaram a manter sua prática religiosa,
que se tornou proibida durante o Império Romano, em catacumbas e cavernas. Quando
descobertos, porém, muitos cristãos, ou seja, seguidores do cristo (Jesus), foram torturados
e mortos sob aquele governo.
A perseguição aos cristãos sofreu uma reviravolta com a ascensão do imperador
Constantino ao governo de Roma em 306 d. C. O cristianismo passa a receber apoio
do imperador primeiro por meio do Édito de Milão de 313 d. C. e, posteriormente, com o
Concílio de Nicéia, em 326 d. C. Data desses eventos a institucionalização do cristianismo,

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 51


que passa a ser conhecido como a Igreja Católica Apostólica Romana.
Durante todo o período conhecido como Idade Média, no ocidente, a Igreja Católica
tornou-se uma instituição religiosa e temporal, que acompanhou, orientou e influenciou
muitos governantes.
Como uma instituição temporal adquiriu terras, organizou uma estrutura eclesiástica
fortemente hierarquizada e elaborou uma doutrina baseada no monoteísmo, em dogmas
e sacramentos específicos, assim como instituiu ritos e fortaleceu mitos. Participou de
guerras e as fomentou. Impôs modos de vida baseados em ética e moral próprios, sendo
os sacerdotes os grandes veículos responsáveis por promover as condutas dos fiéis de
acordo com a proposição católica.
Durante seu fortalecimento, algo em torno dos séculos IV a X, a Igreja Católica se
defrontou com a existência de outras religiões, às quais buscou subjugar por meio do poder
oriundo de sua relação com os governos temporais europeus.
Uma dessas religiões foi a praticada pelos povos da cultura Celta. Os arqueólogos
costumam datar a origem dos povos celtas a aproximadamente 1300 a. C., na região central
da Europa.
Posteriormente, esses povos migraram para regiões da França, Espanha e Grã-
Bretanha e o pouco que se sabe sobre eles foi conseguido a partir das anotações do
General Júlio César, feitas a partir de campanha romana na Gália, atual França, e também
de Diodoro da Sicília e Estrabão (ELIADE; COULIANO, 1993).
Com relação aos rituais sagrados, achados arqueológicos atestam que os celtas
“atribuíam una gran importancia al espacio sagrado, es decir, a los lugares consagrados
conforme as regras estrictas en torno a um altar e en el que se practicaban los sacrifícios”
(ELIADE, 1999, p. 170).
Os conhecimentos celtas não ficaram registrados de forma escrita, pois eram
passados de geração a geração por meio da oralidade pelos Druidas, ou seja, os sacerdotes
responsáveis pela prática e manutenção da religiosidade celta (ELIADE, 1979).
Classificada pelos católicos como pagãos, por terem uma religiosidade baseada
na adoração da natureza, em manifestações ritualísticas envolvendo sacrifícios, práticas
mágicas e danças, os celtas foram sendo subjugados pela Igreja católica, de forma que sua
organização e rituais, somente na atualidade, têm sido redescobertos pelos pesquisadores.
Outra religião com a qual o catolicismo se defrontou foi o Islã. Como o domínio
territorial estabelecido pelos muçulmanos alcançou os espaços considerados sagrados
pelos cristãos, como Jerusalém, a Igreja católica movimentou a sociedade e o governo dos
nobres europeus no sentido de tomar/restaurar o poder cristão sobre a cidade santa.

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 52


Pesquisas atuais revelam que a empreita que levou à tentativa infrutífera de retomar
Jerusalém demonstra que os interesses financeiros da igreja, dos comerciantes e governos
europeus foram motivos que concorreram para a efetivação desse “movimento religioso”,
conhecido como As Cruzadas.
Com o advento do século XVI, a Igreja católica sofre uma reviravolta. Martinho
Lutero (1483-1546), monge agostiniano alemão, se opõe à prática de indulgências, ou seja,
do pagamento por parte dos fiéis católicos pela salvação divina.
O sacerdote havia observado que tais pagamentos resultaram em um aumento no
empobrecimento daqueles que buscavam a salvação e, embora não sendo sua intenção,
a crítica de Lutero resultou na divisão da religião católica e no surgimento das religiões
protestantes, numa referência ao protesto feito por ele ao fixar 95 teses nas portas da igreja
do Castelo de Wittenberg. Em síntese, as teses de Lutero sustentavam que “tanto o papa
como o concílio podem enganar-se, que o cristão só deve submeter-se à autoridade da
Bíblia” (DURAND, 2003, p. 121).
As religiões protestantes, a partir de então, se difundiram por todo o planeta e em
diversas denominações, mas com um elemento em comum, que é o fato de serem todas
cristãs e seus seguidores serem conhecidos como cristãos, ainda que adjetivados: cristãos
católicos, cristãos adventistas etc.
Os atuais cristãos evangélicos foram o grande grupo dos cristãos conhecidos como
pentecostais e neopentecostais e tem, na sua prática, elementos ligados ao universo do
carisma, dos dons (atendimento, fala em línguas, aconselhamento, palestras) e de uma
relação íntima com o Espírito Santo.
Os neopentecostais também se orientam pela teologia da prosperidade, de forma
que seus seguidores acreditam que do contato íntimo com Deus e por meio da ação do
Espírito Santo o crente é coberto por graças, que geram, por sua vez, o sucesso financeiro.

Com promessas de eu o mundo seria locus de felicidade, prosperidade e


abundância de vida para os cristãos, herdeiros das promessas divinas, a Teo-
logia da Prosperidade veio coroar e impulsionar a incipiente tendência de
acomodação ao mundo de várias igrejas pentecostais aos valores e interes-
ses do “mundo” isto é, da sociedade de consumo (MARIANO, 2005, p. 149,
grifos do autor).

A religião católica tornou-se uma das instituições religiosas mais antigas da história.
Parte de sua perenidade histórica se deve à estrutura de seu campo religioso baseado na
hierarquia, na manutenção de espaços sagrados, de rituais e de mudanças estratégicas
que acomodaram o catolicismo ao mundo moderno.

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 53


2.6.3 Islamismo
O Islã é atualmente a segunda maior religião praticada no mundo, sendo a primeira
o cristianismo. Sua difusão pela Europa fez dessa religião a maior religião de minorias
étnicas naqueles países (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 128).
É condição para o muçulmano que ele seja submisso a Deus e à sua vontade, já
que o termo islam significa, dentre outros sentidos, submissão (INSTITUTO..., s/d, p. 127).
No Islã não há sacerdócio organizado, os líderes são escolhidos entre os que,
sendo homens, detém o maior conhecimento jurídico. Como religião, o islamismo ocupa
todos os aspectos da vida do praticante, não só o espiritual.
No geral o Islã pode ser explicado e compreendido a partir de três elementos
essenciais:
1. Credo (monoteísmo e revelação).
2. Deveres religiosos (os cinco pilares).
3. Relações interpessoais (ética e política).

Seu fundador foi Mohammad, ou Maomé, e surgiu na península arábica, na cidade


de Meca há cerca de 14 séculos atrás (INSTITUTO..., s/d, p. 06).
Influenciado pelo judaísmo e pelo cristianismo, Maomé, que era mercador e
viajante, costumava meditar em cavernas existentes nos arredores da cidade de Meca, e,
num desses retiros, teria tido uma revelação do Anjo Gabriel, que lhe pedira para recitar ou
ler os pergaminhos que trazia consigo. “Ler” ou “ler alto” são palavras que derivam do termo
“curan” daí “Corão”, o livro sagrado dos muçulmanos, significa, literalmente, “a palavra de
Deus” (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 130).

Em 610, ou 22 de dezembro de 609, segundo a tradição islâmica, Maomé é


iluminado por uma primeira visão do arcanjo Gabriel, durante um retiro nessa
gruta de Hiraa. Receberá uma segunda visão três anos depois. Começa,
então, a pregar e profetizar para transmitir as mensagens de Deus (Alá) (DU-
RAND, 2003, p. 100).

Maomé tornou-se líder religioso e político. Sua atuação é vista como um dos motivos
que levou a integração dos povos que habitavam a península arábica.

2.6.3.1 As obrigações religiosas do Islã


O núcleo da doutrina islâmica está intimamente ligado ao seu credo, ou seja, à sua
declaração ou ato de fé: “Não há Deus senão Alá e Maomé é o seu profeta”.
O monoteísmo deriva dessa revelação, assim como as cinco obrigações religiosas,
ou pilares, a que seus seguidores são submetidos, sendo eles: o credo, a oração, a caridade,

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 54


o jejum e a peregrinação a Meca (INSTITUTO..., s/d, p. 12).
O credo é o ato de fé do muçulmano e deve ser a primeira frase sussurrada ao
ouvido do recém-nascido. Já a oração deve ser realizada cinco vezes ao dia, em qualquer
lugar, com o uso de um tapete voltado para a cidade de Meca – muitos tapetes vêm
acompanhado de uma bússola para facilitar a localização –, em que o crente deve se
ajoelhar e recitar a oração específica desse ritual, assim como os gestuais. Há orações
também nas mesquitas e o praticante deve participar das orações coletivas ao menos uma
vez por semana (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 138).
Fazem parte ainda dos rituais de oração coletiva o trajar respeitoso, “tirar os sapatos
antes de entrar e acompanhar os movimentos de quem preside as orações de maneira
ordenada e disciplinada” (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 138).
As mulheres também podem participar das orações, mas não ocupam o mesmo
espaço que os homens na mesquita. A elas cabe participar das orações nas galerias
presentes na mesquita ou atrás de cortinas.
A caridade, ou zakat, é o terceiro pilar dos muçulmanos e deve ser praticada não
como um presente para outrem e sim como um dever dado pelo próprio Deus. Sua prática
e obrigatoriedade encontra-se no Corão e o crente deve destinar cerca de 2,5% de sua
riqueza para o auxílio aos necessitados pois, “não lhes fora ordenado senão adorar a Allah,
sendo sinceros com Ele na devoção sendo monoteístas, e cumprir a oração e conceder
az-zakãh, (a ajuda caridosa). E essa é a religião reta”2 (PROFETA MAOMÉ, s,d, p. 1047,
grifo do autor).
Se destinada a usos sociais, o recolhimento da zakat, se torna parte da política
oficial de redistribuição de um Estado islâmico e seu objetivo é diminuir as desigualdades
sociais sem diminuir o direito de propriedade (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2003, p.
139).
No quarto dos pilares, o jejum, encontra-se uma das mais expressivas representações
visuais do islamismo, pois o Ramadan, ou seja, o mês do jejum costuma ser noticiado pelos
meios de comunicação mais diversos. O Ramadan relembra a ocasião em que Maomé teve
sua primeira revelação nas cavernas de Meca e simboliza o retiro realizado pelo Profeta.
No mês do Ramadan, costuma-se jejuar de comida e se abster de relações sexuais
desde o nascer até o pôr do sol. De acordo com o livro “Compreendendo o Islam” elaborado
pelo Instituto Latino-Américano de Estudos Islâmicos, o jejum tem ainda “a intenção explícita
de satisfazer a Deus” (INSTITUTO..., s/d, p. 14).

2 A citação se refere à Surata 98, 5 (A Evidência).

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 55


O quinto e último pilar islâmico refere-se à peregrinação à cidade de Meca e deve
ser realizada ao menos uma vez na vida por todos os muçulmanos.

Figura 3 - Caaba, Meca

A Caaba, prédio que pode ser visualizado ao centro da imagem, coberto por um
tecido negro, representa o santuário muçulmano. Para os crentes islâmicos, Meca e a
Caaba são o centro do mundo e para lá devem ser voltadas todas as orações e mesquitas
de todo o mundo. De acordo com Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 140),

Quando os peregrinos se aproximam de Meca, passam a usar vestes bran-


cas. Nos dias que se seguem eles irão realizar uma série de ritos, dentro e
fora da cidade. A maioria desses rituais enfatiza a ligação com Abraão ou
Maomé, pois ambos mostraram obediência a Deus. O primeiro rito consiste
em caminhar em torno da Caaba sete vezes, e muitos tentam beijar a pedra
negra.

A esse primeiro ritual seguem outros, sempre com objetivo de demonstrar a


submissão do crente a Deus (Alá).

SAIBA MAIS
LO BIANCO, A. C.; VIDAL, N. Novas expressões da religiosidade: o que elas dizem
sobre o sujeito em sociedade hoje. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?scrip-
t=sci_arttext&pid=S1516-14982014000200001. Acesso em: 05 set. 2019.

