Você está na página 1de 158

INTRODUÇÃO À

FILOSOFIA

Wendell Leonardo Pereira


WENDELL LEONARDO PEREIRA

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA

FABRA
2017
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR FABRA
MANTENEDOR DO CENTRO DE ENSINO SUPERIOR FABRA
CRED. PELA PORT. Nº 2787 DE 12/12/2001
D.O.U. 17/12/2001 - CNPJ 03.580.192/0001-40
Aditada pela Portaria MEC n 467 de 13/09/2013 – publicada no D.O.U em 16/09/2013
Rua Pouso Alegre, 49 – Barcelona – Serra/ES
Tel.: 27 3241-9093 – www.soufabra.com.br

Copyright@FABRA 2017

Elaboração:
Weldell Leonardo Pereira

Revisão:
Kátia Regina Franco
Eber da Cunha Mendes

Organizadora:
Claudio Ernani Litig
Paulo Tavares

Produção e Capa:
Centro de Ensino Superior Fabra

Projeto Gráfico e Editoração:


Central Edições Ltda. 27 99986-6804
Adão Rocha • Luciano Vidal

Catalogação na publicação elaborada pela Biblioteca Central da FABRA.

PEREIRA, Wendell Leonardo


P436i Introdução à filosofia / Wendell Leonardo Pereira; orga-
nização de Claudio Hernani Litig, Paulo Tavares. - Serra, ES:
Centro de Ensino Superior Fabra, 2017.

158 p. : il.

ISBN 978-85-92808-39-6

1. Filosofia – Introdução. I.Título. II. LITIG, Claudio Her-


nani. III. TAVARES, Paulo.
CDD 100
Apresentação

O material que você tem em mãos foi confeccionado com a intenção


de abordar temas filosóficos que permitem a compreensão da realidade em
questões básicas ligadas à disciplina. O estudo da filosofia é muito abran-
gente, portanto, compreenda que esse material foi produzido para permitir
a introdução no assunto.
A Filosofia Antiga, Helênica, Medieval, Moderna e Contemporânea são
abordadas. Ao leitor, apresentamos alguns assuntos de grande importância
como Ética, Política e Educação. A realidade brasileira possui espaço visan-
do aproximar e apresentar a filosofia como uma disciplina que permite a
compreensão de fenômenos que nos cercam.
A terceira parte do livro trata da Filosofia Contemporânea e da configu-
ração política do Século XX com o Liberalismo e a escola de Frankfourt. A
Teoria Crítica dessa escola é vista como uma forma de enfrentamento à crise
existencial e humanitária refletida nas Guerras Mundiais.
O ensino de filosofia visa dar ao aluno uma visão crítica da realidade
frente aos desafios que estão ao redor. A liberdade de pensar, como a exer-
cida pelos filósofos, deve ser o objetivo dos alunos, pois, assim, frente a
dificuldades práticas, terá condições de pensar em soluções fora da obvie-
dade.

Prof. Me. Wendell Leonardo Pereira


O segredo de seu sucesso nos estudos
Não deixe de acessar nosso Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). Nesse ambien-
te você ampliará seus conhecimentos e assuntos abordados neste livro. Este é mais
um segredo para um melhor aproveitamento dos estudos, maior aprendizado e para
a boa formação!
Programa de Ensino

PROGRAMA DE ENSINO
EMENTA
Filosofia antiga, Filosofia medieval, Filosofia moderna, Filosofia
contemporânea. Pós-modernidade. Tópicos de filosofia geral: lógica,
teoria do conhecimento, política, estética e ética. Tópicos de filosofia da
Educação.

OBJETIVOS
1. Estudar os elementos básicos da história da filosofia.
2. Compreender a filosofia atual e seus reflexos na sociedade contem-
porânea.
3. Discutir a contribuição da filosofia no campo da Educação

BIBLIOGRAFIA BÁSICA
ARANHA, Maria Lucia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofan-
do: Introdução à Filosofia. 4. ed. São Paulo: Moderna, 2009.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 14. ed. São Paulo: Ática, 2012.
TOBIAS, José Antônio. Iniciação à filosofia. Leme, SP: JH Mizuno, 2015.

BIBLIGRAFIA COMPLEMENTAR
CUNHA, José Auri. Iniciação à investigação filosófica: um convite ao filosofar.
Campinas, SP: Alínea, 2013. ISBN13:9788575166420

FERREL, O. C. Ética empresarial: dilemas, tomadas de decisões e casos. 4.


ed. Rio de Janeiro: Reichmann & Affonso Editores, 2001.
GRONDIN, Jean. Que saber sobre Filosofia da Religião. São Paulo: Ideias e
Letras, 2012.

LUCKESI, Cipriano Carlos; PASSOS, Elizete Silva. Introdução à filosofia:


aprendendo a pensar. São Paulo: Cortez, 2002.

MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a


Wittgenstein. 5. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

MONDIN, Battista. Curso de filosofia: os filósofos do Ocidente. 6. ed. São Paulo:


Paulus, 1981. vol. 2.
Sumário

UNIDADE I

Capítulo 1 • A filosofia e seu desenvolvimento ao longo da história. 15


A FILOSOFIA ANTIGA E HELÊNICA................................................................. 15
FILOSOFIA MEDIEVAL: DEUS NO CENTRO...................................................... 19
FILOSOFIA MODERNA, ILUMINISMO E AS BASES PARA O PÓS-MODERNO....... 21
RESUMO DO CAPÍTULO................................................................................... 24
AUTOATIVIDADE.............................................................................................. 25

Capítulo 2 • A pós-modernidade.............................................................. 27
O PENSAMENTO PÓS-MODERNO E O RELATIVISMO....................................... 27
RELATIVISMO E A NECESSIDADE DO CONSENSO .......................................... 31
RESUMO DO CAPÍTULO................................................................................... 38
AUTOATIVIDADE.............................................................................................. 39

Capítulo 3 • Tópicos de filosofia geral................................................. 41


LÓGICA........................................................................................................ 41
TEORIA DO CONHECIMENTO........................................................................ 42
FILOSOFIA POLÍTICA..................................................................................... 43
ESTÉTICA..................................................................................................... 44
RESUMO DO CAPÍTULO................................................................................... 45
AUTOATIVIDADE.............................................................................................. 46
Unidade 2

Capítulo 1 • Ética: seu desenvolvimento e aplicação.......................... 51


ÉTICA NA FILOSOFIA CLÁSSICA..................................................................... 53
ÉTICA NA FILOSOFIA HELÊNICA.................................................................... 55
ÉTICA NO PERÍODO CRISTÃO........................................................................ 56
ÉTICA NA IDADE MODERNA E NO ILUMINISMO............................................. 57
A ÉTICA EM KANT E NIETZSCHE................................................................... 58
RESUMO DO CAPÍTULO................................................................................... 61
AUTOATIVIDADE.............................................................................................. 62

Capítulo 2 • Filosofia da educação no brasil....................................... 63


EDUCAÇÃO BRASILEIRA COMO PROJETO: UMA BREVE REFLEXÃO................. 63
DEFINIÇÕES E RESTROSPECTO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL . ........ 64
EDUCAÇÃO E IDEOLOGIA.............................................................................. 72
CORRENTES FILOSÓFICAS E PAPÉIS PARA A EDUCAÇÃO................................ 75
UMA ANÁLISE HISTÓRICO-FILOSÓFICA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL................. 77
EDUCAÇÃO E A PERSPECTIVA DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA . ............................ 85
CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO E AS
PERSPECTIVAS FILOSÓFICAS APRESENTADAS............................................... 87
RESUMO DO CAPÍTULO................................................................................... 89
AUTOATIVIDADE.............................................................................................. 90

Capítulo 3 • Filosofia e polítca: o brasil e sua


formação político-cultural............................................................. 91
O PROBLEMA DA DESIGUALDADE NO BRASIL............................................... 91
AS ELITES BRASILEIRAS E SEUS COMPROMISSOS......................................... 92
NAÇÕES HEGEMÔNICAS E LATINO-AMERICANAS:
REFLETINDO SOBRE A TEORIA DA DEPENDÊNCIA......................................... 95
TEORIA DA DEPENDÊNCIA E A MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA.................. 98
RESUMO DO CAPÍTULO................................................................................... 100
AUTOATIVIDADE.............................................................................................. 101
Unidade 3

Capítulo 1 • A filosofia contemporânea................................................ 105


O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO E NIETZSCHE........................................ 105
RESUMO DO CAPÍTULO................................................................................... 110
AUTOATIVIDADE.............................................................................................. 111

Capítulo 2 • Escolas da filosofia contemporânea............................... 113


EDMUND HUSSERL E A FENOMENOLOGIA.................................................... 113
O ESTRUTURALISMO.................................................................................... 115
PÓS-ESTRUTURALISMO: JACQUES DERRIDA, DESCONSTRUÇÃO E ÉTICA....... 118
A PÓS-METÁFISICA: WITTGENSTEIN.............................................................. 132
GADAMER E A HERMENÊUTICA.................................................................... 134
RESUMO DO CAPÍTULO................................................................................... 137
AUTOATIVIDADE.............................................................................................. 138

Capítulo 3 • O liberalismo e a sua crítica,


o pensamento de Frankfurt............................................................. 139
O LIBERALISMO E A REAÇÃO DE FRANKFOURT............................................. 144
RESUMO DO CAPÍTULO................................................................................... 148
AUTOATIVIDADE.............................................................................................. 149

Bibliografia comentada............................................................................ 151

Referências bibliográficas...................................................................... 153


INTRODUÇÃO À FILOSOFIA

Unidade 1
Capítulo 1

A filosofia e seu desenvolvimento


ao longo da história

A FILOSOFIA ANTIGA E HELÊNICA

Tales de Mileto
Disponível em <http://www.estudopratico.com.br/historia-da-filosofia-antiga-filosofos-e-contexto-
historico/>. Acesso em 7 de junho de 2017.

Sobre a Filosofia Antiga, sabe-se de seu surgimento no momento


concomitante ao aparecimento do livro na civilização ocidental. Tales de
Mileto o foi primeiro pensador ao qual se atribuiu o qualitativo de filosofo.
Os períodos Estudados pela Filosofia se dividem em quatro, a saber:
1 - O primeiro período, chamado retroativamente de pré-socrático,
compreende desde o mestre da primeira Escola de Mileto, na Ásia Menor,
Tales de Mileto (aprox. 640-546 a.C), a quem devemos o famoso “Teorema
16 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

de Tales”, até Sócrates de Atenas (468- 399 a.C). Nesse período, os Filósofos
abordavam basicamente os temas ligados à natureza, por isso também são
conhecidos como filósofos da natureza (CHAUÍ, 1986).
Além de Tales, para quem a água é o princípio da criação de todas
as coisas, outros filósofos devem ser mencionados, como Pitágoras, que
atribuía aos números a ordenação do mundo; e Parmênides, que atribuía a
Uno, ou Um, como todo “o princípio, eterno, imutável e imóvel” (GRISSAULT,
2012, p.12). Já para Heráclito, o fogo seria o princípio do “vir a ser” e a
manifestação de um princípio único (GRISSAULT, 2012); Anaxímenes (586-
526 a.C) acreditava que o ar é o elemento originário das coisas; por fim,
Anaximandro (610-545 a.C.) acreditava que é o apeiron princípio ilimitado
e indeterminado (GRISSAULT, 2012).
2 - Em 450 a.C., temos o segundo período, denominado clássico,
adjetivo que serviu para designá-lo, sobretudo, a partir do Renascimento. É
o período em que se tem maior número de textos e que mais nos influenciou
(CHAUÍ, 1986).
Os Filósofos Clássicos, Sócrates, Platão e Aristóteles, abordam temas
como ética, democracia, matemática, estética, física, lógica e zoologia. Em
termos epistemológicos, temos em Aristóteles a base para o pensamento
empirista, e, em Platão, para a metafísica. Muitos filósofos basearam-se
nesses pensadores para desenvolver sua própria filosofia.
Platão fora discípulo de Sócrates que chamava a sua filosofia de
maiêutica (termo relacionado ao “parto”; Sócrates era filho de uma parteira
e acreditava que o filósofo deveria, assim como em um parto, favorecer o
nascimento, ou seja, “iluminação” pela razão filosófica), usava da dialética
em seus debates. Sócrates ficou conhecido como o homem mais sábio
de sua época, todavia, sua afirmação era de que nada tinha a ensinar,
pois tinha consciência de que nada sabia (GRISSAULT, 2012). Morreu,
após condenação, por envenenamento. A acusação era a de que estava
subvertendo os jovens contra os anciãos e blasfemando contra os deuses.
Houve uma votação para considerá-lo culpado ou não. Mais
da metade dos 501 cidadãos que compunham o imenso júri
o considerou culpado e o sentenciou à morte. Se ele quisesse,
provavelmente poderia ter se defendido e evitado a execução.
Contudo, em vez disso, fiel à sua reputação de moscardo, irritou
ainda mais os atenienses argumentando que não fizera nada
de errado e que eles deveriam, na verdade, recompensá-lo com
refeições gratuitas pelo resto da vida em vez de puni-lo. Mas
u NI D A D E 1 • 17

esse argumento não foi bem aceito. Ele foi condenado à morte,
tendo de tomar veneno feito de cicuta, uma planta que paralisa
gradualmente o corpo. Sócrates despediu-se da esposa e dos
três filhos, depois reuniu seus estudantes ao redor de si. Se
tivesse tido a escolha de continuar vivendo em silêncio, sem
fazer mais perguntas a ninguém, ele não teria aceitado. Pre-
feria morrer a viver assim. Sócrates tinha uma voz interior que
lhe dizia para continuar questionando tudo, e ele não a trairia.
Então, tomou um cálice de veneno e morreu logo depois (WAR-
BURTUN, 2011, p. 6).

Platão ficou conhecido pela concepção dualista que divide a realidade


entre mundo sensível e o mundo inteligível. Segundo esse filósofo, para além
do mundo sensível (onde os sentidos captam a realidade externa) existe o
mundo inteligível, também conhecido como mundo das ideias, onde habita
o modelo de todas as coisas. Esse mundo sensível é, na verdade, uma
cópia dos mundos das ideias. Tanto Platão quanto Sócrates, em relação ao
Estado, acreditavam que somente a filosofia pode discernir “todas as formas
de justiça política e individual” (GRISSAULT, 2012, p. 24).
Aristóteles foi discípulo de Platão; “seu pai é médico pessoal de Amintas
III, avô do futuro Alexandre Magno, de quem Aristóteles será preceptor”
(GRISSAULT, 2012, p. 27). Para Platão, seu discípulo Aristóteles era
possuidor de grande capacidade, ao ponto de ser chamado de “A inteligência”
(GRISSAULT, 2012).
Acerca de suas teses essenciais, “[...] Aristóteles é um dos pais
fundadores não somente da metafísica e da lógica, mas também da zoologia
(ele foi um dos primeiros a classificar as espécies animais e a recolher
metodologicamente informações de observação” (GRISSAULT, 2012, p.
27).
3 - O próximo período se inicia para a filosofia com a morte de
Aristóteles e com a conquista da Grécia pela Macedônia; é denominado, em
ambas, período alexandrino ou helenístico (322 a.C até aprox. 200 d.C).
Caracterizou-se pela contínua disseminação da cultura grega “clássica”
em todo o mundo (CHAUÍ, 1986). Nesse período, podemos destacar os
Epicureus, Estóicos e Cínicos.
Epicuro foi discípulo de Panfílio e, posteriormente, de Demôcrito. Ele
viveu em uma época de profunda agitação. Em 323, Alexandre, o Grande
morre e Atenas muda de chefe político sete vezes (GRISSAULT, 2012, p.
18 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

33) O epicurismo era uma filosofia muito comum, pois é dessa visão de
realidade que o apóstolo Paulo cita: “Comamos e bebamos que amanhã
morreremos!” (II Co 4.18), frase associada ao pensamento epicureo. O
epicurismo possui concepção materialista sobre o mundo; para essa escola,
o mundo é composto por átomos e pelo vazio (GRISSAULT, 2012, p.33). O
epicurismo era a busca do prazer e da felicidade como suprema causa do
existir. Como prezava pela amizade e pela harmonia, a escola fundou uma
comunidade conhecida como “filósofos do jardim”.
O estilo de vida dessa escola se pautava no “[...] bem viver de maneira
diferente da formação erudita e ligada à política. Pois, o papel da filosofia é
antes a condução dos homens pela via da sabedoria: o Jardim acolhe tanto
personalidades ilustres quanto mulheres e escravos” (GRISSAULT, 2012, p.
33).
Quanto às teses essenciais, “A filosofia epicuriana compreende três
partes: a canônica, primeiramente, se interessa sobre os critérios da
verdade; a física, em seguida, trata da natureza; e a moral, por fim, expõe
as condições de uma vida feliz” (GRISSAULT, 2012, p. 27 e 34).
O cinismo foi também uma filosofia muito conhecida. Assumia uma
postura de descrença a tudo que era exterior a ele mesmo. Para o filosofo
cínico, o que um homem pode ter de mais valioso era o contentamento
interior. Tal postura não agrada a elites. Diógenes de Sinope (404-323 a.
C) fundou essa filosofia. “Diogenes compartilhou da paixão pela virtude e
da rejeição ao confronto material de Sócrates, mas levou essas ideias ao
extremo” (BUCKINGHAM, 2011, p. 66). Sobre Diógenes, Platão afirmou
ser um “Sócrates que ficou louco” (op. cit., p. 66). Diogenes viveu em
pobreza e tinha satisfação nisso; tinha como abrigo um barril velho. Para os
cínicos, uma vida de desapego leva o homem ao ideal, pois, segundo ele,
“quem mais tem se satisfaz com o mínimo” (BUCKINGHAM, 2011).
O estoicismo foi doutrina criada por Zenão (332-265 a.C.) e Sêneca.
A base desse pensamento está na felicidade. Para Zenão, “A felicidade é o
bem fluir da vida”; tinha como pressuposto o pensamento de que a felicidade
está ligada a uma prática ética em que o homem controla suas paixões e
as domina a seus princípios. O estoicismo era caracterizado pela postura
ascética.
Discípulo de Diógines, o Cínico, Zenão, “[...] compartilhou de sua
abordagem singela. Ele tinha pouca paciência com especulações metafísicas
u NI D A D E 1 • 19

e chegou a acreditar que o cosmos era governado por leis naturais estabelecida
por um legislador supremo” (BUCKINGHAM, 2011, p. 67).
Essa filosofia conquistou grande parte da Grécia Antiga e do Império
Romano e serviu de base ética à política até ser superada pelo cristianismo
no século VI. Essa filosofia via na natureza referência para a vida de modo
que se entendia que “o objetivo da vida é viver de acordo com a natureza”
(BUCKINGHAM, 2011).
4 - O período greco-romano inicia-se por ocasião das conquistas romanas
resultantes das guerras púnicas, estendendo-se por ocasião das conquistas
romanas por volta de 530 de nossa era – é o período mais longo e também
o mais desprezado pelos historiadores da filosofia (CHAUÍ, 1986).
Nesse período, epicureus, estoicos, céticos, agnósticos e neoplatônicos
permanecem no cenário da filosofia. Todavia, com a expansão do cristianismo,
a filosofia Patrística sobressai. Tal pensamento tem como centro a fé cristã
e sua defesa por um viés filosófico.
A grande referência filosófica nesse Período é Santo Agostinho (354-
430 d.C.) que recebeu influência maniqueísta e neoplatônica. Sobre Deus,
ele afirma não ser o autor do mal e considera o mal como ausência do bem,
não como um fim em si mesmo. Quanto ao livre arbítrio, ele considera-o
como condição essencial para a criação do homem como um ser racional
(BUCKINGHAM, 2011).
Em sua obra Confissões, Agostinho expõe sua filosofia e teologia de
maneira detalhada. “Seu pensamento dominará o pensamento ocidental,
sobretudo o religioso, tanto na Idade Média (até o século XIII principalmente)
quanto na Renascença por meio dos reformadores Lutero e Calvino”
(GRISSAULT, 2012, p. 57).

FILOSOFIA MEDIEVAL: DEUS NO CENTRO

Tomás de Aquino e Santo Agostinho


Disponível em:<http://brasilescola.uol.com.br/historiag/filosofia-medieval.htm> Acesso em 7 de
junho de 2017.
20 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

Tal período é caracterizado por sua complexidade e problematização, pois


as muitas tendências e núncias desafiam a capacidade de síntese, mesmo
operando com divisões e subdivisões. Isso mostra que a Idade Média não foi
um período de estagnação intelectual. Pode-se citar São Tomás de Aquino,
Duns Scot, Santo Agostinho que se serve de Platão e os neo-platônicos. As
questões teológicas são tratadas sob perspectiva filosófica devido à força do
cristianismo no momento (CHAUÍ, 1986).
Destacamos a Escolástica como sequência da Patrística. Esse pensamento
se tem em Santo Tomás de Aquino (1225-1274), sua maior referência.
Aquino recebe influência mais direta de escritos de Aristóteles. A obra Suma
Teologica é vista como maior expressão desse pensamento. O pensamento
Escolástico segue forte do Século IX até o fim do XVI (GRISSAULT, 2012).
Tomás de Aquino trabalha a existência de Deus em sua filosofia moral,
política e prudência. Em sua filosofia, a Fé e a Razão estão unidas. A origem
da existência de todas as coisas é o primeiro motor: “Deus, causa originária
de todas as coisas” (GRISSAULT, 2012, p. 73).
Os dogmas institucionais na Idade Média criaram um sistema teocêntrico,
no qual a religião cristã era detentora de todas as respostas. Após essa fase,
por volta do século XVI, o antropocentrismo passa a racionalizar o universo,
deixando os mitos e dogmas religiosos em outro plano. Passa-se a responder,
por meio da razão, às questões existenciais.
No Modernismo, que surge no início do século XX, temos um
movimento de contestação ao tradicional. O modernismo possui
como característica o transitório, o fugidio, e o contingente, é
uma arte pela metade, sendo a outra, o eterno e o imutável.
Ser moderno é encontrar-se num ambiente que promete aventu-
ra, poder, alegria, crescimento de si e do mundo - e ao mesmo
tempo, que ameaça tudo o que temos, tudo o que sabemos,
tudo o que somos. Os ambientes e experiências modernos cru-
zam todas as fronteiras da geografia, e da etnicidade, da nacio-
nalidade, da religião e da ideologia; nesse sentido que a moder-
nidade forma uma humanidade. Mas trata-se de uma unidade
paradoxal, uma unidade da desunidade; ela nos arroja num
redemoinho de perpétua desintegração e renovação, de luta e
contradição da ambigüidade e angústia. Ser moderno é ser parte
de um universo em que, como disse Marx “tudo o que é sólido
desmancha no ar” (HARVEY, 2003, p. 22).
u NI D A D E 1 • 21

FILOSOFIA MODERNA, ILUMINISMO E AS BASES PARA O


PÓS-MODERNO

Ilustração sobre a Revolução Científica


Disponível em:<https://historiaaraposo8ano.wordpress.com/2013/04/24/a-revolucao-cientifica-dos-
seculos-xvii-e-xviii/> Acesso em 7 de junho de 2017.

É frequente designar a filosofia moderna como aquele saber que se


desenvolve na Europa, durante o século XVII, tendo como referências
principais o cartezianismo – isto é, a filosofia de René Descartes, a ciência
da Natureza galilaica – isto é, a mecânica de Galileu Galilei, a nova ideia
do conhecimento como síntese entre observação, experimentação e razão
teórica baconiana – isto é, a filosofia de Francis Bacon – e as elaborações
acerca da origem e das formas da soberania política, a partir das ideias de
direito natural e direito civil hobbesianas – baseado no filosofo Thomas
Hobbes (CHAUÍ, 1986).
A filosofia moderna ou filosofia do século XVII é sugerida pela cronologia,
mas, também, como abstração, se considerarmos as várias filosofias que
polemizam entre si nesse período: a metafísica, a ciência da natureza, as
técnicas, a moral e a política de maneira diferenciadas (CHAUÍ, 1986).
Notamos, nos modernistas, grande presunção quanto ao que pensavam
acerca de si mesmos, acerca do progresso do ser humano. Por um lado, o
antropocentrismo iluminista proporcionou grande crescimento e libertação;
por outro, houve a desintegração e o crescimento da insensibilidade. E
isso é claramente notado nas grandes guerras ocorridas no século do pós-
iluminismo.
O caminho apontado pelo modernismo é o de “caos totalizante”. A
sociedade acaba sendo levada por tal ideologia que, a princípio, era vista como
condição necessária para se chegar ao aperfeiçoamento da humanidade.
22 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

Contudo, o resultado da proposta de poder, alegria e crescimento acaba


gerando conflito e esse, a fragmentação.
A alta cultura entrou num turbilhão de inovação infinita, cada
campo proclamando-se independente do todo, cada parte divi-
dindo-se, por sua vez em partes. Para a implacável centrifuga-
dora da mudança foram atraídos os próprios conceitos mediante
os quais poderiam ser fixados no pensamento. Não somente os
produtores da cultura como também os seus analistas e críticos,
foram atingidos pela fragmentação (HARVEY, 2003, p. 22).
Como sabemos, o Iluminismo, iniciado no século XVI, infundiu uma
nova consciência na humanidade. A libertação dos mitos religiosos, do
uso arbitrário do poder, do lado sombrio da natureza humana e o fomento
do progresso científico e da exaltação da razão acabaram por revelar uma
realidade antropocêntrica na qual a humanidade buscaria suas realizações.
Foi justamente neste período que o termo moderno entrou em foco.
Habermas (1983,9) chama de projeto da modernidade que en-
trou em foco durante o século XVIII. Esse projeto equivalia a
um extraordinário esforço intelectual dos pensadores iluministas
para desenvolver a ciência objetiva, a moralidade e as leis uni-
versais e a arte autônoma nos termos da própria lógica interna
deles. A idéia era usar o acúmulo de conhecimento gerado por
muitas pessoas trabalhando livre e criativamente em busca da
emancipação humana e do enriquecimento da vida diária (HAR-
VEY, 2003, p. 23).
O texto aponta para um planejamento ao usar o termo “projeto da
modernidade”. Os objetivos seriam o desenvolvimento cultural e tecnológico
dentro de uma razão iluminista. O domínio do homem pelo homem, da
sociedade e da natureza por meio da tecnologia produziu as grandes crises
do século XX.
Os Iluministas entenderam que o projeto modernizador poderia
ter a sua realização ao acolher o turbilhão de mudanças a tran-
sitoriedade, o fugidio e o contingente seriam condições necessá-
rias. Abundavam doutrinas de igualdade, liberdade, fé na natu-
reza humana (uma vez permitidos os benefícios da educação) e
razão universal. ‘Uma boa lei deve ser boa para todos’ pronun-
ciou Condorcte às vésperas da Revolução Francesa (HARVEY,
2003, p. 23).
O progresso moral, o controle sobre as forças naturais, a compreensão
do “eu” e do mundo, a justiça das instituições e até mesmo a felicidade
dos seres humanos não estariam assegurados pelo Iluminismo. Antes, suas
u NI D A D E 1 • 23

conquistas se voltaram contra si mesmos.


