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REPÚBLICA DE ANGOLA
UNIVERSIDADE LUSÍADA DE ANGOLA
FACULDADE DE DIREITO E DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

LIÇÕES DE INTRODUÇÃO AO
ESTUDO DO DIREITO

Obs:
1.Os textos em apreço, não visam afastar os manuais
obrigatórios, pois estes servirão, meramente, como apoio
daqueles.
2.Sendo textos provisórios e em evolução a
susceptibilidade de existir erros é manifesta, destarte os
estudantes deverão imediatamente comunicar o docente da
Cadeira sobre a ocorrência de tais factos.

O Professor (Assistente): Kapinãla; Mestre e Licenciado em Direito


2

PARTE I

CAPÍTULO I – PRELIMINARES

1.Advertência metodológica

O Direito que se avista aos estudantes, neste particular, além de exigir renovados
métodos de aprendizado, encontra-se robustecido por princípios e normas, que tutelam
os direitos da pessoa humana num sentido plural, impõem a ética nas relações, dão
prevalência ao social e atribuem ao Poder Judicial um papel activo na busca de soluções
equilibradas. Em sua constante mutação, a fim de acompanhar a marcha da história e
conectar-se aos avanços da ciência, o Direito pátrio, entretanto, por vários de seus
institutos, requer adequação à modernidade, desafiando, além da classe política e, em
primeiro plano, a comunidade de juristas - a quem compete presentear ao legislador os
paradigmas opcionais de leis. Pois, entendemos ser este, o quadro que se apresenta aos
iniciantes na aprendizagem da Ciência do Direito 1.
Sublinha-se que “os alunos chegam à Universidade vindos do Ensino
secundário, onde lhes é dada uma preparação de ordem geral, que só por si não lhes
permite, naturalmente, compreender o que no Direito há de específico. E, é com o
Direito que eles vão agora lidar. Precisam de penetrar nos seus segredos e no seu
espirito, mas a transição tem de fazer-se de forma gradual, para que não seja muito
brusca e perturbadora” 2.

Por essa razão, o ensino do Direito pressupõe a organização de uma disciplina de


base, introdutória à matéria, a quem cumpre definir o objeto de estudo, indicar os
limites da área de conhecimento, apresentar as características da ciência, seus
fundamentos, valores e princípios cardiais 3.

1
Paulo Nader, Introdução ao Estudo do Direito, 36.ª Edição, Editora Forense, Rio de Janeiro ,
2014, pp. 34 ss.
2
“Trata-se de uma introdução ao Estudo do Direito em geral, introdução que é preparação, e não
de modo algum, antecipação”. Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, Volume I, 11.ª
Edição Coimbra Editora, Coimbra (reimpressão), 2014, págs. 11 ss.
3
Paulo Nader, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit.,pp. 34 ss.
3

2.Objecto e fim da Introdução ao Estudo do Direito 4

A disciplina, Introdução ao Estudo do Direito visa proporcionar ao estudante do


primeiro ano do curso de Direito – ou, em situações de igualdade de circunstâncias -
uma visão global do Direito, que não pode ser obtida através do estudo separado dos
diferentes ramos do eixo jurídico. A Introdução ao Estudo do Direito é matéria de
iniciação, que fornece ao estudante as noções fundamentais para a compreensão do
fenómeno jurídico. Apesar de se referir a conceitos científicos, a Introdução não é, em
si, uma ciência, mas um sistema de ideias gerais estruturado para atender a finalidades
pedagógicas. Considerando a sua condição de matéria do curso jurídico, deve ser
entendida como disciplina autônoma, pois desempenha função exclusiva, que não se
confunde com a de qualquer outra 5.
As investigações de caráter geral, comuns às diversas áreas, são abordadas e
analisadas nesta disciplina. Os conceitos gerais, como o de Direito, facto jurídico,
relação jurídica, lei, justiça, segurança jurídica, por serem aplicáveis a todos os ramos
do Direito, fazem parte do objecto de estudo da Introdução 6.
A técnica jurídica, vista em seus aspectos mais gerais, é também uma de suas
unidades de estudo. Para proporcionar a visão global do Direito, a Introdução examina o
objecto de estudo dos principais ramos, levando os alunos a se familiarizarem com a
linguagem jurídica. O estudo que desenvolve não versa sobre o teor das normas
jurídicas; não se ocupa em definir o que se acha conforme ou não à lei, pois é disciplina
de natureza epistemológica, que expressa uma teoria da ciência jurídica. Concluindo,
podemos verbalizar que ela possui um triple objeto:
“a) os conceitos gerais do Direito;

4
Entre nós não é habitual fazer-se uma abordagem histórica sobre a inserção da disciplina em
apreço, na realidade portuguesa por exemplo, a disciplina de Introdução ao Estudo de Direito teve como
antecedente directo uma outra disciplina denominada “Princípios Fundamentais de Direito Civil”(… )
sobre essa matéria, por todos vide Nuno Sá Gomes, Introdução ao Estudo de Direito, JVS, Lisboa, 2001,
pp. 13 ss.
5
“Sob este enfoque Luiz Luisi reconhece a autonomia, que “deriva de seu fim específico: reduzir
o Direito a unidade sistemática”.Se tomarmos, porém, a palavra disciplina no sentido de ciência jurídica
devemos afirmar que a Introdução ao Estudo do Direito não possui autonomia; ela não cria o saber,
apenas recolhe das disciplinas jurídicas as informações necessárias para compor o quadro de
conhecimentos a ser apresentado aos acadêmicos”. Paulo Nader, Introdução ao Estudo do Direito, op.
cit.,p. 35.
6
Paulo Nader, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit.,pp. 36 ss.
4

b) a visão de conjunto do Direito;


c) os lineamentos da técnica jurídica” 7.

CAPÍTULO II – NOÇÃO DE DIREITO

3.Sociedade e Direito

3.1. Homem e Sociedade

Na esteira da doutrina, maioritária,8 o homem é um ser vocacionado a viver em


sociedade; ser gregário, por natureza, constitui característica estrutural de qualquer ser
humano, nesta perspectiva, nenhum homem pode viver separado dos outros, a não ser
que seja estranho a pessoa humana, isto é, um ser divino ou outra espécie distinta.

A posição em enunciação, apesar da dogmática que encerra, tem sido


confrontada com uma (outra) corrente doutrinária, minoritária, cujo sustentáculo reside
na asserção segundo a qual, o estado de natureza precedeu ao estado de sociedade.

Nos termos desta última, estado de natureza, é racionável que em determinado


momento, histórico, o homem tenha tomado a decisão de integrar-se num grupo social
(contrato social) com finalidade de suprir as suas necessidades colectivas. Segundo
AMARAL, “há sempre, antes de cada contrato social, um momento de “estado de
natureza”, em que todos se sentem livres de seguir este ou aquele caminho, de fundar ou
não um novo Estado (…); se estas opções existem, e são feitas voluntariamente em
certos momentos, então, é porque no momento anterior os homens têm a plena liberdade
de as fazer ou não, de fazer umas ou outras; se o Estado tem por fonte um contrato
social, e se este só pode celebrar-se em estado de natureza, então, o primeiro estado de
sociedade foi necessariamente precedido de um estado de natureza” 9. Mas esta locução,
posta nestes termos, tem merecido severas criticas por parte da esmagadora maioria da
doutrina, que no quadro da sua perpectiva mais radical a considera “mera ficção” 10.
7
“Os conceitos específicos, como o de crime, mar territorial, hipoteca, desapropriação, aviso
prévio, fogem à finalidade da disciplina, porque são particulares de determinados ramos, em cujas
disciplinas deverão ser estudados”. Idem, p.37.
8
Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 32 ss;
9
“Tanto quanto se pode afirmar que só no estado de solteiro se pode celebrar o primeiro
casamento (...)”. In História das Ideias Políticas, Volume I, Almedina, Coimbra 2008, pp. 351 ss.
10
“Não passam de mera ficção as doutrinas correntes nos seculos XVII a XIX de que o homem
começou por viver isolado num estado de natureza que teria precedido o estado social (…).A. Santos
5

Quanto a nós, as opiniões que colocam em causa a doutrina, minoritária, em


análise, não se afiguram de todo correcta porquanto não clarificam, pelo menos de
forma consistente, os fundamentos pelos quais a teoria do estado de natureza deve ser
abandonada.

Ora vejamos, afirmar que o homem é um ser eminentemente social, aplaudindo,


sem reserva, os ensinamentos de Aristóteles ou de Santo Tomás de Aquino, sobre tal
matéria, com fundamento de que nenhum ser humano pode dissociar-se do estado social
e fazendo fé que o exemplo de Robinson, assente em viver isolado numa uma ilha, é
uma mera ficção e, por isso, deve cair por terra; parece haver, a partida, , da parte de
quem assim se proceda algum desprezo, da ratio argumentativa de Tomas Hobbes,
11
John Lock e Jean Jack Rousseau , quanto a essência da natureza humana na
concepção do contrato social. Pois, é de todo necessário clarificar que HOBBES, a título
meramente exemplificativo, ao avocar a figura do “estado de natureza” não pretendeu,
ab initio, negar, integralmente, a tese de Aristóteles, a demais, aquele a reconhecia e
valorizava-a. Contudo, a noção de “estado de natureza” serve, no essencial, para
evidenciar os perigos da anarquia e da guerra civil, que constituem factores susceptíveis
de regredirem o “contrato social” a um Estado sem regras e totalmente selvagem, isto é,
ao “estado da natureza”.

Portanto, em nossa opinião, a contenda assente em aferir a precedência do


“estado de sociedade” ao “estado de natureza” deverá ser pacífica e coerente, a tal ponto
que se deve respeitar os pontos de vista – pois, as opiniões académicas terão, amiúde,
méritos e deméritos, mas serão sempre opiniões. Destarte, não podemos alinhar com A.
12
Santos Justos , ao caracterizar o estado de natureza como uma mera ficção, pois,
quanto nós, trata-se de uma opinião académica criticável que, certamente, encerra
mérito e demérito dependendo do ponto de vista em que partir a análise da questão em
contenda. Assim, só deste ponto de vista faz sentido admitir que o homem está sujeito
as leis naturais ou físicas e as leis culturais ou sociais. Por isso, parece-nos, é pacífico
aceiatar que o homem pertence a dois mundos, nomeadamente: ao mundo natural -
constituído por seres animais, vegetais e minerais; e ao mundo cultural - construído pela
inteligência e trabalho, pelos seres humanos e bens que produzem para viverem e
Justo, Introdução ao Estudo do Direito, 6.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, p. 16.
11
Sobre a corrente iluminista, vide; Diogo Freitas do Amaral, História das Ideias Políticas,
Volume II, op. cit. pp. 13 ss.

12
In Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. p.15.
6

13
obterem melhores condições de vida . Deste modo, podemos admitir que o mundo
natural corresponde ao estado da natureza e o mundo cultural corresponde ao estado de
sociedade.

Dito isto, conclui-se que a existência e a essencialidade da sociedade, Estado,


reveste uma importância estrutural; pois trata-se de uma instituição complexa nas suas
várias perspectivas cuja relação estreita com o Direito, e a ordem social lato senso, se
afigura estreita, inseparável, e, sobretudo, intrínseca . Por isso, “na esteira do
pensamento de HOBBES”, podemos afirmar que a função do Direito assentará em
impedir a desagregação da sociedade, e, na manutenção da sua coesão 14.

4. ORDEM SOCIAL

4.1.Noção de ordem social

Ficou patente que, não obstante a perspectiva em que partir a abordagem, o


homem está condenado a viver em sociedade porque, ser gregário, reunir-se em
sociedade, constitui a base efectiva da sua realização enquanto pessoa humana 15.

Neste plano, social, o homem é regulado pelas leis culturais em contraponto com
as leis físicas que o regulam enquanto ser natural, animal, isto é, um ser vivo
mensurável a outros seres vivos – em sede das leis físicas o homem não estabelece
relações sociais mas, é parte do universo tal como outros seres vivos, animais, vegetais
(...), ressalta, nesta neste particular, a sua qualidade de viver em estado de natureza,
isolado da sociedade, distante da ordem social.

No plano cultural, o homem vive mediante seu trabalho e da sua inteligência;


por isso, nesta qualidade, enquanto ser social precisa produzir, trocar e manter relações
sociais (de coordenação, de subordinação, e, de integração). Porém, é inevitável que a
convivência social ocorra nos termos de um paraízo imagínável, simplesmente, no
13
Idem, pp. 15-16.
14
No mesmo sentido, Adlezio Agostinho, Curso de Direito Constitucional, AAFDLEditora,
Lisboa, 2019, pp. 23 ss.
15
Reiteramos que, quanto a nós, o homem é efectivamente um ser social mas esta qualidade tem
como pressuposto a sua própria vontade ou seja, por entender que a construção da sociedade política é
necessário, este funda o Estado com vista a manutenção da paz social e do bem comum.
7

plano das ideias. Destarte, as relações sociais devem, necessariamente, ser reguladas,
lato sensu, pela ordem social; pois, somente, esta última, pode garantir a paz,
felicidade, manutenção das relações sociais (...) 16.

Contudo, a ordem social assume várias dimensões que cumpre enunciar – ordem
religiosa, ordem do trato social, ordem moral e ordem jurídica.

4.1.1. Ordem do trato social, religiosa, moral e jurídica

A doutrina costuma, amiúde, contrapor e relacionar a ordem jurídica das outras


ordens normativas (ordens sociais). Nesta linha, se pode afirmar, com legitimidade, que
a ordem social é aferível num conceito amplo do qual pode-se distinguir as modalidades
reportadas - ordem religiosa, ordem do trato social, ordem moral e ordem jurídica 17.

4.1.1.1. Ordem do trato social

As normas de trato social são usos ou convencionalismos sociais destinados a


tornar a convivência humana mais aprazível; são preceitos de carácter local e
18
específicas de certos círculos sociais ou até de certas profissões . Essas normas, de
trato social, vizam, no essencial, garantir maior harmonia nas relações sociais - ao
mundo cultural.

Em sede deste sector , normativo, são incorporáveis a maior parte dos nossos
comportamentos, como a forma de vestir, saudar, outorgar presentes a certas pessoas em
16
A doutrina fala dos elementos da ordem social, assim, os elementos da ordem social são
basicamente dois: elementos de mero facto e elementos éticos normativos.
17
“As normas sociais não visam o mesmo fim e tão-pouco reagem da mesma maneira às
condutas que as não observem. Por essa razão, é importante distingui-las”. A. Santos Justo, Introdução
ao Estudo do Direito, op. cit. p. 18.
18
“Distinguem-se nela sectores as normas de cortesia, da moda, da deontologia profissional, da
higiene, (…)”. Nuno Sá Gomes, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. p. 28; A. Santos Justo,
Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 28 ss.
8

determinadas épocas, retribuir uma visita ou responder a uma saudação (...); as normas
de trato social apresentam algumas semelhanças com as normas jurídicas, pois, são
vinculativas e gozam de sanções e de coacção. Porém, existem aspectos que as
distinguem daquelas, assim, impõe-se referir que o Direito prevê e quantifica as sanções
que se aplicam a condutas determinadas, é, por essa razão, que interessa distinguir a
figura da “institucionalização da sanção” - mecanismo que tem sido vocacionado para
estabelecer a diferença entre o Direito e os usos sociais favorecidos de sanções e de
meios de coação indeterminados, informais e inorganizados 19.

As normas jurídicas apresentam, em regra, uma estrutura bilateral e imperativa,


assim como, existem órgãos, especificamente, criados pelo sistema jurídico para as
aplicar e as impor conforme os procedimentos, mais, adequados. Ao passo que as
normas de trato social são unilaterais – quer dizer que obrigam, mas não facultam. A
reprovação, nesta modaliddae de normas, dá origem à rejeição social, exclusão social,
hostilidade (...); a sanção, nestes casos, é inorgânica e difusa 20. Ademais, não podemos
confundir, as normas de trato social, com de ordem as moral, porque as primeiras, além
do carácter coactivo, não exigem a rectidão da intenção que motiva a conduta externa.
Já, em sede da segunda ocorre, exactamente, o inverso. Tal como veremos em seguida.
No entanto, é comum atribuir, as normas de trato social, duas características essenciais -
impessoais 21 e coactivas 22 23
.

4.1.1.2. Ordem Moral

19
Idem, p. 29.
20
Nuno Sá Gomes, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. p. 44.3423#$
21
“Têm origem não numa vontade concreta, mas em usos ou práticas sociais regularmente
observadas”. Idem, p. 28.
22
Impõem-se através da pressão exercida pelo grupo social a que se pertence e a sua
inobservância é punida com diversas sanções, como a perda de prestígio e de dignidade, o afastamento do
grupo (…). Idem, p. 28.
23
Como bem refere A. Santos Justo, “há quem entenda que as normas de trato social, também
reclamam uma boa intenção. Porém, se uma saudação amável não corresponde a verdadeira intenção de
saudar, não se violenta a norma de cortesia: quem saúda não é descortês, mas hipócrita”. In Introdução
ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 28 ss.
9

A figura da moral integra o quadro da ordem social, constituindo um dos


instrumentos não jurídico, mas essencial, para regular as relações sociais.

Porém, perceber o seu conceito, aferir os pontos de comunição e fronteira


daquela com a ordem jurídica, tem motivado acessos debates na doutrina – permitindo,
mesmo, uma infinita discussão doutrinária acerca do assunto 24.

Para A. Santos Justo 25, na esteira de Cabral de Moncada, a moral é “constituída


pelo conjunto de preceitos, concepções e regras, altamente obrigatórios para com a
consciência, pelos quais se rege, antes e para além do direito, algumas vezes até em
conflito com ele, a conduta dos homens numa sociedade” 26. Trata-se de um conjunto de
normas, de natureza absoluta e espontânea, que são impostos ao indivíduo pela sua
própria consciência, no intuito de aperfeiçoar a sua conduta individual, numa,clara,
projecção de relações sociais mais saudáveis. Do exposto, se pode inferir, ab initio, que
a moral incide ao conjunto de normas que operam no plano interior, da consciência,
onde encerra o seu núcleo essencial; ao passo que as normas jurídicas residem no
mundo exterior.

Nesta linha, e, com objectivo de distinguir a moral do Direito, a doutrina tem


apresentado uma série de critérios, dentre os quais podemos passar em revista os
seguintes 27:

i) Critério teleológico

De acordo com o critério em enunciação, a moral visa um fim individual,


inversamente, o Direito visa um fim colectivo (social).

ii) Critério da perspectiva

24
Vide Luís Cabral de Moncada, Filosofia do Direito e do Estado, II, Coimbra, 1966, pp. 134 ss;
Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, II, op. cit. pp. 41 ss e A. Santos Justo,
Introdução ao Estudo do Direito, pp. 19 ss.
25
Idem, p. 21.
26
Idem, p.21.
27
Idem, p.21.
10

O critério em referência, proposto por THOMASIUS, põe em destaque os


diferentes pontos de partida da moral e do Direito. Neste plano, afere-se o
comportamento humano em duas perspectivas, uma interna e outra externa, assim, a
moral ocupa-se da primeira ( incide sobre a interioridade) e o Direito da segunda (incide
sobre a exterioridade da conduta).

iii) Critério da imperatividade

Nesta linha, do critério assente na imperatividade, a moral cinge-se,


simplesmente, na imposição de deveres a quem lhe está adstrita por um lado, ao
invés, o Direito impõe deveres, e, correlativamente, atribui poderes ou
faculdades, por outro lado – mas esta correlação ocorre em sede de uma relação
jurídica unívoca; por isso, salienta-se, que a moral caracteriza-se pela
unilateraliddae e o Direito pela bilateralidade. A moral determina a cada um o
que deve fazer para atingir o aperfeiçoamento, inversamente, o Direito
estabelece, simultaneamente, deveres e direitos correlativos. Portanto, “a moral
é uma norma dos deveres; o Direito é a norma dos deveres mas também das
faculdades ou prerrogativas que se lhes contrapõem” 28.

A doutrina adita, ainda, neste quadro, o critério do motivo da acção,

critério da forma ou dos meios e o critério do minimo ético 29 .


Expostos os critérios, que servem para estabelecer a fronteira entre a
moral e o Direito, fica a questão de saber se de entre os elencados, haverá
alguns que apresentam elementos, decisivos, para aferir a moral do Direito.
Assim, a despeito destes, critérios examinados, reunirem elementos estruturais

28
“A moral diz: ama o teu próximo; mas não diz ao próximo: tens direito a esse amor. O Direito,
pelo contrário, diz ao devedor: “paga”; e voltando-se ao mesmo tempo para o credor, afirma: tens direito
a exigir esse pagamento”. Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, II, op. cit. pp. 41 ss.
29
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pp. 24 – 26; Luís Cabral de Moncada,
Filosofia do Direito e do Estado, II, Coimbra, 1966, pp. 134 ss.
11

relativos a destrinça das duas figuras em liça; porém, nenhum deles escapa de
cerradas críticas no campo doutrinário quanto ao mérito e demérito a que estão
associados. Por conseguinte, alinhamos com A. Santos Justos, asserçando que
“persistem, no entanto, alguns pontos valoritivos que sugerem fronteira: a
moral caracteriza-se pela autovinculação e pela importância primordial que
atribui às motivações das condutas; o Direito acentua a imposição heterónoma
das suas normas e os aspectos externos ou sociais da conduta humana
constituem o seu ponto de partida”(...) 30.

4.1.1.3. A Ordem religiosa

A ordem religiosa é o aspecto da ordem normativa que regula as relações entre o


homem crente e as várias divindades admitidas pelas diferentes religiões. Na verdade,
não há uma só ordem religiosa em muitos países, mas diversas, de acordo com o
número de religiões que são cultivadas pelos crentes de cada sociedade. A ordem
religiosa assenta sobretudo na seguinte tese: a vida que vivemos é meramente
transitória, não em si a medida do seu valor, mas que se mede, segundo valores eternos,
á luz da ideia de uma vida ultraterrena, na qual os homens serão julgados de acordo o
valor ético da sua própria existência 31.

As normas religiosas distinguem-se das normas que regulam a organização e a


prática religiosa das comunidades de crentes., dirigidas por autoridades
hierarquicamente escalonadas. “tais normas têm um carácter positivo e são criadas pela
hierarquia eclesiástica com vista à aplicação e ao desenvolvimento das primeiras” 32.

4.1.1.3. A Ordem jurídica (conceito de Direito )

Examinado as ordens religiosa, de trato social e a moral, urge, agora, discorrer


em torno do conceito de ordem jurídica.

30
In Introdução ao Estudo do Direito, pp. 27 – 28.
31
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, p. 19.
32
“A sua violação pode determinar a aplicação de sanções religiosas”. Idem, p. 21.
12

A ordem jurídica, o Direito, enquanto parte ordem social, pode ser definida
como o conjunto de normas, de natureza jurídica, que visam regular o comportamento
do homem numa determinada sociedade.

A definição que acabamos de apresentar, embora seja, claramente, críticável no


plano doutrinário, parece - nos estar coberta de , algum, consenso. Pois, não obstante os
esforços que têm sido empreendido pelos estudiosos do Direito, ainda, em rigor, não
existe uma definição acabada desta temática, por essa razão,várias têm sido as
dificuldades para introduzir uma definição acabada - de Direito 33. Mas, sublinha-se, o
debate não se restringe aos juristas ou aos jurisconsultos, incluí, também, os leigos e as
pessoas em geral; assim, podemos afirmar com Inocencio Galvão Telles, que “pela
experiência, observação e intuição, todos temos uma noção empírica de Direito, que é,
por assim dizer, vivida a todos os momentos perante factos correntes e vulgares da
vida” 34.

