Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O Homem Dos Lobos (Partes 1 e 2) - Jacques-Alain Miller
O Homem Dos Lobos (Partes 1 e 2) - Jacques-Alain Miller
Reinterpretações
Estou bastante contente que esse caso do Homem dos Lobos' tenha sido desper-
tado. É preciso reconhecer que todo catálogo feito sobre o Homem dos Lobos é e1.i-
dentemente satírico. Há, de fato, todos esses psicanalistas que se ocuparam dele, todos
esses comentadores, e depois todas as variações desses psicanalistas e comentadores - o
que já nutre uma extensa literatura. No fundo, é uma questão de reinterpretação. Este é
um termo que retorna com muita freqüência nos textos sobre o Homem dos Lobos, em
diferentes níveis. De um lado, esse texto é um polêmico escrito contra as interpretações
da psicanálise feitas por Jung e Adler. Por outro, há no próprio caso a reinterpretação de
uma neurose infantil que se produzira quinze anos antes. E então, novamente, reinter-
pretação. O que conseguimos apreender de verdadeiro nisso quinze anos depois? Será
que esse caso verifica as interpretações hostis que foram feitas a seu respeito. Vocês
sabem que Freud assume posições diferentes sobre a realidade ou sobre o caráter fan-
tasmático da cena primitiva. Dizendo de outro modo, esse traço de reinterpretação está
realmente presente em todos os níveis. Não temos de modo algum o estilo que Freud
emprega em relação ao Homem dos Ratos; o Homem dos Lobos é apreendido pelo que
ele conta sobre o que se passara quinze anos antes. É bastante curioso. É como se não ti-
véssemos O caso no presente, mas o caso apreendido na reinterpretação. Freud condensa
esse caso, destacando certos traços valorizados pelo tratamento analítico2:"a tenacidade
da fixação", sua extraordinária propensão à ambivalência e mesmo à vacilação, e "como
terceiro traço de uma constituição que é preciso nomear como arcaica: a faculdade de
Não podemos retomar o conjunto d o caso por essa base, mas podemos ir ao es-
sencial, qual seja: o problema da castração. Notemos de cara que não parece que Lacan
tenha colocado a questão do Nome-do-Pai no cerne desse caso. Mesmo assim é algo
inassivo. No momento em que ele traz não a forclusão como tal - ele a hwia abordado
dois anos antes - mas a forclusão do Nome-do-Pai: não se trata mais d o Honiem dos
Lohos. Ainda assim é uma indicação que se de\;e levar em conta.
Esse problema da castração que não fica muito claro em Freud, Lacan tenta resol-
ver. São tentativas de solução. Evidentemente, havendo passado certo tempo, as tentati-
vas de solução podem por sua vez tornar-se problemas. Enfim, são tentativas d e soluçào
de uin problema freudiano.
Tomemos a passagem na qiial Lacan se apóia eni sua "Resposta ao comentário de
Jean Hyppolite"'. Freud faz um resumo extremamente claro dessa coexistência d e liga-
çòes libidinais. Em certo sentido, o Homem dos Lobos jamais reconheceu a castração.
Eiii outro sentido, ele a reconheceu. Cito Freud: "Agora conlieceinos a posição inicial de
nosso paciente em relação ao problema da castração. Ele a rejeitou (uerwar-,e se detém
no ponto de vista da relaçào pelo ânus. Quando disse que a rejeitou, a significação iiiais
próxima da expressão é que ele nada quis saber sobre ela, no sentido d o recalcaiiiento.
Deste inodo, falando propriamente, nenhum julgamento incidi~isobre sua existência; foi
como se ela não houvesse. No entanto, esta atitude não pode ter sido definitiva, nem
mesiiio em relação aos anos de sua neurose infantil. Existem provas convincentes d e que
ele reconheceu posteriortiiente a castração como uin fato. Sob esse ponto ele tambéin
se coniportou d o modo que era caracrerístico para seu ser, o que torna extraordinaria-
mente difícil para nós representar sua neurose e compreendê-la a partir d o interior.'"
Temos, então, ein primeiro lugar, a Veriuerfung da castração, e em segundo lugar o seu
reconliecimento. Mas esse reconhecimento reveste duas modalidades: primeiramente ele
1) Verwerfung da castração
/IResistir
2) Reconhecimento da castração
Ceder
Freud especifica: "Por fim, subsistiam nele lado a lado duas correntes opostas das
quais uma aboniinava a castração e a outra estava prestes a aceitá-la e a consolar-se
com a feminilidade como substituto. A terceira, a mais antiga e profunda, aquela que
simplesmente rejeitara a castração e na qual ainda não era questão de julgamento sobre
sua realidade, esta corrente era certamente ainda reativável"
Ein certo sentido, é verdade que o conjunto d o caso d o Homem dos Lobos nos é
apresentado no âmbito da neurose infantil: e mesmo da neurose adulta. Há: entretanto,
nesse livro a niarcação de uma resistência masculina à castração e da adoção de uma
posi~ãofeminina, com, por detrás, uma questão que é sempre capaz de entrar eni ati-
vidade.
O que Freud diz é ainda assim extraordinário. Isto indica que o que pôde se passar
já estava anunciktdo. É tasnbém o que confere importância à famosa cena primitiva, pois
ela é considerada como tendo produzido no paciente a convicção da realidade da castra-
ção. A convicção, Überzeugung, é realmente uina posição subjetiva. O ponto de partida
de Freud é o de que uma neurose infantil precede a neurose ~ilterior.
Nesse contexto: qual é o problema colocado pelo próprio iiiodo como Freud ex-
põe o caso clínico em suas diferentes etapas? A Verwerfiung d a castração, Freud a de-
tecta na teoria anal d o coito. A analidade está iinplicada nela. mas há também analidade
na adoção da posição feminina. Então, a analidade é reencontrada em dois lugares, ao
passo que na verdade ela tem duas relações diferentes sob o ponto d e vista estrutural.
/T Resistir
2) Reconhecimento da castraçáo 4 Analidade(po8ição feminina)
Ceder
Nossa linha condutora da última vez era mostrar que Lacan tenta várias vezes ela-
borar, acerca da posição do Hotiiem dos Lobos em relação à castração, um binarisnio
que não parece situar sempre nos mesmos termos. De todo modo, explicitamente não
são sempre os mesmos terinos que estão em jogo. Pois no momento em que adota re-
almente uma posição radical em favor da Verwerfung, Lacan não fala mais d o Homein
dos Lobos. Eu resumo as coisas deste modo. Em primeiro lugar, temos uma ignorância
da castração, isto é, a concepção oral da relação sexual. Em segundo lugar, temos a
questão colocada sobre a concepção genital da relação sexual. Depois, em relação a essa
concepção genital: temos igualmente duas atitudes do Homem dos Lobos: a Verwefung
e o reconhecimento. Mas, conforme observa Freud, este elemento jamais fora eliminado
e continuou coexistindo. Já citei esta passagem-chave do texto de Freud: "Por fim, suh-
sistiam nele, lado a lado, duas correntes opostas, das quais uina repudiava a castração,
e a outra estava prestes a aceitá-la e a consolar-se com a feminilidade como substituta.
A terceira, mais antiga e profunda, aquela que simplesmente rejeitara a castração e na
qual ainda não era questão de julgamento sobre sua realidade, essa corrente certamente
era ainda reativável."
Eis o mais coinpleto diagnóstico que Freud formula em seu texto sobre o Homem
dos Lobos. 1-Iá essa atitucle ambivalente em relação i castração, e há, por baixo delal
uma atitude de VerwerJiung fundamental. Isto quer dizer que o próprio reconheciinento
se divide: abominar a castração ou aceitá-la, o que faz com que encontremos o erotismo
anal ein dois lugares. Há, então, estas três correntes fundamentais: abominar a castração,
ou aceitá-la, com a terceira corrente sempre reativável.
Se Freud se apressou tanto ein se desvencilhar desse paciente, e se, clesvencilhan-
do-se dele, retornou teoricamente com tanta insistência - este é o diagnóstico de Lacan
-, foi porque não havia subjetivado os problemas que ali estavam em jogo. Como o caso
d o Homem dos Lobos permaneceu um problema não resolvido na conlunidade analítica,
eu me permiti indicar, da última vez: que o diagnóstico de Lacan poderia ser estendido
ao conjunto dessa comunidade analítica.
O ponto preciso d o qual se trata é o que resta fora do significante. Esse ponto
não é de modo alg~imum dado para Lawn no momento em que empreende seu ensi-
no propriamente dito. Com efeito, trata-se para ele de situar uma teoria da psicanálise
Paranóia
Da mesma forma, o que chamamos de paranóia do Hoiiiem dos Lobos parece po-
der situar-se, de [nodo mais simples, como uma reativação dessa corrente mais antiga da
qual emergirá a alucinação, depois na queixa sobre seu nariz. O nariz era efetivamente
um deslocamento d o órgão genital. Uiii enunciado importante do Homem dos Lobos é
muito bem traduzido deste inodo: "sempre tive má sorte com meu pênis". Ele dá um
número importante de exemples dessa persistente má sorte:
"Chamemos as coisas por seu nome: sempre rive má sorte com meu pênis, com meu meni-
bro; mesmo antes da gonorréia. Você conhece esses bichos que chamamos de carrapatos? No
quintal de nossa casa, corríamos atr:iirés dos arvoredos, rolávamos sobre a grama e subíamos
nas árvores. Desde sempre comecei a ter comichões. Eu esfreguei, cocei. Par fim, percebi
"Tive uin tio que vivia ao inodo de Luiz I1 da Baviera. Um caso típico de selvageria que foge
clos contatos humanos.
Por outro lado, no âmbito maternal eu tive um primo, o filho da irmã mais velha de minha
niiie, que era acometido por uma forma ligeira de paranóia. [...I 6 claro que isso [o diagnós-
tico de paranóia1 não me agr;iclava de modo algum. De repente eii tive a vontade de nào
passzir por um paranóico. Fiquei bastante orgulhoso, não é niesmo?, do que Freud escrevera a
meu respeito: 'sua inteligência irrepieensíveP etc. Ele era, como vocês sabem, um adversário
da religião. eu lhe contara que. iá em minha infância tive ddúnidas sobre a contradição que
existe entre um deus de bondade e todo o mal que se encontra no mundo.[...lE eii estava
natiir;ilmente orgulhoso que ele tenha dito que só uma criança podia pensar tão logicamente,
que ele me tratou como um pensador de primeira ordem e o que sei eu ainda. E agora, eu
deveria ser etiquetado de repente como paranóico. Então nessa situação eu reuni todas as
minhas forças para não me olhar mais no espelho; de uin modo oil de outro eu sobrepujei
minhas idéias fixas. Isso durou alguns dias. Ao cabo desse tempo, estava acabado. [..I Então,
mcês vêem que um falso diagnóstico pode às vezes conduzir a esse resultado de que um
paciente reúne todas as siias forças saudáveis para sobrepujar uin certo estado.'
Causalidade diferencial
As três correntes
A pequena grade que extraímos desse texto deixa justamente se desdobrar a niulti-
plicidade de pontuações possíveis. O próprio Freud percebe que muitas pontuações são
possíveis no quadro clínico desse caso. Lembro-lhes, Freud distingue nele três correntes
fundamentais: (1) o Homem dos Lobos nada queria saber da castração, mesmo no sen-
tido d o recalque - foi a partir disso que Lacan conceituou a forclusão, apoiando-se na
palavra Iferwerfung que está presente em Freud; (2) o Homem dos Lobos foi forçado a
reconhecer a castração. Há, portanto, reconhecimento, e este se dá de dois modos: ou
ele aceita a castração; ou a abomina. Então, cada um dos fenômenos pode ser itiiputa-
d o a uma dessas três correntes. É então bastante complicado quando há rejeição: será
rejeição forclusiva ou interna ao reconhecimento? A dificuldade d o caso vem d o duplo
valor desse "não". Em que se condensa esse "reconhece abominando, que é a terceira
corrente desse esquema? Freud eiiiprega o termo "fantasma homossexual", mas se trata
antes d e ser uma mulher. No episódio muito preciso que releiiios, parece-me que temos
antes a posição três, a partir da qual Freud decifra o fenômeno das lavagens intestinais
clarificadoras.
A castração
É preciso admitir que, para esse caso e para a polêmica sobre o diagnóstico, a
questão se centra na castração. É o capítulo central de Freud: "Erotismo anal e castração".
Destaco isto pelo fato de que passaremos ao fragmento de Lacan sobre os dois furos,
fálico e paterno. A questão da hesitação diagnóstica reside então no fato d e saber se liá
ou não significação fálica. Ela se centra no que é obrigatório, a saber: forclusão ou reco-
nhecimento? Seria um reconhecimento na rejeição?
O que não é colocado em questão até então é a relação com o pai no caso d o
Homem dos Lobos. Essa relação, poderíamos, afinal de contas, colocar em questão. Com
(7 de janeiro de 1988)
A duvida e a apofantica
Uma das dificuldades que encontramos com esse caso, eni nossa pesquisa, foi no
fundo porque não estamos tão habituados assim com discussões clínicas. Essas discus-
sões clínicas, fazemo-las frequentemente de modo bastante rápido em IRMA16, Iiaja vista
o próprio forinato do evento. No entanto, eu não gostaria de encontrar agora virtudes
exrremas na discussão, como faz o filósofo Jürgen Habernias - qiie pensa que é na dis-
cussão, eni sua estrutura, que repousaiii o futuro do inundo e o nasciiiiento de Liin novo
universal. Mas, enfim, a virtude da discussão me parece certa. Quando ela se produz
entre nós, é acompanhada de uin sentimento de certa novidade.
Aqui, tomamos por base um caso de Freud. Eventualmente, criticamos Freud seve-
ramente, e ele suporta isso com uma imparcialidade que faz nossa admiração. Ele não
é susceptível, ele não diz: "se é assitii, vou-me etiibora". O próprio Lacan não é nada
nioderado. Ele supõe que Freud não resolveu o caso, uma vez que ele periiianeceu dis-
tante d o que diz respeito à assunção da castração. Vocês sabem muito bem que seria
muito nial visto entre nós que se fizesse esse tipo de imputações. Pois é: e isto foi feito
em relação a Freud que, impávido; continua conosco. Seria preciso ser borgesi;ino para
desenvolver esse tema.
Temos a tendência a desenvolver a teoria psicanalítica sob a forina da certeza por-
que o ato, na prática da psicanálise, se dá em iim elemento de certeza. A interpretação
é criadora de seus efeitos. InterpretaG~oe discussào sâo duas posições coinpletainente
estranlias uma à outra, e isto se refere, quase nat~iralmente,ao estilo teórico. Existe, na
teoria psicanalítica. uma espécie de obrigação de estilo apofântico, quer dizer, cle mostrar
o verdadeiro.
O estilo de Lacan é certainente apofântico. Isto nos conduziu a profi~nclosence-
gueciiiientos na leitura e interpretação de Lacan. Não imaginamos tnais o quanto essa
leitura era atravancada - por causa desse estilo mesmo - pela convicção de que Lacan
dizia mais ou menos a niesma coisa do início ao fim. No ponto em que estamos. todos
vêem a que ponto essa era uma via sem saída para coiiipreender do que se tratava. Pode-
mos lamentar os excessos de cronologização em relação i apresentação teórica cle Lacan,
mas é, me parece, um inconveniente menor do que sua sincronização absoluta coin o
elemento de certeza. Isto realmente prejudicou o tral~alhoque se fazia na EFI'. Não que
Quiséssemos dar 2 dúvida uma função eminente na teoria; inclusi\,e Freud, em relagâo
ao Homem dos Lobos, dedica um parágrafo bastante interessante ao lugar da dúvida
como meio de resistência no tratamento d o obsessivo. Mas, talvez, entre a apofântica,
Os pais
Tornemos encerrar um pouco as coisas no estatuto do pai. Como não temos teinpo
de prosseguir nessa discussão hoje, gostaria simplesmente de lembrar a posição de Freud
a esse respeito.
Indiscutivelmente, a posição de Freud é que o Édipo se constitui no Homein dos Lo-
bos. Essa posição é inequívoca na própria observação. Isto se observa no plano diagnóstico,
o de neurose obsessiva. Freud ordena o caso no momento da neurose obsessiva. Na história
cotnplexa do Homem dos Lobos. há Lim momento que pode ser dito de neurose obsessiva:
aquele eni que ele está em debate com os temas da religião. A esse respeito, Freud conside-
ra "indubitável" - a expressão é dele - que o pai apresenta pard o sujeito. nesse moinento,
uma ameaça de castração. Está na conclusão do capítulo: "Erotismo anal e castração". Será
preciso retornar às ponderações e desvios pelos quais Freud chega a isso, mas esse capítulo
se encerra com a função do pai: "É absolutamente indubitável que para ele nessa época o
pai se tornou essa pessoa assustadora, apresentando uma ameaça de ca~tração."'~
Ali, Freud nos prepara duas posições paternas que podem dar origem a duas
séries. Uma anotação bastante preciosa nos mostra exatamente para onde o ensino
de Lacan pode deslizar. Freud considera que "o garoto tem que cumprir um esquema
Estarenios nós obrigaclos a uma relação de iiiiplicação causal entre I', e O,? Ou será
que Lacan nos autoriza a afrouxar esse laço a fim de que possa haver uiii sem o outro?
Esse texto, que introduz lima complicação quanto à relação entre P, e @,, permite-nos ou
não fazer uma disjunção entre eles? Nào é apenas uma questão de exegese d o parágrafo
de Lacan. Se nos fiamos nele, essa questão condiciona a idéia que se pode ter do caso
d o I-lomem dos Lobos.
Lacan, como Freud, certamente aborda a questão da psicose a partir d o Édipo. A
referência ao Édipo não está, evidentemente, no primeiro plano da análise freudiana d o
caso Schreber, mas alguns anos mais tarde, quando terá afinado a estrutura edipiana,
nomeará o caso Schreber em função da presença d o Édipo. Ele o abordará a partir da
neurose e da conjunção entre o pai e o coniplexo de castração. Deseiiil~araçandoesses
dois elementos, o pai e o conipleso de castração, Lacan sitiia um mecanismo, uina es-
trutlira simples que explica :i relaçào ou a articulação entre esses dois termos, e isto se
servindo do esquema da metáfora - inclusive este não é o primeiro uso que faz dele.
Esse esquema Ilie pareceu articular o pai e o coiiiplexo de castração.
Ao mesmo teiiipo, ele renuncioii a tudo o que provinhii de certo pudor semantófilo
a respeito d o ciiusalismo. Ele trata em termos causalistas a relação entre o pai e o com-
plexo de castração. O tema da causa e do efeito é aqui central. A metáfora - assim como
a nietonímia - é para ele uin esquema de causalidade. Se há causalidade, há, portanto,
uma relação orientada de um termo a outro, assim como uina relação de domin:içio d e
uni sobre o outro. A solução de Lacan - aquela que fez a celebridade de sua iiietáfora
paterna -, foi dizer que o pai como significante é causa e o falo \mo significado é efeito.
O falo como significação acabada é uiii efeito. "1"' tem enrâo como efeito: P 3 @. A partir
disso, obtém-se logo unia doutrina da psicose. Há uma relação de causalidade simples
entre esses dois terinos que são mesmo assim desnivelados: um é causa e o outro é efei-
to, um é sinibólico e o outro imaginário.
Em que momento se introduz a questão que aqui poderia produzir certa disjunção?
Após encontrar as provas e as expressòes d e P, no caso Schreber, tendo riiostrado as dis-
torções que resultam nas funções siml~ólicasque são religadiis ao P - em seu esquema:
I e I r I 2 O -, Lacan se ocupa do que ocorre no registro imaginário. Ele vê no "assassinato
de almasz de Schreber algo que é correlativo ao P,. Isto após haver tratado das questòes
que circundam esse ponto, relacionadas às identificações narcísicas. Depois de tratar
d o P, e da distorção das funções siiiibólicas, Lacan aborda ali a distorção das funçòes
imaginárias. É então que ele se ocupa desse ponto designando coino "assassinato de
alinas". No parágrafo que nos ocupa, o que vai exigir a resolução desse ponto é distinto
das identificações iiiiaginárias, que se desen\-olvem na linha "i - - - m" e que já haviam
sido evocadas por Lacan: gozo transexual, imagem da criatura etc. Uma vez que ele
abordou essas distorções e esses reinanejamentos imaginários, ele passa ao "assassinato
d e almas" como tal.
Esse "assassinato de almas", vocês sabem que é central no caso Schrel~ere que ao
mesmo tempo é coinpletaniente enigmático para nós, uina vez qiie figura no capítulo 111
das il.ienzórius. e que não passou para a publicação. Portanto, eiii relação ao aconteci-
mento dito de "assassinato de aliuas" teinos um ponto de interrogaç5o.
É para dar conta desse "assassinato de almas" como tal que Lacan se pergunta se
hasta colocar em jogo a relação de causalidade negativa entre P, e @:, a sal~er:o que ele
chama d e efeito simples. Mas nesse parágrafo da página 577 ele emprega a expressão:
"num segundo grau". Como representar a relação de causalidade ein um segundo grau?
Poderíanios dizer que isto introduz uma nova causalidade independente. Será que Lacan
diz isso? Parece-me que ele diz outra coisa. Ele diz que há um raciocínio coniplicado ou
de duplo gatilho. Em uin primeiro tempo, P, traduz uma elisão d o falo e, em ~ i i i segundo
i
tempo, essa elisão, para se resolver, produz o efeito dito de "assassinato de almas". O que
aparece conio solução final é o próprio "assassinato d e almas". As identificações imagi-
nárias não estio na posiçâo de resolução. Elas exploram o estádio do espelhi~,mas não
o seu abismo inortífero. O que Lacan chaina aqui de resolução é a resoluçâo da elisão
do falo causada por I',, o que ein Schreher adquire a forma d o "assassinato de almas".
Esse texto complica a relação entre P, e F,, mas não os torna disjuntos. Ele abre
uma certa margeiii: há diferentes modos de resolver essa elisão do falo. A que Schreher
escolheu foi a instância da morte no estádio d o espelho, mas isso permite supor que
talvez liaja outros inodos de resolver a elisão do falo, outros que nâo tomein a dimensão
dita de "assassinato de almas":
Instância da morte no estádio do espelho
Po-@o
Elisão do falo /
Lacan pode nos dizer que é preciso procurar a forclusão do Nonie-do-Pai, inas
ele nào nos diz para procurar ein toda psicose a presença do "assassinato de almas':.
O "assassinato de almas" é a solt~çãoschreheriana da elisão d o falo pela morte. Esse
parágrafo por si só não nos autoriza a fazer uma disjunção entre P, e F,. Ele apenas nos
abre uma margem de resolução da elisão do falo. É deste modo que leio esse trecho e
pelo menos é compatível com o que Lacan diz a respeito. "É outro abismo", diz. Enten-
demos sua questão. É precisamente porque generaliza a forclusâo d o Nome-do-Pai, que
~ 56/57
O p ~ ã oL a c a n i ~ nno 32 Julho 2010
pois a criatura infinitamente em um fantasma no qual há ausência de mediação. Enfim,
no último parágrafo da página 577, ele chega ao que é central: "E, também nesse caso,
a linha gira em torno de um furo, precisamente aquele em que o 'assassinato d'alinas'
instalou a morte." Pode-se dizer aqui que o @, adquire o valor da morte. Em Schreber,
a significação fálica é substituída pela significação da morte, enquanto em outros sujei-
tos psicóticos a forclusão do Nome-do-l'ai se acomoda muito bem a uma significação
vital que perdura mesmo assim. A morte é realmente uma negação muito forte da vida;
é seu inverso. Mas, podemos também imaginar que para certos sujeitos a significação
não é apenas a negação da vida, mas, por exemplo, o véu da vida. Não se trata aí de
uma assunção de funções vitais, iitna identificação a seu ser de vivente, mas de uma
identificação a seu ser de morto-vivo ou de vida deficitária. I'oderíamos então desdobrar
os diferentes alcances d o sentimento da vida que não chegam ao sentimento da morte.
Evidentemente, isto repousa em muitas coisas. E de cara, sobre o modo de enten-
der a expressão "produz em um segundo grau". Poderíamos entender que há P,, e depois
uma causalidade diferente em jogo; mas este não é o caminho que escolhemos seguir.
Parece-me que não é isto que quer dizer "em um segundo grau". Essa frase quer dizer
que a causalidade necessária se prolonga em um ponto; é portanto uma causalidade de
dupla vertente. Isso tambéni pode repousar no modo como interpretamos "o abismo
mortífero d o estádio d o espelho". Para inim, tal como o leio, isto quer dizer que Lacan re-
conduz a elisão ao estádio do espelho que, a esse respeito, particulariza o caso Schreber.
Retorno ao diagnóstico
\roltemos ao Homem dos Lobos. Somos, com esse caso, inuito dependentes da es-
colha d e Freud, pois como o próprio título indica, temos dele apenas um extrato. Freud
adota, portanto, um ponto de vista necessariamente parcial sobre esse caso clínico.
