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Paulo Esticane Basse

Eufrásia Pascoal Melo

Josefina Ambrósio Banteco

RESUMO DO 5º GRUPO

HAS JONAS

O PRINCIPIO DA RESPONSABILIDADE

ENSAIO DE UMA ÉTICA PARA A CIVILIZAÇÃO TECNOLÓGICA

(Licenciatura em Contabilidade com Habilitações em Auditoria)

Universidade Rovuma

Lichinga

2020
Paulo Esticane Basse

Eufrásia Pascoal Melo

Josefina Ambrósio Banteco

RESUMO DO 5º GRUPO

HAS JONAS

O PRINCIPIO DA RESPONSABILIDADE

ENSAIO DE UMA ÉTICA PARA A CIVILIZAÇÃO TECNOLÓGICA

(Licenciatura em Contabilidade com Habilitações em Auditoria)

Resumo da Cadeira de Ética e Deontologia


Profissional, a ser entregue no Departamento de
Ciências Económicas e Empresas, leccionado
pelo docente: Antoninho Alfredo

Universidade Rovuma
Lichinga
2020
Índice
HANS JONAS...............................................................................................................3
Capítulo I:......................................................................................................................4
1. A natureza modificada do agir humano.....................................................................4
1.1. Princípios de injunções...........................................................................................4
1.2. O exemplo da antiguidade......................................................................................4
1.3. Homem e natureza..................................................................................................5
2. A obra humana da Cidade..........................................................................................5
Capitulo II......................................................................................................................5
Características da ética até o momento presente...........................................................5
Capitulo III.....................................................................................................................6
Novas dimensões da responsabilidade...........................................................................6
Capitulo IV....................................................................................................................7
Tecnológica como "Vocação" da Humanidade.............................................................7
A natureza modificada do agir humano.........................................................................8
V. Velhos e novos imperativos......................................................................................8
VI. Antigas formas da "Ética do Futuro".......................................................................9
Ética da consumação no mais-além...............................................................................9
A responsabilidade do estadista com o futuro...............................................................9
A utopia moderna...........................................................................................................9
VII. O homem como objecto da técnica......................................................................10
VIII. A dinâmica "Utópica" do progresso técnico e o excesso de responsabilidade...10
IX. O vácuo ético.........................................................................................................11
Capitulo V....................................................................................................................11
Questões de princípio e de método..............................................................................11
I. Saber ideal e saber real na ética do futuro"..............................................................11
II. Primazia do mau prognóstico sobre o bom.............................................................12
III. O elemento da aposta no agir.................................................................................13
IV. O dever para com o futuro.....................................................................................14
V. Ser e dever...............................................................................................................15
Capitulo VI..................................................................................................................17
Sobre os fins e sua posição no ser................................................................................17
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I. O Martelo..................................................................................................................17
1. Constituído a partir do fim.......................................................................................17
II. O Tribunal...............................................................................................................17
III. O andar...................................................................................................................19
IV. O órgão digestivo...................................................................................................20
Capítulo VII.................................................................................................................21
O bem, o dever e o ser: teoria da responsabilidade.....................................................21
IV. Teoria da responsabilidade: o horizonte do futuro................................................23
VII. A criança: o objecto originário da responsabilidade............................................24
V. Até onde se estende a responsabilidade política no futuro?...................................24
VI. Por que a responsabilidade não esteve..................................................................25
Capitulo VIII................................................................................................................25
A responsabilidade hoje: o futuro ameaçado e a ideia de progresso...........................25
II. A ameaça tenebrosa contida no ideal baconiano.....................................................26
III. Capitalismo ou marxismo: quem está mais bem preparado para enfrentar o
perigo?.........................................................................................................................26
IV. Exame concreto das possibilidades abstractas.......................................................26
V. a utopia do "homem verdadeiro'; o que está por vir...............................................27
VI. A utopia e a ideia de progresso..............................................................................27
Capitulo IX..................................................................................................................27
A crítica da utopia e a ética da responsabilidade.........................................................27
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HANS JONAS
Hans Jonas nasceu em 1903, em Monchengladback, na Alemanha. De origem judaica,
deve boa parte de sua excelente e profunda formação humanística à leitura atenta dos
profetas da Bíblia hebraica. Sua intensa vida intelectual apresenta três momentos
marcantes de sua formação filosófica.

O primeiro tem início em 1921, quando, ainda recém-formado, frequenta na


Universidade de Freiburg as aulas de um mestre então pouco conhecido, de nome
Martin Heidegger. Segundo Jonas, este foi, por muito tempo, seu mentor intelectual.
Em 1924, Heidegger transfere-se para a Universidade de Marburg, e Jonas o
acompanha. Em 1934, Jonas se vê obrigado a abandonar a Alemanha por causa da
ascensão do nazismo ao poder.

O segundo grande momento na vida intelectual de Jonas ocorre em 1966, com a


publicação de The Phenomenon of Life, Toward a Philosophical Biology. Nessa obra,
estabelece os parâmetros de uma filosofia da biologia. Abre um novo caminho de
reflexão sobre a precariedade da vida e mostra o grande alcance filosófico dessa
abordagem da biologia, pois reconduz a vida a uma posição privilegiada e distante dos
extremos do idealismo irreal e do limitado materialismo. Apresenta o equívoco de isolar
o homem do resto da natureza, imaginando-o desvinculado das outras formas de vida.
No epílogo dessa obra, estabelece uma ideia geral de seu projecto quando escreve que,
com "a continuidade da mente com o organismo, do organismo com a natureza, a ética
torna-se parte da filosofia da natureza, somente uma ética fundada na amplitude do Ser
pode ter significado."

O terceiro grande momento intelectual da trajectória de Hans Jonas é decorrência


imediata do segundo. A busca das bases de uma nova ética, uma ética da
responsabilidade, torna-se sua principal meta. Em 1979, pública Das Prinzip
Veralltwortung - Versuch einer Ethic fiir die Technologische Zivilisntiotl, traduzido
para o inglês somente em 1984. Trata-se da monumental obra que o leitor tem agora
entre as mãos: O princípio da responsabilidade. Ensaio de uma ética para a
civilização tecnológica.
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Capítulo I:

1. A natureza modificada do agir humano

1.1. Princípios de injunções


Toda ética até hoje seja como injunção directa para fazer ou não fazer certas coisas ou
como determinação dos princípios de tais injunções, ou ainda como demonstração de
uma razão de se dever obedecer a tais princípios - compartilhou tacitamente os
seguintes pressupostos inter-relacionados:

1. A condição humana, conferida pela natureza do homem e pela natureza das coisas,
encontra-se fixada de uma vez por todas em seus traços fundamentais;
2. Com base nesses fundamentos, pode-se determinar sem dificuldade e de forma clara
aquilo que é bom para o homem;
3. O alcance da acção humana e, portanto, da responsabilidade humana é definida de
forma rigorosa.