Nessa linha, impoõe-se, ainda, referir que, quanto a nós, a principal dificuldade
na concepção do Direito prende-se, fundamentalmente, na tendência de construir a
definição, da figura em exame, numa única perspectiva. Repara-se que alguns partem de
35
uma perspectiva etimológica , outros preferem associa-lo ao conceito de justiça,

33
Vide por todos, Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp 23 ss;
Marcelo Rebelo de Sousa, Introdução ao Estudo do Direito, Lex, 2000, Lisboa, pp. 9; A. Santos Justo,
Introdução ao Estudo do Direito, p. 19; Mário Reis Marques, Introdução ao Estudo do Direito, Volume
I, 2ª Edição, Almedina, 2007, pp. 240 ss.

34
“Pratica-se um crime, por exemplo um homicídio (A mata B, utilizando uma arma), a que os
órgãos de comunicação social dão larga divulgação. Reclama-se justiça, e as entidades para tal
competentes (Polícia de Investigação Criminal ou Procuradoria), põem-se em movimento a fim de
descobrir o suspeito e ver se há fundamento para o acusar. Procede-se a investigações recolhem-se
indícios ou elementos que apontem quem é o criminoso, as circunstâncias em que praticou o crime, os
móbeis a que obedeceu a sua reprovável acção. Forma-se um processo que posteriormente é entregue ao
tribunal, para que se aprofundem as provas e o acusado”(...) In, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit.
pág. 23 ss.
35
Adlezio Agostinho, faz uma incursão de elevado relevo, pois traz a lume o instituto do Corpus
Iuris Civilis, referindo, em termos gerais, que aquele foi dividido em quatro partes relacionadas entre si:
Codex; Degesto; Institutiones e Novellae Constitutiones (...) in Curso de Direito Constitucional, op. cit.
pp. 25 ss.
13

outros, ainda, dão privilégio à conexão deste com a ordem jurídica - em sentido rigoroso
ou técnico. Deste modo, qualquer definição que, de forma unívoca, alinhar na direcção
exposta, padecerá, certamente, de um nível, maior, de cerradas críticas. Por isso,
aplaudimos, com ressalva em alguns pontos, a posição, definitiva sobre a matéria, do
Professor Santos Justo, de acordo com a qual “pode-se –à caracterizar o Direito
positivo, parte nuclear da ordem jurídica, como um conjunto de normas necessárias à
convivência humana que se inspiram e fundamentam na ideia de justiça e têm na
coercibilidade uma importante condição de eficácia” 36.

Podemos justificar a nossa poição, examinar a definição acolhida, nos seguintes


termos:

a) O autor ao caracterizar o “Direito positivo, parte nuclear da ordem jurídica,


como um conjunto de normas necessárias à convivência humana que se
inspiram e fundamentam na ideia de justiça”; apresenta, quanto nós, uma
definção coerente e, tendecialmente, consensual, porque por um lado, não
demarca-se daqueles que sustentam a visão objectiva do Direito , Direito
37 38
positivo de matriz monista ou pluralista , nem dos que aderem a
perspectiva de um Direito natural que se integra, de per si, aos sistemas
jurídos com fundamento de um Direito superior em relação ao positivo; e,
por outro lado, apresenta, embora implicitamenta, elementos susceptíveis de
figuram características essencias de uma displina jurídica que se pretende
bem conseguida, designadamente: necessidade, alteridade, imperatividade,
exterioridade (...) 39.

36
In Introdução ao Estudo do Direito, p. 36.

37
A tese monista deve-se, sobretudo, a KELSEN que caracterizou o Direito e o Estado como dois
aspectos diferentes mas inseparáveis da mesma realidade (...).A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do
Direito, pp. 33 – 35.
38
O pluralismo jurídico tem que ver com a tese nos termos da qual, o Direito não brota, apenas,
de fonte estadual mas, também, integra uma série de normas de outras proveniências (...) idem pp. 33 -
35; na mesma direcção vide Efigénia Clemente, O Pluralismo Jurídico Como Novo Paradigma de
Legalidade Numa Perspectiva Histórica, in Numero Especial, Revista da FDUAN, Luanda, 2014 pp. 205 ss;
Jorge Bacelar Gouveia, Direito Constitucional de Angola, FDUAN ̸ FDUNL, Lisboa ̸ Luanda, 2014, pp.
492 ss; Paulino Lukamba, Direito Internacional Público, 3.° Edição, Escolar Editora, Lobito, pp.
51 ss; Fausto de Quadros, A Nova Dimensão do Direito Administrativo, Almedina, Coimbra,
2001, pp. 8 ss; João Mota de Campos, João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Europeu,
6. ° Edição, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 287 ss.
39
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pp. 33 – 35.
14

b) No mesmo plano, ao referir que estas normas jurídicas “têm na


coercibilidade uma importante condição de eficácia”, traz a lume , em nossa
opinião, uma questão de grande importância e consequência jurídica
estrutural. Na medida em que, valoriza a concepção da figura da
coercibilidade como das características essenciais do Direito mas, também,
deixa claro que a ausência daquela não invalida a essência do Direito, que
reside na sua juridicidade 40.

5. Direito Positivo e Ordem Natural

5.1. Preliminar

O tema que, agora, nos propomos apresentar encerra capital importância para o
ensino do Direito, sobretudo, por constituir elemento basilar na construção da
consciência jurídica – crítica. Tal ensinamento, é susceptível de despertar ao cultor da
Ciência Jurídica competências favoráveis à censura das normas jurídicas – vendo-as
não apenas como monopolio do Estado mas sim, na sua dimensão plural; pois, impõe-se
a sua abordagem porque neste assenta o prelúdio de um debate estruturante, que tem
marcado incessantemente o pensamento jurídico de todos os tempos.

Formula-se, amiúde, a seguinte questão: para além do Direito positivo – aquele


conjunto de normas jurídicas escritas e brotadas pelo Estado – não há outro? O Direito
positivo é o único que existe? Ou, para além deste, existe outro que lhe é superior ?

Bem, na esteira da doutrina as respostas têm assumido rumos distintos 41; assim,
enquanto alguns vêem, ao longo dos tempos, inclinando as suas posições para uma
perspectiva positiva outros, pelo contrário, costumam responder negativamente.
Contudo, será neste prisma que, no essencial, conduziremos a nossa abordagem inerente
ao tema de extraordinária relevância.

5.2.Concepção clássica de Direito Natural

40
Idem, pp 34 – 35.
41
Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 101 ss; A. Santos Justo,
Introdução ao Estudo do Direito, pp. 95 ss; Diogo Freitas do Amaral, História das Ideias Políticas,
Volume II, op. cit. pp. 13 ss; idem, in História das Ideias Políticas, Volume I, op. cit. pp. 85 ss.
15

São duas, as principais correntes, de opiniões, que se têm debruçado , ao longo


dos tempos, sobre o conceito de Direito natural designadamente, o jusnaturalismo
transcendente e o jusnaturalimo racionalista. Estas duas concepções distinguem-se,
essencialmente, no seguinte plano: o jusnaturalismo transcendente – centra-se na
concepção divina do Direito natural; e o jusnaturalimo racionalista – afasta Deus e
concebe o Direito natural na razão humana.

Essas concepções, em exame, comunicam-se e descomunicam-se em


determinados aspectos, que os podemos considerar estruturais.

42
No que toca a descomunicação, reitera-se que a perspectiva transcendente
fundamenta o Direito natural em Deus, ao passo que a concepção racionalista
43
fundamenta-o na razão humana . Em relação ao ponto de comunicação podemos
identificar várias conexões que as unifica designadamente, universalidade ou legaliddae
universal, imutabilidade, lei não escrita, fundamento e base ética normativa do Direito
positivo, posicionamento num plano superior em relação ao Direito positivo (...) 44. A
despeito do contacto e descontacto entre as concepções em análise, nem sempre o
respectivo tema assumiu o mesmo plano em todas as épocas. Pois o jusnaturalismo
transcendente notabilizou – se, com mais evidência, na Idade Média 45; ao passo que, o
jusnaturalismo racionalista, por outro lado, acentuou- se consideravelmente na Idade
Moderna.

A primeira concepção, jusnaturalismo transcendente, teve como precursores de


elevada distinção os seguintes estudiosos: Santo Agostinho, São João Crisóstomo, São
Tomás de Aquino 46 (...). Mas foi este úlimo, quem mais se notabilizou ao sustentar que
42
Idem, 85 ss.
43
Sobre a concepção racionalista vide A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pp. 103
ss;
44
Ainda, como ponto comum, refere-se a existência de leis naturais, imutáveis (...), por todos
vide Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Introdução ao Estudo do Direito, 3 º Edição, Editora Método, São
Paulo, 2015, pp. 20 ss.
45
Releva sublinhar que o debate sobre o jusnaturalismo transcencente, na matriz ocidental, é
de todos os tempos designamente, na antiguidade, na idade média, na idade moderna e na
contemporânea... contudo, com o auge do Cristianismo na idade média esta concepção manifesta-se
com mais intensidade. Sobre o tema vide Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, op.
cit. p. 108; A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pp. 95 ss; Filipe Barbosa Garcia, Introdução
ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 20 ss; José de Oliveira Ascensão, O Direito Introdução e Teoria Geral,
13. Edição, Almedina, 2016.
46
São Tomás de Aquino, nasceu em 1225 e morreu, aos 49 anos, em 1274; deixou uma obra
escrita imensa, designadamente a Summa Theologica, Summa Contra Gentiles (...) sobre a vida e obra
deste grande estudioso vide Diogo Freitas do Amaral, História das Ideias Políticas, Volume I, op. cit.
pp. 13 ss.
16

Deus criou o mundo e dotou-o da lex aeterna que rege todos os seres (...); ainda na
esteira deste pensador, a summa teológica – obra mais importante e conhecida que lhe
deu jus ao título de chefe do catolicismo 47- apresenta a seguinte teoria: a lei eterna 48,
que é suprema (é de conhecimento exclusivo de Deus, que pode perceber a sua
plenitude), abaixo da qual estão a lei divina (parte da lei eterna revelada por Deus; é
formada pelos preceitos que Deus expressamente formulou para orientar a lei humana
sobre questões essenciais) e a lei natural (é a participação dos seres criados na razão
estabelecida pela lei eterna), e, num plano mais inferior, a lei humana (lei positiva
produzida pelo legislador) 49.

A segunda concepção, jusnaturalismo racionalista, caracteriza a corrente de


pensamento cuja evidência, mais intensa, verificou-se entre os séculos XVI e XVIII 50.
Na esteira dessa corrente, o Direito natural não brota de Deus, o divino não constitui o
seu legitimo progenitor; prevalece a ideia segundo a qual o Direito natural existe
independentemente da existência de Deus. O Direito natural é intrínseco ao homem,
somente neste ente humano repousa a sua verdeira origem e essencialidade. O Direito
natural é um produto da razão humana, fruto da capacidade criadora desta; destarte,
pode-se afirmar que o Direito natural não deriva da natureza, mas sim da razão que
configura a sua verdeira origem. A razão tem pois natureza criadora, daí que
desanconselha-se a espressão jusnaturalismo e, privilegia-se a designação
jusracionalismo – quer dizer, que para esta corrente, de pensamente, o Direito natural
não é originado nem por Deus, nem pela natureza mas sim, pela evolução racional do
homem, infere-se portanto que a razão humana, constitui a base criadora do Direito
natural 51.

47
Transcrevemos Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. p. 108.
48
“É a lei geral do Universo estabelecida por Deus para todos os Seres por ele criados. Se a lei
uma ordem da razão emanada do soberano que governa uma comunidade, então, como o mundo é
governado pela providência divina, toda a comunidade do universo se rege pela razão de Deus (...)”.
Diogo Freitas do Amaral, História das Ideias Políticas, Volume I, op. cit. pp. 13 ss.
49
Filipe Barbosa Garcia, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 20 ss.

50
Esta fase marca, assim, a decadência ou apagamento do jusnaturalismo transcendente . vide,
Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. p. 109; A. Santos Justo, Introdução ao
Estudo do Direito, op. cit.p. 103.
51
Assim, na esteira de Hugo Gróssio, vide José de Oliveira Ascensão, O Direito Introdução e
Teoria Geral, op. cit. pp. 177 ss.
17

Essa concepção,jusracionalista, teve como corifeu, de elevado mérito, Hugu


52
Gróssio , individualidade a quem se costuma atribuir o ponto de partida desta
concepção, sobretudo com a expressão que o tornou celebre “o Direito natural existiria
mesmo se Deus não existisse ”53. Essa premissa marcou, a partida, a perspectiva laica
atinente a concepção do Direito natural, ao colocar-se o homem no epicentro da
civilização ocidental e de todo raciocínio social e intelectual. Podemos, também, chamar
outros teóricos que contribuiram, em perfeito alinhamento com GRÓSSIO, para o
amadurecimento da concepção racionalista, elevando-o a uma característica
efectivamente humana e racionalista, ao ponto de o homem colocar de parte Deus, “o
homem divinaza-se, porque julga possível dispensar Deus, e supõe capaz de, por si só,
através da sua razão e independentemente do auxílio da graça divina, descobrir os
princípios superiores da justiça e elevar-se até eles” 54. Na senda destas contribuições
teóricas eis os seguintes estudiosos: PUFENDORF 55, TOMÁSIO 56 (...).

O debate referente a doutrina jusracionalista assume uma sublime importância


no quadro da civilização ocidental da época moderna. Por conseguinte, não nos parece,
muito, feliz o argumento segundo o qual HOBBES terá o negado, ao defender a
concepção de um Estado totalitário assente num contrato social fundado ao estado de
natureza intrínseco no pessímismo humano. Nesta direcção, alinha José de Oliveira
57
Ascensão , ao referir “encontramos posições que podem ir até a uma negação, ao
menos prática, do Direito natural (...)”; “depois de ter sido celebrado o contrato social
todo o direito é a vontade do Estado, são as leis. O Direito natural esboroa-se perante
esta concepção totalitária do poder político” 58.

Não, não podemos aplaudir essa posição do nosso distinto Professor, pois não
obstante a tese subjacente a existência de um Estado totalitário a fim deste poder
52
Merece salientar com Santos Justos, que Gróssio segue o percurso aberto por Gabriel
Vázques ... “a fonte do Direito natural não está na Vontade nem na razão divina, mas na natureza
racional do homem”. In Introdução ao Estudo do Direito, p. 103.
53
Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. p. 110; José de Oliveira
Ascensão, O Direito Introdução e Teoria Geral, op. cit. p. 177.

54
Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. p. 110.
55
“PUFENDORF, jurista e historiador alemão, nascido em 1632 e faleceu em 1694, teve uma
vida de certo modo agitada. Ensinou na Universiddae de Heidelberg, onde foi para ele criada a primeira
cátedra de Direito natural e das Gentes (...)”. Idem, p. 110.
56
“TOMÁSIO (1665 – 1729), seguidor de PUFENDORF, orientou a filosofia para fins práticos,
combatendo o método escolástico e silogístico e esforçando-se por separar a Ciência da Teologia, (...)”.
Idem, p. 110.
57
In O Direito Introdução e Teoria Geral, op. cit. p. 176.
58
José de Oliveira Ascensão, O Direito Introdução e Teoria Geral, op. cit. p. 177.
18

garantir a paz e a segurança HOBBES sublinhanva que haviam determinados direitos


inalienáveis, que os subditos poderiam fazer valer a todo tempo face ao soberano. O
poder do Soberano não era, em rigor, no todo absoluto. Como ensina Freitas do Amaral,
“em HOBBES o Estado não tem fins ilimitados: ele é uma criação humana com tarefas
bem delimtadas (... ) o estado hobbesiano é autoritário, mas não é totalitário (...)” “o
direito a vida é inalienável e se alguém a ele renunciasse, tal acto seria nulo (...)” 59.
Contudo, já merece aplauso a posição assumida pelo Professor Oliveira Ascensão
relativamente a LOCKE 60.

Com a introdução da abordagem de LOCKE e posteriormente a de ROUSSEAU,


um século depois, o Direito natural assume grande difusão e começa efectivamente a
influenciar as leis e as doutrinas jurídicas, sobretudo, ocidentais 61. Essa influência, do
Direito natural, sobre as ordens jurídas continua, sem dúvidas, até aos nossos dias.
Porém, fica-se por perceber se este integra somente o núcleo essencial dos sistemas
jurídicos, encerram os princípios fundamentais do sistema ou inversamente
corporizam,só por si, os princípios e as normas do próprio sistema.

Relativamente a essa temática parece-nos coerente admitir que nenhuma


sociedade política poderá ser regída apenas pelo Direito natural, figurando este como a
única esfera objectiva do respectivo sistema jurídico. Assim, somos de opinião que
qualquer comunidade política optará, efectivamente, num sistema cuja as regras
jurídicas, assentam na técnica normativa, ocupem a linha directa de regulamentação
social e os princípios normativos a sua estrutura de fundamentação. Estes seriam,
nestes termos, elementos iluminadores das normas jurídicas; com efeito, um sistema,
unicamente, estruturado pelo Direito natural, na linha iluminista de LOCKE, que
descura o Direito positivo e o costumeiro é impensável hodiernamente. “É impossivel
pretender que todos os traços da vida jurídica dum povo sejam moldados de forma

59
“Se o Soberano ordena a um súbdito que se mate ou fira a si próprio, ou que nçao resista a
quem o agredir, ou que se abstenha de comida, ar, remédios ou qualquer outra coisa sem a qual não
possa viver, esse homem tem o direito de desobedecer (...)”. In História das Ideias Políticas, Volume I,
op. cit. pp. 381 ss.
60
“ Se é certo que com esse contrato os indivíduos renunciam a parte dos seus direitos,
também é certo que a função do Estado é justamente a de defendê-los – e aqui temos todas as
premissas do Estado liberal (...)”. In O Direito Introdução e Teoria Geral, op. cit. pp. 177 ss.
61
Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 110 ss; José de Oliveira
Ascensão, O Direito Introdução e Teoria Geral, op. cit. pp. 177 ss; ao nosso ver merece, também,
destaque Ludwig Feuerbach, (1804 – 1872), nascido em Baviera, faz a sua formação universitária em
Teologia e Filosofia, sobre a sua contribuição vide a Essência do Cristianismo, 3. Edição, Fundação
Calouste Gulbenkian, (tradução de Adriano Veríssimo Serrão), Lisboa 2008, pp. 9 ss.
19

62
imperativa pelo Direito natural (...)” . Destarte, já parece pacífico que as normas
possam ser, devidamente, policiadas por um leque de princípios fundamentais,
admitindo-se a discussão sobre o posicionamento hierarquíco vigente nos várias
ordenamentos jurídicos; principalmente, para efeitos de resolução de litigios sociais.
Portanto, O Direito natural seria assim entendido como princípio norteador das normas
jurídicas 63.

5.3.Concepção clássica do Direito positivo

No plano clássico, o Direito positivo assenta na corrente de pensamento que, a


despeito de manifestar-se em todos os tempos, teve o seu apogeu durante o século XIX.
Essa escola, a positivista, caracteriza-se pela recusa, em todos os aspectos, da
metafisica e do Direito natural; ademais, nega ao jurista à consciência crítica de
conceber o Direito, pois o formata no sentido daquele aplicar o Direito de forma
mecânica, directa e totalmente formalista. Assim, tal como ao jurista não é permitido
questionar se determinada lei reflecte os canônes axiológicos do povo a que se destina,
também, não lhe é permitido aferir se uma determinada lei aplicável a um determinado
caso concreto é justa ou injusta.

Nestes termos, a lei funda-se na razão e esta última assenta na concepção de um


sistema jurídico ideal. Como ensina, bem, José de Oliveira Ascensão, embora o
positivismo seja uma reacção as escolas dominantes, também é importante observar que
representa menos uma antítese que uma metamoforse do jusracionalismo. Desta

62
José de Oliveira Ascensão, O Direito Introdução e Teoria Geral, op. cit. pp. 179 – 180; um dos
contributos do Professor em referência, no presente debate, tem que ver com o questionamento
atinente a fonte do Direito Direito natural; diz textualmente: não correcto correcto pretender que o
Direito natural é criado pela razão humana. A razão humana tem a função preciosa de instrumento para
descobrir um direito impresso na natureza... no essencial o autor demarca-se da tese do jusracionalismo
e abraço alguns laivos da escolástica. Com profundidade, idem, pp. 179 ss.
63
Mas essa constatação não pode siginificar que a norma jurídica, a ordem normativa de
produção estadual e costumeira, perdem valor se forem contrárias ao Direito natural. Afinal, em rigor, o
Direito natural não é revolucionário – como o entendiam os jusracionalista; nem conservador – na
matriz de Socrátes; mas sim um modelo jurídico que funda-se na defesa do princípio do mal menor. Em
termos mais evidente diríamos que o facto de defendermos a coerência do ordenamento jurídica
assente num pilar hierárquico em que o Direito natural ocupe o escalonamento primário, não implica
que aplaudimos a ilegitimidade imediata da norma jurídica que a contraria. Contudo, a nossa posição
prende-se na ponderação do caso concreto tendo sempre em atenção o respectivo princípio do mau
menor. Na mesma linha, idem, pp. 179 ss.
20

asserção, alude-se que não podemos restringir , somente, o positivismo numa pespectiva
negativa da metafísica e do Direito natural mais, também, integra-lo ao debate sobre a
simbiose entre as duas realidades. Parece-nos, que somente nesta direcção, evolutiva do
Direito natural, é compreensível a concepção legalista ou exegético do positivismo
reinante em França durante o século XIX 64.

Exposto a noção, clássica, de Direito positivo cumpre, na esteira da doutrina


maioritária 65, passar em revista algumas concepções que contribuiram para sua difusão.

5.3.1. Positivismo legalista

5.3.2. Positivismo científico ou conceitual

5.3.3. Positivismo normativista

5.3.4. Positivismo sociológico

5.4. Confronto entre o Direito natural e o Direito Positivo (perspectiva evolutiva)

5.5. Neopositivismo

5.6. Jusnaturalimo (hoje) e O futuro do Direito Natural

6.O Direito em sentido subjectivo

6.1. Conceito

O direito subjectivo é a faculdade ou o poder, reconhecido pela ordem jurídica a


uma pessoa, de exigir ou pretender de outra um determinado comportamento positivo
ou negativo ou de, por acto da sua livre vontade, só de per si ou integrado por um
acto da autoridade pública (decisão judicial), produzir determinados efeitos jurídicos
que inelutavelmente se impõem a outra pessoa (contraparte) 66.

64
Sobre as concepções do Direito positivo, vide A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do
Direito, pp. 113 ss;

65
Idem, p. 113 ss.
66
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pág. 36.
21

Da definição exposta infere-se que o Direito subjectivo compreende, no


essencial, duas perspectivas: perspectiva restrita ou técnica e a perspectiva lato sensu 67.

No primeiro prisma – restrito ou técnico – o Direito subjectivo diz respeito ao


poder ou faculdade, reconhecido pela ordem jurídica a uma pessoa, de exigir ou
pretender de outra um determinado comportamento positivo ou negativo.

Nessa esteira, impõe-se ainda esclarecer os casos em que o sujeito de direito tem
o poder de exigir e os casos em que dispõe, simplesmente, da faculdade de pretender.

Por um lado, fala-se de faculdade ou poder de exigir quando, não obtendo a


satisfação do seu direito, o titular pode solicitar ao tribunal que aplique determinadas
medidas que lhe proporcionam a mesma ou uma vantagem equivalente ou, ainda, outras
sanções que impliquem um sacrifício à contraparte 68; por outro lado, fala-se do poder
de pretender quando o titular do direito subjectivo não pode reagir contra o adversário
que não cumpra o seu dever jurídico 69.

No segundo prisma – lato sensu – ressalta a figura do Direito potestativo.

O Direito potestativo traduz-se no poder de exigir, só de per si ou integrado por


um acto de uma autoridade pública, a produção de determinados efeitos jurídicos que,
inevitavelmente, se impõem a outra pessoa jurídica 70.

A compreensão da matéria sub judice pressupõe, do nosso ponto de vista, uma


abordagem analítica sobre os dois polos da relação jurídica – lado activo e lado passivo.