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 56


REFLITA
A Constituição Federal Brasileira de 1988 é sempre um excelente material de trabalho
em sala de aula. Com base nas informações presentes nessa unidade, reflita sobre o
inciso VI, do artigo 5º sobre a forma positiva com que o governo brasileiro se posiciona
acerca das religiões, suas religiosidades e formas de manifestação do sagrado em nos-
sa sociedade.
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a prote-
ção aos locais de culto e a suas liturgias (BRASIL, 1988).

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 57


CONSIDERAÇÕES FINAIS

No livro O peregrino e o convertido, publicado pela socióloga francesa Danièle


Hervieu-Léger, a autora inicia a discussão chamando a atenção para o caráter religioso
que os centros de estética têm na atualidade. Por ocasião de um curso organizado na
universidade Andorra, no coração dos Pirineus, a autora conheceu diversos vilarejos
incrustados aos pés de lindos montes, que mantêm isolados os viventes daqueles locais.
Chamou sua atenção o fato de existir em cada um desses vilarejos uma igreja que
outrora fora, certamente, o centro do universo de sua população, mas que, na atualidade,
já não realizava mais os ofícios. Ocorre, no entanto, para a permanência de peregrinos
na região, o fato de que muitos buscam a espiritualidade junto aos Pirineus, mas o que de
fato movimenta as vilas de Andorra são os turistas e sua busca constante por negócios e
objetos que podem ser comprados nas inúmeras pequenas lojas dos centros dos vilarejos.
Segundo Hervieu-Léger (2015, p. 17, grifos da autora), a religiosidade parece estar
ausente dessa movimentação, mas, ao encontrar uma pequena catedral envidraçada cujas
dependências abrigam “piscinas quentes e frias, seus “banhos egípcios”, suas banheiras
borbulhantes, suas saunas e suas salas de musculação”, a autora lança mão de uma forma
particular de devoção existente na contemporaneidade, que é o culto ao corpo, à forma
física, à juventude, à saúde e à satisfação pessoal.
Nesse sentido, concluímos esse texto sobre os princípios religiosos e a religião ao
longo da história considerando que houve muitas mudanças no sentido de religião desde
o Paleolítico até os dias atuais. Que os homens e mulheres foram, ao longo desse período
organizando o sagrado e suas formas de manifestação por meio de rituais, cantos, danças,
instituições físicas e morais, preceitos, dogmas etc.
Algumas religiões foram perdendo seu sentido e deixaram de existir, outras passaram
por mudanças para melhor se adequar aos tempos e aos homens e mulheres. Mas, uma
coisa é certa, na contemporaneidade, os indivíduos desenvolveram uma nova forma de se
relacionarem como mundo no qual os seres humanos são autônomos e capazes de fazer
o mundo e significá-lo de forma que dê sentido à sua existência. Essas práticas convivem
no mesmo espaço que o sagrado e suas manifestações em forma de instituições, ritos ou
locais.
Conhecedora dessa diversidade, a disciplina de Ensino Religioso deve procurar
colaborar com a promoção da harmonia entre os diferentes grupos e, conhecer detalhes
da composição das religiões e suas religiosidades pode contribuir para essa colaboração.

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 58


LEITURA COMPLEMENTAR

ARMSTRONG, K. A Bíblia: uma biografia. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. Disponível em: ht-
tps://elivros.info/ler-online/baixar-a-biblia-karen-armstrong-epub-pdf-mobi-ou-ler-online#e-
pubcfi(/6/12[body007]!/4/2/6/1:0). Acesso em: 16 set. 2019.

ARMSTRONG, K. Em nome de Deus: o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e


no islamismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. Disponível em: http://lelivros.love/
book/download-em-nome-de-deus-karen-armstrong-em-epub-mobi-e-pdf/ >. Acesso em:
16 set. 2019.

ARMSTRONG, K. Maomé: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. Dispo-
nível em: http://lelivros.love/book/baixar-livro-maome-karen-armstrong-em-pdf-epub-e-mo-
bi-ou-ler-online/. Acesso em: 16 set. 2019.

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 59


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Laicidade e ensino religioso no Brasil
Autor: Débora Diniz, Tatiana Lionco e Vanessa Carrião.
Editora: Brasília: UNESCO, Editora Letras Livres, Editora UnB.
Sinopse: O Brasil é um país rico em expressões culturais e
tradições religiosas. A escola é um espaço de apresentação
desse fabuloso horizonte de crenças, valores e práticas sociais.
Um importante desafio de direitos humanos é como representar
a diversidade brasileira nas ações e políticas educacionais. Este
livro enfrenta uma das facetas mais inquietantes do encontro
entre as religiões e o dispositivo da laicidade – a oferta do ensino
religioso nas escolas públicas brasileiras. De uma forma original
e sistemática, as autoras percorrem leis e livros didáticos a fim de
responder à pergunta sobre o significado do ensino religioso nas
escolas públicas brasileiras.

FILME/VÍDEO
Título: O Gato do Rabino
Ano: 2011
Sinopse: A animação francesa inspirada na graphic novel de
Joann Sfar ensina fundamentos do judaísmo com leveza e bom
humor. Nos anos 20, na Argélia, um gato come um papagaio e
ganha a habilidade de falar (pelos cotovelos!). Apaixonado por sua
dona, filha de um rabino, ele decide se converter e sonha com
seu próprio Bar Mitzvah, mas também não facilita o processo,
questionando a religião a todo o tempo. Enquanto isso, a chegada
de um artista estrangeiro leva o gato e o rabino a viajarem pela
África e encontrarem outras crenças.

Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=xBZPv8lPID0

UNIDADE II A Religião e a Humanidade 60


UNIDADE III
A Reforma Protestante no Século XVI
Professora Me. Marcia Regina de Oliveira Lupion

Plano de Estudo:
• Conceitos e Definições de Igrejas Protestantes.
• História do surgimento do Protestantismo.
• Breve histórico dos primórdios do Protestantismo no Brasil.
• O Neopentecostalismo.

Objetivos de Aprendizagem:
• Conceituar e contextualizar a Reforma Protestante ocorrida no século XVI.
• Compreender os motivos que levaram ao rompimento com a Igreja Católica.
• Conhecer as igrejas saídas da Reforma cristã no século XVI.
• Contextualizar os movimentos de inserção do Protestantismo no Brasil.
• Estudar as origens do Neopentecostalismo.

61
INTRODUÇÃO

Prezado(a) estudante, nessa unidade concentraremos nossos esforços em conhecer


um pouco mais do movimento conhecido como Reforma Protestante, ocorrido na Alemanha
no século XVI. Reforma que acabou por dar suporte a uma expressiva fragmentação no
seio da Igreja Católica, que resultou na formação de uma série de denominações religiosas
conhecidas a partir de então como igrejas protestantes. Para sua organização, as novas
igrejas elaboraram seus próprios especialistas e doutrinas, assim como trouxeram consigo
a fé na Bíblia como o Livro Sagrado e noções distintas da católica no que tange à ideia de
salvação. Como o catolicismo, no entanto, as igrejas protestantes não foram isentas de
práticas violentas como forma de manter-se como instituição.
Na sequência você vai estudar como o Protestantismo desembarcou nos Estados
Unidos, juntamente com os imigrantes do Mayflower, e formou a maior nação protestante
do mundo na atualidade. No Brasil, o Protestantismo se fez presente desde a chegada dos
europeus, no início do século XVI, mas não se fortaleceu imediatamente. Esse fortalecimento
viria a acontecer apenas em meados do século XIX, com a chegada do protestantismo
norte americano de cunho notadamente missionário.
Para finalizar essa unidade, iremos estudar o movimento conhecido como
Neopentecostalismo, um ramo do cristianismo que tem suas origens na América do Norte,
ainda no início do século XX, e que cresce aceleradamente desde então em diversos países
pelo mundo e de forma bastante expressiva em nosso país.
Com essa unidade, você, aluno(a), vai adentrar em estudos mais específicos
acerca das religiões cristãs existentes atualmente no Brasil, verticalizando, assim, estudos
mais genéricos apresentados nas unidades anteriores. Lembrando sempre que os tópicos
aqui apresentados são uma introdução aos temas que devem ser aprofundados por meio
das leituras complementares sugeridas, das obras citadas e dos filmes propostos, além, é
claro, de suas próprias pesquisas!
Bons estudos!

UNIDADE III A Reforma Protestante no Século XVI 62


1 A REFORMA PROTESTANTE NO SÉCULO XVI

Monumento aos 500 anos da Reforma Protestante

Fonte: HANSEN, 2019.

Neste tópico vamos estudar as origens históricas e os dilemas vividos pelos


reformadores da cristandade, ocorridos na Europa no século XVI e em períodos anteriores.
Com isso, objetivamos formar um esboço dos motivos que levaram à Reforma Protestante,
ou somente Reforma, que mudou os rumos do cristianismo no mundo desde aquele período
até a atualidade.
O termo protestantismo designa “todas as modalidades de cristianismo nascidas da
Reforma Protestante” (SCHWIKART, 2001, p. 88). Acontecida na Europa, no século XVI,
e os seguidores das religiões egressas da Reforma são conhecidos como protestantes,
presbiterianos e evangélicos.
Martinho Lutero (1583-1546) é lembrado como o responsável por iniciar a cisão que

UNIDADE III A Reforma Protestante no Século XVI 63


rompeu a hegemonia do catolicismo durante a Idade Média na Europa, embora essa ruptura
tenha sido mais uma consequência dos seus protestos contra certas práticas católicas
que seu objetivo primeiro. Afinal, em princípio, Lutero demonstrou seu descontentamento
em relação à forma como Igreja Católica estava conduzindo sua atuação marcada por
excessos e meritocracias dentro de uma sociedade em que

Havia muita violência, baixa expectativa de vida, profundos contrastes so-


cioeconômicos e um crescente sentimento nacionalista. Havia também muita
insatisfação, tanto dos governantes como do povo, em relação à Igreja, prin-
cipalmente ao alto clero e a Roma. Na área espiritual, havia insegurança e
ansiedade acerca da salvação em virtude de uma religiosidade baseada em
obras, também chamada de religiosidade contábil ou “matemática da salva-
ção” (débitos = pecados; créditos = boas obras) (MATOS, 2011, p. 06).

Mas estudos atuais (DURAND, 2003; GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005;


MATOS, 2011) mostram que o catolicismo vinha sofrendo duras críticas à sua atuação,
sobretudo em relação aos poderes obtidos nos campos econômico e político, dois setores
dominados por alianças formadas entre nobres e eclesiásticos. Assim, o ocorrido com
Martinho Lutero seria mais o desfecho de um movimento de descontentamento com a Igreja
iniciado séculos antes do que o estopim que deu início à Reforma. Esses movimentos de
descontentamento iniciais são conceituados na atualidade como pré-reformistas.
Além disso, após o conflito vivido entre Lutero e o catolicismo, eventos reformistas
se multiplicaram com base em novos dogmas, novas práticas, novos líderes e propostas.
Nesse sentido, podemos dizer que a Reforma protestante, em seus primórdios, pode ser
compreendida em três momentos básicos que são as pré-reformas ocorridas desde o
século XI, a reforma de Lutero e, por fim, as igrejas saídas da Reforma.
Neste tópico veremos alguns elementos do movimento pré-reformista e da Reforma
em si. Enquanto que no tópico 2 a discussão recairá sobre as Igrejas protestantes saídas
da Reforma.

1.1 Os Movimentos Pré-reformistas


De acordo com Matos (2011, p. 2), o período de declínio do papado começa

[...]com o pontificado de Bonifácio VIII (1294-1303), um papa arrogante e am-


bicioso que entrou em confronto direto com o rei Filipe IV acerca de impostos
e da autoridade papal. Bonifácio publicou três famosas bulas: Clericis Laicos,
na qual reclama que os leigos sempre foram hostis ao clero; Ausculta Fili
(“Escuta, filho”), dirigida ao rei francês, e Unam Sanctam (1302), denominada
“o canto do cisne do papado medieval”. Irritado com as ações papais, Filipe
enviou suas tropas, o papa foi preso e faleceu um mês após ser libertado.