1.2. O exemplo da antiguidade


Comecemos com uma antiga voz discursando sobre o poder e o fazer humanos, uma
voz que, em um sentido arquetípico, já faz soar, por assim dizer, uma nota tecnológica -
o famoso canto do coral da Antígona, de Sófocles. Numerosas são as maravilhas da
natureza, mas de todas a maior é o homem!

 Singrando os mares espumosos, impelido pelos ventos do sul, ele avança e arrosta as
vagas imensas que rugem ao redor!
 E Gea, a suprema divindade, que a todas mais supera, na sua eternidade, ele a corta
com suas charruas, que, de ano em ano, vão e vêm, fertilizando o solo, graças à
força das alimárias!
 Os bandos de pássaros ligeiros; as hordas de animais selvagens e peixes que habitam
as águas do mar, a todos eles o homem engenhoso captura e prende nas malhas de
suas redes.
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1.3. Homem e natureza


Essa angustiosa homenagem ao opressivo poder humano narra a sua irrupção violenta e
violentadora na ordem cósmica, a invasão atrevida dos diferentes domínios da natureza
por meio de sua incansável esperteza; ao mesmo tempo, narra o facto de que, com a
faculdade auto-adquirida do discurso, da reflexão e da sensibilidade social, ele constrói
uma casa para sua própria existência humana - ou seja, o artefacto da cidade. O homem
é o criador de sua vida como vida humana. Amolda as circunstâncias conforme sua
vontade e necessidade, e nunca se encontra desorientado, a não ser diante da morte.

2. A obra humana da Cidade


O espaço que havia criado para si foi preenchido com a cidade dos homens - destinada a
cercar-se e não a expandir-se, e por meio disso criou-se um novo equilíbrio dentro do
equilíbrio maior do todo. Qualquer que seja o bem ou o mal, ao qual o homem se veja
impelido em virtude de sua arte engenhosa, eles ocorrem no interior do enclave
humano, sem tocar a natureza das coisas.

Capitulo II.

Características da ética até o momento presente


Tomemos das passadas aquelas características do agir humanas significativas para uma
comparação com o estado actual de coisas.

1. Todo o trato com o mundo extra-humano, isto é, todo o domínio da techne


(habilidade) era - à excepção da medicina - eticamente neutro, considerando-se tanto o
objecto quanto o sujeito de tal agir: do ponto de vista do objecto, porque a arte só
afectava superficialmente a natureza das coisas, que se preservava como tal, de modo
que não se colocava em absoluto a questão de um dano duradouro à integridade do
objecto e à ordem natural em seu conjunto; do ponto de vista do sujeito, porque a
techne, como actividade, compreendia-se a si mesma como um tributo determinado pela
necessidade e não como um progresso que se autojustifica como fim precípuo da
humanidade, em cuja perseguição engajam-se o máximo esforço é a participação
humana.

2. A significação ética dizia respeito ao relacionamento directo de homem com homem,


inclusive o de cada homem consigo mesmo; toda ética tradicional é antropocêntrica.
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3. Para efeito da acção nessa esfera, a entidade "homem" e sua condição fundamental
era considerada como constante quanto à sua essência, não sendo ela própria objecto da
techne (arte) reconfiguradora.

4. O bem e o mal, com o qual o agir tinha de se preocupar, evidenciavam-se na acção,


seja na própria práxis ou em seu alcance imediato, e não requeriam um planeamento de
longo prazo. Essa proximidade de objectivos era válida tanto para o tempo quanto para
o espaço.

5. Todos os mandamentos e máximas da ética tradicional, fossem quais fossem suas


diferenças de conteúdo, demonstram esse confinamento ao círculo imediato da acção.
"Ama o teu próximo como a ti mesmo"; "Faz aos outros o que gostarias que eles
fizessem a ti"; "Instrui teu filho no caminho da verdade"; "Almeja a excelência por meio
do desenvolvimento e da realização das melhores possibilidades da tua existência como
homem"; "Submete o teu bem pessoal ao bem comum"; "Nunca trate os teus
semelhantes como simples meios, mas sempre como fins em si mesmos"; e assim por
diante.

Capitulo III.

Novas dimensões da responsabilidade


Tudo isso se modificou decisivamente. A técnica moderna introduziu acções de uma tal
ordem inédita de grandeza, com tais novos objectos e consequências que a moldura da
ética antiga não consegue mais enquadrá-las. Decerto que as antigas prescrições da ética
"do próximo" - as prescrições da justiça, da misericórdia, da honradez etc. - ainda são
válidas, em sua imediaticidade íntima, para a esfera mais próxima, quotidiana, da
interacção humana.

1. A vulnerabilidade da natureza

Tome-se, por exemplo, como primeira grande alteração ao quadro herdado, a crítica
vulnerabilidade da natureza provocada pela intervenção técnica do homem uma
vulnerabilidade que jamais fora pressentida antes de que ela se desse a conhecer pelos
danos já produzidos.
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2. O novo papel do saber na moral

Sob tais circunstâncias, o saber torna-se um dever prioritário, mais além ele tudo o que
anteriormente lhe era exigido, e o saber deve ter a mesma magnitude da dimensão
causal nosso agir. Nenhuma ética anterior vira-se obrigada a considerar a condição
global da vida humana e o futuro distante, inclusive a existência da espécie. O facto de
que hoje eles estejam em jogo exige, numa palavra, uma nova concepção de direitos e
deveres, para a qual nenhuma ética e metafísica antiga pode sequer oferecer os
princípios, quanto mais uma doutrina acabada.

3. Um direito moral próprio da natureza?

E se o novo modo do agir humano significasse que devêssemos levar em consideração


mais elo que somente o interesse "do homem", pois nossa obrigação se estenderia para
mais além, e que a limitação antropocêntrica de toda ética antiga não seria mais válida?
Ao menos deixou de ser absurdo indagar-se a condição da natureza extra-humana, a
biosfera no todo e em suas partes, hoje subjugadas ao nosso poder, exactamente por isso
não se tornaram um bem a nós confiados, capaz de nos impor algo como uma exigência
moral não somente por nossa própria causa, mas também em causa própria e por seu
próprio direito.

Capitulo IV

Tecnológica como "Vocação" da Humanidade


1. Homo Faber acima do Homo Sapiens

Se retornarmos às ponderações estritamente inter-humanas, há ainda um outro aspecto


ético no facto de que a techne, como esforço humano, tenha ultrapassado os objectivos
pragmaticamente delimitados dos tempos antigos. Em outras palavras, mesmo
desconsiderando suas obras objectivas, a tecnologia assume um significado ético por
causa do lugar central que ela agora ocupa subjectivamente nos fins da vida humana.