No que toca ao lado activo da relação jurídica, os Direitos subjectivos stricto


sensu subdividem-se em:

67
A maior parte dos autores preferem designar a questão por modalidades do Direito Subjectivo;
é neste sentido, em que Menezes Cordeiro, confronta os chamados direitos comuns dos direitos
potestativos. In Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I 3ª Edição, 2011, Almedina, pp. 335.
68
Ibidem, p. 46.
69
Alude-se os casos das obrigações naturais artigos 402.º e 403.º do CC. Ibidem, p. 46.
70
Ana Raquel Coxo/ Miguel Teixeira Camelo, Manual de Teoria Geral do Direito Civil, Polis
Editores, Luanda, 2016, pp. 204 ss; “consoante o efeito jurídico que tendem a produzir, os direitos
potestativos podem ser: constitutivos – cria-se uma nova relação jurídica (1550 CC). Modificativos –
modifica-se uma relação jurídica pré existente. E, extintivo – extingue-se uma relação jurídica anterior. A.
Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 46 – 47.
22

Direitos relativos – “pensa-se nos direitos de crédito que se caracterizam por


terem uma eficácia inter partes, atribuindo ao seu titular o poder de exigir ou pretender,
em concreto, de outrem uma determinada conduta;

E, Direitos absolutos – os direitos de protecção de bens de personalidade e os


direitos reiais absolutos, pois gozam de uma eficácia erga omnes.

Em sentido amplo, é legitimo aditar ao conceito de Direito subjectivo a figura do


Direito potestativo, termo que também figura-se no lado activo, pois nestes direitos, a
colaboração do sujeito passivo não é exigida, porque o seu titular activo tem o poder de
por si, (ou em alguns casos, através de acção judicial) unilateralmente desencadear,
produção dos efeitos jurídicos desejados.

Em relação ao lado passivo, cumpre apresentar as seguintes divisões:

- Deveres jurídicos – são a contraface dos direitos relativos;

- Obrigação passiva universal - corresponde à contraface dos direitos absolutos;

- Estados de sujeição – “enquanto contraface dos direitos potestativos, impõem


ao concreto sujeito passivo da relação jurídica a submissão à alteração da sua posição
jurídica de forma unilateral 71.

6.1.3. Classificação 72

7. Figuras afins ao Direito subjectivo

“Os direitos subjectivos não esgotam o rol das situações jurídicas activas, isto é,
das situações que coloquem determinados efeitos na pendência da vontade do próprio
sujeito a quem elas assistam (…)” 73.

71
Ana Raquel Coxo/ Miguel Teixeira Camelo, Manual de Teoria Geral do Direito Civil, op. cit.
pp. 204 ss;
72
Sobre a classificação dos direitos subjectivos vide entre outros, Menezes Cordeiro, confronta
os chamados direitos comuns dos direitos potestativos. In Tratado de Direito Civil Português, op. cit. ,
pp. 335 ss; A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 46 – 47 e Ana Raquel Coxo/
Miguel Teixeira Camelo, Manual de Teoria Geral do Direito Civil, op. cit. pp. 204 ss.
73
Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, op. cit. pp. 343 ss.
23

Nessa linha, a doutrina costuma apontar as seguintes figuras (que são afins ao
Direito subjectivo): expectativas, faculdades, poderes, poderes – deveres e os ónus 74.

SECÇÃO I – ESTRUTURA DO DIREITO 75

8.Norma jurídica

8.1.Noção e estrutura

8.2.Características e classificação

SECÇÃO II – O ESTADO E O DIREITO

9. Estado e o Direito

9.1. Origem e conceito do Estado

O estudo e a compreensão da figura do Estado torna-se, hodiernamente,


ferramenta essencial para percepção das fontes do Direito, maxime, na concepção
positiva, sua aplicação e realização.

Relativamente a origem do Estado existem, no plano doutrinário, duas grandes


opiniões a respeito.

Assim, por um lado, há sectores da doutrina que associam esta com a Idade
Moderna, descurando para o efeito a antiguidade clássica e a Idade Média. pois,´´a
polis ateniense traduzida impropriamente por cidade –Estado, na verdade não foi senão
uma cidade - comunidade .Isto é, uma cidade sem Estado, onde a dimensão política do
homem consistia em viver na polis, uma pequena comunidade que vivia em koinomia
(...)``. Alude-se, ainda, que a instituição Estado, enquanto sociedade politicamente
organizada, é um produto recente legitimado pelo renascimento cuja formação e
generalização afiguram-se como fruto de uma longa evolução que começou no século
XVI e só ficou concluído no século XVIII 76.
74
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 61 ss.
75
Ibidem, pp. 139 ss.
76
Paulino Lukamba, Direito Internacional Público, op. cit. pp. 102 ss; também, A. Santos Justo,
Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 85 ss.
24

Por outro lado, há vozes, na doutrina, que não alinham a perspectiva enunciada –
a despeito da respectiva manifestação revestir-se implicitamente. Assim, no quadro
desta segunda perspectiva, aflora-se que a sociedade politicamente organizada, Estado,
``é, na sua essência, igual à que existiu antigamente, embora com nomes diversos, mas
no fundo representando todas as sociedades políticas que, com autoridade superior,
fixaram as regras de convivência de seus membros``77.

Que pensar destes, dois, desancontrados pontos de vista?

Em nossa opinião, a segunda posição se afigura mais acertada, embora exigerá


considerações complementares para sua efectiva compreensão.

O Estado, enquanto organização politicamente organizada, estrutura integrada


por povo, território e poder político 78, existe desde a muito a tal ponto de não ser tão
preciso determinar a época correcta do seu surgimento. Agora, e segue a questão
central, a terminologia Estado e a sua evolução, tal como o conhecemos hoje, devemos
aceitar, sem condição, como produto da Idade Moderna.

79
Ora, já o chamado Estado Romano reunia várias características acessíveis aos
actuais Estados, dentre as quais podemos apontar as seguintes: “Passagem da pequena à
grande dimensão territorial; primeira noção de um poder político uno, pleno e forte
(imperium, potestas, magestas); evolução característica das formas de governo (da
monarquia à república, e desta ao império), extensão da cidadania a todos os habitantes
do império...inicio da problemática das relações entre a Igreja e o Estado (...)”.

Do modelo de Estado em consideração é verificável, efectivamente, a existência


de uma evolução relevante se comparado com o designado Estado grego questionado,
com bastante razão, pela corrente acima noticiada. Pois, a inexistência de um poder
político uno e forte; reduzida expressão territorial; e, o mais relevante, ainda, adita-se o
facto de o demo, soberano, ter elimanado a dimensão vertical do poder ou seja, deixou
77
Vide José Carlos Toseti Barruffini, Direito Constitucional I, Editora Saraiva, São Paulo, 2006,
pp. 1 ss; Raul Carlos Vasques Araújo, Introdução ao Direito Constitucional; Jorge Bacelar Gouveia,
Direito Constitucional de Angola, FDUA, Luanda, Lisboa, 2014, pp. 129 ss.
78
Aceitamos discutir, de forma muito pacífica, se houve ou não uma delimitação rigorosa do
espaço territorial, a cidadania nos moldes que a concebemos hoje ou, mais delicado ainda, a concepção do
poder político, relacionamento deste último com o conceito de soberania. Portanto, em nossa opinião
estes aspectos não invalidam o conceito de Estado no seu sentido lato mas sim, o da sua evolução.
79
“O Estado romano é o tipo histórico de Estado caractéristico da civilização romana no quadro
da Antiguidade Clássica - em especial, do século II a.C. ao século IV d. C.“(...). Assim, Diogo Freitas do
Amaral, Curso de Direito Administrativo, 3º Edição, Volume I, Almedina, 2006 pp. 54 ss.
25

de haver, rigorosamente, distinção entre governante e governados. Portanto, em relação


a este último, Estado grego, não nos opomos principalmente, pelo facto de não estarem
reunidos naquele os requisitos razoáveis para caracterização de um Estado com os
paradigmas assimiláveis ao período entre os séculos XVI à XVIII.

Assim, impõe-se clarificar a nossa posição nos seguintes termos: houve em sede
da Antiguidade Clássica e da Idade Média sociedades politicamente organizadas, que
reuniam, em termos gerais, características mensuráveis aos modelos de Estado
concebidos na Idade Moderna – Estado oriental, Estado romano e, genericamente, o
designado Estado medieval 80.

Todavia, as sociedades políticas mencionadas não eram designadas Estados,


porque a expressão, em referência, é uma conquista da Idade Moderna. Como refere
Jorge Bacelar Gouveia, “até então, o Estado aparecia normalmente referido pela
expressão atinente à forma institucional de governo vigente, praticamente sendo
exclusivo da monarquia, por contraposição à república“ 81. É, efectivamente, em sede da
Idade Moderna que a expressão Estado começa a ser empregada, com notável
relevância, para designar formações políticas na Itália – Estado de Firense, Estado de
Venesia (...) 82; contudo, a sua primeira utilização costuma ser atribuída a Maquiavel,
fruto da sua obra “O Príncipe”, o autor celebrizou-se ao empregar a expressão nos
seguintes termos: “todos os Estados, todos os senhorios, que tiveram e têm poderes
sobre os homens são ou repúblicas ou principados (...)” 83.

Portanto, o Estado, enquanto sociedade politicamente organizada, terá surgido


desde antiguidade clássica; mas deve-se aceitar que há imprecisão na determinação,
clara, da época do seu surgimento. Assim, o coisa é certa trata-se de uma sociedade
política que foi evoluindo desde antes de Cristo até aos nossos dias e, continuará,
certamente, a evoluir.

80
Sobre a tese da existência da figura do Estado na Idade Média, por contraposição ao Professor
Jorge Miranda, vide por todos idem, pp. 59 ss.
81
In Direito Constitucional de Angola, FDUA, Luanda, Lisboa, 2014, p. 133.
82
Paulino Lukamba, Direito Internacional Público, op. cit. p. 103.
83
Sobre a atribuição da expressão Estado à Maquiavel, a doutrina, que aborda a questão, é vasta,
vide José Carlos Toseti Barruffini, Direito Constitucional I, op. cit. pp. 1 ss.; Raul Carlos Vasques
Araújo, Introdução ao Direito Constitucional, op. cit. pp. 85 ss.; Jorge Bacelar Gouveia, Direito
Constitucional de Angola, op. cit, pp. 129 ss.; Paulino Lukamba, Direito Internacional Público, op. cit.
pp. 102 ss; A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 85 ss; Diogo Freitas do Amaral,
História das Ideias Políticas, Volume I, op. cit. pp. 197 ss.
26

Curioso, ainda, é perceber como terá evoluído o conceito de Estado moderno 84.

A concepção do Estado moderno, na matriz ocidental, diz respeito ao processo


evolutivo atinente aos séculos XVI à XX, ou seja, integra o pensamento político
85
característico da Idade Moderna e da Contemporânea . Os temas mais relevantes
prendem-se com hipóteses, teses filosóficas e factos históricos assentes na
fundamentação da razão de ser do surgimento do Estado, origem do poder político,
conceito de soberania e a passagem do Estado Absoluto, em contraponto com o Liberal,
para o Estado Constitucional.

É nessa perspectiva, que notabilizaram –se algumas, grandes, vozes do


pensamento ocidental. Dentre estas cumpre discorrer, em síntese, sobre algumas,
sobretudo aquelas que, no essencial, foram determinantes na evolução do conceito de
Estado herdado da Idade Moderna.

HOBBES, na pretensão de materializar o seu sonho sobre a concepção de um


Estado uno e forte; idealiza a tese do Estado de natureza como pressuposto do Estado de
sociedade, ou seja, antes de existir o Estado, enquanto comunidade política, o homem
estava numa condição de solitário mas em virtude do medo da morte, da desordem e de
tudo quanto é ruim numa situação de Estado de natureza, concreta, em que prevalece a
guerra de todos contra todos, o homem, apesar de ser egoísta e mau por natureza,
decide, mediante um acto de vontade assente num contrato social, viver em sociedade,
isto é, no Estado 86.

LOCKE, apesar de admitir a existência de um estado de natureza como


pressuposto ao estado de sociedade, discorda que este tenha sido negativo ou positivo,
pois, segundo o autor, tudo depende do exercício de liberdade, esta é determinante no
seu comportamento, porque os homens nascem livres e iguais; assim, o estado de
natureza será melhor ou pior em virtude do exercício da própria liberdade humana. De
acordo, ainda, o iluminista inglês, é a vontade contratual de todos os homens, cidadãos,
que cria o Estado – demarcando-se, neste particular, de HOBBES, ao ressaltar que é por

84
Sobre a noção de Estado Moderno vide Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito
Administrativo, op. cit. pp. 62 ss.
85
Idem, p. 62.
86
Vide, Paulino Lukamba, Direito Internacional Público, op. cit. pp. 104 -105; Diogo Freitas do
Amaral, História das Ideias Políticas, Volume I, op. cit. pp. 351 ss.
27

via de uma delegação de poderes e não por alienação que deve-se a formação do Estado
87
.

ROUSSEAU, na sua celebre obra O Contrato Social (Du Contrat Social), apesar
de alinhar com HOBBES e LOCKE, quanto a precedência do estado da natureza ao
estado social demarca-se da aqueles, pois sustenta, no essencial, que o homem no estado
de natureza era feliz, livre, bom selvagem, fazia o que queria e tudo lhe corria bem (...);
mas em virtude da civilização, ou seja, por causa da invenção da agricultura e da
metalurgia deu-se azo a prevalência das desigualdades entre os homens, conflitos,
paixões e agressividade. E, os homens, que eram bons em sede do estado de natureza
tornaram-se egoísta, ambiciosos e maus.

Por conseguinte, “o homem, que é um animal racional, conclui que não pode
continuar a viver assim. Em vez de se combaterem e de se destruírem, os homens
decidem associar-se uns aos outros. Nasce o Estado, através do contrato social”88.

Pode-se questionar, é legitimo, com os autores aludidos ficam encerrado os


traços de um Estado moderno (própria da Idade Moderna e da Idade contemporânea) ?

A nossa resposta, ainda, não pode ser afirmativa, pois o modelo de Estado que
89
persiste , hodiernamente, deve reunir, no essencial, traços característicos dos
protótipos de Estados existentes entre os séculos XVI à XX. E, os dados expostos
reflectem, apenas, a concepção de Estado até ao século XVIII; por conseguinte, deve-se
incluir traços subjacentes à Idade Contemporânea – esta fase inclui, em termos gerais,
os iluministas já referidos, as revoluções Americana e a Revolução Francesa, e, não
menos importante, o debate sobre o socialismo 90.

8.2. Funções do Estado

87
Conferir em Diogo Freitas do Amaral, História das Ideias Políticas, Volume II,
Almedina,1997 pp. 13 ss.

88
Idem, p. 62.
89
Pelo menos, na maioria dos Estados ocidentais ou de civilização ocidental.
90
Relativamente ao Estudo do socialismo, Diogo Freitas do Amaral, História das Ideias
Políticas, Volume II, Almedina,1997 pp. 117 ss.
28

Na esteira do Professor Jorge Bacelar Gouveia, as funções do Estado são as


seguintes 91:

- Função constitucional – é a função mais importante porque corresponde na sua


radicalidade, ao poder constituinte, que é inerente ao Estado na sua veste de entidade
dotada de poder público máximo, ou seja, um poder soberano de ordem interna. Trata-se
da legitimidade que o Estado tem para elaborar e aprovar uma constituição (artigo 161.º
CRA).

- Função legislativa – não sendo a mais elevada função jurídico - pública, é


provavelmente a mais sedimentada de todas, dando conta da preocupação quotidiana
pela ordenação do Estado e da sociedade. No essencial, a função legislativa traduz-se na
legitimidade que o Estado tem para elaborar e aprovar as leis.

Em sede da Constituição da República de Angola, a função em exame,


manifesta-se em dois planos distintos:

- Actos legislativos da Assembleia Nacional, nos termos dos artigos 160.º a);
161.º b), c (…); 164.º; 165.º ; 166.º (...) CRA;

- Actos legislativos do Presidente da República, nos termos dos artigos 120.º e),
f), g), h), e i); 125.º e 165.º da CRA.

* Função política – relaciona-se com o interesse geral, a manifestação da função


política afere-se pela existência de uma gama de actos políticos : actos eleitorais, os
actos referendários, actos internacionais e actos governativos.

A Função política, entre nós, é de competência do Presidente da República nos


termos dos artigos 119.º, 121.º, 122.º, 124.º da CRA; e da Assembleia Nacional,
conforme atestam os artigos 160.º b) ; c) ; 161.º h), i), j), k), l), m) e n); 163.º da CRA92.

* Função administrativa – representa uma função pública de natureza


secundária, que se relaciona com a satisfação das necessidades colectivas do Estado -
Sociedade. Traduz-se na legitimidade que o Estado tem para materializar tudo quanto

91
In, Direito Constitucional de Angola, Luanda/Lisboa, 2014, pp. 450 ss.
92
Ibidem, pp.450 ss; Marcy Lopes, A Sindicância Constitucional dos Actos Políticos, Almedina,
2016, pp. 159 ss.
29

foi concebido no plano político, bem como, executar e dar cumprimento as leis em
vigor.

A efectivação desta função, nos termos constitucionais, é no plano orgânico de


estrita competência da Administração pública cuja égide encerra-se na Presidência da
República, conforme estabelece o artigo 120.º da CRA, maxime, alínea d) do diploma
citado. Mas, outros entes públicos, a despeito de não integraram a administração pública
podem, no plano material, praticar actos administrativos 93.

* A função jurisdicional – designa a aplicação do direito previamente definido. É


a legitimidade que o Estado tem para aplicar o Direito às relações jurídicas
controvertidas. Esta tarefa, solene, é de exclusiva competência dos tribunais estaduais.
Mas devemos sublinhar que admite-se o desempenho de tal função fora dos marcos
estaduais, como é caso da existência dos tribunais arbitrais (artigos 174.º -183.º CRA).

94
Numa perspectiva pedagogicamente correcta, Diogo Freitas do Amaral ,
confronta a função administrava das outras funções do Estado:

 a política e administração pública

A política, enquanto actividade pública do Estado, tem um fim específico: definir


o interesse geral da colectividade: definir o interesse geral da colectividade.

A administração pública existe para realizar em termos concretos o interesse geral


o interesse geral definido pela política.

A política tem uma natureza criadora, cabendo-lhe em cada momento inovar em


tudo quanto seja fundamental para a conservação e conservação da sociedade. A
administração tem pelo contrário natureza executiva, consistindo sobretudo em pôr
prática as orientações tomadas a nível político.

De acordo com a doutrina maioritária, em democracia os órgãos políticos são


eleitos directamente pelo povo a nível nacional, ao passo que os órgãos administrativos
são nomeados ou, então, eleitos por colégios eleitorais ( não é a realidade angolana ).

93
Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 3º Edição, Volume I, Almedina, 2006 pp.
44 ss.
94
In Curso de Direito Administrativo, 3º Edição, Volume I, Almedina, 2006 págs. 44 ss.
30

Entre nós, a figura do governo insere-se na instituição Presidente da República, que


nos termos constitucionais, exerce simultaneamente a função política e a administrativa
95
.

 A função legislativa e administração

De acordo com doutrina autorizada, a função legislativa encontra-se em pé de


igualdade em relação a função política.

Com efeito, as razões enunciadas supra, para distinguir à função política da


administrativa, em princípio, situam-se na mesma fronteira. Mas é importante reter o
seguinte:

a lei é o fundamento, o critério e o limite de toda actividade administrativa96.

Entre nós, a administração subordina-se á lei e a Constituição, no exercício das


suas funções, é o que resulta ( essencialmente ) dos artigos 6.º nº2 e 198.º nº1 CRA.

 Justiça e administração pública

Estas duas funções do Estado têm inúmeros traços em comum, mas o que há de
interessante nesta sede, é o examine residente em distinguir os pontos que as
dissemelham.

A justiça tem por objectivo aplicar o direito aos casos concretos; ao passo que a
administração pública visa prosseguir interesses gerais da colectividade.

A justiça está acima dos interesses, é desinteressada, não é parte nos conflitos
que decide; ao passo que a administração pública defende e prossegue os interesses a
seu cargo, é interessada.
95
O Presidente da República e os Deputados a Assembleia Nacional são eleitos por sufrágios
universal, directo, secreto e periódico, nos termos da Constituição e da lei, Artigo 106º. CRA; o
Presidente da República é o chefe de Estado – materialização da função política, o titular do poder
executivo e Comandante em Chefe das Forças Armadas Angolanas ( ambas concretizam a função
administrativa )vide artigo 108.º CRA; o PR, exerce o poder executivo, auxiliado por um Vice-Presidente,
Ministros de Estado e Ministros ( função administrativa ), vide nº2 do artigo 108º.CRA; ainda sobre as
função política, vide , as competências do PR, artigo 119.º , 121.º, 122.º, 123.º, 124.º. Relativamente, a
função administrava, vide essencialmente, o artigo 120.º da CRA.
96
Idem, págs. 44 ss.
31

Por último, cumpre salientar que a administração pública é exercida por órgãos e
agentes devidamente hierarquizados; ao passo que a justiça é exercida por juízes e
tribunais independentes (entre nós, artigo 179.º C.R.A ).

9. Símbolos do Estado 97

CAPÍTULO III – SISTEMA JURÍDICO

10.Conceito

O pensamento científico do Direito das ordens jurídicas que fazem parte ou


recebem uma forte tradição romana - germânica é hoje predominantemente sistemático,
por oposição ao pensamento tópico. O pensamento sistemático não surge como uma
fatalidade do Direito, sendo antes o fruto amadurecido de uma longa evolução histórica,
com antecedentes incipientes no direito romano. Atribui-se ao jurista romano GAIUS a
primeira ordenação sistemática do Direito (…) 98.

À sistematização do Direito viria a desenvolver-se de um modo decisivo, ao


longo de uma série de gerações sucessivas de juristas e de escolas do pensamento
jurídico a partir do século XVI, quando de novo se olhou para antiguidade clássica.

Nessa linha, a doutrina costuma apontar três formas de pensamento sistemático,


que passamos a desenvolver.

A primeira forma de pensamento sistemático foi originada pelo mos gallicus –


modelo universitário, que propugnava uma aprendizagem do Direito não apenas
centrada na memorização dos textos romanos na ordem das fontes tradicionais, maxime
o Corpus Iuris Civlis e os Digesta. Neste particular, as matérias distribuíam-se ao sabor
de clivagens histórico – culturais, sem uma preocupação cientifica, de tal forma que
eram frequentes as repetições e as contradições. Além disso, sucedia que a metodologia
marcadamente empírica utilizada para exteriorizar o Direito, provocava um acentuado

97
Vide artigo 18.º da CRA.
98
José Alberto Viera, Direitos Reais de Angola, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 13 ss.
32

alargamento das fontes: os testos tornavam-se infindáveis, sendo lenta e morosa a sua
apreensão 99.

“A segunda forma de pensamento sistemático chega ao Direito pelas tendências


reformadoras do jusracionalismo sob a influência do iluminismo, em ruptura com a
sociedade tradicional conservadora. A emergência de novos grandes princípios
filosóficos, sem reflexo nos quadros jurídicos vigentes ao tempo, e o impulso para a sua
concretização de dois grandes filósofos, THOMAS HOBBES e ESPINOSA, motivam a
elaboração de desenvolvimentos em que os princípios de Direito natural aparecem como
leis naturais da sociedade” 100.

Destarte, as insuficiências da sistemática periférica não poderiam tardar a


manifestar-se. Avia eu ir mais longe, na assunção expressa da natureza científica do
Direito. para tanto, foi necessária a actuação, no campo jurídico, de uma alteração
profunda, a nível cultural, que presidiria ao instituir da ciências modernas: a revolução
cartesiana. A metodologia cartesiana foi transportada nas ciências humanas por
HOBBES (1588 – 1679), daí resultou toda uma nova sistemática jurídica ocidental.
Segundo HOBBES, os diversos elementos, como a sociedade, o Estado e o poder,
articulam-se mercê de postulados fundamentais: a sobrevivência dos homens, a guerra
como estado natural entre eles reinantes, a insegurança daí derivada, a necessidade de a
superar com recurso ao Estado e à sociedade, o sacrifício da liberdade que isso implica
(…).