Esse é apenas um exemplo das contendas ocorridas no período, sendo que os

UNIDADE III A Reforma Protestante no Século XVI 64


anos seguintes a esses fatos contribuíram ainda mais para essa condição de crescente
desmoralização do papado. As constantes queixas ao luxo e extravagâncias da corte papal,
que, para ser mantida, cobrava taxas e dízimos cada vez mais onerosos de uma população
cada vez mais pobre, doente e insegura, também é um dos fatores que concorreram para
o descrédito em relação à Igreja Católica Medieval.
Além disso, entre os anos de 1378 e 1417 aconteceu o fenômeno conhecido como
o Grande Cisma, quando houve, ao mesmo tempo, três papas regendo a Igreja Católica.
Um deles estava estabelecido em Roma, outro em Avinhão, no sul da França, e o terceiro
na cidade de Pisa. Todos esses fatores levaram a um constrangimento entre os membros
da Igreja, que passaram a clamar por “reformas na cabeça e nos membros” (MATOS, 2011,
p. 3) da Igreja Católica.
O dilema da existência dos três papas foi resolvido por João XXIII, o segundo papa
pisano. João depôs os três papas e elegeu como único pontífice Martinho V e, nesse mesmo
movimento, João XXIII condenou os pré-reformadores João Wycliff, João Hus e Jerônimo
de Praga, três sacerdotes que protestaram contra a postura da Igreja Católica no período
(MATOS, 2011, passim).
Ocorridos anteriormente ao movimento levado avante por Lutero, os protestos pré-
reformistas, realizados pelos já citados João Wycliff (1325-1384); João Hus (1372-1415)
– morto na fogueira – e Jerônimo de Savonarola (1452-1498) – morto enforcado como
herege –, continham uma forte crítica aos ensinos e práticas, assim como a alguns dogmas
do catolicismo na Idade Média. E, como visto, foram penalizados pelo poder papal.
Outro movimento dissidente, tido como herético pela Igreja Católica surgiu em meio
aos cátaros, no sul da França, no século XI, e foi aniquilado em 1215, pela cruzada que
ficou conhecida como Cruzada contra os Cátaros ou Cruzada Albigense. Para combater
os movimentos considerados heréticos, a Igreja Católica utilizou vários expedientes de
violência, como as já citadas cruzadas. Mas, além desses, também promoveu guerras e,
sobretudo, criou e oficializou a Inquisição em 1233.
Paralelamente aos movimentos pré-reformistas ocorreram os movimentos
devocionais. Estes se concentravam na vida devocional, sem críticas aos dogmas católicos.
Um exemplo de movimento devocional foi o misticismo ocorrido em países como Inglaterra,
Alemanha e Holanda, cuja doutrina recaia sobre a “união com Deus, ao amor, à humildade
e à caridade” (MATOS, 2011, p. 4).
Outro exemplo foi a Devoção Moderna, ocorrido no século XV, que tinha na leitura
da Bíblia, na espiritualidade, na meditação e na oração o foco de sua doutrina. Valorizavam
a educação criando escolas, além de ser um movimento leigo para ambos os sexos. Esse

UNIDADE III A Reforma Protestante no Século XVI 65


movimento popularizou a obra Imitação de Cristo, escrita em 1418 por Thomas de Kempis
(MATOS, 2011).
Fazem parte ainda desse momento a Guerra dos Cem anos (1337-1453) entre
Inglaterra e França, que tornou famosa a heroína Joana D’Arc; a Peste Negra, em 1348;
as mudanças na estrutura do sistema feudal e o surgimento das cidades e da burguesia,
que contribuíram para colocar em xeque o poder e a postura católicas, pois geravam um
sentimento de insatisfação, insegurança, ansiedade e melancolia profundos na população.
Nesse sentido, para compreender a Reforma ocorrida no século XVI, é preciso
olhar para além e a partir de Lutero, pois, se foram suas críticas que levaram, efetivamente,
a um rompimento no seio da cristandade medieval e para além do que propunha a Igreja
Católica até então, anteriormente a ele já havia um clima propício para o desfecho que
resultou na publicação das 95 teses nas portas do Castelo de Wittenberg.

1.2 A Reforma Protestante


No dia 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero, então com 34 anos de idade,
expressa seu descontentamento com os rumos tomados pela Igreja Católica ao fixar às
portas do Castelo de Wittenberg 95 teses, como forma de convidar a comunidade acadêmica
a debater, sobretudo, acerca da venda de indulgências por parte da Igreja.
As teses de Lutero versavam dentre outros temas, sobre a já citada venda de
indulgências levada a cabo pelo dominicano João Tetzel, cujo objetivo era cobrir os custos
com a ordenação do jovem Alberto, que, mesmo sendo nobre, não tinha idade suficiente
nem os recursos necessários cobrados pelo papa para ministrar o sacramento.
Como o papa cobrava valores vultosos para investir membros com idade abaixo
da recomendada, o mesmo autorizou que a família de Alberto vendesse indulgências para
cobrir os custos da investidura (MATOS, 2011).
Esse foi, portanto, o motivo imediato que levou Lutero a se rebelar contra a Igreja,
não com o objetivo de formar dissidências, mas sim de denunciar situações abusivas por
parte da instituição. Situações essas que já vinham se acumulando desde séculos passados,
como vimos anteriormente.
Desse evento resultou que o monge agostiniano Lutero, nascido na cidade de
Eisleben, na Turíngia, formado jurista e sacerdote, foi excomungado pela bula Decet
Pontificem Romanun, publicada em 3 de janeiro de 1521 pelo papa Leão X. Estudioso
das escrituras e professor na Universidade de Wittenberg, Lutero escreveu algumas obras,
lidas ainda na atualidade, como A Nobreza Cristã da Alemanha, O Cativeiro Babilônico da
Igreja e A Liberdade do Cristão. Homem de seu tempo e, para alguns, além dele, Lutero

UNIDADE III A Reforma Protestante no Século XVI 66


soube aproveitar a mais nova invenção criada no período, que foi a prensa tipográfica.
Utilizando-se desse expediente tecnológico, Lutero traduziu a Bíblia, publicou e publicizou
aquele que se tornaria o livro mais lido e mais vendido da história ainda nos dias atuais.
Dentre as proposições presentes nas teses luteranas algumas se destacam, como
a afirmação de que o papa pode enganar-se em seus julgamentos e que os cristãos só
deveriam submeter-se à autoridade da Bíblia. Assim, o “Protestantismo repousa, de um
lado nessa ligação com a autoridade exclusiva da Bíblia e, de outro, na salvação, obtida
exclusivamente pela graça, e não com o concurso humano, nem da Igreja” (DURAND,
2003, p. 121).
Outro ponto no qual o Protestantismo se assenta é a justificação pela fé. Por detrás
de todo o movimento realizado para questionar a legalidade da venda de indulgências,
percebe-se que Martinho Lutero buscava responder a pergunta sobre como o ser humano
pode conseguir o perdão divino. Após muitos estudos, o monge concluiu, a partir da leitura
de Romanos 1:17, que a salvação provém da “gratuidade do dom de Deus da salvação em
Cristo, recebida pela fé” (CALDAS FILHO, 2016, p. 1252).
Inclusive, na tese número 37, Lutero afirma que “Qualquer cristão verdadeiro,
seja vivo, seja morto, tem participação em todos os bens de Cristo e da Igreja, por dádiva
de Deus, mesmo sem carta de indulgência” (MARTINHO LUTERO, 1987, p. 143). Isso é
possível porque Jesus Cristo, ao morrer na cruz, tomou para si todos os pecados do homem,
cabendo ao seres humanos acreditar na graça de Deus e na sua compaixão (GAARDER;
HELLERN; NOTAKER, 2005).
Com essa proposição, Lutero se opõe, de forma expressiva, aos dogmas católicos
e apresenta sua maior contribuição ao cristianismo reformado, que é a ideia de salvação
com base na fé e não na venda de indulgências. E, ao ser excomungado, acaba por fundar,
juntamente com seus apoiadores, a Igreja Luterana. Assim que foi criada, a Igreja Luterana
se difundiu pela Europa e, atualmente, encontra-se presente em diversos países espalhados
pelo planeta.
Em suma, ao final desse tópico, acreditamos que devemos ficar com a síntese de
Dreher (2017, p. 23) de que a “Reforma é um movimento muito mais amplo do que Lutero
ou Calvino. Reforma é todo um movimento que tentou dar respostas a questões que eram
formuladas ao cristianismo já antes do século XVI” e depois desse período. Pois, quando
se fala em Reforma, é preciso lembrar dos cátaros, de João Hus, dentre outros, cujas
contribuições ao movimento não foram citadas nesse breve texto.

UNIDADE III A Reforma Protestante no Século XVI 67


2 IGREJAS SAÍDAS DA REFORMA

Com a instituição do luteranismo, alas mais radicais viram a possibilidade de formar


suas próprias igrejas. E, sob a influência de homens como “Ulrich Zwinglio (1484-1531) e
de João Calvino (1509-1564), a Reforma se desenvolveu na Suíça, na França e nos Países
Baixos” (DURAND, 2003, p. 122). João Ítalo Calvino foi um dos líderes cuja influência inspirou
movimentos na Suíça, na Escócia e em Westminster, na Inglaterra, onde se formaram
diversas confissões de fé que tinham na teologia calvinista sua fonte de inspiração.
Ulrich Zwinglio foi o sacerdote responsável pela promoção da Reforma Protestante
na Suíça. Educado e fortemente influenciado pelo Humanismo, entrou em divergência com
a doutrina católica quando defendeu “o consumo de carne na quaresma e o casamento dos
sacerdotes, alegando não serem essas coisas proibidas nas Escrituras” (MATOS, 2011, p.
9).
Além disso, propôs que a Bíblia fosse a medida para os julgamentos terrenos,
defendeu a salvação somente pela graça e o sacerdócio dos fiéis, além de atacar o “primado
do papa e da missa” (MATOS, 2011, p. 9).
Com as mudanças promovidas por Zwinglio, a partir de 1525 a igreja de Zurique
tornou-se não só uma igreja protestante como adotou o culto ao invés da missa, de forma
que mudanças propostas pelo ex-sacerdote se mostraram ainda mais radicais que as
efetuadas por Lutero.
João Ítalo Calvino (1509-1564) foi secretário e advogado na Igreja Católica de

UNIDADE III A Reforma Protestante no Século XVI 68


Noyon, na França, antes de se tornar um dos maiores ícones do protestantismo europeu.
A data de sua conversão é imprecisa, algo em torno de 1533, na cidade de Genebra, na
Suíça francesa.

A visão do reformador francês era tornar Genebra uma cidade-cristã-modelo


através da reorganização da Igreja, de um ministério bem preparado, de leis
que expressassem uma ética bíblica e de um sistema educacional completo
e gratuito. O resultado foi que Genebra tornou-se um grande centro do pro-
testantismo, preparando líderes reformados para toda a Europa e abrigando
centenas de refugiados. O calvinismo veio a ser o mais completo sistema
teológico protestante, tendo por princípio básico a soberania de Deus e suas
implicações, soteriológicas e outras. Foi essa a origem das Igrejas reforma-
das (continente europeu) ou presbiterianas (Ilhas Britânicas). Os principais
países em que se difundiu o movimento reformado foram, além da Suíça e
da França, o sul da Alemanha, a Holanda, a Hungria e a Escócia (MATOS,
2011, p. 12).

Dentre as obras de cunho teológico produzidas por Calvino destaca-se Ordenanças


Eclesiásticas, na qual o protestante expõe o campo religioso sobre o qual a religião
protestante se organizará temporalmente. Nessa obra, o teólogo propõe que as igrejas se
organizem em doze categorias oficiais de especialistas, sendo que aos pastores caberia
a pregação e ministério dos sacramentos; aos doutores ficariam os encargos pelo estudo
e ensino da Bíblica; os presbitérios seriam responsáveis pelas funções disciplinares e aos
diáconos, a beneficência. “Os pastores e os doutores formavam a Companhia dos Pastores;
os pastores e os presbíteros integravam o Consistório, uma espécie de tribunal eclesiástico”
(MATOS, 2011, p. 12).
O Consistório, algo equivalente ao Tribunal da Inquisição Católico, tinha sede em
Genebra e, dentre outras contendas, promoveu a morte de pessoas consideradas hereges, ou
seja, pessoas que discordavam da religião calvinista, como, por exemplo, o médico Miguel de
Servet, morto na fogueira em 27 de outubro de 1553. Para além disso, o protestantismo calvinista
fomentou os estudos e favoreceu a criação de escolas que ensinavam a ler, sobretudo, a Bíblia.
Um terceiro grupo considerado como radical são os anabatistas. Os integrantes desse
grupo tinham como característica mais expressa o não reconhecimento do batismo infantil,
pois consideram as crianças seres inconscientes. Como seus integrantes eram egressos
do catolicismo e, portanto, haviam sido batizados ainda na infância, os responsáveis por
promover o “rebatismo” ficaram conhecidos como anabatistas. Os anabatistas iniciaram suas
atividades na Suíça, mas, perseguidos e mortos por católicos e luteranos, se refugiaram na
Holanda “e foi aí que os reformados ingleses exilados entraram em contato com as novas
ideias [...] e fundaram em 1609 a primeira das ‘Uniões’ batistas modernas” (GAARDER;
HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 215).

UNIDADE III A Reforma Protestante no Século XVI 69


3 OS PROTESTANTISMOS NO BRASIL

Fonte: IBGE (2012).

