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RESUMO:
A questão relacionada com as atividades cooperativas em cenário concorrencial desafia nossa reflexão
porque o tema, no mínimo, é controverso. Por um lado, a pressuposta fragilidade dos cooperados
quando vistos como agentes individuais levaria a crer - em primeira análise - que estariam cabalmente
afastados da incidência da lei antitruste. Por outro lado, não se pode ignorar o potencial competitivo
que esses cooperados, quando organizados em uma cooperativa, conseguem atingir. Esse fator, por si
só, potencializa seu enquadramento no direito concorrencial. Outro aspecto que pode causar
preocupações é a vulnerabilidade, por falta de competitividade desses agentes, em determinados
setores, mesmo quando organizados em cooperativas.
Palavras chave: Cooperativas; concorrência, economia solidária, ato cooperativo, regra da razão,
cooperativas médicas, cooperativas agrícolas.
ABSTRACT:
The position of cooperatives in the competitive scenario may seem to be a controversial topic. On the
one hand, the weakness of the cooperative members when viewed as individual agents, in a first
analysis, end up ruling out the possibility of incidence of antitrust law. On the other hand, it is
precisely the competitive potential of these members, when organized into a cooperative, that worries
the competition law. Another factor that may cause concern is the lack of competitiveness in certain
sectors of some agents, even when organized in cooperatives.
Keywords: Cooperative, competition, economic solidarity, cooperative act, rule of reason, medical
cooperatives, agricultural cooperatives
1
Graduanda em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), onde preside a empresa
júnior Sanfran Jr. E-mail: monicatfj@gmail.com
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1. Introdução
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“Para que tivéssemos uma sociedade em que predominasse a igualdade entre todos
os seus membros, seria preciso que a economia fosse solidária em vez de
competitiva. Isso significa que os participantes na atividade econômica deveriam
cooperar entre si em vez de competir. O que esta de acordo com a divisão do
trabalho entre empresas e dentro das empresas. Cada um desempenha uma atividade
especializada da qual resulta um produto que só tem utilidade quando
complementado pelos produtos de outras atividades”
2
NETO, Sigismundo Bialoskorski. Aspectos econômicos das cooperativas. Editora Madamentos: Belo Horizonte
- 2006
3
LAMBERT, P. La doutrina cooperativa. Buenos Aires: Intercoop, 1975. 357 p.
4
SINGER, Paul. Introdução a economia solidária. Fundação Perceu Abramo: São Paulo - 2002
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A posição das cooperativas no cenário concorrencial
5
NETO, Sigismundo Bialoskorski. Aspectos econômicos das cooperativas. Editora Madamentos: Belo Horizonte
- 2006
6
TÔRRES, Heleno Taveira. “Regime constitucional das cooperativas de trabalho”. RDT 112/123
7
Lei 12.690/2012 e Lei n.º 5.764/1971
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RDC, Vol. 2, nº 1, Maio 2014, pp. 154-172
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BULGARELLI, Waldiro. “As sociedades cooperativas e sua disciplina jurídica”. Editora Renovar; 2ª edição.
Rio de Janeiro /São Paulo – 2000.
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BULGARELLI, Waldiro. “As sociedades cooperativas e sua disciplina jurídica”. Editora Renovar; 2ª edição.
Rio de Janeiro /São Paulo – 2000.
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RIZZARDO, Arnaldo. “Tributos e contribuições das cooperativas”.RT 851/2006 – set/2006
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A posição das cooperativas no cenário concorrencial
“Pelo princípio da igualdade, bem como pelo incentivo dado ao cooperativismo pela
Constituição Federal de 1988, entendemos que não pode haver uma tributação
igualitária sobre esse resultado positivo com o lucro das sociedades comerciais. De
fato, tributar igualmente o resultado eventual da cooperativa é tributar igualmente os
desiguais. Esse resultado não é perseguido como objetivo, mas decorre de
circunstâncias de mercado ou operacionais, ou como forma de ampliar os
conhecedores do sistema. Esse resultado, ressalte-se, nem vai compor em nenhuma
hipótese, o patrimônio dos associados. Por isso, falta à cooperativa a capacidade
contributiva típica do imposto sobre a renda, como visto”.
O tratamento estatal deixa clara a diferença entre as sociedades, mesmo que deixadas
de lado as diferenças ideológicas que as inspiraram.
11
BECHO, Renato Lopes. “Tributação das cooperativas”. Apud. RIZZARDO, Arnoldo.