No início do Século XX tivemos duas grandes guerras mundiais,
campos de concentração, ameaça de aniquilação nuclear a ex-
periência de Hiroshima e Nagasaki abalaram o otimismo de
outrora [...] O projeto do Iluminismo estava fadado a voltar-se
contra-si mesmo e transformar a busca por emancipação huma-
na num sistema de opressão universal em nome da libertação
humana (HARVEY, 2003, p. 23).
O projeto iluminista torna-se questionável pelo reflexo de seus
efeitos. As guerras apontam para o desespero em dominar e a perda
de valor da vida humana. O medo, a partir de tais fatos, se torna
mecanismo de dominação.
Após as crises econômicas, diplomáticas o sentimento de fracas-
so inaugurou uma nova era, O Pós-Modernismo. Muitos autores
divergem quanto ao início dessa nova Era, Thomas Oden vê o
fim do modernismo não como a queda do projeto habitacional
em Pruitt-Igoe em Sant Louis, ocorrido em 15 de julho de 1972,
conforme Charles Jencks, antes considera a queda do Muro de
Berlim (VEITH, 1999. p. 32).
Essa nova era é inaugurada em meio a um sentimento de fracasso,
o que torna questionável o projeto Iluminista e aponta para a
necessidade de reflexão e da libertação de certos paradigmas que
são produtos de uma razão pautada no poder.
24 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

RESUMO DO CAPÍTULO 1

o A filosofia ocidental tem início na Grécia Antiga. O primeiro filósofo


foi Tales de Mileto. Os filósofos desse período eram conhecidos como
Filósofos da natureza, período que antecede o da Filosofia Clássica.

o Sócrates foi o principal filósofo da era Clássica. Esse período tem Platão
e Aristóteles como grandes referencias. Platão defendia uma perspectiva
metafísica e Aristóteles possuía uma visão empirista da realidade.

o No período Medieval, Deus estava no centro da reflexão filosófica. Já na


Modernidade, o homem toma esse posto. Na renascença, que está entre o
período Medieval e Moderno, a religião perde espaço, ocorre a secularização
da religião, o que, em 1517, resulta na Reforma Protestante.

o No século XVII, temos a revolução científica. O avanço da tecnologia e as


variadas abordagens acerca da realidade ajudou no domínio da natureza,
sociedade e do próprio homem, conforme o pensamento positivista.
Nesse contexto, Nietzsche apregoa a morte de Deus (como paradigma da
verdade). Assim, as perdas de referência levam o homem ao Niilismo e
ao Relativismo, marcas essas que caracterizam a pós-modernidade.
u NI D A D E 1 • 25

AUTOATIVIDADE

1 O que caracteriza a Filosofia Clássica?

2 Descreva a Filosofia Medieval e seus principais filósofos.


26 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

3 Descreva o contexto que antecedeu a Pós-Modernidade.

AMPLIE O CONHECIMENTO NO AVA


“Ambiente Virtual de Aprendizado”

Aprofunde seus conhecimentos, assistindo:

A seguir, há algumas dicas de filmes (vídeos) sobre a filosofia e seu


desenvolvimento ao longo da História. Confira em:

https://www.youtube.com/watch?v=ofcKTYvKAYo
https://www.youtube.com/watch?v=b6dCnMwmB0A
https://www.youtube.com/watch?v=n4lIBgPLzdk
Capítulo 2

A pós-modernidade

O PENSAMENTO PÓS-MODERNO E O RELATIVISMO

Ilustração do processo de perda da subjetividade na pós-modernidade

Disponível em: <http://www.ideiademarketing.com.br/wp-content/uploads/2014/11/consumo-


1024x768.jpg> Acesso em 7 de junho de 2017.

A ideia relativista não surge em tempos presentes. Entretanto, o filósofo


Protágoras (480 a 411 a.C.), pertencia à escola sofista. Sua frase “O ser
humano é a medida de todas as coisas, daquelas que são por aquilo que
são e daquelas que não são por aquilo que não são” traz o cerne de seu
raciocínio, bem como o relativismo dos sofistas de seu tempo. Em sua
máxima, o fundamento de sua filosofia pode ser entendido como expressão
que sinalizava essa perspectiva relativista. Com base em seu raciocínio, o
ser humano é visto como aquele que dá sentido e definição às coisas, sendo
que cada ser humano pode desferir uma sentença diferente, o que nos leva
a entender a realidade sob uma perspectiva relativista.
28 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

No século XVI, a Europa passa por transformações culturais racionais


com a Renascença. A visão de mundo deixou de ser teocêntrica para ser
antropocêntrica
[...] com o deslocamento do homem para o centro das represen-
tações do mundo. Nas artes plásticas, especialmente na pintura
e na escultura, adotou-se a inovadora técnica da perspectiva
e houve a retomada do ideal de beleza empregado na Grécia
clássica. [...] houve também uma redescoberta da filosofia gre-
ga clássica. Esse deslocamento em favor do homem aconteceu
também na Reforma Protestante, empreendida sobretudo pelas
reelaborações teológicas de Lutero e Calvino, em que o homem
passou a ter um papel ativo na definição do seu destino celes-
tial, em que as evidências de salvação ficaram na dependência
da aplicação do ascetismo puritano – com o consequente pro-
gresso material – na sua vida cotidiana (EVANGELISTA, 2007,
p. 43-44)

Ações pragmáticas e relativistas sempre existiram ao longo da história,


principalmente quando se considera o período grego-romano. Por isso,
temos na Renascença e em Maquiavel um resgate e, por que não dizer, uma
sistematização desses princípios visando usá-los como para a dominação
política e ideológica.
A ética de Maquiavel tinha por objetivo a conquista do poder e sua
manutenção e, para isso, fazia uso tanto do pragmatismo quanto do relativismo.
Ao afirmar que “Um príncipe não deve, portanto, importar-se com a má fama
de cruel, para manter seus súditos unidos e fiéis, porque, com pouquíssimos
julgamentos exemplares, ele será mais piedoso do que aqueles que, por excessiva
piedade, deixam acontecer desordens [...]” (MAQUIAVEL, 2005, p. 81). Ele
aponta para um dos pilares de sua doutrina, ou seja, o que importa é manter a
ordem e o controle, para não perder o governo. Sua compreensão de natureza
humana apontava para o mal, pois via o homem como um ser previsível em
suas mazelas. “Porque dos homens pode-se geralmente dizer que são ingratos,
volúveis, simuladores e dissimuladores, temerosos e perigosos, ambiciosos por
ganhos” (MAQUIAVEL, 2005, p. 82).
Maquiavel rompe com o romantismo e a exaltação das virtudes, visto
que o poder e dominação são os seus dogmas. O “ser amado” agora é
preterido pelo “ser temido” quando o poder está em jogo. A isso ele reitera:
“A resposta é de que seria necessário ser uma coisa e outra, mas como é
difícil reuni-las, é muito mais seguro ser temido do que amado, quando se
u NI D A D E 1 • 29

deve renunciar a uma das duas” (MAQUIAVEL, 2005, p. 82). Em outra


passagem, ele ainda afirma que “um senhor prudente, portanto, não pode
nem deve manter sua palavra, quando isso se torna prejudicial e quando
desapareceram as causas que o levaram a emprenhá-la” (MAQUIAVEL,
2005, p. 86).
Observa-se que os ensinos de Maquiavel ao Príncipe fazem uso de
valores não exaltados pela ética cristã, como a dissimulação, o apego ao
poder em detrimento ao valor da boa fama, além da visão materialista. A
leitura de “O Príncipe”, de Maquiavel tornou-se obrigatória em vários cursos
ligados às áreas de humanas e, mais especificamente, na área política. Esse
clássico tem sido lido por formadores de opinião e intelectuais, bem como
por políticos.
A leitura da realidade sob uma perspectiva materialista segue como
tendência da filosofia moderna. Essa realidade é notada como uma reação à
visão metafísica e teocêntrica comum na Idade Média. De modo semelhante
a Maquiavel, observa-se em Nietzsche a forte tendência relativista, quando o
autor diz que “o mundo, para nós, voltou a se tornar ‘infinito’; não podemos
lhe recusar a possibilidade de se prestar a uma infinidade de interpretações”
(NIETZSCHE, 2005b. p. 251).
Os pensamentos de Maquiavel e Nietzsche trazem bases para uma
sociedade na qual o pragmatismo e o relativismo são parte constitutiva
da cultura que outrora se firmava, ao menos no Ocidente, em preceitos e
dogmas cristãos. A declaração mais veemente contra a religião cristã e,
por consequência, a sua ética se dá por Nietzsche ao declarar em algumas
passagens a “morte de Deus”. Isso acontece tanto em sua obra “Assim Falou
Zaratustra” quanto em “A Gaia Ciência”, quando afirma
[...] Deus morreu! Deus continua morto! Fomos nós que o ma-
tamos! Como havemos de nos consolar, nós, assassinos entre
os assassinos! O que o mundo possuiu de mais sagrado e de
mais poderoso até hoje sangrou sobre nosso punhal – quem
nos lavará desse sangue? Que água nos poderá purificar? Que
expiações, que jogos sagrados seremos forçados a inventar? A
grandeza desse ato não é demasiado grande para nós? Não se-
remos forçados a nos tornarmos nós próprios deuses – mesmo
que fosse simplesmente para parecermos dignos deles? Nunca
houve ação mais grandiosa e aqueles que nascerem depois de
nós pertenceram, por causa dela, a uma história mais elevada
do que o foi alguma vez toda essa história (NIETZSCHE, 2005b,
p. 129).
30 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

A “morte de Deus” é fundamento definitivo para a formação de uma


cultura em que os valores da ética cristã perdem significado, assim como
qualquer outra formulação ética frente à realidade social de nosso tempo.
A “morte de Deus” por Nietzsche foi interpretada de várias formas, e dentre
essas interpretações entende-se essencialmente que os valores Morais e
Éticos no contexto social e subjetivo, não respondem de modo pleno às
questões humanas.
Não estando no homem a resposta, não estando também em Deus,
entende-se que a humanidade está entregue ao Niilismo. Temos a partir
desse momento o nascimento do niilismo. O Niilismo aponta para a
desistência de busca a respostas, bem como para a desvalorização dos
valores e consequentemente da existência. A “morte de Deus” é vista como
uma libertação de valores esclerosados e que não respondem às questões
da humanidade. Assim sendo, se Ele está morto, vale tudo.
O que se percebe, observando o desenvolvimento humano, no que diz
respeito à razão, é que, após a Idade Média, ou seja, no Iluminismo, surge
uma nova forma de encarar a existência, pois
O conhecimento estava a serviço da emancipação humana e
da melhoria da vida cotidiana e tinha por objetivos o domínio
científico da natureza e o desenvolvimento de formas racionais
de organização social. Os modos racionais de pensamento eram
a garantia para a libertação do homem em relação ao poder dos
mitos, da religião, da superstição e do arbítrio (EVANGELISTA,
2007, p. 45).
As percepções da realidade se desprendem e se afastam da metafísica
e do idealismo, e passam a ser mais voltadas para o materialismo. Isso
implica em uma nova forma de compreensão da realidade que cerca o ser
humano.
Entre Maquiavel e Nietzsche, temos quase quatro séculos de história.
No entanto, a filosofia de ambos aponta na mesma direção: a emancipação
humana e a promoção da razão.
Das influências filosóficas e religiosas resultaram várias formas de
agnoticismo e relativismo. Estas foram alvos de investigação filosófica a
perder-se nas areias movediças de um ceticismo geral. Mais recentemente,
ganharam relevo diversas doutrinas que tendem a desvalorizar até mesmo
aquelas verdades que o ser humano estava certo de ter alcançado. A legítima
pluralidade de posições cedeu o lugar a um pluralismo indefinido fundado
no pressuposto de que todas as posições são equivalentes: trata-se de um
u NI D A D E 1 • 31

dos sintomas mais difusos no contexto atual de desconfiança na verdade.


Como consequência, despontaram não só em alguns filósofos, mas, no ser
humano contemporâneo, atitudes de desconfiança generalizada quanto aos
grandes recursos cognoscitivos (NUNES, 1991).
O que podemos contemplar diante do que está posto pode ser chamado
de pós-modernismo, no qual figuram várias características e tendências
como a fragmentação, o pragmatismo o pluralismo e o relativismo.

RELATIVISMO E A NECESSIDADE DO CONSENSO

Representação do relativismo - “todas as direções estão corretas”


Disponível em: <http://www.afecatolica.com/news/relativismo-uma-praga-/> Acesso em 7 de junho
de 2017.

Diante de uma sociedade pluralista e fragmentada, o consenso se torna


um grande desafio. Todavia, o sentimento de desamparo e de desespero
devem promover esforços para buscar um referencial para o bem comum.
Historicamente, os valores se formaram em processos sociais
complicados e dinâmicos e se manifestaram como normas e
mandamentos das religiões. Revela-se aí um campo de tensão,
pois a moral se desenvolve em processos sociais dinâmicos. Por-
tanto, decorre de condições nas quais o homem responsabiliza
autonomamente sua moral. Mas para fundamentar a afirmação
de que o homem como indivíduo, comunidade, nação ou reli-
gião – se deve comportar de maneira humana há que recorrer-se
a um dever incondicional. Este é um assunto da religião, pois,
somente um incondicional pode obrigar incondicionalmente.
Dessa maneira, o dever ético não se deriva do homem, que
é condicionado, mas do Incondicionado como Absoluto. Como
realidade suprema, este Absoluto é racionalmente indemons-
trável, mas pode ser aceito como racionalmente plausível. Nas
32 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

religiões do livro esse Incondicional é chamado Deus. Todas as


religiões respondem às questões do “donde e para onde” da
nossa vida, relacionando-nos com o transcendente. Por isso
cabe às religiões um papel importante, pois somente elas têm
autoridade para poder fundamentar um ethos mundial (KÜNG,
2001, p. 78-83).
A necessidade de um consenso em meio a uma cultura relativista é um
desafio. Por isso, há a necessidade de se desenvolver uma linguagem que seja
compreendida nesse universo transcultural, plural e relativizado. A religião
é entendida como uma linguagem universal, assim como o sentimento que
é compreendido apesar de divergências dos idiomas. Rousseau, falando de
sentimentos inerentes à natureza do ser humano - especificamente sobre a
“piedade” -, afirma que, “com toda a sua moral, os homens nunca teriam
passado de monstros, se a natureza não lhes tivesse dado a piedade em
apoio da razão, mas não viu que dessa única qualidade que decorrem todas
as virtudes sociais que ele pretende contestar nos homens” (ROSSEAU,
2005, p. 49).
A piedade é um sentimento que precede a razão. É um sentimento
primitivo e instintivo, não se teoriza, mas é aplicado quando necessário. Como
uma mãe expressa ternura pelos filhos diante de perigos ou quando fêmeas
de várias espécies de animais se impõem diante de predadores para proteger
as suas crias, piedade é sentida, não racionalizada, ou programada.
É, pois, perfeitamente certo que a piedade é um sentimento
natural que moderando em cada indivíduo a atividade do amor
a si mesmo, concorre para a conservação mútua de toda espé-
cie. É ela que nos leva sem reflexão em socorro daqueles que
vemos sofrer; é ela que, no estado de natureza, faz às vezes da
lei, de costume e de virtude, com a vantagem de que ninguém
é tentado a desobedecer a sua doce voz é ela que impede todo
selvagem robusto de arrebatar a criança fraca ou a um velho
enfermo sua subsistência adquirida a duras penas (ROSSEAU,
2005, p. 50).
Outra declaração semelhante à de Rousseau temos em Leonardo
Boff que nos fala de outro sentimento, o “cuidado”. Como a “piedade” de
Rousseau, Boff aponta para a boa relação do ser humano em comunidade.
Um princípio que nos leva à diaconia.
O cuidado é uma relação amorosa que descobre o mundo como
valor. Ele não é primeiramente objeto da posse humana e arena
dos interesses utilitaristas. Ele possui subjetividade, à medida
que é parte e parcela do todo e merece ser respeitado e continu-
u NI D A D E 1 • 33

ar a existir. O cuidado expressa a importância da razão cordial,


que respeita e venera o mistério que se vela e revela em cada ser
do universo e da Terra. Por isso, a vida e o jogo das relações só
sobrevivem se forem cercados de cuidado, desvelo e de atenção.
A pessoa se sente envolvida afetivamente e ligada estreitamente
ao destino do outro e de tudo o que for objeto de cuidado. Por
isso, o cuidado provoca preocupação e faz surgir o sentimento
de responsabilidade. Bem dizia o poeta Horácio (65-8 a.C): “o
cuidado é permanente companheiro do ser humano”, no amor
às coisas e às pessoas e na responsabilidade e no envolvimento
daí decorrentes (BOFF, 2003, p. 86).
O que se percebe em Boff é o proposto pela Ética do Cuidado, o que
contrasta com um ambiente competitivo no qual se encontra a sociedade.
As religiões são vistas como meio para o contato com o transcendente e
visam ao melhor para o ser humano, apontando em direção à realização.
De modo estrito, no caso da ética cristã, percebemos a necessidade de
uma maior ortopraxia, ou seja, zelo na prática e não apenas na discussão,
na ortodoxia (Ortopraxia no grego ὀρθοπραξία, a ênfase está na “ação
correta”; no texto, deve ser visto como complemento da Ortodoxia, no grego
όρθοςδόξiα, “doutrina correta” e não oposição).
Sem cuidado, triunfa a entropia, vale dizer, o desgaste de todas
as coisas sob a usura irrefutável do tempo; com cuidado, cresce
a sintropia, a conjura suave de todos os fatores que mantêm e
prolongam o mais possível a existência.
Não é difícil perceber que o cuidado funda a primeira atitude
de ética fundamental, capaz de salvaguardar a terra como um
sistema vivo e complexo, proteger a vida, garantir os direitos
dos seres humanos e de todas as criaturas, a conveniência em
solidariedade, compreensão, compaixão e amor (BOFF, 2003,
p. 86).
A impessoalidade é como o ser humano tem se tratado, devido a sua
identificação na sociedade como força de trabalho e gerador de mais valia.
Ou seja, uma máquina para a produção e geração de lucro; resulta em
insensibilidade e individualismo. A competição, na sociedade capitalista,
tende a retirar do ser humano sua sensibilidade. Uma ética que tem como
proposta a centralidade do amor, consequentemente, despertará uma
dimensão que tende a ser ignorada.
É no âmbito do phatos (intuição, simpatia, empatia, os sentido
espirituais) que a dimensão espiritual como profundidade do ser
humano e do próprio universo e, juntamente com ela, a perspec-
34 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

tiva mística. Tanto a espiritualidade quanto a mística tem a ver


com experiências profundas e com grandes emoções vinculadas
à percepção da totalidade dentro da qual nos sentimos inseridos
como parte e parcela e do Fundamento que a origina e sustenta.
São tais experiências seminais que movem a vida humana e dão
força aos imperativos éticos (BOFF, 2003, p. 102).
Ainda no contexto do sentimento enquanto linguagem, devemos considerar
que o mundo moderno foi marcado pelo racionalismo. A razão estava em
foco, sendo a linguagem determinante, de modo que tudo que estivesse fora
das balizes racionalistas não seria aceito como verdade. Assim, a religião da
Idade Média e a cosmovisão mitológica dessa época foram abandonadas.
O resgate da religião enquanto linguagem deve ser considerado um grande
recurso para motivar o cultivo de valores absolutos em uma sociedade
sem referências. E isso porque a religião, como linguagem, convence bem
mais que qualquer teoria ou fórmula, pois lida com sentimento e com algo
inerente a todos os seres humanos. A religião está presente em todos os
povos, tribos, línguas e etnias sobre a face da terra, sendo, portanto, algo
inerente à natureza humana.
A espiritualidade e a mística subjazem aos discursos éticos, por-
tadores de valores, de normas e de atitudes fundamentais. Sem
elas, a ética se transforma num código de controle social e de
domesticação cultural. Por isso, a ética como prática concre-
ta, remete a uma atmosfera mais profunda, àquele conjunto de
visões, sonhos, utopias e valores inquestionáveis que compre-
endiam na mística e na espiritualidade. São como aura, sem a
qual nenhuma estrela brilha. Elas fazem com que a ética tenha
mais a ver com a sabedoria do que com a razão, mais com o
bem-viver do que com o bem julgar, e mais com virtudes do que
com ideias (BOFF, 2003, p. 102).
O resgate da espiritualidade humaniza o indivíduo desesperançado. Os
sentimentos nobres que conspiram para a vida o colocam em uma condição
de excelência no que diz respeito à subjetividade, e isto pela compreensão
do sentido da vida. A ausência de significados proveniente do niilismo não
tem espaço quando se decide crer que a existência faz sentido.
O místico não reside no como o mundo é, mas no fato de que o
mundo é. Para ele o crer em Deus é compreender a questão do
sentido da vida; crer em Deus é afirmar que a vida tem sentido.
É esse tipo de mística que confere um sentido último ao cami-
nhar humano. É por meio delas que o ser humano vê sentido em
renunciar a interesses menores, em fazer sacrifícios pessoais,
u NI D A D E 1 • 35

em seguir o chamado ético de sua consciência. E atender os


apelos da realidade ferida (BOFF, 2003, p. 102).

Constatamos que a espiritualidade e o sentimento místico fazem parte


de uma linguagem universal, os quais possuem um grande poder sobre a
humanidade. Podemos visualizar um caminho para o consenso e buscar im-
perativos éticos que firmem a humanidade em uma relação mais sensitiva
para com o seu semelhante, tornando absolutos imperativos éticos como
alteridade, liberdade, igualdade e amor.
Se a crise do mundo só pode ser superada com a ajuda de
uma ética fundada na religião, deve pressupor-se que a paz
entre as religiões é condição para a paz no mundo. Para isso
devem solucionar-se as reivindicações concorrentes de verdade
das diferentes religiões. Küng não vê solução numa estratégia
de fortaleza, que somente reconhece verdade à religião própria,
absolutizando uma verdade. Nessa estratégia pressupõe-se que
somente a própria religião é a verdadeira. Em conseqüência,
todas as outras não são verdadeiras. Da mesma maneira, a es-
tratégia da simplificação, que ignora as diferenças e contradi-
ções e com isso a indagação dos homens pela verdade, não é
solução. Segundo essa estratégia de harmonização, o problema
existencial da “verdade” não existe realmente, pois cada religião
é verdadeira a seu modo; na sua essência cada uma delas é de
igual modo verdadeira. A estratégia de absorção ou do abraço
também não resolve o problema, pois só reconhece a verda-
de para uma religião, tendendo a subordinar a ela as outras
(KÜNG, 2001, p. 111-115).
A religião, enquanto linguagem, se constitui como um grande mecanismo
para a união dos povos. No entanto, sem a autocrítica e a entronização do
amor ao próximo, o diálogo fica comprometido. A religião é uma opção ou
um caminho, mas que só resultará em êxito quando houver uma entrega
incondicional à vida.
Küng propõe o caminho ecumênico ou autocrítico que se baseia
na consideração de que cada religião para si é verdadeira, de
modo que, no ponto de partida, todas se encontram em con-
dições de igualdade. Para isso o critério principal é o apelo à
humanidade comum a todos os homens. Bom é para o homem
o que o ajuda a ser verdadeiramente pessoa humana. Para Küng
isso se fundamenta, em última instância, em Deus, uma vez
que verdadeira humanidade e verdadeira religião se encontram
numa relação dialética. Küng aduz três critérios inter-religiosos
36 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

para uma religião boa e verdadeira: a) segundo critérios éticos


gerais, deve ser humana, estimular a humanidade; b) segundo
critérios religiosos gerais, deve permanecer fiel à sua essência;
c) segundo o critério cristão, uma religião é verdadeira e boa, na
medida em que, na sua teoria e prática, permite reconhecer o
espírito de Jesus Cristo (ZILLES, 2007, p. 227).
Há um relacionamento dialético entre religião e humanidade. A verdadeira
humanidade é o pressuposto para a verdadeira religião. Por outro lado, a
verdadeira religião é a realização da verdadeira humanidade.
Conseguem com outra autoridade e força de convencimento,
diversas daquelas dos políticos, juristas e filósofos, conferir
valor às máximas elementares fundamentais da humanidade.
Todas as grandes religiões exigem determinados padrões não
negociáveis. Propõem normas éticas fundamentais e máximas
orientadoras, que são fundamentadas a partir de um Absoluto
e, por isso, também devem ter validade para milhões de pessoas
(KÜNG, 2001, p. 86).
Um ponto de convergência se faz necessário para a formação de uma
ética universal. A vida é condição essencial para a visualização de uma nova
realidade, e por que não afirmar que é princípio Absoluto pelo qual se deve
caminhar. Nota-se que a ética cristã entende a identificação de Deus como
sendo a própria vida.
A necessidade de libertação das estruturas e mecanismos impostos
culturalmente deve ser o projeto da humanidade cansada e sofrida. A
relevância da religião está em sua pregação e em seu alcance.
A religião, se entendida, como ideologia pode ser considerada
a maior da terra, visto que, está presente em todas as culturas.
Assim, pode ser considerada uma linguagem. Uma comunidade
cria uma linguagem e a sua significação específica, ao inventá-
la e usá-la em meio ao seu esforço para construir um mundo
expressivo dos seus valores. E mais, o mundo, como cosmo-
visão, como espaço e tempos humanos, não poderia existir, se
não fosse a linguagem (ALVES,1999, p. 20).
O consenso está na linguagem, na construção de um mundo que não
está atrelado às diferenças e às particularidades culturais. A espiritualidade
é algo inerente ao ser humano, e, portanto, uma linguagem universal que é
certamente um meio para chegar ao consenso nesse ambiente relativizado.
A teologia possui grande relevância diante do quadro de desesperança
gerado pelo mal-estar da pós-modernidade. A linguagem libertadora da
esperança, enquanto ética, fornece condições de enfrentamento a essa
u NI D A D E 2 • 37

condição socialmente imposta pela cultura pós-moderna nesse sistema


capitalista e neoliberal. “A linguagem da esperança, enquanto linguagem
daquilo que é possível para a história e a partir da perspectiva e da política
de Deus para libertação humana, torna-se então parte intrínseca da ética,
como ciência e atividade que visa a tornar histórica a esperança” (ALVES,
2012, p. 260.)
Nessa circunstância não se teria desespero e desamparo, posto que a
fé lançaria fora todo medo paralisante, possibilitando, assim, o avanço em
direção a construção de uma nova realidade pautada em um dogma absoluto
e universal, na condição essencial para a preservação da vida denominada
de amor.
38 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

RESUMO DO CAPÍTULO 2

 A filosofia Pós-Moderna é produto da efervescência dos séculos


anteriores. O conhecimento. Frente a tantos pensadores a verdade
construída através da reflexão filosófica experimenta a desconstrução.
As verdades são sobrepostas e, em muitas vezes, se confrontam.
Diante dessas questões, percebe-se que existem variadas abordagens.
Exemplo: razão, sentimento, desejo. Nietzsche, por exemplo,
confronta racionalistas com a ideia de que o homem é instintivo e
que existe certa verdade sob esse prisma.

 Tanto Nietzsche quanto Maquiavel abordam a moral de maneira a


confrontar o paradigma do Absoluto moral. A religião não mais exerce
domínio sobre o homem. A razão humanista para o homem moderno
é o paradigma. Esse homem não convive com as variadas formas de
verdade, não há uniformidade, mas, sim, polissemia.

 O relativismo é marca característica da Pós-Modernidade, assim como


o hedonismo, pragmatismo, pluralismo e tribalismo. O homem, para
esse pensamento, não é só razão, mas emoção e impulso. Existe
uma quebra da ideia linear e positivista do progresso científico.

 Sem lei ou um paradigma universal, a vida é ameaçada. Por isso,


os autores Boff, Kung e Zilles defendem um fundamento sólido,
um padrão moral universal; um nosso Ethos, uma proposta para a
preservação da humanidade. O homem é capaz de construir, mas
também de destruir. Na pós-modernidade, o homem é visto como
contraditório, plural e pragmático. Nesse tempo, “Tudo é Relativo”.
u NI D A D E 2 • 39

AUTOATIVIDADE

1 Fale sobre os valores da Pós-Modernidade.

2 Fale sobre o pensamento de Nietzsche e a sua relação com o pensamento


pós-moderno.
40 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

3 Fale sobre o pensamento de Leonardo Boff frente ao relativismo de nos-


sos tempos e a necessidade de um paradigma universal.

AMPLIE O CONHECIMENTO NO AVA


“Ambiente Virtual de Aprendizado”

Aprofunde seus conhecimentos, assistindo:

A seguir, há algumas dicas de filmes (vídeos) que nos falam sobre a


Pós-Modernidade. Confira em

https://www.youtube.com/watch?v=bUBAXx8Np3g
https://www.youtube.com/watch?v=1lBjle0JnAk
https://www.youtube.com/watch?v=58MMs5j3TjA em:
Capítulo 3

Tópicos de filosofia geral

LÓGICA

Ilustração sobre a organização do pensamento e a lógica


Disponível em: <http://aguasdomar.com/logica/> Acesso em 7 de junho de 2017.

A tarefa da lógica sempre foi a de classificar e organizar as interferências


válidas, separando-as daquelas que não o são. A importância dessa
organização não deve ser subestimada, pois usam-se inferências (de
prevalência válidas) tanto na vida comum como nas ciências formais, sendo,
um exemplo, a matemática (CHAUÍ, 1986).
A lógica trabalha com premissas e atualmente está dividida em
lógica tradicional e lógica matemática ou simbólica. Essa divisão deveu-
se principalmente a um espetacular desenvolvimento ocorrido na segunda
metade do século XIX. A lógica tradicional pertence aos antigos sistemas de
organização das inferências válidas; silogismos categóricos e hipotéticos, a
lógica das inferências imediatas (CHAUÍ, 1986).
42 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

TEORIA DO CONHECIMENTO

Ilustração de um cérebro
Disponível em :<https://newzzniper.com/2017/02/16/cerebro-siempre-tiene-un-plan-de-respaldo/>
Acesso em 7 de junho de 2017.