Curiosamente ele se centra em uin momento do caso que na verdade é muito antigo e
que parece clinicamente patente: uma neurose obsessiva desencadeada antes da idade
dos quatro anos e que começa por uma fobia de animais, para se converter em neurose
obsessiva de características religiosas. Freud anuncia as coisas desse modo. Ele recebe
um homem, e faz a escolha, quando nos apresenta o caso, de selecionar na história d o
paciente, para designar sua estrutura clínica, um momento que vai da idade dos quatro
anos até aproximadamente os dez anos. É ainda mais esquisito que ele nos diga que se
o paciente foi procurá-lo, foi porque estava doente na atualidade: ele afundou na doença
com a idade de dezoito anos' por causa de uma gonorréia.
A declaração inicial de Freud a esse respeito é impressionante. Ele nos anuncia
que é impossível ver a conexão entre o adoecimento anterior e o posterior, definitivo. É
Isto justifica o que há de mais singular nesse texto de Freud, a saber, o estilo da
escrita. Como ele escreve esse caso clínico? Não o faz simplesmente de forma crono-
lógica. No começo, vocês têm aparentemente uma forma cronológica; mas, de fato, na
escrita como um todo, de capítulo em capítulo, há um efeito de envolvimento. O gênio
literário de Freud está lá. A concepção do caso no capítulo 2 se transforma no capítulo
3 que, tendo acrescido um novo fato. refaz uma leitura global. Assim, somente ao final
obtemos dados extremamente importantes. Freud diz que isto se deu porque só tomou
conhecimento dos mesmos no final da análise, mas na verdade, ao longo dos capítulos
vemos modificar-se a perspectiva sobre o caso. Portanto, não se trata em hipótese algu-
ma de uma escrita achatada, dita científica ou objetiva, mas uma escrita que nos dá o
sentimento do volume. Com esses textos estamos realmente diante de uma montanha
que escalamos e cujo aspecto se modifica a cada ponto. Dizendo de ourro modo. a
própria leitura do texto nos restitui o efeito de aposteriori presente no caso. O texto se
constitui por movimentos de vaivém e imita o caso. É algo completamente prodigioso.
Se examinamos de modo objetivo, nos perguntamos por que Freud não planificou
tudo isso. Inclusive essa questão retorna várias vezes no próprio texto. Como apresentar
as três dimensões em duas? Por exemplo, na página 205 da edição francesa, há uma
passagem que mostra a volta da escrita de Freud. É uma passagem do capítulo 4, na qual
Freud se ocupa do sonho e de suas conseqüências: "Devemos interromper aqui a dis-
cussão Ido1 desenvolvimento sexual Ido sujeito], até que em estádios posteriores de sua
história uma nova luz recaia sobre esses estádios ante ri ore^"'^. Essa habilidade é ainda
mais impressionante quando Freud deve comentar a fase de maldade do Homem dos
Lobos. Ela aparece inicialmente como "uma época de maldade". Em seguida, no capítulo
3, vem como "época sádica". Depois, no capítulo 6 e seguintes, aparece como "época
anal". O mesmo período recebe, pouco a pouco, no texto, qualificações remanejadas a
cada vez? e a partir das quais a perspectiva muda.
O enigma, então, é que Freud não centra de modo algum o caso no paciente tal
como ele lhe chega, mas no que chama de tempo original da infância. O que lhe parece
exigir uma explicação causal é o tempo da neurose obsessiva, entre quatro e oito anos.
Descontinuidades
Freud, vocês sabem, indica o parentesco d o sonho com o episódio da sedução pela
irmã, pois considera esse sonho como uma segunda sedução, um segundo trauma. Ele
situa esses dois cortes em uma posição totalmente privilegiada. Conforme sua orientação
fundamental, Freud busca a causa da mudança de caráter em um incidente sexual real.
No início, ele apóia os ditos familiares, que remetem à governante inglesa. Em um segun-
d o tempo, ele descobre que foi a irmã quem efetuou essa sedução. E então atribui a esse
incidente uma eficácia marcada sobre a sexualidade d o sujeito, a saber, que essa causa
rem por efeito uma posiçâo sexual passiva: ser tocado nos órgãos genitais. De repente,
ele nos apresenta a maldade, que adquire seu contorno agressivo, como uma reação a
essa passividade fundamental, como sendo quase d e cobertura. A agressividade aparece
como uma cobertura, e Freud defende inicialmente a idéia de que a virilidade d o Ho-
mem dos Lobos é reacional ou de semblante. Quando soubermos disso mais adiante, a
partir do episódio de Groucha, que aconteceu um ano antes, já estaremos preparados
para admitir essa virilidade de semblante.
O que aparece como decisivo é o corte da sedução que aconteceu aos três anos.
Na verdade, descobriremos que, já em torno dos dois anos e meio, um episódio relativo
à escolha heterossexual foi determinante. Essa passividade que constitui o leitmotiv d e
sua abordagem, Freud a situa com relação à irmã d o paciente, depois em relação à Na-
se esconde a causa da neurose infantil. O primeiro vetor, que vai da idade dos três aos
três anos e meio, não basta para conduzir diretamente à neurose infantil. Interpõe-se aí
uma causa que remeteri verdadeiramente ao comeco' a esse sonho de angústia, irne-
diatamente interpretado por Freucl como angústia de castraçio. A ruptura que se instala
aqui é que tudo o que o sujeito vive vai: a partir de então, adquirir uma sigtiificaç5o
genital. A passividade será interpretada a partir de então como homossexiialidade no
sentido genital. Dito de outro modo, o que Freud quer descol~riraqui é certa relação -
não precisemos mais - com o genital. Podemos dizer que é iiiiia certa relaçào com a sig-
nificagão fálica. Há certa relaçào - não digo qual - que reinaneja a posigio fundaiiiental
d o sujeito. ou seja, a passividacle:
Narcisismo e desencadeamento
Na leitura desse sonho: Freud vai partir da angústia de castração e de sua cone-
xão com o pai; essa conexão diz respeito à passividade e, a partir d o moniento em que
adquire a significação de homossexualidade, obriga ao recalcainento. De repente, Freud
nos apresenta retrospectivamente o episódio de sedução portador de castração como
se não tivesse se realizado no sujeito esse sentido genit:il. Em contrapartida, a partir d o
sonho. a lacuna e a contradição manifestam-se entre a passividade interpretada no con-
texto genital e a integridade Física - o que Freud chaina de valor que o sujeito atribui aos
seus órgãos genitais. Antes dessa descontinuidade, a passividade não era contradilória
com a detenção dos órgãos genitais. A conexão não se dá. Para Freud, isto só ocorre
a partir d o sonho. De repente, produz-se o recalcamento da sexualidade inconsciente.
Vemos ali Freud se perguntar, eiii sua investigação clínica, por que o sujeito não se
tornou homossexual. Por que sua passividade não se transformou pura e simplesmente
em homossexualidade? Freiid I~uscaa instância recalcante. Há uma tese precisa sobre
o que é recalcante nesse caso: o valor que o sujeito confere aos órgãos genitais com o
narcisismo que se fixa a ele. O nzodus operaildi d o recalcamento é o que explica que o
sujeito passivo não tenha se tornado hoiiiossexu;il. Há? com esse sonho, algo como a no-
ção de uma barreira a ultrapassar. Essa passividade se envolve aí, deveria tomar o valor
da homossexualidade, mas nesse moniento é passada por baixo. É recalcada na medida
em que há para o sujeito uin conflito entre a passividade interpretada de modo genital
e o narcisismo d o órgão genital.
Estou, ainda, no início d o texto, iniis talvez já pudésseinos fazer utn curto-circuito.
Para Freud, é realmente coni o sonho que o sentido genital é atingido. Podemos mesmo
assim perceber que, quando se trata de clesencadeaiiiento para esse sujeito - sua gonor-
réia aos dezoito anos e o probleina com seu nariz mais tarde -: isto se dá a cada vez que
há um golpe em seu narcisismo. Isto não bastz, estamos no início de nossa investigação?
mas se quiséssemos procurar aí iiina conjuntura de desencadeamento, é evidente que
não a buscaríamos do lado do Um-pai. Eni relação ao encontro com os pais, pudemos
O ~ ã Lacaniana
o no 56/57 39 Julho 2010
demonstrar que isso não coloca nenhum problema para o Homem dos Lobos. Ele ofere-
ce gordas gorjetas ao alfaiate e nunca está contente com o resultado. Mas vendo-o pegar
suas grandes tesouras, o sujeito não sai correndo a dizer que o alfaiate irá cortá-lo. I'or
outro lado, temos uma conjuntura de desencadeamento sobre a qual podemos dizer que
coloca em primeiro plano, não a função d o pai, mas a função fálica. Sem decidir por
ora se se trata d e neurose ou psicose, notemos que teríamos nesse caso um modelo de
conjuntura de desencadeamento mais para o lado fálico do que para o lado paterno. É
esse a viés que podemos chamar de golpe n o narcisismo.
Mas o que significa aqui o narcisismo dos órgãos genitais? Como escrever isso?
Deve ser escrito com o Q, imaginário, pois é narcisado. Trata-se do falo imaginário. Para
o sujeito, o que é ameaçador a cada vez é que um signo "menos" se dirija a esse falo
imaginário, quer dizer, um golpe, uma falha a afetá-lo. Esse falo imaginário aparece
como algo tão precioso para o sujeito que é causa do recalcamento. É como se o falo
imaginário tivesse uma função de Nome-do-Pai. A cada vez que algo vem golpear essa
função, ocorre uma desestabilização do sujeito, ainda que ela não desemboque em um
desencadeamento completo.
Talvez isso nos obrigue a refinar um pouco mais o que chamanios de significação
fálica. O falo da "Questão preliminar..." é obrigatoriamente positivo, não é o falo da cas-
+
tração. Ele está escrito, no esquema de Lacan, com um sem negação e em um sujeito
sem barra. De que modo costumamos nos referir ã significação fálica? Adquirimos o
hábito de nos referir a ela como idêntica à castração. Na metáfora paterna, chamamos de
significação fálica algo que se escreve - +. Talvez aí esteja a indicação de que certamen-
te há no sujeito uma relação com o falo, mas que essa relação, de certo modo, parece
suportar muito mal a negação. Toda aproximação de um "ser menos" aparece como
obrigatoriamente desestabilizante. Não devemos esquecer que a castracão simbólica se
referencia nesses efeitos imaginários. Podemos, portanto, estar sempre hesitantes nesse
ponto. Onde temos menos razão de ser - eu havia anunciado isso - é quando se trata do
pai, pois é o caso de saber se as referências imaginárias da relaqào com o pai convergem
ou não para uma função simbólica.
Para dizê-lo rapidamente e favorecer a leitura do caso por vocês até a próxima
semana, há pelo menos um elemento conceitual que falta a Freud em relação ao ponto
em que o relemos, a saber a distinção entre imaginário e simbólico. A presença agrupada
e massiva de imagens do pai, de relações com o pai, de identificações com o pai etc., é
o que para Freud garantia que a relação entre o pai e o falo estava constituída. Ele fala,
então, de neurose obsessiva. Mas será que nós não temos uma exigência suplementar
em relação a isso? Pai e falo não bastam e devemos dizer como reorganizamos isso, se
posso dizer, na distinção entre simbólico e imaginário. A questão do diagnóstico gira em
torno da questão do pai. Será que o número e a massividade das relações com o pai são
Desordem
O pai e a angústia
Desdobramento
3 anos
*Capítulos 2 e 3
Sedu~ão
(causa da descontinuidade)
Cena Sonho
Groucha Religião
A cronologia é então retomada e isto mesino na sinopse final?em que Freud preci-
sa todas essas descontinuidades pela distinção dos estádios oral, fálico, anal etc.. Aí está
o esquema do envolvimento cronológico que confere a esse texto seu estilo próprio. No
capítulo 2, Freud nos entrega o meio e a história do sujeito, e depois ele traz a granel um
certo número de fatos. É isto que confere a faceta detetivesczi a esse caso: "um dia ele
disse isso, outro dia ele pensou nisso...".Tudo isso nos é trazido na página 179 da edição
francesa, e todos esses elementos trazidos a granel só encontram posteriormente um lu-
gar preciso na estrutura. Eles ser20 inclusive reinterpretados a cada vez que a cronologia
se enriquece e que a construção do sentido do caso se desdobra.
Não somos conduzidos a fazer desse modo, pois é o ponto de vista do significante
que nos organiza. Um significante,uma vez que o nomeamos, isto é feito de uma vez por
todas. Todos esses efeitos de reinanejamento têin seu valor quando nos guiamos pelos
sentidos, quando le\mnos em conta sua dinâmica. Mas, uma vez trazidos o S,, o S, ou o
a, já estamos no plano da estrutura, isto é, no plano da sinopse de Freud. É inclusive ali
que poderíamos valorizar a observação de Guy Clastres. Será que em nossos relatórios
de caso não confundimos Frequentemente o nível da estrutura e o da experiência? Será
que não produzimos com freqüência um curto-circuito entre os dois níveis? Expondo um
caso no plano da estrutura, finalmente o expomos de modo extremamente engessado,
fixo. É como se pudéssemos fazer a experiência direta desses termos e desses significan-
tes que são obrigatoriamente termos de estrurura e que deveriam vir antes manifestando
as linhas de convergência surgidas na experiência.
Isto é possível quando temos, como nessa página 179, o esvaziainento d o bolso.
Ao evocar: "essa fase de mudança de caráter" - aí está a referência freudiana para a des-
continuidade, par ao corre -, Freud nos precisa que ele: "está indissoluuelmente ligado à
lembrança Ido paciente], a outros fenõnienos singulares e doentios que ele não sabe or-
ganizar temporalmente". No fundo, o caso será a ordenação temporal desses fatos. Freud
continua: "Ele coloca em um só espaço temporal tudo o que deve agora ser relatado, que
não pode ter sido simultâneo e que é pleno de contradição interna, e o nomeia como
'ainda na primeira propriedade'. Ele também sabe contar que sofreu de um medo [Angstl
d o qual sua irinà se aproveitava para atorinentá-10. Havia aí um certo livro de imagens no
qual um lobo era representado [...I.Quando tinha essa imagem diante dos olhos começa-
va a gritar [...]. Ele tinha medo também de outros animais, grandes e pequenos. Um dia,
ele perseguia uma grande e bela borl~oleta[...I. De repente foi tomado por um medo ter-
rível d o animal [...]. De coleópteros e lagartas ele também tinha muito medo. Estaríamos
autorizados a admitir [...I que ele tinha sido acometido, nos seus anos de infância, por
uma neurose obsessiva bastante reconhecível [...I. Na época. ele praticava tambéiii um
cerimonial particular. quando via na rua pessoas que lhe causavam piedade, mendigos,
enfermos, velhos. Ele precisava respirar ruidosamente". Teiiios, então, no parêntese da
primeira propriedade, dados brutos que o desdobramento do caso fará significar
Notemos que esse capítulo 2, assim como o 3 e aquele sobre a neurose obsessi-
va -terminam com a questão d o pai. Isso retorna como um leitmotiv ao final de vários
capítulos: como reformular a relação com o pai? Lembro a primeira emergência disso:
"Os anos da adolescência d o paciente foram condicionados por uma relação bastante
desfavorável com seu pai [...I. Nos primeiros anos da infância essa relação fora muito
terna [...I. Seu pai o amava muito e brincava de bom grado com ele. Ainda pequeno.
orgulhava-se de seu pai; e declarava que queria ser um homem como ele. A babá dizia
que sua irmã era filha de sua mãe, inas ele de seu pai, fato com o qual estava bastante
contente. Na saída da infância, uma distância se estabeleceu entre ele e seu pai [...I. Mais
tarde, o medo d o pai foi dominante.'“^
No final desse capítulo ele apresenta um resumo bastante preciso d o modo como
Freud formula as questões relativas ao caso d o Homem dos Lobos: "Estes são, muito
sucintamente esboçados, os enigmas cuja solução fora confiada a análise: d e onde pro-
vinha a brusca mudança de caráter d o menino, que significavam sua fobia e suas per-
versidades, e como chegara ele a sua piedade obsessiva [...I?"
O exame de Freud é, portanto, o exame dessa descontinuidade que é inicialmen-
Podemos dizer que todo esse capítulo sobre a sedução coloca em primeiro plano,
desde o iníciol um termo que se encontra também no final: o de falo. A partir desse ca-
pítulo, a partir d o momento ein que entramos na busca da causa, podemos tentar cernir
o que querem dizer o falo e a castração para Freud nessa data. Ele começa o exame da
etiologia da mudança de caráter por duas meiiiórias de cenas nas quais está a governanta
inglesa: "uma vez, como andava na frente, havia dito aos que a seguiam: 'Olhem, então,
o meu rabinho!' Em outro niomento, durante uma excursão, seu chapéu voou, causando
grande satisfação ao menino e à sua irma2'. Essas duas lembranças que ele traz, Freud
indica que remetem ao complexo de castração. Dizendo de outro modo, esse caso se
desdobra, de início, em torno da questão d o falo e da castração.
Mais tarde, vocês encontrarão uma frase que retoma isso de modo impressionzinte,
pois pode-se dizer que é realmente nesses termos que Lacan evoca o falo em "De uma
questão preliminar...": Freud fala d o "sentimento de si viril do paciente"". Isto é ainda
retomado com insistência na página 186, em termos de "problema da castração".
Como esse problema se estrutura inicialmente para Freud? Eis o que ele diz: "Ele
pôde nessa época observar duas meninas, sua irmã e a amiga, urinando. Sua perspicácia
poderia tê-lo feito entender o estado das coisas pelo simples olhar, entretanto, ele se
comportou a esse respeito como [...I outras crianças d o sexo masculino. Ele descartou a
idéia de que via confirmada a ferida da qual o ameaçara Nania, e se deu a explicação
de que era o "popô da frente" das meninas. O tema da castração náo estava eliminado
por essa decisão; em tudo o que ele ouvia, via ali novas alusões". Podemos dizer que
há aí, em relação às significações? antes um "pleno demais" d o que um "não suficiente".
Com relação às significações fálicas: é realmente algo como "você quer, aí está": Quando
um dia foram distribuídos às crianças bastões coloridos de açúcar; a governanta, que era
inclinada às imaginaçòes [Phantasienl sinistras, explicou que eram pedaços de cobras
desmembradas. A partir de então, que um dia seu pai encontrara uma cobra em cima d o
feltro e a cortou em pedaços com sua bengala".
Freud relaciona também esse episódio ao que é para ele a posição fundamental d o
sujeito que se mantém ao longo d o caso, a saber, a posição passiva. Essa posição passi-
va é realmente a base fundamental do caso. Sob essa base de passividade, vocés terão
inicialmente a fase de maldade e sadismo. Ora, Freud destaca bem que essa fase denota
uin desejo da criança de que batani nela, e que a chave desse sadisiiio é porcanto um
masoquisnio fundamental. Mais tarde, vocês terão exatamente o mesmo esquema em
relação ao sonho. Aí taiiibém: fugindo do que o sonho quer dizer, o sujeito vai negar a
angústia de castração adotando unia "posição viril''29que o próprio Freud nos convida
a colocar entre aspas. Ele a considera como uma virilidade de semblante, essa posição
sendo na verdade correlativa de uma homossexualidade inconsciente.
Esse sonho não é um fato como a sedução, mas há, entre a sedução e o sonho:
uma repetição dos mesmos pensamentos de Freud Vemos inicialmente uma passividade
que é aparente e intrínseca: ele parecia uma menina, ele era dócil etc.. E depois, na sedu-
ção e sob anieaça. O Hoinem dos Lol~ospassa em seguida a uma atitude sádica que é na
verdade masoquista. Há a separaçào entre seu comportamento aparente e sua posição,
não aparente, mas intrínseca. Aí está a sedução. Em seguida, com o sonho, os mesiiios
elementos adquirem um novo valor (virilidade e homossexualidade):
/ "Virilidade"
Passividade / - -
I
Sedugáo
Masoquismo
Sonho
Homossexualidade
A leitura de Freud oscila nesse ponto preciso. Qual é o paradoxo que ele encontra?
De um lado, esse sonho deve efetuar o recalque da posiqâo fácil como homossexual, e
deve produzir també a ereção da virilidade de seiiiblante. Para Freud, a con\~icçãoda
existência da castração está no âmago desse sonho. Não devemos esquecer a funçzo
que Freud confere à cena originária, ao coito dos pais etc.. A imagem deve fundar a con-
vicção da existência da castração. Essa imagem nos é fornecida como devendo prov:ir e
engendrar no sujeito a convicção da castração, que é o motor que explica a noIra divisão
de sua existência. Mas, por outro lado, vocês sabem pela seqüência do texto que será
preciso que essa convicção a existência, que é um motor e uma causa, esteja ao mesmo
tempo situa1 no exterior, pois há uma rejeição simultânea de seu reconhecimento.
Há qiie distinguir aqui o imaginário e o simbólico. Algo se passa no campo da irna-
gem. Temos um conjunto de imagens: lobos com caudas cortadas; bastões de açúcar co-
loridos que são pedaços de cobras desinembradas etc.. I'odemos dizer que elas fundam
a convicção da castração no Homem dos Lol>os.Mas, ao niesmo tempo, há um nível em
que essa convicção não está fundamentada. Há algo que justifica que que distingamos
simbólico e imaginário, é o ponto de articulação que destaco. Por que nós prescindiiiios
dessa cena orininária? Porque não temos a idéia freudiana de que é uma imagem que
deve fundar a existência da castração. Nem as imagens. nem os sonhos, nem as múlti-
plas significações fundam para um sujeito a existência da castração. Se nossos relatórios
sobre os casos são evidentemente menos ricos e floridos, é porque já estão ordenados
pela função simbólica. Não pensamos, portanto, em produzir da mesma forma a imagern
fundadora. Não pensamos que isto se dá no âmbito da irnagem. Isto para para não dizer
que estamos bem adiante de Freud. Pelo contrário, nos seria necessário, nos relatórios
de casos, saber que talvez seja necessário refazer o caminho d o imaginário ao simbólico,
e não nos instalarmos de cara onde os elementos não aparecem mais d o que uina vez.
Retomarei esse ponto da próxima vez. Notemos que essa neurose obsessiva - que
se seguirá ao capítulo 6 -, tem seu enquadre em dois fenômenos de influência. A reli-
gião é de todo modo incutida nesse garoto por sua mãe. É a influência de sua mãe que,
em certo momento, o precipita na religião. Ele se desvencilha disso com uma facilidade
desconcertante quando um preceptor alemão lhe diz, quando tem dez anos, que tudo
isso é mentira. Então, rapidamente, sua convicção se desfaz. Na página 223, Freud diz
o seguinte: "Chegamos a isso sem nos ocupar da sintomatologia posterior da neurose
obsessiva, e é por isso que gostaríamos de falar de sua saída, negligenciando todo o
resto. Quando tinha dez anos, teve um preceptor aleinão que rapidamente adquiriu uma
grande influência sobre ele." Eis algiiém que se inscreve indiscutivelmente nessa série
d e pessoas que não deixarão de influenciar o Homem dos Lobos. "É bastante instrutivo
Eu tive de constatar, ao reler minha fala, que fora bastante claro. Isto me encoraja
a prosseguir através d o nevoeiro desse caso que, me parece, não conseguiremos dissipar
hoje. Podemos, no entanto, avançar um pouco na sua formalização. Retomemos então a
cronologia fundamental do caso, até conhecê-la de cor.
A primeira descontinuidade é marcada pela sedução, a segunda pelo sonho, e a
terceira pela religião, que por sua vez é objeto de sua educação pela parte da mãe, até
o surgimento d o preceptor alemão, que fará desaparecer essa referência. Temos, então,
três descontinuidades totalmente demarcadas e que são lembradas como cais no mesmo
plano apresentado no início d o capítulo quatro. A sedugão é objeto d o capítulo três; a
neurose e a obsessão são objeto d o capítulo seis:
I I I I I
Cena primária Cena Groucha Sedução Sonho Religião
1 ano e meio 2 anos e meio 3 anos e meio 4 anos 4 anos e meio
Retornei várias vezes a esse capítulo da sedução, pois é um capítulo ainda bastan-
te simples e que não tem a complexidade dos seguintes. Eles nos oferece urna espécie
de miniatura cla abordagem freudiana d o caso. Destaquei que nele Freud os apresenta
logo uma localização fundamental e que, na seqüência, terá repercussões, será ampliada
e renovada. Freud atribui à sedução o caráter de evento traumático, uma função com-
pletamente causal no desenvolvimento lihidinal, a saber, que o Homem dos Lobos se
encontra ein uma posição fundamentalmente passiva após a sedução. Quando tivermos.
mais adiante, o conheciinento da cena com Groucha, na qual o sujeito se apresenta, pelo
contrário, como ativo, se produzirá, in entrem&,uma espécie de inversão da perspectiva.
Isto apenas denuncia o papel de causa que Freud atribui à sedução, e isto como
desvio d o desenvolvimento libidinal. Essa sedução tem, portanto, uma função determi-
nante. Ela instala o sujeito eiii uma posição passiva, nias ao mesmo tempo produz - des-
taquei isso da última vez - um efeito inverso em outro nível. Ao mesmo tempo em que
essa sedução causa uma posição passiva, também provoca o surgimento de uma conduta
funclamentalmente inversa. Este é um ponto crucial. Temos, então, uma passividade fun-
damental e; ao mesmo tempo, uma atitude conqiiistadora, viril, sádica e agressiva que é
o inverso da primeira. Em um primeiro tempo, a sedução é a causa da posição passiva.