Pois, emerge a sistemática jusracionalista, sistemática central ou segunda


sistemática, perfeitamente clara no grandes tratados de Direito natural 101.

99
Uma resposta para tal situação foi encontrada pelos humanistas – século XVI – e,
principalmente, pelo humanista francês (…). António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil
Português, I, Parte I, Tomo I, 3.ª Edição, Almedina, 2011, pp. 68 ss.
100
“Desapegado da realidade prática do Direito, o jusracionalismo postula a elaboração integral
de um novo sistema jurídico a partir das novas ideias. O jusracionalismo só vingou numa escala muito
moderada (…)”. José Alberto Viera, Direitos Reais de Angola, op. cit. pp. 13 ss.
101
“ Dando, como exemplo, certas leis, DESCARTES explica, no que agora nos interessa, a
superioridade do conhecimento unitário que, desenvolvido a partir de uma base bem determinada, seria
conduzido por um só critério. Transcrevemos Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português,
I, Parte I, Tomo I, 3.ª Edição, Almedina, 2011, pp.70 ss.
33

A terceira forma de pensamento sistemático – sistemática moderna que surge na


Alemanha do séc. XIX; resulta de um cruzamento entre a filosofia idealista, sobretudo
de Kant, e os seus valores de igualdade e de liberdade, e o estudo histórico do Direito
102
romano, entendido como Direito positivo . “Na verdade, não se pode esquecer a
essência istórico cultural do Direito, deduzindo – o, por inteiro, do cadinho de
princípios gerais arbitrariamente fixados. Impunha-se, pois, nova síntese, que oi levado
a cabo por Savigny (1779 – 1861). Promovendo definitivamente a autonomização do
método jurídico, SAVIGNY caracteriza a Ciência do Direito como filosófica e histórica
(…) 103.

Após a concepção evolutiva do sistema impõe-se ensaiar uma concepção mais


apurada de sistemática de Direito.

Assim, na esteira de SAVIGNY, o sistema é a concatenação interior que liga


todos os institutos que liga todos os institutos jurídicos e as regras de Direito numa
grande unidade. para COING, o sistema consiste numa ordem de conhecimentos
debaixo de um único ponto de vista.

Partindo da noção clássica de KANT, CANARIS apresenta dois elementos como


característica do sistema jurídico: a ordenação e a unidade. Segundo o autor, à
ordenação prende-se com ela (…) exprimir um estado de coisas intrínseco
racionalmente apreensível, isto é, fundado na realidade. No que toca à unidade, verifica-
se que este factor modifica o que resulta já da ordenação, por não permitir uma
dispersão numa multitude de singularidades desconexas, antes devendo deixá - las
reconduzir – se a uns quantos princípios fundamentais 104.

Curioso é também, a posição de HECK assente em diferenciar o sistema interno


do sistema externo. Nesta direcção, o Direito assume duas dimensões importante: a
reguladora – constante das fontes de Direito; e a de conhecimento – propiciada pela
ciência do Direito.

A primeira dimensão, sistema de regulação ou sistema interno – sistema


normativo, existe mais ou menos desenvolvidamente, mais ou menos conscientemente,
102
“Sob a pena pioneira de SAVIGNY e da Escola Histórica, a sistemática jusracionalista recebe
a influência da história e do Direito positivo (…). Ibidem, p. 12.
103
Ibidem, p. 71.
104
Ibidem, pp. 13 ss.
34

mais ou menos elaboradamente, na prática de toda ordem jurídica historicamente


considerada. Sem este sistema, não há Direito 105.

A segunda dimensão, sistema de conhecimento assenta na dependência de uma


ciência que estuda o Direito, que o aprofunda, que desenvolve a sua linguagem e o
comunica adequadamente. A ordenação da matéria objectiva veiculada pelo sistema
normativo e constante das fontes de Direito constitui também um sistema; já não um
sistema de regulação – apesar de não ser de todo despiciendo o seu contributo para a
vertente normativa do sistema correspondente – mas um sistema de explicação ou
comunicação do Direito 106.

Contudo, a doutrina tem posto a liça as duas perspectivas expostas questionando,


no essencial, se na concepção do sistema deverá prevalecer um sentido epistemológico
ou uma acepção axiológico – normativo.

Por maioria de razão, aplaudimos a perspectiva axiológica – normativa, pois o


Direito não se afigura simplesmente lógico, é valorativo – teleológico e os valores
jurídicos acolhidos nos princípios não se retiram através dos meios da lógica formal.

Interessante é também a posição de José Alberto Viera, ao ensinar que “no plano
do alcance do sistema jurídico, reconhece-se a insuficiência do mesmo não apenas para
prever mas também para resolver todas as situações da vida carenciadas de solução
jurídica, ou seja, que o sistema não é pleno, comporta lacunas e que não faculta uma
resposta para todas elas”107.

Santos Justo, na linha de CASTANHEIRA NEVES, salienta que este sistema é


constituído por três elementos situados hierarquicamente 108:

105
Este sistema é ojectivo na medida em que existe nas fontes de Direito e é portador das
normas jurídicas reguladoras das relações sociais de dada comunidade jurídica. Ibidem, p. 15.
106
A este sistema camamos sistema científico, por a sua actividade ser levada a cabo segundo
cânones científicos. Ibidem, p. 15.
107
“Por fim, o sistema é aberto. Quer a regulação normativa do sistema interno quer o sistema
científico ou externo trazem apenas dados provisórios, nunca imutáveis ou definitivos. As fontes de
Direito modificam-se, mesmo quando não são mexidas pelo legislador, e a ciência jurídica aporta
constantemente novos conhecimentos, num movimento dialéctico incessante no sentido da evolução do
Direito”. in Direitos Reais de Angola, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 20 ss.
108
In Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 231 ss.
35

1ª Princípios normativos – têm uma natureza puramente axiológica – normativa,


fundamentam a juridicidade positiva e transmitem o dinamismo constitutivo que impede
o Direito de se esgotar num normatum (…);

2ª Normas e dogmática - em princípio, impõe-se distinguir a norma jurídica da


dogmática. A norma ou regra jurídica constituem efectivamente o segundo pilar do
sistema, aquele em que os problemas jurídicos encontram a sua solução, que se obtém
através do diálogo dos princípios normativos com a realidade social 109(…) ao passo que
a dogmática jurídica tem por escopo repensar juridicamente a solução enunciada e
elaborar a concreta solução que a realidade social reclama. Neste sentido, demarcamo-
nos da posição que persiste inserir a dogmática no pilar interno do sistema jurídico, pois
este último, encerra a estrutura externa do sistema jurídico; e

3ª Realidade jurídica – traduz o momento de unidade e de acção histórica do


direito com a sua institucionalização jurídico – social em tipos práticos de acção e em
modos concretos de organização e de associação 110.

11.Ramos do Direito

O Direito abrange matérias muito diversas, que se podem caracterizar e agrupar


por afinidade de objecto, pelo tratamento sistemático em código, por princípios comuns
e pela especialização, como subsistemas.

Estes subsistemas, com um objecto próprio e autonomizáveis, tomam a


designação de ramos do Direito 111.

11.1.Direito Público e Direito Privado (critérios de distinção)

A contraposição entre Direito público e Direito privado é explicada com recurso


a diversos critérios. Dentre os mais notáveis podemos apontar, na esteira da doutrina

109
Quanto a nós, somos de opinião que a dogmática não integra em rigor o sistema jurídico.
110
“estes três elementos relacionam-se numa unidade intrínseca que constitui o sistema
jurídico(...). Ibidem, pp. 232 – 233.
111
Rui Gomes da Silva/ Miguel Medina Silva, Teoria Gera do Direito Civil, Noções
Elementares, Âncora Editora, Lisboa, 2010, pp. 13 ss.
36

maioritária, os seguintes: critério da natureza dos interesses, critério da qualidade dos


sujeitos, critério da posição dos sujeitos.

a)Critério da natureza dos interesses

Segundo o critério em exposição, fazem parte do Direito público as normas que


asseguram a materialização dos interesses próprios da colectividade, as normas que
regulam relações jurídicas em que os fins em causa são de interesse público. Ao Direito
privado devem integrar as normas que incidem sobre as relações privadas – as relativas
aos interesses particulares.

Nestes termos, estaríamos perante uma norma de Direito público, quando o


objectivo da norma fosse a tutela de um interesse público. Inversamente, estaríamos
perante norma de Direito privado quando a norma visasse tutelar ou satisfazer interesses
individuais 112.

O critério em exame, por maioria de razão, não tem sido aplaudido pela doutrina.
Pois as normas jurídicas prosseguem simultaneamente interesses públicos e privados 113.

Contudo, os sequazes desta corrente costumam acrescer a este critério, a figura da


predominância do interesse. A despeito do esforço que tem sido desenvolvido na
direcção aludida. Temos de concluir que o critério da predominância do interesse
também não escapa algumas críticas 114.

b) critério da posição dos sujeitos

Nos termos deste critério, a distinção entre o Direito Público e Direito Privado
assenta no reconhecimento de que, em determinadas relações, as partes se encontram

112
Carlos Alberto B. Burity da Silva, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª Edição, UAN, Luanda,
pp. 20 ss.
113
Com profundidade vide ibidem, pp. 21 ss; também, A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do
Direito, op. cit. pp. 231 ss.
114
Sobre os inconvenientes da predominância dos interesses vide ibidem, p. 236; também, Carlos
Alberto B. Burity da Silva, Teoria Geral do Direito Civil, pp. 22 - 23.
37

numa situação de desigualdade jurídica – poderes de autoridade que só uma das partes
possui. Pois, pertencem ao Direito público as normas jurídicas que disciplinam as
relações de subordinação; ao Direito privado cumpre disciplinar as relações jurídicas em
que os sujeitos se encontram numa posição de paridade.

Este critério tem merecido aplausos de grande relevo na doutrina. Porém, não o
perfilhamos pois, quanto nós, está vestido de alguns vícios. Pensa-se Nos casosem o
Direito público regula relações entre entidades numa relação de equivalência ou
igualdade – autarquias locais 115.

c) Critério da qualidade dos sujeitos

De acordo com este critério o Direito privado regula as relações jurídicas


estabelecidas entre particulares ou entre particulares e o Estado ou outros entes
públicos, mas intervindo o Estado ou esses entes públicos em veste de particulares, isto
é, despidos de autoridade. Ao passo que, o Direito público é integrado pelas normas que
estruturam o Estado e outros entes públicos ou regulam relações entre esses órgãos ou
ainda, entre os entes públicos lato sensu e os particulares estando os entes públicos
vestidos do seu juis imperii.

Na esteira do Professor Burity da Silva, aplaudimos este critério porque nos


parece mais coerente para estabelecer a separação entre o Direito público e o Direito
privado, principalmente, no plano pragmático 116.

11.2. Ramos do Direito Público

115
Sobre os argumentos de defesa deste critério vide A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do
Direito, op. cit. pp. 237 ss; no mesmo plano, vide Rui Gomes da Silva/ Miguel Medina Silva, Teoria
Gera do Direito Civil, Noções Elementares, op. cit. pp. 16 ss.

116
Carlos Alberto B. Burity da Silva, Teoria Geral do Direito Civil, pp. 24 ss.
38

Quanto aos ramos de Direito cumpre destacar os seguintes: Direito Internacional


Público, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Penal e os respectivos
Direitos adjectivos 117.

-Direito Internacional Público

Summo rigore, não tem havido uniformidade entre os estudiosos desta parcela
do Direito, no que tange a definição de Direito Internacional.

Porém, têm sido utilizados, para a definição da norma internacional, critérios


que atendem aos sujeitos, ao objecto da norma e à sua forma de produção 118.

- O critério dos sujeitos do Direito Internacional

Tem sido entendido como o de mais longa tradição. No essencial, compreende


dois momentos. Por um lado, atende as relações reguladas pelo Direito Internacional
como relações entre Estados. Por outro lado, o Direito Internacional é visto na
perspectiva de regulador das relações entre sujeitos de Direito Internacional,
independentemente de estes serem ou não Estados 119.

Algum sector da doutrina, tem desaconselhado, a adopção do critério exposto. E,


nós aplaudimos tais posições. Pois, “este tipo de definições de Direito Internacional pelo
critério dos sujeitos enferma, consciente ou inconscientemente, de um preconceito
dualista, que rejeitamos, e vê o Direito Internacional, inteiramente separado da Ordem
Jurídica interna”120.

- O critério das matérias reguladas (do objecto da norma internacional)

117
A arrumação apresentada é meramente exemplificativa.
118
Idem, pág. 26.
119
Nesta direcção, vide Jorge Miranda, Curso de Direito Internacional Público, 5ª Edição,
Principia, 2012, págs. 20 ss.
120
André Gonçalves Pereira /Fausto Quadros, Manual de Direito Internacional Público, op. cit.
págs. 28 ss; também, Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Internacional Público, 3ª Edição,
Almedina, 2012, págs. 30 ss.
39

De acordo com este critério seria imprescindível e possível separar as matérias


da competência interna do Estado daquelas que interessam à sociedade internacional.
Assim, as questões de natureza interna aparecer-nos – iam regidas pelo Estado; o
Direito Internacional seria o conjunto de normas jurídicas que regula as matérias
internacionais por natureza 121.

“Mas este é também um critério com insuficiências: além de haver matérias não
internacionalizáveis, põe-se o problema prático – nalguns casos, intransponível – de
saber por onde passa a linha divisória que separaria, de harmonia com esse critério, o
Direito Internacional do Direito Interno” 122.

- O critério da forma de produção da norma internacional (das fontes


normativas)

Releva referir que este critério – proposto por KELSEN e aperfeiçoado


sobretudo por GUGGENHEIM - foi adoptado “com as necessárias adaptações” pelos
Professores André Gonçalves Pereira e Fausto Quadros. Segundo aqueles estudiosos, o
Direito internacional “é o conjunto de normas jurídicas criadas pelos processos de
produção jurídica próprios da Comunidade internacional, e que transcendem o âmbito
estadual” 123.

Apesar do mérito desta posição, somos de opinião que um critério assente nas
fontes de Direito Internacional deixa de fora elementos matérias que não podem ser
ignorados a favor dos componentes formais 124.

121
“Este critério, que foi desenvolvido por LE FUR, não teve, porém, nem aceitação doutrinária
nem utilização pelos tribunais internacionais. O Tribunal Permanente de Justiça Internacional, ao
pronunciar-se sobre a questão dos decretos tunisinos e marroquinos, no seu parecer de 7 de Fevereiro de
1923, reconheceu a impossibilidade de se encontrar uma fronteira nítida e definitiva entre as questões da
competência nacional e aquelas que interessam à Comunidade Internacional”. André Gonçalves Pereira
/Fausto Quadros, Manual de Direito Internacional Público, op. cit. págs. 28 ss
122
Transcrevemos, Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Internacional Público, op. cit.
págs. 30 ss.
123
André Gonçalves Pereira /Fausto Quadros, Manual de Direito Internacional Público, op. cit.
págs. 30 ss.
124
Para justificar o mérito desta posição os autores enunciados, trazem sobre a mesa a figura da
Comunidade Internacional, todavia os argumentos ali expostos, não são convincentes para mudarmos a
nossa posição. Idem, pág. 31 ss.
40

Destarte, abraçamos a posição do Professor Jorge Bacelar Gouveia, segundo a


qual o Direito Internacional Público, “é o sistema de princípios e normas, de natureza
jurídica, que disciplinam os membros da sociedade internacional, ao agirem numa
posição jurídico- pública, no âmbito das suas relações internacionais” 125.

- O Direito Constitucional

O Direito Constitucional, no contexto da sua inserção no Direito em geral,


consiste no sistema de princípios e de normas que fixam a organização, o
funcionamento e os limites do poder público do Estado, assim como estabelecem os
direitos das pessoas que pertencem à respectiva comunidade política. O Direito
Constitucional é a parcela da ordem jurídica que rege o próprio Estado enquanto
comunidade e enquanto poder 126.

. O Direito Constitucional compreende um conjunto de normas que recortam o


contexto jurídico correspondente à comunidade política como um todo e aí situam os
indivíduos e os grupos uns em face dos outros e frente ao Estado poder e que, ao mesmo
tempo, definem a titularidade do poder, os modos de formação da vontade política, os
órgãos de que esta carece e os actos em que se concretiza. É um ramo do Direito
Público, destacado por ser fundamental à organização e funcionamento do Estado, à
articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da
estrutura política. Tem, pois, por objecto a constituição política do Estado, no sentido
amplo de estabelecer sua estrutura, a organização de suas instituições e órgãos, o modo
de aquisição e limitação do poder, através, inclusive, da previsão de diversos direitos e
garantias fundamentais 127.

128
Segundo Bacelar Gouveia , “a expressão constitucional surgiu em França e na
Itália, aquando da elaboração dos primeiros manuais que, nos respectivos contextos de

125
In Manual de Direito Internacional Público, 3ª Edição, Almedina, 2012, págs. 34-35.
126
Jorge Bacelar Gouveia, Direito Constitucional de Angola, FDUA, Luanda, Lisboa, 2014,
págs.23 ss; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo I, 9.ª Edição, Coimbra Editora, 2011,
pp. 11 ss; Maria Manuela Magalhães Silva/ Dora Resende Alves, Noções de Direito Constitucional e
Ciência Política, Rei dos Livros, Porto, 2011, pp. 11 ss.
127
Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, Atlas Editora, São Paulo, 2003, pp. 29 ss.
128
In Direito Constitucional de Angola, FDUA, 2014, Luanda, Lisboa, 2014, pág. 24.
41

recepção do Constitucionalismo Liberal, se dedicaram ao estudo científico deste ramo


do Direito, nesse esforço se evidenciando o nome de PELLEGRINO ROSSI”.

Quanto a nós, perfilhando Raul Araújo, o Direito Constitucional é o ramo do


Direito Público “formado pelo conjunto de normas constitutivas do estatuto jurídico do
político, isto é, o conjunto de normas que estabelecem a estrutura do Estado, a
organização dos seus órgãos, o modo de aquisição do poder e a forma do seu exercício,
os limites da sua actuação, consagram e garantem os direitos e deveres fundamentais
dos cidadãos e fixam o regime político e os fundamentos da ordem jurídica económica e
social do Estado” 129.

Interessa ressaltar, que a designação, Direito político ao Direito Constitucional,


implica que as normas que as consubstanciam se reportam directa e imediatamente ao
Estado, que constituem o estatuto jurídico do Estado ou do político, que exprimem uma
específica união da dimensão política e da dimensão jurídica das relações entre os
homens. Pois, em rigor, a expressão Direito Constitucional é predominante na
regulamentação jurídica, na forma de Direito que é a Constituição. E, o Direito político
assenta sobretudo no objecto da regulamentação 130.

- O Direito Administrativo

O Direito Administrativo como ramo do Direito, o seu conceito pode variar


consoante a escola e o critério adoptado pelos autores que procuram caracterizar o seu
objecto.

No Brasil por exemplo, Hely Lopes Meirelles define o Direito Administrativo


como sendo “conjunto harmónico de princípios jurídicos que regem os órgãos, agentes e
as actividades públicas tendentes a realizar concreta, directa e imediatamente os fins
desejados do Estado”131.

129
Raul Carlos Vasques Araújo, Introdução ao Direito Constitucional Angolano, CEDP/ UAN,
2018, pp. 25 ss.
130
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, I, pp. 12 ss.
131
In Direito Administrativo Brasileiro, S. Paulo: Malheiros Editores, 2014, p. 40.
42

Em França, Jean Rivero apresenta outro conceito: “é o conjunto das regras


jurídicas distintas das do direito privado que regem a actividade administrativas das
pessoas públicas”132.

Em Portugal, Marcello Caetano define como “o sistema das normas jurídicas


que regulam, a organização e o processo próprio de agir da Administração Pública e
disciplinam as relações pelas quais ela prossiga interesses colectivos podendo usar de
iniciativa e do privilégio da execução prévia”133.

Para Freitas do Amaral, o Direito Administrativo é “o ramo do direito público


constituído pelo sistema de normas jurídicas que regulam a organização e o
funcionamento da Administração Pública, bem como as relações por ela estabelecidas
com outros sujeitos de direito no exercício da actividade administrativa de gestão
pública 134.

No contexto angolano, influenciado pela doutrina portuguesa, Carlos Feijó


define o Direito Administrativo como sendo “o ramo do direito formado por um
conjunto de princípios e normas jurídicas, que regulam a organização, o funcionamento,
o controlo da Administração Pública e as relações que esta estabelece com outros entes
jurídicos, nos actos de gestão pública”135.

Da nossa parte, manifestamos o nosso acordo a esta última, com reserva de que é
necessário ressaltar a expressão “ramo de Direito Público” 136.

Dentre as várias definições apresentadas resultam os seguintes aspectos:

1- O Direito Administrativo é um ramo de direito público;

2 - O Direito Administrativo é constituído por um sistema de normas jurídicas de


três tipos diferentes, conforme regulam a organização da Administração (normas

132
In Direito Administrativo, Coimbra: Almedina, 1981, p. 25.
133
In Manual de Direito Administrativo, Coimbra: Almedina, 2010, I vol. p. 43
134
In Curso de Direito Administrativo, Coimbra: Almedina, 2012, I vol. p. 140; também, A.
Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 245 ss.
135
In Direito Administrativo, Luanda: Mayamba Editora, 2013, p.26.
136
Relativamente a posição do Professor Freitas do Amaral, gostávamos ver incluída de forma
expressa a expressão “ controlo da administração “ pelo que parece o faz implicitamente na sua definição.
In Curso de Direito Administrativo, Coimbra: Almedina, 2012, I vol. p. 140.
43

orgânicas), o seu funcionamento (normas funcionais), as relações estabelecidas entre a


137 138
Administração e outros sujeitos de direito (normas relacionais) , ou de controlo
aquelas que visam o controlo da conformação da sua actividade com o primado da lei e
jurisdicidade;

3- O Direito Administrativo não regula toda a actividade da Administração


Pública, mas apenas uma parte dela – impõe-se nesta perspectiva distiguir duas figuras
essenciais, nomeadamente, a actividade administrativa de gestão pública e actividade
administrativa de gestão privada 139.

É comum na doutrina – e por entendermos ser pedagógicamente correcto a


perfilhamos – examinar-se os elementos que integram a definição de Direito
administrativo 140.

- O Direito Administrativo como ramo de direito público

Aludir que o Direito Administrativo é ramo de Direito público, é integra-lo no


sector da Ordem Jurídica que compreende as normas reguladoras das relações de
autoridade, para realização de interesses públicos 141.
Desta perspectiva, pode resultar dois corolários opostos:
- o Direito Administrativo distingue-se do Direito Privado;
- o Direito Administrativo insere-se no quadro de um sector normativo cuja
aplicação tende a privilegiar o interesse público face ao interesse privado.
Com efeito, qualquer que seja o critério adoptado para distinguir o direito
público do direito privado - critério do interesse, do sujeito ou dos poderes de
autoridade – o Direito Administrativo é e, será sempre um ramo do Direito Público.