É sempre interessante lembrar que a expansão do cristianismo em solo americano


resulta de um processo de conquista no qual os europeus buscaram subjugar os líderes
locais e desqualificar os saberes, os símbolos e o rituais dos povos ameríndios, com o
objetivo de conquistar os territórios e ampliar o poder das coroas portuguesa e espanhola,
assim como dos imigrantes puritanos que se estabeleceram na parte norte do continente
americano.
De acordo com Cairns (1995), o protestantismo se inseriu de forma efetiva na
sociedade brasileira a partir do século XIX. Antes disso, porém, houve duas tentativas de
estabelecimento do protestantismo no país, uma em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, e
outra em Pernambuco durante a ocupação holandesa na região.
Mas, no século XIX, o protestantismo já se encontrava fortalecido em sua prática
e doutrina, tendo denominado grande parte da cristandade europeia e, principalmente,
se estabelecido como a maior religião nos Estados Unidos. Afinal, quando, em 1620, o
navio Mayflower aportou na costa do atual estado do Massachusetts, ali desembarcaram
aproximadamente uma centena de protestantes denominados puritanos.
Os puritanos fugiam da perseguição por membros da Igreja Anglicana, instituição
que saíra da Reforma Protestante e se tornara a religião do Estado da coroa inglesa. O
termo puritanos designa um grupo de protestantes que exigiu que a “Igreja da Inglaterra
fosse reformada liturgicamente à imagem do protestantismo calvinista e que seu clero
adotasse os padrões éticos desse mesmo protestantismo” (MENDONÇA; VELASQUES
FILHO, 2002, p. 13).

UNIDADE III A Reforma Protestante no Século XVI 70


Devido a essas exigências, os puritanos entraram em conflito com a Igreja
Anglicana e encontram como saída a construção de uma nova sociedade no Mundo Novo.
No Mundo Novo, ou seja, na América do Norte, desenvolveu-se uma sociedade marcada
pelo protestantismo puritano.
Foi apenas no ano de 1823 que os protestantes tiveram permissão para realizar
cultos em território brasileiro. porém não era permitido que seus templos expressassem
formas estéticas que os identificassem. Além disso, os protestantes que imigraram para
o Brasil nesse período não tinham permissão para praticar o proselitismo, ou seja, não
podiam realizar movimentos de conversão.
No entanto, nos anos 1850. ainda durante o Império, missionários protestantes
chegam ao Brasil com o objetivo de propagar sua fé. Foi quando “instalaram-se no Brasil a
Igreja Congregacional, a Presbiteriana, a Metodista, a Batista e a Episcopal” (MENDONÇA;
VELASQUES FILHO, 2002, p. 12).
Com o advento da República, em 1898, e o estabelecimento do estado laico,
protestantes e outras religiões e religiosidades tiveram as restrições a seus cultos e à
estética de seus templos retiradas, de forma que puderam dar voz e visibilidade às suas
práticas.

UNIDADE III A Reforma Protestante no Século XVI 71


4 O NEOPENTECOSTALISMO

Fonte: Carvalho (2017).

Na atualidade, quando se fala em protestantismo é comum que sejam lidas sob


essa mesma sigla tanto as igrejas saídas da Reforma, quanto as igrejas surgidas no final
do século XIX e início do século XX, de caráter pentecostal e neopentecostal.
No entanto, é preciso fazer uma distinção entre esses grupos, pois as igrejas saídas
da Reforma do século XVI, como a luterana, a metodista, a Batista e as Presbiterianas são
denominações cujas origens datam das mudanças ocorridas naquele contexto, a exceção
dos metodistas que surgiram somente no século XVIII.

SAIBA MAIS
As Igrejas Presbiterianas surgiram quando reformadores como Calvino e Zuínglio de-
fendiam o rompimento total com os católicos. Por defenderem que a igreja fosse dirigida
por um conselho de anciãos (os presbíteros) eleitos no seio de uma Assembleia geral de
leigos, a igreja reformada que se estabeleceu na Holanda, Suíça e Escócia passou a ser
chamada também de presbiteriana (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 209).

UNIDADE III A Reforma Protestante no Século XVI 72


Essas religiões, muitas vezes denominadas de históricas, chegaram ao Brasil ainda
no século XVIII, e, como visto anteriormente, pouco se desenvolveram em nossa sociedade
até o advento da República, quando as igrejas, quaisquer se fossem suas denominações,
tiveram a liberdade de culto assegurada pelo Estado laico estabelecido na ocasião.
Já as denominações pentecostais, como a Assembleia de Deus, a Congregação
Cristã e a Igreja do Evangelho Quadrangular são instituições que surgem de uma
fragmentação dentro do cristianismo norte americano e que se estabeleceram no Brasil
entre 1910 e 1950.
O movimento pentecostal se distingue do protestantismo, grosso modo, por pregar
que o Espírito Santo se manifesta ainda na contemporaneidade por meio dos dons das
línguas (glossolalia), dons de cura e discernimento de espíritos. Essas afirmativas estão
baseadas no livro bíblico dos Atos dos Apóstolos (MARIANO, 2005).
Os praticantes do pentecostalismo se diferenciam dos protestantes por acreditarem
que, por meio do Espírito Santo e de Cristo, Deus continua a agir na sociedade da mesma
forma como agia durante os anos iniciais do cristianismo, quando Jesus realizava curas,
milagres e expulsava demônios (MARIANO, 2005).
Ainda segundo Mariano (2005), o expressivo aumento dos praticantes do
pentecostalismo no Brasil, um país historicamente católico, tem se dado porque as
denominações pentecostais atendem de forma mais eficaz às precárias condições de
existência da população marginalizada, gerando alento e esperança diante dessas situações.

Nelas, encontram receptividade, apoio terapêutico-espiritual e, em alguns


casos, solidariedade material. A correlação existente entre pobreza e pente-
costalismo, entretanto, não explica os motivos da expansão dessa religião,
nem muito menos as razões do crescimento desigual das diferentes igrejas
(MARIANO, 2005, p. 12).

Já o neopentecostalismo surgido nos Estados Unidos e estabelecido no Brasil a


partir dos anos 1970 teve, entre suas instituições mais conhecidas, a Igreja Universal do
Reino de Deus, a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Comunidade Evangélica Sara
nossa Terra.
De forma geral, as igrejas neopentecostais seguem os mesmos critérios em
relação ao papel desempenhado pelo Espírito Santo e pelos dons na vida do praticante.
Atuam de forma sistemática no atendimento e também contam com a adesão dos grupos
menos favorecidos economicamente entre seus seguidores. Mas num ponto as igrejas
neopentecostais se diferenciam de suas predecessoras: quanto à Teologia da Prosperidade.
Segundo Mariano (2005, p. 149),

UNIDADE III A Reforma Protestante no Século XVI 73


Com promessas de que o mundo seria locus de felicidade, prosperidade e
abundância de vida para os cristãos, herdeiros das promessas divinas, a Teo-
logia da Prosperidade veio coroar e impulsionar a incipiente tendência de
acomodação ao mundo de várias igrejas pentecostais aos valores e interes-
ses do “mundo”, isto é, à sociedade de consumo.

Ainda de acordo com a Teologia da Prosperidade, os crentes neopentecostais


podem e devem buscar condições econômicas que lhes permitam desfrutar do que há de
melhor no mundo. Nesse caso, afastam-se dos pentecostais que desvalorizam o mundo e
propõem uma vida ascética, ou seja, uma vida marcada pela disciplina e pelo autocontrole
para chegar até Deus ou à salvação que se encontra em outro mundo, onde a dor e
sofrimento, vividos na vida terrena, não encontram espaço.
Atualmente, as igrejas neopentecostais são as que mais crescem no Brasil, como
atestam os dados do IBGE, na comparação entre os anos 2000, quando 10,4% da população
se autodenominava evangélica pentecostal ou neopentecostal, e o ano 2010 quando esse
percentual subiu para 13,4% (IBGE, 2012).

SAIBA MAIS
O Protestantismo, enquanto um fenômeno religioso, provocou profundas mudanças no
universo cristão, desde sua origem no século XVI até os dias atuais.
Como um movimento contestatório, apresentou igrejas, doutrinas e práticas religiosas
alternativas ao catolicismo e levou essa instituição a repensar suas ações e valores. O
maior exemplo desse repensar foi nomeado como Contra-Reforma e se caracterizou por
uma série de esforços que visavam retomar o poder temporal da Igreja Católica, recon-
verter cristãos ou comunidades inteiras que se tornaram protestantes.
Um desses esforços foi a criação do Oratório do Amor Divino, mais ou menos em 1517,
órgão responsável por criar as ordens monásticas baseadas no ascetismo e na caridade
de seus membros. Monges teatinos e capuchinhos são exemplos de ordens que busca-
ram colocar em prática o ideal do Oratório. Outras criações da Contra-Reforma foram o
Concílio de Trento, ocorrido entre os anos de 1545 e 1563, a criação da Companhia de
Jesus e do Tribunal da Inquisição. Três instituições cujos objetivos eram, dentre outros,
recuperar o poder temporal e espiritual perdidos pela Igreja Católica frente à alternativa
Protestante (CAIRNS, 1995, passim).

UNIDADE III A Reforma Protestante no Século XVI 74


REFLITA
Dada a relevância que a Bíblia tem para as igrejas saídas da Reforma, reflita sobre a
citação a seguir considerando as implicações do posicionamento fundamentalista para
o conhecimento das sociedades humanas na atualidade.
A pesquisa bíblica é totalmente rejeitada pelos fundamentalistas, que consi-
deram a letra da Bíblia a Palavra de Deus absoluta e completa, e, portanto,
perfeita, até mesmo quanto a informações factuais sobre o mundo e sua
história. Segundo eles, os fundamentalistas, Deus ditou o conteúdo para
seus autores mortais, palavra por palavra, por intermédio do Espírito Santo.
Assim, o fundamentalismo leva a uma confrontação com as ciências natu-
rais; por exemplo, na teoria da evolução biológica (GAARDER; HELLERN;
NOTAKER, 2005, p. 242).

UNIDADE III A Reforma Protestante no Século XVI 75


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade buscamos conhecer tanto aspectos históricos quanto políticos,


biográficos e religiosos que levaram à Reforma da fé cristã iniciada no século XVI na Europa
até os dias atuais em nosso país.
Compreendemos que todo o movimento que levou à Reforma deve ser estudado,
considerando fatos ocorridos antes, durante e depois da fixação, por parte de Martinho
Lutero, das 95 teses nas portas do Castelo de Wittenberg.
Vimos ainda como a religião protestante oriunda da Reforma se espalhou pelo
mundo, sofrendo, ao longo de sua institucionalização, uma série de modificações no seu
campo religioso, incluindo suas teologias, dogmas e doutrinas em seus mais de cinco
séculos de existência.
O Brasil, país fundado com base nos preceitos católicos, passou a sofrer influência
das religiões oriundas da Reforma Protestante, sobretudo, a partir do século XIX, e viu
acirrar o campo de ação dessas instituições a partir de 1889 com a República.
Atualmente o neopentecostalismo tem sido um dos fenômenos religiosos mais
estudados da atualidade e, também, uma das instituições religiosas que mais cresce no
país. Os elementos que contribuem para esse crescimento foram descritos sucintamente e
devem ser objeto de análise mais aprofundada por parte de você, estudante!
No campo da Metodologia do Ensino Religioso, o estudo do conteúdo relativo à
Reforma Protestante deve permitir que os alunos e alunas dos ensinos fundamental e
médio possam refletir não somente sobre a diversidade religiosa cristã, mas também sobre
a própria religiosidade praticada por eles e seus familiares, pois muitos são praticantes
atuais de religiões cuja historicidade encontra-se na Reforma ocorrida na cristandade do
século XVI, na Europa.

UNIDADE III A Reforma Protestante no Século XVI 76


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no
Brasil
Autor: Ricardo Mariano
Editora: Loyola
Sinopse: Este livro analisa o neopentecostalismo, vertente
pentecostal responsável pelas principais transformações
teológicas, estéticas e comportamentais que vem passando o
movimento pentecostal. Elaborado e escrito em uma perspectiva
sociológica e baseado em extensa pesquisa empírica, almeja, além
de familiarizar o leitor com a história das crenças, das práticas e
do funcionamento das igrejas neopentecostais, atestar a ruptura
como o ascetismo contracultural e a progressiva acomodação
desses religiosos e suas denominações à sociedade e à cultura
de consumo. Mudanças consideráveis, de caráter secularizante,
cujos efeitos mais visíveis têm consistido em torná-los cada vez
menos distintos e, por consequência, cada vez menos um retrato
negativo dos símbolos de nossa brasilidade.