Ilepois, em um segundo tempo, há a atitude agressiva d o sujeito.
O motor dessa inversão, diz Freud, é: "o sentimento de si viril do paciente" - o
Selbstgejiihl como viril. Para Freud, o tempo da sedução é correlativo de uma ameaça de
castração proveniente da mulher, especialmente da Nania, para a qual o sujeito deslocou
a passividade em relagào a irmã. Isso nos indica que a essa cronologia pura e simples
d o caso podeinos acrescentar uma segunda cronologia, que não tem o mesmo sentido
da primeira. Nesse vetor, o sujeito encontra a ameaça de castração pela Nania, o que
faz com que a passagem da posição passiva a atitude agressiva se relacione ao estádio
sádico-anal:
,K
Estado sádico-anal Ameasa de castração pela Nania
Eu Ihes havia citado a passagem que indica: "a vida sexual, que começava sob a
direção da zona genital, havia sucumbido a uina inibição exterior e fora remetida por
sua influência a uma fase anterior de organização pré-genital". Aí está uma regressão que
Freud nos apresenta. Ela é apresentada duas vezes. Quando se trata da sedução que co-
al
1I
INVERSÃO
Passividade Aqressividade
Teinos um duplo comentário d o processo. Aqui, há uma clivagem entre dois pla-
nos, e é uma primeira apresentação da coisa. Há uma segunda, no plano do desenvol-
vimento. A ameaça de castração produz uina regressão. É o esquema de regressão que
produzi antes daquele da inversão. Ao mesino tempo em que isola uma constante que
é a passividade, Freud isola uma variável que é aquela d o agente da sedução desejado.
Primeiro, o agente da sedução é a irmã. Depois o sujeito desloca esse agente para a Na-
nia. Em seguida vem o pai, que ocupa então a posição de terceira variável e que é, nos
diz Freud, o último destino sexual do Homem dos Lobos.
Estudamos muito cuidadosamente esse estabelecimento feito por Freud, pois se
apresenta em pouquíssiinas páginas e é ali que conseguimos entender esse entrelaça-
mento da inversão com a regressão. No fundo. tudo isso é bastante simples. Nao coloca
eni jogo relações particularmente complexas, mas permite ver - este é um ponto decisivo
-que não há correlação entre o pai e a castração. A castração é trazida pela a ameaça da
mulher, e Freud só evoca o pai na série da passividade. Portanto, há um desejo de ordem
sexual dirigido a três objetos que, para ele, se inscreveiii eni série. Nesse nível, não há
relação entre a castração e o pai. É até bastante singular, pois, em relação ã Nania, há
uma correlação. Releio a passagem: "Tem-se a partir disso a impressão de que a sedução
pela irmã o impulsionou ao papel passivo e lhe conferiu um destino sexual passivo. Sob
a persistente influência dessa experisncia, ele passou a descrever o caminho que foi da
irmã ao pai, passando pela Nania, da atitude passiva em face da mulher à atitude passiva
diante do homem'"'. É aí que se encontra a evocação da relação entre o objeto de iden-
tificação e o objeto sexual, nos termos exatos que Lacan retomará mais tarde.
O que se passa n o tempo seguinte? É necessário o sonho para que o pai e a cas-
tração se conjuguem. O que a operação propriamente d o sonho marca para Freud, é
conjugar o pai e a castração. Retomaremos precisamente a cotnparaçâo entre esses dois
tempos: o da sedução e da ameaça de castração, e o d o sonho. pois são sitiiados por
Freud de modo totalmente simétrico. Veremos como esses dois esquemas, o da inversão
e o da regressão, se modificam em relação ao passo atrás que esse sonho apresent:i.
* K,
anal
Na sedução, Freud nos situa uma castração bastante singular. Nós a destacamos.
Há uiiia ameaça de castração, o interesse d o sujeito pelo fato de que as menininhas não
são como os menininhos, o interesse pelos bastões coloridos de açúcar, pelas cobras
etc.: mas se há o pensaiiiento, Gedanke, nos diz Freud, não há a crença, Glaube. Freud
sitiia isso no registro do complexo de castração, mas ele mesmo nota uma clivageiii entre
Gedailke e Glauhe. Em seguida, a castração K, iriuda o estatuto da castração K,, pois
o sujeito adquire a convicção da realidade da castração. Anteriormente; havia apenas o
pensaniento da possibilidade da castração: "Quando o paciente mergulhava profunda-
mente na situação da cena primária, a coisa essencialiiiente nova que a observação da
relagào entre seus pais Ilie trouxe foi a convicção da realidade da castração cuja possibili-
dade já havia ocupado seus pensamentos anteriorrnente". Há aí uma clivagerii que Freud
tenta formular entre a possibilidade e realidade da castração. K, é possível, e K, é real.
Valorizo essa observação porque pensamos que uiiia das vias de saída para a con-
ceitualização d o caso é a distinção entre os registros ou as ordens. Freud também; há
clivagens ou estratos. Sem forçar as coisas, há pelo menos a castração K, e a castração
K,. Freud diz o seguinte na página 231: "ele compreendera durante o processo d o sonho
que a mulher era castrada! que ela tinha n o lugar d o membro viril uma ferida". Estamos
aqui rentes ao texto d e Freud e 1iá portanto uma modificação no estatuto da castração.
Terceiro ponto: o deslocamento da sedução para o sonho se traduz correlativa-
iiiente por uma transformação da relação com o pai, isto é, por u n a transfortnagâo
da interpretação d o que significa a passividade em relação ao pai. Essa passividade é
inicialmente interpretada segundo o regime do estádio anal. Há inicialmente unia inter-
pretação sádico-anal da relaçâo com o pai. Vocés vêem como funcionam esses estádios.
Os estádios freudianos funcionam coiiio esquemas de interpretação. Há uma passividade
em relação ao pai que ficará. A primeira interpreta620 dessa passividade é sádico-anal,
isto é: ser surrado, ser castigado, ser punido pelo pai. É uma interpretação da relação
Pai
A força motriz é retomada de diversos modos, mas sempre no mesmo sentido, pois
Freud falará eni seguida da virilidade narcísica clo sujeito etc. Temos então, realmente, um
operador constante cumprindo no primeiro tempo uma inversão que, no momento em que
Freud situa uma operasão de recalcamento no sonho, torna-se a libido genital narcísica.
O que se passa, então, correlativaiiiente, no plano do desenvolvimento libidinal?
A castração K, produz uma regressão a uma etapa ainda mais primitiva do desenvolvi-
mento, isto é, ao estádio oral:
o
oral anal
K, K,
oral
fobia
anal
masoquismo
K, -- K* K3
Nesse terceiro corte deveria corresponder uma castração 3 que, por sua vez, deve-
ria alcançar o estádio genital. Ouso apenas situá-la deste modo. Com efeito, isto não é
totalmente coerente, pois não deveria mais ser uma regressão, mas uma adequação. I'ara
simplificar as coisas, podemos apresentar as coisas desce modo:
fobia masoquismo
O n i a n a no 56/57
~ b aO 61 Julho 3010
Teiiios então a religião como apelo na direção da pacificação siinbólica. Mas Freud
reconduz continuaiiiente as marcas pelas quais vemos o sujeito preso à problemática
anterior. É por isso, logicamente, que o capítulo 7 se intitula "Erotismo anal e castração".
Efetivamente, o vetor que eu fazia aparecer como partindo de K, ao genital, não se fun-
da. Em contrapartida, o que aparece como fundado é o vetor que vai de K, ao anal, o
que significa que a referência privilegiada à analidade não foi abandonada. Para dizê-lo
eiii termos de teoria dos conjtintos, temos duas aplicações, K, e K, no mesmo ponto:
fobia masoquismo
Freud aponta, desse modo. que o sujeito protege o antigo pai do novo. É por isto
que, longe de poder desenvol\er o acesso d o sujeito ao estádio genital de modo puro e
convincente, Freud deve tratar duas aplicações que incidem sobre o mesmo ponto. Isso
é construído d e modo muito simples. Há três grandes descontinuidades correspondendo
a três estatutos da castração, e depois há o problema d o capítulo 7, que nos mostra que
não abandonamos a problemática anterior.
Proponho-me agora a toinar esse capítulo 7, no qual Freud vai situar os probleinas
intestinais d o sujeito, e em que nos apresentará sobretudo uma gama extraordinária de
significações diferentes d o ohjeto anal. Compreende-se porque Lacan, em um determi-
nado momento' inscrevia o objeto como significante. O objeto, aqui, se deixa realiiiente
transcrever em termos de clivagem d o significante e d o significado. Há as fezes como
significantes, e vemos que esse mesmo significante pode receber diferentes sentidos em
diversos momentos do desenvol\~imeiitolibidinal.
Evidentemente, isso nào alcança o cerne de nossa tarefa, que é a questão d o cliag-
nóstico. Isto não resolve essa questão, pois a dificuldade de conexão com o estádio oral
-que se situa entre K, e K,- representa na melhor das hipóteses uma neurose obsessiva.
É o que exige que atribuamos ao capítulo 7 toda a sua importância. Esse capítulo, devo
lembrar. é também aquele em que encontramos a VenuerJung situada como diferente da
Verdrangung, assim como a alucinação do dedo cortado.
Se quiseriiios fazer funcionar aqui um esquema de aposteriori, é evidente que há
retorno d o E(, ao K,. Efetivainente. o que foi apresentado de modo enigmático ao Homeni
dos Lobos pela Nania, só foi entendido por ele a partir do sonho, e isto na medida ein
que o próprio sonho é o retorno de algo ainda mais antigo. Portanto, há realmente um
enredarnento. Por ora: ainda não utilizamos o que precede a sedução e o papel logica-
mente exercido pela cena com Grouclia, que é, de todo iiiodo, o que para Freud costura
esse caso. Em certo sentido, essa cena com Groucha abre para Freiid outra perspectiva
sobre o caso.
Regressão
Notas
O olhar
Em segundo lugar, li5 o fato - você o evocou - d e ele se fazer ver por alguns
especialistas. Achei notivel uocê ter isolado, nesse sujeito, a partir d e eleinentos d o
Se»zinário, livro 11, a pulsão cle fazer-se ver; pois, até o iiioiiiento, ela não Iiavia sido
evocada aqui. Construir essa pulsào fundamental desse sujeito é luininoso. De saída:
isso faz convergir muitos eleiiientos no episódio com Rutli Mac Brunswick: o Honieiii
dos Lol~osali estava, d e fato: comprimido na posição de "se fazer ver". Apesar d o caráter
muito limitado dos elementos escópicos de que dispomos na própria o l ~ s e r v do,
a e somos
tentados a dar a essa pulsão um lugar mais irnporrante. Esse é: por certo, um aposte.
As três castrações
Talvez agora possamos retoiiiar o clesenvolvimento clo c;iso ali onde o deisainos.
Se hein iiie leinbro - unia vez que chegamos a Liiiia montagein, é cada vez mais fácil
lembrar-se dela -: estávainos eiii um esquema siiiiples que distinguia as três castrações. A
primeira corresponde 2 sedução, a segunda ao sonho e a terceira ao esta1,eleciinento cla
subliniaçâo religiosa. Enfatizei que cada u n a dessas castrações - ou pelo menos as duas
priiiieiras -foi para o Hoiiierii dos Lobos a ocasião de uma regressão. A primeira castra-
ção ocasiona uma regressão ao estádio anal e a segunda unia regressão ao estádio oral.
A últiina castração deveria. se assim posso dizer, acertar os ponteiros. Caso se realizasse:
ela poria o sujeito na hora cerra d o genital. Esse esquema, que podeiiios chamar esque-
ina das regressões, se articula coin a Imrreira da castracão não ultrapassacla pelo sujeito:
K, - K, + K,
Oral Anal Genital
Tentemos orden;ir essas tres casii:~~»es.O pióprio Freud lios propòe fórmulas vira
elas! exceto para a terceira, que permanece probleiiiática. Quanto a primeira, Freud nos
diz ter havido nela o pensaineiito da castração, o pensaiiiento da diferen~ados sexos, nias
seni crença: Gedai?ke sem Glauhe. A segunda castração, a que é alcançada na própria ex-
periência do sonlio em que o sujeito: desta vez, é convencido de que a ni~ilheré castrada
na reativação da cena primitiva, pode ser escrita coino: Gedanke + Glauba Em K , temos
apenas uma possibilidade. Ein K,hálde fato! convicção da realidade da castração:
KI Geclrri~keseiii Glul~he Possil~ilidatle
K2 G~,cIct>tke
+ GI/~trhe Convicçio d;i rr:ilidade
K3 Assunciio c10 síiiibolo
Ilepois d e Ii:iver rciietitlo sol>re isso iiiiia vez ni:iis. n;io iiie parece ahusivo con-
siderar - ainda qiie os termos kudiiinos n i o recuhraiii exatamente os de Lac:in - a
pririieira castraqiio corno irn;iginária e ii segunda conio rc..il. Isso nih cliria que a terceira
castraçao. alinejada por Freiid. 6 siriibólica. Sesse registro. nào se trat:i d:i convicyio da
r~alidaclecla castr:i(.ão. iiias de iini:i ;issun(.ão do síiiil~olo.Pocleri:iiiios d:ir-lhe ;i seguinte
fórriiiila: "tu serás iiin Iiomeni. iiieu filho". Ess;i proiness:i sinihólica é cle uma ordeiii
inteiramente diferente da possil~ilidadedii castra~5ooii cl;i convicyio de sua rraliclade.
O "tu serás uiii homeni. iiieii filho" é i1111 engajamento no furun) qiie nào é ela ordeni
d o que se pode ver, nriii iiiesino consratar como senclo o real. Dizer assunyio abre para
outra diriirnsio d e pn,iiiessa. de fi. concediela :i.. É iim registro que n30 aparece tio
constituído no Hoiiiem dos Lol~os.iiiesmo nas passagens qiie concerneni ao dinheiro.
Venios a cliie ponto ele precisa do clinlieiro -'do" pii. Ele insiste d e modo essen-
cial, cornpiilsivo. no fato ele esse dinheiro lhe chegar \indo d o pai. Nrnhunia paz é ali
estabelecida pela conviccào d e que ele seria o fillio. Esse dinliein). observa Freud. tein
o valor d e filho do pai. .-l po,si@o, nri que diz rc.speito à fili:iç5o. é heiii poiico evo~icla
por Freiid, a n i o ser nos terinos ele receher i) dinlieirr~d o pai. e isso coiiio apoio, coiiio
algo complet:iiiiente indispensável o sujeito. O Iloiiiein dos I.ol>os se regozija da
iiiorre d e sii:i irini porque :issim teri esse dinheiro. Ele dispiit:~coiii sua m i e a propósito
desse dinheiro. -4 assungio. a segiicinc,.a da proiiiessa n i o aparece ali constitiiída. c a l x
dizer. N i o encontrei o terino freiidiano que poderia cr)rresponcler a essa clefini@o. pois.
<;/utlhe. de fato, C uni ternio ;iiiil>íguoentrc esses dois registros.
Prossigaiiios nesse esq~iematisnio,pelo menos n:is duas pritiieir~slinhas. Eu havia
evocado coiiio o Homeiii dos Lobos. ciii sua história. progricle da passiviclade à homos-
sexuslicl:ide. quando essa passiviclade recehe o sentido. a significa~iiogenital. É preciso
encontrar uni noiiie para essa coluna. Ela designa. evidenteiiienre. iini;i cerra relayno coiii
o gozo sexual. I'oderíamos denominá-la posi(.ão d e gozo elo suieito.
Poclerí;iiiios taml>érii recompor :i siriierria clest:icada por niini. no <Iiie concerne à
cxpress:io "iiiecanisiiio d e repressi(1" empregada por Freiid. Esse riiecanisiiio entra eiii
atividade ein relayio aos dois ceriiios: invrrs5o e recalqiie. O cliie é qiie :iciona esse iiic-
canismo d e repressã<)da pi>sigio de gozo! É o que poclemos chaniar de oposi(-ão. É o
que entra ein o p o s i ~ i ocoin a posiçio ele gozei.
Coni a inversão. tciiios o Sclh.stg-/l(hl viril. 11 sentimento d e si, viril. Coni o recal-
quel tetiios a libidc genital narcísica, que. p:ira Ireud, parece causal, e age. pura f:ilar
com propriedade. coino angústici d e castr:i<ào. A angústi:~c l r castra(-i11i- o result;iclo clo
confronto entre a honiossexualidade e a libido genital narcísica. Devido à angústia de
castração, o sujeito faz passar a Iiomossexualidade para baixo, unia vez que esta entra
ein oposiçáo com a libido genital narcísica:
Podemos ainda completar esse esquema coin as categorias colocadas ein iogo pelo
próprio Freud. A inversão da passividade teiii coiiio resultado certo coniportamento, a
saber: a iiialdade d o sujeito como consequência da sedução e da primeira castração. Sob
a coluna elo comportamento, temos o termo sádico. Sobre a segunda linha encontraiiios
a fobia, o coiiiportaniento fóbico.
Utilizei a pala\~racoinportamento porque queria deixar à parte alguma coisa que se
traduz no texto coiii o nome de atitude: "a atitude d o sujeito". A distinção entre o compor-
tamento e a atitude é uin pequeno forçamento sobre o texto ele Freud. hlas ela dá conta
do fato de que aquilo que se apresenta coino uin coniporrainento sádico é aincla suscetí\;el
de uma interpretasão d;i parte de Freud, a saber: por trás do coinportaniento sádico se
esconde uma atitude profiindariiente iiiasoquista, ou seja: o sujeito visa ser batido.
Gozo e identificação
Tudo isso está, evidenteniente, em relagão corii a posiçào de gozo: que é tambéiii
um triodo de satisfaçâo iiiasoquista. A diferença é que, aqui, o alvo sexual é ser tocado
nos órgâos genitais e! depois de haver seguido todo esse percurso, chega-se ao "ser
batido". Não se pode pura e siinplesniente identificar a posição de gozo e a posição sul,-
jetiva. De certa forma, Freud diz isso: a atitude iiiasoquista periiianecerá cloniinante. Ela
parece atravessar os diferentes níveis, ser trans-liistórica. Mesiiio assirii, podemos lhe dar
esta inflexào: a partir d o momento eiii que ela cai sob o golpe da significação genital,
podemos qualificá-la de atitude inasoquisra feminina. Pode-se clizer que nesse inomento
o feiiiinino entra ern jogo' já que antes a mullier nào era reconliecida na realidade de
sua castraqào.
Teiiios aqui, então, ~ r i i esquenia
i que nie parece bastante fundaiiientaclo pelo texto,
fornecendo-rios uiiia I ~ o abaliza para considerar coiiio isso se transformará. Antes d o ca-
pítulo \'iI: Iiá uina bela siiiietria. eriibora esta já seja perturbada pelo fato cle: no capítulo
sobre la neurosis obsesiva,no se introduzcan términos simétricos. En ese capítulo
no tenemos nada que venga a darnos los términos correspondientes . Todo este
esquema está ordenado también según la diferencia entre lo oral y lo anal.
¿Cuál es el término que introduce la perturbación en este esquematismo simétrico
? Creo que lo que viene a perturbar esta construcción y hace difícil mantenerla
hasta el final es el problema de la identificación . En el texto de Freud la
identificación se va a convertir en un término central que nos conducirá a algunas
dificultades con este esquema.
Freud aísla dos grandes tipos de identificación.
Menciona el primer tipo en los capítulos iniciales: se trata de la identificación con
el padre . Incluso podemos notar que el problema de la identificación está
enteramente dominado y condicionado por la relación con el padre . La relación
con el padre es determinante para la identificación. Desde los primeros capítulos,
Freud nos dice que el Hombre de los lobos estaba muy orgulloso de que se le
considerara el hijo del padre . Él es como su padre . En este sentido , la
identificación con el padre es un ser como el padre . Freud querrá volver a
encontrar esa identificación incluso al final de la neurosis infantil. Por lo tanto hay
todo un hilo en el que se ve que el Hombre de los lobos anhela ser una copia del
padre . Esto nos es referido a propósito de la escena con Groucha , en la que él
resultará activo : «La acción del niño de dos años y medio en la escena con
Groucha es el primer efecto —llegado a nuestro conocimiento — de la escena
primordial ; lo figura como una copia del padre y nos permite discernir una
tendencia de desarrollo en la orientación que luego merecerá el nombre de
masculina ».1 Tenemos por lo tanto una copia del padre . La página 98 también
hace alusión a la misma escena : «La escena con Groucha [...] nos muestra a
nuestro pequeño al comienzo de un desarrollo que merece ser reconocido como
normal , salvo quizás por su carácter prematuro : identificación con el padre ,
erotismo uretral en subrogación de la masculinidad». Por lo tanto, se puede seguir
ese hilo de la identificación con el padre a lo largo de todo el texto.
La segunda vertiente de la identificación ya no es la identificación con el padre
sino con el objeto del padre. Ambas identificaciones se oponen. En el registro de
esta identificación con el objeto del padre se puede situar la sorprendente
reducción propuesta por Freud en el capítulo sobre la neurosis obsesiva, cuando
ya habla de la coexistencia de diferentes corrientes en el sujeto: «Más bien, sólo
podremos dar razón de esta relación de las cosas, que se nos presenta compleja,
si nos atenemos a la coexistencia de tres aspiraciones sexuales que tenían por
meta al padre ».2 Ese «tener por meta al padre » no concierne a la identificación
con él, sino a las diferentes maneras de ser el objeto del padre. Freud lo resume
de una manera muy divertida : « Desde el sueño , era homosexual en lo
inconsciente ; en la neurosis , retrocedió al nivel del canibalismo ; pero la anterior
actitud masoquista siguió siendo dominante ». Tenemos por lo tanto tres
modalidades que curiosamente son diferenciadas como la del inconsciente , la de
la neurosis y la de la actitud. En el inconsciente , tenemos la homosexualidad . En
la neurosis , tenemos el estadio oral o el canibalismo . En la actitud , tenemos el
masoquismo . Lo que es común a esos tres términos es el por el padre. Tenemos
por lo tanto ser poseído, ser comido y ser golpeado:
IDENTIFICAÇÃO
li com o pai (ser como o pai)
Dinheiro
Coiiio se cles~~iirr>l;i
i) i.ipítulo VII? I>e i i i < ) c l o iiiiiito rctorciclo. Frc.ilcl nos Ii:iliit~i;i.
priiiirii-(I.c r > i i i :i i i i > c . i o de cliic ol)jct~i:iii:il tc,iii iigiiific:ic~'~c.i h t ~ iC. VIL, ii;io 6 t ~ i lcli1:il.
FI-ciiclc<>iiiec~:i. :i>siiii. eiii ciirro iirciiiir~.v :ipoiaiicli~-senri (lue e'i:i fiinclaiiicn1;iclii 11eI:i
ps~c;iii;iiisc.LI .;nt>er. 0 c.st:iriitc> <I<> diiilieiro trriziclo ]><>r rlc clcxJc o conieco: "115 i i i i i i t o
tciiili<>que os :irialis~:i\c.st<i<~ ele acordo < ~ ~ i a r:i<)
i t <h~i < i cle cl~ic3s iiiosòe,~~ ~ i ~ I s i o n~ ;Li iI V
reiiiiiiiio< s i l i i>i i i > i i i ~ .clc. eir~tiiiiio;iri:il Iioiiiciii iiiiia iiiiporr2iici:i i~xiiiii>nliil:iria[..I
D;i iiics1ii:i f<>riii.i. <111;intoo f ~ i l ode <111~,11111.1 <I:Is e ~ t c r i o r i ~ ; i c i ~ni:iis c s iiiiport;inte,? e l o
eriitisiiir) i r . ~ i i ~ f ~ ~ r i iai s{xirrir
c l < ~ clvhs:i I'oiitc cnconi~i-\c.i i o ii-:ii:iiiic,nio elo cliiilieir<~". O
iii;i[xi I'or~iclr~ cl:~ clíiii~.:~ :iiilerior iiiht:iI:i <iclinlieir<~. clc v.iícI:i, nu cerne cIeh>:i < l ~ i e h I < i o .
Isso pcriiiiit. :i I:ri.ii<I :ilirili:ir <-vi-toniiiii~.i<ii l i 1,irii.. 1ii:ih ~xuiluele ~>:irticla
parece ser, aqui: quase arbitrário. Por que Freud começa pelo dinheiro? Há duas razões
para essa escollia inicial.
Se ele começa pelo dinheiro, em primeiro lugar é porque o encontraremos mais
tarde como eleiiiento essencial na relação de filiação. Para o Homem dos Lobos há uma
relação com o pai que passa pelo dinheiro, ou seja: recel~eralguma coisa do pai. Note-
mos igualmente a intolerância do sujeito quando sua irmã recebe algo do pai.