A teoria do conhecimento pode ser definida como a investigação acerca


das condições do conhecimento verdadeiro. Nesse sentido, podemos dizer
que existem tantas teorias do conhecimento quanto filósofos (CHAUÍ,
1986).
Desde os tempos da filosofia antiga, o debate sobre a verdade tem sido
levantado. Todavia, a epistemologia (teoria do conhecimento) foi instituída
como disciplina específica no século XVII. Os filósofos modernos investiram
na busca sobre o verdadeiro conhecimento com afinco. Jonh Locke é
conhecido como o iniciador da teoria do conhecimento, pois tem como
proposta analisar as diversas formas de conhecimento que possuímos. Locke
entende que existem graus de conhecimento que começam pela sensação
até ao pensamento (CHAUI, 1999).
Muitas questões são levantadas para se chegar ao verdadeiro
conhecimento. Dentre as principais questões tematizadas podemos citar: o
processo, que faz com que os dados se transformem em juízo ou afirmações
acerca de algo; a maneira como é considerada a atividade do sujeito frente
ao objeto a ser conhecido; o âmbito do que pode ser conhecido segundo as
regras da verdade; etc (CHAUÍ, 1986).
u NI D A D E 1 • 43

FILOSOFIA POLÍTICA

Autores que contribuíram para a Filosofia Política


Disponível em :<https://i.ytimg.com/vi/MyfxSSgjEe0/hqdefault.jpg> Acesso em 7 de junho de 2017.

O tema requer um ponto de partida que ordenaria a questão da “representação


política”. Uma investigação histórica nos remete à Grécia Antiga, à vida na Polis
e ao papel que nela desempenhava o cidadão (CHAUÍ, 1986).
Para pensar sobre a Filosofia Política, deve-se pensar o “fundamento do
poder político e as condições de legitimidade”. E arriscar mais uma pergunta:
“por que os homens vivem em sociedade?” A resposta, em Aristóteles, seria:
É em função de determinado bem que os homens vivem em sociedade. Ou
seja, existe um ganho na vida em sociedade (CHAUÍ, 1986).
Na investigação das origens das associações políticas, o que aparece
de mais marcante na tradição do pensamento político são as teorias dos
contratualistas de expressão máxima nos séculos XVII e XVIII. Os autores
mais expressivos desta tradição são Maquiavel, Hobbes, Espinosa, Locke e
Rosseau. Para Hobbes, os homens não têm outra escolha: ou se organizam
em sociedade ou se destroem mutuamente, pois a condição que antecede
a formação da sociedade política é aquela da guerra de todos contra todos,
caracterizando o Estado de natureza em que os homens vivem na solidão e
impera a Lei do mais forte. Para sobreviver, vale tudo no Estado de Natureza.
Espinosa, por sua vez, estará preocupado com a questão da liberdade na
sociedade caminhando para a legitimidade do poder; por conseguinte,
Rousseau se preocupa em como o homem pode ser livre na sociedade.
Isto é, como ser livre e ao mesmo tempo obedecer ao soberano (CHAUÍ,
1986).
44 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

Nesse sentido, a democracia surgirá como opção frente ao Absolutismo


que superestimava a autoridade do rei. A modernidade é marcada pela
Revolução Francesa de 1789, ocasião em que o Absolutismo é derrubado e
a configuração dos Novos Estados Nacionais ocorre.

ESTÉTICA

Pintor Van Ghog


Disponível em :<https://pt.wikipedia.org/wiki/Vincent_van_Gogh> Acesso em 7 de junho de 2017.

Hoje, o termo estética está muito associado a tratamento de beleza. No


entanto, a palavra Estética vem do grego aisthesis, significa “faculdade de
sentir”, “compreensão pelos sentidos”, “percepção totalizante” (ARANHA;
MARTINS, 2009, p. 401).
A estética nos remete ao conceito de beleza em uma perspectiva filosófica
e nos fala não apenas da beleza em si, mas também do sentimento transmitido
através da obra de natureza artística. A arte e a ciência são desobrigadas de
tudo que é positivo e que foi introduzido pela convenção do homem, ambas
gozam de uma absoluta imunidade em face do arbítrio humano. O legislador
político pode vedar seu território, mas nunca poderá reinar dentro dele. A
estética não pode ser menos pesada em termos práticos; fica claro que os
pintores, artistas e escultores possuem influência e persuasão na sociedade
(CHAUÍ, 1986).
A experiência estética sensibiliza o indivíduo, aguça e educa o gosto,
e enriquece as emoções e intelecto pela via do prazer e da compreensão.
As capacidades intelectuais e perceptivas são desafiadas diante de uma
obra de arte. Essa é a compressão pelos sentidos proporcionada pela arte
(ARANHA; MARTINS, 2009, p. 405).
u NI D A D E 1 • 45

RESUMO DO CAPÍTULO 3

 A lógica trabalha com premissas e está dividida entre tradicional e


matemática. Trata também de sistema de organização e categorias
hipotéticas e silogismos categóricos.
 A teoria do conhecimento, ou epistemologia, trata do conhecimento
verdadeiro. Várias abordagens ao longo da filosofia foram desenvolvidas.
Jonh Locke é considerado o Pai dessa área da filosofia e Descartes um
dos principais filósofos a desenvolver um método para se chegar ao
verdadeiro conhecimento.
 Estética é vista como uma forma de expressão pela qual se capta
sentimentos através da arte. A comunicação está para além das palavras,
os sentimentos também falam e a Estética é a área da filosofia em que
se estuda essa relação.
 A filosofia política, apesar de estar presente na Filosofia Antiga com os
gregos, passa por grande desenvolvimento na modernidade. Maquiavel,
da Renascença, e os Filósofos Modernos, Hobbes, Rousseau, Montesquieu
e Locke estão em evidência nessa filosofia.

AMPLIE O CONHECIMENTO NO AVA


“Ambiente Virtual de Aprendizado”

Aprofunde seus conhecimentos, assistindo:


A seguir, há algumas dicas de filmes (vídeos) que nos falam sobre
tópicos de Filosofia Geral. Confira em:
https://www.youtube.com/watch?v=FLmXYm8oVsY
https://www.youtube.com/watch?v=QIFR6hx1X0s
https://www.youtube.com/watch?v=vYo9ZFa6ZMI
46 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

AUTOATIVIDADE
1 Defina Estética.

2 Defina Lógica.
u NI D A D E 1 • 47

3 Fale sobre o contexto em que surgiu a Filosofia Política na Modernidade.


INTRODUÇÃO À FILOSOFIA

Unidade 2
Capítulo 1

Ética: seu desenvolvimento e


aplicação

Ilustração sobre a Filosofia Antiga


Disponível em :<https://jeocaz.wordpress.com/2009/03/31/a-etica-das-virtudes/> Acesso em 7 de
junho de 2017.

As duas formas mais usuais, quando se referem à obtenção da definição


de um conceito, principalmente dentro da filosofia, são as análises
etimológica e histórico-hermenêutica. Ou se analisa um conceito pela sua
origem linguística ou se buscam as definições dadas pelos diversos filósofos
que dele trataram na tentativa de se construir um histórico do conceito e,
se possível, traçar uma linha evolutiva. É comum também se usar os dois
procedimentos complementando um com o outro.
Para melhor compreensão, observamos o desenvolvimento do conceito
Ethos sob as dimensões históricas e filosóficas. Em uma perspectiva
52 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

sintética, podemos afirmar que “A ética pode ser entendida como o estudo
filosófico da moralidade, a qual se ocupa com nossas crenças e avaliações
sobre motivação, atitude, caráter e conduta e se isso está certo ou errado”
(MORELAND, 2005, p. 483).
Ética vem do grego ethos, surgido por volta do século VI a.C. e era
entendido como “O lugar do humano”, ou seja, a “casa”. Entretanto, a palavra
para essa designação um século depois veio a ser oikos. A palavra ethos se
escreve de duas formas: com “eta” - έθος (a letra e - vogal breve) e com
“épsilon” - ήθος (a letra E - vogal longa). Ethos com “e” significa “morada”,
o abrigo permanente, seja dos animais (estábulo), seja dos seres humanos
(casa) (BOFF, 2003, p. 28). Já com a vogal longa significa “costumes”,
“hábitos”, conforme define Boff.
[...] Eis a obra da cultura. A morada deve ser cuidada e conti-
nuamente retrabalhada, enfeitada e melhorada. Em outras pala-
vras o ethos não é algo acabado, mas algo aberto a ser sempre
feito, refeito e cuidado como só acontece com a moradia huma-
na. Ethos se traduz, então por ética. É uma realidade da ordem
dos fins: Viver bem, morar bem. Ética tem a ver com fins funda-
mentais (como poder morar bem), com valores imprescindíveis
(como defender a vida, especialmente do indefeso), com princí-
pios fundadores de ações (dar de comer a quem tem fome), etc.
[...] Esses meios também eram chamados de ethos, mas escrito
com E grande (o épsilon, em grego). Ele significa os costumes,
vale dizer o conjunto de valores e de hábitos consagrados pela
tradição cultural de um povo. Ethos como conjunto dos meios
ordenados ao fim (bem/auto-realização) se traduz comumente
por moral. Moral (mos-mores, em latim) significa, exatamente,
aos costumes e valores de uma determinada cultura. Como são
muitos e próprios de cada cultura, tais valores e hábitos fundam
várias morais. Como se de repente, o ethos/moral está sempre
no plural, enquanto ethos casa está sempre no singular (BOFF,
2003, p. 28-29).
Tal conceito fora visto em sua essência de maneira variada de acordo
com o pensamento de alguns filósofos. Aqui fazemos a distinção entre
Ética e Moral, considerando a expressão em Latim e a segunda forma
de escrita no grego conforme nota número. Desse modo, a moral seria a
correspondência prática da ética. Isso serve como indicativo de esforço para
melhor compreensão do termo, devido a sua relevância.
O centro de ethos (moradia) é o bem (Platão, 427 a.C.), pois
somente ele permite que alcancemos nosso fim, que consiste
u NI D A D E 2 • 53

em sentirmo-nos bem em casa. E nos sentimos bem em casa


(temos um ethos, realizamos o fim almejado) quando criamos
mediações adequadas, como hábitos, certas normas e maneiras
constantes de agir. Por elas habitamos humanamente o mundo,
que pode ser a casa concreta, ou o nosso nicho ecológico local,
regional, nacional ou nossa casa maior, o planeta Terra (BOFF,
2003, p. 28).
A ética está ligada à “casa”, à família, portanto, aos valores transmitidos
de geração em geração. Tais padrões de comportamento (valores) servem
para a preservação da vida, estão ligados à sapiência, à sabedoria do bem
viver.

ÉTICA NA FILOSOFIA CLÁSSICA

Ilustração dos Filósofos Platão e Aristóteles


Disponível em: <http://superjlts2016.blogspot.com.br/2016/01/etica-de-platao-e-aristoteles.html>
Acesso em 7 de junho de 2017.

A diferença entre o mestre Platão e seu discípulo Aristóteles é tênue, se


considerarmos as palavras “bem” e “felicidade”, que podem estar ligadas.
Contudo, a distinção entre um pensador e outro se encontra na forma de
enxergar a ética. Platão acreditava no “sumo bem” ligado à ação racional
que promove o “sumo bem”. Nesse caso, a “razão” é o instrumento para se
chegar a esse estado. O termo “bem”, em Platão, tem conexão com o divino.
Na obra “A república”, de Platão, essa ideia é abordada como se obtém a
vida divina pela contemplação filosófica e pela virtude. Já Aristóteles era
mais prático que seu mestre (AHLERT, 2003. p. 42).
54 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

Para Aristóteles (384-322 a.C.), o centro de ethos (moradia) é


a felicidade, não no sentido subjetivo moderno, mas no senti-
do objetivo, como aquele estado de autonomia vivido no nível
pessoal e no nível social (polis). Poderíamos traduzir essa feli-
cidade/autonomia como a auto-realização pessoal e societária
(BOFF, 2003, p. 29.)
Segundo Aristóteles, toda atividade humana aspira a algum bem, entre
os quais, o maior é a felicidade, que não consiste só nos prazeres nem na
riqueza, mas na atividade da alma segundo a razão. Já para os hedonistas,
o bem se encontra no prazer. A palavra “Hedonismo” é de origem grega e
pode ser traduzida por “prazer”, sendo tal sentimento o “bem supremo” da
vida humana. É vista como uma concepção moral e filosófica. Surge por
volta do século III antes de Cristo.
A ideia expressa por ethos é de grande relevância para se alcançar uma
definição sobre “ética”. O fato de Ethos estar ligado à casa e à família nos
dão a percepção de que ética se aprende em casa junto à família.
Na Grécia Antiga, no século V (a.C.), é acentuado o desligamento da
compreensão do mundo baseada nos relatos míticos. Os sofistas rejeitam o
fundamento religioso da moral e consideram que os princípios morais resul-
tam das convenções sociais. Destaca-se, nesta época, o esforço de Sócrates
em contrapor-se à posição dos sofistas, buscando os fundamentos da moral
na própria natureza humana.
Segundo o pensamento estoico, o corpo é uma totalidade, uma união
psicossomática com o corpo. A virtude está atrelada à vida. Contudo, em
Sêneca, a maior das virtudes chama-se prudência, pois, para ele, a prudên-
cia está ligada à temperança, que leva à constância, que, por sua vez, livra o
homem da perturbação, o que o livra da tristeza. O homem que não é triste,
é considerado feliz (CHAUÍ, 1986).
Ainda sobre o Ethos para os estoicos, entende-se que relacionam o ethos
com o todo, diferentemente de Platão e Aristóteles.
Para o estoicismo, que teve seus principais representantes em
Zenão (cerca de 495 a.C.- 430 a.C.) que era grego e nos roma-
nos Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.), Epíteto (50-115 a.C) e Marco
Aurélio (121-180 a.C.), o ser humano passou a ser entendido
como uma totalidade em que a virtude não era mais uma de-
puração individual da alma, mas uma arte de viver bem no uni-
versal. Aconteceu aqui a divisão. O indivíduo passou a ter uma
definição moral fora da comunidade. Sua vida se desenvolveu
no cosmos e não mais na polis (AHLERT, 2003, p. 44).
u NI D A D E 2 • 55

ÉTICA NA FILOSOFIA HELÊNICA

Ilustração da Filosofia no período Helênico


Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia_helen%C3%ADstica> Acesso em 7 de junho
de 2017.

O ser humano seria cidadão do mundo e não apenas da πολις - polis.


Em meio ao período Helenístico, que vai do século IV (a.C.) ao século I
(d.C.), temos o principal representante do hedonismo grego, no século III
a.C.: Epícuro considera que os prazeres do corpo são resultantes da ansie-
dade e do sofrimento e, portanto, é preciso desprezar os prazeres materiais;
essa ação leva a privilegiar os prazeres espirituais (CHAUÍ, 1986).
Com o surgimento de novos dominadores, no caso os romanos, a filo-
sofia grega perde força, tendo fim o período helenístico, último período da
filosofia antiga, e iniciando-se a filosofia cosmopolita (CHAUÍ, 1999).
Com a desintegração da filosofia grega na nova conjuntura polí-
tica de dominação romana fundiam novas formas de culturas e
manifestações religiosas. Dessa época conhecemos o estoicismo
e o epicurismo. Mas as principais bases filosóficas da Grécia
continuaram na base dos novos pensamentos, porque Roma,
antes de dominar politicamente, havia sido colônia grega e o
pensamento grego já rompera fronteiras culturais. Aliás, uma
das principais características da dominação grega foi sua domi-
nação cultural sobre outras culturas (AHLERT, 2003, p. 43).
56 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

ÉTICA NO PERÍODO CRISTÃO

Ilustração de Jesus em um de seus sermões


Disponível em: <http://www.estudopratico.com.br/historia-do-cristianismo/> Acesso em 7 de junho
de 2017.

O surgimento do cristianismo, bem como a sua ética, recebeu como


herança a bagagem cultural da sociedade greco-romana. Esses elementos
certamente influenciaram na formação do pensamento cristão e seu Ethos.
Os Séculos I e II foram marcados por um fervor no pensamen-
to ocidental. A bacia do Mediterrâneo abrigou nesses dois sé-
culos um surpreendente desenvolvimento comercial que criou
uma rede de portos e grandes cidades: Roma, Siracusa, Éfeso,
Cartago, Alexandria, Corinto, Massilia, Targonto, Antioquia, etc.
Essa bacia do Mediterrâneo transformou-se, assim, num gran-
de caldeirão de culturas e ideologias. O intercâmbio comercial
transformou a vida das pessoas em mercantilização. As elites
ergueram suntuosos palácios para guardar jóias, pedras precio-
sas, ouro e prata, produtos do espólio de guerras patrocinadas
pelo Império Romano (AHLERT, 2003, p. 45.)
Neste contexto, devido à multiplicidade de pensamentos e ao paulatino
enfraquecimento do Império Romano, surge o gnosticismo (vem do termo
grego gnosis que quer dizer conhecimento) cujas raízes estão em Platão,
Aristóteles, Pitágoras e Zenão (AHLERT, 2003).
O ponto central dessa filosofia é a oposição radical entre o Deus
transcendental, o ser supremo, e a matéria sem forma. A ma-
téria concebida como fonte do mal. Assim se reafirmava o pen-
u NI D A D E 2 • 57

samento grego que colocava o dualismo entre o bem e o mal.


A matéria é igual ao mal e o espírito, ao bem (AHLERT, 2003,
p. 44-45).
Vemos o dualismo como uma marca do Ethos cristão e a consequente
herança filosófica helenista. A formação desse conceito surge no que se de-
nomina de Filosofia Patrística que “inicia-se com as epístolas de João e ter-
mina no século VIII, quando teve início a Filosofia Medieval” (CHAUÍ, 1999,
p. 44). Para os filósofos e teólogos medievais (Santo Tomás de Aquino), a
felicidade plena só será encontrada na vida futura, em Deus.
Variadas têm sido as soluções encontradas para as questões
éticas no decorrer da história da filosofia, mas desde a expansão
do cristianismo a cultura ocidental ficou marcada pela tradição
moral cujo fundamento se encontra nos valores religiosos e na
crença da vida após a morte. Nesta perspectiva, os valores são
considerados transcendentes, porque resultam de doação divi-
na, o que costuma levar à identificação do homem moral com o
homem temente a Deus (ARANHA; MARTINS, 1992, p. 139).

ÉTICA NA IDADE MODERNA E NO ILUMINISMO

Pintura a “criação de Adão” da Modernidade

Disponível em: <https://www.colegioweb.com.br/historia/principais-acontecimentos-da-idade-mo-


derna.html> Acesso em 7 de junho de 2017.

A partir da Idade Moderna, que tem início no século XV e permanece


até o século XVIII, há a mudança do feudalismo para o capitalismo. A mo-
ral, outrora cristã, de valor único, no qual o ser moral e ser religioso eram
equivalentes, sofre uma transformação. A moral passou a ter um significado
58 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

do qual é possível admitir que um ser humano ateu seja moral e que os
valores estão fundamentados no próprio ser humano (ARANHA; MARTINS,
1992).
O século XVIII, o Século das Luzes, utilizava expressões referentes ao
pensamento humano (a razão), considerando-o como uma luz que torna
capaz o ser humano de interpretar e reorganizar o mundo. Como sublinha
Aranha e Martins, quando se recorre à razão, estamos recusando a intole-
rância religiosa e a rejeição do critério de autoridade (ARANHA; MARTINS,
1992). Para Kant,
[...] a ação moral é autônoma, pois o homem é o único ser ca-
paz de se determinar segundo leis que a própria razão estabele-
ce. Portanto, a moral iluminista é racional, laica (não-religiosa),
acentua o caráter pessoal da liberdade do indivíduo e o seu
direito de contestação. Também é uma moral universalista, por-
que, embora admita as diferenças dos costumes dos povos, as-
pira por encontrar o núcleo comum de valores universais (KANT,
2005 apud ARANHA, MARTINS, 1992, p. 140).
A ação moral é autônoma, pois o ser humano é o único ser capaz de se
determinar segundo às leis que a própria razão estabelece. Portanto, a moral
iluminista é racional e acentua o caráter pessoal da liberdade do indivíduo
e o seu direito de contestar. É uma moral universalista, pois admite as dife-
renças dos costumes dos povos e aspira a encontrar o núcleo comum dos
valores universais.

A ÉTICA EM KANT E NIETZSCHE

Nietzsche e Kant
Disponível em: <https://oinsurgente.org/2013/02/03/a-ideia-da-uniao-europeia-kant-vs-nietzsche/>
Acesso em 7 de junho de 2017.
u NI D A D E 2 • 59

A partir do final do século XIX e no decorrer do século XX, os filósofos


começaram a se posicionar contra a moral formalista kantiana, fundada na
razão universal e abstrata, com o objetivo de encontrar o ser humano con-
creto da ação moral (ARANHA; MARTINS, 1992).
O crítico mais contundente das ideias de Kant é o filosofo alemão Niet-
zsche que discordava abertamente das ideias de Kant. Principalmente, no
que diz respeito ao dualismo “bem” e “mal”, “certo” e “errado”. Nietzsche
afirmava que
[...] certo moralista gostaria de exercer sobre a humanidade seu
poder e sua fantasia criativa, outro – e poderia ser justamente
Kant – daria a entender com sua moral: “o que em mim é res-
peitável, é que sei obedecer – e em vocês, não deve ser de outra
forma como em mim – Por isso as morais nada mais são que a
linguagem figurada das paixões (NIETZSCHE, 2005, p. 99).
Estando as morais ligadas a paixões, entendemos que a razão é subju-
gada nesse contexto. Assim, Nietzsche critica a moral formalista kantiana e
nega qualquer fundamentação metafísica da moral.
A indicação para o caminho correto me foi dada por esta per-
gunta: Qual é, segundo a etimologia, o sentido da palavra “bom”
nas diversas línguas? Então descobri que esta palavra em todas
as línguas deriva de uma mesma transformação conceitual; des-
cobri que, em toda a parte “nobre”, “aristocrático”, no sentido
de ordem social, é o conceito fundamental, a partir do qual se
desenvolve necessariamente “bom” no sentido de “que possui
uma alma de natureza elevada”, de que “possui uma alma privi-
legiada”. Esse desenvolvimento se efetua sempre paralelamente
a outro que acaba por evoluir de “comum”, “plebeu”, “baixo”
para o conceito de “mal” (NIETZSCHE, 2005a, p. 26-27).
A moral para Nietzsche é uma invenção dos fracos, que inverteram o
sentido de bom e virtuoso para favorecer o ascético, o que nega o corpo em
favor da alma, e que, portanto, nega a vida. Nietzsche é favorável a homens
guerreiros, fortes, que com apenas uma inflexão afasta de si todas as culpas
anteriores e toda mesquinhez moral. A ideia de homem “fraco” ou “super-
homem” estão descritos no livro “Assim falou Zaratustra”. O fraco seria o
que se sujeita ao sistema de dominação, já o “super-homem” é aquele que
se supera.
Já no livro “a Genealogia da Moral”, Nietzsche defende a ligação entre
o conceito de moralidade à dominação social e política; faz uma pesquisa
sobre a origem dos termos “bom” e “mau”, descobrindo que, etimologica-
60 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

mente, a aristocracia está associada ao que é “bom” e os escravos e menos


favorecidos ao que é “mau”.
O pensamento de Nietzsche com o niilismo lança bases para o pós-
modernismo e influencia muitos pensadores. Conforme Aranha e Martins,
para Nietzsche,
A moral cristã é a moral do rebanho, geradora de sentimentos
de culpa e ressentimentos, e fundada na aceitação do sofrimen-
to, da renúncia, do altruísmo, da piedade, típicos da moral dos
fracos. Por isso Nietzsche defende a transmutação de todos os
valores, superando a moral comum para que os atos do homem
forte não sejam pautados pela mediocridade das virtudes esta-
belecidas (ARANHA; MARTINS, 1992, p. 140).

AMPLIE O CONHECIMENTO NO AVA


“Ambiente Virtual de Aprendizado”

Aprofunde seus conhecimentos, assistindo:


A seguir, há algumas dicas de filmes (vídeos) que nos falam sobre
Ética, seu desenvolvimento e aplicação. Con
https://www.youtube.com/watch?v=Q-CcfQXJJhc
https://www.youtube.com/watch?v=-lto47d29JI
https://www.youtube.com/watch?v=QU8LJXSq4lE
u NI D A D E 2 • 61

RESUMO DO CAPÍTULO 1

 A ética estudada em sua etimologia nos remete à associação com o


termo “morada, casa ou lugar de habitação”. Esse termo muda, ao
longo do tempo, de “Ethos” para “Oikos”, o termo atual para casa.
O uso de “ethos”, do qual vem o termo ética que conhecemos, nos
permite entender que a casa é o lugar onde se obtém a ética. Isso
faz sentindo por entendermos que a ética é uma construção social
e a família é o primeiro contato que um indivíduo possui com a
sociedade.

 A ética como princípio segue ao longo da história e seu significado


está ligado aos valores. Contudo, a definição de ética se firma como
reflexão sobre a moral.

 No período cristão, a ética se liga às virtudes religiosas, o que


transpassa toda Idade Média. Chegando na Modernidade e com
a consequente mudança de foco no pensamento filosófico, vemos
em Kant a compreensão de que a religião pode ser analisada como
moral.

 O filósofo Nietzsche desconstrói a perspectiva kantiana de moral,


não aceita a ideia de uma moral absoluta. Seu pensamento lança
base para a Pós-Modernidade.
62 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

AUTOATIVIDADE
1 – Fale sobre a construção do sentido da palavra Ética.

2 - Como Kant compreendia a ideia de religião e ética?

3 - Fale sobre o pensamento de Nietzsche acerca da ética.


Capítulo 2

Filosofia da educação no brasil

EDUCAÇÃO BRASILEIRA COMO PROJETO: UMA BREVE


REFLEXÃO

Jesuítas no Brasil Colonial


Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/1910/serie-especial-historia-da-educacao-no-
brasil> Acesso em 7 de junho de 2017.

A educação brasileira, desde o tempo da colônia, segue uma tendência


de formação para a subserviência, quer seja nas mãos dos jesuítas ou
nas tendências iluministas-liberais das elites de época. Através da análise
histórica, vemos que, no século XXI, em tempos chamados pós-modernos, a
tendência de uma pedagogia subserviente permanece, porém, agora a serviço
do mercado. Neste capítulo, portanto, tem-se como objetivo compreender o
enlace do processo histórico, pedagógico e filosófico da educação burguesa
brasileira.
A formulação da educação oferecida serve a uma proposta, ou a um
64 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

projeto, que está relacionado ao mercado e, consequentemente, a interesses


que estão ligados ao Capital. Afinal, todos que frequentam as escolas o
fazem pensando em obter algum espaço no mercado de trabalho.
Por vezes, pensa-se a educação de maneira limitada, por uma questão
de conveniência, não visando transcender a realidade imposta, mas
optando por manter um formato que privilegie a manutenção do poder
de uma classe dirigente e a má distribuição de renda. Quanto à educação
formal, ela geralmente se parece mais com uma forma de adestramento,
disciplinarização, treinamento e docilização dos indivíduos do que como
meio de transformação e de revolução social (ORSO, 2008, p. 51).
A ideologia está sempre presente em qualquer método para a educação,
por isso, este capítulo propõe uma reflexão sobre a educação com base no
exercício de senso crítico acerca da educação como poderosa ferramenta
ideológica, pois, “(...) a educação visa tornar o homem capaz de intervir no
mundo e transformá-lo” (SEVERINO, 2001, p. 85).
O objetivo é fazer apontamento acerca do uso dado à educação
pela ideologia hegemônica e a apresentação de matrizes filosóficas que
lançam luz sobre as perspectivas ideológicas tratadas ao longo do texto. A
compreensão desse tema busca base em Althusser, Gramsci, Ghiraldelli,
Luckesi e Saviani, o referencial teórico para o desenvolvimento da reflexão
proposta neste capítulo.