FILME/VÍDEO
Título: Lutero: gênio, rebelde, libertador
Ano: 2003
Sinopse: Após quase ser atingido por um raio, Martim Lutero
(Joseph Fiennes) acredita ter recebido um chamado. Ele se
junta ao monastério, mas logo fica atormentado com as práticas
adotadas pela Igreja Católica na época. Após pregar em uma
igreja suas 95 teses, Lutero passa a ser perseguido. Pressionado
para que se redima publicamente, Lutero se recusa a negar suas
teses e desafia a Igreja Católica a provar que elas estejam erradas
e contradigam o que prega a Bíblia. Excomungado, Lutero foge e
inicia sua batalha para mostrar que seus ideais estão corretos e
que eles permitem o acesso de todas as pessoas a Deus.

Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=PlP-Xt4LLNg

UNIDADE III A Reforma Protestante no Século XVI 77


UNIDADE IV
Religiões e Religiosidades no Brasil
Professora Me. Marcia Regina de Oliveira Lupion

Plano de Estudo:
• Conceito e Definição de religiosidade.
• Panorama das religiões e religiosidades no Brasil.
• Garantia do Estado brasileiro à pluralidade religiosa.

Objetivos de Aprendizagem:
• Compreender a diversidade, pluralidade e complexidade do campo religioso brasileiro.
• Problematizar a questão da intolerância religiosa no Brasil.
• Estabelecer a relevância da disciplina de Ensino Religioso para a promoção do respeito
à pluralidade religiosa.

78
INTRODUÇÃO

Olá!
Estamos chegando ao final do nosso curso introdutório à metodologia do Ensino
religioso.
Nessa última unidade o estudo recairá sobre a religião e as religiosidades praticadas
no Brasil, desde antes da chegada dos portugueses até os dias atuais.
Assim, nossa caminhada se iniciará com o estudo do conceito de religiosidade,
visto a partir da perspectiva da ideia de sagrado, já estudada na Unidade II. Afinal, estudar o
sagrado e suas manifestações nos dá uma dimensão mais precisa sobre como o fenômeno
religioso é visto e vivido pelos mais diferentes grupos.
Dada a diversidade de religiões e religiosidades presentes na sociedade brasileira,
no segundo tópico faremos um levantamento dos dados relativos a essas manifestações,
considerando os dados do censo demográfico do IGBE para o ano de 2010, quando a
instituição comparou o número de praticantes das mais diversas denominações para o ano
de 2010 com os números de praticantes do ano 2000. Por meio dessa visão panorâmica
teremos acesso à dimensão múltipla de nossa religiosidade.
No terceiro tópico você irá estudar alguns elementos da religiosidade indígena,
considerando dois momentos: um imediato à chegada dos europeus, no século XVI, e outro
mais atual, pertinente ao universo religioso e cosmogônico da Nação Kaingang.
No quarto tópico nossa discussão será realizada a partir do Relatório sobre
Intolerância e Violência Religiosa no Brasil (RIVIR), que é resultado da pesquisa realizada
por diversas pastas governamentais voltadas para a promoção dos Direitos Humanos na
sociedade Brasileira. Nesse tópico, ainda, serão vistos os porquês da escolha do dia 21 de
janeiro como a data em comemoração ao Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa
no país.
Com esses temas e conteúdos a pretensão é a de que você, estudante e futuro
professor(a) da disciplina de Ensino Religioso, tenha uma visão do atual campo religioso
brasileiro de forma problematizada. Isto é, que compreenda que na contemporaneidade
não só persistem os conflitos entre as diversas religiões presentes, como também perceba
que a disciplina, que ora finalizamos, pode ser um instrumento de promoção de respeito
entre as diversas manifestações do sagrado em nossa sociedade.
Vamos lá?

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 79


1 CONCEITO E DEFINIÇÃO DE RELIGIOSIDADE

Estudar as possíveis definições de religiosidade é objetivo desse tópico, cujo


conhecimento deve ser somado aos seus estudos acerca do conceito de religião, que vimos
anteriormente.
O conceito de religiosidade não é algo dado ou unívoco. O uso do termo tem
sido utilizado para designar a prática religiosa proposta por uma determinada religião e/
ou a vivência que um indivíduo ou grupo que, sem pertencer a religião institucionalizada
específica, acredita em manifestações da ordem do transcendental.
Além disso, em sua arquitetura, a religiosidade pode ser material e imaterial.
Enquanto sua materialidade se expressa por meio de objetos, como vestimentas, eucaristia,
cores, colares, cocares, queima de incensos, ou em locais, como igrejas e templos, a
imaterialidade deixa seus rastros na invisibilidade das crenças, orações e na simbologia
dos rituais.
Por isso, na atualidade o conceito de religiosidade expressa mais a relação que
um indivíduo ou um grupo mantém com o sagrado do que o pertencimento a uma religião
institucionalizada. O que nos leva a concordar com o sociólogo brasileiro, estudioso da
sociedade, José de Souza Martins (2014) quando afirma que o lugar social das crenças é o
da vida cotidiana e não as doutrinas ou a grandes estruturas religiosas (MARTINS, 2014).
Outro sentido para o termo religiosidade é dado pela historiadora Terezinha Oliveira,
que, na verdade, amplia ainda mais o proposto por Martins. Pois, para ela, a religiosidade

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 80


é algo compreendido a partir de vários expedientes, como “na forma de monumentos, na
forma de escritos, de sociedades ou comunidades” (OLIVEIRA, 2010, p. 09).
Nesse sentido, podemos compreender que o conceito de religiosidade está atrelado
a um conjunto de elementos composto por locais, objetos, rituais, práticas, dogmas, mitos
e crenças. Não existindo, entretanto, a necessidade de que todos esses elementos estejam
presentes em todas as manifestações para que a religiosidade se efetive.
Assim, é lícito usar o termo religiosidade também no plural quando se deseja
especificar uma dada forma de prática que envolva relações com o transcendental. É
correto falar em religiosidade católica, religiosidade espírita, religiosidade afro-brasileira,
religiosidade indígena, pois, ao definir os grupos de pertencimento, sinaliza-se a existência
de formas singulares de manifestar o sagrado para essas religiões ou povos.
Essa definição ampla e plural se dá porque espaços, objetos, grupos humanos, ritos,
vestes etc., manifestam a relação existente entre homens e mulheres e sua religiosidade,
ou seja, sua relação com o sagrado mais do que com uma religião. Afinal,

O sagrado pertence como uma propriedade estável ou efêmera a certas coi-


sas (os instrumentos do culto) a certos seres (o rei, o padre), a certos es-
paços (o templo, a igreja, os lugares régios), a certos tempos (o domingo,
o dia da Páscoa, o Natal, etc.). Nada há que não possa tornar-se sua sede
e revestir assim aos olhos do indivíduo ou da coletividade um prestígio sem
igual. Nada há, igualmente, que não possa tornar-se despossado dele. É uma
qualidade que as cosias não possuem em si mesmas: uma graça misteriosa
vem-se acrescentar a elas (CAILLOIS, 1988, p. 20).

Além do caráter sobrenatural e misterioso, o conceito de religiosidade também


serve como medida para verificar a forma como os indivíduos modernos têm vivenciado
sua relação como o sagrado.
Segundo Danièle Herviu-Léger (2015), o indivíduo moderno desenvolveu uma
identidade marcada pela autonomia, pois mais do que buscar sentido, o indivíduo moderno
cria seus próprios sentidos e símbolos. Do mundo racionalizado, originado da modernidade,
surge um indivíduo-sujeito “capaz de ‘fazer’ o mundo no qual ele vive e construir ele mesmo
as significações que dão sentido à sua própria existência” (HERVIEU-LÉGER, 2015, p. 32).
Será, portanto, esse indivíduo que busca formas de significar sua existência quem
irá significar também sua relação com o sagrado, não somente por meio de uma instituição,
e sim por uma forma própria e personalizada, construída por si próprio, de forma que
responda às suas inquietações existenciais.
Nesse sentido, o fenômeno religioso e a religiosidade, na atualidade, precisam
ser pensados considerando os pressupostos do mundo moderno e sua relação com a
cotidianidade, mais do que com as instituições.

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 81


2 RELIGIÕES E RELIGIOSIDADES NO BRASIL

Fonte: Angeleas (2018).

O Brasil é construído por diversos povos, etnias, culturas e histórias e mostra sua
diversidade em diferentes aspectos de sua cultura, como a culinária, a linguagem regional,
os sotaques, o modo de vestir, de cantar, de contar, de relação com o sagrado etc. Todos
esses aspectos, por sua vez, foram sendo construídos, transformados e traduzidos ao
longo de nossa história, de forma que não é possível pensá-la sem ter em mente essa
constituição multiétnica e multicultural.
Portanto, estudar as religiões e religiosidades no Brasil na atualidade consiste em
compreender que nossa organização social é plural em sua essência e em sua prática.
Tendo em vista essa premissa, neste tópico nosso foco será o estudo das religiões
e religiosidades cujas práticas ocorrem no Brasil, considerando os dados do IBGE para o
censo populacional por religiões, no qual foram comparados os dados dos anos 2000 e
2010. Iniciemos observando o gráfico e a tabela a seguir.

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 82


Figura 1 - Número de brasileiros por religião

Fonte: IBGE (2010) apud Ecco e Martins Filho (2017).

Quadro 1 - Campos que compuseram o censo populacional por religiões 2000-2010 pelo
IBGE

Católica Apostólica Ro- Evangélicas de Missão Evangélicas de Outras declara- Tradições indígenas
mana – outras origem pentecostal ções de religiosi-
– Igreja Maranata dades afro-brasi-
leira
Católica Romana Evangélicas de origem Evangélicas – ou- Judaica Outras religiosidades
pentecostal tras religiões evan-
gélicas
Católica Apostólica Bra- Evangélicas de origem Evangélica não Judaísmo Outras
sileira pentecostal – Igreja As- determinada
sembleia de Deus
Católica Ortodoxa Evangélicas de origem Evangélica tradi- Hinduísmo Sem religião
pentecostal – Igreja cional
Congregação Crista do
Brasil
Evangélicas Evangélicas de origem Outra cristã - Ou- Judaica ou Israe- Sem Religião – sem
pentecostal – Igreja o tras religiosidades lita religião
Brasil para Cristo cristãs tradicional

Evangélicas de Missão Evangélicas de origem Igreja de Jesus Religiões orien- Sem religião – Ateu
pentecostal – Igreja Cristo dos Santos tais
Evangelho Quadrangu- dos Últimos Dias
lar
Evangélicas de Missão Evangélicas de origem Evangélica Pente- Budismo Sem religião – Ag-
Adventistas do Sétimo Dia pentecostal – Igreja Uni- costal nóstico
versal Reino de Deus
Evangélicas de Missão Evangélicas de origem Cristã Reformada Islâmica Não determinada –
– Igreja Evangélica Lute- pentecostal – Evangelho não determinada múltiplo pertencimen-
rana Quadrangular to

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 83


Evangélicas de Missão Evangélicas de origem Neo-cristã Novas religiões Não determinada e
– Igreja Evangélica Pres- pentecostal – Igreja orientais múltiplo pertencimen-
biteriana Casa da Benção to – Religiosidade
não determinada ou
mal definida
Evangélicas de Missão – Evangélicas de origem Testemunhas de Novas religiões Não determinada e
Igreja Evangélica de Mis- pentecostal – Igreja Jeová orientais – Igreja múltiplo pertencimen-
são Luterana Deus é Amor Messiânica Mun- to – Declaração de
dial múltipla religiosidade
Evangélicas de Missão Evangélicas de origem Espiritualistas Novas religiões Não determinadas
– Igreja Evangélica Meto- pentecostal – Igreja orientais – Outras
dista Nova Vida novas religiões
orientais
Evangélicas de Missão – Evangélicas de origem Espírita Outras religiões Não sabe
Igreja Evangélica Batista pentecostal – Evangéli- orientais
ca renovada não deter-
minada
Evangélicas de Missão – Evangélicas de origem Umbanda e Can- Hinduísta Sem Declaração
Igreja Presbiteriana pentecostal – Comuni- domblé
dade Evangélica
Igreja Evangélica Congre- Evangélicas de origem Umbanda Islamismo Igreja Evangélica de
gacional pentecostal – Igreja Missão – Igreja Evan-
Evangélica Assembleia gélica Adventista
de Deus
Evangélicas de origem Candomblé Tradições esotéri-
pentecostal – outras cas
Fonte: IBGE (2019).