2. A cidade universal como segunda natureza e o dever ser do homem no mundo

Pois a fronteira entre "Estado" (Pólis) e "Natureza" foi suprimida: a "cidade dos
Homens", outrora um enclave no mundo não-humano, espalha-se sobre a totalidade da
natureza terrestre e usurpa o seu lugar.
8

A diferença entre o artificial e o natural desapareceu, o natural foi tragado pela esfera do
artificial; simultaneamente, o artefacto total, as obras do homem que se transformaram
no mundo, agindo sobre ele e por meio dele, criaram um novo tipo de "Natureza", isto
é, uma necessidade dinâmica própria com a qual a liberdade humana defronta-se em um
sentido inteiramente novo.

A natureza modificada do agir humano


Humanidade digna desse nome (ideia tão convincente e tão incomprovável como a
assertiva de que a existência de um mundo é sempre melhor do que a existência de
nenhum); mas, como proposição moral, isto é, como uma obrigação prática perante a
posteridade de um futuro distante, e como princípio de decisão na acção presente, a
assertiva é muito distinta dos imperativos da antiga ética da simultaneidade;

A presença do homem no mundo era um dado primário e indiscutível de onde partia


toda ideia de dever referente à conduta humana: agora, ela própria tornou-se um objecto
de dever isto é, o dever de proteger a premissa básica de todo o dever, ou seja,
precisamente a presença de meros candidatos a um universo moral no mundo físico do
futuro; isso significa, entre outras coisas, conservar este mundo físico de modo que as
condições para uma tal presença permaneçam intactas; e isso significa proteger a sua
vulnerabilidade diante de uma ameaça dessas condições. Um exemplo poderá ilustrar a
diferença que isso traz para a ética.

V. Velhos e novos imperativos


1. O imperativo categórico de Kant dizia: "Aja de modo que tu também possas querer
que tua máxima se torne lei geral" Aqui, o "que tu possas" invocado é aquele da razão e
de sua concordância consigo mesma: a partir da suposição da existência de uma
sociedade de actores humanos (seres racionais em acção), a acção deve existir de modo
que possa ser concebida, sem contradição, como exercício geral da comunidade.

2. Um imperativo adequado ao novo tipo de agir humano e voltado para o novo tipo ele
sujeito actuante deveria ser mais ou menos assim: "Aja de modo a que os efeitos da tua
acção sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a
Terra"; ou, expresso negativamente: "Aja de modo a que os efeitos da tua ação não
sejam destrutivos para a possibilidade futura de uma tal vida"; ou, simplesmente: "Não
ponha em perigo as condições necessárias para a conservação indefinida da
humanidade.
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VI. Antigas formas da "Ética do Futuro"


A esta altura pode-se argumentar que, com Kant, escolhemos um exemplo extremo da
ética da convicção e de que é possível refutar nossa afirmação de que toda a ética
anterior se orientava pelo presente, como uma ética do simultâneo, usando diferentes
formas éticas no passado. Podemos considerar os três exemplos seguintes:

 A condução ela vida terrena, a ponto ele sacrificar sua felicidade, em vista da
salvação eterna da alma;
 A preocupação previdente do legislador e do estadista com o futuro bem comum;
 E a política da utopia, com a disposição de utilizar os que agora vivem como
simples meio para um fim que se encontra além deles ou eliminá-los como
obstáculos a esse fim da qual o marxismo revolucionário é o exemplo proeminente.

Ética da consumação no mais-além.


Nesses três casos, o primeiro e o terceiro têm em comum a postulação do futuro como o
lugar do valor absoluto, acima do presente, reduzindo este último a uma mera
preparação para aquele. Uma importante diferença é que, no caso religioso, não se
poderia atribuir ao agir do presente a criação de um estado futuro; aquele agir só seria
capaz de qualificar o indivíduo aos olhos de Deus, a quem a fé deve confiar a
consumação do futuro.

A responsabilidade do estadista com o futuro


Mas o que dizer dos casos de éticas que falam de um futuro imanente, as únicas que
pertencem realmente a uma ética racional? Havíamos mencionado, em segundo lugar, a
preocupação previdente do legislador e do estadista com o bem futuro da comunidade.

A utopia moderna
a) Essa situação somente se modifica quando consideramos o terceiro exemplo, aquele
que chamei de política da utopia, um fenómeno inteiramente moderno e que
pressupõe uma escatologia dinâmica da história, desconhecida no passado dela
mesma.
b) Certamente, também houve aqui uma forma extrema, na qual aqueles que queriam
"apressar o fim" tomaram sua realização nas próprias mãos, pretendendo iniciar o
reino messiânico ou milenar - para o qual acha.
10

VII. O homem como objecto da técnica


Nossa comparação se deu com as formas históricas da ética da simultaneidade e da
imediaticidade, para as quais a ética kantiana serviu de exemplo.

O que está em questão não é a validade delas no próprio domínio, mas a suficiência
delas para as novas dimensões do agir humanos, que lhes transcendem.

1. Prolongamento da vida

Tome-se como exemplo o mais fundamental desses factos, a mortalidade do homem.


Quem alguma vez precisou se decidir sobre qual seria a sua duração desejável e
opcional? Com relação à sua fronteira mais elevada, dos "setenta anos, e, quando muito,
oitenta", não havia escolha. Sua irreversibilidade foi objecto de queixa, de resignação ou
de ilusões ociosas, para não dizer tolas, sobre excepções possíveis - estranhamente,
quase nunca de anuência.

2. Controle de comportamento

O mesmo ocorre com todas as outras possibilidades quase utópicas que o progresso das
ciências biomédicas em parte já disponibiliza traduzido em poderio técnico e em parte
acena como possibilidade.

3. Manipulação genética

A mesma exigência se impõe em grau ainda mais alto com respeito ao último objecto de
uma tecnologia aplicada ao homem - o controle genético dos homens futuros. Esse é um
assunto grande demais para ser tratado superficialmente nestas considerações iniciais e
merecerá um capítulo próprio em um trabalho sobre "aplicações", que virá mais tarde.

VIII. A dinâmica "Utópica" do progresso técnico e o excesso de responsabilidade


A característica comum, eticamente importante em todos os exemplos apresentados, é o
que podemos chamar de traço "utópico", ou sua inclinação utópica (drift) inerente ao
nosso agir sob as condições da técnica moderna - quer actuemos sobre a natureza
humana ou não-humano, quer a "utopia" a alcançar seja ou não planeada. Graças ao tipo
e à magnitude dos seus efeitos de bola-de-neve, o poder tecnológico nos impede adiante
para objectivos de um tipo que no passado pertenciam ao domínio das utopias. Dito de
outra forma, o poder tecnológico transformou aquilo que costumava ser exercícios
hipotéticos da razão especulativa em esboços concorrentes para projectos executáveis.
11

IX. O vácuo ético


Aqui me detenho e todos nós nos detemos. Pois exactamente o mesmo movimento que
nos pôs de posse daquelas forças cujo uso deve ser agora regulamentado por normas o
movimento do saber moderno na forma das ciências naturais, em virtude de uma
complementaridade forçosa, erodiu os fundamentos sobre os quais se poderiam
estabelecer normas e destruiu a própria ideia de norma como tal. Por sorte, decerto que
não o sentimento pela norma e mesmo por determinadas normas; mas esse sentimento
começa a duvidar de si mesmo quando aquele suposto saber o contradiz ou quando, no
mínimo, lhe recusa qualquer apoio.