DEFINIÇÕES E RESTROSPECTO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO


NO BRASIL

Os Jesuítas abordando índios para a catequese


Disponível em: <http://escolaeducacao.com.br/historia-da-educacao-no-brasil/> Acesso em 7 de
junho de 2017.
u NI D A D E 2 • 65

O conceito de Educação nos traz um universo rico, uma vez que em cada
cultura a visão de realidade possui suas particularidades. Contudo, o que se
deve ressaltar em educação, independentemente de cultura, é o processo
ensino-aprendizagem. “A educação é como outras, uma fração do modo de
vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções
de sua cultura, em sociedade” (BRANDÃO, 1995, p. 10). A educação é
dinâmica, está em movimento, assim como a cultura e a sociedade, por
isso, é “criada e recriada”. Outro aspecto é seu relacionamento com o que
está a volta, ou seja, envolve-se com a totalidade.
A apresentação de definições dos termos nos mostra uma perspectiva
com a qual a educação no Brasil pode ser entendida: a história da educação
no Brasil para um desenvolvimento classista e utilitarista.
A educação pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das
maneiras que as pessoas criam para tornar comum, como sa-
ber, como ideia, como crença, aquilo que é comunitário como
bem, como trabalho e como vida. Ela pode existir imposta por
um sistema centralizado de poder, que usa o saber e o controle
sobre o saber como armas que reforçam a desigualdade entre
os homens, na divisão de bens, do trabalho, dos direitos e dos
símbolos (BRANDÃO, 1995, p. 10).
As relações de poder podem ser percebidas historicamente no
desenvolvimento do sistema educacional brasileiro. O uso ideológico pela
classe burguesa é constatado desde os primórdios da nação. Quanto ao
acesso, a educação era privilégio de grupos econômicos e politicamente
influentes.
Na tradição marxista, a ideologia apresenta-se com duas faces:
como imaginário ou como uma relação de poder. No primeiro
caso, trata-se de um reflexo sem correspondência com a história
real. No segundo, é uma força material a serviço da classe domi-
nante. Em outras palavras, a ideologia é um pensamento teórico
estruturado que exprime uma falsa visão da história e oculta
um projeto social, político e econômico da classe dominante
(NISKIER, 1992, p. 28).
Em Gramsci, a ideologia é um elemento essencial à política e, por isso,
é utilizada pelos políticos visando garantir a coesão social. Apresenta-se
em dois níveis, ou como concepção filosófica, quando o senso comum
faz com que ela se infiltre em camadas da sociedade, em outras classes;
ou como folclore, quando se cria uma cultura que normaliza e beneficia
ações favoráveis à classe dominante (NISKIER, 1992). Tais concepções nos
66 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

ajudam a compreender a influência da classe burguesa na educação do


povo brasileiro.
A ideologia, na condição de instrumento para a manutenção do poder
hegemônico de determinada classe, é classificada, tanto para Gramsci
quanto para Althusser, como um aparelho ideológico do Estado. A escola,
para os referidos autores, cumpre essa função. Assim, Althusser (1985, p.
68) afirma que “Designamos pelo nome de aparelho ideológico do Estado
um certo número de realidades que se apresentam ao observador imediato
sob a forma de instituições distintas e especializadas”. A análise da história
da educação no Brasil, nos mostra a instrumentalização da Escola como
aparelho ideológico para o favorecimento de determinada classe.
A história da educação no Brasil tem início com a colonização portuguesa
pelos jesuítas. O ensino da fé católica, no Brasil do século XVI, tinha como
fundamento a submissão da filosofia à teologia; a matriz filosófica era
aristotélica-tomista. A fase colonial é situada anos 1500 a 1822 e, ao longo
desse período, devido à influência de Portugal, a perspectiva educacional
sofre mudanças no sentido de absorver as tendências filosóficas europeias
de cunho iluminista.
Na segunda fase do período colonial, o Marques de Pombal expulsa os
jesuítas e, a educação, que tinha como objetivo a formação religiosa, era
implantada de modo sério, posto que os Jesuítas, ao serem expulsos em
1759, “possuíam mais de 100 estabelecimentos de ensino” (GHIRALDELLI,
2003, p. 7). Tal forma de educação passa a ser confrontada pela educação
de base iluminista, por volta dos anos de 1759 a 1807, cujos ideais eram
liberais e democráticos. A influência agora está em John Locke. Após 1810,
o ecletismo mitigado torna-se a referência e o Império se vê entre o Ecletismo
e o Empirismo (MARINHO, 2012).
Após 1823, o Brasil se torna república, o ensino superior passa a ser
responsabilidade da coroa e as províncias ficam com a reponsabilidade de
fornecer a educação primária. O iluminismo segue influenciando a educação
de nível superior para as elites em 1834. A partir daí, a matriz filosófica
mais aceita torna-se a chamada “ecletismo espiritualista”, que tinha
influência de Hegel em sentido amplo, e, de modo estrito, a elite segue a
perspectiva iluminista. Nesse período, a linha filosófica para a educação
seguiu a conveniência do poder imperial, sendo as ideias liberais iluministas
adotadas somente pelos ricos (MARINHO, 2012, p. 209).
u NI D A D E 2 • 67

De modo definitivo e categórico, podemos afirmar que “A primeira


corrente filosófica estruturada no Brasil [foi o] ‘ecletismo espiritualista’ em
1809. Em 1870 é iniciada a substituição dessa linha pelo positivismo”
(MARINHO, 2012, p. 212).
A Primeira República vai de 1889 a 1930 e, nesse período, ocorrem
muitas transformações sociais. Podemos citar o fim “do Poder do Imperador,
o fim dos títulos de nobreza, o fim do voto censitário, além da descentralização
do poder” (GHIRALDELLI, 2003, p. 16). Em 1889, as reflexões políticas
giravam em torno dos temas: abolição da escravatura, trabalho assalariado
e industrialização. O debate acerca da criação de um sistema de ensino
nacional volta à pauta, pois, no período do Império, não foi consolidado
(MARINHO, 2012).
Em nível internacional, o capitalismo se desenvolve com a revolução
industrial e a efervescência intelectual do Iluminismo. Tais acontecimentos
influenciam a política brasileira, no início do século XX, mais precisamente
em seu início como república, quando a política brasileira é confrontada por
problemas que requerem posicionamentos frente às limitações sociais de
um país de traços ainda coloniais. A nação precisava de desenvolvimento
para acompanhar as tendências europeias de crescimento econômico. “A
Primeira República é atravessada em seu pensamento pedagógico pela
discussão sobre a importância do Estado no desenvolvimento da sociedade
e a impossibilidade da política burguesa em resolver as contradições sociais
de base do capitalismo” (MARINHO, 2012, p. 212).
Diante das demandas e interesses, surgem tendências filosóficas para a
educação das quais se destacam o Catolicismo, o Anarquismo, o Positivismo
e o Pragmatismo. Apesar dessas matrizes, deve-se observar que a visão
Iluminista está posta desde os tempos do Marques de Pombal, ou seja,
século XVIII.
Para Marinho (2012), o catolicismo, devido a sua tradição, outrora
religião oficial do império, busca manter seu espaço, e para isso forma seus
professores, publica livros, revistas, jornais e constrói suas escolas. Já o
positivismo foi uma reação à metafísica e ao idealismo teológico; baseia-se
no primado da razão científica. Seu ideário iluminista desenvolve bases para
o liberalismo.
O anarquismo surge como ideal proveniente da imigração, cujo ensino
tinha como princípio o seguinte: “A liberdade é o princípio básico do
68 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

anarquismo e de sua concepção de homem, mundo e sociedade. Defende


que o homem nunca foi livre sem o Estado o seu maior opressor. É uma
atitude que nega a autoridade e afirma a liberdade” (MARINHO, 2012, p.
215).
Por fim, o Pragmatismo, que foi inaugurado na década de 1920, é
conhecido também como escolanovismo. O livro “Introdução ao Estudo
da Escola Nova”, por Lourenço Filho, publicado em 1929, “e que veio a
se tornar um clássico da literatura pedagógica brasileira” (GHIRALDELLI,
2003 p. 19) e a primeira Conferência Nacional de Educação, em 1924,
marcam esse momento. Além disso, o confronto entre os filósofos liberais, o
alemão Herbart e o americano Dewey são destaques. Por fim, o pensamento
do americano se sobrepõe ao do alemão. Para Herbart, a educação deve
formar pessoas capazes de dominar e reproduzir um determinado saber –
um saber intelectual e principalmente moral. Já Dewey, via a educação como
organização de experiência, aumentando a diversidade e a inventividade
humana (MARINHO, 2012, p. 215).
Na Segunda República, de 1930 a 1937, as matrizes filosóficas
permanecem as mesmas do primeiro período republicano. Todavia, o
marxismo no cenário da educação tornou-se mais visado enquanto referência
teórica em relação ao positivismo. Nesse período, o conflito entre Católicos
e Pragmatistas gerou a PUC (Pontifícia Universidade Católica), com sua
inclinação tomista-aristotélico, e a USP (Universidade de São Paulo),
fundada em 1932, com influência da missão francesa, que abrigou o ideário
Escolanovista.
Em termos de mobilização, é criado “O Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova”, publicado em 1932, como resultado da Conferência
Nacional de Educação. A diretriz teórica trazia o Pragmatismo de Dewey,
mas também a sociologia de Durkheim (MARINHO, 2012, p. 217). Esses
pensadores e outros mais, para Ghilardelli (2003), “compunha uma autêntica
e sistematizada concepção pedagógica, indo da filosofia da educação a
formulações pedagógico-didáticas, passando pela política educacional”, o
que promoveu grande transformação na forma de se ver a pedagogia.
Na Terceira República, de 1937 a 1945, temos um período que é
basicamente de conflito entre as escolas Católica e Escolanovismo. Ao fim, o
resultado foi uma síntese, ou seja, um escolanovismo católico, neotomismo,
hierarquizado, baseado no princípio de autoridade, privilegiando a ordem
u NI D A D E 2 • 69

sobre o progresso e considerando que o povo deveria ser “conduzido por


uma elite responsável, formada segundo os princípios da reta moral cristã”.
Essa elite seria formada nas PUCs, criadas para essa finalidade (MARINHO,
2012, p. 219).
A ideologia positivista-liberal para dominação por uma elite faz uso da
moral cristã para o exercício do governo sobre uma classe subalterna. A
democratização do ensino nesse tempo não é uma prática concreta, é a
visão da “condução por uma elite”.
A ideia de ‘elite condutora’ não é antagônica a ideia de democra-
cia, mas a ideia de elite condutora forjada a partir de uma segre-
gação antecipada, em que determinados setores da sociedade
são encaminhados para um determinado tipo de escola e outros
setores para outro tipo de escola, por lei, é incompatível com a
ideia de democracia, seja esta mais ou menos liberal, mais ou
menos uma socialdemocracia (GHIRALDELLI, 2003, p. 86).
Essa ideia lança luz sobre uma tendência de privatização do conhecimento
que se perpetua até nossos dias. Óbvio que cada tempo traz as suas
peculiaridades. Todavia, o que fica claro é uma lógica que privilegia parte
pequena da população e não a totalidade, ou mesmo a maioria.
No período chamado de Quarta República, de 1945 a 1964, o
Liberalismo e o Socialismo Cristão se destacam. O papel do ensino privado
e da escola pública mais uma vez estão na pauta de discussões.
O problema passa a ser entre a escola pública e a particular, desencadeado
pela conferência “A escola pública, universal e gratuita”, proferida por Anísio
Teixeira, em 1956. Os proprietários das escolas privadas e a Igreja Católica
deturpam o discurso de Teixeira, taxando-o de comunista, aproximando o
anarquismo ao pragmatismo (MARINHO, 2012, p. 219).
Em defesa da Escola Pública, estavam três grupos. O liberal pragmatismo
– inspirados na filosofia de Dewey e filiados ao movimento da nova educação.
Dentre eles estavam Anísio Teixeira, Fernando Azevedo e Lourenço Filho. Para
esse grupo, as necessidades do homem norteiam a educação. O segundo,
conhecido como liberal idealista e kantiano - representado pelo Jornal Folha
de São Paulo e por professores da área de filosofia e história da USP, como
Roque Spencer, Maciel de Barros, Laerte Ramos de Carvalho, João Villa
Lobos e outros, que “pautava-se pelas diretrizes de um ideário liberal de
cunho mais conservador, cuja filosofia de duração filiava-se a tendências
idealistas” (GHIRALDELLI, 2003, p. 100). Para esse grupo, o homem se
torna racional, livre moralmente pela educação, que transforma animalidade
70 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

em humanidade. Por fim, o grupo Socialista – cujo expoente é Florestan


Fernandes. Diferencia-se do liberalismo idealista kantiano, para o qual a
educação independia das condições sociais, e do liberalismo-pragmatista
deweyano, defensor da ideia de que a educação ajusta a realidade social.
Diversamente, a visão socialista compreendia a educação a partir da
sociedade e a considerava um fator de transformação (MARINHO, 2012,
p. 220).
A partir do fim da década de 50 e início de 60, devido à efervescência
política e ao êxodo rural para os grandes centros pela industrialização
(“não que a produção econômica tenha se tornado uma produção feita nas
cidades, de base industrial, mas sim pelo fato de que a população urbana,
pela primeira vez, aparecia no censo como maior que a população rural”
(GHILARDELLI, 2003, p. 117)), a Igreja passa a ver a educação não mais
como catequese apenas, mas como um meio de conscientização do povo,
ou seja, educação popular (MARINHO, 2012, p. 220).
O pensamento de Paulo Freire surge, nesse cenário, como pro-
posta educacional de libertação do homem oprimido através de
um processo de conscientização, seguido de uma práxis liberta-
dora: transformação da consciência ingênua em consciência crí-
tica; comunicação dialógica; respeito e igualdade entre educan-
do e educador. Esse procedimento é transformador e constitui
uma pedagogia como prática de liberdade (MARINHO, 2012,
p. 220).
Essa forma de educação sofre duramente no período militar, iniciado
em 1964. Ghilardelli (2003, p. 119) afirma acerca de tal concepção que
“A pedagogia deveria, então, forjar uma nova mentalidade, trabalhar para
a ‘conscientização do homem’ brasileiro frente aos problemas nacionais e
engajá-lo na luta política”. Para a classe favorecida, a educação era necessária
ao desenvolvimento econômico, mas também serviria como instrumento
para os subversivos. A ação, portanto, seria de uma educação que atendesse
a demanda do mercado, contudo, que não produzisse indivíduos críticos ao
sistema de dominação da elite.
O Regime Militar dura de 1964 a 1985 e é marcado pelo metodologismo,
tecnicismo, reprodutivismo – crítico ao anarquismo. As áreas de mobilização
popular estavam sob vigilância pelo Instituto de Pesquisas e Estudos
Sociais, fundado em 1961, por empresários ligados à Escola Superior de
Guerra. A proposta de educação era tecnicista visando atender as indústrias
u NI D A D E 2 • 71

americanas e nacionais (MARINHO, 2012, p. 222). Soma-se a isso, de


acordo com Ghilardelli (2003, p. 126), o que segue:
[...] em termos educacionais pela repressão, privatização de en-
sino, exclusão de parcela dos setores mais pobres do ensino
elementar de boa qualidade, institucionalização do ensino pro-
fissionalizante na rede pública regular sem qualquer arranjo pré-
vio para tal feito, divulgação de uma pedagogia calcada mais em
técnicas do que em propósitos com fins abertos e discutíveis,
tentativas variadas de desmobilização do magistério através de
abundante e não raro confusa legislação.
Em termos de economia, o liberalismo é servido pela referida direção
educacional, formando mão de obra para servir às indústrias. A palavra de
ordem era a formação de Capital humano.
A teoria econômica-filosófica norteadora desses acontecimentos
a favor da educação tecnicista era a teoria do capital humano,
de Theodore Schultz, um liberalismo que se pautava pelos prin-
cípios de racionalidade e eficiência com um mínimo de dispên-
dio e o máximo de produtividade (MARINHO, 2012, p. 222).
Essa forma de educação visa somente à formação de mão de obra.
Seria apenas a reprodução e aplicação da técnica, o que não garantia a
possibilidade de mudança. O senso crítico não seria despertado, no que
dependesse desse tipo de educação. Na verdade, a ideologia liberal aplicada
à educação contribuiria para a formação de um senso comum na sociedade
brasileira de subserviência e conformismo. Todavia, paralelo a esses fatos,
outras escolas, ainda que marginalmente, formaram um contraponto.
Focando na Educação do período de 1980 a 2010, encontramos muitas
mudanças, apesar do enfraquecimento ocorrido no período de 1960-1970.
O período final da ditadura militar permitiu, no campo educacional, uma
discussão mais psicologizada e pedagogizada, que segue nos anos de
1980, juntamente com uma reflexão marxista. Nos anos de 1990, novos
referenciais filosóficos para a educação surgem, agregando-se aos demais já
existentes. Os novos paradigmas filosóficos contemporâneos da educação no
Brasil põem em xeque algumas características da modernidade, tais como a
sua pretensão universalista e a razão instrumental (MARINHO, 2012).
No contexto atual, muitos são os pensadores que influenciam a filosofia
da educação no Brasil. Os principais pensadores são Foucault, Derrida,
Barthes, Lyotard, Baudrillard, Deleuze e Guattari, pensadores denominados
pós-modernos, pós-estruturalistas ou pós-críticos (MARINHO, 2012).
Apesar das mudanças recentes, a tendência segue a mesma. O
72 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

neoliberalismo, sendo uma forma sofisticada e atualizada do antigo liberalismo,


mantém a mesma ideologia de benefício a uma classe dominante.

EDUCAÇÃO E IDEOLOGIA

Representação da mente humana na sociedade pós-Revolução Industrial


Disponível em: <http://racismoambiental.net.br/2016/08/31/distribuir-riqueza-e-ideologico-e-chico-
tear-trabalhador-nao-por-leonardo-sakamoto/> Acesso em 7 de junho de 2017.

A concepção de educação como aparelho ideológico é apontada por


Gramsci e Althusser. Para esses autores, o Estado é visto de modo ampliado
em relação à concepção marxista. A ideia seria de divisão do Estado como
Sociedade Política e Sociedade Civil. Dentro da Sociedade Civil, temos os
aparelhos de hegemonia como “o sistema escolar, as Igrejas, os partidos
políticos, os sindicatos, as organizações profissionais, a organização material
da cultura (revistas, jornais, editoras, meios de comunicação de massa),
etc” (COUTINHO, 2003, p.127).
Em sentido gramscista, “[...] uma situação histórica global” (BOBBIO,
1982, p. 42; PORTELLI, 1977, p. 15), em que se tem, “por um lado, uma
estrutura social – as classes que dependem diretamente da relação com
as forças produtivas – e, por outro lado, uma superestrutura ideológica e
política”, as quais possuem entre si uma ligação orgânica (PORTELLI, 1977,
p. 15). A organicidade das instituições utilizadas pela classe hegemônica
tem como objetivo manter uma classe como subalterna e, para isso, a
precarização do que é oferecido pelo Estado, como é o caso da educação.
Desse modo, o indivíduo se torna sujeito a um sistema opressor.
u NI D A D E 2 • 73

Esse mecanismo ideológico básico – a sujeição – não está pre-


sente somente nas ideias, mas existe em um conjunto de práti-
cas, de rituais situados em um conjunto de práticas de institui-
ções concretas. Embora distintas, essas instituições concretas
possuem a unidade do efeito de sujeição sobre os agentes so-
ciais ao seu alcance. Sua unidade, entretanto, não lhe é confe-
rida por uma política ou por um comando unificado, mas pela
ideologia dominante: são os aparelhos ideológicos de Estado
(ALTHUSSER, 1985, p. 8).
A importância da educação para a conformação política de um povo é
essencial. O que se ensina e como se ensina pode gerar efeitos sociais que
põe em risco a organicidade do sistema hegemônico. Um exemplo a ser
mencionado está no método Paulo Freire.
[...] na América Latina, têm surgido inúmeras formas de educação
popular; umas de forma institucionalizadas outras não. No Bra-
sil por exemplo tivemos a experiência realizada por Paulo Freire,
em que o aluno, ao mesmo tempo que aprendia a ler e escrever,
também era levado a ler, compreender e interpretar o mundo e a
sociedade em que vivia. Todavia, a ditadura militar se encarregou
de esmagar a experiência e exilar seu idealizador. Em substituição a
esse método, implantaram o Movimento Brasileiro de Alfabetização
- Mobral, que visava eliminar um determinado conteúdo político
e ideológico e substituí-lo por outro, por uma educação moral e
cívica, adequada ao militarismo desenvolvimentista da época (PE-
REIRA; HERKENHOFF, 2011, p. 52).
A interpretação do mundo e da sociedade é vista como consequência de
uma educação libertadora, que dá ao indivíduo condição de ser um agente
de transformação da realidade e não apenas reprodutor de uma condição
que lhe é imposta por uma classe hegemônica. Tendo consciência da
importância da educação, um método pode ser substituído por outro mais
adequado aos interesses do Estado e da classe dirigente.
A ideologia aponta para a questão política que está intrinsecamente
ligada à educação e ao mundo do trabalho e da produtividade. O grande
problema é ignorar a questão social e permanecer apenas com os valores
provenientes da força de trabalho explorada, deixando de lado o social, no
que diz respeito à riqueza produzida.
A prática educativa é essencialmente uma modalidade técnica e
política de expressão do universo simbólico e um investimento
formativo nessas práticas. Como atividade técnica, ela é uma
prática cultural, pois se realiza mediante ferramentas simbóli-
cas. Ao mesmo tempo em que responde pela produção cultural,
74 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

a educação medeia as práticas produtiva e política. Servindo-se


de seus elementos de subjetividade, a prática educativa prepara
para o mundo do trabalho e da vida social (SEVERINO, 2001,
p. 91).
Althusser, seguindo o caminho semelhante ao de Gramsci, afirma
a existência dos Aparelhos Repressivos como exército, polícia, prisões,
etc., que funcionam através da violência, e os Aparelhos Ideológicos do
Estado, que funcionam através da ideologia por meio de instituições como
as religiosas, escolar, familiar, jurídico, político, sindical, imprensa, rádio,
televisão, etc. (ALTHUSSER, 1985, p. 69).
Até agora, acreditávamos que a função ideológica existia apenas
na materialidade dos corpos que compõe o Estado, prevalente
nuns e secundária noutros. Agora aprendemos que existem tam-
bém relações ideológicas (sem que se precise o que tem a vem
o funcionamento ideológico) e que elas estão também presentes
no processo produtivo (ALTHUSSER, 1985, p. 30).
A ligação entre educação, ideologia e as relações de poder fazem parte
de um sistema que está atrelado ao processo produtivo de um sistema que
garante a manutenção de posições hegemônicas. Diante do que está posto,
o Estado se torna o espaço para a luta e implementação de políticas que
promovam um tipo de educação.
É nesse sentido que a análise gramsciana é primordial, pois
demonstra que o Estado, para garantir a reprodução do sistema
utiliza-se de mecanismos que visam à manutenção da hegemo-
nia do bloco de poder. Ao mesmo tempo em que considera que a
constituição da hegemonia é essencialmente contraditória, pois
é pautada em correlação de forças que ocorrem no interior do
modo de produção capitalista, abrindo espaços para uma con-
tra hegemonia da classe trabalhadora. E da mesma forma, o
próprio processo de educação, já que este faz parte deste movi-
mento formativo da ideologia (PEREIRA; HERKENHOFF, 2011,
p. 41).
A educação como instrumento serve tanto para alienar quanto para
emancipar; e nesse processo o Estado possui papel fundamental. A tarefa
de enfrentamento ao sistema hegemônico deve buscar mudanças estruturais
na visão Estatal acerca da educação. A mudança na educação produz
amplo efeito, posto que a educação é condição primária para se garantir a
subsistência e para interpretar o mundo.
Assim, apesar do Estado ter caráter classista, e estar a servi-
ço da classe dominante, servindo-se do aparato escolar (e de
u NI D A D E 2 • 75

todos os outros aparelhos de hegemonia, para conformar as


forças produtivas, de acordo com a necessidade do capital),
a educação serve de base à classe trabalhadora para realizar
uma leitura crítica da realidade. Desta feita, a escola, é tam-
bém uma conquista da classe trabalhadora através de mui-
tas lutas. Espaço que muitos trabalhadores ainda não têm
acesso, o que torna a luta desta classe, pelo ensino público
de qualidade, atual; equipamento que mesmo limitado, é im-
portante para o desenvolvimento teórico crítico, para o des-
mascaramento das desigualdades sociais (PEREIRA; HERKE-
NHOFF, 2011, p. 41).

A qualidade da educação deve ser matéria de revisão constante, não


como modo de adequação, mas na busca por aperfeiçoamento e relevância
do que se pode oferecer à população. A educação pública e universal é
resultado de reivindicações populares e mesmo em meio à precariedade é
ideologicamente comprometida, fornece ao indivíduo condições de pensar
e formar, se não o ideal, ao menos algum senso crítico que pode resultar
em transformação social, pela capacidade que o homem tem de pensar e
criticar o que a ele é posto.

CORRENTES FILOSÓFICAS E PAPÉIS PARA A EDUCAÇÃO

Ilustração sobre a Reflexão


Disponível em: <https://www.pensador.com/citacoes_de_paulo_freire/> Acesso em 7 de junho de
2017.
76 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

O papel da educação na sociedade capitalista pode ser visto sob a ótica


de variadas matrizes. Todavia, o fato inquestionável é que a educação faz
parte da dinâmica da vida social. A importância de observar e analisar a
educação buscando o desenvolvimento de uma epistemologia da educação
aponta para variadas leituras da sociedade.
Muito se tem discutido sobre o papel da educação na sociedade,
se ela apenas reproduz a sociedade em que está inserida ou se
ela é ou pode ser revolucionária a ponto de transformar toda a
sociedade. Entretanto, muitos, em vez de analisá-la e compre-
endê-la de acordo com a categoria da totalidade, caem na pers-
pectiva positivista e simplesmente deslocam-na do conjunto das
relações sociais de produção, embrenham-se pelo idealismo e
apresentam-na como se fosse capaz de promover o desenvolvi-
mento econômico, garantir o bem-estar social e conduzir a todos
à felicidade; fazem dela a responsável pelo sucesso ou fracasso
de cada um. Analisando-a de forma abstrata, deslocada das
contradições e dos antagonismos de classes, atribuem a ela um
caráter redentor (ORSO, 2008, p. 49-50).
A análise da educação dentro da perspectiva da totalidade visa à
consideração do contexto em que se aplica o conhecimento. O contexto
econômico e social, o sistema em que se insere a educação e o conjunto de
relações sociais de produção devem ser considerados, posto que o objetivo
do Estado ao educar é formar mão de obra, profissionais para o mercado.
Assim, o aspecto social deve ser ressaltado, visto que a provisão para a vida
depende do trabalho e consequentemente da educação. “A prática educativa
é integralmente uma modalidade de trabalho, de intervenção social. Como
toda outra atividade intelectual, educar é uma forma de trabalho devido a
seus aspectos técnicos e à finalidade de transformar e prover a vida de seus
trabalhadores ” (SEVERINO, 2001, p. 85).
A intervenção que a prática educativa proporciona influi na sociedade,
seja como meio de subsistência do indivíduo através do emprego, seja
pelo próprio desenvolvimento estrutural do Estado. “A educação tem
compromisso inarredável com a inserção dos indivíduos na vida social, de
modo a assegurar-lhe o usufruto de bens que dela decorrem fundamentais
para sua humanização” (SEVERINO, 2001, p. 87)
A humanização certamente aponta à direção libertadora. A educação
que apenas prove o sustento por meio de qualificação para o mercado de
trabalho, aliena o indivíduo criando e tratando o ser humano como uma
u NI D A D E 2 • 77

máquina; não educa integralmente, mas, sim, aliena.


As matrizes para a compreensão do papel da educação apontam
para concepções que nos remetem a condições sociais. As correntes
a serem trabalhadas são a Educação como Redenção, Reprodução e
Transformação.

UMA ANÁLISE HISTÓRICO-FILOSÓFICA DA EDUCAÇÃO NO


BRASIL

Dewey filosofo da Educação e influenciador do movimento Escola Nova


Disponível em: <http://www.projetospedagogicosdinamicos.com/dewey.html> Acesso em 7 de
junho de 2017.