-Tipos de normas administrativas

137
Ibidem, p. 140.
138
FEIJÓ, Carlos, PACA, Cremildo – Direito Administrativo, op. cit. p.30.
139
AMARAL, Diogo Freitas do – Curso de Direito Administrativo, op. cit. p. 139.
140
Por todos: ibidem, pp. 141 ss.
141
Caetano, Marcelo – Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, Rio de Janeiro:
Almedina, 1977, pp. 18 ss.
44

Sustentamos nos parágrafos anteriores, que o Direito Administrativo é um


sistema de normas jurídicas, pois infere-se que não se trata de um conjunto
desestruturado. Antes pelo contrário, “é um conjunto organizado, estruturado,
obedecendo a princípios comuns e dotado de um espírito próprio” 142.
Mas fica por explicar as modalidades que este sistema de normas jurídicas
incorpora. Assim, na esteira da doutrina maioritária as normas do Direito
Administrativo são de três tipos, nomeadamente: normas orgânicas, normas funcionais e
as normas relacionais.
143
António Francisco de Sousa , propõe uma classificação dualista, hoc sensu,
existem duas modalidades, o Direito Administrativo externo e o Direito Administrativo
interno.
No primeiro plano – Direito Administrativo externo -, “trata-se de normas e
princípios que se enquadram, nomeadamente, no domínio do regulamento
administrativo, do acto administrativo, do contrato administrativo, da responsabilidade
civil da Administração Pública”. “Regula as regula as relações jurídicas entre a
Administração e o cidadão (ou outras pessoas colectivas)” 144. No segundo plano –
Direito Administrativo interno – refere-se a “realidade complexa, que congrega uma
enorme quantidade de entes, órgãos e agentes. Estes entes, órgãos e agentes mantêm
entre si relações estreitas de organização e funcionamento, todas elas reguladas por
145
normas jurídicas” . “no passado sustentou-se a opinião (com base num conceito
restrito de lei) de que as normas internas de organização não eram direito, pelo que o
âmbito interno da Administração Pública estava liberto do direito” 146.
142
Ibidem, p. 142.
143
In Manual de Direito Administrativo Angolano, Porto: Vida Económica,2014, pp. 72 ss.
144
“O núcleo central do Direito Administrativo situa-se claramente no âmbito do direito do
direito externo”. Ibidem, pp. 72 – 73; não podemos perfilhar esta posição, pois entendemos que as normas
jurídicas administrativas desempenham sistematicamente um papel fundamental no quadro das matérias
administrativas – por essa razão, já não faz sentido, considerar a Administração como sujeito activo e os
cidadãos como sujeito passivo. Quer a administração quer os cidadãos podem assumir na relação jurídica
administrativa a posição passiva ou activa.
145
“Por exemplo, a lei determina a criação dos entes administrativos, as competências dos seus
órgãos, os deveres funcionais dos agentes públicos no exercício das suas funções administrativas”. Sousa,
António Francisco - Manual de Direito Administrativo Angolano, Porto: Vida Económica,2014, p. 73.
146
“No entanto, este direito interno (intrapessoal) não deve ser confundido com o direito externo
(interpessoal). Trata-se de planos diferentes que exigem regimes distintos”. Ibidem, p. 73; o entendimento
de que Direito Administrativo interno e Direito Administrativo externo não podem ser confundidos
45

A despeito de, no essencial, a corrente dualista não colidir com corrente


maioritária – quanto a nós, já clássica - ainda sim, perfilhamos esta última por parecer-
nos pedagógica e sistematicamente a mais coerente em termos de profundidade
dogmática.
Nessa linha, antes de desenvolvermos as modalidades que as normas jurídicas
administrativas revestem na perspectiva da doutrina “clássica” importa justificar a nossa
posição – não queremos dizer que a doutrina tida por minoritária não tenha mérito, antes
pelo contrário, é inovadora, apesar de deixar de fora alguns aspectos relevantes.
Repara-se que as expressões “Direito Administrativo interno e Direito
Administrativo externo”, podem ser facilmente posta em causa. Pois, fica por esclarecer
se ao referir-se à locução Direito quer distinguir este último de lei (lex), ou ainda num
plano mais profundo incorpora na expressão Direito os princípios fundamentais de
Direito e os costumes administrativos. Por outro lado, não é esclarecedora quanto a
posição da jurisprudência e da doutrina na materialização do Direito Administrativo
nestes dois sentidos. Contudo, é mais esclarecedora – ao nosso ver - a perscpectiva
atinente as normas jurídicas administrativas pois, desta análise facilmente depreende-se
que neste quadro normas significam normas e princípios pautados num diploma
específico – lei em sentido amplo ou restrito (Constituição ou lei ordinária).
Em fim, a expressão Direito Administrativo interno – para incluir o mecanismo
de organização dos órgãos, agentes e as respectivas competências e atribuições – pode
induzir os leigos nestas matérias que o Direito Administrativo nesta direcção não tem
efeitos externos – não confere aos particulares verdadeiras posições jurídicas activas ou
subjectiva.
Após este breve esclarecimento passemos então ao exame da perspectiva que
adoptamos.
1) Normas orgânicas – são regras e princípios que estabelecem as entidades e
organismos que fazem parte da Administração, e que determinam a sua estrutura, os
seus órgãos e os seus serviços; tratam-se de normas que regulam a organização da
Administração Pública 147.

parece ser pacífico mas avocar um regime distinto para um e outro é em nosso entender motivo de debate.
147
FEIJÓ, Carlos, PACA, Cremildo – Direito Administrativo, op. cit. pp.29 - 30; AMARAL,
Diogo Freitas do – Curso de Direito Administrativo, op. cit. pp. 139.142 ss.
46

Cumpre ressaltar que essas normas nem sempre foram consideradas como
normas jurídicas, houve tempo em que estas eram entendidas como simples normas
internas sem qualquer efeito jurídico externo. Assim, as normas orgânicas seriam
simplesmente normas internas dirigidas a organizar da melhor forma a estrutura da
Administração, mas com as quais os particulares não podiam beneficiar nem ser
prejudicados. “Hoje não é assim: as normas orgânicas são normas jurídicas e têm
eficácia externa, pelo que interessam (e muito) aos particulares”148.
“Há uma tendência moderna para equacionar estes prolemas de organização em
termos que suplantam, e muito, os simples aspectos internos de uma qualquer técnica
organizativa, e que colocam directamente questões fundamentais relacionadas com os
direitos e liberdades do cidadão, com os modos de estruturação do Poder e com a
própria concepção do Estado: é toda a problemática da participação dos cidadãos no
149
funcionamento da Administração e da descentralização do Poder” . Trata-se de uma
perspectiva que tem se afirmado inclusive no quadro jurídico – constitucional, pois,
parece –nos ser nessa direção em a Constituição refere “a Administração Pública é
estruturada com base nos princípios da simplificação administrativa, da aproximação
150
dos serviços às populações e da desconcentração e descentralização administrativas ”;
“a lei estabelece as formas e graus de participação dos particulares, da desconcentração
e da descentralização administrativas” 151(…).
2) Normas funcionais – nesta categoria integram aquelas normas que dizem
respeito ao modo de agir específico da Administração Pública, estabelecendo processos
de funcionamento, métodos de trabalho, tramitação a seguir, formalidades a cumprir,

148
Ibidem, p. 143; um exemplo de escola pode facilitar a compreensão: uma lei diz que a licença
de importação de arroz, por hipótese, é da competência do Ministro da Economia, ouvido o parecer do
Banco Nacional de Angola; suponhamos que, em vez de se limitar a dizer que dá parecer negativo àquela
importação, para que depois o Ministro, se assim o entender, recuse a licença, o BNA toma ele a decisão
de recusar a licença, e comunica directamente ao interessado que a sua importação foi recusada por
deliberação deste Banco. Saber se quem deve dar ou recusar as licenças de importação de arroz é o
Ministro da Economia ou é o BNA é uma questão de organização, é um problema de distribuição de
competência entre órgãos, mas tem a maior importância como problema de defesa dos direitos dos
particulares …ibidem, pp. 143 – 144.
149
Ibidem, p. 144.
150
N.º 1 do artigo 199.º da CRA.
151
N.º 2 do artigo 199.º da CRA.
47

152
etc. . Em resumo, podemos realçar que tratam-se de normas cuja natureza é
meramente processual 153.
3) Normas relacionais – são regras e princípios que regulam as relações entre a
Administração e outros sujeitos de direito no desempenho da actividade administrativa
– de gestão pública. Dizem respeito, as normas jurídicas de Direito Público que regulam
as relações estabelecidas entre a Administração Pública e outros entes jurídicos, quer
privados, quer públicos, no exercício da actividade que a lei coloca a seu cargo 154.
Amiúde, na doutrina tem predominado algumas posições destinadas a distinguir
as normas relacionais das outras já afloradas – orgânicas e e funcionais: “ai surgem
verdadeiras relações jurídicas”…155; “relação da administração e os particulares”… 156;
“são as mais importantes”… 157.
Vamos examinar as posições doutrinais mencionadas.
Começando pela ordem que figuramos, temos: “ai surgem verdadeiras relações
jurídicas”…; na esteira desta posição as normas relacionais em contraposto com as
normas orgânicas e funcionais subjazem verdadeiras relações jurídicas na medida em
que ambos os sujeitos – Administração e outra pessoa - estejam submetidos ao Direito e
vinculados entre si em termos de poder – dever. Será esta posição de aceitar sem
refutações? Em nossa opinião, carece de cerradas críticas.
Ora, aplaudir que as normas relações brotam verdadeiras relações jurídicas nos
termos exposto pode induzir – sobretudo os leigos – o interprete e o aplicador das
normas de Direito Administrativo num erro de perspectiva, pois prima facie, deixa a
percepção que as outras normas – orgânicas e funcionais – não são verdadeiras normas

152
FEIJÓ, Carlos, PACA, Cremildo – Direito Administrativo, op. cit. pp.29 - 30; AMARAL,
Diogo Freitas do – Curso de Direito Administrativo, op. cit. pp. 139 ss; também SOUSA, Marcelo
Rebelo de – Lições de Direito Administrativo, Lisboa: Lex, Volume I, 1999, pp. 56 ss.
153
Com maior desenvolvimento, ibidem, pp. 145 – 146; não queremos dizer que as normas de
natureza funcional ou orgânicas não contemplem em muitíssimos casos relações também: “mas estas
relações são orgânicas ou internas, isto, é põem em contacto dois órgãos da mesma pessoa colectiva, ou
órgãos e agentes dela”. CAETANO, Marcello – Manual de Direito Administrativo, op. cit. p. 43.
154
FEIJÓ, Carlos, PACA, Cremildo – Direito Administrativo, op. cit. p. 32.
155
Ibidem, p. 43.
156
SOUSA, Marcelo Rebelo de – Lições de Direito Administrativo, op. cit. p. 57.
157
AMARAL, Diogo Freitas do – Curso de Direito Administrativo, op. cit. p. 147.
48

jurídicas – desvirtuando assim, os efeitos jurídicos que estas despoletam principalmente


na esfera jurídica dos particulares 158.
Relativamente a posição “relação da administração e os particulares…”; para
referir que no plano das normas relacionais está em destaque dois sujeitos de direito –
Administração Pública e os Particulares – cujo efeito imediato tem que ver com o facto
da prevalência do interesse público; fica-se por esclarecer – em nossa opinião - se nesta
relação jurídica os particulares são sempre os sujeitos activos e a Administração os
sujeitos passivos. Porém, na actualidade não é bem assim, pois, “no desempenho da sua
actividade, a Administração é uma vezes sujeito activo, mas outras vezes sujeito
passivo, assim como os particulares nuns casos são sujeitos passivos, mas noutros são
159
verdadeiros sujeitos activos” . Daí a designação de particulares e não de
administrados 160.
No que toca a esta última, “são as mais importantes…”; “até porque representam
a maior parte do Direito Administrativo material” ; justificando simplesmente que as
outras são orgânicas e processuais. Somos de opinião que esta posição peca por critérios
de elegância técnica. Pois, no plano científico não nos parece coerente aferir um critério
quantitativo sem que em termos práticos se leve em linha de conta dados numéricos.
Por conseguinte, parece-nos que a pretensão desta corrente de opinião - apesar
de configurar uma posição relevante - não é esclarecedora quanto ao critério a ter em
conta para distinguir quais dentre as normas de Direito Administrativo é a mais
importante 161.
4) Normas de controlo - nesta categoria inserem-se um leque de regras e
princípios que visam o controlo da actividade administrativa. Entre nós, esta categoria
normativa deve-se aos Senhores Professores Carlos Feijó e Cremildo Paca, que
demarcando-se da doutrina tradicional “portuguesa” – as normas incorporadas na
definição de Direito administrativo seriam apenas de três tipos: orgânicas, funcionais e
relacionais - aditam as chamadas normas de controlo 162.
158
Sobre a relevância jurídica das normas orgânicas vide o exemplo a que nos referimos a supra.
Referência n.º 125.
159
Ibidem, p. 146.
160
Ibidem, p. 146.
161
Baseou-se num critério quantitativo ou qualitativo? Como se pode compreender em termos
práticos?
162
In Direito Administrativo, op. cit. p. 30.
49

De acordo com os Professores em referência, “o próprio funcionamento das


sociedades hodiernas impõe a existência de instrumentos normativos de controlo da
conformação da sua actividade com o primado de legalidade e juridicidade. Assim,
teremos normas que regulam o auto- controlo (reclamações, inspecções, sindicâncias,
etc.) e normas cuja essencialidade é a regulamentação do hetero-controlo (controlo
financeiro, no domínio da tutela e superintendência, para além do jurisdicional nos actos
de outra natureza)” 163.
Aludem ainda aqueles estudiosos que “em termos de actuação administrativa, as
normas de controlo têm em vista a actuação em consonância ou harmonia com os
164
princípios e fins que lhes são impostos pelas normas legais” …; e, concluem,
salientando que “neste particular, normas de controlo são, por exemplo, as normas que
incidem sobre os órgãos de apreciação do desempenho da Administração, os de
natureza inspectiva, os de autorização prévia e julgamento das contas públicas, tais
sendo, de entre várias, as que submetem os órgãos à jurisdição do Tribunal de Contas,
as que exigem fiscalização preventiva dos contratos sobre determinado montante, etc”
165
.
A tese apreciada – dos Professores em referência- tem elevado mérito, razão
bastante para aplaudirmos e perfilharmos, mas a essência socrática obriga-nos reflectir
sobre ela previamente. Neste sentido, questionamos: não serão estas normas de controlo,
no essencial, as chamadas normas relacionais que já foram objecto de análise?
As normas relacionais na linha clássica põem em contacto a Administração
Pública e outros entes jurídicos – sujeitos de direito. E, as normas de controlo divergem
desta posição? Nalgumas vezes sim, outras vezes não. Ora vejamos: ao aludir-se que
são norma de controlo as referentes a “regulamentação do hetero – controlo (controlo
financeiro, no domínio da tutela e superintendência)” está-se claramente a evidenciar o
relacionamento entre a Administração (directa do Estado) com outros sujeitos de direito

163
Podemos arrolar no Decreto-Lei 16-A/96, de 15 Dezembro, inter alia, os a rts. 108.º, 119.º.
Por exemplo, o seu n.º1 diz que “o recurso tutelar tem por objectos actos administrativos praticados por
órgãos de pessoas colectivas públicas sujeitas à tutela e superintendência”. Neste sentido, pode aludir-se
ao art. 17.º do Decreto-Lei 9/03, de 28 de Outubro, porquanto, para efeitos de prestação de contas, diz
“anualmente, com referência a 31 de Dezembro de cada ano, serão submetidos aos órgãos competentes do
Ministério das Finanças, com conhecimento entidade tutela, o relatório anual de actividades, a conta anual
de gerência …”. Ibidem, pp. 29 ss.
164
Ibidem, p. 31.
165
Ibidem, pp. 31 - 32.
50

– Estado (Administração directa do Estado) e Administração autónoma (Autarquia


Local e Associações Públicas); Estado (Administração directa do Estado) e Empresas
públicas e Institutos Públicos (Administração indirecta)166. Hoc sensu, as normas de
controlo casam com as normas relacionais; mas podemos aceitar que este casamente
pode apresentar laivos de divórcio no quadro da relação entre a Administração e o
Tribunal de Contas - “autorização prévia e julgamento das contas públicas, tais sendo,
de entre várias, as que submetem os órgãos à jurisdição do Tribunal de Contas …”. Mas
ainda sim, esta perspectiva só será coerente se excluirmos o Tribunal de Contas na
167
estrutura da Administração Pública . Matéria que será objecto de exame no capítulo
atinente a Organização Administrativa Angolana.

- Actividade de gestão pública e de gestão privada

Em sede da definição de Direito Administrativo, verificou-se que as normas que


o compõem dizem respeito “a organização, o funcionamento, o controlo da
Administração Pública e as relações que esta estabelece com outros entes jurídicos, nos
168
actos de gestão pública ”. Neste sentido, ressalta clarificar que os actos de gestão
pública distinguem-se dos actos de gestão privada, apesar de ambos incidirem a
actividades desenvolvidas pela Administração Pública.

Por actos de gestão pública - actividade de gestão pública - quer-se referir uma
série de actos praticados pela administração sob égide do Direito Administrativo. Pois
fica excluído do âmbito deste ramo do Direito – Direito Administrativo – todas as
actividades desenvolvidas pela Administração sob égide do Direito Privado – Direito
Civil, Direito Comercial, Direito do Trabalho, etc 169.
166
Neste sentido, AMARAL, Diogo Freitas do – Curso de Direito Administrativo, op. cit. p.
147.
167
Na realidade portuguesa, parece não haver dificuldade em incluir o Tribunal de Contas na
estrutura da Administração Pública, como salienta Freitas do Amaral, “ o Tribunal de contas é um órgão
fundamental da Administração Pública no nosso País…”. In Curso de Direito Administrativo, op. cit.
p. 297. Entre nós, parece haver um rumo distinto vide Araújo, Raúl Carlos Vasques,Introdução ao
Direito Constitucional Angolano, Luanda: CEDP/UAN, 2018, pp. 271 ss.
168
Supra n.º 11.2.2.
169
AMARAL, Diogo Freitas do – Curso de Direito Administrativo, op. cit. pp. 149 - 151.
51

Ressalta sublinhar que o Direito Administrativo não é o único meio utilizado


pela Administração Pública para efectivação do interesse público. Pois, para além de
cobrar impostos, expropriar terrenos, conceder ou negar licenças e autorizações …, a
Administração Pública pode comprar, vender, doar, emprestar, arrendar … e, ao realizar
actividades atinentes a esta última, está a desenvolver uma actividade de gestão privada
170
.

Porém, é questionável se Administração pode optar discricionariamente por um


ou por outro, e qual o grau de controlo que sobre a sua actuação à luz do direito privado
171
exerce o Direito Administrativo . Sobre o tema em alusão a doutrina traz a lume a
figura designada “fuga para o Direito Privado” 172.

- O Direito Penal

O Direito Penal é o ramo de Direito público constituído por um sistema de


normas jurídicas que definem os crimes e estabelecem as correspondentes penas e
medidas de segurança 173.

- Ramos de Direito (adjectivo)

Os ramos que integram a esfera processual, adjectivo ao Direito Constitucional,


Direito Penal e ao Direito Administrativo são basicamente os seguintes:

- Direito processual Constitucional; Direito Processual Penal e o Direito Processual


Administrativo – Contencioso Administrativo.

170
“São actos de gestão privada os que se compreendem numa actividade em que a pessoa
colectiva, despida do poder público, se encontra e actua numa posição de paridade com os particulares a
que os respeitam e, portanto, nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia proceder um
particular, com submissão às normas de direito privado”. Ibidem, p. 150.
171
Ibidem, p. 151.
172
Com profundidade, António Francisco Sousa, Manual de Direito Administrativo Angolano,
op. cit. pp. 73 - 74.
173
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 249 ss.
52

- Ramos do Direito privado

Os ramos de Direito privado são inúmeros, pelo que cumpre mencionar os


seguintes: Direito Civil – Direito das Obrigações, Direitos Reais, Direito da Família,
Direito das Sucessões, Direito Internacional Privado e Direito Comercial 174.

11.4. Ramos mistos de Direito Público e de Direito Privado

No quadro desta categoria a doutrina costuma mencionar os seguintes: Direito


do Trabalho, o Direto das Empesas (…).

11.6. Ciências auxiliares do Direito

CAPÍTULO IV - FONTES DO DIREITO

10. O problema das fontes do Direito Positivo

12. Noção

Ab initio, cumpre salientar que, a palavra fonte provém do latim, fons, fontis e
significa nascente de água. No âmbito da Ciência jurídica é empregada como metáfora,
inquirir sobre a fonte de uma regra jurídica – buscar o ponto pelo qual sai das
profundidades da vida social para aparecer na superfície do Direito 175.
O tema em apreço, fontes do Direito, não obstante ter perdurado ao longo dos
176
séculos, ainda, é hodiernamente objecto de muitas divergências . Põe-se em liça a
questão de saber, qual é o sentido com que se emprega a expressão sub judice – a
inquestionável verdade centra-se no facto de em sede da literatura jurídica, a expressão
ser usada numa multiplicidade de sentidos.

174
Com profundidade vide A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 260 ss.
175
Paulo Nader, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 148 ss.
176
Rigorosamente, não se sabe ao certo quem dentre os juristas mais conceituados quem dedicou
atenção ao respectivo estudo, contudo, a doutrina costuma apontar CÍCERO e num plano mais recente,
TITO LÍVIO. Sobre o assunto Vide A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 187 ss;
Jorge Bacelar Gouveia, Direito Constitucional de Angola, op. cit. pp. 492 ss.
53

177
Assim, o Professor Burity da Silva , na esteira de Oliveira Ascensão, elenca
178
uma diversidade de sentidos, designadamente: sentido histórico , sentido instrumental
179 180
, sentido orgânico , sentido material ou sociológico181 e o sentido técnico jurídico
ou dogmático 182.

Sentido histórico - Diz respeito as origens históricas de um dado sistema


jurídico. Assim, é legítimo afirmar que o Direito português é fonte do Direito angolano.
Na verdade, apesar de o Direito constituir um resultado modificável no tempo e no
espaço, abarca muitas ideias duradouras. O desenvolvimento dos costumes que se
preservam presentes na ordem jurídica. A evolução dos costumes e o progresso arrastam
o legislador a criar novas formas de aplicação para esses princípios. As fontes históricas
do Direito indicam a gênese das modernas instituições jurídicas: a época, local, as
razões que determinaram a sua formação 183.
Sentido instrumental - Fala-se aqui de fontes de conhecimento, referentes aos
textos onde se encontram as normas jurídicas. Trata-se dos documentos que contêm os
184
preceitos, daí a designação fontes cognoscendi .

Sentido orgânico - Subjaz aos órgãos ou entidades com legitimidade para


criarem Direito, entre nós, Assembleia Nacional e o Presidente da República 185.

177
In Teoria Geral do Direito Civil, op. cit. pp. 31 ss.
178
Diz respeito as origens históricas de um dado sistema jurídico. Assim, é legítimo afirmar que
o Direito português é fonte do Direito angolano. Ibidem, p. 32.
179
Fala-se aqui de fontes de conhecimento, referentes aos textos onde se encontram as normas
jurídicas. Trata-se dos documentos que contêm os preceitos, daí a designação fontes cognoscendi (…).A.
Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 187 ss; Carlos Alberto Burity da Silva, Teoria
Geral do Direito Civil, op. cit. pp. 32 - 33.
180
Subjaz aos órgãos ou entidades com legitimidade para criarem Direito, entre nós, Assembleia
Nacional e o Presidente da República (…).Ibidem, p. 33.
181
“ São fontes do Direito os interesses, factores ou condicionamentos de ordem social que
determinam a produção e o conteúdo das prescrições jurídicas”(…). Ibidem, p. 34.
182
“São os modos de formação e de revelação das normas jurídicas” (…).Ibidem, p. 33.
183
Ibidem, p. 32.
184
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 187 ss; Carlos Alberto Burity da
Silva, Teoria Geral do Direito Civil, op. cit. pp. 32 - 33.
185
Ibidem, p. 33.
54

Sentido material ou sociológico – neste plano, as fontes do Direito são os


interesses, factores ou condicionamentos de ordem social que determinam a produção e
o conteúdo das prescrições jurídicas. Pois, o Direito não é um produto despótico da
vontade do legislador, mas uma obra que se lastreia no querer social. “É a sociedade,
como centro de relações de vida, como sede de acontecimentos que envolvem o homem,
quem fornece ao legislador os elementos necessários à formação dos estatutos jurídicos”
186
.
Sentido técnico jurídico ou dogmático - refere-se aos modos de formação e
187
de revelação das normas jurídicas . Encerra os meios de expressão do Direito, as
formas pelas quais as normas jurídicas se exteriorizam, tornam-se conhecidas. Para que
um processo jurídico constitua fonte formal é necessário que tenha o poder de criar o
Direito.
Noutro polo, NADER, releva, apenas, três tipos de fontes do Direito: históricas
188
, materiais189 e formais 190.