Capitulo V

Questões de princípio e de método

I. Saber ideal e saber real na ética do futuro"


1. Prioridade para a questão dos princípios

Duas questões se colocam quando iniciamos o trabalho teórico: quais são os


fundamentos de uma ética, tal como a exigida pelo novo agir? E quais são as
perspectivas de que a disciplina, que ela obriga, se imponha nas circunstâncias práticas
do homem? A primeira questão pertence à doutrina dos princípios da moral; a segunda,
à doutrina de sua aplicação – em nosso caso concernente ao agir público, à teoria da
política. Aqui, a questão prático-política é tanto mais importante na medida em que se
trata do bem ou ela necessidade longínquos.

2. Ciência factual dos efeitos distantes da acção técnica

Logo em seguida chega a vez de um outro tipo de verdade que é objecto do saber
científico, ou seja, a verdade relacionada a situações futuras extrapoláveis do homem e
do mundo, que devem ser submetidas ao julgamento daquelas primeiras verdades
filosóficas, a partir das quais retornamos às acções actuais, para então avaliá-las, como
causas das suas consequências certas, prováveis ou possíveis no futuro.

3. Contribuição dessa ciência ao saber dos princípios: a heurística do medo

Esse elo intermediário de união e concretização, que descreve as situações futuras, não
está separado da parte que se refere aos princípios fundamentais; ao contrário, ele está
presente nesses próprios princípios, de modo heurístico.
12

4. O "primeiro dever" da ética do futuro: visualizar os efeitos de longo prazo

Portanto, o Matum imaginado deve aqui assumir o papel Matum experimentado.


Como essa representação não acontece automaticamente, ela deve ser produzida
intencionalmente: portanto, obter uma projecção desse futuro torna-se um primeiro
dever, por assim dizer introdutório, daquela ética que buscamos.

5. O "segundo dever": mobilizar o sentimento adequado à representação

Mas logo se vê que esse Malum imaginado, não sendo o meu, não produz o medo da
mesma forma automática como o faz o Malum que eu experimento e que me ameaça
pessoalmente.

II. Primazia do mau prognóstico sobre o bom


Essa incerteza que ameaça tornar inoperante a perspectiva ética de uma
responsabilidade em relação ao futuro, a qual evidentemente não se limita à profecia do
mal, tem de ser ela própria incluída na teoria ética e servir ele motivo para um novo
princípio, que, por seu turno, possa funcionar como uma prescrição prática.

1. As probabilidades nas apostas altas

Em primeiro lugar, a probabilidade de que experimentos desconhecidos tenham um


resultado feliz ou infeliz é, em geral, semelhante àquela em que se pode atingir ou errar
o alvo: o acerto é apenas uma entre inúmeras alternativas, que na maior parte dos casos
não passam, aliás, de tentativas fracassadas; embora, em questões menores, possamos
nos permitir apostar muito, tendo em vista uma chance extremamente pequena de
sucesso, em questões maiores arriscamos bem menos.

2. A dinâmica cumulativa dos desenvolvimentos técnicos

A essas considerações gerais se acresce, em segundo lugar, o status bem peculiar dos
períodos que se seguem à adopção de uma tecnologia, quando se acredita na
possibilidade de realizar as rectificações que se mostrem necessárias.

3. A essência sacrossanta do sujeito da evolução

Em terceiro lugar e em um nível menos pragmático, deve-se pensar que há a herança de


uma evolução anterior a ser preservada. Ela não pode ser tão má, já que legou aos seus
proprietários actuais a capacidade (que eles atribuem a si próprios) ele julgar sobre o
13

bem e o mal. Mas essa herança pode se perder. Em uma situação absolutamente
miserável pode-se acreditar que qualquer mudança constituiria uma melhora; também se
pode (como na frase "o proletário não tem nada a perder a não ser os seus grilhões")
arriscar tranquilamente o que existe por algo que, em caso de sucesso, somente poderia
ser melhor, e em caso de falha não significaria grande perda.

III. O elemento da aposta no agir


Partimos do facto de que a incerteza dos prognósticos de longo prazo, em um contexto
em que o equilíbrio entre as alternativas paralisa a utilização dos princípios na esfera
dos factos, deve ser considerada, por sua vez, um facto. Para lidar com ele
correctamente, a ética deve dispor de um princípio que não seja ele próprio também
incerto.

1. Posso arriscar os interesses de outros em minha aposta?

Considerando a questão rigorosamente, não se pode apostar nada que não se tenha
(permanece em aberto a questão de se a alguém é permitido apostar tudo o que lhe
pertence).

2. Tenho permissão para apostar a totalidade

Supondo então o cumprimento dessa condição no que concerne a arriscar o interesse


alheio no jogo da incerteza, se poderia completar essa primeira resposta de uma forma
precisa, afirmando que a aposta jamais poderia incluir a totalidade dos interesses de
outros, principalmente as suas vidas.

3. O melhorismo não justifica apostas totais

Essa restrição a de que somente a prevenção do mal maior e não a obtenção do bem
maior justifica que, em certas circunstâncias, se arrisque a totalidade dos interesses
alheios, no interesse deles mesmo exclui do âmbito dessa autorização os grandes riscos
da tecnologia., isto é, para o progresso, cuja versão mais pretensiosa pretende construir
um paraíso terrestre. Assim, o progresso e suas obras situam-se antes sob o signo da
soberba que da necessidade.
14

4. A humanidade não tem direito ao suicídio

Como último argumento, consideremos que, no caso do progresso tecnológico, "a


totalidade" dos interesses arriscados no jogo possui um sentido incomparavelmente
mais amplo do que aquilo que normalmente se arrisca nas decisões humanas. Só nos
marcos desse pressuposto abrangente torna-se moralmente defensável, em casos
extremos, o grande risco ímpar. Mesmo para salvar sua nação fica proibido ao estadista
utilizar qualquer meio que possa aniquilar a humanidade.

5. A existência lido homem" não pode ser objecto de aposta

Com isso finalmente encontramos um princípio que proíbe certos "experimentos" de


que a tecnologia se tornou capaz, e cuja expressão pragmática é o preceito discutido
antes: no processo decisório deve-se conceder preferência aos prognósticos de desastre
em face dos prognósticos de felicidade.

IV. O dever para com o futuro


1. A extinção da reciprocidade na ética do futuro

Aquilo que temos de exigir do nosso princípio não pode ser obtido pela ideia tradicional
de direitos e deveres pela ideia baseada na reciprocidade, segundo a qual o meu dever é
a imagem reflectida do dever alheio, que por seu turno é visto como imagem e
semelhança de meu próprio dever, de modo que, uma vez estabelecidos certos direitos
do outro, também se estabelece o meu dever de respeitá-los e, se possível (acrescentes
caiu-se uma ideia de responsabilidade positiva), promovê-los. Esse esquema não serve
para o nosso objectivo.