A primeira corrente a ser apresentada nos remete à educação como


redenção. A sociedade tem seu desenvolvimento atrelado à ideia de que a
educação trará transformação e equilíbrio. “A educação seria, assim, uma
instância quase que exterior à sociedade, pois, de fora dela, contribui para
o seu ordenamento e equilíbrio permanentes. A educação, nesse sentido,
tem por significado e finalidade a adaptação do indivíduo à sociedade”
(LUCKESI, 1994, p. 38). Por isso, “A análise da educação como redenção,
é considerada como capaz de direcionar a vida social, sendo por isso
responsável pela direção da sociedade, inclusive salvando-a, da situação
em que se encontra (PEREIRA; HERKENHOFF, 2011, p. 47).
Essa linha filosófica é idealista por não mencionar a desigualdade de
classes. O contexto em que surgiu aponta para a realidade de um momento
histórico anterior às concepções sociológicas que se tem hoje.
78 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

Vale observar que essa concepção de educação redentora da


sociedade perdurou por épocas. Os enciclopedistas da Revolu-
ção Francesa (pedagogia tradicional) e os pedagogos do final do
século passado (pedagogia nova) continuaram com essa mesma
compreensão (LUCKESI, 1994, p. 40).
Esse conceito é trabalhado por vários autores e se torna referência
por longo tempo. A mudança social por meio da educação é uma forma
de se pensar a vocação da educação, no entanto, o desenvolvimento do
conhecimento acerca da educação indica que outros elementos devem
ser incluídos na reflexão acerca da educação como agente redentor da
sociedade.
Esta concepção traz a ideia de uma interação harmônica entre
os homens, neste sentido a educação contribui para equilibrar
e ordenar a sociedade, por isso a ideia dos excluídos é forte ca-
racterística, pois, busca-se a manutenção da sociedade e, con-
sequentemente, a reprodução do status quo. Dentre os teóricos
desta linha, encontram-se Durkheim, Comênio, Dewey, Man-
nheim e Parsons (PEREIRA; HERKENHOFF, 2011, p. 47).
Nessa perspectiva, ao Estado é atribuída a responsabilidade de formular
e controlar a educação, desconsiderando, assim, o Estado como agente
comprometido com uma classe hegemônica. Considerando a visão de
Comênio, um dos proponentes citados, vemos a educação como uma
resposta às demandas do processo produtivo, mas também como a ideia de
realização e o ideal de realização.
Diante da necessidade da construção de uma proposta de edu-
cação em face das demandas do novo processo produtivo e de
vida, ele elaborou um conjunto de obras que visavam a cons-
trução de uma cidadania, para todos, pobres, ricos, homens e
mulheres de todas as idades, para que as pessoas pudessem
realizar-se em sua totalidade (AHLERT, 2003, p. 99).
O educador Comênio era um homem de seu tempo, e por isso podemos
entender que as influências recebidas em seu tempo pouco têm a ver com
as que vigoram hoje. Entretanto, a essência da Educação como redentora
se perpetuou sendo trabalhada por vários teóricos. Esse tipo de educação
ainda hoje ecoa por meio de ideais neoliberais.
As políticas sociais neoliberais são focalizadas nos pobres (mi-
seráveis), a partir das ações que visam aumentar seu “capital
social”, a fim de incluí-los no mercado de trabalho. Estas orien-
tações refletem nos organismos internacionais que passam a
u NI D A D E 2 • 79

propagar junto aos países periféricos a ideologia da educação


como indutora da superação do “subdesenvolvimento” (PEREI-
RA; HERKENHOFF, 2011, p. 43).
A questão do desenvolvimento deve ser debatida considerando vários
fatores, a educação é um deles. Todavia, a questão estrutural em termos
políticos não deve ficar de lado. Por isso, a visão de educação como redenção
torna-se comprometida pela percepção idealista.
[...] a educação terá a força de redimir a sociedade se inves-
tir seus esforços nas gerações novas, formando suas mentes e
dirigindo suas ações a partir dos ensinamentos. Deste modo,
elas estarão sendo adaptadas ao ideal de sociedade através da
educação (LUCKESI,1994, p. 40).
Outro teórico que partilha da educação nessa perspectiva Redentora
que muito influenciou a educação no Brasil foi o americano Dewey de
orientação pragmática. O contexto era o da Nova República, na década de
30, na ocasião a sociologia Durkheim somou, agregou força a essa visão
pedagógica (GHIRALDELLI, 2003).
O objetivo desse tipo de educação é visto como “não crítica” por seu
caráter idealista/redentor e não incluir a concepção de luta de classes.
“Tanto Comênio, como os enciclopedistas consideravam a sociedade com
um todo orgânico que deve ser mantido e restaurado através da educação”
(LUCKESI, 1994, p. 41).
Considera-se que a educação visa à promoção do homem, são
as necessidades humanas que irão determinar os objetivos
educacionais. Essas necessidades devem ser consideradas em
concreto, pois a ação educativa será sempre desenvolvida num
contexto existencial concreto (SAVIANI, 1985, p. 42).
A visão humanista do século XIV colocava o homem como agente
protagonista. Como dito anteriormente, a ideia de educação redentora, em
seu início, nos remete ao período da Revolução Francesa. Próximo a esse
tempo, Comênio, já no século XVIII, entendia que “[...] a educação era a
base para atingir uma sociedade perfeita, por isso investiu tanto tempo na
reforma escolar, pois acreditava que ela era o ponto de partida de qualquer
trabalho em favor da humanidade” (AHLERT, 2003, p. 99).
O discurso acerca da educação como redentora é adequado ao sistema
neoliberal, pois apregoa que o desenvolvimento está atrelado à educação,
mas não menciona os problemas estruturais ligados ao sistema capitalista.
A segunda corrente trata da Educação como reprodução da ordem
80 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

estabelecida. Ou seja, a função da educação é manter o Estado e a sociedade


de modo a não promover ameaças à classe hegemônica. “Aqui ela é ‘crítica’,
desde que aborda a educação como a partir de seus determinantes; porém,
além de ser crítica, é reprodutivista, desde que a vê somente como elemento
destinado a reproduzir seus próprios condicionantes” (LUCKESI, 1994, p.
41).
A corrente em questão lança crítica ao Estado colocando-o como
comprometido com a classe dominante. “Nota-se, porém, relutância e uma
certa desconfiança das elites a respeito da capacidade do povo de auto
dirigir-se. A experiência mostra, porém, que não há razões sérias para essa
desconfiança, de modo especial no tocante à educação” (SAVIANI, 1985,
p. 131).
Entende-se que a classe dominante ocupa espaços e posições em
diversos setores, como, inclusive, a educação. Desse modo, formula o
modelo a seguir e forma ideologicamente, por meio da própria educação,
o senso crítico e de realidade do indivíduo escolarizado. Esse pensamento
encontra eco em vários autores.
Dentre os autores que seguem esta perspectiva estão Christian
Baudelot e Roger Establet. Além de Bourdieu e Jean-Claude
Passeron, que consideram que a educação reproduz a cultura
dominante, reforçando as relações de poder, reproduzindo as-
sim, o sistema capitalista. Para esses autores, a educação im-
põe a cultura da classe dominante a toda sociedade (PEREIRA;
HERKENHOFF, 2011, p. 47).
No Brasil do período da ditadura de 1964 a 1985, essa visão teórica
entendida como crítico-reprodutivista serviu ao entendimento do que seria
o sistema de ensino enquanto violência simbólica, na obra A reprodução:
elementos para uma teoria do sistema de ensino de Pierre Bourdieu e Jean
Claude Passeron, como teoria da escola enquanto aparelho ideológico do
Estado, presente em textos de Althusser (MARINHO, 2012, p. 223).
A reprodução da cultura dominante traz consigo a ideia de manutenção
do poder da classe estabelecida. Não se trata apenas do discurso no universo
escolar, mas de um efeito que atinge a sociedade em sua totalidade. “No
Brasil, entre outros, Dermeval Saviani e Luiz Antônio Cunha divulgaram
esses estudos no meio educacional, já no âmbito de programas de pós-
graduação” (GHIRALDELLI, 2003, p.116), o que ajudou a compreender o
processo de imposição ideológica no período militar.
A escola acaba por ser o principal espaço para a reprodução da ideologia
u NI D A D E 2 • 81

pretendida pelo estado. A concepção do processo produtivo requer estudo,


formação e capacitação por meio da escola. Ou seja, sem a formação escolar,
o processo produtivo não pode atingir desenvolvimento.
É a visão do autor acerca da ideologia e de como esta é repro-
duzida pelo Estado, através de seus aparelhos, o que levam
não só a afirmar a escola como principal espaço de reprodução
da ideologia dominante, necessária para a reprodução da força
de trabalho, como ainda confere certa passividade aos sujeitos
frente à ideologia dominante (PEREIRA; HERKENHOFF, 2011,
p. 50).
A questão da ideologia não está atrelada apenas ao processo de produção
de mercadorias e serviços, mas à sociedade como um todo. A ideologia
exerce poder influenciando o senso crítico da sociedade, servindo como
um mecanismo de controle e manutenção da ordem estabelecida. Acerca
disso, Luckesi (1994, p. 42) afirma que “Toda sociedade, para perenizar-
se, necessita reproduzir-se em todos os seus aspectos; caso contrário
desaparece”.
[...] tendo como referência Marx, aponta que a produção só se
dá mediante a reprodução das relações que garantam a repro-
dução das condições materiais da produção, inclusive das forças
produtivas. Este autor observa que para a reprodução da força
de trabalho é necessário mais do que as condições materiais;
para ocupar uma posição na divisão sócio-técnica do trabalho é
preciso que seja garantida uma qualificação diversificada exigi-
da pela produção capitalista. E mais do que isto, requer também
uma reprodução da submissão da força de trabalho à ideologia
dominante. Desta feita, o autor considera que no sistema capi-
talista, a função dos Aparelhos Ideológicos do Estado, principal-
mente da Escola, é garantir a reprodução ideológica dominante
(PEREIRA; HERKENHOFF, 2011, p. 47-48).
As ideias a serem destacadas são “reprodução” e “ideologia” que podem
ser entendidas como parte constitutiva do modo de escolarizar em nossa
sociedade. A formação, desse modo, possui um fim que seria servir ao
capital. Todavia, deve-se ressaltar que o homem é um ser que transforma
a realidade que está a sua volta e possui capacidade de rebelar-se contra o
que lhe é imposto.
[...] o homem não fica indiferente as coisas, isso significa que
ele não é um ser passivo. Ele reage perante a situação, intervém
pessoalmente para aceitar, rejeitar ou transformar. A cultura não
é outra coisa senão por um lado, a transformação que o homem
82 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

opera no meio e, por outro, os resultados dessa transformação


(SAVIANI, 1984, p. 40).
Se por um lado temos a ideologia dominante que escolariza
ideologicamente indivíduos, por outro, não se deve esquecer da capacidade
do homem em promover transformação. Diante disso, vemos uma tensão
entre as classes dominantes e dominadas e a educação, somada à reflexão,
podem trazer opções e uma diferente percepção da realidade.
Portanto para Althusser, a escola se resume à função de inculcar
nos sujeitos desde a infância a ideologia dominante, sendo pre-
parados para serem submissos e ocuparem posições, conforme
o grau de sua escolarização, na divisão sociotecnica do trabalho
(PEREIRA; HERKENHOFF, 2011, p. 50).
A educação deve ser um mecanismo libertador. Contudo, sendo ela
confiada ao Estado que inclina-se a uma classe hegemônica ocupante
de espaços vitais para a sociedade e com interesses de perpetuação e
manutenção do status quo, o resultado acaba por ser de alienação. “A
escola, como principal aparelho ideológico de Estado, atua sobre diversas
faixas etárias do cidadão, em cada uma exercendo, em plenitude, seu papel
de reprodutora das forças de trabalho” (LUCKESI, 1994, p. 46).
Essa matriz de pensamento nos apresenta uma perspectiva que, em
certo sentido, encobre a ação humana da classe subalterna, destacando
apenas o poder ideológico e desconsiderando a possibilidade de reação do
homem. Em parte, nota-se a procedência de argumento, mas a capacidade
do homem de questionar o sistema imposto não pode ser ignorada.
Acreditamos que, apesar de trazer grande contribuição para a
compreensão da educação como interesse da classe dominante,
para reprodução do capital, ao enfatizar apenas este aspecto,
esta interpretação acabou conduzindo a um reducionismo do
pensamento marxista, já que, ao negar a contradição do siste-
ma, considerando a educação formal como espaço de reprodu-
ção apenas da ideologia dominante, acaba levando a uma visão
da classe dominante como principal protagonista da história da
humanidade, como se a classe trabalhadora fosse passiva, mera
espectadora do processo. Além de ter uma visão fatalista da
instituição escolar pública, desconsiderando os ganhos que esta
pode trazer para a classe trabalhadora (PEREIRA; HERKENHO-
FF, 2011, p. 51-52).
O ensino abre um novo horizonte para o discente e os efeitos dessa
abertura não podem ser mensurados com precisão absoluta, pois cada
u NI D A D E 2 • 83

ser humano possui sua singularidade e pessoalidade e pode agir como


protagonista ou como sujeito passivo. Por isso, apesar do sentido do que é
posto em relação à educação como “reprodutora do sistema”, não se pode
negar a possibilidade de levantar-se em uma ação libertadora.
Essa perspectiva teórica destaca a educação como um meio para
transformar a sociedade. Todavia, a visão marxista destaca que em um
contexto de luta de classes a educação oferecida não é a mesma para todos,
o que compromete a transformação.
A análise marxiana é de que na sociedade dividida em classes,
a educação não é igual para todas as classes, visto que os in-
teresses das mesmas são antagônicos. Por isso, Marx e Engels
(2004) afirmam que o Estado não pode ser educador do povo.
Desta forma, denunciam os limites da formação escolar pública,
ou seja, conduzida pela máquina estatal (PEREIRA; HERKE-
NHOFF, 2011 p. 53).
Apesar do ensino oferecido ser diferente na relação de uma classe a
outra, a educação é fundamental pela capacidade natural do homem em
processar as informações e exercer senso crítico. A questão a ser debatida
diz respeito ao papel do Estado na oferta de educação que pode favorecer
ou não determinada classe.
Nesta análise, a educação serve de meio, ao lado de outros
meios, para realizar um projeto de sociedade, podendo ser con-
servador ou transformador. Os teóricos desta perspectiva preten-
dem demonstrar que é possível compreender a educação, com
os seus determinantes e condicionantes, mas que ainda assim
existe possibilidade de trabalhar pela democratização da mes-
ma. Nesta visão, reconhecem-se as condições histórico-sociais
da educação, sem negar seu papel ativo na sociedade. Ao con-
trário, considera-se a possibilidade de ação a partir da análise
destes. Por isso esta tendência é denominada crítica (PEREIRA;
HERKENHOFF, 2011, p. 54).
A educação é fundamento para uma ação de contra hegemonia. Contu-
do, destaca-se que a pretensão dessa corrente não é de que a educação pro-
mova transformação na estrutura do sistema vigente, mas que sirva como
ferramenta para a classe trabalhadora em uma leitura crítica das relações
sociais. Para Luckesi, “[...] importa interpretar a educação como uma ins-
tancia dialética que serve a um projeto, a um modelo, a um ideal de socie-
dade. Ela medeia esse projeto, ou seja, trabalha para realizar esse projeto
na prática” (1994, p. 49).
84 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

Os condicionantes que se impõem à educação, sejam históricos, sejam


ideológicos, devem sucumbir às necessidades reais do povo para que ocorra
evolução social e, para isso, se faz necessário organização e consciência de
classe.
[...] a passagem do senso comum para a consciência filosófica
é condição necessária para situar a educação numa perspectiva
revolucionária. Com efeito, é esta a única maneira de conver-
tê-la em instrumento que possibilite aos membros das classes
populares a passagem da condição de “classe em si” para a
condição de “classe para si”. Ora sem a formação da consciên-
cia de classe não existe organização e sem organização não é
possível transformação revolucionária da sociedade (SAVIANI,
1984, p. 13).
Pensar a educação como transformadora aponta para o pensamento
crítico e não simplesmente para a retenção de conteúdo. Essa visão
nos remete à figura utilizada por Paulo Freire ao citar a educação como
“bancária”.
Segundo Freire (1974), a educação bancária se caracteriza pelo
ato do educador não considerar o educando como sujeito no
processo de ensino-aprendizagem, por isso, apenas deposita,
transfere o conteúdo. Neste tipo de educação não é realizada
uma reflexão crítica acerca do que se está aprendendo. De for-
ma que o único, protagonista do processo é o educador, o edu-
cando é visto como mero receptor. Portanto, nessa concepção
nega-se humanização dos homens, à medida que os individua-
liza, levando-os a um processo de desumanização, ou seja, “ser
menos” (PEREIRA; HERKENHOFF, 2011, p. 60).
A crítica dessa corrente de pensamento visa à libertação e à criação de
um indivíduo capaz de pensar por si mesmo. “Se as idéias dominantes são
os fatores determinantes da vida social, a transformação da sociedade é
alcançada por meio da transformação das ideias” (ALVES, 1999, p. 63).
A importância crítica dessa corrente de pensamento serve ao
desenvolvimento e emancipação do homem rumo a uma sociedade mais
democrática. A educação deve ser analisada em seu contexto sem ignorar
os pontos determinantes. “Assim, ela pode ser uma instância social, entre
outras, na luta pela transformação da sociedade, na perspectiva de sua
democratização efetiva e concreta atingindo os aspectos não só políticos,
mas também sociais e econômicos” (LUCKEZI, 1994, p. 49).
A educação é mediadora para a transformação social. A consideração
u NI D A D E 2 • 85

de vários fatores aponta para uma perspectiva crítica que visa à totalidade
e não simplesmente um ponto isolado.

EDUCAÇÃO E A PERSPECTIVA DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA

Filósofo Pierre Félix Bourdieu


Disponível em: <http://averypublicsociologist.blogspot.com.br/2008/06/day-with-bourdieu.html>
Acesso em 7 de junho de 2017.

O estudo da história da educação, desde a sua origem no Brasil, nos


mostra o favorecimento de elites. As relações de poder estão ligadas ao
processo educacional. No período colonial, quando a educação era realizada
pelos Jesuítas com objetivos catequéticos, a religião, enquanto ideologia
e meio de dominação, estava presente. A Igreja sob a ótica de Gramsci é
vista como um “Estado dentro do Estado” (PORTELLI, 1977), assim como
a escola é vista como um aparelho ideológico do Estado. Ou seja, busca
domínio e controle.
Após a expulsão dos Jesuítas, temos uma nova perspectiva educacional,
agora, sob o viés Iluminista no Brasil Imperial. O que se ressalta é a clareza
da mudança de paradigma.
Na Idade Média, de contexto europeu, caracterizada pelo domínio
Católico, cuja visão Teocêntrica seria a referência, temos o período histórico
chamado Renascimento e o Iluminismo no século XVIII. Novas luzes são
apontadas para a humanidade, deixando o Teocentrismo e adotando o
Antropocentrismo, quando se teve muitas descobertas científicas e avanços
86 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

nas ciências humanas, o que nos leva à Modernidade. Por fim, após duas
guerras mundiais, bombas atômicas, a contemporaneidade aponta para o
relativismo, a quebra dos paradigmas absolutos de outrora, dando à luz a
chamada Pós-Modernidade.
O desenvolvimento da filosofia que influenciou o Brasil é consequência dos
movimentos históricos e filosóficos desses tempos. Contudo, ao se falar em
Burguesia referindo-se ao Brasil deve-se entender que a nomenclatura serve
para ilustrar a influência recebida da Europa, haja vista não existirem burgos
no Brasil. Porém, sempre existiu uma classe que, assim como a burguesa,
impõe seu ideário ao Estado. Este, por sua vez, assume uma postura classista,
favorecendo os interesses de quem detém meios financeiros e poder político.
A violência simbólica aponta para uma agressão subjetiva, que pode
ser concebida pela desigualdade gerada pelas relações vividas no processo
de educação. A perversidade desse tipo de violência está no fato de que
a vítima naturaliza a agressão, tornando a violência algo natural, e não se
reconhecendo como oprimido.
Na perspectiva Bourdieusiana, a violência simbólica se expressa
na imposição legítima e dissimulada, com a interiorização da
cultura dominante e há uma correlação entre as desigualdades
sociais e escolares. As posições mais elevadas e prestigiadas
dentro do sistema de ensino (definidas em termos de discipli-
nas, cursos, ramos do ensino, estabelecimentos) tendem a ser
ocupadas pelos indivíduos pertencentes aos grupos socialmente
dominantes (SOUZA, 2012, p. 21).
A ideologia classista atinge não apenas o corpo pela escassez, mas
também a subjetividade humana ao ferir a dignidade do indivíduo privando-o
da atenção necessária para sua formação ou lhe concedendo o que é
necessário em termos de educação para o uso da mão de obra exigida pelo
mercado. Nesse caso, o mercado é que determina.
[...] a burguesia não podia recusar instrução ao povo, na mesma
medida em que o fizeram a Antiguidade e o Fundamentalismo.
As máquinas complicadas que a indústria criava não podiam ser
eficazmente dirigidas pelo saber miserável de um servo ou de
um escravo (PONCE, 2001, p. 145).
A educação serve a um propósito, no caso citado. O sujeito é uma
ferramenta, um instrumento. Tal ação reduz o ser humano. E aponta que o
interesse burguês é educar para seus propósitos.
A perspectiva burguesa apoia-se no Liberalismo, advindo do Iluminismo,
u NI D A D E 2 • 87

para justificar seu ideário. Assim, na aparência, o discurso segue uma lógica
de igualdade dentre os homens conforme o moto da Revolução Francesa
“liberdade, igualdade e fraternidade”. A proposta de um grupo sendo
privilegiado em detrimento de outro, apesar de aceito, não é democrático.
Todavia, tornou-se prática, ao privilegiar a burguesia com uma educação
diferenciada. Essa realidade permeia a história da educação brasileira, e se
torna veemente, quando se fala de uma “elite condutora” da sociedade ou
quando Anísio Teixeira é chamado de “comunista” por defender uma escola
“Pública, Gratuita e Universal” (GHIRALDELLI, 2003).

CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO E AS


PERSPECTIVAS FILOSÓFICAS APRESENTADAS
A educação pode ser vista como ferramenta ideológica, mas também
como mediadora de libertação. A reflexão trazida pelo texto nos leva à certeza
de que a educação diante das várias correntes e considerações não deixa de
ser a mediadora da esperança acerca da evolução social e individual.
O desenvolvimento do senso crítico passa pela educação, seja ela
formal, seja informal. A análise da Educação deve ser considerada em sua
totalidade e avaliando as contradições comuns no processo de análise. A
perspectiva da Educação como Redentora acaba por se apresentar idealista
e não crítica, uma vez que não destaca as classes e interesses envolvidos
no processo de educação. Já a visão da Educação como Reprodução exerce
certa crítica, mas destaca o protagonismo da classe dominante, como se
não houvesse um contraponto a essa ordem. Por fim, a visão da Educação
como Transformadora destaca a consciência de classe e o interesse de que
o indivíduo pense por si. A educação é vista como fundamento de contra
hegemonia.
A formação do pensamento crítico visa transcender o senso comum e
para isso as incursões feitas por meio das linhas de pensamento apresentadas
apontaram a educação como a via para o crescimento tanto do indivíduo
quanto da sociedade. O desafio, portanto, está no cultivo da perspectiva de
que é necessário “aprender a pensar criticamente” e não apenas “reproduzir
informações”.
Diante do exposto até aqui, podemos afirmar que a educação no Brasil
desde os primórdios está ligada ao ideário liberal que privilegia um grupo
específico da sociedade. A prevalência de filosofias iluminista-liberal aponta
88 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

para uma visão definida acerca da educação, que visa primariamente a


formação da mão de obra e não a formação do senso crítico.
O problema visto no cenário da educação brasileira está inserido na
forma como se pensa a educação. A burguesia faz uso do Estado para a
perpetuação de uma realidade que traz benefício a si mesma, o que permite
a manutenção do “status quo” dessa elite. A promoção de políticas que
garantam a oferta de educação em igualdade para todos se faz necessária para
o crescimento do país e desenvolvimento das classes menos favorecidas.

AMPLIE O CONHECIMENTO NO AVA


“Ambiente Virtual de Aprendizado”

Aprofunde seus conhecimentos, assistindo:


A seguir, há algumas dicas de filmes (vídeos) que nos falam sobre
Filosofia da Educação. Confira em:
https://www.youtube.com/watch?v=t7IcspG9Huo
https://www.youtube.com/watch?v=K2mu76u8KKY
https://www.youtube.com/watch?v=j9BOTSYxI8I
https://www.youtube.com/watch?v=LvQB3fqENDc
u NI D A D E 2 • 89

RESUMO DO CAPÍTULO 2

 A educação no Brasil tem início com os Jesuítas no Século XVI.


O catolicismo exerceu grande influência na educação; sua ação é
hegemônica até a ação do Marques de Pombal com a expulsão desses
padres em 1759. A Europa desse período vivenciava o Iluminismo.

 As influências recebidas pela educação foram diversas. No século


XX, surgem os anarquistas que questionavam a forma de educação
frente à influência positivista. Essa escola segue uma proposta
humanista e reprodutora de valores e conhecimentos. A produção de
conhecimento e o exercício do pensamento crítico é patente.

 O texto nos fala da inserção de ideologia que não forma indivíduos


passivos e pouco criativos. A escola brasileira foi criada com o objetivo
de atender as necessidades do mercado.

 A escola é posta como aparelho ideológico, conforme Gramisch e


Alhtusser. Ou seja, são equipamentos para a manutenção do sistema.
A mudança no sentido de criar o pensamento crítico se faz necessária
nesse cenário.
90 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

AUTOATIVIDADE

1 Como se desenvolveu a escola no Brasil?

2 Cite as correntes filosóficas que atuaram no ambiente da escola brasileira.

3 O que são “aparelhos ideológicos” e de que maneira Althusser relaciona


esse conceito à escola?
Capítulo 3

Filosofia e polítca: o brasil e sua


formação político-cultural

O PROBLEMA DA DESIGUALDADE NO BRASIL

O problema da desigualdade e do subdesenvolvimento no Brasil, bem


como na América Latina, está ligado primariamente à absorção de valores e
estruturas provenientes de sua fase colonial e à consequente reprodução de
tais práticas. A não socialização da riqueza e a manutenção de uma cultura
classista voltada para o mercado externo marcam a realidade brasileira. Nos
países latino-americanos, principalmente no Brasil, Fernandes afirma que:

[...] as economias exportadoras de “gêneros coloniais ou de pro-


dutos tropicais” não só nasceram profundamente especializa-
dos: essa especialização foi imposta pelas antigas metrópoles e,
embora mantida pelo mercado mundial depois da emancipação
nacional, nunca deixou de ser uma especialização colonial pro-
priamente dita (FERNANDES, 1976, p.13)

O que se constata é que o papel do Brasil na Divisão Internacional


do Trabalho (entendido como o papel comercial de países ou continentes
na produção de mercadorias. Exemplo: Os países centrais produzem
tecnologia e crédito bancário, já os periféricos, matéria-prima e produtos
industrializados. Tal intercâmbio é resultante da globalização)continua o
mesmo, apesar das mudanças político-econômicas. Isso significa que, a
despeito da mudança de Colônia para República, de atividades agropecuárias
para industriais, a atividade econômica em relação aos países centrais não
92 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

mudou, ou seja, uma relação de exploração. A aceitação desse papel, fator


interno, associado ao imperialismo, que seria um fator externo, mostra que
“[...] o sistema internacional do capitalismo em sua fase contemporânea,
[...] tem suas raízes no capitalismo mercantil dentro do qual e por influxo
do qual o Brasil e todos os seus elementos constitutivos se plasmaram e
evoluíram” (PRADO, 1972, p. 81). Esse movimento evolutivo, na verdade,
foi o enraizamento de valores e ideologias de subserviência aos países
centrais, outrora chamados de primeiro mundo, que não possuem interesse
em facilitar o desenvolvimento dos países periféricos, pois a perpetuação de
seu domínio estaria sob ameaça.

AS ELITES BRASILEIRAS E SEUS COMPROMISSOS

Oligarcas no início do século XX


Disponível em: <http://www.eunapolis.ifba.edu.br/informatica/Sites_Historia_EI_31/sistema_eleito-
ral/html/sisteleit1.htm> Acesso em 7 de junho 2017.