“Tributos e contribuições das cooperativas”. Revista dos Tribunais. 851/2006 – Set/ 2006
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FORGIONI, Paula A.. “Os fundamentos do antitruste”. Revista dos Tribunais. 6. edição. São Paulo - 2013
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“Ora, para atender a esses dois requisitos mínimos, o conteúdo central (mas não
exclusivo do direito concorrencial deve ser a regulamentação do poder econômico
no mercado. É intuitivo que a existência de agentes com poder sobre o mercado,
quando levada ao ponto máximo do monopólio, elimina por completo a
possibilidade de escolha (de todos os agentes, consumidores e produtores) quando é
suficientemente grande para criar barreiras à entrada de concorrentes”.
13
FORGIONI, Paula A.. “Os fundamentos do antitruste”. Revista dos Tribunais. 6. edição. São Paulo - 2013
14
COMPARATO, Fábio Konder. “Estado, empresa e função social”. RT 732/1996 – out/1996.
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FORGIONI, Paula A.. “Os fundamentos do Anti-truste”. Revista dos Tribunais. 6. edição. São Paulo - 2013
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por parte do consumidor ou mesmo do agente econômico é dotado de um valor social que
deve ser protegido pelo direito. Dessa forma, o direto é tomado de um papel garantidor da
igualdade de condições nas relações econômicas.
Quando se afirma que o que se visa é uma concorrência que de fato exista, é buscado o
bem estar do consumidor e do concorrente. A vulnerabilidade do consumidor no mercado
ressalta a necessidade de uma intervenção do Estado para o equilíbrio de sua fragilidade
frente o desequilíbrio de informações entre a esfera empresarial e aquele para o qual os
produtos são direcionados. É de interesse do consumidor que exista concorrência entre os
fornecedores pois, esta acaba por dispor uma maior variedade de produtos para os
consumidores por preços mais baixos do que quando ocorre o monopólio 16.
Ao proteger a concorrência pode-se depreender que o direito concorrencial tem a
função de regular o mercado de modo que este tenha espaço para entrada e atuação de novos
agentes. A concentração de poder inviabiliza a livre atuação de concorrentes de menor poder
de mercado.
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FILHO, Calixto Salomão. “Direito concorrencial – As estruturas”. Malheiros Editores. 2. edição. São Paulo -
2002
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LIMA, Jacob Carlos. “O trabalho auto gestionário em cooperativas de produção: o paradigma revisado”.
RBCS. Vol. 19. n. 56 – Outubro/2006
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integrantes atuando de forma individual não poderiam entrar no mercado. Como por exemplo,
cooperativas de catadores de lixo, que, por meio da coleta seletiva, conseguiu criar um cenário
mais favorável 18 para o desenvolvimento e inclusão dessa atividade, por meio do trabalho
autogestionado19.
As segundas atuam dentro da lógica de mercado e não seguem os princípios
cooperativistas e acabam, por meio dessa situação, adquirindo vantagens frente aos
concorrentes por acabarem driblando leis trabalhistas, pagamento de impostos, por meio de
leis de incentivo. Além disso, essas “cooperfraudes” podem até mesmo ter uma forte
concentração de poder de mercado, a partir do momento em que possuem porcentagens altas
de mercado relevante e, utilizando de sua estrutura de associação, e acabam por aplicar
medidas abusivas de preços.
Agora, retornando ao ponto da definição de associação cooperativa, parece-nos de
suma importância salientar a natureza ímpar desse tipo de sociedade. Sua estrutura, apesar da
semelhança com outras empresas de cunho comercial, possui tratamento diferencial, previsto
na constituição.
Parte-se do pressuposto que a atuação em cooperativa é decorrência da ideia de ajuda
mútua para o melhor desempenho social, de modo que, ao executar uma tarefa, atingir um
objetivo, negociar e deter melhores condições de desenvolvimento econômico busca-se o
crescimento coletivo, e não do indivíduo somente. Dessa forma, o principio constitucional de
apoio é um incentivo à associação revestida do espírito de solidariedade 20.
18
Apesar de ainda não ter atingido um nível ideal
19
“As relações estabelecem relações sociais,favorecem a contribuição dos atores participantes e abrem espaço
para que a gestão esteja enraizada na sociedade na busca de mecanismos para o fortalecimento e empoderamento
desses atores na perspectiva da justiça social” - BESEN, Gina Rizpa. “Coleta seletiva com inclusão de
catadores:construção participativa de indicadores e de índices de sustentabilidade”. Tese de doutorado. São
Paulo - 2011
20
LIMA, Helder Gonçalves. “Atos cooperativos e sua Tributação pelo ISS à luz da Teoria Geral do Direito”. In
“Problemas atuais do direito cooperativo”. Dialética, São Paulo -2012.