No levantamento feito pelo IBGE, que resultou no sintético Gráfico apresentado


(Figura 1), os dados relativos às religiões e práticas religiosas foram organizados
considerando quatro grandes grupos denominados: Católicos, Evangélicos, Sem religião
e Demais religiões. Contudo, esses grupos, por sua vez, são resultado da pesquisa de
campo que se baseou em 73 campos relativos às religiões e religiosidades existentes
no Brasil, como mostra o Quadro 1. Desses, constam também os declarantes que se
autodenominam: sem religião; sem religião – ateus; sem religião – agnósticos, e aqueles
que: não sabem e sem declaração.
Considerando a diversidade de campos sobre o qual o gráfico foi elaborado, é
lícito dizer que ele representa um quadro bastante limitado perante a riqueza de dados
presentes no levantamento no qual foram diagnosticados, pelo menos, 68 formas de religião
e religiosidades presentes no Brasil.
Da constatação dessa limitação, podemos inferir que um gráfico com essa
configuração é um elemento que não contribui para expandir os conhecimentos acerca
das religiões e religiosidades praticadas no país. Ao contrário, um gráfico elaborado sobre
a supressão, por exemplo, das Tradições indígenas, do Islamismo, do Judaísmo, da

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 84


Umbanda, do Candomblé e mesmo do Budismo foge à realidade que circunda o cidadão
brasileiro em seu cotidiano. Pois, ainda que o gráfico do IBGE não mencione uma miríade
de religiões e religiosidades, os brasileiros se defrontam com essa diversidade em sua rua,
bairro ou cidade, em sua própria família, como podemos observar nos exemplos a seguir,
que mostram exatamente espaços e ações presentes na realidade brasileira.

Figura 2 - Diversidade religiosa no espaço urbano das cidades brasileiras

Mesquita Brasil, na Avenida do Estado, cidade de Odu Irosun, Merindilogun, quatro búzios abertos,
São Paulo, Brasil Candomblé, Salvador, Bahia, Brasil
Fonte: Moraes (2007). Fonte: Toluaye (2008).

Sinagoga Kahal Zur Israel - Recife, Pernambuco, Molhe de Iemanjá na Praia do Canto, Vitória, ES
Brasil Fonte: Santo (2015).
Fonte: Abdias Junior (2013).

Templo Khadro Ling ( Budismo Tibetano), Três Coroas - RS, Brasil


Fonte: Hansen (2015).

Inclusive, a visitação aos edifícios e instalações religiosas tem sido uma das
atrações mais procuradas em viagens turísticas, quer seja por meio de guias ou em
viagens particulares. Além disso, os estudos acadêmicos sobre as religiões e religiosidades
brasileiras têm aumentado, sobremaneira a partir dos anos 1980, quando a História Cultural

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 85


se fortalece como campo historiográfico (HERMANN, 1997).
Ao contrário do gráfico, o quadro construído com os dados do IBGE (2019) nos
permite compreender a dimensão do sagrado para a população Brasileira. Historicamente
marcada pelo catolicismo, e tendo até certo momento ignorado a religiosidade praticada
pelos indígenas, a sociedade brasileira viu, principalmente a partir do século XIX e no início
do século XX, um aumento nas religiões afro-brasileiras, como o Candomblé e a Umbanda,
assim como das religiões pentecostais. Sendo que as últimas têm crescido ainda mais nas
últimas décadas do século XX.
De acordo com Somain (2012), em 2010, ano do último censo do IBGE, praticantes
das religiões Umbanda e Candomblé somavam 588.797 declarantes, números que
representam 0,31% do universo religioso brasileiro. Se comparado aos declarantes católicos
(123.280.172 declarantes ou 64,63%) ou evangélicos (42.275.440 declarantes ou 22,16%)
verifica-se que o número de praticantes da Umbanda e Candomblé é bastante restrito. O
que não impede que seus integrantes mantenham seus rituais, sua história e suas práticas.
Por exemplo, a Umbanda, religião que não foi contemplada no gráfico, nasceu no
Brasil e pode ser chamada de religião brasileira, pois, além de sua origem, ela

[...] é a resultante de um encontro histórico único, que só se deu no Brasil:


o encontro cultural de diversas crenças e tradições religiosas africanas com
a formas populares de catolicismo, mais o sincretismo hindu-cristão trazido
pelo espiritismo de origem kardecista europeia (GAARDER; HELLERN; NO-
TAKER, 2005, p. 319).

Não que a Umbanda negue que tenha sofrido influência africana, ela apenas prefere
ser identificada com características afro-brasileiras, mas, como dito anteriormente, com
raízes na cultura brasileira. Além disso, desde suas origens, a Umbanda abriu suas portas
para todos os brasileiros, não somente para os afro-brasileiros, tornando-se, desde seus
primórdios, numa religião “visivelmente multiétnica, com uma forte presença de brancos
em seus quadros, mesmo entre pais-de-santo” (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005,
p. 319).
Já o Candomblé se apresenta como uma religião de matriz africana.

O Candomblé é uma religião que se organiza a partir do culto aos Orixás, In-
quices e Voduns, divindades originárias do panteão africano, mas também in-
cluem as Entidades do universo mítico-religioso do Brasil, tais como Caboclos
e Marujos, considerados, por alguns, espíritos de antepassados e geralmente
subordinados àquelas outras divindades supracitadas. A divindade suprema
é Olorum, o criador do mundo que designou a criação e a sua manutenção às
divindades acima. Olorum não tem culto direto. Seu culto é feito através das
divindades que ordenam o mundo e a vida das pessoas (GÓIS, 2013, p. 323).

Os orixás são divindades que vieram da cultura africana e chegaram ao Brasil

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 86


juntamente como os escravos. Enquanto, na África, existem aproximadamente quatrocentos
orixás, no Brasil apenas vinte sobrevivem e são cultuados. Cabe aos orixás reger e controlar,
por meio de seus poderes singulares, as forças da natureza, assim como certos aspectos
da vida humana (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 314).
Além disso, cada orixá conta com diversos símbolos, como roupas, cores, contas,
objetos, adereços, batidas de atabaque, canções características, bebidas “e alimentos, sem
falar dos animais sacrificiais próprios de cada orixá” (GAARDER; HELLERN; NOTAKER,
2005, p. 314).
O espaço sagrado do Candomblé é o Terreiro. Sobre a constituição desse espaço,
Gois (2013, p. 329) explica que:

O Terreiro de Candomblé compreende toda a área ou terreno em que está


localizado o Barracão ou salão de festas, as casas ou quartos de Santo, a
cozinha, a camarinha e as áreas ao ar livre em que estão assentados os Ca-
boclos, Exus e os Santos que ficam no tempo, ou seja, na natureza. Todos os
Terreiros de Candomblé apresentam essa estrutura, diferenciando-se apenas
no tamanho e disposição desses espaços, conforme as condições financei-
ras do Zelador (a) e o tamanho do Terreno. A figura abaixo mostra a área
externa de um terreiro cujo terreno é de propriedade do Zelador e é também
seu local de moradia.

Relevante registrar que o Candomblé não se caracteriza por ser uma religião ética,
como o são as religiões de matriz cristã. Isso quer dizer que no Candomblé, por exemplo, não
existe a noção de pecado, como acreditam os cristãos. Como as divindades do Candomblé
são muitas, o que o caracteriza como uma religião politeísta,, torna-se impossível traçar
um código de conduta que possa ser aplicado a todos os indivíduos e muito menos a todos
os seres humanos “uma vez que (os orixás) são muitos e a distinção entre o bem e o mal
depende basicamente da relação entre cada seguidor e seu deus pessoal” (GAARDER;
HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 313).
Nesse sentido, o Candomblé apresenta uma forma particular de prática entre seus
seguidores, que agem de acordo com os tabus relativos ao seu orixá. Por meio do jogo de
búzios fica-se sabendo qual é o seu orixá e essa é uma premissa essencial para os devotos
e aspirantes a devoto. Após feito o reconhecimento da divindade que é o senhor de sua
“cabeça”, o devoto passa a agir conforme seu orixá, tanto suas qualidades quanto seus
defeitos (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, passim).
Outra religião que cresceu nos últimos anos foram as denominações evangélicas.
Termo polissêmico e certamente impreciso para definir as pentecostais, sobretudo quando
se observa no Quadro 1 que foram classificadas sobre essa denominação um total de 31
igrejas, num universo de 68 religiões e religiosidades presentes na listagem do IBGE.

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 87


Dada a expressividade desse número, é relevante que se destaque que, grande
parte das igrejas a que se atribui o conceito “Igrejas Evangélicas”, são as neopentecostais,
cuja trajetória vimos em unidade anterior. Assim, muito dessa diversidade se deve ao
movimento iniciado a partir dos anos 1960 e se intensificado nos anos 1980, quando o
movimento neopentecostal adentrou de forma expressiva no Brasil por meio da Igreja de
Nova Vida no Rio de Janeiro. Formadora e provedora dos quadros de lideranças das duas
maiores igrejas neopentecostais brasileiras, a Universal do Reino de Deus e a Internacional
da Graça de Deus, devemos a esse movimento primeiro da Nova Vida o surgimento dos
pastores Edir Macedo e R. R. Soares (MARIANO, 2005, p. 51)1.
Os dados do IBGE, portanto, remetem a inúmeras informações acerca das religiões
e religiosidades no Brasil, que merecem ser melhor estudadas. Não sendo possível neste
breve texto esgotar ou mesmo ampliar essa discussão, espero que você possa fazer suas
próprias pesquisas sobre o tema, que merece, sim, um trabalho de peso, pois envolve não
só a disciplina de Metodologia do Ensino Religioso mas, acima de tudo, a compreensão da
relevância que o respeito à diversidade religiosa precisa merecer na sociedade brasileira.

1 Para mais detalhes sobre a religiosidade neopentecostal ver a Unidade III desta apostila.

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 88


3 A RELIGIOSIDADE INDÍGENA

Fonte: Kuhnert (1903).

A título de exemplo, neste tópico a abordagem recairá sobre alguns aspectos


da religiosidade indígena, pois é possível verificar que um dos campos presentes no
levantamento feito pelo IBGE denomina-se Tradições indígenas. Nossa discussão
contemplará duas situações: a do encontro, quando da chegada dos europeus no século
XVI, e a da religiosidade, observada através do filtro do Ritual do Kiki, evento específico
dos povos Kaingang.
Iniciemos considerando o conceito de religiosidade indígena a partir do exposto
pelo integrante dos Terena, o indígena Lucio Paiva Flores, autor da obra Adoradores do Sol:
reflexões sobre a religiosidade indígena, publicado em 2003. Flores (2003, p. 14) explica
que:

A religiosidade indígena, portanto, não tem como ponto de partida a Bíblia, o


judeu ou Roma. [...] Gosta de contemplar a vida, saboreá-la, banhar-se nos
seus mistérios... Não é uma teologia sobre Deus, mas sobre o povo e seus
projetos de vida, onde Deus está radicalmente comprometido.

Flores (2003) informa que a religiosidade indígena prima pelo silêncio e pelo rito,
porque as palavras são incapazes de expressar todas as experiências de mergulho no
sagrado vivenciadas por aqueles povos, não havendo a sobrecarga de um olhar divino
punitivo, numa comparação com o universo cristão, marcado pela ideia de pecado e de
salvação.
Dessa comparação e numa referência ao encontro ocorrido com os europeus
cristãos, Flores (2003, p. 14) destaca que o perfil das comunidades indígenas no Brasil diz
respeito à própria vida do índio, em sua cotidianidade que é impregnada de religiosidade

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 89


tanto por meio de seus “cultos, cantos, danças, calendários sagrados, pajés, rituais e formas
próprias de adoração”.
Por suas particularidades, a religiosidade indígena foi organizada por Flores (2003)
em cinco pilares, sendo eles: O Grande Espírito; O ser humano; A morte e a alma; A
educação e a disciplina; O universo em equilíbrio e Deus em paz, que em maior ou menor
medida vão aparecer no universo dos povos que habitam o Brasil.
Por meio do conceito de religiosidade e dos cinco pilares, observa-se que Flores
(2003) fala de uma religiosidade na qual o indígena já está inserido na dinâmica do encontro
com o europeu cristão, afinal, alma, estudo e disciplina são elementos comuns à cultura
cristã. Esse encontro foi considerado, por estudiosos, como um momento em que a cultura
indígena traduziu, filtrou e ressignificou aspectos da sociedade exógena cristã, muitas
vezes incorporando elementos da segunda às suas práticas e representações do sagrado.
O que nos leva à primeira perspectiva acerca de alguns aspectos da religiosidade
indígena, que é exatamente pensar os povos indígenas e suas práticas culturais e religiosas
vividas anteriormente ao cristão europeu.
Segundo Ronaldo Vainfas (1995), quando os portugueses aportaram no Brasil em
1500 eles encontraram, além de uma natureza belíssima, também

[...] uma numerosa população indígena que se encontrava no litoral não fazia
muito tempo. Tinha se estabelecido ali, perto da praia, graças à destreza
de seus guerreiros e ao incentivo de certos homens. Homens considerados
especiais, que tinham o poder de conversar com os mortos, os espíritos dos
ancestrais. A esses homens chamavam de caraíbas (VAINFAS, 1995, p. 13).