Em segundo, essa escolha abona, de saída, a noção muito importante segundo a
qual o objeto anal tem uma significação. A equivalência fezeddinheiro é, assim, intro-
duzida por Freud como um preâmbulo necessário para falar da existência dos distúrbios
intestinais d e seu paciente: "Estamos agora preparados para entender que ele sofreu_em
sua doença ulterior, por diversas ocasiòes, clistúrbios muito tenazes, embora flutuantes:
de suas funções inte~tinais"~. Por que Freud introduziu a função do dinheiro antes desse
fato clínico verificado no caso do paciente? Foi a fim de nos preparar para o fato de que
esses distúrbios intestinais tinham uma significação outra que não a de dinheiro. Ao
partir do dinheiro, Freud insensivelmente nos habitua com o fato de as fezes poderem
ser uin significante cujo significado deve ser encontrado. Uma vez habituados com essa
relação, ele evoca os distúrbios intestinais para interrogar sua significaçâo. I'ara encontrá-
Ia: ele retorna, d e fato, aquéiii da significação monetária das fezes situada na introdução.
Em outras palavras, o esquema conceit~ialé:
1) as fezes têm unia significação, são suscetíveis de ter significaçòes;
2) tendo o sujeito distúrbios intestinais; trata-se de saber qual é sua significação:
"Retorno, agora, à infância d o paciente, a Liin tempo no qual as fezes não puderam ter
para ele a significação de dinheiro".
Freud, então, lembra primeiro que as fezes têm unia significação nionetária. De-
pois' ele nos diz que o sujeito tem distúrbios intestinais e que, para conhecer sua signi-
ficação, devenios retornar a um tempo anterior:
lia dúvidas d e cliie ( I "coiiio Liiiia iiiullier" oii o "coiiio a iiiie" é por ~ ( ~ i i i p l cdonii-
to
nante e constante,. I'iii outras palavras. 11 vcrcl:icleiro tít~ilodesse ~ i p í t i i l oV11 poderia
scr ".A iclcntific:i~iocoiii a ni5r". o c,rotisiiio :mal senclo :I lingii;~ria qual fala, para 11
s~ijcito,:i iclentifica~3ocr~iii:i iiiiic. Se c) desenvolviiiicnto prosscgiiissc. dcveríniiior ter
tido n identificasao c(1iii (1 [,:li v a linguagem n:i <1ii:i1 f:ila rssa idrntific:iy:io. 0r:i. te-
1110s. a o contrári(1, ;ilgiiiiia coisa que pcrrn:inece ligacl:~à posic3o dc, goz11 Iioiiiossexu-
al coriio rrc:ilc:icl:i. Coiii efrito. d o que nus ocLipainos corii i ) erolisiiio m a l , tal coino
Freiicl o :iprescnta a nós? I><) reiorno clo recalcado que é a Ii~)iiiossrsuaIidade:Freiid
tr:its elos sint»riias intestin:iis elo lionirni dos Lolios coiiio o retorno desse rec:ilcado
qiir t: :I 1ioinossrxiialicl:irlc.
Frriid aincl:~tr:iz iiiiiitos outros eletiientos par3 justifir~ra coiiexi<>feita por ele
quanto a identificaçâo coiii a iiiãe. "O que devia entào significar a identificação coiii a
inãe? Entre a utilização ousada da incontinência! aos três anos e iiieio, e o pavor engen-
cli-ado por ela aos quatro anos e iiieio, situa-se o sonlio coin o qiial comeca seu período
cle angústia, que Ilie trouxe, aposteriori: a conipreensão da ceiia vivida com um ano e
iiieio e a explicação d o papel da iiiulher no ato sexual"'. Ali se encontra a notarão com
que o próprio Lacan tentará s e arranjar, valendo-se dos ternios da kpoca, eiii seu rela-
tório d e Roma, ou seja, iiiostrar coino isso se reparte entre o sujeito e o eu. Trata-se d e
iiina grade d e leitura que Lacan aplica ao caso, inas ela não se manterá forçosainente. O
sujeito identificou-se profundamente coin a posiçio da inulher, ou da mãe: no ato sexual,
o que é oiitra fornia d e dizer a fixagão da posiç2o hoiiiossexual inconsciente: ser copu-
lado pelo pai. Nâo é "como o pai", nias "pelo pai" que está presente desde o coiiieço e
qiie toma o valor "inulher". É ser copulado pelo pai como uiiia iiiulher.
Aqui a qiiestão gira eni torno da castração. Nào estou ensinando nada sios que
leraiii o texto. A castrarão é o pi\:6 da dificuldade encontrada por Freud naquele iiio-
inento: conio aconteceu de a posiçào feminina d o sujeito ser falada por ele na língua
d o erotisiiio anxl e não na língua genital? Coiiio é possí\:el que essa identificaçào s e
faga no plano mal, quando o sujeito é suposto saber o que é a iiiullier como czistrada?
Isso foi visto por Freud niuito clsraiiiente: "Tivemos d e admitir que ele ~oinpreendera~
clurante o processo d o sonlio, que a inulher era castrada, que, no lugar d o nieiiibro viril,
ela tinha uiiia ferida que servia para a relação sexual: que a castração era a condição da
feininilidade e que, por causa dessa perda aiiieaçadora, ele recalcara a atitude feiiiinina
para coin o hoiiieiii e despertara angustiado cle sua exaltação hoiiiossexual. Como essa
coiiipreensão da relação sexual, o reconheciiiiento da vagina, combina com a escollia d o
intestino para a identificação coiii a inulher? *'.
Freud nos guia pela nião Coiiio foi possí\:el àquilo que era suposto adqiiirido não
s e nianter diante da identificação anal? Isso indica, de fato, que a convic@o da realidade
da castração não basta para validar e garantir essa castração, quando a identificação com
;I mulher se apresenta ou se propõe. Na verdade, teinos aqui algo como as cercanias d e
uiiia falta. Algiiiiia coisa não aparafusou essa convicção da realidade no sujeito.
Isso nos leva d e volta às r;iízes da necessiclade da categoria d o simbólico. \Temos,
então, que Freud já introduz - o que é foriiiidável - distinsões 11scastração. De fato, há
ali um ponto na realidade que já parece para Freud extremamente complexo. A atitude
clo sujeito eiii relação a esse poiito d e realidade é extreiiiariiente complex:~: ele pode
pensar sem cirr nela e pode vei- a castração por roda parte sein estar convicto clela. Esse
é ~ i i i iponto inteiramente enigiiiático. O próprio Freud nos leva a distinguir aqui as ca-
madas. Coiii efeito, Gedanke seiii Glazrbe e Gedanke com Glaube já são dois status da
castração e estanios a ponto d e apreender a existência d e uiii terceiro nível que cie\,eria
ser colocado, a saber: essa convicyão resiste até o fim e e m suas conseqüências. Mas,
aqui, inesnio se Freud diz haver convicção, nos tlaiiios conta de que ela nào leva d e
inodo algum à identificação com o pai, mas cede diante da identificação coiii a inãe sob
uma fornia que não considera em nada a problemática genital.
Eni outras palavras, é nessa priiiieira passagem que apreendemos haver ali iiiii
elemento invisí\:el que falta. Há uin termo que irá aleiii daqueles que Freud utiliza, tais
como o conheci~nento~
o reconhecimento etc. Sejaiii quais forem os teriiios einprega-
dos por Freud, veinos faltar aquele que indicaria que o sujeito tira consequencias dessa
convicção, isto é, que leva a sério essi convicçâo. Essa página eiii que se situa a objeção
de Freud é o ponto de virada a partir do qual veinos Freud integrar imediatamente a
Verwerjung e tentar articular. exatamente naquele ponto, o recalque e a foraclusào. Todo
mundo leu o texto e viu bem que o probleiiia é a identificação co~iia inàe. Esramos
na linha 2 do esquema em que se indica a identificaçao coiii o objeto do pai. Todo o
prol~leiiiareside no seguinte: o que perinanece prohlemático até o fim é a identificação
coni o pai.
Chegaiiios ao umbral da página 232, ou seja: à famosa passageiii que distingue, se-
gundo a leitura de Lacan: o recalque e a foraclusão. Era o ponto culminante ao qual Li-
víamos chegado. Vocês leinbraiii que podíainos notar, com o famoso capítulo intitulado
"Erotismo anal e castração2',a problemática insistente da identificaçio e! precisamente,
a da identificação coni a niãe. Constatamos que essa identifica520 se expressa na língua
da analidade. Estaiiios nesse ponto.
Se retoriiarmos esse inesriio esquema; poderemos completar facilmente a quinta
coluna. Para Freud. o que se instala de inodo I>eni claro coni o momento da religiào é
um mecanismo que pode ser colocado em série coin os precedentes. ainda que deles se
distinga: a sublimação. Essa fase traduz o esforço do sujeito para sul,liinar as dificuldades
anteriores e , eiii particiilar, o que constitui a dificuldade essencial da fase precedente,
3 sdl>er,sua posição junto ao pai. Retomo o capítulo sobre a neurose obsessiva: "O co-
:ingú,stia. "tl.nOiiienr>sc l i :ingústi;i tortiirznrr". I ' o i t>eiii. i;iI coiiio rii <li>sc.I«cLiliza-seaí
Linu segiinda dcsconrinuidacle. 1';ira I~rr~icl.
tr;ita-se tle esplic;ir a xiz:io cle ess:i tr:iiisfor-
rn:i<io trr se pn~cliizidon:iqiielc. iiioniçnto.
Da satisfação à angústia
últiiii:~frase do c;ipítulo 111: '.Qiianro ;i11 incidrntr qiic. :iiiroriz;i css:i srp:irac;i~~,
n;io foi
LIIII traiimatisiiio rstrri(~r.iii;is uiii sonlic~c10 q~i:ilrlc drsprrtoii coni :ingústi:i" Esse trr-
iiio. srp:ir:iciio. nrde,n;i-sc. coin :I iiiiicl:iiica cla aiiic,ripacào ;ile#re clos prcwntes d e K:it:il
i ~ i itit~~cie
i e :inÚsia c i 1 i . I'odrnios nor:ir a cipress5o riiiprc~icl;~
pelo ],r<iprio Frciicl :i rhsr reipeito: rlie l i ~ i - i i ~ r i ~ i ~c/c,r
l l i rB<fiic,rli,q~ii~,y
~i~ inz .4ii,y.st. '.iiiil:i
tr;iiisforriiac;io J:i iariskicà~~ ciii iingústi:~".Preud rsplic:iri essa txinshrmaciio valendo-se
c l i ~rrcalqiic. li11 iiotaq;Ii] iiiostra qiie I:rciid api-cciiclc :i aripústi;~e :i satisf;ic;io. cni série.
coiiio suscctívris d r sc, rr.insforiii;ir iiiii:i n:i o i i i i - : ~r rio regisiru dos ;ifcti~>.
Rl:i>. ao mesiiio triiipo e111qiie Freucl correlacion:~:i transforrii;i<i~~d e :ititiiclc d o
suit.it<~;to rnoiiic~ntoclo sonlio. c,lr nos diz q u r o sorilio. crn si iiic.siiio. niio :iprrsrnta
ii:icl:i que pcriiiit:~rxplici-10. Nrssr i o i i I i ( ~ .n:io Iciiios :i c:iiis:i clessa t r a n s t i ~ r i n a ~ci ( ~
Frriid. rnt:io. i. l r ~ i c l o:i kilar. sol? < I poilto de \iht:i d e iitii:~ pciqiiisa etiolfigica. ele (lie
Liicko ;,ir Yirrron. isto i.. cla laciiri;~rio sonlio. I:rii uin s<~nli<). nào h5 I:iciinz corno t:il. O
sonlio i. o que C. l'iii sonlio C i i i i i sonho. Sc Frc~idpoclc clizei- q u r 115 i i i i x ~Iaciin:i (1.1'ickr)
no oiilio. é pelo kito d r ele, cliies[ion;ii- :i raz.lo ds ti-:iiis1<:1riii:i~:io clc atit~iclrqiic s r sit~i:i
no iiioiiirnto clcisc sonlio. O sonlio n:io dJ uiiia re>posta cIirc1;i. elr rsconclc :i causa cui11
l~i#arrst5 iicssa 1:ic~in:ic que C preciso rnconrr.ii-. nu laciiii.~d o sorili<icliic Fi-ciicl l>iis~,:i
:i caiis:i < ~ > i icisoi i i : i i.i<~~ndicl:i
'l'eiitriiios ;iprcrndrr 1ic.111os derallics clo rnciociiiio ele Frc~icl~.iiirrlai:i(~ :i(] reczl-
<~uc.,Eiii priiiicii-o i~ig:ir.c . 1 ~c orient:~pela ir~iisforii~icào d:i s:itisf.içào ciii :iiigústia c,
tili-iiiula :i <[iicsrà«: pclr qiie çsm tr;iilsfoi-iiia~io!li cliir<>que Fi-c~idn5o cst5 ~ : i m l i s : i d ~ ~
riii srii pci1s:inirntii cliantc da inici-[>rrtac;io. IIlc rciii. :ili. i i i i i a :itiriidc. cii(~lógirnsiiscr-
tívcl, i:ilvrz. clr kiz?-I(~rrxir, III:I>, (Ir tuclc~I I I C I ~ I I J . cst;~C sii:~posiq<i~~. 1; cntio, i n i c ~ r r c ~ ~ i :
[><>r<,li:?
Eiii segunclo lugar, ele confere um sentido preciso ao estatuto da satisfação. Eiii
um primeiro nioiiiento, é a satisfaçiáo ele saber que encontrará presentes ao pé da árvore
de Natal. Mas Freud não se satiskiz com isso, porquanto já construiu o esqueiila que
Ilie perniitiii afiriiiar que, para o sujeito, a satisfação é aquela recebida d o pai. É o que
an;ilisamos a partir da atitude masoquista que consiste eiii se fazer I~eterpelo pai. É iiiii:i
atitude sexual, erotizada, para coiii o pai. Freud se pergunta, então, ele que satisfação se
trata. Há a satisfação aparente - a ele receber os presentes de Natal - e há a satisfagão
profunda e latente, :i satisfaçâo sexual recebida d o pai. É esta que imida de sentido e se
torna angústia. O que se transforina é o valor da signific:i@o afetiva da satisfação sexual
recebida d o pai. Podeiiios representá-lo coino uin silogisino:
1) a satisfaçjo se transforina eni angústia;
2) essa satisf'asão é fundaiiient:iliiiente a satisfa~ãosexual recebicla d o pai;
3) trata-se de unia virageiii clessa satisfaçâo sexual recebida pelo pai.
Freud então se pergunta qual é o fator que pode realizar essa viragem. Utilizo,
aqui, de inodo preciso, o terino fator. Que fator pode operar essa transforiiiação? Vemos
coin clareza que, na concepção de Freud, o operador é unia iiiiageiii. A cena primitiva,
qiie se tornou tão célebre, inscreve-se exatamente nesse lugar. É aquela que deve ser re-
construíd;~a partir clo sonho a f i i i i de esplicar a niuclança no valor da satisfação recebicla
d o pai. Os teriiios eiiipregados por Freud são bastante iiiipactantes. Só pode ser: diz ele,
Liiiia iniagetii: 13il~l.A partir de nossos próprios pressupostos, diríanios que só pode ser
~ i i i significante.
i Levando eiii conta nossa concepção ~iusalistad o significante, a iiiiageiii
da cena priiiiitiva é, para nós, uin significante que, ali, funciona coiiio um operador.
Insisto no ternio fator ou operador, pois é o que periiiite conipreender eiii quais teriiios
Freud fala de castr;i@o nesse texto. Ele fala d e Wirkltchkeil. ou seja, ds realidade coriio
tini operador. Ali: ele de fato fal;i de ~ i i i fator.
i
Essa castrzição - que é a lição extraída da cena pritiiitiva, da iinageiii - deve per-
iiiitir dar conta da transforiiiação da satisfação. Para que a satisfação recebida do pai se
torne rep~ilsiva,é preciso que ela se transforme em angústia, que toque na própria inte-
gridade d o corpo que goza. A isso: Freud chaiiia de castraçâo. Não é apenas a convicçào
cle que as iniilheres não tétn o órgão peniano e que, eiii seu lugar, elas têm uma feriela.
A aineaça deve ser levada a sério. De lima possil~ilidacle,ela se torna real: o que sigiiifica
que ela se torna operatória no caso d o sujeito. Antes, as coisas eraiii da ordeni de i i i i i
"continue Falando, você me interessa", inas, naquele iiioinento; isso entra na realidade.
1-[iunia passageiii para a realidacle da castraç2o sob tiin iiiodo operatório. O teriiio
Üherzez~guwglcoiivicção; evideiiteiiiente tem o seu valor, mas a expressão Wirklicl~keil
der Kastration mostra: de fato, o lugar fatorial onde isso se inscreue. Isso se torna efetivo
para o sujeito.
Freucl. entào. rcconstitiii o esqiiema clo sonho d e iiiodo muito preciso. Há ti.&
trriipos.
I'rimeiro: :ispiracão ii s.itisíaçiio sesu:il pelo pai. \:;-se. ali, c~iialt: o desejo d o so-
nlio Çegunclo: compreensàc~da castr:i'io. Freiid cliz isso de iiioclo iiiais forte: "Coinpre-
ensão cl:i condiç;io rel:iti\-a da C:IS~I..IC:I~". Isto signific:~que esxi cistrayio nào i. d e r»dc
um I>cnefício. pois l i i uni risco $Crio de perclrr uma p:irte c10 corpo. Trrceiro: angústia.
iiieclo - .4>7g,st - clo pai. A ariiinclura Iógic;~é. assim. esrreiiiamente siiiiples e forte. coiiio
é. aliás. o riioiiiento precc~clcnreda secliiyào.
Wirklichkeit da castração
Por qiie se passoti d:i satisf:isão i ilngústia? IT;L preciso Ii:ivcr. entre :is ciuas. uin
eleriirntr~operatório E o que Freucl cliaina rle c a r r q i i o . E r a mio é oiitra coisa senào
o oper:iclor qiie c15 conta da tr.insforiiia@o cla sniisfacào eiii angústia. Ali onde fazeiri~~s
intervir um signific:intr, Freud faz interxir i i i i i a iniageiii cliie, para ele. é efetiva c operató-
ria. \<)cês sal,cni que IiiGin f:izii intervir :i imagem :]li onde. mais [:irde. ele fiirá intervir
o signifirante. .i castrario i.. deste nioclo. o fator cle coni~itaciocI:i satisf:iç;io eiii angústia.
Insisto n o cariter cle IVirklichkeit cI:i castra(..io.
E i i i seguicla. rcnios unia ol,srrvayic iiiiiito interess;intr d e Freiid. a saber: o que
surge daqiielr iiioiiiento n30 é Lima posiyào. Lima corrente bem deciclida, mas iiina ver-
cladeira rsplosio da lil->iclod o sujeito. O ~ i t r oaporitaiiiento ahsoliiraiiiente notável indica
que :I cen.1 prirnitiv:~- potencialriicnte portaclor:~ cle todos esses efeito5 - s6 traz os
refrriclos cfeiros niec1i:inte o ionlio que inter\Ciii dois anos r iiieio iii:iis tarde. Portaiiio.
aqui tailibém. reiiios uni efeito aposteriori. .icausa 56 r torna ;itivo clois anos e iiirio
riiais tarde. eiii urii sonlic a o qual Freucl :itril,iii o iiiesiiii~.statz~.sde efrtividade e cle poder
causal qiic iqiiilo que cliaiii~rianiosclc aconteciiiiento conteiiiporâiieo.
6 nrhse contesto que Freiicl proiiuncia o teriiio recalcliie. Tal como I.:icin o retoma
na iiier5fora patcrn:i. o conccit<~ de recalcliic i. bastante p r ~ ~ l ~ l e m i r su;i
i c < ~tese
: relativa
ao clrsejo da iii;ie é aferenie ao que. eiii I'reiid. é a Iiifilicl~kriic10 recalc[ue. que Lacan
;itril>ui a o S<)iiic-do-P:ii. 0 kilo aparrcei~doeni posic;io d e rfeitc]. Eiii 1918. p r i Freiid.
o fator o p c r ~ n t eé o próprio filo. o pi-iiprio hrp'i<~viril. Wa iiic.t;ihra paterna, d e Lacnn.
o Soiiic.-clo-Pai rst5 no lugar c10 recalqiie. i i i ~icxrij de I:rciicl. t: um .<tritirs d o falo. Casu
qiieir:iinos ir ncss:i ciirecjo. is%)he prestari'i :i iiiuitLiscoiiipara(.i>c~se 1:iiiibéni o consi-
cler:ir a evo1iic:io d e Frciicl cc~ncernentea o coiiipleso clc rastr:icà<~ c ;io que efetiia o re-
calque. Mas. sejam qiiais forrni as \-:iri:i$«es na prc)l>lcináticann:ilírica. o que periiianece
constante, clrfinitivariien~e,iiiiplicn isi)l:ir iim iii(Iiiiento d e clesc~rivolvimrntoclo sujeito i 1 0
qii:il e [xoduz LIIIKI \ir.igeiii clesse tipo. O rec:ilq~ie inipliciclo se procliiz por prorest:iy:io
narcísica viril. Aliás: é de bom grado que Freud utiliza o termo adleriano: protestação
narcísica viril.
Isso nos indica também que, aqui, a casuaçâo eiii jogo não é do registro de sua
assunção. Como aparece a incidência do iiiornento edipiano? Ele incide deixando o su-
jeito diante de duas identificações possíveis, das quais falainos eiii termos de castração.
Primeira: ser uma mulher no momento da cópula. o que não é de modo alguiii
proscrito pela emergência da castração. Pelo contrário. é inteiramente aberto como pos-
sibilidade para o sujeito, sendo assim? inclusive, considerado pelo Homem dos Lobos,
o que ele recalcará. Isso dá o sentido de sua passividade que, de algum modo, obriga a
ser conseqüente, isto é, ir até o ponto d e ser uma niulher no momento da cópula. Essa
é uma das possibilidades trazidas pela castração.
Segunda: ser um Iiomem, ser o filho d e seu pai, ou ser um homem como seu pai.
Freud chama de castração o niomento e111 que essa escolha se constitui para o sujeito.
Não se trata da natureza da escolha, mas da constituição mesma dessa escolha. A esse
respeito, a psicose paranóica é o melhor exemplo que se pode dar da Wirklicbkeit da
castração, no sentido de Fre~id.Com efeito, na psicose, mesmo em suas formas mais
catastróficas, tenios um sujeito que está diante do problema de ser uma mulher no mo-
mento da cópula, um sujeito que, inicialmente, acha isso belo, depois, que está indo um
tanto longe para, por fiin, reconciliar-se com ele. A psicose é um excelente exemplo de
Wirklicbkeit da castração no sentido freudiano: "Ali se expressa o fato de estar pronto
para renunciar à sua virilidade caso possa assim ser aiiiado como uma mulher. Disso
decorre precisainente a moção contra Deus, expressa em palavras não equívocas no
sistema delirante do paranóico I'residente Sclireber".
Se considerariiios a distinção freudiana das três correntes (p. 237) - a que abomina
a castração, a que a aceita, e a da foraclusão -, onde se encontra a psicose nesse esque-
ma? Aparentemente, ela não se encontra de modo imediato do laclo da terceira corrente,
a da recusa da castração. Considerando os termos freudianos da época, é preciso per-
ceber que a castração se encontra no nível da segunda corrente. Para Freud. o sujeito
psicótico tem a convicção da realidade da castragão e escolhe aceitar renunciar à sua vi-
rilidade para ser ainado como uma mulher, ou para se consolar coin a feminilidade como
substituto. Para o Freud cla époc~i,a convicção da Wirklicbkeit da castração é certamente
o que partilha o pai-anóico. A psicose é uma demonstra~ãoda Wirklicbkeil da castra~io.
Nesse ponto. segundo Freud. psicose e homossexualidade estão ligadas não ape-
nas por razões adjacentes. mas devido a esse entroncaiiiento edipiano. Quanto à escolha
de ser uin honiem, conforme o modelo do "Tu será uin homem, meu filho"l hoinossexu-
alidade e psicose estão do outro lado, do laclo da escolha de ser uma mulher. O Horneiii
dos Lobos se aproxiinava do genital pelo viés da homossexualiclade, mas eis que o
recalque o afastou clessa via.
O antigo pai e o novo
Enfatizaiiios que I'reiicl. :ia evocar :i questào elo pai. nos tliz que. cheg:incl<i à re-
ligiào. o Hoiiiciri d»s Lol>os xiefendeii I...]o antigo pai contril o iiov(<'! Ksxi not:i@o é
capital, pois o antigo p:ii é aqiirle c111 q ~ i a ls e espera a rntisf;i(.ào sex~i:il,aqiicle que é
iim ol~jetosexual. :!o p~issoqiie o novo seri:i o pai subliniado. I'oderiaiiios acresçentnr :i
coliina d o pai ao nosso escliieiiia. 'Teríariios, no corneco. 11 pai que Ixite eni uma crianca.