As elites brasileiras, espelhando-se na aristocracia internacional,


acabavam por imitar suas ações, “repetindo a aristocracia imperial,
a burguesia republicana que furta as roupagens do arsenal ideológico e
utópico das nações hegemônicas e centrais” (FERNANDES, 2006, p. 251).
A submissão às elites dos países centrais permitiu a assimilação do ideário
u NI D A D E 2 • 93

hegemônico liberal externo em que os países periféricos permanecem em


situação de subserviência como nos tempos coloniais. O enraizamento
ideológico pela via da cultura resulta em uma forma de condicionamento
que justifica a mentalidade de um povo. “Ao se rediscutir os resultados
do colonialismo sobre os povos colonizados indicou-se que ele era capaz
de criar uma consciência oprimida, ou seja, domesticada e desprovida de
futuro” (ALVES, 2012, p. 90).
A cultura de exploração gera o chamado colonialismo interno, que revela
a exploração dos nascidos na terra, por outros habitantes da mesma terra.
Permite a reprodução do legado deixado pelos espanhóis e portugueses.
No caso do Brasil, porém, os agentes de opressão é uma classe que vem
sendo beneficiada desde a colonização com doações de grandes extensões
de terras. A configuração é distinta, não se tem mais a figura do colonizador
e do colonizado, mas sim de uma classe dominante sobre uma menos
favorecida.
As elites que monopolizam a apropriação do excedente impõem,
como prioridade absoluta do processo de acumulação, a cópia
do estilo de vida dos países centrais, impedindo, assim, a inte-
gralização de parcela considerável da população no padrão de
vida material e cultural propiciado pelo capitalismo (SAMPAIO
JR, 1997, p.196-197).
O patriarcalismo das oligarquias agia de modo a impor seus ideais a fim
de manter-se no poder. Essas elites formadas no povo brasileiro chamam
a atenção por suas ações de influência na formação da política nacional.
A prática do chamado clientelismo constituiu um meio de criar relação de
dependência para com os menos favorecidos, que se tornavam devedores
dos mais abastados. As relações de poder eram pensadas e trabalhadas
para a manutenção de seu espaço e, para isso, trabalhavam buscando a
manutenção do Status Quo.
A manutenção do poder, bem como o desenvolvimento do país,
exigia assimilação de novas tecnologias para atender o mercado externo.
O avanço da tecnologia e o aperfeiçoamento do conhecimento geram o
empoderamento intelectual e econômico. Desse modo, a produção, no
sentido de possibilitar a Modernização Conservadora, é a “[...] criação de
uma estratégia centralizadora pela qual a sociedade moderna poderia vir
a se instalar sem uma ruptura perigosa com a antiga estrutura de poder
herdada do sistema escravocrata” (MARTINS, 1995, p. 36).
94 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

Para a manutenção do poder, a aristocracia brasileira se valia de recursos


como o clientelismo para resolver as questões levantadas por oposições.
Assim, à base de acordos, da prática de corrupção ou de dádivas, buscava-
se resolver os impasses. Isso explica a constituição de uma rede social
e política baseada nesses critérios e como forma de reprodução dessas
mesmas relações. Além do clientelismo, a classe dominante da América
Latina possui caráter patrimonialista, em que não se respeitam os limites
entre o público e o privado.
A história do Brasil é transposta pelo clientelismo que se manifesta nas
relações políticas. O uso de tal prática ao longo de períodos demonstra que
as partes envolvidas mudam, contudo, o princípio se mantém. A relação
entre o coronelismo tende a ser confundida com o clientelismo, entretanto,
demonstra com clareza a ação de submissão de uma parte para se alcançar
determinado objetivo, seja pela via da troca de “favor”, seja monetário. A
relação estabelecida é baseada na barganha com base em vantagem material,
configurando, assim, uma relação clientelista (FARIAS, 2010, p. 2). O fato
a ser destacado nessa relação é a impregnação cultural estabelecida. Seja
o clientelismo, seja o coronelismo, as manipulações por essas vias estão
ativas.
A dinâmica cultural pede maior sofisticação entre as relações. O
desenvolvimento social e a melhor organização do país permitiram o
aprimoramento do uso desses recursos de dominação. “As relações
clientelísticas, nesse caso, dispensam a presença do coronel, pois ela se dá
entre o governo, ou políticos, e setores pobres da população. O clientelismo
estatal é uma característica moderna do Brasil na atualidade (FARIAS,
2010, p. 4). Essa relação é praticada, em instância sofisticada, não por
“coronéis”, mas por um grupo dominante, para a sua manutenção.
O patronato oligárquico se juntou aos empresários locais com interesses
de explorar o mercado interno. Os empresários locais não atuam como
opositores da velha ordem, mas associam-se a elas, o que aponta assimilação
de valores capitalistas e submissão ao imperialismo. “É por intermédio do
sistema imperialista que o Brasil se integra, de forma completa, ao mundo
e ao ritmo de vida modernos. Esse foi, sem dúvida, o resultado máximo
da penetração do capital internacional e do imperialismo dela resultante”
(PRADO JR, 2006, p. 287).
u NI D A D E 2 • 95

NAÇÕES HEGEMÔNICAS E LATINO-AMERICANAS:


REFLETINDO SOBRE A TEORIA DA DEPENDÊNCIA

Theotônio dos Santos Júnior e Fernando Henrique Cardoso, teóricos da dependência

Disponível em <http://www.brasil247.com/pt/247/poder/79718/Em-carta-aberta-autor-da-teoria-
da-depend%C3%AAncia-desanca-FHC-carta-aberta-autor-teoria-depend%C3%AAncia-desanca-
FHC.htm> Acesso em 7 de junho de 2017.

Os países latino-americanos se encontram delimitados dentro do espaço


proposto pelas nações hegemônicas que determinam economicamente
a vida de tais países, através da globalização e Divisão Internacional do
Trabalho1, que pode ser entendida por meio da Teoria da Dependência
(doravante TD). Pode ser entendida como leitura sobre o Brasil e os países
latino-americanos que, outrora colônias de países europeus, se tornaram
independentes. Todavia, mantiveram o papel de produção agrícola como
principal meio de exportação e o atraso no desenvolvimento econômico.
Essa ideia é trabalhada pela Teoria da Dependência, que surgiu no final
dos anos 60 e 70, como uma crítica marxista, não dogmática e weberiana
formulada em oposição ao parecer da CEPAL (Comissão Econômica para
a América Latina e o Caribe), que estava ligada à ONU (Organização das
Nações Unidas). A globalização e os sistemas de dominação financeiro levam
ao funcionamento da ordem social de acordo com o interesse do mercado,
expandindo grandes empresas e incorporando-as ao mercado mundial, o
1 É uma forma de divisão produtiva de nível internacional, em que os países centrais desempenham papel de
vanguarda em relação aos países em desenvolvimento, assumindo posição que possibilite interação através de
benefícios como isenções fiscais e incentivos para instalações industriais e crescimento econômico.
96 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

que impede a autonomia nacional.


Sendo a América Latina uma região periférica no cenário mundial e
dependente dos países centrais, resta-lhe sofrer as consequências do sistema
atual, o neoliberal, que usa a dívida pública para a dominação econômica
de tal região, promovendo o impedimento de seu desenvolvimento e sua
autonomia, responsabilizando o indivíduo em seu insucesso na busca por
um emprego. O Estado, no sistema neoliberal, serve aos banqueiros e
aos empresários, e prioriza a cartilha do Banco Mundial e do FMI (Fundo
Monetário Interacional) em vez de políticas sociais para melhoria e progresso
de seus povos (HARVEY, 2013).
Dos anos 60 a 70, os problemas relacionados ao subdesenvolvimento
do Brasil, bem como da América Latina, tornam-se objeto de estudo sob
uma perspectiva diferente da visão da Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe (CEPAL), que era comprometida com a visão hegemônica.
O resultado das investigações do grupo brasileiro passa a ser conhecido
como Teoria da Dependência (TD).
A estrutura adotada pelo Brasil lhe concedeu um caráter de economia
exportadora. A ideia da TD aponta para além da relação de exportação, ou
seja, é mais que produção de mercadoria. Para os países do “centro”, trata-
se de uma formação social e da estratificação do mercado interno. Nos anos
de 1990, a teoria política da dependência se assume como globalização,
o que leva o Brasil e os países Latino-Americanos a adotarem tal postura à
condição de subdesenvolvimento (MARTINS, 2013, p. 16).
Dentre os autores que abordam a TD, Marini se posiciona a favor de
uma revolução cuja percepção era marxista, entendendo que o problema
não estava ligado a circunstâncias. Já FHC, juntamente com Faletto e José
Serra acreditavam na Dependência Associativa, não presa ao dogmatismo e
estabelecendo diálogo para o desenvolvimento (LIMONGI, 2012, p. 190).
Tinham uma perspectiva Weberiana e entendiam que a dependência não
implicava necessariamente em estagnação e subdesenvolvimento, sendo
que a negociação política e econômica deveria ser usada para atingir os
“centros”. Os estudos sobre a Dependência nos levam à década de 50 e 60,
como crítica à CEPAL, que entendiam a América Latina de acordo com a
ideologia hegemônica dos países centrais.
Ainda nos anos 1970, abre-se uma discussão interna a respeito
do caráter da dependência, que terá como consequência uma
u NI D A D E 2 • 97

divisão entre a concepção weberiana de Fernando Henrique Car-


doso e a concepção marxista de Theotonio dos Santos, Vânia
Bambirra e Ruy Mauro Marini. A divisão teve repercussão tão
importante que parte dos historiadores – Diana Hunt (1989),
por exemplo – passa a se referir ao aporte da dependência, de-
notando acordo apenas parcial dos estudiosos do tema em rela-
ção ao objeto de estudo, porém, significativas diferenças meto-
dológicas (LIMONGI, 2012, p. 190).
Dentro da TD, surgida para repensar o modelo cepalino, que defendia
que o crescimento da América Latina aconteceria por etapas, temos duas
formas de pensamento tendo como ponto de convergência o entendimento
de que o continente latino-americano estava na “periferia”, dependendo dos
países de “centro”, detentores dos meios técnicos e científicos em escala
ampliada em relação à “periferia”. A ideia de “dependência” aponta para a
subordinação, ou seja, o crescimento da região está atrelado às necessidades
do “centro”. Outro problema apontado pelos expoentes da TD seria o padrão
de desenvolvimento capitalista e a Divisão Internacional do Trabalho, que
ocorre pela imposição imperialista. Essa imposição acaba servindo como
modelo para o que, na visão de Marini, é chamado de subimperialismo.
Os países periféricos foram limitados por países centrais para a
dependência tecnológica. As relações internacionais movidas pelos valores
capitalistas e, consequentemente, pela competição promoveram uma lógica
que coloca em desvantagem os países periféricos. “Todavia, esse limite
não impediria o estabelecimento de importantes contradições no processo
de acomodação entre países subimperialistas e imperialistas” (MARTINS,
2013, p. 22).
Reproduzir a dominação torna-se um padrão no qual os subdesenvolvidos
que possuem melhor condição imitam os países hegemônicos. Ainda de
acordo com Marini, o Brasil estaria à frente do México e da Argentina para
exercer esse subimperialismo na América Latina (MARTINS, 2013).
98 • INTRODUÇ ÃO À F I LOS OF I A

TEORIA DA DEPENDÊNCIA E A MODERNIZAÇÃO


CONSERVADORA

Ilustração aponta a relação do Brasil com o mercado externo

Disponível em :<http://diplomatique.org.br/o-brasil-entre-o-presente-e-o-futuro/> Acesso em 7 de


junho de 2017.

A posição de FHC, embora conivente com o sistema capitalista, aborda um


aspecto importante e que ajuda a entender a realidade do subdesenvolvimento
latino-americano. Fernando Henrique entende que a responsabilidade não
está apenas na relação desigual, entre países periféricos e centrais, mas na
ação dos países de “periferia” que criam obstáculos internos. Sua posição
contrapõe-se à de Marini no sentido em que entendia que uma revolução
não resolveria o problema, além de afirmar que a sua Teoria da Dependência
poderia ser utilizada em outras regiões, visto que esta
[...] atrela desenvolvimento capitalista a regimes
autoritários em países de desenvolvimento tardio.
Há desenvolvimento mesmo onde não há revoluções
burguesas e/ou camponesas. E há desenvolvimento
capitalista. Por isso mesmo, a teoria da dependência
pode ser transposta a outros contextos e regiões
geográficas (LIMONGI, 2012, p. 192).
A explicação dada pela Teoria da Dependência aponta para a
necessidade de mudança estrutural e não apenas para reformas paliativas
ou implementação de “Modernização Conservadora”. O Brasil manteve sua
configuração colonial, em termos de relação comercial, na produção de
matéria-prima. Sua organização, assim, ocorreu para atender as necessidades
externas, e não as suas próprias. Esse tipo de organização comprometeu
econômica, social e politicamente o país.
u NI D A D E 2 • 99

A posição de submissão de países da América Latina às elites


internacionais e a não socialização da riqueza compromete o desenvolvimento
de tais países. A estrutura viciada pelo ciclo exploratório dos países centrais
naturaliza à exploração dos países periféricos que, por sua vez, exploram
seus assalariados.
Diante do exposto, pode-se perceber que a Teoria da Dependência
explica o subdesenvolvimento da América Latina, dentro de uma perspectiva
marxista não dogmática. Em linhas gerais, a perspectiva da TD aponta
para uma reflexão acerca do padrão adotado (e ao mesmo tempo imposto
pelos países de “centro”) por governos das nações de “periferia” que não
são colônias por “direito” e reconhecimento político, mas que acabam
se tornando de “fato”, uma vez que, mesmo soberanos, colocam-se em
condição de subordinados.
O neoliberalismo de modo categórico delimitou o papel dos países periféricos
no cenário mundial. Marini entende que a relação com os países de “centro”
leva a uma “formação social”, isto é, gera uma reprodução no campo social e
ideológico, traduzido em conformação e alienação (MARTINS, 2013).
O momento atual é marcado pelo capitalismo financeiro, em que a
concentração de capital tende a manter-se nas mãos das grandes empresas
que detêm o monopólio para a exploração de riquezas e mais-valia. Esse
momento é caracterizado também pela fusão de bancos e empresas, o
que fortalece a noção de monopólio, não dando espaço para as empresas
familiares e comprometendo a distribuição de renda, o que atinge de modo
sacrificial os países periféricos e a população mais pobre.
O desafio a ser considerado para a mudança da situação atual é
conscientizar o povo e os governantes, visto que o espírito de subserviência
impregnado e reproduzido culturalmente também constitui um mecanismo
de dominação pelos países hegemônicos. Os conceitos aqui abordados
permitem enxergar que a realidade brasileira foi culturalmente condicionada
a manter determinados traços para o benefício e a manutenção das elites.
Os termos Patrimonialista, Colonialismo, Patriarcalismo, Clientelismo,
Modernização Conservadora e Teoria da Dependência abordados no texto
ajudam a compreender a realidade brasileira e apontam para problemas
estruturais na formação política e cultural. Tais ranços favorecem a
desigualdade na distribuição de renda e muitos problemas sociais, o que faz
com que a pregação da Teologia da Prosperidade seja ainda mais perversa,
haja vista a configuração social que serve de palco para a sua aplicação.
100 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

RESUMO DO CAPÍTULO 3

 A absorção de valores e estruturas pode ser entendido como a razão da


inanição do Brasil. A acomodação ao sistema que é imposto pela Divisão
Internacional do Trabalho põe o Brasil como exportador de matéria-
prima. O investimento em tecnologia é um problema crônico, visto que
o crescimento nesse setor pode gerar desconforto ante outras nações
produtoras de tecnologia. Esse pensamento está ligado ao que ficou
conhecido como Teoria da Dependência.

 A nação nesse contexto assume o papel de colônia. A Teoria da Dependência


nasceu no Brasil como questionamento ao relatório da CEPAL (Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe ou Comissão Económica para
a América Latina e Caraíbas). O ex-presidente Fernando Henrique foi um
dos proponentes da Teoria da Dependência, em uma vertente Weberiana.
Já o Professor Rui Mauro Marini segue a vertente marxista. Essa Teoria é
polarizada pelos pensamentos desses teóricos (Marx e Weber).

 Além da dependência externa, o Brasil sofre com sua formação cultural,


cujos coronealismo, patriarcalismo, patrimonialismo e modernização
conservadora ecoam até mesmo em tempos recentes. Conclui-se que
o desenvolvimento do país se deve por uma mudança de mentalidade
formada culturalmente.

AMPLIE O CONHECIMENTO NO AVA


“Ambiente Virtual de Aprendizado”

Aprofunde seus conhecimentos, assistindo:


A seguir, há algumas dicas de filmes (vídeos) que nos falam sobre
Filosofia e Política no Brasil. Confira em:
https://www.youtube.com/watch?v=DjlEYXRxWBs
https://www.youtube.com/watch?v=oAC7MT3nKgU
https://www.youtube.com/watch?v=ww4_HoY-UYA
u NI D A D E 2 • 101

AUTOATIVIDADE
1 Quais as bases filosóficas utilizadas no pensamento de Fernando Henri-
que Cardoso e Rui Mauro Marine?

2 Quais as causas para a dificuldade de desenvolvimento no Brasil?

3 Como a cultura contribuiu para o atraso do Brasil diante do desenvolvi-


mento econômico e social?
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA

Unidade 3
Capítulo 1

A filosofia contemporânea

O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO E NIETZSCHE

A filosofia contemporânea inclui o pensamento filosófico de meados do


século XIX até o presente. Sendo o período mais próximo de nós, parece
ser o mais complexo e o mais difícil de definir, pois as diferenças entre as
várias filosofias ou posições filosóficas parecem muito grande por vermos
que estão diante de nós (CHAUI, 2000).
Os tópicos abordados pela filosofia contemporânea mostram-nos que a
filosofia, a partir de meados do século XIX até o presente, é mais difícil de ver
na sua generalidade e complexidade, uma vez que os problemas devido as
suas diferentes respostas, o que parece torná-la impossível para uma visão
geral. Em outras palavras, não temos distância suficiente para perceber as
características mais gerais deste período da filosofia (CHAUI, 2000).
O século XIX é um período importante, o grande século da descoberta da
história ou historicidade do homem, da sociedade, da ciência e das artes.
Como afirmou o filósofo alemão Hegel “a história é o caminho da razão e da
verdade”, afinal, seres humanos, são seres históricos (CHAUI, 2000).
No século XIX, essa concepção levou à ideia de progresso, isto é, a
humanidade avançou, socialmente, nas ciências, artes e técnicas se
desenvolveram junto com os avanços científicos em sua totalidade. O
acúmulo de conhecimento, conforme é apregoado pelo positivismo,
transforma a realidade melhorando-a, tornando-a superior em comparação
com o passado, e o futuro será melhor e maior do que o presente. Essa visão
otimista também foi desenvolvida na França por Augusto Comte, filósofo
que atribuía o progresso das ciências positivas ao progresso do homem. A
106 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

Augusto Comte é a atribuída a frase “Ordem e Progresso”, que se tornará


parte da bandeira do Brasil (CHAUI, 2000).
No século XX, a mesma afirmação da historicidade dos seres humanos,
levará a ideia de descontinuidade histórica. Em vez de gradual, cada
sociedade tem sua própria história; em vez de um único estágio, uma
história universal da civilização. A ideia de progresso é criticada como uma
desculpa para legitimar o colonialismo e o imperialismo. Deve-se observar
a ideia de avanço tecnológico demonstrando que em cada época histórica
e cada sociedade, saberes e práticas têm o seu próprio significado e valor,
e que este irão desaparecer em um período futuro, não sem iguais em
sociedades distintas, para que haja uma transformação contínua, cumulativa
e progressiva (CHAUI, 2000).

Foto do filosofo Frederich Nietzsche


Disponível em: <https://www.pensador.com/autor/nietzsche/> Acesso em 7 de junho de 2017.

“Deus está morto”. Essa famosa citação é do filósofo Nietzsche (1844-


1900). Deus imortal não está sujeito a essa realidade, pois seres imortais
não morrem, de certa forma, porém, a questão é essa. A morte de Deus soa
estranha, pois contraria o conceito cristão de Deus. Nietzsche, na verdade,
usa a ideia de morte de Deus. Em outras palavras, a fé em Deus deixou de
ser razoável para o homem, diante de um novo alvorecer proporcionado
pela razão. Em “A gaia ciência”, obra de 1882, a frase “Deus está morto” é
citada. Deus é procurado, mas não é encontrado por um homem lampião.
u NI D A D E 3 • 107

Os demais habitantes da vila acreditam que tal homem havia enlouquecido


(WARBURTON, 2011).
Nietzsche produziu valiosas obras. Ingressou como docente da
Universidade de Basel, aos 24 anos. Contudo, devido a sua excentricidade
não se adaptou a carreira. Deixou a universidade em 1879, escreveu vários
livros, que na época foram pouco valorizados, mas de reconhecido valor
filosófico nos dias atuais. A parte final de sua vida se deu em um manicômio
(WARBURTON, 2011).
Em oposição a Kant, vemos Nietzsche como um filósofo contrário
ao racionalismo que se popularizou no ocidente. Sua visão acerca do
cristianismo é de uma religião de fracos, por isso, elogia o Islã como religião
que valoriza a força. Sua escrita se dá por aforismos, com curtos parágrafos;
sua postura irônica provoca o leitor, mas a sinceridade também é notada
(WARBURTON, 2011).
A moral é tema importante em Nietzsche. Uma vez que Deus está morto,
que referências tem a humanidade para seguir seu caminho? “Nossas ideias
de certo, errado, bem e mal fazem sentido em um mundo onde há um Deus,
e não em um mundo sem Deus”. Sem Deus, o que valorizamos e como
vivemos torna-se vazio de significado. O pensamento desse filósofo cria
uma nova perspectiva em relação à realidade, pois o relativismo torna-se
perceptível diante da morte do que é Absoluto (Deus). Ele se enxergava como
imoralista, mas não que desejasse ou praticasse o mal deliberadamente
(WARBURTON, 2011).
“Para Nietzsche, a morte de Deus abriu novas possibilidades para a
humanidade, tanto terrificantes quanto estimulantes. A desvantagem é que
não havia uma rede de segurança, tampouco regras sobre como as pessoas
deveriam ser ou viver” (WARBURTON, 2011).
A religião associada à moral concedia sentido à vida humana. Após
a morte de Deus, dos próprios valores, as pessoas poderiam também
transformar suas vidas e desenvolvê-las como achassem melhor sem a
influência da religião. “Nietzsche concluiu que, quando aceitamos que
não há Deus, não podemos simplesmente nos agarrar a uma visão cristã
de certo e errado. Isso seria autoenganação. Os valores que sua cultura
herdou, como compaixão, bondade e consideração (...)”, a recusa de
valores impostos deveria ser embasada no estudo da origem de tais valores.
Segundo Nietzsche, as virtudes cristãs de cuidar dos mais fracos e indefesos
tinham origens surpreendentes. Fomos culturalmente formados para exaltar
108 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

a solidariedade e desprezar o egoísmo (WARBURTON, 2011).


Nietzsche argumentou que os padrões de pensamento e sentimento que
temos por meio da história, uma vez conhecidos em sua origem genealógica,
nos permitem entender como desenvolvemos determinados conceitos. É
difícil considerá-los como conceitos estáticos, a dinâmica da vida aponta
a forma como devemos nos comportar de modo que o homem se torne
protagonista de seus padrões e escolhas (WARBURTON, 2011).
Em seu livro “Genealogia da Moral”, citando a Grécia antiga, quando
os poderosos heróis da elite montaram suas vidas em função das ideias
ligadas a moral como honra, vergonha, altruísmo e heroísmo em batalhas,
e desvalorizando valores como o egoísmo, a culpa e a ofensa. Tal mundo
é descrito por Homero na Odisséia. Nesse universo de heróis, há os que
tinham menos poder, ou seja, os escravos e os fracos, e os fortes, que
seriam invejáveis. Portanto, o escravo canaliza a inveja e o ressentimento
dos poderosos. Usando os valores da aristocracia de uma forma muito
errada. Em vez de celebrar o poder e a autoridade como os aristocratas, os
escravos se voltavam para a generosidade e aos cuidados para com os mais
fracos em virtudes.
Nessa escravidão moral, como Nietzsche nomeou, os atos dos poderosos
são vistos como o mal e os sentimentos de companheirismo, como bons. A
ideia de que a bondade moral começou o sentimento de inveja foi um desafio.
Nietzsche mostrou preferência particular para os valores da aristocracia,
a celebração de heróis e guerreiros poderosos em relação à ética cristã
de compaixão para os fracos. A moral do Cristianismo e seus derivados
defendem a ética de que todos os indivíduos têm o mesmo valor; Nietzsche
acredita que esse foi um grande erro (WARBURTON, 2011).
Em sua obra “Assim falou Zarathustra” (1883-1892), Nietzsche
escreveu sobre o Übermensch, ou “sobre-homem” como aparece em
algumas traduções. Nietzsche pretende, com esse termo, falar do homem
que se supera, escreve sua própria moral e valores. O homem superior,
talvez um novo estágio evolutivo da teoria darwiniana, “Nietzsche viu super-
homem como o próximo passo na evolução da humanidade”. Essa ideia
inspira o heróico, pois defende uma categoria superior de ser humano. Tal
ideia foi utilizada pelos nazistas, posteriormente estudiosos afirmaram que
foi uma distorção maliciosa em favor do nazismo para defender a ideia de
raça dominante (WARBURTON, 2011).
A irmã de Nietzsche, Elisabeth, manipulou seus escritos quando internado
u NI D A D E 3 • 109

em um manicômio e 35 anos após sua morte. Ela era uma nacionalista e


anti-semita.
A versão das ideias de Nietzsche, publicadas como vontade de poder,
tornou-se um anúncio para o nazismo e Nietzsche um escritor do Terceiro
Reich. Não se acredita que Nietzsche faria parte ou apoiaria o nazismo. No
entanto, é inegável que existem várias linhas em seu trabalho defendendo
o direito do mais forte para destruir os mais fracos. Ao contrário de
Immanuel Kant, que comemorou essa razão, Nietzsche sempre disse que
os sentimentos e as forças irracionais desempenham um papel importante
na construção de valores humanos. É quase certo que suas visões tenham
influenciado Sigmund Freud, cujo trabalho explorou a natureza e poder de
desejos inconscientes (WARBURTON, 2011).
O filósofo Nietzsche foi de grande importância para a filosofia
contemporânea. Seu pensamento influenciou tanto o existencialismo como
o estruturalismo e, consequentemente, a pós-modernidade. Sua influência
no desenvolvimento da filosofia é de grande relevância.

AMPLIE O CONHECIMENTO NO AVA


“Ambiente Virtual de Aprendizado”

Aprofunde seus conhecimentos, assistindo:


A seguir, há algumas dicas de filmes (vídeos) que nos falam sobre a
Filosofia de Nietzsche. Confira em:
https://www.youtube.com/watch?v=5L2K6HKrEyA
https://www.youtube.com/watch?v=sZavuQ56Ux8
https://www.youtube.com/watch?v=j3K4KJ3mobI
110 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

RESUMO DO CAPÍTULO 1

 Sobre a frase “Deus está morto” pode-se afirmar que Nietzsche, em


outras palavras, afirma que fé em Deus deixou de ser razoável para o
homem, diante de um novo alvorecer proporcionado pela razão.

 A moral é tema importante em Nietzsche. Uma vez que Deus está


morto, que referências tem a humanidade para seguir seu caminho?
As ideias de certo e errado se esvaziam. O pensamento desse
filósofo cria uma nova perspectiva em relação à realidade, em que o
relativismo se torna perceptível diante da morte do que é Absoluto
(Deus).

 Nietzsche argumentou que os padrões de pensamento e sentimento


que temos são produzidos pela história e solidificados pela cultura.
Uma análise genealógica nos permite entender o surgimento de tais
valores e conceitos. Por isso, é difícil considerá-los como conceitos
estáticos; o homem deve tornar-se protagonista de sua história.
u NI D A D E 3 • 111

AUTOATIVIDADE

1 – De que maneira Nietzsche contribuiu para a filosofia contemporânea?

2- Explique o conceito de Super-Homem em Nietzsche.


112 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

3 – Que relação tem a “morte de Deus” e a filosofia contemporânea?


Capítulo 2

Escolas da filosofia contemporânea

EDMUND HUSSERL E A FENOMENOLOGIA

Filósofo Edmund Husserl


Disponível em: <http://www.rschindler.com/husserl.htm> Acesso em 7 de junho de 2017.