2. O dever diante da posteridade

Já existe na moral tradicional um caso de responsabilidade e obrigação elementar não


recíproca (que comove profundamente o simples espectador) e que é reconhecido e
praticado espontaneamente: a responsabilidade para com os filhos, que sucumbiriam se
a procriação não prosseguisse por meio da precaução e da assistência. Essa é a única
classe de comportamento inteiramente altruísta fornecida pela natureza.
15

3. Dever de existir e do modo de existir da posteridade

É de um dever desse tipo que se trata, no caso da responsabilidade em relação à


humanidade futura. Em primeiro lugar, isso significa um dever para com a existência da
humanidade futura, independentemente do facto de que nossos descendentes directos
estejam entre ela; em segundo lugar, um dever em relação ao seu modo de ser, à sua
condição.

4. Responsabilidade ontológica pela ideia do homem

Assim, em virtude desse primeiro imperativo, a rigor não somos responsáveis pelos
homens futuros, mas sim pela ideia do homem, cujo modo de ser exige a presença da
sua corporificação no mundo.

5. A ideia ontológica engendra um

A distinção kantiana entre um imperativo hipotético e um imperativo categórico, própria


daquela ética da simultaneidade, também se aplica aqui a essa ética da responsabilidade
em relação ao futuro.

6. Dois dogmas:"nenhuma verdade metafísica"

A última afirmação contraria os dogmas mais arraigados do nosso tempo: o de que não
existe verdade metafísica e o de que não se pode deduzir um dever do Ser.

7. Sobre a necessidade da metafísica

Em todo caso, em função de nosso princípio primeiro - que deve nos dizer por que os
homens do futuro importam na medida em que nos mostra que "o homem" importa -,
não podemos nos poupar da ousada incursão na ontologia, mesmo se o terreno que
alcançamos for tão inseguro quanto aquele onde a teoria pura tem de se deter, ainda que
ele permaneça eternamente suspenso sobre o abismo do incognoscível.

V. Ser e dever
Nossa questão é: o homem deve Ser? Para colocá-la correctamente temos primeiro de
responder à pergunta: o que significa isso, dizer que algo deve Ser? Isso evidentemente
conduz de volta à questão de saber ser, de forma geral, algo - em vez de nada - deve Ser.
16

1. O dever-ser de algo

Não é pequena a diferença entre ambas as questões mencionadas antes. A primeira,


relativa ao dever-ser deste ou daquele, pode ser respondida, até certo ponto, com a
comparação das alternativas que se põem no interior do Ser dado: como algo tem de
Ser, então é melhor isto do que aquilo; portanto, ele deve Ser. A segunda alternativa, na
qual a alternativa não é um outro Ser, mas pura e simplesmente um não-ser, só pode ser
respondida em termos absolutos, por exemplo, que o Ser é "bom" em si, pois o nada não
permite graus de comparação: portanto, a existência como tal "deveria" ser preferida em
relação ao seu oposto contraditório (e não "contrário").

2. A preferência do Ser diante do nada e o indivíduo

O reconhecimento daquela primazia, e com isso de um dever em favor do Ser, não


significa evidentemente, em termos éticos, que o indivíduo guiar deve se decidir
sempre, em quaisquer circunstâncias, pelo prolongamento da sua vida contra uma morte
possível ou certa, Isto é, que deva agarrar-se à sua vida. O sacrifício da própria vida
para salvar outros, pela pátria ou por uma causa da humanidade é uma opção para o Ser,
não para o não-ser.

3. O sentido da pergunta de Leibniz "Por que existe algo em vez de nada?"

Este, aliás, é o único sentido aceitável para a questão fundamental da metafísica


leibniziana, que de outro modo pareceria ociosa: por que existe "algo e não o nada"?
Pois o porquê aqui questionado não pode visar à causa precedente, já que ela própria
pertence ao que já existe; esse questionamento não pode ser feito, sem cair em
contradição, em relação à totalidade do que existe ou ao facto do existir como tal.

4. A questão de um possível dever-ser deve

Retornando novamente ao porquê presente na célebre pergunta fundamental "por que há


algo?", havíamos concluído que compreendê-la no sentido de uma proveniência causal
tornava a questão absurda para o Ser em sua totalidade, mas a sua compreensão no
sentido de uma norma justificadora ("vale a pena existir?") lhe empresta sentido e,
simultaneamente, a libera de qualquer relação com um autor, e com isso com a religião.
17

5. Voltando-se para a questão sobre o status do "valor"

Toda essa questão converge para a pergunta se há, mesmo a o como "o valor" como tal,
não como algo real aqui e agora, mas como algo conceptualmente possível. Por isso é
inquestionável a necessidade de se estabelecer o status ontológico e epistemológico do
valor de um modo geral e explorar a questão de sua objectividade.

Capitulo VI

Sobre os fins e sua posição no ser


O que se deve esclarecer em primeiro lugar é a relação entre valores e fins (ou
objectivos), que são frequentemente confundidos uns com os outros, embora não sejam
de forma alguma a mesma coisa. Comecemos com os fins. Um fim é aquilo graças ao
qual uma coisa existe e cuja produção ou conservação exigiu que algum processo
ocorresse ou que alguma acção fosse empreendida.

I. O Martelo

1. Constituído a partir do fim


Em relação à questão sobre "a quem" pertence o fim, deve-se notar o duplo sentido
contido na expressão" ter um fim". O martelo tem o fim do poder-se-martelar-com-ele:
foi criado com esse fim e para ele; esse fim faz parte do seu Ser, produzido para tal, de
um modo totalmente diferente do fim momentâneo que tem a pedra há pouco recolhida
e arremessada ou o galho que se quebra para alcançar algo. O fim, podemos dizer, faz
parte do conceito do martelo, e esse conceito precedeu sua existência, como acontece
com todos os artefactos; foi a causa de seu devir.

2. O lugar do fim não está na coisa

Contudo, aquele conceito, que era a sua causa e constitui o seu Ser, não era
propriamente seu, mas de seu fabricante, o qual, ao fabricá-lo, não lhe pôde transferi-la;
a medição do tempo é uma finalidade genuína do fabricante, e assim permanece; nunca
se torna a finalidade do próprio relógio.
18

II. O Tribunal
Vamos ao outro extremo da série, o tribunal. Ele também é um artefacto, nomeadamente
uma instituição humana, e nele o conceito, evidentemente, também precede a coisa: foi
instalado para fazer justiça. A existência dessa entidade baseia-se nos conceitos de
direito e de jurisdição.