Iiii seguida, tcri:inios o p;ii que copiil:~,qiie é o do siirilio. Por fiiii. ( I terceiro p;ii deveria
ser o d:i siihliniaç;io. (:oiiio podeiiiw cliami-lo? Sio é urii pai que liate. Stio é um p:ii
que cop~il:i.É uni pai cliie realiza n :issun~ào.k aqiirle qiie p:icific~. qiie proiiirte. .4quelc
no qual rncarnaiiios todas s s virtudes da f:ils. ;icluele qiie ligi, protege. garante. :iqiiclc
que, diz: ...4gor:i e :issini. 111:is iii:iis t:ircIr sei-:i iiirlhor". I aquele que perinite esperar. Ca-
Orria enconlr:irmos o trriiio que reiin:i tiido isso.
Nào Falei do pai ela religiàri c~,iiiotal. ni:is cla<]uele cl:i siil>linia~.;io.
clo qual iiiiin
d.is klriiias C a siil>liinac.io. Eviclentriiirntr. ele é ~iiiil~íg~io.
:iiiil>i\-alente etc. O que I>iisco.
\-alcndo-ine d o teriiio subliiii:icic>. é o qiic pocleria tei- siclo :iq~ieleiiioiiiento. É < I p i i da
siil>lirnaçào,aqiirlr qiie noiiieia, recoiicilia. L>ei'<areiiios. ali. reticCnci:is:
Essa notayfio ir-eudkina ele que ele clcfenclia o antigo pai contr:i o novo est;. sem
clúvida. na linli:i cla qiiestfic~cliie foriniil:iiiios sobre o delinrariirnto clcssns etapas. 0 caso
clo Homeiii clos Lolms é 1:iiiibCni - i;ile tlizer - tiiii clos grancles textos cle I'rcrid sobre a
suhlini:i~io.Todo o s ~ , ifinali é cle<licacloao frito ele saber [>(]rque o Hoiiiciii dos Lol)os
mio siil>lima inais. \ iiirdicls (~iic:i libido se desatreln cl:i Iioiiiossexualiclade rec:ilcadu.
L ~ : I C vertida n.i ccinti dn stil>liiii:i~io.nos diz Freucl. Istci indica ri:^ qiie o esperado nesse
Ess:i conwadi$io existe e aqui intervéiii a página introcluzinclo o que I.acan fixou
conio a questão da foraclusào. Observemos que já teinos unia distinção d e planos. O
Honieni dos 1,obos repele a identificação coin a iiiãe no plano genital e a aceita no pla-
no anal. Veinos em que nível ele aborda a feniinilidade corno castragão e eiii que nível
ele a aceira eni sua interpretasão anal A soluç'ão cle Freud consiste esseiicialniente eiii
dizer, na página 232, que elas coexisteni. Não há, no inconsciente, "ou...ou....". De modo
essencial^
no inconsciente, isso está misturado. No inconsciente, coisas contraditórias
podem existir. A grande solução freudiana para esse caso é a coexistência. Podemos nos
perguntar se é alguma coisa periniticla pelo causalista significante lacaniano, que nos
habituou a algo muito diferente: isro é, a uin 'tudo ou nada". No nÍvel do imaginário as
coisas estào, é claro, misturadas, mas a leitura dessa passagem freudiana feita por Lacan
não se acomoda tanto ao tema da coexistência dos diferentes nÍ~~eis. De todo niodo, por
um ponto essencial: é preciso sair desse melaço. Essa é a visada de Lacan corii o Noine-
do-Pai.
Escreve Freud: "Certo: essa contradição existe e as duas concepções não estão de
modo algum de acordo entre si. A questão é simplesmente saber se é necessário que elas
concordeni. Nosso embaraço provém d o fato de estarmos sempre inclinados a trarar os
processos psÍquicos inconscientes coriio os processos conscientes e a esquecer as pro-
fundas diferenças entre os dois sistemas psíquicos"". Essa é uma profissão de fé muito
geral por parte de Freud. Poderíamos dizer: é a Ei~lfúhlu~7g de Freud, a relação quase
aferiva que ele tem com o inconsciente, ou que a Siimmung d o inconsciente para ele r i o
é a Siiwiwiung d o inconsciente para Lacan.
Lacan, por fim, instala a Iógica no inconsciente. Ele iiiostral inclusivel que Freud a
instalou d e saída sein o saber. Trata-se, é claro, de uma Iógica inconsistente, mas dizer
que pouco importa se isso se conrradiz no inconsciente não é exatamente a tonalidade
que Lacan dá ao inconsciente. Aliás, somos impelidos a inscrever as coisas de forma
Iógica e a tentar combiná-las. As fóriiiulas da sexuação de Lacan não são fórmulas da
Iógica clássica, mas, enfim, nós as logicizamos de um modo muito detalhado e veiiios
haver, em Freud, um enfraquecimento da Iógica classica.
Freud prossegue: "Quando a espera excitada do sonho de Natal lhe el;ocou a
imagem da relacáo sexual dos pais, relação recentemente observada (ou construída):
certamente foi a antiga concepçao desta que apareceu primeiro". Freud: então, tentará
resolver a questão a partir do que é seu esquema operatório, ou seja, a cena primitiva
que, no funclo, é o sistema significante apresentado sob forma imaginária.
Continuo a leitura dessa passagem: "(...I foi certaniente a antiga concepção desta
que apareceu prinieiro, segundo a qual o local do corpo da mulher que acolhe o ineiii-
bro era o orifício d o intestino. O que ele poderia ter acreditado de diferente quando
foi, com um ano e meio, especrador dessa cena? Depois veio o que aconteceu de novo
aos quatro anos. As experiências feitas até então, :is alusões ouvidas sobre a castracao
clesperrarain e lançaram uma dúvida sobre a "teoria cloacal", aproximaram dele o co-
nhecimento da diferença dos sexos e d o papel sexual da niulher. Nessa ocasiâo_ ele se
coinportou como em geral o fazem as crianças às quais se dá uma ou ourra explicacão
sexual não almejada. Ele rejeitou o novo - no nosso casol devido à angústia de castração
- e se apegou ao antigo". Temos aqui a atitude antes evocada por Freud a respeito do
pai. Veinos em que sentido pode operar a libido genital narcísica que ali está a trabalho.
Ela pode levar o sujeito a recalcar sua homossexuelidade ou a aceitá-la.
A terceira possibilidade é quase a regressão sob o ponto de vista da teoria. Conser-
var o antigo, não o novo, é permanecer no estádio ein que não sabemos nada, quando
nâo tenios a convicção da castração. Bem, vemos que a Wirklichkeit da castra~ãoé ponto
de virada. O sujeito sabe, agora, que o genital está em jogo. Ele pode, priineiro. reco-
nhecer sua Iiomossexiialidade e, então, aceitá-la. Ele pode, em segundo lugar, recusá-la
e tomar uina posição viril. Essas duas posições diferentes supõe111que se tenlia a convic-
ção da Wirklichkeit da castraçâo, supõem K2.
Eni contrapartitla, com relaçào 2 terceira posição. Freud eiiiprega o terino Vewer-
fung. Coiiio qualificá-lo? Trata-se de uma regressjo de etapas e não de estádios. O sujeito
retorna ao status K1:
K2 1) aceitar a homossexualidade
2) recusar a homossexualidade
"Ele rejeitou o novo [...I e se apegou ao antigo. Ele se decidiu pelo intestino contra
a vagina por inotivos análogos e da mesma forma qiie tomou partido, mais tarde, contra
Deus, a favor d o pai". Em outras palavras, Freud observa esse inovimento da regressão
de etapas no capítulo sobre a neurose obsessiva, entre K 2 e K3. Ele isola o movimento de
rejeição d o novo pai pelo antigo. Ele não tem tanta certeza de que a convicção da reali-
dade da castração tenha sido realizada: "A nova explicação foi afastada, a antiga teoria foi
mantida. Esta poderia dar o material para a identificação com a mulher que, inais tarde,
manifestou-se corno angústia da morte em seguida à doença intestinal":
Mas Freud prossegue: "Não é que o novo conhecimento tenha permanecido sem
efeito. Pelo contrário, ele desenvolveu uina eficácia extraordinariamente forte, tornando-
s e o motivo que agiu para conservar o processo inteiro d o sonho no recalque e excluí-10
de uin trabalho consciente ulterior". É extraordinário! Freud não pode renunciar à noção
o dedo cortado
Gostaria de assinalar um ponto importante do texto, a saber: a alucinasão do dedo
cortado que está na página 23. Nessa problemática, qual é o lugar onde Freud inscreve
essa alucinaçãc)? O que é patenre, no texto. é que a alucinação do dedo cortado, para
Freudl não é de modo algum um testemunho da Vemerfung, como Lacan o evocará.
Pelo contrário, a alucinasão do dedo cortado se inscreve necessariamente no registro da
UWK. Trata-se, inclusive. de uma peça de apoio para Freud - e, portanto, o contrário d o
que é para Lacan - dizer que, embora tenha havido esse movimento. houve aquele outro.
Se buscarmos opor Freud e Lacan, é preciso saber em que ponto o faremos. É claro que,
no âmbito d o texto, não podemos opô-los quanto ao fato de Freud não distinguir Ver-
drangung e Veru'erfung.Pelo contrário. ele os distingue logicamente. Em contrapartida,
com rela~ãoà interpretação do dedo cortado, fica claro que Freud a considera como o
testemunho do caráter operatório da castração no Homem dos Lobos.
Dito isto, em Freud a prova da UWK não decide de modo algum a questão entre
psicose ou neurose. já que, segundo ele, há justamente a convicção da realidade da cas-
tração na psicose. Para Freud, UWK existe na psicose. Damo-nos conta de que não vale
a pena discutir os diagnósticos de Freud e de Lacan, uma vez que os critérios das balizas
clínica e teórica são complexos e diferentes para um e para outro.
Concluiremos hoje, abordando três pontos. Primeiro: Freud distingue claramente
Verdrüngung e Verurrfung nessas páginas. Segundo: a alucinação do dedo cortado de-
corre. segundo ele. do registro da UWK - convicção da realidade da castração - e não
da Veruwfung. Terceiro: aqui. para ele. a Vem'erfung não é o próprio da psicose. Esta,
pelo contrário, siipõe UWK. Inclusive, essa é a razào pela qual ele evoca a psicose, de
preferência quando se trata da regressão de etapas de K3 a K2, mais do que quando se
trata da regressão de K 2 a K1. Para ele, a psicose é fazer a escolha da feminilidade diante
da con\.icção da realidade da castração: ou seja, Fazer a escolha de Schreber, o que su-
põe ternios apreendido que isso dizia respeito aos órgãos genitais. Para Freud, naquele
inomento, a psicose era irnpensável fora d o registro da castração.
Aproximamo-nos agora da zona erii que é possível situar Freud e Lacan em pa-
ralelo com relação ao nosso tenra. Estainos na página 232 do testo de Freud, onde ele,
de forma totalmente explícita, opõe o recalque à Verwerfu~zg,e entramos nas águas nas
quais Lacan mergulho~ipara recolher e criar o conceito de foraclusão. É preciso ler e
reler essa página. Aqui tainbém Lacan nos propõe u n a clivagein, a fiiii de nos encontrar-
inos na construção de Freud, a saber: a clivagern entre comportamento e iiiconsciente.
Tentainos ver como se distinguem algumas categorias das quais fizemos colunas. Isso
visava ol~teralgum esclarecimento pela classificação. Pareceu-nos que os capítulos \'I1 e
VI11 se opõeiii nitidaiiiente. O capítulo VI1 está centrado na identificação coni a mulher
e o capítulo VI11 é destinado a mostrar em que o paciente é um homem. Há: portanto,
um "ser mulher" e um "ser homein" que devem ser repartidos. Eiii qual nível o sujeito é
um e em qual nível ele é outro? Em que nível o sujeito está identificado com "ser uma
mulher' e ern qual nível, no entanto, ele copula com a mullier? Eis o que deve agora ser
ordenado e que não é de iiiodo alguiii da ordein da construção bizarra. São problemas
que nascem da prática analítica, inclusive hoje em dia.
Soiiios obrigados a distinguir duas vertentes retomadas por Lacan e que repercu-
tem na oposição entre coinportamento e inconsciente. O coniportamento, nos diz ele, é
o acesso à realidade genital. São: por exemplo, as relações do Homem dos Lobos com
Nania e depois com Gro~iclia.O ierrno "coinportainento" se justifica pelo fato de que se
trata de uina alitude realizada, uiiis manifestação feita na realidade e interpretada por
Freud como sendo de ordein erótica e já uma antecipaçào genital. Então, em primeiro
lugar, o coinportamento.
Eiii segundo, Lacan ali opõe a posição que o sujeito teria em seu inconsciente e
visa a teori:i cloacal tal coiiio exposta em Freud. É preciso, me parece: reler a página 232
para perceber o nó do problema e apreender, em sua complexiclade, por que Freud fez
um desvio e nos complicou a vida coiii a evocação da Veruteiji.t.?zg.Afinal, sob certos
A ascese psicanalítica
Talvez seja o inomento de fazer urna pequeiia digressào sobre o iiioti\~oele nossa
tão grande atengio a esse testo sobre o Honieiii dos Lobos. Nào estainos apenas desfa-
zendo o tliagnóstico de neurose ou psicose, é bem mais do qiie isso. Essa questão nos
iiiiporiuna e podeinos dizer qiie ela taiiipona a que deve ser feita. Coino todas as per-
giiiitas que fazeiiios. Foriiiulaiiios uiila pergunta a partir da resposta.
Foriiiular o diagnóstico de neurose o11 psicose a propósito do Hoiiiein dos Lo-
bos, no coiiieço: só tein um sentido, a saher, insistir em coiiieqar a partir daquilo que
já sabeiiios sol~rea neurose e sol~rea psicose. O trabalho que se deve fazer - ele todo
iiioclo. é este que iiie interessa - nâo é partindo do que sei sobre elas para cl;issificar o
i3oiiieiii dos Lobos. mas: pelo contrário; partir do que não sei para aprender o que são
a neurose e a psicose coiii base no Homeiii dos I.obos. É uni ponto de vista profiinda-
mente difei-ente. Essa leitura só é interessante se nos conduzir a al~rofundare até inesiiio
a reiiianej:ir nossas categorias tle neurose e de psicose. Não se trata siniplesinente de
aplicá-kis. Essa leitura só tcni uiii verdadeiro interesse na suspensão do saber adquirido.
Isto não significa que não devemos tentar fazer diagnósticos. Aliás, eles foraiii tenrados,
o que é iii~iitonoriiial.
Mas não devemos nos atravancar coin eles indefinidamente, fazendo deles unia
qiiestâo que siipiira coiiio ~iiiiaferida que continuainos co~;indosein cessar. A questão. a
cada vez: é no nível clo texto de Freud. A q~iestiode fundo nâo está entre o diagnóstico
de neurose e o ele [,sicose. Ela esti entre querer partir do que já se sabe sobre a neurose
e a psicose e tentar aprender o que 6 cacla Lima clelas, o11seja, partir do princípio de que
n:io s:il,eiiios o q ~ i eelas são. l'r;it;i-se de uni ponto ele visi3 iiietodológico; exataiiieiite
aquele recoinendado por I:reud e que Lacan não só retoiiia coiiio assinala: ahordar uiii
caso analítico esq~iecenclodo que sabeiiios ;intecipaclaiiientel sem que. por issol eleva-
iiios fazer um I~raiicototal. Trata-se de unia ascese que: iiiecliaiite as sur1,res:is produzi-
das; consiste eiii aprender de novo o que C o as psicoses, as neuroses, as perversòes, ;i
partir do que uiii sujeito diz sobre elas. A rnesiiia suspensão vaie tamhéiii c«in relação
às categorias de Freud. Será que partimos do fato cle s:iberiiios o que querem dizer esses
termos? O u pai-tiiiios clo fato cle não sal>eriiios ~l~solutamrnte ii;id:i? I'arto clo fato de
que não sei ahsoluraiiiente nada. Considero caber ao próprio texto nos reensinar e nos
redefinir o que é a castrayâo. Toiiiar esse terino e fazê-lo circular entre Freud e Lacan
nào faz com que nos achemos nele. mesiiio se saheiiios que há nele uni valor pelo fato
de ser o mesiiio significante que se desloca. O que quer dizer "hoiiieiii" e "iiiulher", para
Freud? O que são o recalque, a identificação, a sexualidade? Vejo esses terinos se defi-
nireiii uns pelos outros e tento apreender sua solidariedade, sua conexão e como Freud
neles se desloca. Ele não o faz coiii perfeita clareza. e, cle certa forriia, como na selva,
e é em relação a isso que podemos valorizar o inodo como Lacan traça caiiiinhos inais
nítidos. Poréni. ao mesmo tempo, para alguns, Lacan faz uma extração: nem sempre a
iiiesnia, ou neiii seiiipre utilizada rio mesmo sentido. Nessa selva, ele traça um jardim à
francesa, mas há materiais ein excesso. Na selva, a coisa torna a brotar. Com o texto de
Freud é igual. Tr;içaiiios um ca~iiinho,nos detemos por um momento, e quando a ele
retornamos: ainda tentamos refazer uiii jardim 2 francesa, ligeiraiiiente deslocado. Ein
Freud, há certamente esse lado "despensa". esse lado inesgotável que permitiu a Lacan
retornar sobre os iiirsnios pontos e valorizar aspectos diferentes.
É preciso, então, nos situariiios nessa suspensào iiietodológica que me parece
verdadeiramente adequada ã nossa posição clínica e à condição para nela progredirmos.
]';ira tanto, não tive de iiie forçar. I'arti d o fato de que nâo compreendia nada da página
232, especialiiiente o parágrafo que termina coin a frase: "um recalque é diferente de
uiiia recusa". Entào, penso que vale a pena retoinar as partes desse texto detidamente.
A página 232
ção ;Lparenteiiienle confusa. Ti\reiiios de admitir que ele compreendera, durante o pro-
cesso do sonho, que a mulher era css~rada,que tinlia unia fericla no lugar d o ineiiil~ro
viril a qual ser\:ia para a relação sexual, que a castração era a condição da feiiiinilidade
e que, por causa dessa perda aineaçadora. ele recalcara a atitude feiiiinina para coiii
os lioiiiens e despertara com angústia de sua exaltaçào Iioriiossexual"'? Essa passagein
clescre\ze o que noriiialmente se re;ilizou no sonho como eficaz. Isso nos indica, eiii
ieriiios precisos, qual é o valor da castração em Freucl. Devemos colocá-lo sob a rubrica
cla Uhrrzezrgui7g da IVirklichkeit da Kastratioiz (UWK), da convicção da realidade. no
senticl~~
operatório. da castração. Essa conviccào se deu noriiialmente no sonho e teve
alguns efeitos intensos. senclo o recalque o principal clelcs.
Retomeiiios 0 texto. Freud diz qiie precisou iidrnitir que o sujeito teve acesso a
L W K . Isso nos inostra coiiio Freud t r ~ l ~ a l hEle
a . progride fazendo objeções a si mesmo.
Precisaiiios ver coino elas se constituem. Por que. para ele, Iià oposic;òes onde nós. nJ
ocasião. não veríainos? Poderiaiiios dizer que no Homeiii dos Lobos Iiouve um recalque
da atitude feminina. embora ele se identifique com a nililher. alhures, nào havendo. en-
tão. contradiçào nem problema. Ora. i- claro que. para Freud. há um problema. Esse t. o
sentido d e sua objefio íp. 231): "Coiiio é que essa compreensào da relucio sexual [die
I'erstündnis des Ge,shleçbtsi~erkeb,?;l,
esse reconhecimento da vagina [dieseAnerkennrr~zg
der lúgi~zu]~oilliIinacom a cscoiiia d o intestino para a identificafio com a niulher?";
essa objeçào d e Freud iiiotirari a introdiicào d o teriiio Ver.t~~efring
no texto. Exatamente
nesta frase: "coino a IIWK conihina coin a escollia d o intestino para a identificaçào com
a niulher?"
I'rossigo coiii o texto: "Os sintomas inrestinais nào repousam sobre a concepçào
provavelmente iiiais antigzi, eni contradiqào completa com a angústia da castraqào. se-
giindo a qual o orifício elo intestino i. o lugar da relacào sexual?" O que será endurecido
no parigrafo seguinte é introduzido por Freud sob a foriria de uma qiiestà« que viri
como tinia resposta prohlemitica 3 questào da cornpatihi1id;itle entre o rrconhecinienro
da rcalidade da castração e a identificafio com a mulher por meio dos intestinos. "Por
certo. essa contradição existe e as diins concepções nào combin:iiii d e modo algum. A
questão é siiiiplesiiiente saher se 6 necessário qiir elas comhinein': Freud justificará esse
pequeno parágrafo no interior da pigina 231. quando diz substancialmente o seguinte:
temos ali dois pontos de \:ist:i opostos. mas coexistenres. Neste ponto. Iiá a introduc;ào
da I.ilrz~'erf2~ng.
Leio agora o parágrafo 5eguinte. aquele qiie termina coiii a diferença entre re-
calque e foruclusào. "Quando a expectativa excitnda d o sonho de Natal Ilie e\-ocoii :i
imageiii da relaçào sexual dos pais, relayio Iiá pouco ol>servada (ou construída). foi
certaniente a antiga c o n c e p ~ i odesta que iipareceu priiiieiro, segunclo a qual o local d o
corpo da rii~illierque acolhe o memhro era o orifício d o intestino. O que ele poderia ter
acreditado d e diferente quando foil coiii um ano e iiieio: espectador dessa cena? Depois
veio o yiie aconteccii cle novo aos quatro anos. As experiênci;is feitas ali. ent5o. as alu-
sões ouvidas sol->rea castrasão se despertaram e 1ançar:iiii uina dúvida sobre a "teoria
cioacal"; aproxiinarani dele o conhecimento da diferença dos sexos e d o papel sexual da
niulher. Nessa ocasião, ele se coinportoii cuiiio em geral o fazein as c r i a n ~ a si s q~iaisse
&à uma o i i outra explica~àusexual n5« almejacl;~.Ele rcjeitoii o novo - no nosso caso.
deviclo à ;ingústi:i ele casrraçio - e se apegou ao antigo. Ele se decidiu pelo intestino con-
tra a vagina por niotivos análogos e da iiiesma fornia que tomou o partido, mais tarcle.
contra Deus, a favor do pai. A nova explicação foi afastada, a antiga teoria mantida. Esta
poderia dar o material para a identificação com a niullier. que mais tarde se iiianifestou
coino angústia da niorte em seguida à doença intestinal e pelos prinieiros escrúpulos
religiosos: se o Cristo teria tido um craseiro etc. Não foi o caso de o novo conhecimento
ter permanecido sein efeito. Pelo contrário, ele desenvolveu unia eficácia extraordina-
riamente Forte, tornando-se o motivo que agiu para conservar o processo inteiro do
sonho no recalque e excluí-lo de uni trabalho consciente ulterior. Mas, assini. seu efeito
se esgotara, não exerceu nenhuma influência sobre a decisão clo probleina sexual. Foi
naturalmente uma contradição o fato de quel a partir daí, a angústia de castração tenlia
podido existir ao lado da identificação com a mulher por meio d o intestino, mas apenas
uma contraclição lógica, o que não quer dizer grande coisa. O conjunto do processo,
agora, é bem mais característico da maneira conio trabalha o inconsciente. Uin recalque
[Verdrangungl é diferente de uma recusa [ Veriuerfilngl".
Não sei se seria forçar inuito as coisas dizer que não entendemos absoliitamente
nada nesse parágrafo. De todo modo, há uma passagem conceitual que deve ser repen-
sada ou reproduzida por completo. O que é o mais certo nessa questão? O riiais certo é
que existe, segundo Freud, alguma coisa para os sujeitosl a saber: eles teriam a convicção
da realidacle da castração, o que para Freud tem um papel inteiramente decerminante.
Ele sabe reconhecer, entre seus pacientes. os que têm e os que não têm essa convicção,
intercambiada em saber que a mulher é castrada, em saber que ela tem uni:i ferida no
lugar do meinbro viril, eiii saber que não se pode sei. unia mulher senão sendo castrada.
Trata-se de uin conjunto cle noções fixadas por Freud valendo-se dos termos: convicção
da realidade da castração.
Cadeia causal
O resultado d o conflito entre UWK e NGI. é a angústia cle çastraqão. Esra incide
sobre a atitude passiva para com o pai e seu efeito sohre essa atitude passiva é o recal-
que. Qual é, entâo, o produto final qii:into ao coinportaiiiento? Pois berii. é a fobia d o
lol~o.Kiolfphohie:
Temos aqui uiiia c;ideia causal inteii-aineiire precisa e é aqui que a angústia de cas-
tração desenvolve seu efeito. Ela o desen\,olve no recalq~ie:"(... I o tiovo conhecimento
[..I desenvolveu ~iiiiaeficácia ext~iordinariainenteforte. torn:indo-se o iiiotivo qiie age
1>:iruonservar o processo inteiro d o sonlio no rec;ilque e escliií-lo d e utn traballio cons-
ciente ulterior". É o que diz 1:reud e o que nie Faz consiclerar coino fiindanientada. nesse
emaranhado: a cadeia causal que ali está.