De entre as acepções expostas, perfilhamos o sentido técnico jurídico. Pois no


seu âmago encerra duas contraposições, já consideradas clássicas, entre 191:

- Fontes matérias e fontes formais; e

- Fontes imediatas e fontes mediatas.

Do confronto em apreço verifica-se, amiúde, o sacrifício das fontes mediatas e


das fontes matérias, em benefício das fontes formais e das fontes imediatas. Pois, estas
últimas, são tidas como as verdadeiras fontes jurídicas operativas e relevantes, no
respectivo sentido jurídico como modos de produção e de revelação de normas e

186
Ibidem, p. 34.
187
Ibidem, p. 33.
188
As fontes históricas do Direito indicam à origem das modernas instituições jurídicas - a
época, local e as razões que ocasionaram a sua constituição. Paulo Nader, Introdução ao Estudo do
Direito, op. cit. p. 149.
189
“O Direito não é um produto arbitrário da vontade do legislador, mas uma criação que se lastreia
no querer social”. Ibidem, p. 150.
190
Dizem respeito aos meios de expressão do Direito, as formas pelas quais as normas jurídicas se
tornam conhecidas. Ibidem, p. 150.
191
Jorge Bacelar Gouveia, Direito Constitucional de Angola, op. cit. pp. 493 ss.; também, Carlos
Alberto Burity da Silva, Teoria Geral do Direito Civil, op. cit. 34.
55

princípios jurídicos. As outras, as fontes materiais e mediatas, são tidas como relevantes
apenas no plano político, social, cultural e psicológico, mas que não incidem ao nível da
criação do Direito 192.

As fontes do Direito, na esteira da tipologia clássica, podem assumir a seguinte


arrumação: a Constituição, lei, a jurisprudência, a doutrina, o costume e os princípios
fundamentais do Direito.

Com base nessa ordem, a doutrina costuma apresentar várias propostas para
193
estruturar as fontes do Direito, contrapondo - as em: imediatas e mediatas , Formais e
não formais194 e voluntárias e não voluntárias.

As modalidades enunciadas, no essencial, não alteram o agrupamento tradicional


a que as fontes do Direito estão sujeitas. Pelo que a preferência numa ou noutra
tipologia, parece-nos, fundamenta-se num critério, meramente, opcional 195.

Destarte, as fontes do Direito categorizam-se, em voluntárias e não voluntárias


196
.

As fontes voluntárias resultam de um acto de vontade; “explicitam uma vontade


dirigida especificamente à criação duma norma jurídica. Integram neste elenco as leis, a

192
Jorge Bacelar Gouveia, Direito Constitucional de Angola, op. cit. pp. 492 ss.
193
As fontes imediatas traduzem-se em disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais
competentes. As fontes mediatas a despeito de conterem mecanismos de revelação das normas jurídicas
servem somente para influenciar as fontes imediatas. Ibidem, pp. 493 ss; ainda sobre a noção de fontes
imediatas e mediatas vide José Alberto González, Código Civil Anotado, Volume, Quid Juris, 2011, pp.
18 – 19.
194
A distinção entre as fontes formais e as não formais ou matérias assenta no facto de as primeiras
terem que ver com o modo típico de formação e revelação das normas jurídicas ao passo que as
segundam traduzem tão só a ratio legis das respectivas fontes formais.
195
O essencial no quadro da arrumação das fontes do Direito, parece-nos, não incide sobre a
categoria previamente eleita mas sim, no significado que cada uma encerra no panorama da
sistematização da ordem jurídica angolana.
196
Isto não quer dizer que, em termos práticos, a opção por uma ou outra classificação, não faça
deslocar, determinada fonte do Direito, no quadro categórico em que se enquadra consoante ao
agrupamento adoptado. Contudo, o deslocamento de uma, determinada, fonte do Direito de uma órbita
para outra, não modificada o seu significado e a sua importância prática em sede do sistema jurídico em
que se insere.
56

jurisprudência e a doutrina (esta última, com a devida ressalva, já não integra as fontes
do Direito) 197.

As fontes voluntárias podem, ainda , assumir duas dimensões: as fontes


heterovinculativas e as fontes auto vinculativas 198.

As fontes não voluntárias são, inversamente, aquelas que não resultam de um


acto de vontade; em termos gerais, surgem de forma involuntária no âmbito da
convivência social 199. Incorporam esta modalidade, de fontes do Direito, o costume 200

e os princípios fundamentais de Direito.

Tem sido ponto assente na doutrina que cada ordenamento jurídico tem a
sublime legitimidade de fixar as suas fontes do Direito, porém, na tradição romana –
germânica, de matriz ocidental, em que o nosso sistema jurídico se insere impõe –se a
summa divisio, entre Direito público e o Direito privado.

Destarte, a teoria clássica, que tendencialmente costuma merecer aplausos dos


civilistas, tem citado as fontes do Direito com recurso ao CC. Contudo, tal maneira de
referir-se as fontes do Direito tem merecido cerradas críticas, da esmagadora maioria,
dos jus publicistas, com destaque aos da praça portuguesa 201.

Jorge Bacelar Gouveia, no quadro das respectivas censuras ao CC, alude que
estruturar as fontes do Direito com base no CC, “é uma maneira totalmente errada de
197
Sobre o tema vide, Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 208 – 211.
198
Tal distinção reveste, capital, importância em sede do Direito Administrativo. Assim, As
primeiras - heterovinculativas - são de cinco tipo : a Constituição; os actos legislativos; os actos
praticados no exercício da função política que, independentemente de terem ou não conteúdo normativo,
produza efeitos sobre a Administrativa pública. O conjunto de decisões dos tribunais – jurisprudência; e a
doutrina – teorias e opiniões formuladas por escrito, pelos teóricos da Ciência do Direito. As segundas -
auto vinculativas - são de dois grupos : os casos de Auto - vinculação unilateral, nesta sede, os mais
nótaveis são os seguintes: o regulamento administrativo; o acto administrativo constitutivo de posições
jurídicas subjectivas; o precedente administrativo, seja resultado de um acto administrativo anterior ou
um mero comportamento factual da administração; as directivas e a promessa. Carlos Feijó, / Cremildo
Paca, Direito Administrativo, op. cit. p. 34 ss.
199
Jorge Bacelar Gouveia, Direito Constitucional de Angola, op. cit. pp. 492 ss.
200
Artigo 7.º da CRA.
201
Diogo Freitas do Amaral, Da necessidade de revisão dos artigos 1.º a 13.º do CC, in RFDUNL,
ano 1º, n º 1 de 2000, Lisboa, pp. 9 ss.; Jorge Bacelar Gouveia, Direito Constitucional de Angola, op. cit.
pp. 495 ss.
57

ver o problema porque são várias as dúvidas que se detectam no ponto de partida que o
CC pretende fornecer neste domínio”. O conceituado Professor, resume as suas críticas
em três pontos essências:

- “A desfocada concepção definitória das fontes do Direito em geral;

- A omissão de outras fontes normativas igualmente relevantes;

- A insuficiente identificação das fontes normativas previstas” 202.

Em nossa opinião, as críticas enunciadas revestem alguma carga de razão,


todavia, parece-nos muito contundentes ao ponto de não relevar a teoria geral do Direito
civil, que por razões culturais e históricas incidem quer ao Direito Privado, quer ao
Direito público 203.

Assim, propomos a seguinte arrumação das fontes do Direito: A lei, o costume,


os princípios fundamentais de Direito, a jurisprudência e a doutrina.

I.A Lei

O que é a lei?

A expressão, lei, apresenta vários sentidos que cumpre esclarecer, de modos a se


evitar percepções descontextualizadas.

O homem, enquanto ser vivo rege-se pelas leis da natureza. É nesta perspectiva,
que se pode dizer que o universo está sujeito a leis e que todos os seres possuem as suas
próprias leis. Repara-se que a expressão lei, neste sentido, não está a ser empregue no
seu sentido técnico ou jurídico.

É comum, na doutrina, empregar – se a palavra lei, noutros várias sentidos: leis


jurídicas, leis religiosas, leis morais, leis de trato social. Nessa esteira, a lei prende-se a
um todo social, tem um sentido muito amplo.

A palavra lei pode, ainda, ser utilizada num sentido jurídico referindo-se ao
conjunto de normas jurídicas que regem uma determinada sociedade, lei como sinónimo
de Direito, porém, mesmo assim a expressão se emprega num sentido amplo, pois
202
In Direito Constitucional de Angola, op. cit. pp. 496 ss.
203
Sobre a dimensão comum do Direito Civil, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito
Civil Português, op. cit. pp. 55 ss.
58

abarca o sentido de todo acto normativo (mas já não um sentido muito amplo, pois
delimita-se ao jurídico afastando-se de outras ordens normativas).

Contudo, é neste quadro em que se insere a lei enquanto expressão sinónima de


Direito e acto normativo.

Nessa qualidade, de acto normativo a lei compreende:

- os actos constitucionais;

- os actos legislativos;

- os actos políticos;

- os actos administrativos.

ii.A Constituição e os actos constitucionais

É legítimo formular a seguinte questão: A Constituição é, ou não, uma lei?

Ora bem, em bom rigor a Constituição não é uma lei em sentido restrito ou
técnico. Pois resulta da função constitucional e não da função legislativa, isto é, a
legitimidade que o Estado tem para elaborar e aprovar uma Constituição, lhe subjaz o
exercício do poder constituinte 204.

Refere-se, nesta linha, ao estalão da ordem jurídica que se traduz num “acto de
poder público dotado de supremacia máxima na ordem jurídica estadual, regulando a
organização dos respectivos sistemas social, económico e político” 205.

Rigorosamente, a Constituição distingue – se, também, da lei de revisão


constitucional, cujo escopo assenta em alterar o texto constitucional. Acto normativo
que passa a constituir parte integrante da Constituição modificada. Diferenciando-se

204
Sobre o poder Constituinte vide J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da
Constituição, op. cit. pp. 73 ss; Jorge Bacelar Gouveia, Direito Constitucional de Angola, op. cit. pp. 200
ss; Raúl Vasques Araújo, Introdução ao Direito Constitucional Angolano, pp. 47 ss.

205
Jorge Bacelar Gouveia, Direito Constitucional de Angola, op. cit. pp. 165 ss.
59

apenas da Constituição em virtude do poder constituinte que lhe dá ser um poder


derivado e não original, como é caso da Constituição 206.

iii. Actos legislativos

Nesta categoria de actos normativos, releva separar os actos legislativos


parlamentares dos actos legislativos presidenciais. Aqui sim, a lei toma o seu sentido
estrito, verdadeiro, «trata-se de todo acto normativo praticado por uma entidade,
207
constitucionalmente competente (Assembleia Nacional e o Presidente da República
208
), no exercício da função legislativa do Estado» 209.

Do exposto, se pode, ab initio, verificar que os actos legislativos parlamentares


dizem respeito as leis de competência absoluta da Assembleia Nacional e as que se
situam na sua competência relativa, cuja partilha com o Presidente da República
210
constitui uma imposição constitucional . No que toca aos actos legislativos
presidências, referem-se aos actos que decorrem dessa partilha do poder de legislar,
porém, o presidente da República na maior parte das matérias, maxime as previstas no
artigo 165.º da CRA, depende de uma lei de autorização legislativa que deverá, sempre
que for necessário, solicitar a Assembleia 211.

iii. i. Procedimento legislativo

A feitura da lei obedece determinadas etapas cuja observância interessa


examinar, pois o desrespeito dos ditames pré estabelecidos para elaboração de um acto
jurídico – público, implica sanções de vária ordem no plano jurídico – político.
206
Artigos 161.º a) , 166.º n.º 1 e 2 a), 233.º a 237.º CRA.
207
Artigos 160.º a); 161.º b), c), 164.º , 165.º ,166.º , 167.º, 169.º n.º 2 e 3, 170.º, 171.º , 172.º, 173.º
205.º da CRA.
208
Artigos 120.º e), 125.º , 126.º e 165.º da CRA.
209
Reitera-se, que a função legislativa é o poder que o Estado tem para elaborar e aprovar uma lei.
210
Artigos 164.º e 165.º da CRA.
211
Sublinha-se que os actos legislativos parlamentares e os actos legislativos presidenciais, situam-se
no mesmo plano hierárquico, pois ambos derivam da função legislativa do Estado.
60

Por procedimento legislativo entende – se, a sequência de actos imprescindíveis


para originar um acto legislativo. “É um complexo de actos, qualitativa e
funcionalmente heterogéneos e autónomos, praticados por sujeitos diversos e dirigidos à
produção de uma lei do parlamento” 212, entre nós, Assembleia Nacional.

O procedimento legislativo, em geral, compreende as seguintes fases: a fase da


iniciativa, a fase da instrução, a fase da aprovação, a fase da promulgação e a fase da
eficácia.

A fase da iniciativa

Diz respeito, ao momento em que a feitura de um acto legislativo começa a sua


caminhada. A fase em apreço, tem como encargo colocar em andamento o poder
legislativo, fornecendo-lhe o impulso necessário para sequência procedimental 213.

A fase da iniciativa legislativa pode apresentar diversas classificações:

- iniciativa interna e iniciativa externa 214;

- Iniciativa geral e iniciativa específica;

- iniciativa reservada e iniciativa concorrente;

- iniciativa originária e iniciativa superveniente.

A fase da instrução

Tem que ver com um segundo momento, traduz-se na reflexão sobre o sentido
contido na iniciativa, “sendo conveniente e também por vezes necessário obter
informações e opiniões suplementares para melhor legislar” 215.

212
J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, op. cit. pp. 871 ss;
213
A iniciativa legislativa distingue-se dos simples impulsos legislativos: «a decisão positiva do
Tribunal Constitucional de verificação da inconstitucionalidade por omissão; a decisão referendária
vinculativa (…)» . J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, op. cit. pp.
871 ss;
214
Explica-se pelo facto de a iniciativa legislativa ser desencadeada dentro da Assembleia Nacional –
pelos Deputados; ou fora da Assembleia, pelo Presidente da República ou pelos cidadãos. Artigo 167.º n.º
1 – 6.
61

Fase da aprovação

A fase em referência compreende três actos diferentes: a votação na


generalidade, a votação na especialidade e a votação final global 216.

Fase da promulgação

Esta fase tem como protagonista o Presidente da República, que no quadro da


sua competência política a exerce. o Presidente da República tem ao seu dispor três
comportamentos alternativos: o pedido da fiscalização preventiva da constitucionalidade
do decreto; a promulgação do decreto; e o veto político do decreto 217.

A fase da eficácia

Trata - se da fase que se ocupa com à entrada em vigor do diploma, momento a


partir do qual a lei começa efectivamente a produzir os seus efeitos jurídicos 218.

Cessação de vigência 219

215
Vide Jorge Bacelar Gouveia, Direito Constitucional de Angola, op. cit. pp. 165 ss. também,
artigos 178.º e ss da Lei 13/12, de 2 de Maio, Lei Orgânica do Regimento da Assembleia Nacional.
216
Artigos 191.º , 192.º e 196.º da Lei 13/12, de 2 de Maio, Lei Orgânica do Regimento da
Assembleia Nacional.
217
124.º e 228.º n.º 3 da CRA, e o artigo 201.º da Lei 13/12, de 2 de Maio, Lei Orgânica do
Regimento da Assembleia Nacional; a quem prefere a designação fase de controlo para referir-se a
mesma realidade, assim, J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, op. cit.
p. 877.
218
Artigo 125.º n. 1 da CRA; artigos 3º nº 1; 4.º n.º 1 e 2; da Lei n.º 7/14 de 26 de Maio, Lei sobre
da Publicações Oficiais e Formulários dos diplomas Legais; é nesta fase que cumpre destacar a figura da
Vacatio legis, traduz-se no tempo que decorre entre a publicação e a entrada em vigor da lei, considerado
necessário para que a lei possa ser conhecida. A. Santos Justos, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit.
p. 201; também artigo 4.º da Lei n.º 7/14 de 26 de Maio, Lei sobre da Publicações Oficiais e Formulários
dos diplomas Legais.
219
Sobre o tema ibidem, pp. 203 ss; devese ressaltar os as várias modalidades de revogação e
caducidade.
62

Normas corporativas 220

“As normas corporativas são as regras ditadas pelos organismos representativos


das diferentes categorias morais, culturais, económicas ou profissionais, no domínio das
suas atribuições, bem como os respectivos estatutos e regulamentos internos” 221.

iii.ii. actos normativos internacionais : Direito Internacional

A lei no seu sentido amplo abarca, igualmente, as chamadas fontes externas do


Direito. Referimo-nos ao Direito internacional instrumento jurídico estrutural que
mereceu atenção da Assembleia constituinte angolana, consagrando no n.º1 do artigo
13.º da CRA o seguinte : “o Direito Internacional geral ou comum, recebido nos termos
da presente Constituição, faz parte integrante da ordem jurídica angolana” 222.

iii.ii.i. A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O DIREITO


INTERNO

O Direito Internacional tem se notabilizado como um Direito de sobreposição


face ao Direito interno. Circunstância que configura um problema complexo, “como
mostra a pluralidade de soluções que lhe tem sido dada pela doutrina e a diversidade de
sistemas que a seu respeito o direito positivo consagra” impera a necessidade de
responder as averiguações sobre a possibilidade de disputa entre o Direito interno e o
Direito Internacional e, em caso positivo, qual das duas ordens jurídicas deveria
predominar 223.

A questão pode ser examinada de acordo com três perspectivas 224:

220
Sobre as normas corporativas por todos vide José Alberto González, Código Civil Anotado, op.
cit. pp. 17 ss.
221
N.º 2 do artigo 1.º do CC, segunda parte.
222
Artigo 13.º 1 e 2;
223
Joaquim da Silva Cunha / Maria da Assunção do Vale Pereira, Manual de Direito
Internacional Público, op. cit. pp. 89 ss
224
Ibidem, pp. 90.
63

- Primeira, o Direto Internacional, em consequência da maior perfeição do


Direito dos Estados, vai buscar a este muitos dos seus conceitos e figuras, embora
revendo-os para os adaptar ao particularismo da sociedade internacional;

- Segunda, procura-se determinar a existência ou inexistência de uma hierarquia


entre o Direito Internacional e o Direito dos Estados e como as respectivas normas se
articulam; e

- Terceira, analisam-se as relações entre as categorias de ordem jurídica que


resultam da repartição de matérias entre ambas.

No quadro doutrinário, o debate se destina a avaliar o tipo de relações que são


susceptíveis de ser praticadas entre estes dois conjuntos normativos, pois, duas são as
teorias que têm digladiado em si, segundo pressupostos diversos que desembocam
também em resultados distintos 225:

- A teoria dualista; e

- A teoria monista.

A tese dualista, assente no voluntarismo, assegura que o Direito Internacional e


226
o Direito estadual constituem dois ordenamentos jurídicos totalmente diferentes . No
essencial, defende que o ordenamento do Estado constitui um sistema fechado, auto –
suficiente, com fundamento autónomo e exclusivo de validade 227.

Na pretensão de fazer triunfar a sua tese Triepel, baseia-se nos seguintes


argumentos: na diversidade de fundamento, de fontes e de destinatários das duas ordens
jurídicas.

Nestes termos, teríamos como consequência o seguinte 228:

- O Direito Internacional assenta na vontade comum dos Estados, ao passo que o


Direito interno funda-se na vontade singular dos Estados;

225
Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Internacional Público, op. cit. pp. 407 ss.
226
Assim, Ibidem, pp. 408.
227
Paulino Lukanba, Direito Internacional Público, op. cit. p. 40.
228
Joaquim da Silva Cunha / Maria da Assunção do Vale Pereira, Manual de Direito
Internacional Público, op. cit. pp. 91 ss.
64

- O Direito Internacional tem por fonte o tratado, o Direito interno, a lei;

- O Direito internacional tem por destinatário os Estados, o Direito interno os


indivíduos.

Esta tese conseguiu larga aceitação no campo doutrinário, mas na mesma


direcção foi objecto de muitas críticas 229.

Dentre as mais notáveis podem notabilizar-se as seguintes:

- Em sede da diversidade de fundamento do Direito Internacional e do Direito


interno, mesmo que se admitam como válidas as razões de Triepel, não abrange o
Direito Internacional comum, constituído por normas costumeiras e princípios gerais de
Direito;

- A diversidade de fontes só na aparência é válida. Pois a origem social das


normas internacionais e internas – a sua fonte material – é comum;

- O costume não é apenas fonte de Direito Internacional, porque muitos Estados,


nomeadamente os do sistemas anglo-americano, o incluem no seu elenco privativo dos
meios de formação e revelação do Direito, desempenhado na Inglaterra uma função
superior à da lei 230.

- “A diversidade de sujeitos também nem sempre se verifica, pois, tanto o


Direito Internacional como o Direto interno, coexistem normas com destinatários
diferentes “231.

- A continuação da vigência das normas contrárias ao Direito internacional


significa apenas que os meios de que dispõe o Direito Internacional para garantir a sua
aplicação não são suficientemente eficazes 232.

229
Alguns autores não assumem uma posição firme relativamente a esta tese, vide Jorge Bacelar
Gouveia, Manual de Direito Internacional Público, op. cit. págs. 407 e Paulino Lukamba, Direito
Internacional Púbico, 2ª Edição, Escolar Editora, Lobito, 2013, pp. 36-37.
230
Ibidem pp. 91 ss; entre nós o costume é equiparável à lei. Vide artigo 7.º da CRA.
231
“ No Direito Internacional existem normas que têm como destinatários indivíduos e no Direto
interno – dos Estados- a maior parte das normas do Direito público têm por destinatário o próprio
Estado”. Ibidem, p. 93.
232
Ibidem, pp. 93 – 94.
65

A tese monista, defende a unidade sistemática das normas de Direito


Internacional e das normas de Direito interno. “A natureza profunda das normas é
idêntica ou semelhante e, aliás, nada impede que normas desta ou daquela origem
venham a reger as mesmas situações da vida, as mesmas relações, as mesmas matérias,
233
o que obriga a estabelecer formas de articulação” . Hoc sensu, o Direito Internacional
e o Direito interno formam um quadro jurídico unitário baseado sobre a identidade dos
sujeitos e das fontes 234.

Para compreensão desta tese, a doutrina tem proposto duas concepções,


designadamente:

- O monismo com primado de Direito interno; e

- O monismo com primado no Direito internacional 235.

O primeiro - monismo com primado de Direito interno – “ acaba por reverter


numa forma de negação do Direito Internacional, por se aproximar muito da orientação
doutrinal que vê o Direito Internacional como uma espécie de Direito estatal externo”
236
. Significa que no confronto entre os dois sistemas, não obstante a sua inter-conexão,
o Direito Internacional perca a sua singularidade 237.

“Não resolvendo os problemas do dualismo, esta concepção acaba por cair no


mesmo erro epistemológico de base, que é o da exaltação da vontade estadual” 238.

233
Jorge Miranda, Curso de Direito Internacional Público, 5ª Edição, Principia, 2012, p. 136; é
curioso trazer ao debate a figura da tese conciliatória, Albino Azevedo Soares, Lições de Direito
Internacional Público, 4ª Edição, Coimbra Editora, 1996, p. 70.
234
Paulino Lukanba, Direito Internacional Público, op. cit. p. 42.
235
Sob duas formas, uma radical – que implica a prevalência absoluta da norma internacional
sobre qualquer norma estadual; e a moderada – que apenas admite em certa medida, reconhecendo que o
Direito interno pode nalguns casos prevalecer ou que nele não deve o Direito internacional interferir.
Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Internacional Público, op. cit. p. 412 ss.
236
Ibidem p. 136.
237
Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Internacional Público, op. cit. pp. 407
238
Ibidem, pág. 412.
66

O segundo - monismo com primado no Direito internacional – “reitera, com não


menor nitidez, a necessária integração das normas jurídico-internacionais e das normas
jurídico-estatais num todo mais amplo”239.