1. Imanência do fim

Mas como essa finalidade opera no tribunal? Opera na medida em que as próprias partes
que agem (diferentemente do relógio) são animadas pelo fim, isto é, o desejam e agem
de acordo com ele - o que supõe que elas devam ser, antes de tudo, seres que querem
um fim e possuem autonomia.

2. Invisibilidade do fim no aparelho físico

Esse lado subjectivo, ou a ideia determinada a partir de dentro, é a única coisa que
permite identificar tal ferramenta social. Posso descrever adequadamente o martelo sem
apontar o seu fim (ou mesmo conhecê-lo), destacando apenas a sua configuração
visível, composição, material e forma de suas partes, e assim também o relógio (mesmo
quando ele não funciona).

3. O meio não sobrevive à imanência do fim

No caso das instituições humanas, podemos constatar o quanto "a ferramenta" não só se
define inteiramente pelo seu para quê, mas subsiste graças a ele.

4. Indicação do fim por meio de instrumentos materiais

Porém, devemos observar que as instrumentais idades sociais imateriais servem-se se de


instrumentos materiais do primeiro tipo, cuja finalidade reconhecível nos permite
adivinhar, também, algo sobre o seu fim. Aqui existem diferenças de grau que
dependem da espécie de fim: quanto mais ele encerra um agir físico, tanto mais pode ser
reconhecido pelos seus meios físicos.

5. Tribunal e martelo: o homem como a sede da finalidade

Interrompamos a reflexão bastante elementar sobre ambos os casos e façamos um


resumo do que aprendemos com eles. Nós seleccionamos os termos extremos da série
19

"martelo, órgão digestivo, andar, tribunal de justiça" e os comparamos tanto em função


de sua diferença cardeal como também em função de sua semelhança cardeal.

III. O andar
1. Meios artificiais e naturais

Comecemos com o andar, exemplo do tipo "voluntário", no qual a intenção humana tem
algum espaço, na medida em que aquele que anda pode ser um organismo humano.
2. A diferença entre meio e função (uso)

Dissemos que "se anda para se chegar a algum lugar". Este "para" designa o fim. Anda-
se "com" as pernas; estas (com todo o aparelho neuromuscular a elas associado) são o
meio.

3. Ferramenta, órgão e organismo

Nessa semelhança entre membros, ou seja, entre órgãos motores externos e ferramentas,
encontramos o motivo de os primeiros e, por extensão, de todas as estruturas funcionais
auxiliares do corpo, as internas não menos que as externas, as sensórias e químicas não
menos que as motoras - serem chamados de "órgãos", o que significa exactamente
"ferramentas": algo que executa uma obra, ou algo com o que uma obra é executada.

4. O encadeamento subjectivo de fins e meios no agir humano

Contudo, mesmo no presente grupo de exemplos (representado pelo "andar"), apesar do


carácter "voluntário" da acção, o papel do fim subjectivo não é inquestionável.

5. Divisão e mecânica objectiva do encadeamento no agir animal

Mas é igualmente claro (ou quase igualmente claro) que, no agir animal, não se pode
supor um tal encadeamento articulado de fins e meios que seja também orientado para
um fim.

6. O poder causal dos fins subjectivos

Resumidamente: esse resultado, daqui em diante pressuposto, consiste em um novo


reconhecimento do testemunho original da subjectividade.
20

IV. O órgão digestivo


1. A tese do carácter puramente ilusório

a) Todo órgão em um organismo serve a um fim, o qual ele realiza ao funcionar. O fim
abrangente, a serviço do qual se encontram todas as funções específicas, é a vida do
organismo como um todo.
b) Essa teleologia da máquina, trazida de fora, localiza-se originalmente nos
organismos fabricantes, nos construtores humanos. Por conseguinte, estes não
podem ser, eles próprios, de natureza completamente não-teleológica.

2. A causalidade final limita-se aos seres dotados de subjectividade?

Como afirmamos antes, consideramos que essa concepção enganosa da subjectividade,


do género "parece que", deveria ser refutada.

a) A interpretação dualista

Pode ser pensado de duas maneiras, aliás, como já foi feito. Seja de modo que o
princípio estranho com isso, logicamente, a teleologia que de início havíamos admitido
para a fabricação da máquina recai novamente no reino da aparência: os fabricantes são
máquinas que fazem máquinas.

b) A teoria monista da emergência

Resta a outra alternativa: a de que a alma e o espírito provêm da própria natureza,


quando do surgimento independente (embora não casual) das condições materiais
adequadas, como uma modalidade de existência complementar própria dessa natureza.

1. Universalidade e legitimidade

Todos os homens, diz-se, almejam a felicidade. Não se diz isso em virtude de uma
comprovação estatística, pois ao dizê-lo acrescentamos a afirmação de que tal busca da
felicidade se encontra na sua própria natureza; portanto, fazemos uma constatação sobre
sua essência
21

2. Liberdade para negar o decreto da natureza

O seu decreto, isto é, a parcialidade de seus fins, pode ser contestado se para tal nos
servirmos igualmente de um desses fins.

3. O carácter não-comprovado da obrigação de afirmar o decreto

A impossibilidade de uma negação legítima, porém, não basta para legitimar o próprio
objecto, isto é, para impor de modo legítimo a sua afirmação.

Capítulo VII

O bem, o dever e o ser: teoria da responsabilidade

Fundamentar no Ser o "bem" ou o "valor" significa franquear a pretensa distância que


existe entre o Ser e o dever. Pois, de acordo com sua própria definição, esse bem ou
valor, quando existe por si mesmo e não graças a desejo, necessidade ou escolha, é algo
cuja possibilidade contém a exigência de sua realização.

1."Bem" e Mal " relativamente à finalidade

Se a natureza cultiva finalidades ou objectivos, como agora supomos, ela também


atribui valores. Mas, até agora, o bem e o mal se mostraram apenas como correlatas de
uma orientação para um fim que já existia, à qual cabe exercer aquele poder sobre a
vontade que aflora Ex Post facto nas suas "decisões", no seu resultado.
2. A finalidade como bem em si

Mas o que é válido para uma finalidade determinada ou seja, que em primeiro lugar
valha a sua facticidade, e a validade do bem e do mal venha em seguida, determinada
por aquela (de facto), mas não legitimada (de jure) - será igualmente válido para o
carácter ontológico de um Ser? Aqui a situação é distinta. Podemos reconhecer um bem
em si na capacidade como tal de ter finalidade, pois se sabe intuitivamente que ela é
infinitamente superior a toda falta de finalidade do Ser.
3. A auto-afirmação do Ser na finalidade

A busca de finalidades, cuja efectividade e eficiência no mundo devemos considerar


como estabelecidas (conforme nossa argumentação no capítulo, deveria ser encarada
como uma auto-afirmação fundamental do Ser, que se coloca em termos absolutos como
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sendo melhor que o não-Ser. Em cada finalidade o Ser declara-se a favor de si, contra o
nada.