O filósofo Edmund Husserl (1859-1938) desenvolveu a fenomenologia


e influenciou grandes pensadores como Heidegger e Jean-Paul Sartre. A
fenomenologia tece críticas ao positivismo do século XIX por seu empirismo,
trabalha questões ligadas ao corpo e à mente, sujeito e objeto, temas que
nos remetem a Descartes no Século XVII. Além da crítica ao positivismo,
a filosofia tradicional também passa pelo crivo da fenomenologia como
114 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

passível de críticas devido à noção de “ser” vazia e abstrata (ARANHA;


MARTINS, 2009).
O filósofo Edmund Husserl, como grande expoente da fenomenologia no
século XX, defendia que para a compreensão do mundo e do pensamento
partiria da contribuição dada pela fenomenologia. Ele entendia que “trata-se
de retornar às coisas em si mesmas considerando o fenômeno (literalmente
aquilo que se manifesta à consciência) não como aparência enganosa, mas
como uma aparição cujo sentido é preciso elucidar” (GRISSAULT, 2002, p.
233).
A fenomenologia é uma área da filosofia que tem como objetivo a
compreensão do fenômeno. Ela “visa à descrição da realidade e coloca
[como] ponto de partida de sua reflexão o próprio ser humano” (ARANHA;
MARTINS, 2009, p. 198).
Por fenômeno, entende-se tudo o que se apresenta a nós. A interpretação
do fenômeno passa pela consciência (entendimento) o que permite interpretá-
lo. Todavia, a fenomenologia aponta para a diferença do “fenômeno em
si” e a “intepretação do fenômeno”. Ou seja, a realidade difere do que é
apresentado ao nosso pensamento.
A “teoria da aparência”, como era conhecida a fenomenologia no século
XVIII, é uma forma de compreender o fenômeno; nela se busca o significado
por trás das ideias (aparência) que trazem algo concreto, sua essência e
estrutura. A realidade exterior, a compreensão humana e as palavras são
objetos de reflexão pela fenomenologia, que tem como objetivo conectar
o mundo às ideias. A fenomenologia busca a base empírica na essência
das coisas, não se limita apenas à realidade imaterial, apesar de tratar de
essência em sua significação (GRISSAULT, 2002).
[...] fazendo variar mentalmente as perspectivas das coisas a fim
de extrair delas as suas características empíricas variáveis é que
se chegará a identificar sua essência, ou seja, as propriedades
que não se podem suprimir sem suprimir o próprio objeto. Por
exemplo, a essência do triângulo é o conjunto das propriedades
que permitem defini-lo como triângulo. Essa essência é indepen-
dente dos elementos particulares de cada triângulo concreto que
pudermos representar. A fenomenologia é, assim, intuição das
essenciais (GRISSAULT, 2002, p. 233).
Para melhor compreensão da fenomenologia de Husserl, é necessário
compreender alguns termos-chave. 1 - A redução aidética que consiste na
identificação da essência das coisas. 2 – A redução fenomenológica que
u NI D A D E 3 • 115

designa a suspensão do juízo, mas não está ligado a negar a existência do


mundo; “ela consiste em colocar entre parênteses a existência do mundo
exterior a fim de ater-se ao fenômeno, apenas aquilo que se manifesta”
(GRISSAULT, 2002, p. 233). 3 – O cogito que para Husserl é o “elemento
fundador de todo conhecimento” (ibidem, p. 233).
O termo cogito é utilizado por Descartes e empregado na filosofia
de Husserl, porém, o pensamento husserliano segue para além desse
conceito ao criar a teoria da intencionalidade que aponta para a finalidade
(intencionalidade das coisas). Ao trabalhar a intencionalidade da consciência,
ele afirma que
Ela é antes de tudo, intenção, abertura para o mundo: toda cons-
ciência é consciência de alguma coisa. Se a consciência é inten-
cionalidade, é inútil e equivocado opor radicalmente objeto e su-
jeito. Não há objeto senão para um sujeito e, inversamente, não
há sujeito senão em relação a um objeto. A consciência, portanto,
é sempre abertura para o mundo, para o outro, ela é doadora do
sentido. Por exemplo, perceber e imaginar uma flor não é a mesma
coisa, é dar um sentido diferente a um objeto que é, contudo, único
em sua essência (GRISSAULT, 2002, p. 234).
A consciência sempre visa ao que está fora, possui essa intenção, está
sempre se dirigindo para essa finalidade. Ainda contrariando Descartes e os
racionalistas, Husserl acredita que “[...] não há pura consciência, separada
do mundo, por que toda consciência é consciência de alguma coisa, e contra
empiristas (como Locke), a fenomenologia preconiza que, não há objeto
em si, já que o objeto é sempre para um sujeito que lhe dá significado”
(ARANHA; MARTINS, 2009, p. 198).
A fenomenologia trata do conhecimento como uma fonte abundante,
portanto, descobrir, compreender, descrever a realidade é uma tarefa
exaustiva. A formas para obter (perceber a realidade) são variadas, envolve
afeto, vivência e não apenas a razão, são várias as perspectivas.

O ESTRUTURALISMO

Ferdinand de Saussure (1857-1913) é considerado o pai do estruturalismo


que está mais para um método do que para uma escola filosófica. O
empirismo é contrariado por esse método, pois entende a realidade de forma
particionado, ou seja, com fatos isolados. Já o estruturalismo entende que
os fatos estão integrados a uma realidade maior (SALATIEL, 2008).
116 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

Filósofo Ferdinand Saussure


Disponível em: <https://www.citelighter.com/sociology/linguistics/
knowledgecards/theories-of-ferdinand-de-saussure> Acesso em 7 de junho
de 2017.

Saussure explica por meio de quatro dicotomias sua metodologia


estruturalista. Primeiramente, a forma de abordagem da linguagem: 1 –
A língua em seu aspecto social. 2 – A fala como aspecto individual da
linguagem. A segunda dicotomia diz respeito aos estudos da linguagem:
1- linguística sincrônica (estática ou descritiva) que estudo a confecção da
“língua” pelos fonemas, palavras, gramática, etc. 2 – linguística diacrônica
que pode ser evolutiva ou histórica: visa às transformações sofridas pela
língua com o passar do tempo (SALATIEL, 2008).
O estruturalista Saussure inovou ao enxergar o sistema social enquanto
linguagem e de modo sincrônico, não atrelado à história como outrora.
Ele sugere o nome de semiologia para o estudo dos signos linguísticos. O
significante como expressão do signo em sua materialidade. Exemplo: o
som da palavra “árvore” ou mesmo a imagem escrita no papel. O significado
seria o conceito que representa ou o próprio conteúdo do signo, a ideia,
como uma árvore que pode ser imaginada quando se ouve a palavra que
está escrita. Apesar da palavra estrutura não aparecer, ela se faz presente no
conceito do sistema, pois se refere à análise estrutural do estudo das línguas
em suas relações internas (SALATIEL, 2008).
A terceira dicotomia, trata do eixo sintagmático. Para isso, compreende-
u NI D A D E 3 • 117

se que um termo só é compreendido em relação (oposição) ao outro, por


exemplo: “O semáforo está verde”. Outro termo utilizado no estruturalismo
de Saussure é “Eixo Pragmático”: o termo é associado a outros contidos na
memória. Exemplo: quando se usa ao invés “semáforo” o termo “sinal”, e
substituindo também “está verde” por “abriu” (SALATIEL, 2008).
A compreensão da linguagem como uma estrutura inserida em um
sistema que possui elementos solidários entre si, pois só dessa maneira
passam a ter valor e sentido, e visto sob ótica não atrelada à história, nos
apresenta o método de análise estruturalista (SALATIEL, 2008).

Filósofo Levi Strauss


Disponível em: <https://blogs.wsj.com/speakeasy/2009/11/04/claude-levi-strauss-elegy-for-an-
anthropologist/> Acesso em 7 de junho de 2017.

Após Saussure, Claude Lévi-Strauss (1908-2009), filósofo e antropólogo,


aplicou o estruturalismo à antropologia. Partindo da linguística com Saussure
e posteriormente com Strauss na antropologia, o estruturalismo permeou
várias áreas variadas do saber.
antropologia estrutural é primeiramente um método de conheci-
mento original, forjado no tratamento de problemas particulares
a uma disciplina, mas cujo objeto é em princípio tão vasto e
a fecundidade tão notável que ele rapidamente exerceu uma
influência muito além do campo de pesquisa que o viu nascer
(DESCOLA, 2009, p. 149).
Strauss nos mostra que as estruturas da sociedade possuem
correspondência que analisa a troca e a circulação dos seres, de modo a
formar uma sociedade em sua totalidade, permitindo a organização das
relações sociais. As correspondências, no que diz respeito às estruturas
linguísticas aplicadas a antropologia em Strauss, baseou-se na observação
de tribos e suas configurações.
[...] a troca ou circulação das mulheres (estrutura de parentes-
118 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

co como sistema social de alianças), a troca ou a circulação


de objetos especiais (estrutura do dom como sistema social da
guerra e da paz) e troca de circulação da palavra (estrutura da
linguagem como poder religioso). O modo como cada um desses
sistemas ou estruturas parciais se organiza e se relaciona com
os outros define a estrutura geral e específica de uma socieda-
de “primitiva”, que pode, assim, ser compreendida e explicada
cientificamente (CHAUÍ, 1999, p.274-275).
A ciência, a partir do estruturalismo, passa a desenvolver métodos
específicos para a pesquisa; ocorre a libertação do sistema fechado de causa
e efeito, as explicações mecânicas sem abandonar a ideia de lei perfeita. Os
sistemas no estruturalismo criam seus próprios elementos e lhes concede
sentido e função na totalidade. A estrutura é um princípio dotado de sentido
que interage de forma conjunta e causal, o todo é na verdade um princípio
ordenador e formador que visa à harmonia e ao funcionamento do sistema
(CHAUÍ, 1999).
A antropologia social de Strauss contesta a chamada antropologia
positivista, que via nas tribos “sociedades primitivas” como uma etapa para
o progresso quando, de acordo com a antropologia social, são sistemas
diferentes, relações sociais distintas, construindo as próprias estruturas
culturais. Ou seja, a forma como se organiza não define necessariamente
sua evolução (CHAUÍ, 1999).

PÓS-ESTRUTURALISMO: JACQUES DERRIDA,


DESCONSTRUÇÃO E ÉTICA

Filósofo Jacques Derrida


Disponível em: <https://ensaiosdegenero.wordpress.com/2012/08/> Acesso em 7 de junho de 2017.
u NI D A D E 3 • 119

Jacques Derrida é um dos filósofos pós-estruturalista de compreensão


mais difícil. Seu campo de estudo está na epistemologia, na qual trabalha
a linguagem utilizando-se de novos conceitos. A abordagem complexa nos
permite adentrar áreas obscuras de um texto permitindo uma visão mais
ampla do sentido.
A filosofia da linguagem em Derrida nos apresenta variados sentidos
sobre um texto, permitindo a relativização da ideia, algo possível devido ao
“jogo linguístico”.
O método de Derrida foi difundido nos anos sessenta e ganhou
espaço em Universidades Americanas. E tornou-se sinônimo
de leitura cerrada de um texto (literário, filosófico, psicanalíti-
co, linguístico ou antropológico) de forma a revelar as suas in-
compatibilidades e ambiguidades retóricas, demonstrando que
é o próprio texto que as assimila e dissimula (BENNINGTON,
2004, p. 9).
Como percebemos, o texto tanto dissimula quanto assimila, o que permite
entender que as lacunas textuais nos permitem impressões e interpretação
distintas, deixando a ideia de verdade absoluta de lado. Derrida, para
chegar a essa conclusão, propôs conceitos para a compreensão textual
(BUCKINHAM, 2011).
O termo aporia vem do grego e quer dizer “contradição”, “dificuldade” ou
“impasse”. Derrida foca a leitura na aporia e nos mostra as complexidades
que passam desapercebidas por trás das obras. Portanto, “A desconstrução
é uma forma de ler os textos para trazer à luz paradoxos e contradições
ocultas” (BUCKINHAM, 2011, p. 310).
O pensamento de Derrida se firma na ideia de que “Não há nada fora do
texto” (BUCKINHAM, 2011, p. 308). Ou seja, o texto sempre nos apresenta
algo além do que se convenciona chamar de óbvio. Entendendo que tudo
pode, de certa forma, tornar-se um texto, entende-se que o pensamento de
Derrida abarca questões relacionadas à vida e à sociedade em sua totalidade.
O método de desconstrução aplica-se a tudo que é abordado textualmente.
Todavia, o pensamento contrário sustenta que
A desconstrução não pode propor uma ética. Se o conceito de
ética, como todos os conceitos, vem a nós, como não pode-
ria deixar de fazê-lo, da tradição que passou a ser chamada
de “metafísica ocidental”, e se, como Derrida coloca desde o
início, a desconstrução pretende a “maior totalidade” – a rede
inter-relacionada de conceitos que nos é legada pela (ou como)
metafísica -, então a “ética” não poderia deixar de ser um tema
120 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

e um objeto da desconstrução, um tema para ser desconstruído,


mais do que admitido ou afirmado. A ética é completamente
metafísica, não podendo, portanto, jamais ser simplesmente as-
sumida ou afirmada pela desconstrução. A demanda ou o desejo
por uma “ética desconstrucionista” são, nesse sentido, fadados
à frustração (BENNINGTON, 2004, p. 9).
Desconstrução procura respostas por meio de análise minuciosa do
texto. A visão sobre ética como metafísica não é considerada, mas pode ser
desconstruída de acordo com o pensamento de Derrida. Desconstrução é
uma forma de investigação da linguagem escrita para extrair algo além do
que é percebido fora do método tradicional (PEREIRA, 2016).
Outro termo relevante para a compreensão do pensamento de Jacques
Derrida é a expressão diferencia. Que vem do termo francês différance
(escrito com “a”). Esse termo foi cunhado pelo autor que, jogando com
palavras parecidas différence (com “e” que significa “diferir”) e différrer
(que significa “adiar”). A ideia é de que o significado do que estamos
escrevendo é adiado pelo que escrevemos em seguida, ou seja, a escrita
relativiza o significado pela própria escrita, a linguagem modifica a
linguagem (BUCKINHAM, 2011). Todavia, a linguagem tece relações com
o externo, pois “o sentido de qualquer termo particular que usamos depende
de todas as coisas diferentes que não exprimimos. Assim, o sentido não é
autossuficiente, nem mesmo dentro do próprio texto” (BUCKINHAM, 2011,
p. 311). De tal modo, pretende-se estender a noção dos acontecimentos
descritos pela linguagem.
O contexto em que a humanidade vive é considerado como influência
para a leitura. A filosofia desenvolvida depois do Iluminismo está centrada
no homem, não mais na natureza, ou em Deus como em outros tempos. O
avanço do pensamento humano na história dá ao indivíduo lentes para uma
leitura distinta.
Em Derrida, dado o atual contexto de “crise de soberania” da sociedade
pós-moderna, é realizada uma análise histórica, visando desconstruir a
soberania da política teológica. Essa “crise” nos leva à ideia da “morte de
Deus” apregoada por Nietzsche. Tal ideia expressa a exclusão de Deus como
o arquétipo da verdade (PEREIRA, 2016).
Por definição, soberania consiste em poder ou autoridade su-
prema, que não estaria submissa a nenhuma ordem superior.
Quando Derrida denuncia essa “crise de soberania” e pleiteia
esforço no sentido de “desconstruir a política teológica de sobe-
rania”, devemos antes perguntar quais as razões da crise que aí
u NI D A D E 3 • 121

está e de que forma a soberania se configura como ponto nevrál-


gico da mesma (RAJAGALOPAN, 2005, p. 122).
Essa ideia de que não há submissão a uma ordem superior leva o
indivíduo ao distanciamento ético, portanto, não valoriza as normas, pois ele
mesmo faz as regras. A modernidade desconstrói a centralidade da religião
e dos mitos. O ideário Iluminista deslocou do centro o conceito de divindade
e colocou o ser humano no lugar. Então, novos valores são firmados, novos
paradigmas (PEREIRA, 2016).
A liberdade de escolha é um valor especificamente moderno,
contemporâneo da crença iluminista em um sujeito soberano
e do pressuposto liberal da autonomia do indivíduo. Ela não
foi sempre considerada como um valor absoluto: basta lembrar
que, na Antiguidade, ter seu destino atribuído pelos deuses era
justamente a marca distintiva dos heróis (ROCHA, 2007, p.
134).
Agora, o próprio homem é protagonista de sua história. A ausência de
um Soberano nos remete a uma “crise de soberania”; o avanço tecnológico e
a competição inerente ao capitalismo geram uma mentalidade individualista,
pois com a nova configuração pós-Iluminista e a Revolução Industrial, a
tendência à disputa pelo mercado de trabalho e, consequentemente, pela
sobrevivência torna-se acirrada. A sobrevivência nesse mundo cria novos
mitos como o da felicidade atrelada ao consumo. O que nos permite entender
a formação da subjetividade para o consumo (PEREIRA, 2016).
Cremos no objeto de consumo – que não se resume, evidente-
mente, aos bens empíricos anunciados, mas remete aos valores
a eles associados - escola superior de propaganda e marketing
dos sintetizados pela ideia de felicidade. Como aponta Jean
Baudrillard (1991: 47), o mito da felicidade está para a moder-
nidade como o mito da salvação, para a Idade Média. Ele é o
pano de fundo contra o qual percebemos nossa existência, com
base no qual pautamos nossas ações e que dá sentido a essas
mesmas ações (ROCHA, 2007, p. 134).
O consumo ganha valor existencial. A ideia de “Ter” e “Ser” firmam
relação ontológica, o que marca a subjetividade do indivíduo vigorosamente.
O “Ter” tornar-se um ideal de vida.
Como observamos em Derrida, a Pós-Modernidade tende à desconstrução,
o que gera interpretação pluralista das ideias. A filosofia de Derrida é pós-
moderna e traz como sua marca a “contradição”, consequentemente,
a “dificuldade”, o impasse. Sua ideia de desconstrução abre uma nova
122 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

maneira de ver a realidade em termos de linguagem. A crítica da crise


no pós-modernismo de Derrida mostra como essa referência está fora de
controle ou de soberania (PEREIRA, 2016).
A crise abordada por Derrida trata de ética. Tal crise está relacionada a
nossas incertezas diante da dominação capitalista, uma figura pragmática
e voraz, que está presente nas relações entre nações e indivíduos
(RAJAGOLAPAN, 2005).
A Desconstrução desfaz a ética, ou revela-se, como descomprometida
com o sentido absoluto. A Desconstrução não pode ser ética, não pode
oferecer uma ética, mas a ética ainda pode ser um caminho privilegiado
para a desconstrução e a desconstrução poderia fornecer uma nova maneira
de pensar sobre alguns problemas de natureza ética (BENNINGTON, 2004,
p. 10).
A crise de soberania como proveniente de um ser humano pós-moderno,
em sua liberdade, aponta para a desconstrução e flexibilização da moral
e da ética em detrimento ao ideal de felicidade por meio do consumo. O
relativismo dos valores éticos dilui as convicções, colocando o indivíduo em
meio a inseguranças e incertezas, além de inverter os valores.
A crise da soberania à qual se refere Derrida é, portanto,
dentro da própria linguagem. Ou melhor, uma crise que se
configura no limiar da linguagem, na zona fronteiriça entre o
dizível e o indizível, o pensável e o não pensável, o humano e
o divino. No fundo, entre a impossibilidade teórica de susten-
tar a categoria de enunciados constativos e a necessidade de
reconhecer, no mundo da prática, a força da constatividade
de determinados performativos, sobretudo quando proferidos
por soberanos. É, enfim, uma crise que tem como origem o
homem se auto-outorgando o poder de “bancar” Deus (RAJA-
GOLAPAN, 2005, p. 124).
Nesse contexto, devemos reconhecer as limitações da humanidade e a
necessidade de uma referência ética que preserve a vida. Essa ética não deve
ser assegurada na existência, portanto, não deve ser relativizada, servida
pelo método de Desconstrução e qualquer outro mecanismo que contribua
para o progresso da sociedade humana (PEREIRA, 2016).
[...] a “ética” pode também sempre fornecer à desconstrução re-
cursos reprimidos ou inexplorados por sua determinação metafí-
sica, recursos que podem vir a mostrar-se de certa forma “mais
poderosos” e em excesso em relação àquela mesma determina-
ção metafísica. Nesse caso, a desconstrução pode, enfim, ser
u NI D A D E 3 • 123

descrita como algo ético e, talvez, como a ética mesma. Em


Force of Law, Derrida faz uma reivindicação, tão famosa quanto
misericordiosa, segundo a qual a justiça (como distinta do direi-
to e da lei) é a condição indestrutível da desconstrução e isso ao
que parece precisa ter alguma ressonância ética para que possa
ser inteligível (BENNINGTON, 2004, p. 10).

O poder da ética está na cultura, no comportamento assimilado


socialmente. A desconstrução do que mantém a existência da sociedade
deve ser pensada a partir da reconstrução. Ou seja, a desconstrução é viável
no intuito de refazer, no sentido de melhorar, progredir, aprimorar para uma
sociedade melhor e um ser humano aprimorado.

Michel Foucault

Filósofo Michael Foucault


Disponível em: <http://www.thatsdeepbropodcast.com/blog/2015/2/21/ep-17-50-shades-and-
foucault> Acesso em 7 de junho de 2017.

Filósofo francês que pesquisou instituições como escolas, prisões,


manicômios e hospitais. As relações de poder ganham destaque em suas
obras. Os livros “Vigiar e Punir” e “Microfísica do Poder” tratam do tema com
destaque. Deve-se mencionar também a obra “A História da Sexualidade”, o
que demostra a variação na pesquisa do filósofo. Outras obras como “História
da Loucura” e “O nascimento da clínica” nos permite preciosa contribuição
para entendimento de sua filosofia (BUCKINHAM, 2011).
A história, para esse filósofo, possui grande importância para suas
investigações. Ele tratava a história como uma forma de exumação das
124 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

estruturas do conhecimento. Entendia que cada época possuía sua própria


estrutura, portanto, uma epistemologia própria.
O conhecimento passa por acidentes, sofre retardos, obstáculos, crises,
interrupções, mas segue. A verdade, para ele, é uma produção histórica.
A sua “arqueologia” tem como objetivo descobrir as “regras do jogo” que
distingue a verdade da não verdade (BUCKINHAM, 2011).
Como pesquisador, deu atenção ao estudo da loucura. Para ele, a
loucura é uma construção social, não é biológica, mas cultural. Em favor
de seu pensamento, faz uma incursão pela história, percorrendo períodos
distintos dela. Na Idade Média, segundo Foucault, o louco é visto como um
visionário. No Renascimento, seria um homem de saber fechado, possuidor
de uma forma distinta de razão. Para Foucault, o homem seria uma invenção
recente, que teria surgido no início do século XIX (BUCKINHAM, 2011).
Já no século XVI e XVII, com René Descartes, a loucura passa ser vista
como “perda da razão”, portanto, o louco é visto como um não portador
da verdade. A loucura é, portanto, a perversão da razão. Nesse tempo,
ocorre grande enclausura. O louco seria aquele que não está de acordo com
a norma; desse modo, os homossexuais, vagabundos, devassos, bêbados
se encaixam na nomenclatura de loucos (BOMENY; FREIRE-MEDEIROS,
2010).
No século XVIII o louco é um doente. Cria-se o mito do homem normal.
O louco não é mais visto como criminoso, mas, sim, como um doente e
torna-se objeto de estudo. A loucura está confinada pela razão.
A sociedade atual é vista como “sociedade da normatização” que
cria mecanismos para classificação do que está fora dos padrões. A ideia
defendida por ele é de que a norma oprime. O poder disciplinador inclui a
distribuição espacial, o controle não só pelos resultados, mas pela ação. Por
isso, uma vigilância constante deve ser feita para o controle da disciplina.
Assim, um registro contínuo garante que todas as informações acerca do
indivíduo cheguem ao cume da pirâmide disciplinar (BOMENY; FREIRE-
MEDEIROS, 2010).
Sobre o poder para Foucault, deve-se entender que não se trata apenas
no ambiente político. Em todos os ambientes essas relações são percebidas.
Nas relações familiares, patronais, religiosas percebe-se a microfísica do
poder.
u NI D A D E 3 • 125

A história, como dito anteriormente, é base para o desenvolvimento do


pensamento de Foucault. Em seus estudos, aponta-se que a penalização
aos que estavam fora da norma social imposta era duríssima para os
padrões atuais, os esquartejamentos e a execução pública eram comuns
até o século XVIII. A detenção torna-se a principal forma de punição, a pena
é classificada como um ato administrativo do Estado (BOMENY; FREIRE-
MEDEIROS, 2010).
As penas, na verdade, não foram humanizadas, não estamos mais em
uma sociedade do espetáculo, mas sim da vigilância.
Foucault usa o termo panóptico de Jeremy Bentham, filósofo e jurista,
para falar da sociedade da vigilância. A ideia de panóptico (o que tudo
vê) tem como finalidade o funcionamento automático do poder de modo a
tornar o indivíduo útil e dócil ao sistema.

Heidegger

Filósofo Martin Heidegger

Disponível em: <http://historiadosamantes.blogspot.com.br/2014/02/o-filosofo.html> Acesso em 7


de junho de 2017.

Martin Heidegger (1889-1976) foi o proeminente discípulo de Husserl


e professor substituto de Freiburg, em 1928. Heidegger esteve ligado ao
Partido Nazista, o que lhe custou a exoneração em 1934. “É possível que
ele tenha ficado aturdido com o que considerava tendências anticulturais
126 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

em uma sociedade tecnológica e visto nos nazistas interesse para consolidar


a velha cultura e a missão da Alemanha nesse particular” (HAMLYN, 1990,
p. 298).
Para Heidegger, o mundo atual é realizado pela ciência. Por isso, para
compreendê-lo, é necessário usar da Metafísica da Subjetividade. Assim como
toda metafísica, é necessário um ponto concreto e absoluto, a filosofia atual
tem a subjetividade como esse ponto sólido (VASCONCENLOS, 2012).
A Metafísica da Subjetividade instaura a relação sujeito-objeto, em que
o homem (conhece e manipula) passa à condição de objeto (conhecido e
manipulado). Desse modo, percebemos a relação entre a metafísica e o
humanismo (SEIBT, 2010).
Na contemporaneidade, tudo deve ser manipulado (até o próprio
homem). Tudo se “coisifica”. Desse modo, o homem como objeto em um
contexto de guerra é a peça, um objeto de manipulação diante da técnica e da
tecnologia. A insensibilidade e o tratamento legado ao homem demonstra o
distanciamento sobre o que seria a humanidade (VASCONCELOS, 2012).
Diante dessa condição, faz-se necessário ouvir a linguagem, sem as
polaridades sujeito e objeto, é necessário deixar o fenômeno se expressar,
pois a própria linguagem nos dará acesso ao Ser (ontologia). Heidegger
deseja se aproximar do Ser e quebrar as “Cadeias Utilitárias”, o que seria
a busca em cadeia e constante de determinado objeto (SEIBT, 2010).
Exemplo: O livro que leva à instrução, que dá formação para emprego, para
instrução, etc...; quebrar a cadeia utilitária promove a libertação do tédio.
Por isso, o inusitado, a surpresa, a originalidade nos aproximam do Ser,
quando quebram a “cadeia utilitária”, concedendo a libertação do tédio.
A busca pelo Ser gera alegria. O tédio gera a angústia (que provém das
incertezas da vida e em nossa relação com o mundo) e a crise existencial.
Heidegger defende o exercício do livre-arbítrio como libertação da angústia
(VASCONCELOS, 2012).
Nietzsche, para Heidegger, aparece como grande influência. Em sua
obra “Ser e Tempo”, de 1927, e “O que é Metafísica”, de 1929, são suas
principais obras e apresentam o conteúdo essencial de seu pensamento
(HAMLYN, 1990).
Karl Jaspers (1883-1969), seu contemporâneo, inicia sua carreira
como psicopatologista. Enfatizou a ideia do “ser autêntico”, de acordo com
o pensamento kierkegaardiano, mas o “ser autêntico” em contraste com um
u NI D A D E 3 • 127

Ser transcendente, por isso busca pistas sobre si mesmo, para ser posto em
categoria adequada. “Tal como Heidegger, Jaspers opunha-se às crescentes
visões científica e tecnológica do mundo, e o que teve a dizer ele o fez em
nome da cultura” (HAMLYN, 1990, p. 298).
Heidegger tornou-se mais popular que Jaspers devido a sua metafísica
sofisticada. Frases como “O nada nega a si mesmo” demonstram a
plasticidade de seu pensamento. A questão metafísica para Heidegger é
fundamental, e tem como um dos pontos de partida para a sua filosofia
a pergunta: por que há algo no lugar do nada? (HAMLYN, 1990). Nessa
pergunta, nota-se a presença do “Existir”, ou seja, do Ser entendido como
sendo o que precede a existência e “Algo” chamado de Ente, entendido com
aquilo “o que se apresenta”, as coisas.
As dimensões do Ser, para Heidegger, nos expõem conceitos como
(SEIBT, 2010) o “Ser aí” ou Dasein do qual vem a necessidade de sabermos
a razão de estarmos no mundo. “Desta maneira, seu ponto de partida é
o que ele considera como uma distinção fundamental entre Sein (ser) e
Dasein (estar lá, estar no mundo). O Ser e Tempo concentra-se basicamente
no Dasein” (HAMLYN, 1990, p. 299). Heidegger segue a tendência de
resgatar dos gregos as origens etimológicas. A ideia de Dasein expressa a
existência conjunta com o mundo, a ideia de passagem e transitoriedade
não cabem nessa definição para Heidegger (HAMLYN, 1990).
Ao frisar ele a ideia do ser no mundo como noção fundamental,
pode parecer que Heidegger está tentando abandonar a estru-
tura cartesiana, ainda presente em Husserl, e enfatizar a neces-
sidade de aceitar-se a ideia de um mundo comum como pre-
condição de tudo mais, à maneira do Wittgenstein dos últimos
tempos (HAMLYN, 1990, p. 299).
O Dasein expressa a pessoalidade e a individualidade. A relação do
indivíduo com o mundo seria, portanto, a ligação com o mundo. Isso associa
sua filosofia ao existencialismo, a preocupação com os problemas ligados à
existência humana. A atenção dada a sua filosofia em detrimento a outras
como a de Jaspers se dá por essa temática. O Dasein está ligado ao tempo
e à consciência, por um anseio em direção e pelo futuro (HAMLYN, 1990).
O “Ser para o outro”, que aponta o vínculo com o outro para a tomada
de determinadas condutas, e o “Ser para a morte”, que leva o homem a
confrontar-se com essa realidade, e, diante dela, ter as opções ou de levar
uma vida não autêntica, lutando contra o inevitável, ou seja, a morte, ou uma
128 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

vida autêntica convivendo com a morte de modo digno (SEIBT, 2010).