“Dentro de uma posição monista, cumpre aderir à concepção moderada e não já


a radical, pois que esta poderia fazer cair no extremo o próprio desaparecimento do
Estado como relevantes sujeitos de Direito Internacional, havendo matérias que nunca
interessarão ao Direito Internacional” 240.

Nesta direcção, questiona-se: se as normas de Direito Internacional forem


violados por normas de Direito estadual, qual será a consequência 241?

“Há matérias que são autêntica reserva de Direito Internacional, enquanto outras
só o não são se a própria ordem jurídica internacional delegar a competência nas ordens
jurídicas internas e, finalmente, a maior parte das matérias são de competência
concorrente entre o legislador interno e o legislador internacional. Estão no primeiro
caso as normas sobre vícios do consentimento, os princípios sobre a aquisição e perda
de território estadual, os princípios sobre interpretação dos tratados, as normas sobre as
condições necessárias para a criação do costume e para a conclusão de tratados, o
princípio pacta sunt servanda” 242.

De acordo com o Professor Jorge Miranda, “poderá dizer-se que a relação entre
normas de Direito interno e normas de Direito Internacional não se reconduz
forçosamente a uma relação de validade; a desconformidade entre lei interna e tratado,
por exemplo, não acarreta invalidade da lei, podendo acarretar simplesmente ineficácia
ou então a responsabilidade internacional dos Estados 243.

239
Jorge Miranda, Curso de Direito Internacional Público, op. cit. p. 136.
240
Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Internacional Público, op. cit. p. 407.
241
Albino Azevedo Soares, Lições de Direito Internacional Público, op. cit. p. 70
242
“Nenhuma ordem jurídica interna está apta a modificar unilateralmente estes princípios
constitucionais do Direito Internacional; se o fizer, ao acto ou norma em questão não poderá ser
reconhecido qualquer efeito. Por exemplo, será destituída de todo o efeito jurídico a declaração mediante
a qual um Estado diz ocupar o alto-mar”. Ibidem, p. 71 ss.
243
In Curso de Direito Internacional Público, op. cit. p. 136.
67

Dito isto, concluímos perfilhando a tese monista com primado do Direito


internacional. Pois, esta traduz uma condição essencial da própria existência do Direito
Internacional 244.

iii.ii.i.i. Os diversos modelos e incorporação técnica

O tema em exame subjaz à qualificação das relações entre o Direito


Internacional e o Direito interno, sobretudo o Estadual.

Neste sentido, interessa sublinhar que a figura da incorporação ou adaptação


traduz-se no sistema através do qual, as normas do Direito Internacional passam a
integrar o ordenamento jurídico de um Estado, tornando-se obrigatórias através de uma
norma jurídica interna 245.

Para materializar esta operação os Estados devem em regra, adoptar uma


sequência de procedimentos consubstanciados na modificação dos seus ordenamentos
jurídicos a fim de conformá-los com o Direito Internacional 246.

Existem dois sistemas típicos de conferir relevância às normas internacionais na


ordem interna de um Estado 247:

- Sistemas de transformação ou de execução; e

- Sistema de recepção ou de recepção automática.

De acordo com a primeira técnica - sistemas de transformação ou de execução –


o Direito Internacional, ao chegar ao Direito interno, deve mudar de natureza, ficando as
244
André Gonçalves Pereira /Fausto Quadros, Manual de Direito Internacional Público, op. cit.
p. 58; Joaquim da Silva Cunha / Maria da Assunção do Vale Pereira, Manual de Direito Internacional
Público, op. cit. pp. 97 ss; Jorge Miranda, Curso de Direito Internacional Público, op. cit. pp. 136 ss.
245
Paulino Lukanba, Direito Internacional Público, op. cit. p. 38; André Gonçalves Pereira
/Fausto Quadros, Manual de Direito Internacional Público, op. cit. p.95.
246
“Portanto, exige que o Estado: crie normas de recepção que podem assegurar ou garantir o
respeito das obrigações internacionalmente assumidas; o Estado modifique normas internas incompatíveis
com as normas internacionais; que o Estado se empenhe a ab – rogar normas em vigor que contrastam
com as normas internacionais por receber no território do Estado”. Paulino Lukanba, Direito
Internacional Público, op. cit. pp. 38-39.
247
Há correntes que sustentam haver um terceiro sistema: o misto – o Estado não reconhece a
vigência automática de todo Direito Internacional, mas reconhece - o só sobre certas matérias; Idem, pág.
40; Jorge Miranda, Curso de Direito Internacional Público, p. 138.
68

respectivas orientações do mesmo modo a valer no Direito Interno, mas a título de fonte
248
interna, e não já a título de fonte internacional . Isto implica, que as normas
internacionais só vigoram na ordem interna se convertidas em normas de Direito
interno.

Este sistema, caracteriza os Estados que em dado momento, adoptaram uma


solução dualista nas relações entre o Direito Internacional e o Direito Estadual. Assim,
só vigorará na ordem interna o Direito internacional que for transformado em Direito
interno. Em rigor, releva-se o princípio segundo o qual, o Direito Internacional e o
Direito interno configuram duas ordens jurídicas absolutamente opostas 249.

A segunda - sistema de recepção ou de recepção automática – “assenta na ideia


de que o Direito Internacional pode fazer parte do Direito Interno conservando a sua
natureza original, não sendo necessário fazer qualquer operação no seu título de
validade, com tudo quanto isso implica do ponto de vista da sua hermenêutica e da
250
aferição do seu âmbito de aplicação” . Significa, que as normas internacionais
vigoram enquanto tais, interpretadas e integradas de acordo com os critérios de Direito
Internacional e sofrendo as vicissitudes que aí sofram 251.

O sistema em exame, acolhe a concepção monista com primado do Direito


Internacional, pois o Estado reconhece a plena vigência do Direito Internacional na
ordem interna mediante uma cláusula geral de recepção automática plena 252

A relevância do Direito Internacional na ordem jurídica angolana 253

248
Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Internacional Público, op. cit. pp. 416 ss.
249
Paulino Lukanba, Direito Internacional Público, op. cit. págs. 39-40; “ é o chamado sistema
da transformação, que às vezes se exprime pela simples ordem de execução”. André Gonçalves Pereira
/Fausto Quadros, Manual de Direito Internacional Público, op. cit. p.94.
250
Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Internacional Público, op. cit. p. 417.
251
Jorge Miranda, Curso de Direito Internacional Público, op. cit. pág. 138.
252
Paulino Lukanba, Direito Internacional Público, op. cit. pág.40.
253
Sobre a relevância do Direito Internacional no Direito de Angola, vide Jorge Bacelar Gouveia,
Manual de Direito Internacional Público, op. cit. págs. 396 ss.
69

Analisado a temática dualismo – monismo e os modelos de incorporação,


cumpre agora questionar ao nosso Direito positivo quais dentre as perspectivas
examinadas acolheu.

Hoc sensu, se atermo-nos aos traços gerais da concepção monista com primado
no Direito Internacional parece ser legítimo concluir que o ordenamento jurídico
angolano, perfilhou esta última – tese monista com primado no Direito Internacional.

Tal como refere Paulino Lukamba, “há Estados como o nosso que acolheram o
sistema monista prevendo normas como o artigo 13.º par.1 da constituição de Angola
segundo o qual «o Direito Internacional Geral ou comum, recebido nos termos da
presente constituição, faz parte integrante da ordem jurídica angolana» que consagra
uma cláusula de incorporação automática do Direito Internacional Geral ou comum” 254.

Pois, o preceito exposto espelha a tese monista com primado no Direito


internacional. Mas o que fica por responder sobretudo, em termos práticos tem que ver
com a efectivação da recepção das normas internacionais ou seja, em que termos o
ordenamento jurídico angolano recebe a norma internacional.

O n.º 2, do artigo 13.º CRA, vem clarificar que todo acto normativo ou de outra
índole internacional devem necessariamente serem aprovados ou ratificados enquanto
vincularem internacionalmente o Estado angolano 255.

Ora bem, depois de examinar os preceitos constitucionais sub lite, verificamos


que o Estado angolano adoptada o sistema de recepção ou de recepção automática. Pois
reconhece a plena vigência do Direito Internacional na ordem interna mediante uma
cláusula geral de recepção automática plena.

A hierarquia do DIP na ordem interna angolana

254
In Direito Internacional Público, 2ª Edição, Escolar Editora, Lobito, 2013, págs. 44 ss.
255
“Os tratados e acordos internacionais regularmente aprovados ou ratificados vigoram na
ordem jurídica angolana após a sua publicação oficial e entrada em vigor na ordem jurídica internacional
e enquanto vincularem internacionalmente o Estado angolano”. Nº 2, artigo 13.º da CRA; vide também
artigos 26.º nº2; 121.º c); e 161.º k) e l). todos da CRA.
70

Persiste a questão central: em termos definitivo qual é a relação entre o Direito


Internacional Público e o Direito interno angolano?

Do nosso ponto de vista, antes de tomar uma posição a respeita desta querela
torna-se imperioso ponderar as seguintes figuras: organizações internacionais – em
particular a ONU; o Estado e o Direito – quer na sua perspectiva interna, quer na
perspectiva internacional.

É necessário ter uma percepção, clara, sobre a noção de cada uma destas figuras,
em termos doutrinais.

Destarte, a relação entre a organização internacional – ONU- e os Estados


256
assenta numa relação de coordenação e não de subordinação . Mas esta perspectiva,
não significa que as normas emanadas pelos Estados coloquem-se numa posição de
subordinação face as normas de Direito Internacional 257.

Somos de parecer que foi nesta direcção, em que o poder constituinte instituiu a
supremacia das normas internacionais em relação ao Direito interno. Pois, confirma o nº
2 do artigo 26.º da CRA, ao dispor que “ os preceitos constitucionais e legais relativos
aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a
declaração Universal dos Direitos do Homem, a Carta Africana dos Direitos do Homem
e dos Povos e os tratados internacionais sobre a matéria, ratificados pela República de
Angola.

IV. OS ACTOS POLÍTICOS E OS ACTOS ADMINISTRATIVOS 258

A despeito, dos actos normativos em referência não possuírem normatividade,


isto não implica que estes não figuram actos jurídicos públicos. Porém, não têm a

256
Está subjacente uma relação institucional – entre órgãos, não podemos falar de superior
hierárquico ou inferior hierárquico.
257
Mas a relação de coordenação é sobretudo institucional ou administrativa.
258
Rigorosamente, os actos normativos em apreço não se apresentam como fontes de Direito, mas
merecem a designação de actos normativos em sentido lato.
71

dignidade de se apresentarem como fontes do Direito (adita –se a este elenco os


contratos administrativos).

Assim, os actos em alusão distinguem-se do regulamento que, a apesar de ter


origem na função administrativa, constitui inequivocamente uma fonte de Direito
estadual. Nos termos constitucional integram este elenco: os decretos presidências; os
decretos executivos do Vice – Presidente da República; os decretos executivos dos
Ministros de Estado e dos Ministros 259.

IV. Jurisprudência

A jurisprudência traduz-se no conjunto das decisões dos tribunais. É “o conjunto


das decisões em que se exprime a orientação seguida pelos tribunais ao julgarem os
casos concretos que lhes são submetidos” 260.

Nos termos expostos, a jurisprudência é uma fonte de Direito?

Bem, em homenagem ao princípio da independência dos tribunais, característica


estrutural do sistema romano – germânico, cada juiz está colocado perante os outros em
posição de independência. Pois o juiz deve julgar apenas segundo a lei e a sua
consciência. Atendo-se, assim, nos marcos do Direito objectivo 261.

Porém, nem sempre é assim, “pode haver casos em que a jurisprudência surge
equacionada no contexto de uma específica fonte de Direito, ao transcender os limites
de cada caso concreto e individual e, assim erigindo-se a orientação geral” 262.

259
Artigo 125.º CRA; artigo 3.º da Lei n.º 2/ 10 de 25 de Março , Lei sobre da Publicação e
Formulários dos diplomas Legais.
260
A. Santos Justos, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 206 ss; José Alberto González,
Código Civil Anotado, op. cit. p. 18.
261
“Os juízes são independentes no exercício das suas funções e apenas devem obediência à
Constituição e a lei”. N.º 1 do artigo 179.º da CRA. Nesta perspectiva, a jurisprudência não é fonte do
Direito. Pois os tribunais superiores não têm de julgar como o fizeram juízes de tribunais inferiores; os
juízes não têm de julgar como o fizeram já os juízes do mesmo nível hierárquico; os juízes não têm de
julgar consoante eles próprios já fizeram; os órgãos judicias inferiores não têm de julgar conforme o
fizeram já tribunais superiores (. ..) Carlos Alberto Burity da Silva, Teoria Geral do Direito Civil, op. cit.
p. 53.
262
Jorge Bacelar Gouveia, Direito Constitucional de Angola, op. cit. p. 515.
72

263
É nos termos expostos, em que sobressai o instituto do assento , tal como
estabelece o artigo 2.º do CC. “ nos casos declarados na lei, podem os tribunais fixar,
por meio de assentos, doutrina com força obrigatória geral” 264.

V. A DOUTRINA265

A doutrina refere-se as opiniões ou pareceres dos jurisconsultos acerca duma


questão de Direito. “é o conjunto das noções, teorias e opiniões, formuladas por escrito
pelos teóricos da Ciência do Direito, que dão a conhecer os juristas práticos, aos
estudantes e aos cidadãos comuns o conteúdo e significado de um certo ordenamento
jurídico, e influenciam os Poderes legislativo e judicial no exercício das respectivas
funções” 266.

vi. Fontes não voluntárias

O COSTUME

263
Em Portugal, depois da eliminação dos assentos, somente são fontes do direito os acórdãos do
Tribunal Constitucional que declaram a inconstitucionalidade ou ilegalidade de normas e os acórdãos dos
tribunais administrativos que declaram, com força obrigatória geral, a ilegalidade de regras
administrativas. Quanto a nós impõe –se um exame cerrado a fim de examinar se fa sentido a
manutenção dos assentos como fontes do Direito; e aferir-se a natureza das decisões de
inconstitucionalidade do tribunal constitucional (…). A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito,
op cit. pp. 206 – 208.
264
Sobre a materialização deste poder normativo geral vide artigos 668.º , 669; artigo 763 n.º 1 e 2;
também, Carlos Alberto Burity da Silva, Teoria Geral do Direito Civil, op. cit. pp. 53 ss.

265
No quadro da doutrina maioritária a doutrina já não é tida como fonte de Direito, porém algumas
vozes de grande relevância no estudo do Direito defendem a manutenção desta como fonte de Direito.
sobre o assunto, vide A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op cit. pp. 208 ss; Carlos Alberto
Burity da Silva, Teoria Geral do Direito Civil, op. cit. pp. 57 ss.

266
Diogo Freitas do Amaral, Manual de Introdução ao Direito, Volume I, pp. 427 ss.
73

“O costume como fonte do Direito representa a prevalência da espontaneidade


social que assume uma dimensão de normatividade social que assume uma dimensão de
normatividade jurídica, pela conjunção de dois elementos indispensáveis: o elemento
material (corpus), a repetição de condutas havendo ocasião de elas acontecerem; e o
elemento psicológico (o animus), que implica a consciência de que aquela prática, não
267
sendo rotineira ou burocrática, tem carácter obrigatório” .

Os princípios fundamentais de Direito

Os princípios fundamentais de Direito são exigências feitas a todo e qualquer


ordenamento jurídico que pretenda ser coerente com a sua própria pretensão de
legitimidade e validade 268.

Em sede do estudo das fontes do Direito ressalta também, na esteira do CC em


vigor, as seguintes figuras: a equidade e os usos.

Os usos

Os usos distinguem-se do costume, pois estes, consistem, igualmente, em


práticas habituais mas às quais falta a referida convicção de obrigatoriedade que
singulariza o costume 269.

267
Jorge Bacelar Gouveia, Direito Constitucional de Angola, op. cit. pp. 510 ss. É de tudo
conveniente afastar o costume das figuras afins: “os usos – são práticas continuadas, mas que não
dispõem de qualquer valor jurídico normativo; as tradições – são comportamentos habituais, em
correspondência das feições históricas – culturais; as praxes – são comportamentos rotineiros,
desprovidos de juridicidade, ainda que possam beneficiar a eficiência dos serviços da Administração
Pública; as cortesias – são hábitos de ao e simpática convivência humana, com vinculatividade.
normativa, mas no âmbito da Ordem de Civilidade, não no foro daa Ordem Jurídica”. Ibidem, pp. 515 ss;
entre nós vide artigo 7.º da CRA, reconhecendo efectivamente o costume como fonte de Direito, no
ordenamento jurídico angolano.
268
Apoiando-se em Baptista Machado, A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op cit. pp.
208 ss; o CC, consagra de forma dispersa alguns princípios desta índole: artigos 9.º , 10.º; ss. de resto a
CRA, não é alheia a esta perspectiva, vide artigos 1.º e 2.º .
74

A equidade

Em rigor, a equidade não se traduz numa fonte do Direito, pois não se traduz,
nunca, em normatividade objectiva. pode servir como critério de decisão por
afastamento das critérios legais. “Pode acontecer assim por autorização legal ou por
acordo das partes. Mas o acordo das partes só é valido se respeitar a relações
disponíveis, como o são na generalidade das relações patrimoniais” 270.

Segundo, José Alberto González, “a equidade cifra-se na justiça do caso


concreto. E consubstancia-se na adaptação da regra ou princípio jurídico às
particularidades da situação individual, a ser apreciada segundo o prudente aritro do
julgador” 271.

A Hierarquia das Fontes do Direito 272

Essa matéria pode ab initio, revestir alguma complexidade, mas o segredo para a
sua compreensão prende-se numa dupla perspectiva.

Por um lado (mais importante a reter), existe no quadro jurídico angolano,


paridade entre à lei emanada pela Assembleia Nacional e os chamados Decretos
Legislativos Presidências, os Decretos Legislativos Presidências Provisórios e os actos
praticados pelo Presidente da República no âmbito da competência relativa da
273
Assembleia Nacional ( o PR, é um autêntico legislador ); por outro lado, o costume
ocupa a mesma posição em relação à lei (significa que, o Estado não é o único
progenitor das fontes de direito).

Várias são as propostas doutrinárias que, tentam escalonar as fontes do Direito.

269
O uso apenas é fonte de Direito desde que: não contrarie a boa fé; para ele a lei faça remissão
particular (…); por exemplo, os usos da empresa constituem fonte de direito, não podendo, contudo,
prevalecer sobre normas legais de regulamentos do trabalho (…). Sobre essa matéria, vide José Alberto
González, Código Civil Anotado, op. cit. pp. 21 ss; também, artigo 3.º do CC.
270
Carlos Alberto Burity da Silva, Teoria Geral do Direito Civil, op. cit. pp. 57 ss.
271
In Código Civil Anotado, Volume I, op. cit. pp. 22 – 23.
272
Apresentamos uma perspectiva, jurídico administrativa que entendemos revestir alguma
particularidade em sede do referido ramo de Direito, porém, em lições posteriores poderemos adoptar
uma posição mais equilibrada à diversidade dos ramos do Direito.
273
Vide Os artigos 125.º,126.º e 165.º todos da CRA.
75

Entre nós, pronunciaram-se profundamente, sobre esta matéria Carlos Feijó e


274
Cremildo Paca . De acordo com aqueles autores, seria necessário seguir uma nova
orientação, assim teríamos:

a) A Constituição;
b) Os tratados internacionais;
c) A lei e o costume (em paridade);
d) Os regulamentos administrativos;
e) As normas profissionais e as normas técnicas.

Apesar de reconhecermos, que esta última reflecte de uma maneira mais


próxima a nossa actual realidade. Entendemos ainda assim, apresentar a nossa visão
sobre o tema sub judice.

Nessa ordem, somos a propor a seguinte hierarquia das fontes de Direito:

a) - Princípios fundamentais do Direito 275;

b) - Princípios – de carácter internacional, normas – de carácter internacional, e


tratados, ratificados pela República de Angola ( que dizem respeito, aos direitos
276
fundamentais – summo rigore, direitos liberdades e garantias) . Incluem-se nesta
posição certas normas de Direito internacional, de harmonia com a ideia de ius cogens
277
.

c) - Constituição;

d) - Os tratados internacionais 278;

274
In Curso de Direito Administrativo, op. cit. pp. 65 ss.
275
Os princípios fundamentais de direito, transcendem o direito positivo e são válidos de per si
num Estado de Direito porque representam postulações eliciadas da própria ideia de direito. Estes,
vigoram na ordem jurídica, independentemente de serem albergados na Constituição ou na lei. JUSTO, A.
Santos - Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 190 ss.
276
N.º 2 do 26.º da CRA; a expressão chave no preceito enunciado parece-nos ser esta: “ser
interpretados e integrados de harmonia e ratificados”(...). Também, o artigo 6.º da CRA.
277
Vide nessa perspectiva GOUVEIA, Jorge Bacelar - Direito Constitucional de Angola, op.cit.
p. 525.
278
Esta questão ( ao nosso ver ) não tem uma resposta directa na CRA, apesar de admitir-se que
os artigos 6.º e 23.º da carta magna em referência, tocarem no assunto implicitamente. Por essa razão
preferimos remeter - com intuito de uma compreensão exaustiva sobre a matéria - à doutrina; maxime,
76

e) - Leis - quer as emanadas pela AN, quer as originadas pelo Presidente da


República - DLP; e costumes 279;

f) - regulamento, acto administrativo e praxes administrativas - pensa-se


naqueles casos em que a competência do órgão deriva directamente da Constituição e da
lei 280;

g) - actos administrativos - cuja competência do órgão que, o emana deriva de


um regulamento;

i) - as normas profissionais e as normas técnicas.

Carlos Feijó/ Cremildo Paca, in - Direito Administrativo pp.68 ss.