4. O "sim" da vida, um "não" enfático ao não-ser

A natureza manifestou seu interesse na vida orgânica e o satisfez progressivamente na


extraordinária variedade de suas formas, as quais constituem, cada uma delas, um modo
de ser e de esforço, ao preço da frustração e da extinção. Esse preço é necessário, pois
cada finalidade só pode realizar-se à custa de outras finalidades.

5. Para o homem, o "sim" ontológico tem a força de um dever

Esse "sim" que actua cegamente adquire uma força obrigatória em virtude da liberdade
lúcida do homem, o qual, como resultado supremo do trabalho finalista da natureza, não
somente é um continuador da obra desta, mas pode converter-se também em seu
destruidor, graças' ao poder que o conhecimento lhe proporciona.

6. O carácter problemático de um dever distinto do querer

Considerando que a finalidade como tal é o primeiro dos bens e que, em termos
abstractos, "reivindica" a sua realização, ela já compreende um querer dos fins, por
meio dos quais, como condição da sua continuidade, ela se quer a si mesma como
finalidade fundamental: naturalmente dada, essa finalidade busca satisfazer a sua
reivindicação de ser, que, portanto, se encontra em boas mãos.

7. "Valor" e "bem"

Do ponto de vista linguístico, "o bem", comparado com "o valor", tem a dignidade de
uma coisa em si. Inclinamo-nos a compreendê-lo como algo independente do nosso
desejo e da nossa opinião.

8. Fazer o bem e o Ser do agente: a predominância da "causa"

Da mesma maneira como não nos furtamos à distinção entre desejo e dever, nosso
sentimento também nos assegura de que fazer o bem por ele mesmo beneficia de certo
modo o agente, e isso independentemente do êxito da acção. Quer possa ou não partilhar
o bem realizado, vê-lo acontecer ou mesmo fracassar - seu ser moral ganhou pelo facto
de haver respondido ao apelo do dever.
IV. Teoria da responsabilidade: o horizonte do futuro
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1. Responsabilidade como imputação causal de actos realizados

a) O poder causal é condição da responsabilidade. O agente deve responder por seus


actos: ele é responsável por suas consequências e responderá por elas, se for o caso.
b) Mas muito cedo a ideia de uma compensação legal confundiu-se com a da punição,
que tem uma origem moral e qualifica o acto causal como moralmente culpável.
c) A diferença apontada entre a responsabilidade legal e a moral reflecte-se na
diferença entre o direito civil e o direito penal, em cujas evoluções divergentes
dissociaram-se os conceitos inicialmente mesclados de compensação (como
responsabilidade legal) e pena (pela culpa).

2. Responsabilidade pelo que se faz: o dever do poder

Entretanto, há outra noção de responsabilidade que não concerne ao cálculo do que foi
feito Ex Post facto, mas à determinação do que se tem a fazer; uma noção em virtude da
qual eu me sinto responsável, em primeiro lugar, não por minha conduta e suas
consequências, mas pelo objecto que reivindica meu agir.

3. O que significa "agir de forma irresponsável"?

O jogador que arrisca no casino todo o seu património age de forma imprudente; quando
se trata não do seu património, mas do de outro, age de forma criminosa; quando é pai
de família, sua acção é irresponsável, mesmo que se trate de bens próprios e
independentemente do facto de ganhar ou perder.

4. Responsabilidade: uma relação não-recíproca

Não é evidente que possa haver responsabilidade, em sentido estrito, entre dois seres
absolutamente iguais (dentro de uma dada situação).

5. Responsabilidade natural e responsabilidade contratual

A responsabilidade constituída pela natureza, ou a responsabilidade natural, no único


exemplo apresentado até agora (e que é o único familiar) da responsabilidade parental,
não depende de aprovação prévia, sendo irrevogável e não rescindível, além de englobar
a totalidade do objecto.

6. A responsabilidade livremente escolhida do homem político


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Resta o caso que ultrapassa a diferença entre a responsabilidade natural e a contratual de


maneira original, própria ela liberdade humana.

7. Responsabilidade política e responsabilidade parental: contrastes

A esta altura, pode ser do maior interesse teórico examinar como essa responsabilidade
nascida da livre escolha e aquela decorrente da menos livre das relações naturais, ou
seja, a responsabilidade do homem público e a dos pais: que se situam nos extremos do
espectro da responsabilidade, são as que têm mais aspectos em comum entre si e as que,
em conjunto, mais nos podem ensinar a respeito da essência da responsabilidade.

IV. Teoria da responsabilidade: o horizonte do futuro

1. O objectivo da educação: ser adulto

Algumas diferenças entre a responsabilidade parental e a política saltam aos olhos. A


paternidade tem a ver com seres que se tornarão homens, e esse devir compõe-se de
fases determinadas, cada uma delas devendo ser percorrida em um momento
determinado; com o seu fim predeterminado, tornar-se adulto, cessa a relação com a
criança e também a responsabilidade paterna (o que acontece depois disso não nos
interessa mais aqui). Tudo isso já é sabido, quanto à sua generalidade estrutural, e
desejado de antemão, como afirmação do dinamismo biológico autónomo.

VII. A criança: o objecto originário da responsabilidade


1. O "deve-se" elementar no "é" do recém-nascido

Ao concluir as reflexões sobre a teoria da responsabilidade relacionadas em parte à


contemporaneidade, retornamos ao tipo original e intemporal da responsabilidade,
aquela dos pais em relação aos filhos. O conceito de responsabilidade implica um
"dever" - em primeiro lugar, um "dever ser" de algo, e, em seguida, um "dever fazer" de
alguém como resposta àquele dever ser.

2. O devir histórico não é comparável ao devir orgânico

A esfera política não apresenta nada semelhante aos fenómenos do devir individual.
Mas, em todas essas circunstâncias, por mais diferente que fosse, o Ser humano não era
menos "inacabado" do que ele o é actualmente.

3. "Juventude" e "velhice" como metáforas históricas


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Caso se queira falar ele juventude e velhice em sentido colectivo, é preciso lembrar-se
primeiro que a humanidade já existe há muito tempo.

4. A ocasião histórica: reconhecimento sem previsão (Filipe da Macedónia)

É algo totalmente diferente aproveitar-se de oportunidades históricas, com plena


consciência de que elas podem ser decisivas para o destino de muitas gerações futuras,
eventualmente por séculos.

5. O papel da teoria na previsão: o exemplo de Lenin

A teoria não tem papel algum nesse reconhecimento do momento. Isto é óbvio para os
antigos, que não tinham nenhuma teoria do futuro sociopolítico. Mas a situação parece
diferente para os tempos modernos – por exemplo, Lenin e seu momento, o do ano
1917. Contudo, trata-se apenas de aparência.

V. Até onde se estende a responsabilidade política no futuro?

1. Toda arte de governar é responsável pela possibilidade de uma futura arte de


governar

Como se apresenta a situação da responsabilidade política em relação à sua extensão


para o futuro? Diferentemente da responsabilidade paterna, não há um término que seja
estabelecido pela natureza do seu objecto.