Freud cnfariza. ein especial, 3 força q u e s e segue ao conlicciiiienro novo da castra-
+, "111 cle dizer que, depois. nà« resta nada: ">l;is. ;issiiii, seu efeito estava esgovado:
ela não exerceu nenhuiii:~influência sobre a clecisào d o probleina sexulil'. Sublinliei o
emprego extraordinsrio da expressão: die lie??~t.scheidrr~zg des sextraleiz Proble~ns.Ents-
cheidtiizg é a tlecisiio. Ein outras palavras, Iiá todo um registro no qual esse conhecimen-
to [Ia casirafào é ativo e outro registro no qual ele n5o incide. Coiiio podemos q~ialificar
esses dois registros nos q~iiiis1:reud pensa?
Três pontos
Aqui. o pro1,lema gir;i eiii torno da quesr5o: o que f2izet' ein relação ao pai? liiii vez
d e unia posiçào passiva p2ii.a com o pai. tereinos o iiiedo d o l i a i . o ineclo d o lol>o etc.
Freud é iiiuito explícito sobre isso. E o que ele chaina de prol~leiiiad o sez.irales Zzel, o
problenia d o alvo sexual. Lembrem-se c10 final d o capítulo sobir o sonho. Freud é muito
preciso quanto a isso: é ein tertiios d e alvo que ele forinula a questão. "Seu alvo sexual
passivo deveria' agora, ter se transforiiiado eiii um alvo feminino. I...].
Esse alvo feminino
sucumbia agora ao recalque e deveria se fazer sul~stituirpelo iiiedo [Angstl d o l o b ~ " ' ~ .
Para Firud, no registro d o alvo sexual Iiá certo núiiiero d e traiisforiiiações, e tiiesmo uiii
recalque.
Eiii seguida, vein algo bastante iiiisterioso que ele chama d e problema sexual. Esvá
I~eiiiclaro que pode 1i:iver um efeito importante sobre o alvo sexual sein que isso toque
algo d o probleiiia sexual. O inesmo ponto, UWK, pode ter 11111efeito niaciço sobre o alvo
sexual - o sujeito recalcará a posiç:io passiva e toinará uma atitude fóbica - e Liin efeito
nulo sol~i-eo problenia sexual. Isso é iiiuito singular Deixeiiios de lado esse primeiro
ponto.
O segundo ponto é que há:iiiesiiio assim, quando ele evoca pela primeira vez ;i
I/É.~we7:fut1gd o novo conlieciinento da castração, uina precisão acrescentada por Freud:
"Ele rejeitou o novo" e continua, "ein nosso caso: por niotivos d e angústia ele castração".
É, d e fato, iiiuito singul:ir. Essa rejeição d o novo é atribuída a i i i i i efeito da angústia de
castraçào. Ein outras palavras: há uin dtiplo efeito da angústia d e castraçâo: uiii efeito d e
recalque no nível d o alvo sexual: e uni efeito d e foraclusão d o iiovo conheciinento. Este
é o segundo ponto a ser :motado. O clivertido nesse esquema é que liá uiiia espécie de
autossupressão da con\,icçâo da realidade da c:istração. Há essa convicçào que parece
adquirida e que s e opõe à libido genital narcísica. Ela produz a angústia de castraçào que
conduz à ocorrência d;i Verwefz~ng- não se quer inais ouvir falar disso - e, por outro
lado, ela concluz ao recalqiie. Beiii vemos a razão d e Freud não se atormentar tanto para
adiiiitir haver duas coisas que coexistem. O constante é a angústia de castraçâo. De um
lado: ela siil~riinesua própria causa. A angústia ele castraçào nasce d o efeito cle havernios
reconhecido a castração. Mas esse efeito suprime a castração. Teriios aqui uin esquenia
d e autossupressâo muito divertido.
No entanto' conio acontece d e reconheceriiios esse efeito? Nós o reconlieceinos
porque há tini efeito sobre o registro d o sexuules Ziel. Afinal, esse registro não é tão
iiiisterioso, iá que é perceptí\rel no comportamento. Percebemos que a atitucle d o Ho-
iiieiii dos Lol~ospara com o pai inucla em uiii dado moineiito. exatamente como antes
percebeiiios que; de uni iiienino bonzinho, ele se toriiou um iiienino nialvaclo. Dizenclo
d e outro riiodo: mesiiio se o re~ilcluefor colocado em questão. isso é localizá\,el n o
comportaiiiento d o sujeito. 1)igamos que é 1oc;ilizável em sua pantomima, termo que
aprendeiiios a conectar à fantasia. Ainda assiiii, essa angústia de castração é uina causa
coinplexa n o texto de 1:reucl.
Continiienios e chegueinos ao terceiro ponto. Agora, trava-se de situar n identifica-
Marca 201 1
Teoria sexual
No final da página 232, ele diz que "a atitude feminina para coiii o homem - die
zueibliche Einstellung zwr1Man17.- afastada pelo ato d o recalque se retira na sintomatolo-
gia intestinal e se exterioriza nas diarréias". A atitude feminina é afastada pelo recalque
e retorna no intestino. Há um retorno do recalcado com deslocamento. Nesse ponto do
texto vemos que há elementos para reduzir o problema trazido por Freud com a Verwer-
,fung. Mas, por que ele não se contenta? É a mesma coisa que se perguntar o que distin-
gue o registro do sexuulesZiel do registro do problema sexual. De toclo inodo, podemos
notar que há, em todo texto: o registro do que Freud chama de "teoria sexual": que 1.acan
colocará entre parênteses, registro bastante probleinático. O que são exatamente essas
teorias sexuais? I'ara Freud! trata-se visivelmente de uiii nível distinto elo nível da escollia
sexual ou do alvo sexual, ou ainda da posição sexual. Ele emprega uma bela palavra
para falar do novo conhecimento: die neue Aufklürung. Há a AuJ?zIÜrtlng d a castração,
as Luzes da castração. Há aqui urn registro que pode parecer muito intelectual, um regis-
tro de saber, ao qual se acrescenta o indício freudiano da conviccão. A uni só tempo, é o
saber com a posi@o subjetiva, um saber que tem seu traço próprio e é distinto do banzé
no nível do coinportamento, do ZieI etc. Há um registro do saber sobre o sexo n o qual é
questão de conhecimento, de convicção, de explicaçâo, de noção. 'i'etnos, aqui, todo um
conjunro de terinos freudianos. É uin registro ao qual o sujeito tem ou não acesso, o qual
ele rejeita ou admite. Esse registro aparece, de fato, em um nível diferente d o nível do
sexuales Ziel. Trata-se de um nível que ali se acrescenra, pois poderíamos muito bem ter
urna identificagáo com a mulher pura e simplesmente, no nível do retorno do recalcado.
Para Freud, teinos aqui um indício supleinentar. Há uma identificação com a mulher, mas
não apenas como retorno do recalcado. De todo inodo, í. uma identificacão que, para
Freud, não parece poder ser reduzida ao retorno elo recalcado. Temos aqui o indício do
que está em questão para o sujeito, ou seja: o saber sobre o sexo. No nívcl d o sexo; há
um problema a ser decidido. Nào psicologizemos essa decisão. O termo Entscheidung
vale também para as máquinas. para os processos lógicos. É um termo empregado para
sziber se uin elemento pertence ou não a uin conjunto.
Como forniular esse probleriia sexual? Seria apenas um "quem sou eu" no plano
sexual? Será que vai mais longe? Não se trataria apenas; como diz Freud, de "o que é
uma mulher"? Nesse sentido, vemos que a objeção essencial qiie Freud faz a si mesiiio
não incide sobre a identificação coin a mulher. Freud sabe o quanto isso é perfeitamente
coiiipatível com o retorno do recalcado. E pode-se admitir perfeitamente que um sujeiro
recalque a atitucle Feminina. Seus lapsos serão interpretáveis, por exemplo, com base em
sua identificação feminina recalcada, assim como seus passos eiii falso etc. Freud enfa-
tiza que a identificação com a mulher se faz mediante os intestinos. É o viés escolhido
~ x i i - a e s identific:içào
~a que Ilie parece escapar ao único registro d o retorno d o recalcado.
É o que ele diz e111sua objeção a pagina 231: "Coiiio é que essa coiiipreensào da rela-
ção sexual. esse reconheciinento da vagina coiiil>ina coiii rr escollia d o intestino para a
ideiitifi~iyàocoiri a niullier?" Sesse sentido. o que é a escolha d o intestino? É o traço
iiiedi;inte o qual o sujeito reconhece o "ser unia tiiullier". Se toiiiarmos a questio no nível
tlo probleiiia sexual: se ~ratluziriiioso probleiiia sesual por "o que é uina riiiilliei-?" e se
acliiiitirinos que cssc registro é constiiuído por Freiid: vereriios cpe o sujeito encontrou
coino resposta o seguinte: unia inullier é alguém que teiii dor d e I~arriga.Esse foi o t r a p
é ;llg~it?tiique tem clor de barriga e que
de identificação que ele encontrou. Unia ~ii~illier
n5o pode iilais viver nssiiii. E. por fiiii. se lwariiios eiii conta a preclilec,.ào pelo clister, é
alguém que quer que lhe iiietaiii no traseiro. H; aqui uiiia série de proposiq0es que sào
as respostas clo sujeito 3 pergunta "o que t? unia inullier!. deixanclo d e lado. coriio se
nao existisse, :i realidade da castração.
I'oderíarnos tentar cliferenciar a identificacão coiii :i iiilillier como retorno clo recal-
cado - que supõe que traços da ii~ascarod:~ feminina seiain adorados, iiias seiii pôr e m
questão a existêiici:~cla castracio - e a iden~ifi~iqão com a iiilillier que suporial dados
os traços escolhidos por ela. que a coniicçào da realidade da c:istr:icào não se tenlia
assentado; nâo se tenlia vei-ificaclo.
Aqui, nao estou a v a n ~ a n d oele resoliicào de prol>leiiia e m resoluyào d e prol~leiiia.
Pelo contrário. ki$o surgir prolhlenias: sobi-etiiclo nessa página 232. \Ter ~>robleiiias,aqui.
já é uiii progresso. pois \,eiiios exat:iiiiente onde se iiiscreve :i proposipio d e Freud se-
giindo a qual uiii recalque é diferente cle lima foraclusào. Diz Freud: "Foi naturalinente
tini:i contracliçio o kito de. a partir daí. a angústia poclei- existir ao lado da identificaçào
coin a iiiulher. por iiiteriiiédio clo intestino". Aclui. I'reiid ol>serua unia posiçào entre a
identifica(.ão coiii a iiiulher iiiediante o intestino e a angústia de castrayào. Depois ele
precisa que foi ":ipeiias uiiia conti-adic;io lógica, o que não qiier dizer grande coisa. O
conjunto clo processo. agora. é Iheni iiiais característico clo modo como o inconsciente
tr;ilxillia. Um recalclue [I/e,zlriirzgui~glé diferente cle unia recusa IVe~weifii~igl. "A distin-
ção desses dois teriiios iiie parece incidir essenciriliiiente sobre o que torn:i coinpatíveis
a existência d o recalclue motivado pela angústia de castração e :i iclentificação coiii a
iiiulher coiiio retorno d o rec;ilcndo.
O qtie [orna ess:i frase :iiiihígiia? É o fato d e nos perguntarinos seiiipre se ela é feita
paci definir o recalcliie ou se ela é feira para definir s foraclusão. S ã o cleveinos esquecer
que. no conieqo d o texto: trata-se da for:iclusio, da reieiçao d o novo, Pi-cud foriiiulou
a rciei~aod o novo e , no final: ele retoi-ri:! ao recalqiie e riifalii.:~a olhosição entre esses
dois terriios d o ponto de visra clo conliecimento. Pelo poiito d e vista d o saber s o l ~ r eo
sexo. ele diz que é um ou outro. Pelo ponto de visi:! d o recalclite. pode iiiuito beiii ser
. .
os clois juntos, pois i i i i i rec;ilq~ienão é coiiio unia for:iclusào. À rneditln cluc= 'i\,anqamos
rio texto, cheganios a uina possil~ilidaded e coexistência entre o recalque e o retorno d o
recalcado. Nesse sentido. a identificação coiii a iiiulher muda d e estatuto entre o s dois.
Há uina identificação com a inullier dependente da foraclusâo da castração. e há outra
ligada ao recalclue. Freud inostra haver Liriia contradiçâo. iiias diz que ela é apenas lógica
e que " ~ i i i irecalque é diferente de uma recusa". Isso significa que um recalque coinporta
uiii retorno elo recalcado. A inigústia de castiago pode ter efetuado o recalque da atitude
feiiiinina. mas isso nào iiiipede essa atitude d e rerornar. I'ortanto, ein iiiirilia opiniâo, a
frase d o final d o parágrafo uisa definir o recalque por oposição a urna Foraclusão. pani
a qiial se est3 d e uin lado ou d e outro. Tudo o que é ela ordem d o recalqiie e do alvo
sexual é diferente d o que concerne ao saber s o l ~ r eo sexo quel para Freucl, é um nível
fundainental.
Vocês não entenderii nacla, nem eu rampouco. Mas isso não iiiiporta. Reconheça-
inos que, para Freud. esse nível é fundamental. Evidenteiueiite sabemos clo que se trata,
iiiiia vez que 1.acan o explicou por outras vi:is. Mas, eiii Freud. há alguiiia coisa no nível
d o problema sesual. no d o saber sobre o sexo ou no d o "o que é unia mulher?", que
nada tem a ver coin o alvo sexual.
Por que inais tarde estaremos legitiinados a dizer. coiii Lacan. qiie esse níx~eld o
problema sexual é da ordeiii d o significante? Pois beni, é porque esse nível está sol, o
regime d o tiiclo ou nada, ou sob o regiine d o antigo oii d o riovo. A seguir. teremos pas-
sagens nas q~iaisFreud nos coinplicará a esse respeito. Mas a própria oposição binária
entre o antigo e o novo é indicativa d o nível significante, no qual a questão é constituída
por Freud quando s e trata d e saller sobre o sexo. Ein contrapartida, no nível d o recal-
que, não liá o antigo nem o novo. No nível elo recalque, li5 o recalcado e o retorno c10
recalcado. Não é a mesma esuutura de oposigo.
Saltaiiios da página 232 à página 236, na qual retomainos o probleiiia da castração
ein Freud. A página 236 concerne ao probleiila da castraçâo percebiclo no nível anal.
Fre~idestuda a mudança cle significação da analidade, /3edeutu~zgszuu~zd~'/'~~ passando
d o presente à criança e ao v:ilor filico da analidade, pois menciona expressamente o
abandono das fezes como o iiiodelo da castração. "O al~anclonodas fezes eiii favor (por
aiiior) d e outra pessoa se toriia, de seu lado, o inodelo da castrayào, é o priineiro caso
cle renúncia a uni pedaço d o corpo próprio". Vocês sabem que Lacan se apóia nisso e
distingue uin priineiro iiiodelo d e c a s t ~ i ç â ono desinaiiie, se admitii-mos qiie o seio é
unia parte d o corpo da criança e que o plano de separaqio deixa o seio ele seu lado.
A partir da 237. Freud retoma as coisas eiii termos d e coexistência geral, o
que poderia fazer pensar que tudo isso equivale ao mesino, quando o que ele está ten-
tando situar 6 corno são coiiipatíveis, como podem coexistir; ein utn mesiiio sujeito, uiria
recusa foracliisiva e urn inecanisiiio de recalque coin retorno d o recal~ido.O esquema
que apresentamos já resuini:~os terinos d o problema. Se reconliecenios a angústia d e
castraçio e um recalque. 6 preciso hu\.cr o reconhcciinento da castraçào. Ao mesmo
teiiipo. há oiitro circuito cliie. de alguiii modo. é aiitossupressiio e parece ser necessário
para dar conta da decis5o d o prohleina sexual no sujeito. Nas adjacênckis desse texro,
descobriiiios Lacan para dar foriiia ao que está pouco esquematizado por Freud. a saber:
a diferenya entre a escolha d o al\-o sexual e o problciiia sexual. Ko entanto. é perceptível
o fato d e isso orientar a construgão d o texto d e Freiid.
Continu:iinos neste esquema:
IMW IMW
i' i'
UWK -t N G L 4 K. Angst -t PEZV +Verdranqunq +W. Phobie 4 R.Ref F. Ziel
(3 de março de 1988).
Gostaria d e retomar. tima vez iiiais. a qiiest5o d o lugar dado por Freud 5 for:iclu-
são, já que. clrpois do cliie acabamos d e ouvir, nà« parece ser o lugar qiie lhe dá Lacan.
Por que Freiid inantéin essa posi6;io? Repartainos d o motor de toda essa pesq~iisa.O
motor í- Lima contradi~ão.Freud raciocina a partir de iinia contradirão a resolver. Todo
o cnpítiilo s o l ~ r eerotismo anal é construído em torno tlo fato cle haver iirna contradic;io
que precisa ser resolvida. Freud a resolve valend<i-sed o apeio ;io recalqiie, mas, ao ines-
ino tenipo. considera q11e essa resposta continua d e algiim modo prohlemática.
Yriineiro, ele considera estabelecida a identificsyio com a miillier por intermédio
d o inrestino e fornicila para si niesmo utna objeção: conio é que essa identifica~ãocoin
a mullier por interniédio clo intestino é compatív-el com o reconhecimento da realidacle
efetiva da castraqão? Castrarão essa qiie responde ao "o que 6 uma mulher?". por riieio
de: "é uni ser castrado". Qual é a iresposta cle Freud a cssa ohjegio? .4 resposta dada
por ele no final da página 232 destaca a cliferenqa entre o inconsciente e o consciente;
a clifercnya entre o inconsciente e a lógica. A respostx essenci:il 6 uin: eis aqui como o
inconsciente tr~ballia.O truhalho d o inconsciente se faz precisamente atrai& da contra-
di@o. Venios e111que constitui su:i resposta. É o trabalho clo inconsciente.
Retotileinos qiial é siia qiiestio forniiil:idx na p5:;iri! 231: "Cmno a coinpreeiisão
da relayào sexual, reconheciinento da vagina, comhin:~com a escolha d o intestino parii
;i ideritificacã« coiii a iiiiillier?" Trava-se, assim. d c uni problema de concord:incia - Iév-
trug. .4 espressão utilizada eiii aleinão é: sich ueoragen, ou seja: se suportar, se pôr
~ , é: o que perriianece
de acordo. E temos, aqui, a expressão uertragen sich i ~ i c b t 'isto
iiiconipatível ou inconciliável. O trabalho de Freucl é mostrar. tendo eni vista o que é o
trabalho do inconsciente, corno esses terinos aparenterilente inconciliáveis são, no en-
tanto, conciliáveis.
O que dá conta desse tipo de contradição é, entào, o recalque. O próprio conceito
de recalque é o que permite pensar como termos inconciliáveis sâo conciliáveis. Isso
justifica a introclução do conceito de recalque. Há iiina conexão absolutaniente irnpor-
tante entre contradigio e recalque. Qual é, então, o valor exato dessa frase sobre a fora-
clusão e o recalque: "Um recalq~ieé diferente de uma recusa"? O começo do parágrafo
seg~iiiiteo indica. Freud resolve a questão dizendo que se trata de dois pontos de vista
separados por i i r i i estádio do recalque. Sua solução é: assim, uma estrarificaqão. O qiie
ein dado moriiento está marcado com urna inconipatibilidade, desdobra-se coino i i i n a
estratificação.
O que introdiiz a questão inicial dessa incoiiipatihilidade? Acreditamos estar no
nível genital, no nível da castração reconhecida, nias há os sintomas intestinais que tra-
duzeiii uma identificação com a mulher e, nesse acaso: nos venios diante do estádio anal.
Eis o que introduz a questão inicial da iricornpatibiliclade. Assim, o problema forrnulado é
saber qual é o valor desse retorno ao anal. Qual é o valor desse retorno ao anal quando
acreditamos estar solidamente instalados no nível genital? Freud não se contenta em dizer
que se crata de Iiisteria sendo, portanto, perfeitamente coiiipatí\rel c0111 o estádio genital.
A passagem que comentamos está sicuada sob o registro d o retorno ao anal e a
primeira resposta de Freud é que o sujeito rejeitou K. Vocês se lembram que em nossos
pequenos esquenias, quando falainos da castração, notamos que no estádio K l o sujeito
fazia a distinçào entre Gedu??kee Glaube. Ele tinlia o pensamento referido à castração,
riias não tinlia s ~ i aconvicção. Isso pode servir para qualificar o estádio anal da crença.
Isso significa que, quando está eiii A; ele adere a reoria cloacal. O sujeito crê na cru-
ria cloacal. É a iiiesiiia palavra empregada pro Freud ao evocar a ol~sei-\:açãodo coito
parenta1 pelo sujeito, com um ano e meio de idade: O que ele poderia ter acreditado
cle diferente quando foi, com uni ano e meio, espectador dessa cena?" Ter acreditado é
geglu7~blbahelz. A crença incide sobre o intestino como sendo o que faz o hoiiieiii e a
mulher se colocarein de acordo:
Há, porriinro, duas crenças incompatíveis: a crença anal e a crença genital. Pri-
tileira posição: o sujeito rejeita unia pela outra. É a foracliisão. Mas Freud não se deréiii
aí. Ele é ohrigatlo a constatar que n i o há iiiiia no l~igarda outra, mas as duas jiintas.
Depois, sob o ponio d e vista cli.icrônico. o prol>leiiia 6. eiitão, o da sincronia. A iiielhor
prova clisso é que a angústia da castrac;ào pei-iii;itiece. Essa C a constru~ãod e 1:reutl e C.
nesse iiioniento que ele diz liaver: clefinitivaiiiente, uiira contradi~ão.Caso houvesse uiiia
foraclusão complera, não liaveria contradição. Mas há a angústia d e castracio. portanto,
coexistência, portanto contradiçáo. Depois, Freiid acrescenta não se incomodar coiii isso,
pois é assim que o inconsciente tfiiballia. Neste ponio, ele diz qiie « recalque é diferente
d e uiiia recusa.
Ein outras palavras, nesse parágrafo na página 232. Freud passa da liipórese da
foraclusão para a d o recalqiie. O recalque é suposto resolver a contradição aceitando-a. A
foraclusào é iim iiiotlo d e rejeitar a contradição: liá iiiiia crença compleraiiiente excluíela
e l i i outra que periiianece. Se continuisseiiios n:i crenya m a l apenas, nào liaveria iiiais
prol,leiiia. A foraclusão seria uina solii@o por exclus3o d e uni dos teriiios. Mas, no final
d o parágrafo, Freud constata liaver a coexistência: a soluçjo não é. portanto, a foraclu-
s30, nias o recalqiie Dizer que o recalque é diferente cle iiiiia foraclus5o é dizer coiiio
o iiiconscieiitc tral>alli:i. Ele não tr:il>:illi:i por cxclusào pura e simples, iiias por iiieio d o
recalque no qiial dois ponros de vist:i incoiiipaiíveis sào perfeiraiiiciire conciliáveis. Está
claro que Freud define o recalque coiiio sendo a solução adequada i contradiçào siriiada
por ele no coineço. Quando há inconipatíveis. o inconsciente não raciocina como nós,
excluindo iiiii dos teriiios. ele iixintéiii os dois. O recalclue é. portanto. diferente d e Liriia
Foracliisão. O recalque periiiire que aiiili«s coexistaiii.
O essencial dess:i passageiii é cima elabora$ão d o conceiro ele recalque beiii inais
d o que Lima elaboração d o conceito d e foraclusào. O que parece próprio ao inconsciente
C. o recalque. Coiii esse conjiinto d e reflexões temos: aqui, o qiie constitui propriaiiiente
a priiiieira resposta de Freud.
A segrincla resposta diz que s r deve olhar essa :in;iliclade i i i i i pouco mais d e perto.
Será que ela é tao incoiiipatível assim coiii a castração? Essa é a razàu pela qual Freucl
nos diz qiie "não conipreenderemos esses distúrbios iiitestinais antes d e extrairnios a
niud:*n~:iele significa#o das faes'. Isso significa qiie acreclitamos que uiiia iiierda é
iiiiia iiierclii e que ele nos cnsiiiari que ela C ~:iinl,éin i i i i i falo: longe ele Iiaver exclusão
eiitre esses dois iiivcis, Iiá coinpatihilidadc. porquanto o anal pode perfeitaiiiente coiii;ir
o sentido ~ e n i t a lA. série criança, presente e dinheiro pode perfeitaniçnte ter iim sentido
conipatível coiii a casrrayão. Vejam como :i arquitetura lógica é coii1p:icta eiii Freiid. A
ol~je(.ào que fez :i si iiiesiiio. ele responcle cluplaiiieiitc. \:nlendo-se priiiiciro d o iiiec;i-
iiisiiio ~ r ó f i r i o
ao incoiiscieiite qiie torn:i coiiipatívei.; os incoiiipativeis. O niecanisiiio
["nprio ao inco~iscienten i o é a foclclusio, inas o recalqiie. Em seguida. ele responde
dizendo que o anal é tainhérii o genital e que estes nào sào tão diferentes uni d o oiitro.