Aos caraíbas, homens considerados como dotados de singular capacidade de


tratar com os espíritos e reconhecidos como portadores de mensagens divinas, cabia a
responsabilidade em manter viva essas crenças e o faziam peregrinando de aldeia em
aldeia durante o ano, mesmo entre tribos. A esses movimentos realizados pelos caraíbas e
a toda a festividade que envolvia sua chegada e permanência numa aldeia, os portugueses
denominaram de santidades (LUPION, 2016).
Ou seja, o português identifica a existência de uma certa religiosidade entre
os povos Tupinambá, que habitavam o litoral quando de sua chegada. A existência do
fenômeno marcado tanto pelas festividades (rituais) quanto pelo caraíba chamam de tal
forma a atenção dos lusitanos que eles foram capazes, inclusive, de batizar tais eventos
com o termo Santidades.
No entanto, após o contato, inicia-se o processo de tradução por parte das
populações ameríndias, que passam a incorporar elementos do universo, primeiro cristão
católico e posteriormente cristão protestante, ao seu próprio universo cosmogônico e

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 90


religioso. O processo de catequese e busca por conversão de ambas as instituições sobre
os povos indígenas é que irá levar a uma tradução e ressignificação da cultura religiosa
indígena que irá incorporar elementos cosmogônicos, ritualísticos e éticos e morais ao seu
cotidiano.
Como base nessas informações, ou seja, no fato de que os portugueses foram
capazes de diagnosticar a existência de uma religiosidade praticada pelos indígenas que
habitavam as terras em que recém haviam desembarcado, podemos seguir para o segundo
aspecto da cultura religiosa dos índios, considerando um ritual específico e praticado ainda
na atualidade, que é o Ritual do Kiki e sua relação com o universo cosmogônico e sagrado
da existência dos povos da Nação Kaingang.
Os Kaingang ocupam atualmente “pouco mais de trinta áreas reduzidas (...) com
uma população aproximada de 34 mil pessoas” (VEIGA, 2006). Sozinhos, os Kaingang
representam quase 50% da população falante da língua Jê no Brasil e

[...] ocuparam, historicamente, um vastíssimo território, não completamente


contíguo, mais ou menos correspondendo à expansão maior das florestas
de pinheirais (o que significa: vastas regiões do Paraná e Santa Catarina, a
região do sul-sudoeste paulista, o planalto riograndense e parte de Misiones,
na Argentina) (VEIGA, 2006).

Aspectos culturais desses povos podem ser observados a partir do Ritual do Kiki,
momento em que a população rememora seu mito cosmogônico, de forma a garantir a
ordem da sociedade e o contato com os elementos sagrados dessa relação.
Para a compreensão do Ritual do Kiki, portanto, é necessário conhecer o mito de
criação desse povo, que é contado através dos heróis ancestrais Kamé e Kairu. De acordo
com a cosmogonia Kaingang, Kamé e Kairu teriam sido os primeiros indivíduos a saírem
da Terra, cada um tendo trazido consigo um número de integrantes e dado origem à Nação
Kaingang. Por esse motivo, os Kaingang costumam dividir os membros de sua Nação em
Kamé e Kairu, como uma forma de manter a organização de sua sociedade, ou seja, da
unidade e a harmonia cosmogônica de seu povo (VEIGA, 2006).

O aspecto fundamental da organização social dos Kaingang é a divisão nas


metades exogâmicas, Kamé e Kairu, que se opõem e se complementam [...].
As metades Kaingang não são espacialmente localizadas, isto é, não impli-
cam em “posições” definidas da moradia no espaço geográfico da aldeia.
[...] Embora os Kaingang estabeleçam uma relação entre as metades KAMÉ
e KAIRU e com os pontos cardeais (Oeste e Leste respectivamente), essa
relação não transparece nas ações cotidianas, mas apenas na cerimônia do
Kiki e nos enterramentos [...]. Os KAMÉ estão relacionados ao Oeste e à
pintura facial com motivos compridos (râ téi), e os KAIRU relacionados ao
Leste e à pintura facial com motivos redondos (râ ror) (VEIGA, 2006, grifos
no original).

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 91


A divisão entre as metades estabelece, ainda, que as uniões se dêem entre metades
opostas, sendo que os filhos herdam a metade do pai, isto é, filhos kamé são sempre
kamé, e de kairu, sempre kairu. Com relação ao Ritual do Kiki, cerimonial cujas origens
remontam a um acontecimento ocorrido entre dois membros da Nação Kaingang, que,
após uma guerra com não-índios, se perderam na mata e um deles, de descendência kairu,
foi devorado pela serpente que voa. Jurando vingança, o membro kamé mata a serpente
e leva os restos mortais do amigo para aldeia e lá realiza um ritual a base do kiki, isto é,
de uma bebida alcoólica feita à base do pinhão. Esse ritual passou a ser conhecido como
Ritual do Kiki (SILVA, 2011).
O Ritual do Kiki e os enterramentos costumam ser os únicos momentos em que
os membros de ambas as metades utilizam a pintura corporal com seu formato e cores
distintos, como mostra o Quadro 2.

Quadro 2 - Cosmologia Kaingang

COSMOGONIA KAINGANG
Gêmeos civilizadores
Kamé Kairu
Oeste Leste

Cor Preta Cor vermelha

Lideram as cerimônias ligadas aos mortos Lideram as questões ligadas às guerras e


e ao Ritual do Kiki política
Fonte: a autora.

Dessas informações podemos concluir que a cosmogonia dos Kaingang remete


a uma organização social, que pode ser compreendida também como evento de ordem
religiosa, pois envolve tanto o mito da fundação da nação quanto sua manutenção por
meio da observância das polaridades kamé e kairu, que, contraditoriamente, também são
complementares. O Ritual do Kiki é o momento em que a busca de manutenção cosmogônica
se mostra em todos os seus aspectos, quando as metades clânicas “vestem” suas formas
e cores.
São singularidades, como as aqui apresentadas, que levam o IBGE a utilizar o
conceito de Tradições indígenas no plural, como campo de sua pesquisa, pois o universo
desses povos é culturalmente múltiplo e altamente singularizado. Além disso, da mesma
forma que foram influenciados, os índios no Brasil também influenciaram o universo do
não-índio com figuras como o pajé, o xamã, a divindade Tupã ou com a bebida feita a base
de plantas, conhecidas como jurema, cuja característica é auxiliar na indução ao transe,

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 92


dentre outras trocas realizadas com os não-índios.
Por outro lado, é interessante observar que a religiosidade indígena, representada
pelo termo “Tradições indígenas” encontra seu espaço no levantamento do Instituto. Fato
que demonstra que a ideia de religião não está mais atrelada a uma instituição, e sim a uma
prática cultural inscrita nas noções de sagrado, como temos visto nesta apostila.

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 93


4 GARANTIA DO ESTADO BRASILEIRO À PLURALIDADE RELIGIOSA

Fonte: ONU (2017).

O quarto tópico dessa unidade traz uma discussão vinculada aos atos de violência
e intolerância religiosa praticados em nossa sociedade e que tem sido alvo de estratégias
por parte do governo no sentido de coibi-las, sobretudo, por meio de documentos e
relatórios pertinentes ao tema. Esse debate será realizado considerando artigos presentes
na Constituição Brasileira de 1988 e no Relatório sobre a violência e intolerância no Brasil
(RIVIR) publicado no ano de 2016 pelo governo federal.
Em 15 de novembro de 1889, o Brasil tornou-se um Estado laico, de forma que em
nossa sociedade inexiste uma religião oficial. Ainda que nossa história remeta a um vínculo
acentuado entre a Igreja Católica e o governo, com o advento da República, o Estado passou
a reconhecer a igualdade e a liberdade de culto para as demais religiões aqui estabelecidas,
cujas atividades, quando comparadas ao catolicismo, eram sistematicamente limitadas.
Não foi um processo rápido e isento de conflitos, mas os pouco mais de cem anos que
nos separam do evento republicano fortaleceram a existência de diferentes manifestações
religiosas, não excluindo a intolerância.
A existência de organismos e de artigos presentes na própria Constituição voltados
para a proteção do direito à liberdade de culto denuncia que, embora o Estado seja laico,
ainda existem práticas de violência e intolerância religiosa, inclusive com atentados à vida
de cidadãos e cidadãs, que precisam ser conhecidos para que estratégias e diretrizes sejam
criadas de forma a inibir ou mesmo punir tais ações (BRASIL, 2016).
A tentativa e posicionamento do Estado em fortalecer a tolerância religiosa presente
na Constituição Federal, por exemplo, pode ser verificada através do Artigo 5º e dos incisos
VI, VII e VIII:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ga-
rantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabili-

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 94


dade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas
entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obriga-
ção legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada
em lei (BRASIL, 1988).

Vistos como iguais perante a lei, todos os cidadãos e cidadãs brasileiros carregam
consigo o direito de expressar sua religiosidade, tendo inclusive garantida a liberdade e
proteção de seu culto e locais sagrados, algo que havia sido suprimido dos protestantes,
por exemplo, durante o Império do Brasil.
Entretanto, embora a Carta Magna seja explícita em relação à liberdade religiosa
no país, a publicação, no ano de 2016, do RIVIR mostra que, na prática, alguns cidadãos
e cidadãs têm fomentado o inverso do proposto do documento. Com o RIVIR, o governo
federal pretendeu identificar a presença de atos de violência e intolerância religiosa na sociedade
brasileira e, com essas informações, estabelecer diretrizes e estratégias para a promoção do
respeito à diversidade religiosa (BRASIL, 2016).
A citação a seguir sintetiza a premissa sobre a qual o Relatório foi criado:

Asseguradas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e pela


Constituição Federal (BRASIL, 1988), temos as liberdades de expressão e de
culto, onde a religião e a crença dos cidadãos não devem constituir barreiras
a fraternais e melhores relações humanas. Portanto, as pessoas devem ser
respeitadas e tratadas de maneira igual perante a lei, independente da orien-
tação religiosa (BRASIL, 2016, p. 8).

Pela citação é possível observar que não só o proposto no RIVIR, mas também
na Constituição remetem a um documento de origem internacional, que é a Declaração
Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Publicada em 1948, a DUDH representa o intento
da sociedade ocidental em inibir acontecimentos como os ocorridos durante a Segunda
Grande Guerra, quando populações inteiras foram mortas e pessoas violentadas em seus
corpos, mentes, cultura, sexualidade e religião.
Na obra publicada em 2009, intitulada A invenção dos Direitos Humanos, uma
história, a historiadora Lynn Hunt convida o leitor a buscar os parâmetros sobre os quais
a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi escrita, considerando tanto elementos
de ordem histórica quanto culturais. Nessa busca pela história da escrita da Carta Magna,
Hunt viaja até o ano de 1776, quando Thomas Jefferson resenhou aquela que viria a ser
a Declaração de Independência norte americana; passa pela Revolução Francesa e a

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 95


escritura da Declaração Universal do Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e, por
fim, discorre sobre a lacuna entre essa documentação primária, a Segunda Guerra e a
Declaração Universal de 1948.
Hodiernamente observa-se que a Declaração Universal, sob tutela da Organização
das Nações Unidas, vai se desdobrando e se especializando em diferentes grupos de direitos,
buscando encontrar formas de proteção dos direitos universais em nível internacional (ONU,
1948). Foram então elaborados convenções e pactos, hoje apresentados como documentos
internacionais fundamentais na proteção dos direitos humanos para todas e todos, sendo
considerados instrumentos fundamentais de defesa dos direitos humanos.
O Brasil, como membro da ONU, está ciente dessa documentação e tem, como
visto anteriormente, buscado amparo da Declaração para fundamentar ações de coibição
da violência contra o ser humano e sua religiosidade, parâmetro para ações em nível
internacional e nacional.

4.1 Os Dados do RIVIR


Imbuído das prerrogativas citadas, o RIVIR levantou dados acerca de casos de
violência religiosa em três veículos sendo eles (BRASIL, 2016):
• Relatos de imprensa escrita.
• Denúncias em ouvidorias.
• Casos que chegaram ao judiciário.