21
FILHO, Calixto Salomão.”Sociedade cooperativa e disciplina da concorrência”. RT 693/1993-jul/1993.
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“A cooperação voluntária pode ser entendida por meio da teoria dos jogos fazendo-se uso da situação de
equilíbrio descrita como o dilema do prisioneiro. A argumentação é de que exista uma situação semelhante na
cooperação, isto é, um 'dilema do cooperante', no qual os mercados concentrados e o tamanho das firmas
obriguem os produtores a uma situação de interdependência mútua, mas em um equilíbrio que pode ser rompido”
- NETO, Sigismundo Bialoskorski. “Aspectos econômicos das cooperativas”. In______ A natureza institucional
das organizações cooperativas. Fl 53/54 Editora Madamentos: Belo Horizonte - 2006
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FILHO, Calixto Salomão. “Direito concorrencial – As condutas”. Malheiros Editores. 2. edição. São Paulo -
2002
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O primeiro constitui um abuso de poder e o segundo a falta dele e em ambos os casos o Cade
pode ter um papel fundamental ao regular a concorrência.
5. Cooperativas médicas
24
MARTINS, Ives Gandra da Silva. “Sociedades cooperativas de prestação de serviços médicos”. Revista dos
Tribunais 53/2003 – mar-jun/2003.
25
Processo Administrativo n. 08012.005071/2002-71
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Legislação vigente na época. Atualmente a lei correspondente é a 12.529/2011.
27
PFEIFFER. Roberto Augusto Castellanos. Defesa da Ordem Econômica e Cooperativas Médicas. In:
MORATO, António Carlos; NERI, Paulo de Tarso. 20 anos do Código de Defesa do Consumidor: estudos em
homenagem ao Professor José Geraldo Brito Filomeno. São Paulo: Atlas, 2010, p. 646-657.
28
Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas da Bahia
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29
FILHO, José Luiz Alcantara; FONTES, Rosa Maria Olivera. A formação da propriedade e a concentração de
terras no Brasil. Revista de História Econômica & Economia Regional Aplicada – Vol. 4 Nº 7 Jul-Dez 2009
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CREMONESE, Camila; SCHALLENBERGER, Erneldo. Cooperativismo e agricultura familiar na formação
do espaço agrícola do Oeste do Paraná. Revista Tempo da Ciência (12) 23 : 49-63, 1º semestre 2005
31
MOREIRA, Vilmar Rodrigues; SILVA, Christian Luiz da; MORAES, Edmilson Alves de; PROTIL, Roberto
Max. O Cooperativismo e a Gestão dos Riscos de Mercado: análise da fronteira de eficiência do agronegócio
paranaense. RESR, Piracicaba-SP, Vol. 50, Nº 1, p. 051-068, Jan/Mar 2012 – Impressa em Abril de 2012.
32
SINGER, Paul. De dependência em dependência: consentida, tolerada e desejada. Estudos Avançados, 1998.
33
FORGIONI, Paula A. Cooperativas, empresas e a disciplina jurídica do mercado - Direito empresarial e outros
estudos em homenagem ao professor José alexandre Tavares Gerreiro. Editora Quartir Latin do Brasil. São
Paulo - 2013
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7. Considerações finais
A conclusão preliminar deste trabalho é que, apesar da natureza não lucrativa que está
presente no cerne da atividade das cooperativas, estas, possuem fundamental importância em
matéria de concorrência. O Cade, em sua função de órgão responsável pela regulação
econômica, possui ferramentas de implemento do bem estar social quando as cooperativas
acabam abusando de sua função de fortalecimento dos agentes econômicos. Objetivo este que
norteia as decisões atuais da autarquia, todas tendentes a indicar que se trata de instância
consciente do poder-dever que se lhe atribui o Ordenamento. Os desafios batem à porta.
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Disponível em: http://www.cooperativismo.org.br/cooperativismo/noticias/noticia.asp?id=25518
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8. Referências bibliográficas
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– 2006
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BULGARELLI, Waldiro. “Sociedades comerciais”. Editora Atlas; 9ª edição. São Paulo – 2000
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Rio de Janeiro /São Paulo – 2000.
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PFEIFFER. Roberto Augusto Castellanos. “Defesa da Ordem Econômica e Cooperativas Médicas.” In:
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terras no Brasil. Revista de História Econômica & Economia Regional Aplicada – Vol. 4 Nº 7 Jul-Dez 2009
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SINGER, Paul. De dependência em dependência: consentida, tolerada e desejada. Estudos Avançados, 1998.
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