Esperaríanios. ent5o. que a f(>i.:icliis?ofossr eliiriiii;icla e tiiclo C leito liara qiie ela
assim o seja. Disso decorre a má surpresa n o alto da página 237. quando vemos que
Freud, longe de eliilliná-Ia: integra-a como um estádio dessa história do recalque, um
estádio mantido com toda propriedade e de maneira válida.
Gostaria de concluir fazendo-os obser\~arque liá, n o texto: uma curiosa iiludanca
acompanhando tudo isso. Ali: quando Freud se põe a falar da realidade da castraçâo:
ele não mais emprega o termo Uitrklicbkeit. Este evapora e teirios. então, de nos haver
com a Realitat da castração. Quando se trata de Urteil. jiilgamento, este incide sobre a
Realitat da castragão: Urleil ziber Realitat'" Bruscamente, entra eni jogo um novo termo:
que passa despercel~idono texto francês. Há; ali; uiii novo tipo de realidade, que não é
mais a realidade operatória da castração: que se exercia no sentido do recalqiie. Agora
não é mais IWrklicbkeit e si111Rmlitit da castração. A questào que fica eni suspenso para
o futuro é a de saber a razão dessa tnudanca.
Farei uma pequena retrospectiva sobre o capítulo VII, a fim de tentar apreender
mais unia vez como foi que a inspiração de Freud deu à luz essa arquitetura. Com efeito,
podeinos distinguir a arquitetura de uni texto e sua inspiraçào fundamental. Freud reser-
vou a questão do erotisnio anal durante toda a exposição de seu texto para acrescentá-la
nesse momento do capítulo \'II. I'rimeiro: ele apresentou três etapas de uma sucessao
cronológica clínica' a saber: a sediiçãol o sonho. a religião e a neurose obsessiva que a
acompanha. Depois. para esse capítulo VII, ele reservou a consideracào de um plano da
experiência que atravessa essas três etapas: "Tudo o que concerne ao erotismo anal foi
iiitencionalmente deixado d e lado e deve ser reunido e acrescentado aqui"". O erotisnio
anal é apreendido como atravessando os diferentes momentos. e teiiios aqui uin quarto
moinento muito específico.
A apresentação desse capítulo VI1 é absolutamente notável. Seu pivô é a questão
da identificação coiii a niâe, sobre a qual já nos entendemos. É interessante observar que
Freud não começa pela identificaçiio rotn a màe. Curiosainente: ele começa pelo dinliei-
ro: nos explicando que este está ligado as fezes. Começa por fazer crei- na idéia de que as
fezes têin unia significagão. Ele o faz recorrendo ao que está provado pelo saber analíti-
co. I'riineiro: Faz acreditar na nocão de que as fezes podem ter uma significação. Apenas
em uni segundo teilipo ele chega a uma época em que as fezes não podiam significar
dinlieiro. Ele, então, refaz iiiiia história pelo a$-esso chegaildo à identifica(.ào coiii a mãe,
onde se encontra a parte central. ou seja. :I constru~àoda contradipào no nível d o qiie
s e supos trr sido adquirido precedeiiteiiieiite a o longo dess;i história. a salier: o acesso
ao esticlio genital. Supúnhaiiios que iod:i essa Iiistória convergia para a assunção genital.
nias. devido ã identificaçio persistenre coiil a inulher ou coni a inàe por intermédio dos
intestinosl supomos. e111 seguida. que essa história tah-ez não tenlia ido até seu termo ou
que ela nào o foi d e iiianeira noriiial. Esta C a contracliyão.
I'odeinos rec«rtar ess:i p;issageiii central ela contradigio eiii cinco moiiientos. I'ri-
meiro. ternos a posiç'ào de contradição: há incompatibilidade entre a identificagão com
a mullier por intermédio d o intestino e o conhecimento da castração. Segiindo, temos
a soluyão dessa contradiçjo: houve fornclusio das Luzes da castrarão. Por isso, a icien-
iificsyà<~coiii a iiiiilher é I6gic.i. lèrceiro; teiiios a ol~jeràono sentido ciii que as Luzes
da castração, iiirsiiio assim, tivera111 efeitos d e recalqiie, pois h i angústia de castrac;:io.
Quarto. temos a afirmação da contradição: d e fato. há contradi(.ão entre a identificaqão
com a mulher e n angústia d e castrayão. Cinco. teiiios a solurão segundo a qual há: entre
os dois pontrls d e vista, i ~ n estídio
i d o recalque que os separa.
Fio é ;ibiisivo, aqui, concelier tis coisas de uiii iiioclo lógico. O prfiprio Freud ra-
ciocina eni terinos lógicos. Ele se refere à lógica para tentar definir o tralialho d o incons-
ciente. cuja lógica não tein as mesinas leis que a lógica consciente. Podeinos apresentar
isso pela iiiiplicaçào. Se há K , então li5 \'g IMV! (I;eizliz?i~gir~ig der Id~~t1tifizienri7,q
inil
dcin Weih), o i i seja. recalqiiç tla ideiirifica@o coiii a iiiulher. Consequenteinente, pode
haver ali a fohia d o lolio:
Eiii definitivo, qiial é a c«iiclusio lógico clc Freiid? De ~ i i i ilndo. li5 a c:istracào.
recalqiie ela identificaçb coiii a niullier e fobia d o lobo. De outro, Iiá a foraclusão da
casrraçio, tendo como conseqüência a riianuten(.ào da identificacão com a iiiulher. Pre-
cis:iiiiente aqui veni a fr:ise dizendo que o recalque é diferente da foraclusio. Qual é o
1:icanian:i
<>~<Ù o ii* i9 48 LOII
~,~i.llr<o
sentido preciso dessa frase? O mais impressionante é que os dois tipos d e negação ope-
ram aqui: um tipo de negação que diz recalque e um tipo de negação que diz foraclusão.
Aqui, há uma clivagem e a simples noçào de negação não basta para construir esse qua-
dro. Ein que o recalque é diferente de uma foraclusão? Primeiro, para Freud, a foraclusão
é uma negação absoluta. Ela expulsa: apaga: faz com que não seja constituído. Segundo,
o recalque significa que, a um só tempo, é negado e mantido. Como o problema de
Freud é mosrrar que essas duas etapas coexistem3ele aplica o terino recalque à negação
entre elas. Há, portanto, um duplo uso do termo recalque na arquitetura dessa página.
Há o recalque na primeira linha, mas há tainbém o recalque como valendo entre as duas
linhas. Um recalque é diferente de uma foraclusão, quer dizer que a linha onde a foraclu-
são vale não esrá foracluída. Ela é recalcada, uma vez que se mantém nesse lugar. Esse é
exatamente o sentido dessa frase. Penso termos chegado ao termo de sua descorticação.
É preciso distinguir o recalque como figurando no quadro e o recalque como a chave do
quadro. A linha da foraclusào é recalcada. Mesmo sendo negada pelo estádio seguinte.
ainda assim ela é inantida: "O conjunto do processo, agora, é bem mais característico da
maneira como o inconsciente trabalha". Freud aplica o conceito de recalque ao conjunto
do processo e é neste momento que ele pode dizer que um recalque é diferente de uma
foraclusão. Há uina relação de recalque entre os dois termos e não uma relação de fora-
clusão que: caso houvesse, a identificação com a mulher desapareceria completamente.
Está claro? É preciso que isso esteja claro. Eu me empenho para que essa página
inteira seja compreendida e para que apreendamos exatamente o sentido da frase que
foi pingada por Lacan.
IVo esquema, naquela linha há os distúrbios intestinais: ou seja, a identificação com
a mulher por intermédio dos intestinos. Freud diz exatamente isso. A velha teoria cloacal
é recalcada, mas não foracluída, ainda que ela implique utna foraclusão. A foraclusão não
é foracluída, ela é recalcada.
O que está fazendo vocês darem gargalhadas? É a idéia de que a foraclusão não é
foracluída? No entanto, esse é o ponto essencial. Etn um segundo teinpo: os distúrbios
intestinais podem encontrar uma interpretação como retorno do recalcado. Mas há iim
nível básico desses distúrbios no qual concordam com a identificação com a mulher. De
todo modo; é isso o que Freud sustenta. Por outro lado, isto não impede que possamos
interpretar esses distúrbios intestinais coiiio sendo um rrlornc do recalcadci.
Esse é, então, o primeiro ponto, incidindo sobre a distinção entre o recalque e a
foraclusão, a saber, os dois tipos de negação que esses dois termos representam: uma
que apaga tudo. outra que apaga e mantém.
O segundo ponto diz respeito àquilo sobre o qual o recalque e a foraclusão in-
cidem. Está claro que a foraclusão incide sobre a Aufklarung, Verstandni.~,Erkenntnis,
ou seja, sobre todos os termos do saber, portanto, incide sobre o significante. Ela vale
no nível d o problema sexual. Coin relaçào ao recalque, a tese de Freud é constante: "os
recalques são direcionados contra im:estiiiientos de objetos lil~iclinais".Entre recalque e
foraclusão 112, de uin lado, uiiia diferença de tnecanisilio: a negação não funciona de
modo algum da inesma foriiia nos dois casos. De outrol há uina diferença do ponto de
aplicação de cada Lima dessas duas negações. Liriia incide sobre o saber. a outra sobre os
investiiiieiitos de oljetos libiclinais. Para Freud, os recalques são recalques da libido. No
recalque evocado por Freud: nesse testo, trata-se de tr:iiisferCiiciiis Iibidiriais dispersas:
Ilerwerfunq: Siqnificante
Ilerdranqunq: Libido (qozo)
Não é abusivo clizer que o que está em jogo é o que deveiiios cliaiiiar de iiietabo-
lismo da pulsão. Também não é al>usivo substituir a libido de Freud pelo termo lacania-
no: "gozo". O gozo é uma reinscriçào da libido freudiann. com todos os arranjos clue ali
se pode ter, é claro. I'ortanto, enire recalqlie e foraclusão. h i Liiiia oposição, :i saber: a
ela diinensão do significante e a &I diiiiensão elo gozo.
Evidentemente, trata-se de saber para o que esse gozo se transfere e quais são os
objetos suportes desses in\;estimentos. Mas isso é o que dá articulafão ao ponto de vista
ele Freud: rio âiii1,ito ein que se trata de recalq~ie.veiiios os sinioiiias substituíreiii uns
aos outros. Trata-se elo Ahl6.sung~ que foi traduzido coiiio "substituição dos sintoinas"
(reL2ue de.$ sjvnplônles). Freud taml>éiii fala do recalque de atitudes: Verfrangung der
Ei~zslellu>zgen. Vemos assim diferenciar-se a noção de inudan~apossível das aritudes,
ou seja. passar da segurança à fobia, <Ia gentileza à maldade etc. Trata-se, aqui, de certo
núiiiero de transforinações ele atitiides. iiias Freucl é seinpre leuaclo :i clizer que, afinal, a
aritucle pissiva periiiaiiece até o fiiii. Isso significa dizer que Iiá, de uiii lado, uin nieta-
bolisino dessas atitudes. dos inodos de gozol mas, do outro, há um gozo profundo que
permanece inerte e não é tocado pelo conjunto do metal>olismo. Mesino quando fala de
atitiides há, para Freud, dois níveis: uin ein que isso se transfori~izi~ e outro fundainental,
no qual isso nào inudal e ~ i i i iiiodo
i de gozo periii:iilece al~soliitaiiieiireconstante através
ele rodos os seus avatares. No ponto eiii que estaiiios no texto? não iiie parece abusivo
fazer essa distinção. Não foi por acaso que Lacan se valeu desse texto como um ponto de
apoio esseiiciul. É texto em que não apenas apreiideiilos coiiio Freud coricebeu e estru-
turoii a experiência, nias laiiibéin coiiio Lacan coristrui~isuas calegorias. Neste sentido,
esse texto teiii uiii papel absol~itaiiientedestacado.
O homem dos Lobos no Seminário, livro 1
Agnès Aflalo disse-me várias vezes para ir ver o que concernia ao Hoiiiem dos
Lol~osno Seminário 1 de Lacaii, e Ihes pedirei que se reportem a duas passagens que
eiiquadrain o texto de Hippolite nesse Semi?zário.A priiiieira se situa na página 55. Ela
começa assiiii: "Aqueles que assistirani ao meu comentário do 'Honieni dos Lobos"' e
teriiiina dizendo que a VerwerJlt?zg"da realização da esperiência genital é uiii inoinento
inteirainente particular, que o próprio Freud diferencia de todos os outros"22.
Acrescento d e iiiiediato que o que permitirá a Lacan esclarecer esse texto de Freud
é fazer funcionar nesse parágrafo o texto freudiano sobre a clenegaçào. O gênio de Lacan
foi fazer :i aproximaçào desse texto coin o da denegaqâo e iiiostrar que o que veriios
surgir de iiiodo dificultoso eni Freud, é a própria inspiração do texto sobre a denegação.
Pouco importa que isso se situe alguns anos depois e se apresente de outro modo. Pelo
ponto cle vista da inspiração, é preciso aproximar esses dois textos. Eles se esclarecem
um pelo outro. Poderenios, e\,ent~ialinente,retomar o texto sobre a denegação, a fiiii de
ver que é da aplicação de ~ i i i itesto sobre o outro que surge o estabelecimento feiro por
Lacan. Isso lhe perinitirá falar desse caso em termos de Bejabung e dar o devido valor à
foraclusão, opondo-a à afirmação. É \:erdade que se trata de uiiia construçào de Lacan,
não de Freud. mas que se apóia na de Freud. É evidente que se detalharmos as constru-
ções iiunca encontraremos algo novo. Só o encontsanios ao confrontar as construções
coiii sua inspiração.
A segunda passagem se sitiia nas páginas 73/74: "\'ej:iinos o Homem dos Lol~os.
Não liouve para ele Bejubuizg, realização do plano genital". e conclui afirmando que
"Nesse iiiomento da sua infância. nada permite classificá-lo coino iim esquizofrênico,
nias se trata de uiii fenõmeno de psicose".
lèinos aqui uma indicaçào iiiuito precisa da posição cle Lacan nessa data. Ele não
se opõc absolutamente ao diagnóstico freudiano cle neurose ubsessiva. Ele não faz uiii
cli;igiióstico d e psicose, mas vê reunidas as condições para a psicose do adiilto. Eni 1946.
a posiçâo de Lacanein ."Forriiulações~sobrea causalidade psíquica" verifica essa sua re-
serva eiii estabelecer o diagnóstico de psicose: "Adeniais, essa iniragem das aparências
ein que as condições orgânicas da intoxicação, por exeiiiplo, podem desempenliar seu
papel exige o inapreensível consentimento da liberdade, como se evidencia no fato de a
loucura só se iiianifestar no homeiii depois da "idade da razão", aqui se confirniando a
intuição pascaliana de que "uina criança não é uin Iioriieiii"". Deveiiios nos servir dessa
Escolha de objeto
Tencriiios sulisti~iiir:i qiiestào da escollia de ohjeto desse capitulo VI11 iio coiijuiito
da problemática do caso.
Serge Cottet reuniu, no comeco; os traços mais marcantes da questão da escollia
de objeto para esse sujeito. a saber: priiiieiro, sua clareza. Aqui: há uina escollia da qual
o iníniino que se pode tlizer é que ela 5. uiiívoca. Não há hesita@o. nein iiiesino conflito,
r essa escollia toiiia a própria forina d;i coiiipulsão, inteiraiiiente clecidicla, o que faz falar
de desencadeamento autoinático.
Essa univocidade contrasta coni a explosão da libido desse sujeito. Antes disso.
Freud se dedicou a nos mostrar as posições tlesse sujeito qiir são extreriiamente comple-
xas. Ele t. iixisoqiiista. canil)al, Iioiiiossexual. I'reud enfatiza, então, a Iieterogeneidacle
das diferentes posições do sujeito. Enfatiza tainhéin as cliuagens. os níveis mostrando
que o Homem dos Lobos rejeita o novo, conserva o antigo e, no entanto, aceita, em certa
medida, o novo. Teriios assim arquiteturas complexas que produzem probleiiias teóricos.
ao que Freud responde por meio desse inaravilhoso conceito, o do recalque, que permite
dizer que há, simultaneaniente, supressão e aceitação.
Depois, com o capítulo VIII, retomamos de modo temático a escolha de objeto.
Ali, temos a clareza, a simplicidade, a elegância das linhas, um estilo totaliiiente dife-
rente d o estilo egípcio do inconsciente do sujeito onde tudo confina. mesmo as coisas
incompatíveis. Ao lado do estilo bricabraque, temos simplesinente uma pequena cena,
iiina escultura: uma mulher agachada tendo, ao lado. uma pequena estatueta que é a do
hoiiiem. HáI portanto, um contraste muito impressionante.
Um terceiro traço notável assinalado por Serge Cottet é a sobredeterminação dessa
escolha que, embora profiindamente determinada pela cena primitiva, retoma alguns
acontecinientos e encontros da vida do sujeito. Aliás, o capítulo é todo situado sob esse
signo, porquanto se intitula "Efeitos aposteriori". Ele é feito para mostrar coino, a partir
de uina base primeira, essa escolha se enriquece coni toda unia sucessão.
Por que isso vein nesse momento do texto? Freud nos dá uma explicação bastante
curiosa no começo do capítulo. dizendo que se tratará, agora, das coisas que permitiram
desvendar o caso. Para ele, o que está de fato em questâo aqui, coin a escolha de objeto,
é o mistério íiltimo desse caso.
De imediato, vemos em que a problemática mesma desse capítulo é a pendência
daquela que evocamos precedenteniente, quando examinamos o tema do erotismo anal
e a identifica~ãocom a mulher, o "como uma mulher" fundamental do sujeito, que Freud
justifica e tenta situar. Se afora ele traz a questão da escolha de objeto: é porque - sur-
presa! - esse sujeito, em sua existência, não age de modo alguin como uma mulher, mas
como um homem. Poderíamos chamar esse tema de: "o conflito das identificações".
Tivemos uma identificação com a mulher baseada em uma identificação com a
mãe da cena primitiva. Inicialmente, foi nisso que o paciente acreditou. ali se fixou sua
crença fundamental. Ein seguida, temos a escolha de objeto coino opai. Com base na
cena primitiva, Freiid mostrou primeiro em que o sujeito se balizou em sua mãe, a pon-
to de seu modo de gozo ser passivo e homossexual. Depois, ele mostrou haver, pelo
contrário, um registro niiiito diferente no qual o modo de gozo do sujeito aparece como
estritamente oposto, a saber, viril; muito decidido, coinpulsivo etc. Esta é a contradição
que ali está presente. No firial da primeira parte de seu relatório de Roma. Lacan enfatiza
a oposigo desses dois registros, o da honiossexualidade e o da coinpulsão.
Não há compulsão hoinossexual no Homem dos Lobos. A questâo é sal~ero que
significa, para ele, "ser uni homem". O que isso quer dizer eni relação à Veme?firizg da
A~tfklarui~g da castração? É um aspecto quel como vimos, foi trazido por Freud para
justificar a identificaçâo com a mulher Então, nesse âmbito, o que quer dizer ser um
hoiiiein? Qual é a resposta do sujeito? Será que a resposta constituiu-se primeiro no cani-
po da foraclusào da castração? Quando Lacan fala de isolamento simbólico clo "eu não
sou castrado'' no qual está cravada a coiiipulsão amorosa d o Homeiii dos Lobos: ele cliz
que a questão "o que é ser Liin lioiiieiii?" deve seiiipre ser consiclerada no siiiibólico, no
cainpo cla clecisâo sexu:il. Tr:ira-se, aqui, d e uin "eii nâo sou casti-aclo" cla foraclusâo da
castração? Poderia ser ~ i i i i"eu não soii castrado" cle recoi~lieciinentoda castração. Mas.
para Lacan, esse ';eu não sou castrado" diz respeito à Foraclusão da castração. Não estou
regrando a questiio. Segundo Freud, vide página 205, para o IHoiiiem dos Lol~os,já estava
eiii jogo a criasão cle sua virilidade.
A questão agora é saber coiiio se articiil:iiii a iclentificeçâo coiii a inãe e a identifi-
cação coni o pai. a identificação com a inulher e a identificagào com o hoii~ein.Tinlia-
iiios a seguinte série cronológica: sedu@o, sonho, religião, o próprio soiiho reinetendo a
cena originária. O coinpleniento trazido pelo capítlilo \'I11 é o d:r cena coni Grouclia: o
que permite a IZreiidrefazer unia série transversal ou trans-histórica coiiio a clo erotisiiio
arial. liido isso teiii seu ponio d e partida na cena originária, é seativado aposteriori na
cena coiii Groucha, a cena da seduqio implica a irmã nessa qiiestão. O sonlio reativa a
cena originária e a iieurose obsessiva conteiiiporânea da religião confirma o eleniento
d e del~reciaçãoali presente. l'odeinos falar cle sol~recletei-~niiiação~ já que veiiios: 3 partir
d e i i i i i iiioinento tle fixaçào único, os diferentes iiioiiienios da história s e acrescent;ireiii
e s e encaixareili na inesnu d i r e ~ â o :
Eu poderia siiiiplesiiiente dar unia ciração d e Freiicl eiii "Inibicio, sintoiiia e nngús-
tia:', depois da releiturli que fiz para lioje. Toinarei esta frase a uin só tempo coiiio uiiia
concl~isãoprovisória d e nosso estudo d o caso d o Horiieiil dos Lol~ose como epígrafe d o
corijunto deste Semiizário que prossegue. Poderíamos, a cada ano, encontrar uma frase
d e Freud e d e Lacan que seja eiiihlem'ítica. É o clue esta ine parece. El:i foi estraícla clo
çapítulo VI11 d e .'lnil>i@o, sintoinzi e angústia", r eu n trago parli vocês: '.É quase vergo-
nhoso depois de uni tão longo trabalho encontrariiios sempre dificuldades e m conceber
os dados inais fundamentais'". A esse afeto d e quase vergonlia se junta a própria digni-
dade d o trabalho que podeinos fazer, que í. precisaiiiente o cle nos reiiieteriiios aos tla-
dos iiiais funclamentais da euperiêncizi e da teuri:i aiialíticas. Ao niesiiio tenipo, isso faz
nos dariiios conta ele que não clieguiiios a concebê-los. Evidentemente, podeinos dizer
que justo por não cliegar a concebê-los, nos servimos dos mateiiras. Estes, corn efeito,
não precisainos conceber. temos apenas d e fazê-los girar. Mas, corno vocês sabem, os
inateiiias que utilizamos sâo taiiibém "qu;ise-iiiatemas" e recluereiii sempre l i i i i esforyo
d e concepç3o.
Essa frase d e Freud é apropriada, ein especial para a questão da castração. Coiii
efeito, a castração é um dado fundamental da experiência e da teoria d e Freud e é tain-
bém, por excelêncial o difícil d e conceber. Da mesina forma. essa epígrafe valerá, estou
convencido, para o que se segue.
Contradição
Aclio que Freud foi uiii tanto rápido ali onde se trata d o recalqur e da regressão.
A propósito da histósia da doença d o Horriem dos Loljos, ele escreve: 'a partir d o sonho
decisivo, ele se comporta d e maneira "malvada": atorinentada, sádica, logo desenvolven-
d o 11131a autêntica neurose obsessi~a"~? Essa nào é a leiiibrança que tenho d o caso. Vocês
s e leiiibrain da diferen~aintroduzida entre K 1 e K2: entre a castraGio ligacla ao episódio
da seduyio e a castra@o ligacla ao sonlio. Vocês s e Ieinbrani rarnhí.in d o esqueiiia de
regressão q u e eu propunha. Pois bem, contrarianirnte a o que diz Freud, não é a partir
d o sonho que o Homem dos Lobos s e torna inalvado e sádico. mas a partir da sedu-
cão. Nào ouso dizer que teiii«s aqiii um erro de Freud, mas. s e nos referirmos à página
18i1leremos: "Ele conta que depois da recusJ e da aiiiraca de Nania. renuncia iiiuito
rapidainente ao onanisino, .4 vida sexual que coiiiecava soh a direçào da zona genital
sucumbira. então, a unia inibiyâo exterior e fora reiiietida, por sua iiifluência. a uma fase
anterior da organização pré-genital. Em seguida I: repressào d o onanisrno, a vida sexual
do menino tomou um caráter sádico anal". É regressão sádico-anal fazendo com que o
sujeito se tornasse "irritável, cruel, e assini se contentasse com os aniiiiais e os hoiiiens".
IJortanto; náo é exato dizer, coiiio o faz Freud na página 24 de "Inibição, sintoma e an-
gústia", que foi a partir do sonlio que o Homem dos Lobos passou a se coinportar de
inaneiia malvada e sádica. Não foi a partir do sonho que isso lhe aconteceu. iiias a partir
do episódio anterior da sedução. Isso tainhém está confirinado no resunio do caso feito
por Freud na página 256: "A sedução continua sua influência [...I. Ela agora transforina
o sadistiio ein sua contrapartida passiva, o masoquisino". A probleinática do coinporta-
inento sádico-anal t. constantemente referida à sedução e à ameaça de castragâo ligada
a esta. Com o sonho, é diferente. O que está ligado ao sonlio propriaiiiente dilo? É a
aparição da fobia com o teinor da devoração, referido por Freiicl ao estádio oral, o que
lhe parece ser uma regressão iiiais profuiida. .4 medida que progrediinos na história d o
sujeito, regredimos a um estádio da organização libidinal anterior.