279
O problema deriva do relacionamento entre o costume e a lei, pois, nos termos do artigo 7.º da
CRA,“é reconhecida a validade e a força jurídica do costume que não seja contrário à Constituição nem
atente contra a dignidade da pessoa humana”. Da redacção em alusão, infere-se que o costume pode
contrariar a lei, mas tal possibilidade em relação à Constituição e a dignidade da pessoa humana fica em
definitivo afastada.
Contudo, na ordem jurídica angolana existem várias realidades sócio – culturais que põem em
litígio permanente o costume e a lei – alguns inclusive positivados.
A título de exemplo no plano do Direito Civil, podemos figurar os seguintes:
1.ª No direito positivo angolano o processo sucessório obedece as regras estabelecida nos artigos
2132.º e 2133.º e seguintes; ao passo que no direito costumeiro (pelo menos em determinadas
localidades), a sucessão faz-se por via matrilinear, “ou seja, sucedem aos bens do homem os filhos das
suas irmãs”. Questiona-se: será que o acto sucessório nos termos matrilinear viola a CRA e a dignidade
da pessoa?
2.ª O instituto do casamento é estabelecido nos termos do artigo 20.º e ss. do CF e a União de
facto é regulada nos termos do 112.º e ss. do mesmo diploma (todavia, a união de facto difere do
casamento pois, assenta no costume) . Ressalta o facto de a união de facto só produzir efeitos jurídicos
depois de reconhecido nos termos da lei (com base numa decisão judicial – jurisprudência, é uma fonte
de menor relevância face ao costume se atermo-nos ao teor do aludido artigo 7.º da CRA). Questiona-se:
se por qualquer circunstância a união de facto for reconhecida por autoridades tradicionais com
fundamento no costume, estaria tal acto a violar a CRA e a dignidade da pessoa humana?
Sobre os critérios que podem presidir à resolução de conflitos de norma legais e costumeiras.
Vide Carlos Feijó/ Cremildo Paca, in - Direito Administrativo pp.69 – 70.
280
Sobre a competência decorrente directamente da CRA, vide os artigos 125.º nº5, e 137.º
ambos do diploma em apreço.
77

CAPÍTULO V – OS CÓDIGOS

33.Noção de código

34. Aspectos históricos

CAPÍTULO VI – INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEI

CAPÍTULO VI – INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEI

9.Interpretação

9.1.Noção

A temática em apreço, interpretação da lei, centra-se no quadro da técnica


jurídica, assim, o acto de interpretar não cinge-se, apenas, no plano científico, mas
encontra, também, acolhimento no campo das habilidades humanas. Em rigor, trata-se
da conjugação do saber filosófico, jurídico e da técnica jurídica, na medida em que o
primeiro ilumina o ente legiferante quanto aos valores essenciais a serem preservados; o
segundo, a da Ciência do Direito, designa princípios basilares para a organização do
sistema jurídico; e o terceiro informa o saber prático. Destarte, ao conhecimento teórico
do Direito torna-se imprescindível ajuntar o prático. Pois, sem este último, a ideia do
Direito e o desejo de justiça não serão satisfatórios para o controle social. Portanto,
apenas com a conjugação da filosofia, da ciência e da técnica, a ordem jurídica pode
apresentar-se como um instrumento apto a orientar o bem comum 281.
A técnica que nos queremos referir tem que ver com a designada técnica jurídica
que se traduz num conjunto de meios e de procedimentos que tornam prática e ecfetiva
282
a norma jurídica . Refere - se a uma operação conducente a determinar o teor e o
sentido das normas jurídicas. Operação que pressupõe, prima facie, percorrer todo um
caminho que vai desde a localização da fonte até à solução do caso concreto. Nessa
linha, a interpretação pode ser definida como uma actividade humana de natureza
intelectual que procura retirar de uma fonte do Direito o sentido normativo que permita
resolver um caso prático (situação da vida), que reclama uma solução jurídica 283.

281
Paulo Nader, Introdução ao Estudo do Direito, 36.ª Edição, Forense, Rio de Janeiro, 2014, pp.
213 ss.
idem, pp. 214.
282

Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, op. cit. pp. 149 ss; também,
283

A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 323 ss.
78

9.2. Modalidades

Apegando - nos a doutrina mais autorizada, ao nosso ver, sobre a matéria, sub
judice, existem dois tipos de interpretação: a interpretação autêntica e a interpretação
doutrinária 284.

9.3.1.Interpretação autêntica

A interpretação autêntica é aquela que ocorre, sempre que, após a publicação de


uma lei, se publica uma outra conducente a fixar o sentido da primeira e a excluir
incertezas que na sua aplicação se tenham levantado. Nesta sede, a interpretação adopta
o cunho de norma jurídica, o que implica que, tal operação somente acontecerá se um
ou vários preceitos de um diploma esclarecerem o sentido de outro ou outros preceitos
desse mesmo diploma. “Trata –se, portanto, da explicitação legislativa duma lei
duvidosa, carecida de esclarecimento, que tem força vinculativa de lei. No entanto, é
necessário que o legislador a qualifique em termos suficientemente inequívocos” 285.

Do enunciado, se pode, previamente, inferir que a interpretação autêntica


pressupõe, pelos menos em termos compreensíveis, a existência de duas leis,
nomeadamente, a lei interpretada ( a dita duvidosa) e a lei interpretativa, sendo que esta
última, visa esclarecer a ambiguidade suscitada pela lei interpretada. Contudo, em
termos rigoroso, estamos em sede de uma única lei, pois a lei interpretativa integra-se na
lei interpretada. É o que determina o n.º1 do artigo 13.º do CC 286.

Entretanto, entre nós, a despeito da existência de um sistema legislativa


partilhado em determinadas matérias, impõe-se, também, examinar a legitimidade da
entidade legiferante que emana a lei interpretativa. Neste particular, impõe-se salientar
que o nosso sistema jurídico incorpora a figura da “competência relativa da Assembleia
Nacional” – que traduz – se na legitimidade segundo a qual, quer Assembleia Nacional,
quer o Presidente da República, ambos, podem legislar sobre as matérias atinentes à
284
idem, pp. 324 ss.
285
idem, pp. 324 ss; Nuno de Sá Gomes, Introdução ao Estudo do Direito, JVS, Lisboa 2001, pp.
256 ss.
Sobre o assunto, com maior profundidade técnica vide por todos, José Alberto González,
286

Código Civil Anotado, op. cit. pp. 37 ss.


79

competência relativa da Assembleia Nacional, isto é, as matérias cujo regime subjaz aos
direitos, económicos, sociais e culturais, nos termos gerais dos artigos 28.° n.2, 76. ° a
88. ° e 165. ° todos da CRA. Assim, por exemplo, pode acontecer que em determinado
momento a Assembleia Nacional aprove, em sede da sua competência relativa, uma lei
que, a posteri no plano prático, se manifeste imprecisa ou pouco clara e, por essa razão,
susceptível de despontar dúvidas, mas ao invés de ser esta última a proceder o devido
esclarecimento, técnico jurídico, é ao Presidente da República, com o mesmo
fundamento legal, a quem venha incidir a responsabilidade para clarificar o diploma ou
os preceitos, menos claro, do respectivo diploma. Por conseguinte, podemos afirmar,
sem receio, que em algumas matérias o órgão que dimana a lei interpretativa além de
posicionar-se no mesmo plano hierarquico em relação ao que emanou a lei interpretada
pode, também, revestir uma natureza distinta no quadro da figura da separação de
poderes – sublinha-se que em sede da lei em sentido amplo o mais notável é um órgão
posicionado num plano superior emanar as leis interpretativas e os outros, os órgãos
inferiores, dimanarem as leis interpretadas.

Contudo, parece-nos, os afloramentos enunciados não vincam em sede dos


direitos, liberdades e garantias, pois estes dizem respeito à compêtencia absoluta da
Assembleia – esta figura traduz-se na legitimidade exclusiva que a Assembleia Nacional
tem para legislar sobre certas matérias, ou seja, existem matérias cujo regime jurídico
deve ser, apenas,disciplinado pela Assembleia Nacional, conforme os artigos 28. ° n.1,
30. ° a 75. °, 164. (...) todos da CRA.

9. 3. 2. Interpretação doutrinal

A interpretação doutrinal é aquela que é feita por qualquer pessoa, nquer seja
técnico quer seja leigo em matérias jurídicas. Diz respeito a interpretação feita por
qualquer pessoa seja jurisconsulto, juiz, jurista ou executor de um acto administrativo,
em obediência aos preceitos duma metodologia exacta 287.

287
“Compreende, portanto, a interpretação jurisdicional ( feita pelo tribunal no âmbito de um
processo), a interpretação administrativa (a cargo da administração Pública), a interpretação particular e a
interpretação doutrinal (…)” A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 326 ss.
80

9.4. Elementos da interpretação

A interpretação, em termos amplo, é um processo unitário que engloba dois


elementos nomeadamente, o elemento literal e o elemento lógico ou extraliteral.

I. Elemento Literal

O elemento literal compreende as palavras em que a lei se exprime; consiste na


apreensão do sentido, exclusivamente, gramatical ou textual da lei. trata-se do
enunciado linguístico que se posiciona como ponto de partida no exercício
interpretativo, pois a lei constitui a dominantíssima fonte formal do Direito 288.

Destarte, em sede de um exercício interpretativo, o interprete, num primeiro


momento, terá de procurar atender às palavras que estão expressas na lei, quer
analisando-as isoladamente, quer enquanto integradas na frase, de acordo com as regras
gramaticais.

A despeito do elemento literal assumir o ponto de partida, no campo da


interpretação, este não se afigura suficiente, porque há palavras por vezes vagas e
equívocas. Por essa razão, deve entender-se que, ab initio, as palavras são empregues na
lei com o sentido técnico que a Ciência do Direito lhes proporciona, e não com o
sentido que têm na linguagem comum. É nestes termos que releva a conjugação entre
elemento literal e o elemento lógico 289.

Examinado o primeiro, cumpre estudar o segundo.

II. Elemento lógico

O elemento lógico diz respeito ao sentido profundo da lei, o espirito ou alma da


lei. E, compreende os seguintes elementos: histórico, sistemático e o teleológico.
288
“Consiste na análise filosófica do texto”. José Alberto González, Código Civil Anotado, op.
cit. pp. 29 ss.

289
Nuno de Sá Gomes, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 261 ss; A. Santos Justo,
Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 326 ss.
81

II.i. Histórico

A compreensão do elemento histórico assenta, basicamente, na clarificação da


proveniência da lei.

Assim, para o alcance deste objectivo a doutrina tem apontado três pilares
subsumíveis à constituição do elemento em enunciação, nomeadamente: trabalhos
preparatórios, precedentes normativos e a figura da occasio legis.

1.Trabalhos preparatórios – estes dizem respeito a uma série de documentos de


elevada importância sobretudo para determinar a vontade do legislador no quadro da
inserção de uma determinada época histórica. Os trabalhos preparatórios integram
dentre outros os seguintes documentos: anteprojectos, projectos, actas que registam as
discussões nas comissões e nas sessões parlamentares (…).

2.Precedentes normativas – são as normas, nacionais e estrangeiras que vigoraram no


passado e influenciaram a redacção do preceito interpretado 290.

3.Occasio legis – corresponde ao circunstancialismo social que deu origem ao


aparecimento da lei. O intérprete não o pode desprezar em virtude de tratar-se do
circunstancialismo jurídico social que rodeou a feitura da lei.

.II.ii. Elemento sistemático

As normas jurídicas visam, no essencial, regular a conduta do homem numa


determinada sociedade. Com efeito, deve-se deduzir que estas são tão numerosas cuja
compreensão pressupõe uma ordenação sistemático.

A ordem jurídica forma um sistema com unidade regulativa , isto é, um conjunto


de elementos que se interrelacionam numa unidade intrínseca. Assim, reafirma a regra
da unidade do sistema jurídico, do qual a lei a interpretar não pode ser desintegrada, em
virtude de ela não pode ser desintegrada, em virtude de ela não poder ser vista como
uma peça solta ou isolada 291.

290
Vide Galvão Teles, Nuno Sá Gomes, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 261 ss; A.
Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 326 ss.
291
José Alberto González, Código Civil Anotado, op. cit. pp. 29 ss.
82

Destarte, a ordem jurídica centra-se numa pluralidade de fontes normativos que


interrelacionam entre si. Repara-se que, em termos pragmático surgem por vezes
situações de concursos de normas aplicáveis a uma dada situação da vida, todavia, duas
normas podem ser potencialmente reguladora da mesma relação jurídica – despoletando
uma relação de conflito 292.

II.iii. Elemento teleológico

A lei é um meio para satisfação das necessidades da vida social, razão bastante
para o intérprete sindicar o objectivo social que se pretende atingir. O

O elemento teleológico consiste na razão de se da lei, assenta na ratio legis,


pragmaticamente com o elemento em apreço pretende-se determinar a finalidade
subjacente à elaboração da lei. O elemento em análise manifesta a valoração ou a
ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina. Por isso, o sentido e
alcance da lei deve ser determinado de acordo com a ratio legis, de forma a que seja
realizado o fim que o legislador histórico quis atingir 293.

9.5. Espécie de Interpretação quanto ao resultado

Do confronto entre o elemento gramatical e o lógico, na esteira da concepção


tradicional, resulta os seguintes tipos de interpretação da lei: interpretação extensiva,
restritiva, declarativa, enunciativa e abrogante.

I.Interpretação declarativa

É a interpretação que ocorre sempre que o sentido fixado corresponda aquele


que o texto mais claramente comporta; limita-se a extrair um sentido que corresponde à
sua letra por o intérprete ter considerado que esse é o que corresponde à mens legis.

292
Sobre os mecanismos de resolução de conflitos ou concurso de normas, Vide Jorge Bacelar
Gouveia, Direito Constitucional de Angola,
293
Vide Nuno Sá Gomes, Introdução ao Estudo de Direito, op. cit. pp. 264 – 265; Santos Justo,
Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 339 ss; José Alberto González, Código Civil Anotado, op.
cit. pp. 29 ss. Adlezio Agostinho, Curso de Constitucional, AAFDLEditora, Lisboa, 2019, pp. 226 ss.
83

Em sede desta modalidade, o intérprete cinge-se a esclarecer o sentido confuso


da norma. Trata-se da figura que ocorre quando o significado literal, da norma, é
indeterminado e o intérprete se limita a clarificar e a fixar um.

Como refere Santos Justos, “assim o vocábulo culpa pode entender-se no sentido
de imprudência ou negligência (mera culpa), ou dolo (sentido restrito) e de
reprovabilidade ou imputação do facto ao agente que envolve a mera culpa e o dolo
(sentido lato)” 294.

II.Interpretação Extensiva e interpretação restritiva

Pode acontecer que o resultado da interpretação literal não coincida com o


resultante da análise dos elementos lógicos da interpretação. Nestes casos, o intérprete
procederá, então, socorrer-se a interpretação extensiva ou a interpretação restritiva
conforme os casos.

II.i. Interpretação extensiva

É a interpretação que ocorre sempre que se proceda ao alargamento do sentido


literal de modo a incluir no enunciado linguístico a ratio legis. “esta interpretação
verifica-se quando o interprete, observando uma desarmonia entre o significado literal e
o espirito da lei, corrige aquele para, deste modo, obedecer à mens ou voluntas legis”
295
.

II.ii. Interpretação restritiva

294
In Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 340 – 341.
295
“O legislador disse menos do que queria, e por isso, o sentido literal é estendido até coincidir
com o espirito da lei”. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 341 - 342 ss
84

A interpretação restritiva dá-se quando o intérprete verifica que o alcance literal


do texto legal é mais amplo do que aquele que pretendia regular, restringe o seu sentido,
de forma a torna-lo adequado àquele que corresponde à mens legis. Pode-se inferir que
há interpretação restritiva sempre que, ao invés, o enunciado linguístico ultrapasse a
ratio legis, razão pela qual “cessante ratione legis cessat eius dispositivo” 296.

III.Interpretação enunciativa

A interpretação enunciativa ocorre sempre que da lei se retire uma norma que
dela resulta apenas implicitamente 297. Nesta sede, a interpretação, deixa de revestir uma
perspectiva estática para assumir um quadro dinâmico, isto é, vai mais longe e procura
desenvolver o teor dos preceitos legais em todas as suas possíveis rédeas. É neste plano,
por exemplo, que a doutrina costuma referir que “quem tem direito ao mais tem direito
ao menos (…)” 298.

IV. Interpretação abrogante

É frequente verificar casos de incompatibilidade de normas, em vigor, no


ordenamento jurídico. Esta incompatibilidade de normas pode assumir uma dimensão
meramente literal ou atingir níveis de colisão de elevada qualidade em que há,
efetivamente, desarmonia entre o elemento literal e o elemento espiritual - casos em que
a conciliação entre as duas normas em vigor é praticamente impossível.

Nestas situações, em que a incompatibilidade de normas é mais profunda, chega


ao extremo, as normas jurídicas inconciliáveis, não podem subsistir cumulativamente.
Com efeito, o intérprete terá de sacrificar uma das normas, tendo-a como inexistente.

296
José Alberto González, Código Civil Anotado, op. cit. pp. 29 ss.
297
Ibidem, pp. 30 ss.
298
Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, ; Santos Justo, Introdução ao
Estudo do Direito, op. cit. pp. 341 - 342 ss; Marcelo Rebelo de Sousa/Sofia Galvão, Introdução ao
Estudo do Direito, Lex Editora, Lisboa 2000, pp. 78 ss.
85

Assim, a interpretação abrogante traduz-se na existência, inequívoca, de uma


contradição irremediável entre o elemento literal e o elemento lógico, pois, o interprete
se limita aceitar que a fonte jurídica não apresenta nenhuma norma jurídica. Mas não se
trata de um acto de revogação da lei porque, simplesmente, estamos em sede de uma
“interpretatio abrogans” – em rigor, não se apaga a norma e os seus efeitos da ordem
jurídica, mas ignora-se a sua existência como se tal acto tivesse ocorrido.

Na linha esclarecedora, parece-nos relevante salientar com Galvão Telles “a


interpretatio abrogans é como que uma interpretação restritiva levada até às últimas
consequências: tanto se restringe a letra que ela desaparece e o preceito fica sem
299
conteúdo” . Portanto, o intérprete chega a conclusão que o sentido da lei é
indecifrável, ao ponto de ser impossível apreender o seu teor.

10.Integração

10.1.Preliminares

O estudo do tema em consideração pressupõe, ab initio, a compreensão de um


elemento basilar que constitui o seu fundamento. Referimo-nos a figura da lacuna pedra
angular que serve como pressuposto para a concretização do mecanismo da integração.

10.2. Lacuna

Por lacuna entende-se o silêncio legislativo (lato senso) atinente à certa situação
da vida que reivindica solução jurídica. Consiste na falta de uma norma jurídica que
permite resolver uma situação da vida social que exige uma solução jurídica.

A lacuna, propriamente dita, distingue-se de algumas figuras que lhe são afim.
Neste plano, devem ser afastados as chamadas regras ajurídicas (normas religiosas, de
trato social, e outras que apesar de regularem o comportamento do homem na
sociedade, o fazem numa perspectiva não jurídica), as cláusulas gerais e, não menos

299
In Introdução ao Estudo do Direito,
86

importante, os casos de mero afastamento de deficiência legislativa – em que o juiz


procede a mera correcção da lei 300.

Ora, apresentado o conceito de lacuna, há necessidade de incidir a nossa atenção


ao mecanismo de suprimento. E, como é que se preenchem as lacunas jurídicas?

Responder a questão em consideração, pressupõe deter-se a figura da integração


de lacunas, pois esta traduz-se no acto de suprimento dos vazios jurídicos que reclamam
soluções jurídicas. Trata-se da figura incidível ao preenchimento dos casos omissos (de
previsão e estatuição) no ordenamento jurídico 301.

Em rigor, o acto de integração é prévio a interpretação, por isso, impõe-se


esclarecer a questão no intuito de se evitar confusões desnecessárias.

Assim, em sede da aplicação do Direito a uma situação da vida, o aplicador do


Direito deverá, num primeiro momento, perceber a situação de facto e pô-la em
contacto com a fonte de Direito aplicável, se por hipótese o facto for subsumível a fonte
de Direito disponível, então, define-se o Direito ao caso concreto. Aqui há,
efectivamente, correspondência entre o facto da vida e a norma aplicável, quer dizer que
o elemento literal se configura explícito em relação ao elemento lógico. Razão bastante
para o interprete-aplicador resolver a questão da vida que se coloca sem ter de accionar
mecanismos complexos no quadro da interpretação, pois, há harmonia entre o elemento
literal e o extra – literal.

Num segundo momento, o intérprete – aplicador atendo-se a situação da vida


encontra, a partida, dificuldade em subsumi –la a fonte de Direito aplicável. Com efeito,
terá de harmonizar, primeiro, os elementos de interpretação e só a posteriori, definir o
Direito ao caso concreto. Neste particular, a regra está implícita na lei e a sua descoberta
passa por uma operação de inferência apoiada em determinados princípios lógicos 302.

Entretanto, num terceiro momento o interprete - aplicador não encontra


correspondência, nenhuma, entre a situação da vida, questão jurídica e a ordem jurídica,
quer em termos explicito, quer em em termos implícito, levando-o a concluir que há,

300
Assim, por exemplo, não consubstancia uma situação de lacuna o facto de não existir
regulação jurídica para as relações entre padrinhos e afilhados (…). Marcelo Rebelo de Sousa/Sofia
Galvão, Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. pp. 78 ss.
301
O operador do Direito exerce uma actividade intelectual a fim de encontrar uma solução
jurídica para uma lacuna.
302
Ibidem, pp. 76 ss.
87

neste caso específico, uma omissão que reclama solução jurídica. A questão da vida,
facto social relevante para o Direito, não encontra acolhimento no ordenamento jurídico
em vigor, seja em relação a letra ou ao espirito. Há, na realidade, uma situação da vida
que reclama solução jurídica, todavia, ao sindicar os preceitos e os princípios
normativos que constituem o ordenamento jurídico, infere-se existir uma omissão em
relação ao facto que se coloca – questão esta, que deverá ser preenchida mediante as
técnicas permissíveis pela ciência jurídica.

Nestes termos, a questão ora suscitada, assente na colmatação do vazio jurídico,


encontra hospitalidade no n.º 1 do artigo 10.º nos termos do qual “os casos que a lei não
preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos. Portanto, é
dedutível, em termos meramente preliminar, que os casos omissos são resolvidos pelo
instrumento pautado no preceito em enunciação “norma aplicável aos casos análogos” .
Será este o único instrumento de integração de lacunas?

Não, o recurso a analogia, “n.º1 do artigo 10.º” não constitui o meio exclusivo
para resolver casos omissos, pois na falta deste, o intérprete – aplicador tem
legitimidade para accionar o pautado no n.º 2 do mesmo preceito – “a situação é
resolvida, segundo a norma que o próprio intérprete criaria se houvesse de legislar
dentro do espirito do sistema”.

35. O problema da interpretação e integração da lei

36. Conceito de interpretação da lei


88

37. Necessidade da interpretação

38. Interpretação legislativa e interpretação literário-filológica

39. A interpretação como técnica e como arte

40. Interpretação doutrinal e interpretação autêntica

41. Elementos da interpretação

42. Espécies de interpretação quanto ao resultado

43.Integração das lacunas da lei

44.Subjectivismo e objectivismo na interpretação da lei

45. Aplicação actualista da lei

CAPÍTULO VII- APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

46. O princípio da irretroactividade da lei

47. Teoria dos direitos adquiridos

48. Teorias das situações jurídicas objectivas e subjectivas

49.teoria do facto passado

50.solução

51.incostitucionalidade de certas leis retractivas

Capítulo VII – FINS DO DIREITO

Bibliografia Básica
89

Justo, A. Santos

- Introdução ao Estudo do Direito, 6.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2012.

Telles, Inocêncio Galvão

- Introdução ao Estudo do Direito, Volume I, 11ª Edição (reimpressão),


Coimbra Editora, Coimbra, 2014.

- Introdução ao Estudo do Direito, Volume II, 10ª Edição (reimpressão),


Coimbra Editora, Coimbra, 2014.

Bibliografia complementar

Ascensão, José de Oliveira

- O Direito, Introdução e Teoria Geral, 13ª Edição, Almedina, 2008

Bronze, Fernando José

- Lições de Introdução ao Direito, 2ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010.

Diogo, Luís da Costa / Januário, Rui

- Noções e Conceitos Fundamentais de Direito, Quid Juris, 2007.

Gomes, Nuno Sá

- Introdução ao Estudo de Direito, JVS, Lisboa, 2001, pp. 13 ss.

Meirim, José Manuel

- Como Pesquisar e Referenciar em Direito, Coimbra Editora, Coimbra, 2008.

Otero, Paulo

- Lições de Introdução ao Estudo do Direito, I Volume, 1.º Tom, Lisboa, 1998.

Marques, Mário Reis

- Introdução ao Direito, Volume I, 2ª Edição, Almedina, 2007.


90

Pereira, António Pinto

- Princípios gerais de Direito, Coimbra Editora, Coimbra, 013.

Reagla , José Agiló

- Teoria Geral das Fontes do Direito, Escolar Editora, Lisboa, 2014.

Silva, Carlos Alberto Burity da

- Teoria Geral do Direito Civil, 2ª Edição, FDUAN, Luanda, 2015.

Sousa , Marcelo Rebelo de / Vale, Sofia

- Introdução ao Estudo do Direito, Lex,2000.

Telles, Inocêncio Galvão

- Introdução ao Estudo do Direito, Volume I, 11ª Edição (reimpressão),


Coimbra Editora, Coimbra, 2014.

- Introdução ao Estudo do Direito, Volume II, 10ª Edição (reimpressão),


Coimbra Editora, Coimbra, 2014.

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