2. Horizontes próximos e distantes sob o domínio de uma mudança constante

O que mais se pode dizer a respeito da extensão de tempo da responsabilidade política?


Naturalmente, ela trata, antes de tudo, daquilo que é mais imediato, pois a urgência do
momento requer resposta, como é o caso da oportunidade que deve ser aproveitada. Mas
uma visão ampla pertence a esse agir e torna-se ainda mais necessária a sua ampliação,
por causa da particular envergadura causal das acções modernas.

VI. Por que a responsabilidade não esteve

Até hoje no centro da teoria ética?

1. O circuito mais estreito do saber e do poder: o objectivo da permanência


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Já temos 'uma primeira resposta para a questão que propusemos e logo abandonamos,
ou seja, por que o conceito de responsabilidade, ao qual pretendemos conferir uma
importância central na ética, não desempenhou esse papel e nem sequer algum papel
importante nas teorias morais tradicionais. Esse é o seu "dever" mais modesto e, ao
mesmo tempo, o mais severo. Assim, aquilo que liga a vontade ao dever, o poder, é
justamente o que desloca a responsabilidade para o centro da moral.

VII. A criança: o objecto originário da responsabilidade

1. O "deve-se" elementar no "é" do recém-nascido

Ao concluir as reflexões sobre a teoria da responsabilidade relacionadas em parte à


contemporaneidade, retornamos ao arquétipo original e intemporal da responsabilidade,
aquela dos pais em relação aos filhos. Ela é arquetípica não apenas do ponto de vista
genético e tipológico, mas, em determinada medida, também do ponto de vista
"epistemológico", por sua evidência imediata.

Capitulo VIII

A responsabilidade hoje: o futuro ameaçado e a ideia de progresso


I. Futuro da humanidade e futuro da natureza

1. Solidariedade de interesse com o mundo orgânico

O futuro da humanidade é o primeiro dever do comportamento colectivo humano na


idade da civilização técnica, que se tornou "todo-poderosa" no que tange ao seu
potencial de destruição.

2. O egoísmo das espécies e seu resultado simbiótico global

Quando a luta pela existência frequentemente impõe a escolha entre o homem e a


natureza, o homem, de facto, vem em primeiro lugar.

3. A perturbação do equilíbrio simbiótico pelo homem


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Apenas com a superioridade do pensamento e com o poder da civilização técnica, que


ele traz consigo, foi possível que uma forma de vida, "o homem", fosse capaz de
ameaçar todas as demais formas (e com isso a si mesma também).

4. O perigo revela o "não ao não-ser" como nosso dever primordial

Recapitulemos: o dever do qual falamos surge com a ameaça sobre aquilo de que
falamos.

II. A ameaça tenebrosa contida no ideal Baconiano

Tudo o que dissemos aqui é válido sob a pressuposição de que vivemos em uma
situação apocalíptica, às vésperas de uma catástrofe, caso deixemos que as coisas sigam
o curso actual. O que chamamos de programa balonismo - ou seja, colocar o saber a
serviço da dominação da natureza e utilizá-la para melhorar a sorte da humanidade não
contou desde as origens, na sua execução capitalista, com a racionalidade e a rectidão
que lhe seriam adequadas; porém, sua dinâmica de êxito, que conduz obrigatoriamente
aos excessos de produção e consumo, teria subjugado qualquer sociedade,
considerando-se a breve escala de tempo dos objectivos humanos e a imprevisibilidade
real das dimensões do êxito (uma vez que nenhuma sociedade se compõe de sábios).

III. Capitalismo ou marxismo: quem está mais bem preparado para enfrentar o
perigo?

1. O marxismo como executor do ideal Baconiano

Como expressão fundamental da visão de mundo progressista, podemos considerar a


fórmula de Ernst Bloch: " não é ainda P", na qual "P" é aquilo que desejamos e que nos
cabe alcançar como estado universal. O estado em questão é o estado do homem.

IV. Exame concreto das possibilidades abstractas

Após a avaliação instrumental, que pareceu apontar uma vantagem para um marxismo
interiormente mais comedido (ou seja, melhores possibilidades de dar conta das duras
tarefas do futuro), surge a questão principal: quais são as possibilidades de que esse
marxismo saiba aproveitar tais oportunidades? Essa questão requer, por assim dizer,
uma meta crítica da crítica precedente, reabrindo novamente a comparação
empreendida. Pois o "marxismo", como tal, não passa de uma abstracção.
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V. a utopia do "homem verdadeiro'; o que está por vir

1. O "super-homem" de Nietzsche como o futuro homem verdadeiro

Já que a própria utopia se cala nesse ponto, temos o direito de nos voltar para Nietzsche.
Vindo do extremo oposto do espectro, ele chega à mesma conclusão de que tudo o que
ocorreu até agora não passa de uma etapa preliminar, uma transição do animal para o
super-homem futuro

VI. A utopia e a ideia de progresso


1. Necessidade de despedir-se do ideal utópico

O perigo psicológico da promessa de bem-estar

Já expusemos satisfatoriamente por que "nós" não podemos mais permitir que o bem-
estar mundial continue aumentando, na média. Isso implica renúncias por parte dos
países desenvolvidos, pois o crescimento dos países subdesenvolvidos só poderia
ocorrer às suas custas.

Capitulo IX

A crítica da utopia e a ética da responsabilidade

As últimas frases do capítulo precedente fornecem o tema para este. Elas diziam: o que
valia até agora como natureza humana era o produto de circunstâncias constrangedoras
e deformantes: só as circunstâncias de uma sociedade sem classes trará à luz a
verdadeira natureza humana, e com o "reino da liberdade" começará a verdadeira
história da humanidade. Essa questão é decisiva, quando se consideram os riscos a
serem assumidos diante de uma perspectiva tão sublime.

Ética Da Responsabilidade

1. A crítica da utopia foi a crítica da técnica levada ao extremo

A crítica da utopia, que agora concluímos, teria sido demasiado extensa, caso a utopia
marxista, em sua estreita aliança com a técnica, não representasse uma versão
escatologicamente radicalizada daquilo para onde o ímpeto tecnológico mundial nos
está empurrando, sob o signo do progresso, ainda que de forma nada escatológica.
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3. A ética não-utópica da responsabilidade

Ao princípio esperança, contrapomos o princípio responsabilidade, e não o princípio


medo.

a) Medo, esperança e responsabilidade

A esperança é uma condição de toda acção, pois ela supõe ser possível fazer algo e diz
que vale a pena fazê-lo em uma determinada situação.

b) Preservar a "imagem e semelhança"

Guardar intacto tal património contra os perigos do tempo e contra a própria acção dos
homens não é um fim utópico, mas tampouco se trata de um fim tão humilde. Trata-se
de assumir a responsabilidade pelo futuro do homem.

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