Dessa pesquisa constatou-se, por exemplo, que é possível classificar a intolerância


religiosa em oito tipologias, considerando os dados obtidos pela imprensa escrita, sendo
elas:

1) Agressões físicas;
2) Ataques a imóveis e/ou de objetos simbólico-sagrados;
3) Nas Mídias e Redes Sociais;
4) No Cotidiano;
5) Racismo;
6) Nas Escolas;
7) Conflitos no ambiente de trabalho;
8) Questões fundiárias, terra e propriedade;
9) Laicidade, ateísmo (BRASIL, 2016, p. 37).

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 96


As práticas da intolerância religiosa foram descritas em oito grupos: institucional,
moral, física, relativas a atos, patrimonial e psicológica. Já os danos oriundos da violência
religiosa foram organizados em três categorias: físico, material e psicológico.
Um outro ponto que perpassa a pesquisa nos três veículos é relativo ao local onde
ocorreram os atos de violência. As ações de intolerância ocorreram na rua, em prédios
públicos, durante a realização de provas e concursos, no trabalho, na internet, na mídia, na
escola e nos próprios domicílios das vítimas, por exemplo.
O que nos leva ao fato de que a violência por intolerância religiosa ocorre entre
pessoas desconhecidas sim, mas também entre cônjuges, vizinhos, familiares, professores,
gestores, por meio da mídia e de professores. E que, em sua maioria, quanto ao gênero
da maior parte das vítimas, quando informado, é feminino; e que a cor predominante dos
agressores, quando informada, é preta. Já os dados do agressor revelam que são homens,
brancos e adultos. Lembrando sempre que na maioria dos casos nem sempre foi possível
identificar gênero, cor ou faixa etária dos agressores (BRASIL, 2016).
O RIVIR trouxe, além dos poucos dados descritos, a informação de que o brasileiro
não deve naturalizar a violência e a intolerância religiosa, como demonstra a conclusão
com base no levantamento realizado junto às ouvidorias:

A pesquisa com as ouvidorias demonstrou como ainda é difícil uma aproxi-


mação das religiões até as instituições e, talvez, por isso, não haja dados ou
poucas informações sobre questões envolvendo a temática da intolerância
religiosa. Diversos órgãos tiveram dificuldade em compreender a proposta
da pesquisa e acabavam por indicar lideranças, entidades ou movimentos
sociais, pois acreditavam que eles teriam mais informações, o que de fato é
verdade e corrobora a tese do distanciamento, o que poderia ser mudado tal-
vez com políticas educativas, capacitação de servidores e com o empodera-
mento dos religiosos na busca por direitos, não silenciando ou naturalizando
as violências vivenciadas, muitas vezes simbolicamente veladas (BRASIL,
2016, p. 72).

Ou seja, o RIVIR iluminou o retrato da violência ligada ao universo da intolerância


religiosa no país. Uma violência que, segundo o próprio Relatório, é histórica em nossa
sociedade (BRASIL, 2016), mas que precisa ser conhecida para que se possam criar ações
no sentido de instrumentalizar a população e o Estado no enfrentamento a essas situações.

4.2 21 de Janeiro - Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa


O dia 21 de janeiro foi instituído pelo governo federal, desde 2007, como o Dia
Nacional do Combate à Intolerância Religiosa. Essa data foi escolhida em reconhecimento
à violência ocorrida em dois eventos envolvendo praticantes da igreja neopentecostal.
O primeiro deles, ocorrido em 1995, refere-se ao episódio que ficou conhecido

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 97


como o “Chute na Santa”, quando um bispo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURDI),
apareceu em rede de TV chutando a imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira de
católicos e querida por praticantes de outras religiões.
O segundo episódio, também envolve praticantes do neopentecostalismo e resultou,
segundo a família da vítima, na morte da Mãe Gilda, Mãe de Santo, cuja imagem foi utilizada
em uma publicação da IURDI, na qual Mãe Gilda foi identificada como representação do
charlatanismo por parte da Igreja Neopentecostal Deus é Amor. Além disso, o terreiro de
Mãe Gilda foi invadido por membros da Igreja que tentaram “exorcizá-la”. Logo após os
episódios, Mãe Gilda veio a falecer. Estava com 65 anos e a justiça condenou a Igreja
neopentecostal Deus é Amor a pagar indenização aos familiares da vítima pela exposição
de sua imagem sem autorização (BRASIL, 2016).
Sete anos após o ocorrido com Mãe Gilda e 12 após o episódio do “Chute na Santa”,
o governo estabeleceu o dia 21 de janeiro como o Dia Nacional do Combate à Intolerância
Religiosa em nosso país. Uma declaração explícita tanto da laicidade do Estado quanto
do respeito e tolerância às diversas manifestações religiosas existentes na sociedade
brasileira.

SAIBA MAIS
Você sabia que o Tribunal da Inquisição esteve presente no Brasil? Um exemplo dessa
presença é dado pela ação dessa instituição sobre um movimento religioso que ficou co-
nhecido como a Santidade de Jaguaripe. Essa Santidade ocorreu provavelmente entre
os anos de 1580 e 1585, no Recôncavo Baiano, e as evidências sobre esse fenômeno
são parte de um processo promovido pela Santa Inquisição por ocasião de sua primeira
visita ao Brasil, em 1590, não havendo informações precisas sobre a data exata de sua
ocorrência. Faziam parte da Santidade de Jaguaripe índios tupinambás, geralmente
egressos de fazendas ou reduções jesuítas, ou seja, índios que já haviam sofrido o
processo de infiltração da cultura cristã católica em seu universo cosmológico. Além dos
índios, a santidade também acolhia negros fugitivos de fazendas de cana-de-açúcar e
mamelucos, homens que “desde o nascimento eram cultural e religiosamente híbridos”
(VAINFAS, 2005, p. 181), dominavam tanto a língua geral como o português e, por isso,
sabiam sempre a que melhor se adaptava aos seus interesses. Reprimida, a Santidade
deixou de existir, sendo que seu líder, o caraíba Antônio Tamandaré, homem que já ha-
via passado pelos conhecimentos jesuítas, perdeu-se na mata de forma que dele não
se tem notícia.

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 98


REFLITA
A violência e a intolerância religiosa são realidades presentes e cotidianas em nossa
sociedade. Leia, pesquise e reflita sobre as questões propostas pelo próprio Relatório
sobre essa violência:
Importa ainda fazer alguns questionamentos: Por que as vítimas não regis-
tram denúncias? Não procuram a justiça? Por que poucas matérias são vei-
culadas? Seria por conta da estrutura de atendimento precária, por medo
ou por considerar que não há efeitos no combate à intolerância? (BRASIL,
2016, p. 99).

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 99


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao final não só de uma unidade, mas também da própria apostila de


Metodologia do Ensino Religioso.
Espero que você, aluno(a), tenha reconhecido traços de nosso estudo sobre as
religiões e religiosidades no Brasil por meio da leitura aqui presente, cujo privilégio foi
não só estudar essas temáticas, mas os conflitos oriundos do universo religioso da nossa
sociedade.
Para tanto, iniciamos tateando em busca de uma definição para o conceito de
religiosidade para, em seguida, conhecer aspectos das religiões existentes atualmente no
Brasil, por meio de dados do IBGE.
Na sequência, você pode analisar, em perspectiva micro, as religiosidades indígenas
e sua sacralidade particular, marcada pela ação e reação frente à sociedade de não-índios
e cristãos.
Por fim, documentos oficiais elaborados pelo governo federal nos permitiram um
panorama acerca da forma como a violência e a intolerância religiosa têm sido tratadas.
Ou seja, como o Estado está mapeando os casos de forma a poder criar mecanismos para
coibir essas ações.
E, nessa cadência, encontra-se um dos aspectos mais relevantes da prática da
disciplina de Ensino Religioso nas escolas, que é fomentar a tolerância e o respeito às
crenças do outro. Assim, cabe a essa disciplina levar os estudantes a compreender que
vivemos num país multicultural e multiétnico e que o respeito a essa diversidade deve ser
a tônica nos relacionamentos.
Desejo, por fim, que busque ampliar os estudos nessa direção, de forma que
construam um arcabouço teórico, histórico e metodológico que favoreça a disciplina e
permita a essa prática promover a tolerância entre os diferentes, não com base numa
violência contida, e sim num respeito compreendido.

Bons estudos sempre!!!

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 100


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Tolerância e intolerância nas manifestações religiosas.
Autor: Ivan A. Manoel e Solange Ramos Andrade
Editora: UNESP
Sinopse: “Segundo Encontro Nacional do GT História das
Religiões e das Religiosidades”, realizado na FHDSS / UNESP –
Franca, 13 a 16 de outubro de 2008, dedicado à discussão do
tema da tolerância e da intolerância nas manifestações religiosas,
abrangendo, em suas palestras e conferências, mesas-redondas
e simpósios, contribuições de alguns dos mais importantes
pesquisadores que se debruçam sobre o tema nas mais diversas
áreas de intersecção das religiões com as esferas científicas,
literárias, artísticas, jurídicas e pedagógicas desenvolvidas ao
longo do tempo histórico.

LIVRO
Título: Relatório de Intolerância e Violência Religiosa - RIVIR
(2011-2015)
Autor: Brasil. Ministério da Mulher, da Igualdade Racial, do Jovem
e dos Direitos Humanos.
Editora: Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos.
Sinopse: O presente Relatório sobre Intolerância e Violência
Religiosa (RIVIR) reúne dados de abrangência nacional, cobrindo
o período de 2011 a 2015, que foram preparados por uma equipe
de pesquisadores que atuaram no âmbito da Secretaria Especial de
Direitos Humanos, de dezembro de 2015 a maio de 2016, dentro de
projeto desenvolvido em parceria com a Organização dos Estados
Ibero-americanos (OEI) e tendo apoio da Escola Superior de
Teologia (EST). Esta iniciativa se insere num contexto mais amplo
de esforços do governo federal no sentido de melhor identificar a
presença de atos de violência e intolerância religiosa na sociedade
brasileira, para diante destas informações estabelecerem diretrizes
e estratégias mais adequadas para a promoção do respeito à
diversidade religiosa.

Disponível em:
https://www.mdh.gov.br/informacao-ao-cidadao/participacao-
social/cnrdr/pdfs/relatorio-de-intolerancia-e-violencia-religiosa-
rivir-2015/view

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 101


FILME/VÍDEO
Título: Documentário: Candomblé – Espaço Sagrado
Ano: 1975
Sinopse: O filme documenta o espaço sagrado de um candomblé
típico do Recôncavo Baiano em meados dos anos 1970, com
suas diferentes origens e sincretismos entre etnias africanas e
indígenas; a casa de Exu e a comida sagrada, a camarinha, as
ervas para fins rituais e os presentes para Iemanjá. Documentário
produzido pelo cineasta Geraldo Sarno.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dFDe0csprT8

WEB: NER – Núcleo de Estudos da Religião - UFRGS


Em 2013, ocorreu, na Bahia, uma mostra de “filmes brasileiros em
diálogo com as religiões afro-brasileiras e de matriz africana”. A
página sugerida traz uma sinopse sugestiva desses filmes.

Disponível em:
http://www.ufrgs.br/ner/index.php/estante/arquivo-a-campo/63-
documentarios-sobre-religioes-afro-brasileiras

UNIDADE IV Religiões e Religiosidades no Brasil 102


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CONCLUSÃO

Caríssima aluna e caríssimo aluno,

Esta apostila objetivou introduzir a uma discussão envolvendo os fundamentos dos

estudos em Religiões e Religiosidades de forma que seu conteúdo contribuísse com a

disciplina de Ensino Religioso, que é parte da grade curricular das escolas brasileiras.

Nesse sentido, busquei elaborar uma narrativa na qual a reflexão científica sobre

o fenômeno religioso fosse complementada por exemplos acerca do sagrado em nossa

sociedade. Assim, vimos que uma vivência religiosa não pressupõe apenas a participação

em uma igreja institucionalizada e sim, uma prática envolvida com a ideia de sagrado.

Vimos também que o fenômeno religioso é de relevância extrema em nossa

sociedade de forma que sua existência e direito de manifestação é garantida desde de que

nosso país tornou-se um governo laico, o que foi reforçado pela Carta Magna de 1988.

Mas, vimos também que a intolerância religiosa é uma realidade presente no Brasil

com ações envolvendo violência física e psicológica cujo teor de gravidade foi medido pelo

Relatório de Intolerância e Violência Religiosa – RIVIR.

Diante desse quadro, é salutar que o compromisso da disciplina de Ensino Religioso

pois, ao abordar o fenômeno religioso a partir da perspectiva do respeito ao outro e, portanto,

à religiosidade alheia, a disciplina pode contribuir para fomentar a tolerância religiosa em

nossa sociedade!

Muito Obrigada a todos e todas por terem me acompanhado até aqui!

Até uma próxima oportunidade.

Marcia Regina de Oliveira Lupion

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