Por ora, não tirarei maiores conseqüências de niinha observação? mas essa frase da
página 24 é uin resunio bastante torto. O texto foi redigido em 1914, já "lnibiçio, sintoma
e angústia" foi redigido em 1924. E Fre~id,dez anos depois, talvez não tivesse todas as
balizas d o caso bein claras em sua cabeça. No entanto, é preciso supor que talvez não se
trate de um acaso. Há, por certo, unm organização que daria conta dessa frase singular
e bizarra.
Qual é a relação que se pode estabelecer, digamos globalmente, entre o texto
sobre o Hoiiiem dos Lobos e "Inibição, sintoma e angústia"? Vibrei com o fato de Ag-
nès Aflalo propor uma relagào entre esses dois textos. Com efeito, "Inibição, sintoma e
angústia'' me parece ser, em sua tese fundamental, uiiia conseqüência c10 texto sol~reo
Homem dos Lobos. Não posso abusar dessa direção, pois seria preciso examinar o texto
ein detalhes. Sobre esse ponto, não os aconselharia muito a se remeterem ao volunle da
S t a n d a d Edition. Strachey faz um excelente resumo das diferentes posições de Freud
sobre a angústia e enfatiza, de moclo muito insistente, como o próprio Freud, o fato de
"InibiGo, sintoma e angústia" sinalizar uma mudança na teoria da angústia. O que "Ini-
bição, sintotiia e angústia" põe em priineiro plano? A castração. O texto coiiiega a situar
a castr:ição no priiiieiro plano da própria metapsicologia. Sobre esse ponto. o texto d o
Hoinem dos Lobos traz um elemento absolutamente capit;il. Lemhreni-se de todos os
esquemas que pudeinos fazer no quadro e que situavani a aiigústia de castração, de
riiodo iiiuito claro, antes do secalque. Esse é o ponto clecisivo da construção inetapsico-
lógica do caso. O que uein, aqui. eiii primeiro plano, e que escrevemos no quadro de
diferentes maneiras? Formulamos a castração supondo que ela pudesse ser crível para
o sujeito, oii seja, que ele tiv-esse convicção da existência da Wirklichkeit da castração.
Depois afirniatnos que isso entrava em conflito com o narcisismo clas partes genitais isto
é, o narcisisiiio fálico. Por fim, e por conseguinte, disseinos liaver angústia cle castração
A angústia e o recalque
Precisaríainos encontrar exatainente oncle passa o corre. Certo é que ela acontece
durante esses anos. De todo iiiodo: coin o texto sobre o Floiiiein dos Lobos i;í esraiilos
na inesiiia verterite de "Inibicão, sintoma e angústia". Esse voluiiie foi feito, de faro, para
dar conta da teoria elaboracla no cerne do caso do Hoineni dos Lobos, a sal~er:a iingús-
tia de castração coino inolor do recalque. Nio li5 :iiiibigiiidaclr quanto a esse ponio no
texto sobre o Hotiieiii clos Lol~os.Toineiiios, por exemplo, a página 196: Freud fala de
"trensforrnagio de afetos". É exatamente esse iiiesino teriiio - probleiiiático eiii relagão
ao recalque - que ele emprega eiii "Iiiihigão. sintoiii:i e ;iiigústia". A esse respeito: Iiá
iiiiia seg~indareferência na página 257: "0niotor desse r e ~ i l q u eparece ser :i virilidade
narcísica das partes genit:iis que entra eiii conflito [...I coiii a piissiviclade d o alvo horiios-
sexu:il. O recalque é. porunto, tim sucesso d;i virilidade". Mais precisainente iiinda, na
página 260, teiiios: "Pode-se dizer que a aiigíistia qiie entra na foriiia(.ão clessas fobias
é a angústia da castração'. I'odeiiios taiiibéiii reioiiiar a faiiiosa página 232. na qual, a
respeito da Az!fklann~zgcla castra@o, diz Freud: "o novo conlieciiiiento Liiãol ficou seiii
efeito: ni~iiropelo coiitr5rio. ele tlesenv«l\~euuiii:i efi~íciaextr;iorclinariaiiie~ite forte.
[ornando-se o iiiotivo que age a fim cle conserv:ir o processo inteiro do sonho no recal-
que e de excluí-lo de i i i i i tral>allio consciente ulterior". Muir;is outras vezes, a iiiesina Lese
se afiriiia. O que está no coração clo texto sollre o Hoiiiein d«s I.ol)os é o prohleina da
castracão e cki angústia de castração.
"Inil~ição,sintoiiia e angústia" está todo na linlia desse texto e: certaiiiente, eni rup-
tura: ta1 C O I ~ Oo própi-io Freud o assiiiala, coiii as teses anteriores sol~rea angústia; que
kiziairi dela uina consequencia d o recalqiie. A coneuão entre esses clois textos é muito
forre e vai aléin clas ol>ser\~ac;òes clue Freud pode Irizer explicitamente sol~reseu texto de
1914. "Inibi$io, sintoina e angústia" é. na vercl:ide. :i teoria metapsicológica destinada a
clar conta d o que se ohreve d o caso cio Hoiiieiii dos 1.obos. uiiia vez que ele nào se en-
quadra inteiraniente com as análises ;interiores de Freucl; eiii uiii ponto decisivo, a saller:
a :ingúsria de casri-aqào. O que é a angústia de castrac,.ào?É o operador que esial>elece
uin3 coiii~inicacãoentre a teoria etlipians e a teoria inetapsicológica de Fre~id.É a chave
de toda a teoria la~iiiiaiiado gozo. 6, eiii teriiios precisos. a Iioiiio1ogi:i entre a teoriii
etlipi:ina e a teoria nietapsicológica. Seu piv6 é a aiigústi:~de castração. Etii "lnibicào,
sintoiiizi e aiigústia" obser\~eiiios,priineiro, que a iiiil~içãonào está no priiiieiro plano da
questão. Ela é um ponto de partida. Foi preciso Lacan para, de fato: estruturar os três ter-
mos em série. A inil>içãoestá. sobretudo, no ponto de pai-tida para que a ciiferencieiiios
do sintoma. A inibição é uiiia liinitacào das funções d o eu (moi), ao passo que o sintoiiia
nâo acontece no eu. Para compreender o que é o sintoiiia, é preciso sair do eu (nzoi)
e encaminli:ir-se para outra coisa. Isso está n o primeiro capítulo. Ele termina dizendo,
quaiito ao siiltoma, que se trata de alguma coisa que não acontece no eu. Acrescento
ser preciso, de saída. coiiipreencler que, aqui, Freud visa a libido e a pulsào. A inibiçào
está no nível do eu e, para apreender o que é uiii sintoma, Iiá que sair do eu e ir rutilo
à libido e à pulsão.
O esseiicial c10 que Freud estabelece. eiii seguida, é a forinação dos sintoiiias. Ele
exaniina o processo do recalque e o papel deseiiipenhado pela angíisria "eiii torno"
do recalq~ie.Ele tenta precisamente saber onde se localiza esse "ern torno". Ele tentará
escl:irecê-lo especialmente no que concet-ne ao sintonia fóhico. Vemos, desde o começo
- está no capítulo I1 -' coiiio se forinula a q~iestãodo sintoma. É: essencialiiiente? por
meio de uiiia relação entre o eu e o isso! em qiie o supereu é evocado de iiiodo breve.
Do isso provém Iiiiia tnoçào pulsional e: do eu, provém uiii rec:ilclue, o qiie significa que
o eu não se encarrega dessa iiioç5o pulsional. O eu recusa-se a cooperar.
A questão é slil>er- poderíainos reconstituir isso passo a passo - o que se torna a
pulsão depois do recalq~ie,levando em conta que urna pulsão visa uina satisPação; ou.
coiiio dizeiiios, ~ i i i gozo.
i O resultado é o qiie Freud fala ein teriiios de transforiiiação de
afetos, nào está situado apenas no nível cla aparência fenoiiienal, ou seja: do Lust trans-
foriiindo eiii U?zlrrsf.Nesse sentidol o que conota a entrada ein jogo do eu recalcinte e o
que será o sintoma como sofrimento é, antes mesiiio de falar de sinal de angústia, o UIZ-
hrst. O U~tlusrcomo sinal. O eu ( ~ n o iopera,
) aqui, em referência ao princípio c10 prazer.
Freud se foriii~ilaa questão precisa cle saber de onde veni a energia para o eu
procluzir o U~zlust.A resposta está baseada na tese de seu escrito sobre o recalqiie que
distingue o representante piilsion;il, isto é, o significante, e o quanturn cle afeto, ou seja:
o objeto a. I)e fato?é assiiii que isso se decifra. Aqui, Freud refin:! iiiuito a teoria que nós
mesriios encontraiiios no final do texto sobre o Homem cios Lobos: onde é dito que o
recalque incide sobi-e a pulsão. Ali, Freucl é muito mais preciso: veinos eiii que o recal-
que iiicide sobre os significantes da pulsão. ":l'ara recalcar um representante pulsion~il.
o eu rctira seli investimento": diz ele. Essas coisas se ti-acluzeiii eventualinente~para nós.
pelos deslocainentos de -v. Qiiaiido Lacaii faz i>-v passar de um teriiio ao oiitro. isso
tracluz o que sâo? eiii Freud. esses deslocainentos do investiinento. "l'ara reczilcar uiii
representante pulsionull o eu retira seu investiiiiento e o utiliza para libei-ar o desprazer",
desprazer este que é a própria aiigústi;~.A angús~iaé o ponto de U~zlrist.As questões
forinuladas por Freucl aqui sao, por certo, utilizáveis de iiianeira praginática, iiilis: eiii
sua essência são: sobretiiclo, q~iestõesmetapsicológicas. Essas questões estão referidas ao
Fiincionamento elo princípio de prazer e d o princípio de realidade, ainda que este últiino
não seja evocado ali. Tais questòes clevein ser apreendidas sobre o fundo da metáfora
d o princípio de pi-azer pelo princípio de realid;ide, ou seja, a suhstituiçào do priiiieiro
pelo segurido.
A coisa se complica pela obser\~a@oque Freud é levado a fazer no passo seguinte.
O eu é cliferenciado do isso, eiiibora, de fato; ele lhe seja idêntico. O que ele expõe no
capítulo 111 reage retroativamente sobre a teori;i d o Unlirst coiiio sinal. A angústia é sinal
de desprazer, raz2o pela qual Lacan poclerá dizer - a partir elo moiiiento em que ele
faz d o Lust/IJnlzist o objeto a - que a angústia não é sem ol~jeto.Trata-se, assiiii, de iim
conceito inuito iiiais refinado elo objeto.
Sein dúvida alguiii:~,é eni "Inibiyão, sintoiiia e angústia" que encontrziiiios funda-
mentada a teoria do sintoiiia coiiio gozo: "O sintoma é o sul~stitutoe o rebento da nioç5o
pulsional recalcada. Ele renova iiicessanteiiiente siia esigência de satisfação". Qiial é,
então' o destino da pulsão quando ela foi recalcacla? Pensaiiios o retorrio d o recalcado
ein terinos de siynificante, mas também é verdiide cliie a exigência ele satisfação interna
à p~ilsãoprossegue no sintoma. Há; aqui, o aspecto que foi negligenciado por Pacan eiil
suzi primeiríssima elaboraqão: a saber, que o recalque e o retorno do recalcaclo deuem
ser lidos duplatiiente: de ~ i i i ilado, na vertente d o significante - é uma mensagem que se
articula -, d o outro, na vertente do gozo. O recalque é correlativo de uin processo que
concerne à pulsào, ou seja, a esigência ele satisfação, isto é, o gozo. Esse gozo habita o
sintoma sob a forina de Utzlust.
É nesse contexto que Freud começa a exaiiiinar a formziçào dos sintomas fóhicos,
a conieçar pelo do pequeno Hans. Temos a angústia, que pertiiite ao eu proceder ao
recalque - devemos distingiiir. aqui, a angústia coiiio causa - e a zingústia como sinto-
11x1.Neste ponto, o circuito se fecha: já que a angústia em relaçâo ao cavalo, na fobia, é
um sintoiria. Não devemos rebater iniecliatamente a teoria iiietapsicológica da angústia
sol~resua valência fenoiiiênica: pois isso anularizi toda ;i construção de Lacan sobre a
angústia e o gozo. Esse gozo não 12 qualquer coisa que se obser\:ará. Ijiiia vez que 1iá
uma coiiexào eritre a angústia e o gozo, nào deveiiios fazer da angústia, cle iiiiediato,
uin paracligina. Nos teriiios de Freud, 21sangústias têin o eslatuto de siiitoma. A angústia
relativa ao cavalo está situada no nível clo sinroiixi. Est;iiiios falando &i angústia como
sinal de Unlirst que é, vale dizer. ~ i i i iprocesso ainplainente inconsciente. O Unlrrst está
ali articulado à exigência de satisfaflo d o sujeito. Nessa niedida é que se pode dizer que
a angústia não é sem objeto.
O esqueiiia de Freud é muito simples. Ele ilustra a metáfora do sintoma, a saber,
o cavalo no lugar do pai. Se alguma coisa justifica dizer que o sintoma é iiiiia metáfora,
é heiii essa construção de Freud. O fulgor de "A instância da letra...":ou seja, que o sin-
toiiia é uma ii~etáfora~traduz exataiiiente as considerações do capítiilo IV de "Inibição.
sintoiiia e angústia". Segundo Freud, essa substituição hasta para fazer uiiu neurose:
"Uin só e único traço faz uma neurose: a sul,stituição do pai pelo cavalo". Freud define a
neurose pela iiietáfora do sintoina. Está claro que, nos textos de Freud, opera - e é o que
permite fazer a ligação entre a teoria do Édipo e a teoria metapsicológica - o iiiecanismo
cla sul>stituiçãoou da metáfora que, de todo modo, é a via central, a estrada que Lacan
fez perceber e que é também a própria ariii;idura de sua teoria do gozo.
Cavalo
Pai
Ao lado dessa substituição do pai pelo cavalo, há outra: muito siiigular De uiil lado,
há a hostilidacle para com o pai, que se torna a angústia relativa ao cavalo. Freud nos diz
que coinpreenderíanios melhor se isso se transformasse em hostilidade para com o cavalo
em vez de angústia. Há todo um desenvolvimento sobre esse ponto, pois não é o que po-
deríanios esperar. Freud diz claramente que o único traço da neurose é a sul~stituiçãodo
pai pelo cavalo, mas ele se corrige na página seguinte. Se tivesse havido apenas a passa-
gem da hostilidade em relação ao pai para a hostilidade relativa ao cavalo: não teria Iiavido
neurose propriamente falando: "Se ele tivesse realmente desenvolvido coino sintoma prin-
cipal uina tal hostilidade para com o cavalo etn vez de para com o pai, não poderíamos de
modo algum considerar que ele teria sido acoinetido por uma neurose". O ponto crucial,
coin base na metáfora significante ou na mudança de objeto, é que há angústia no lugar
da hostilidade. Freud explica então o sintoiiia da angústia. dizendo que não havia apenas
hostilidade para com o pai. mas taiiihéiii ternura para com ele, ternura feminina para coiii
o pai. É clesse modo que Freud define o recalque propriamente dito. No começo, há iiina
oposição. Ele o diz com todas as letras: "Ali onde buscamos o traço de uin só recalque
de pulsào, devernos reconhecer o encontro cle dois processos desse gênero". Temos, aqui,
retotiiada no nível da pulsão, a teinática iiiesiiia cla sobredeterminação:
Angústia
Hostilidade
Ternura
Exatamente nesse ponto surge a diferenga observada por -4gnès Aflalo e que, de
fato, está no texto: no pequeno Hans, "a forina~ãoda fobia havia suprimido o investi-
inento objeta1 terno para com sua iiiâe, o que eni nada traía o conteúdo da fobia". Há:
portanto, um processo de recalqiie incidindo iilais ou menos eiii todos os coiiiponentes
d o coiiiplexo de Édipo. Esse processo concerne ao pai e à sua substitiiiçâo. Em contra-
partida, iião se ouve iiiais falar da iiiãe. liieiii: aqui encontramos a diferença evidente em
relação ao Hoinem dos Lobos. A fobia deste. que até certo ponto pode ser comparada
à de Hans, distingue-se dela jusrariiente no que coiicerne à iiiãe. E o ponto retoinaclo
por Freucl no capítiilo V I 1 No pequeno Hans, a ternura pela iiiãe desaparece depois cla
fobia, nias não no Homem dos Lobos: "veiiios que, depois da formação da fobia, a liga-
ção terna para coiii ii itiãe parece ter desaparecido, ter sido radicalmente liquidada pelo
recalque. e é em relafão coiii a moção agressiva que a foriiiiição (su11stitutiv:ù elo sintoiiia
se efetuou. No caso d o Homem dos Lobos, a situa~ãoé iiiais siiiiples: a moção recalcada
é, coiii efeito, iiina nioção verdadeiratiiente erótica - a atitude feiiiinina para com o pai
-, é eni relacão a ela que ii foriiiação do sintoma se eferua" 'Y.
Qual é a teoria d o sinal de aiigústia desenvolvida no capítulo V11? Eni primeiro
lugar, produz-se um processo de in\restiiiiento lil,idiiial no isso. Eiii segundo, o eu reco-
nliece ali o perigo da castração. Em terceiro, ele dá o sinal de angústia. Eni quarto lug:ir,
ele elirão inibe a pulsãol graqas ao princípio de prazer/desprazer. Depois disso, Freud
nos mostra q u i s são as vantagens da angústia fóbica, ou seja, aquela que assinala ao
sujeito que ele não deve se aproxiiiiar de uiii oljeto. Não é de iiiodo algiini a mesiiia
coisa que a angústia de castraçào na vertente iiietapsicológic;i. Qual é: para o sujeito. o
Ibenefício na passagem ela angústia de castração a angústia coiiio sinal? Freud diz inuito
cldraniente: é que a angústia fóbica é fiicultatiua, ou seja, ein relação i angústia metapsi-
cológica, ela tein a \Tantageiii de se procluzir apenas quiindo há o ol~jeto.As condutas de
evitação d o objeto evitam. portanto, o surgiinento da aiigústia. Esta só aparece quando
seu ol~jetoé percebido. Está claro que isto se distingue de uni ol~jctoque não podeiiios
cleixar de perceber continuamente. A sitiiação da angústia fóbica é o análogo degratlaclo
e pacificado da sitiiaç2o na qual se trata d e uiii objeto que esrá sempre no iiiesnio lugar.
Quando Lacan diz que a angústia não é seiii objeto, podeinos vê-lo coiii clareza quando
se trata da fobia. A angústia fóbica não é sem objeto. I'or isso, ela evita esse ol~jeto.Mas
isso apenas reiiiete ao objeto coiiio objeto a, que não está de iiiodo algum no ânil~ito
feiioiiiênico. Suas coordenadas prof~indasnão estão no fenônieno. Trata-se de um objeto
que nao podeinos deixar de eviiar e que coiidiciona todos os processos inconscientes.
O sinal de angústia, na realidade aquele do qual o sujeito testeiniinlia, já 6 ; cle algum
iiiodo, a iiietáfora d o sinal de angústia fundamental, d o sinal de U??lrdslque é objeto de
Liin2i reconstruc;âo e não de tiiiia percepção.
f? evidente que estou longe de haver alinhado todas as questões desse texto. Tive
de passar sobre muitas coisas. É pi-eciso ver qiie tudo isso se opõe à teoria anterior d e
Freud. na qual o recalque operava uiiia cisào entre o eleiiieiito significante e o eleiiiciito
O ~ CL;uc;ini:in;i
~ O ri" j9 62 M a r ~ o2011
gozo, entre o representante da piilsào e o quantum de afeto suscetível de se traiisforinar
etn angústia. Mas o caso do Honieiii dos Lobos mostra que o sujeito já está condicionado
pela angústia de castração e por urna referência ao prol~leniada castração. É preciso ver
coiii clareza a razão disso nos interessar. Como Lacan tratará o nível no qual a angústia
cle castração é o motor do recalque? Ele o tratará em seu justo lugar, isto é! a partir d o
probleiiia da castração. E o que ele situará como functor para descrever isso? Pois beiii:
ele introcluzirá o -v, isto é, ele tratará eiii termos de significantes a própria angústia de
castração. E lhe dará uma tra<luçào significante por ter percebido que o probleiiia da
castração, ein Freud, só pocle ser forrnuhdo eiii termos significantrs. Ein seguida, pode-
rá dar conta d : ~transformação do afeto eiii angústia, eiii relaçào com o lugar de -v. Por
exeinplo, na fobia, o -cp G siiscetível de atingir os objetos de intercliçào: não podemos
nos aproximar desses objetos.
Eiiibora tenhaiiios apenas abordaclo a questão, nos deterenios aqui, no caso do
Homeiii dos Lobos e na psicose. Será preciso retomar "Inibição, sintoma e angústia".
Natas
(73). Paris: ECF: 2009.
N.T.: artigo originalinente puhlicido em Lo Cr<rd.vFlrrtdie?r,>e,
1 I'or oc:isiio de seii Seniinjrio de DEA. de 198i~1988,sobre a clínica diferencial das psicoses. Millçr dedicou iiiiiikis
li@es ao Ilomem dos Lolns. Encontr:iremos aqui o essencial dç suxs inrervençfies. prr>ferid;isdurai~ieas li~õcsde 18 de
fevcreiio de 1988 a 24 de inlrco de 1988; que constitiiciii a segunda prrtc desse conjunto Ci lirimrira parte foi publicarli
eni l a C n t r . Fviidieti>8e.
~ na i?). hfiiiras passagens ti\,cram de ser supriliiidas. principalmcntc as dirciissõrs o m a :i"-
diencia. A tradu(ào d o icxio de Freiid 'Histdria de unia neurose infantil' (1914. S. E., rol S\'II) é a de luc \X'eibel relida
por Cornelius Hcini e Jean-llerfrand I'onraiis; publicada em L'lfonzrnenlt.i. lor~/~sparsmp.~~chan~ljlsI~s &por irri-!nênzr,
s/dii.. hluriel Gardiner. Faris: Gallii~i:ird,Cal. Connaissance de I'inconscienr. 1981. Transciiplion: Jacqiirs Pér;ildi. Tento
esrabelecido par Nnrhalir Georges e I'hilippe Rçllrhois. com a «>ntrii>ui~i: o de Pasrale Fari c Caraline I'authe-l.cduc. N:io
relido pclo auior
2 IFrcud, S. 119141 'Ilistórki de uma neurose inkiiiiil': em l.'Ho~o>nr?s
arlx l o i r p . ~ p i < r s r s p . ~ ~ ~ c h a ~ ~ n ~ ~ ~ . ~ I r s eop.
r ~ >cii.
-lrii~t~iènre
p.244-24j.
3 Ibid. p.219.
4 Ibid.. p.226.
j Il>id;p.228.
6 Ihiil.. 11 229.
i Ibid.. p.230-231
8 Ibid, p.231.
9 Ibid., p.222.
10 Ihid. p.221.
11 Ibid.. p.231.
I2 Ibid. p.231.
(3):30. Ariigo dispo-
I3 C[, i\lillçr !h\. (oiiruhro. 1941. "h1:iiginilid de 'Cunstruclions dans 1'an:tlyse". Cobiers~leI~IBCF-1'I.B.
ní\zcl no sitç <ii ECF (ciiiscireudiennençt).
I4 Preiid. S.. 'Hisi6ri;i de um:, nçurasc infantil". op. cjl, p.236-237
1j 1;ican. J. (1998). "Fun(ào r clnipo da fala e d;i lingiiagem em psic;inálisç-. In Ex<rirui.Rio de j;ineiia: J. Lahar cd.. p.265.
16 Frrud. S. 119141. "História de iiiiia neurose inianiil'. op. cil.. p.231.
l i Il~id..p.205.
18 Ci. I'rcud. S. . G.ll7 iiol S.,p l l ? .
19 ld.. ibid.. p.110.
20 Id. ibid., l>.lli.
21 Fmud, S. 119141. "Hisi6ria de uma neurose inbniil". op. cil.. p.226.
22 L l c ~ n1.
. (1979 11953-jll) OSenzi>iário.liwo I: os r!.rcriia~iéciiicosiieFreud. Rir> de1:ineiro: Jorgr Zaliar. 11.56.
23 lanin.J . (1998). 'Foniiiila@es sol>rra crus:ilidadr ~psi<luica".
Opcil.. 11.188.
24 Freud. S. 119141. "liisi6ria rie unia neurose infantil-. olLcii. p.243
25 Ihid.. p.249.
26 lhid.. p.264.
27 Frrod. S. (1951/1978!. .Inhibiiiorr: ~vniplô~ireei I':$iis: PUF (nora iraduq2o). 11-48.
<r»r,qoise.~
28 Ibid.. p.24.
29 Ihid.. 1i.47.