Para Heidegger, o futuro está aberto às decisões pessoais, no entanto,
deve-se reconhecer a morte como possível. O ser autêntico reconhece a
morte e a angústia ou medo que caracteriza a existência humana. Heidegger
pensa da mesma forma que Kierkegaard. Seu raciocínio aponta para o nada
pós-existência humana. O discurso de Heidegger sobre a morte encontra em
outros filósofos, como Epicuro, Schopenhauer, Wittgenstein, a afirmação de
que o homem nada tem a temer (HAMLYN, 1990).

O EXISTENCIALISMO

Filósofo Soren Kierkgaard


Disponível em <http://pemptousia.com/2015/06/sin4/> Acesso em 7 de junho de 2017.

O filósofo dinamarquês Kierkegaard (1813-1855) foi o primeiro a


desenvolver o existencialismo, por isso é considerado o pai desse pensamento.
Sua intenção era a de se ao pensamento de Hegel que possuía a perspectiva
de que a humanidade segue de modo fatalista, portanto, inevitável
determinado curso histórico. Kierkegaard, em sua visão mais subjetiva, foca
no indivíduo e pretende investigar “o que é o homem?”, não como parte de
uma totalidade histórica, conforme Hegel, mas como indivíduo que possui
autonomia (BUCKINHAM, 2011).
Sua orientação cristã influenciou grandemente em sua obra. Os
sentimentos de “angústia e medo” são explorados filosoficamente de modo
u NI D A D E 3 • 129

a gerar formulações para o que é chamado existencialismo. A história bíblica


de Abrão e seu filho Isaque, contida no livro de Gênesis, relata o pedido do
sacrifício de Isaque à Abrão (WARBURTON, 2011).
Kierkegaard, diante dessa história bíblica, enfoca no medo de Abrão
que subiu a um monte após três dias de ter recebido a mensagem. Ele
imagina o sofrimento que Abrão experimentou durante esse tempo. O seu
existencialismo aborda a decisão humana e suas consequências; as escolhas
que se faz para a vida. O prazer chamado de hedonístico ou “estético” ou
“ético” que está ligado à moralidade convencional. As escolhas são livres
e subjetivas, o que contrapõe à visão de Hegel que acreditava que eram
produto do espírito da época “Zeitgeist” (BUCKINHAM, 2011).
A decisão em acreditar em Deus não é algo fácil, pois, para ele, a fé
é um “salto no escuro”, pois pode levar o homem a tomar decisões que
normalmente não aceitasse. E Abrão é um grande exemplo:
Se Abraão seguisse adiante e matasse o próprio filho, teria feito
algo moralmente errado. Um pai tem o dever básico de cuidar
do filho e certamente não deveria amarrá-lo a um altar e cortar
sua garganta em um ritual religioso. Deus pediu que Abraão
ignorasse a moral e desse um salto de fé. Na Bíblia, Abraão
é apresentado como um sujeito admirável por ter ignorado o
sentido normal do que é certo e errado e ter se preparado para
sacrificar Isaac (WARBURTON, 2011, p. 97).
A possibilidade de erro existe em Abraão, que age “saltando no escuro” e
de forma imoral em sua disposição em matar seu próprio filho. Essa história
mostra que o homem de fé coloca a ordem de Deus sobre todas as coisas,
inclusive a própria família. Essa fé, para Kierkegaard, não é racional, quem
escolhe esse caminho vive em solidão. A angústia é produto da possibilidade
de decisão (WARBURTON, 2011).
Segunda Buckinham (2011), para melhor compreender esse conceito,
Kierkegaard narra como exemplo a história de um homem do alto de um
prédio, ou à beira de um penhasco, que sente dois tipos de medo: a vertigem
e a angústia, o medo de cair ou o de lançar-se do alto. Para ele,
tanto o medo de cair como o medo de lançar-se no vazio [...] sur-
gem a partir da compreensão de que ele tem liberdade absoluta
[...] esse medo é tão atordoante quanto a vertigem. Kierkegaard
sugeriu que sentimos a mesma angústia em todas as nossas
escolhas morais, quando compreendemos que temos liberdade
de tomar até as mais terríveis decisões. Ele descreveu essa an-
130 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

gústia como vertigem da liberdade [...], embora ela cause de-


sespero, pode também nos livrar de respostas impensadas, pois
nos torna mais cientes das escolhas disponíveis. Tal angústia
aumenta nossa consciência e senso de responsabilidade pessoal
(BUCKINHAM, 2011, p. 195).
A partir do século XX, seu pensamento é apreciado por Sartre. O
existencialismo ganha sua nova versão, em que Deus não seria necessário,
contudo, o protagonismo do homem segue como base. Heidegger vai explorar
a ideia de angústia no século XX. Seu trabalho é admirado e
[...] seus livros ficaram famosos entre existencialistas como
Jean-Paul Sartre, que gostava de suas ideias sobre a angústia
de escolher o que fazer na falta de diretrizes preexistentes. Para
Kierkegaard, o ponto de vista subjetivo, a experiência do indi-
víduo em fazer escolhas, era importantíssimo. Karl Marx tinha
uma visão mais ampla. Assim como Hegel, ele tinha uma gran-
de visão de como a história se desdobrava e das forças que a
direcionavam. Porém, diferentemente de Kierkegaard, não tinha
nenhuma esperança de salvação pela religião (WARBURTON,
2011, p. 98).
Sua contribuição para a filosofia ajuda a outros pensadores no
desenvolvimento posterior da filosofia de Sartre, Heidegger e
Simone de Beauvoir, dentre outros. Tais pensadores causaram
mudanças acerca do conceito de liberdade e serão vozes nota-
das com distinção dentre as grandes mudanças ocorridas no
século XX.

SARTRE E BEAVEAUVOIR

Jean-Paul Sartre (1905-1980) é considerado um dos grandes pensadores


do século XX. Além de filósofo, era escritor e teatrólogo. Juntamente com sua
companheira Simone de Beaveauvoir influenciaram muitos jovens franceses,
após a Segunda Guerra (1908-1986). A ênfase do existencialismo por eles
apresentado estava atrelado à liberdade; uma de suas conhecidas frases diz
que “o homem está condenado à liberdade” (WARBURTON, 2011).
Simone conhecia Sartre desde os tempos de estudo na Universidade. Não
se casaram formalmente e nem moraram juntos; afirmavam que a relação
se baseava no “essencial” diante de outras relações que descreviam como
“contingentes”. Foram companheiros por toda a vida. Em 1949, Simone
escreveu a obra “O segundo sexo”, que foi reconhecidamente uma das
primeiras obras feministas (WARBURTON, 2011). Sua formação é pautada
u NI D A D E 3 • 131

na fenomenologia, assim como Sartre. Por isso, entendia que “[...] cada
um de nós constrói o mundo a partir da estrutura da própria consciência:
organizamos coisas e sentidos a partir do fluxo das nossas experiências”
(BUCKINHAM, 2011, p. 276). Por esse entendimento, ela sustenta que a
mulher constrói sua visão de mundo a partir de uma perspectiva masculina. A
humanidade adotou o padrão do homem para abordar as questões ligadas à
natureza humana. Segue afirmando que “[...] o Eu filosófico é masculino por
falta de oposição, seu par binário, o feminino, é, portanto, algo além do que ela
chama de Outro. O Eu é ativo e consciente, enquanto o Outro é tudo o que o Eu
rejeita: passivo, sem voz e sem poder” (BUCKINHAM, 2011, p. 276).

Sartre e Simone de Beauvoir


Disponível em: <http://notaterapia.com.br/2016/04/14/simone-de-beauvoir-e-jean-paul-sartre-a-
superacao-do-amor-romantico/> Acesso em 7 de junho de 201

O existencialismo de Beauvoir defende as escolhas e a construção do


indivíduo a partir delas. Portanto, cabe como escolha da mulher ser o que
quiser, se construir. Todas as escolhas têm suas implicações e, portanto,
cabe a cada um aceitar seus desafios. Esse seria o preço para a liberdade.
Parte da vida de Simone e Sartre está contextualizada na Segunda Guerra
mundial. Nesse período, a França experimentou grande opressão nazista, o
que resultou em tiroteios e escassez de comida. Após a vitória dos aliados,
a sensação de recomeço e muitos questionamentos surgem e a filosofia
existencialista recebe atenção nesse momento (WARBURTON, 2011).
Questiona-se a existência de Deus, o valor e o propósito da vida, bem
como o tipo de sociedade que a humanidade deve construir. Sartre escreve
132 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

em meio a esses questionamentos e mesmo antes do término da Segunda


Guerra lança sua importante obra, o “Ser e o Nada”, datado de 1943
(WARBURTON, 2011).
Uma frase que nos ajuda a compreender o existencialismo de Sartre
é “a existência precede a essência”. Esse pensamento contrasta com as
convicções de que a natureza humana é estática e persiste no tempo e no
espaço; essa natureza ou essência universal seria o que define a humanidade.
Desse modo, as qualidades universais e os valores básicos norteariam
o comportamento humano. Sartre era ateu e acreditava que não havia
predeterminação sobre a vida humana, ou um plano superior que norteasse
a vida (BUCKINHAM, 2011). Ele entendia que a essência humana seria
formada a partir das experiências vivenciais. Conforme o filósofo, “[...] não
somos feitos para qualquer finalidade específica. Existimos, mas não por
causa de nossa finalidade ou essência, como um abridor de cartas: nossa
existência precede nossa essência” (BUCKINHAM, 2011, p. 270).

Sartre se interessava pelo que o homem pode se tornar, sua filosofia


libertária enxerga o homem como um ser passível de mudança. A liberdade
traz consigo a responsabilidade, que gera impacto não apenas em quem faz
a escolha, mas também sobre os outros.

A PÓS-METÁFISICA: WITTGENSTEIN

Filósofo Ludwig Wittgenstein


Disponível em: <http://www.acflondon.org/literature-and-books/evening-wittgenstein/> Acesso em
7 de junho de 2017.
u NI D A D E 3 • 133

Ludwig Wittgenstein (1889-1951) cujo primeiro livro “Tractatus Logico-


Philsophicus” (1922) aborda a impossibilidade da ética e da religião, já
que estão além dos limites da linguagem, portanto, do entendimento.
Desse modo, o silencio é conveniente (WARBURTON, 2011). Outro
tema abordado posteriormente é o “enfeitiçamento pela linguagem”; as
dificuldades encontradas na filosofia é produto de problemas relacionados
à linguagem, pois esta tende a enfeitiçar. Para ele, “os limites de minha
linguagem significam os limites do mundo”. A centralidade da linguagem e
a lógica, logo, é o tema que permeia a sua obra (BUCKINHAM, 2011, p.
248),
Para Wittgenstein, era necessário que “[...] seguíssemos a lógica de
seus vários exemplos cuidadosamente escolhidos e, enquanto fizéssemos
isso, nossos problemas filosóficos desapareceriam” (WARBURTON, 2011,
p. 126). Ainda falando sobre a confusão que envolvia a filosofia, ele afirma
que o pensamento de que toda linguagem funciona da mesma maneira
era um equívoco, assim como a “ideia de que as palavras simplesmente
nomeiam as coisas” (WARBURTON, 2011).
Sua contribuição filosófica está na exposição dos chamados “jogos de
linguagem”, ou seja, a linguagem não serve apenas para nomear as coisas.
Outras ações estão patentes no uso das palavras. Para ele, não há uma
“essência” da linguagem (WARBURTON, 2011).
Quando Wittgenstein descreveu a linguagem como uma série de
“jogos de linguagem”, ele chamou a atenção para o fato de que
usamos a linguagem para muitas finalidades, e de que os filó-
sofos se confundiram porque pensavam basicamente que toda
linguagem tem o mesmo tipo de função. Em uma de suas famo-
sas descrições sobre o seu objetivo como filósofo, ele disse que
queria mostrar à mosca a saída da garrafa. Um filósofo típico
ficaria zunindo dentro da garrafa como uma mosca presa baten-
do no vidro. A maneira de “solucionar” um problema filosófico
seria tirar a rolha e deixar a mosca sair. Isso significa que ele
queria mostrar ao filósofo que estava se fazendo as perguntas
erradas, ou que havia sido enganado pela linguagem (WARBUR-
TON, 2011, p. 127).
A linguagem possui variadas funções podendo ser compreendida como
pública e também privada. Wittgenstein entendia que descrever sensações
por meio das palavras, como, por exemplo, a dor, é uma forma de tornar
público um sentimento privado. O equivalente a “está doendo” para o
público pode ser no privado a expressão “Aaargh!”. O uso correto de uma
134 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

sensação privada seria a linguagem privada. A sua defesa é para o uso de


uma linguagem especial para essa descrição (WARBURTON, 2011).
Wittgenstein, em sua complexidade, defende também que nossa relação
privada com o mundo não deve ser parâmetro para a descrição de nossas
experiências, no que diz respeito ao usa das palavras. Isso porque algo
público é necessário para a compreensão e em relação a ele. “Não podemos
ter nossa própria linguagem privada. Se isso for verdade, a ideia de que
a mente é como um teatro fechado no qual ninguém pode entrar é um
equívoco” (WARBURTON, 2011, p. 128).
Apesar da existência da linguagem particular das sensações, ela não faz
sentido, pois é necessária a conexão com o mundo através da linguagem
pública. Muitos filósofos acreditavam que a mente dos indivíduos era em
sua totalidade privada, o que para Wittgenstein não procede (WARBURTON,
2011, p. 128).
Em sua obra Tractatus, suas ideias são baseadas na compreensão de
que “[...] tanto a linguagem quanto o mundo são formalmente estruturados,
e essas estruturas podem ser decompostas em várias partes componentes”
(BUCKINHAM, 2011, p. 249). Seu objetivo foi de revelar tanto as estruturas
do mundo quanto da linguagem, para mostrar como se configura essa
relação, e a partir daí buscou suas conclusões filosóficas (BUCKINHAM,
2011).
Após 1930, Wittgenstein torna-se crítico de sua própria obra, muda de
ideia quanto à proposição de que “a linguagem consiste unicamente em
pressuposições, [...] pois sua visão anterior ignora muito do que fazemos
em nossa linguagem diária, de contar piadas a adular ou resmungar”
(BUCKINHAM, 2011, p. 251).

GADAMER E A HERMENÊUTICA

Hans-Georg Gadamer (1900-2002) atuou na hermenêutica filosófica;


seu intuito era abordar a forma como o homem “interpreta” o mundo. Foi
orientado por Martin Heidegger que afirmava que a filosofia tinha como
dever interpretar nossa existência. “Essa interpretação é sempre um processo
de aprofundamento de nossa compreensão, começando com o que já
sabemos” (BUCKINHAM, 2011, p. 260). Essa área do pensamento ainda
hoje necessita de maiores pesquisas, visto que, sobre o assunto, entende-se
que
u NI D A D E 3 • 135

[...] as pesquisas sobre hermenêutica são ainda


relativamente incipientes se comparadas com o
andamento de outras abordagens filosóficas. Sintoma
dessa incipiência é a vigência de imprecisões relativas
às distinções entre a hermenêutica cunhada por
Heidegger e a desenvolvida por Gadamer (RODHEM,
2011, p. 16).

Hans-Georg Gadamer

Disponível em: <http://www.metaphorandart.com/articles/gadamer.html> Acesso em 7 de junho


de 2017.
Gadamer traça o que é conhecido como “círculo hermenêutico”, quando
uma leitura inicial baseada em uma compreensão primária é alterada, após
maior aprofundamento da compreensão, o que gera alteração sobre as
linhas lidas anteriormente, assim como a totalidade do texto. De tal modo,
ele nos mostra que nossa interpretação “parte de um ponto em particular da
história” (BUCKINHAM, 2011, p. 261).
Assim como Heidegger, sua abordagem era circular, o que mais tarde foi
reforçado em sua obra Verdade e Método. A história tem grande importância
para a interpretação da realidade para Gadamer.
Nossos preconceitos e crenças, os tipos de perguntas que jul-
gamos que valem a pena ser feitas e o tipo de repostas com as
quais ficamos satisfeitos, tudo é produto de nossa história. Não
podemos ficar do lado de fora da história e da cultura. Então,
nunca podemos alcançar uma perspectiva absolutamente obje-
tiva (BUCKINHAM, 2011, p. 261).
136 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

A compreensão da realidade e a do “EU” é um processo parecido com


uma “conversa com a história”. Por isso, entende-se que “A história não nos
pertence: nós pertencemos a ela”. Somos, de certa forma, produto dela.
Assim, os textos, por mais antigos que sejam, trazem-nos compreensão
das normas culturais e dos preconceitos que carregamos. Por outro lado, os
horizontes do intérprete estão sempre condicionados pela história. A tradição
é uma referência que vai delinear a relação entre o intérprete e o texto
(RODHEM, 2011). A ampliação de nossa compreensão sobre o presente se
dá pela via da história e da cultura. A “fusão de horizontes” é o diálogo entre
o indivíduo e a história que resulta em elevação na compreensão do mundo
(BUCKINHAM, 2011).

AMPLIE O CONHECIMENTO NO AVA


“Ambiente Virtual de Aprendizado”

Aprofunde seus conhecimentos, assistindo:


A seguir, há algumas dicas de filmes (vídeos) que nos falam sobre as
escolas da filosofia contemporânea. Confira em:
https://www.youtube.com/watch?v=B7PX0-ER4go
https://www.youtube.com/watch?v=_RR9dHtF3e4
https://www.youtube.com/watch?v=2dFM1OO315k
u NI D A D E 3 • 137

RESUMO DO CAPÍTULO 2

 A filosofia contemporânea inclui o pensamento filosófico de meados


do século XIX até o presente. Sendo o período mais próximo de nós,
parece ser o mais complexo e o mais difícil de definir, pois está
próximo a nós.

 Os tópicos abordados pela filosofia contemporânea mostram-nos


que a filosofia, a partir de meados do século XIX até o presente, é
mais difícil de ver na sua generalidade e complexidade, uma vez que
os problemas devido as suas diferentes respostas parecem torná-la
impossível para uma visão geral. Não estamos distantes o suficiente
para enxergar tudo o que é a filosofia contemporânea.

 Nesse período, muitas são as escolas de pensamento. Podemos


destacar, entretanto, a Fenomenologia como “ciência das essências”
que estão para além das aparências. Também o Estruturalismo,
cuja compreensão é de que a realidade segue estruturas que dão
sentido às coisas. O Pós-Estruturalismo também é citado destacando
Jaccques Derrida, que concede grandes contribuições para a
linguística. Michel Foucault, também pós-estruturalista, nos fala
de sua filosofia baseada na história e aborda questões ligadas às
relações de poder e à loucura. Martin Heidegger contribui ao tratar
da subjetividade, destacada em sua obra “Ser e Tempo”. Quanto ao
existencialismo, destaca-se Kierkgaard, Sartre e Beauvoir. A frase de
Sartre “a existência precede a essência” é basilar para compreender
sua filosofia existencialista. Os filósofos Wittgenstein, com sua pós-
metafísica, e Gadamer trabalham a filosofia da linguagem.
138 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

AUTOATIVIDADE
1 Defina Existencialismo.

2 Defina Fenomenologia.

3 Defina Estruturalismo.
Capítulo 3

O liberalismo e a sua crítica, o


pensamento de Frankfurt

3.1 O CONTRATO SOCIAL E A BASE PARA O PENSAMENTO LIBERAL

Prédio da Escala de Frankfout


Disponível em: <https://ordememquestao.wordpress.com/2015/04/20/informacoes-escola-de-
frankfurt/> Acesso em 7 de junho de 2017.

O Liberalismo é produto de uma época de reconfiguração, após a


Revolução Francesa. Em 1789, a Europa experimenta transformações
estruturais. Após a experiência com o absolutismo, a burguesia e o povo se
levantam contra o clero e a monarquia. A forma como os Estados Nacionais
passariam a ser governados é abordagem tratada pelos filósofos chamados
Contratualistas.
Antes mesmo da Revolução Francesa, as ideias sobre um Contrato
Social eram o que podemos destacar objeto de reflexão. Thomas Hobbes,
no século XVII, escreve “Leviatã”, na qual defende uma liderança forte,
140 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

capaz de evitar guerras civis. Foi um dos fundadores da filosofia política e


acreditava que a humanidade devia adotar a política para tornar possível
uma vida em sociedade; do contrário, a convivência humana se tornaria
violenta e autodestrutiva, o que ele nominou como Estado de Natureza
(MACIEL, [201-?]a).
Para evitar esse estado, todos devem ceder seus direitos a fim de obterem
proteção e garantia do cumprimento de acordos. A quem se sujeitasse para
viver em sociedade era vetado a resistência ao poder soberano, pois, essa
resistência incidiria em contradição, uma vez que delegando seu poder ao
soberano, em determinado momento, suspendê-lo ou acusá-lo de autoritário
seria como se voltar contra si próprio. Não existe em Hobbes a regulação de
poderes, mas apenas um poder, o Leviatã (MACIEL, [201-?]a).
O segundo filósofo que deixou sua contribuição para a nova configuração
política da Europa chama-se Jean-Jacques Rousseau. Esse filósofo acredita,
assim como Thomas Hobbes, na necessidade de um Contrato Social. Suas
divergências estão na visão acerca do homem. Para Rousseau, o homem em
seu Estado de Natureza, é bom, ao contrário de Hobbes, autor da frase “o
homem é o lobo do homem” (MACIEL, [201-?]b).
Rousseau defende que o convívio em sociedade corrompeu o homem. A
moral desenvolvida em meio à convivência com outros humanos cria indivíduo
desprovido de solidariedade, egoísta, ou seja, envolvido e programado para
a disputa por espaço e sobrevivência na sociedade (MACIEL, [201-?]b).
O chamado Estado de Natureza, tanto em Hobbes quanto em Rousseau,
é hipotético e visa a responder à questão: como vivia o homem antes da
criação da sociedade civil organizada? (MACIEL, [201-?]b).
A ideia de liberdade verdadeira seria possível, segundo Rousseau, através
de um Contrato Social. O homem, no Estado de Natureza, é solidário, livre
e portador de uma moral não corrompida. A moralidade inata é evidenciada
diante da repugnância vista quando outros homens sofrem injustiça e
sofrimento. A sociedade organizada, portanto, é apontada como a geradora
de corrupção na subjetividade humana (MACIEL, [201-?]b).
Apesar de discordar de Hobbes quanto à natureza humana, ambos
defendem a necessidade do Contrato Social e defendem a sociedade, pois é
vista como inevitável e até mesmo desejável quando considerada parte do
processo de crescimento do homem. O ideal é reorganizar a sociedade de
modo a permitir seu desenvolvimento, não se esquecendo da moralidade
u NI D A D E 3 • 141

humana. Essa evolução é preferível ao regresso ao Estado de Natureza


(MACIEL, [201-?]b).
A preservação da vida humana e a liberdade são garantidas pelo
Contrato Social, segundo o entendimento de Rousseau. Ao abrir mão de
sua liberdade, conferindo-a à autoridade delegada, o indivíduo passa a
desfrutar de liberdade em âmbito geral, pois faz parte dela, está amparado
pela coletividade que incide sobre a lei (MACIEL, [201-?]b).
O terceiro contratualista é Charles-Louis de Secondat, também conhecido
por Barão de Montesquieu, é lembrado por sua Teoria da Separação dos
Poderes. Essa teoria hoje é adotada em várias democracias ao redor do
mundo. Sua formação iluminista e sua filosofia política eram avessas ao
clero católico e à monarquia absolutista (MACIEL, [201-?]c).
O filósofo saía em defesa das liberdades civis, o fim da escravidão, a
separação dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), além do
governo constitucional. Sua obra mais importante de cunho político foi “O
Espírito das Leis”, datada de 1748, na qual defende as questões citadas
acima (MACIEL, [201-?]d).
Montesquieu aponta três formas de governo: republicano, monárquico
e despótico. O modelo republicano possui variação de acordo com os
cidadãos, sendo subdividido em duas formas: a) repúblicas democráticas,
com participação ampla e cidadã (a ênfase recai na cidadania); b) repúblicas
aristocráticas, quando a cidadania é restrita, ao ponto de não comprometer
a aristocracia; c) modelo monárquico, no qual a figura central é o monarca,
havendo leis para a regulação dos poderes do soberano; tem-se a monarquia
em si, do contrário, considera-se despótico (MACIEL, [201-?]c).
Os sistemas políticos visam direcionar o comportamento dos cidadãos
que estão sob sua autoridade. O regime adotado pode ser identificado por
meio dos princípios adotados. O governo despótico lança mão do medo
como mecanismo de controle e governança; a ausência do medo pode gerar
revolta e desestabilizar o governante. Nas monarquias, a honra é enfatizada
e deve guiar o comportamento social, o amor e a honra são exaltados, o
monarca deve ser admirado. Na democracia, o amor, a virtude é o princípio
para a manutenção do sistema. Esses sentimentos e valores infundidos na
consciência dão indício de funcionamento do sistema (MACIEL, [201-?]c).
Para Montesquieu, a ideia de autogoverno coletivo não funcionaria. A
liberdade, para ele, não deveria ser compreendida como ausência de limites
142 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

ou restrições. A liberdade política não deve comungar com essas ideias,


pois lhe são hostis. A liberdade pode materializar-se, segundo Montesquieu,
não em sua totalidade, apenas em sistemas de orientação republicana ou
na monarquia, os sistemas inclinados à postura despótica são avessos à
liberdade (MACIEL, [201-?]c).
Montesquieu apresenta a liberdade política como dependente dos
seguintes elementos: 1- Os três poderes, quando separados e em liberdade
para cumprirem sua função em suas respectivas esferas, agem impedindo a
restrição de liberdade dos indivíduos. Um poder agindo contra a liberdade
é censurado pelos outros. 2 – O Contrato Social como um conjunto de leis
civis e criminais. A liberdade de crença, pensamento, associação e livre
expressão constituem a base para o pensamento liberal. O julgamento
justo, a proporcionalidade, a presunção da inocência eram defendidas por
Montesquieu (MACIEL, [201-?]c).
O quarto filósofo contratualista que abordaremos chama-se John Locke.
Sua filosofia ajudou na formação do ideário liberal, por isso é considerado
o pai do Liberalismo. A sua obra “Cartas acerca da Tolerância”, de 1689,
trata de questões ligadas a liberdades de pensamento, crença e política
(MACIEL,[201-?]d).
Foi considerado um dos grandes filósofos do empirismo Britânico e sua
obra foi marcante para o século XVII no contexto do republicanismo e na
teoria liberal, seguindo Francis Bacon, quanto ao empirismo. A identidade
do ser como continuidade da consciência, por Locke, deu início ao debate
acerca da identidade do ser que abriria outro campo da filosofia chamada
“filosofia da mente” (MACIEL, [201-?]d).
Locke se posiciona contra a monarquia absoluta em seu tempo, para
isso escreveu a obra “Dois tratados sobre o Governo”, em 1689, na qual
refuta o patriarcalismo, uma posição política na Inglaterra que atribuía ao
monarca a paternidade aos seus súditos. John Locke sugere, em sua obra, a
extinção do patriarcalismo no campo político (MACIEL, [201-?]d).
Em seu segundo tratado, sua filosofia é abordada. Aponta a forma
como deveria ser a organização social. Visando esse objetivo apresenta,
como grande novidade, os “direitos naturais”, que seriam inalienáveis e não
dependeriam de autoridade formal, não sendo limitados por lei humana e
sustentados pela lei natural (MACIEL, [201-?]d).
A lei natural serviria como oposição ao direito divino que os monarcas
u NI D A D E 3 • 143

alegavam possuir. Os direitos naturais são apontados como: 1 – direito à


liberdade; 2 – o direito à vida; 3 – o direito à propriedade. Esses direitos
contribuíram para a formulação do Contrato Social. A racionalização dessas
leis permitiu a sociedade civil elevar-se, sofisticando a ideia de civilidade
(MACIEL, [201-?]d).
Com relação ao ser humano, Locke acreditava que sua consciência era
uma tábula rasa na qual é impressa pelas ideias vivenciadas. Para ele,
o conhecimento era originário das sensações, as ideias inatas em sua
concepção não existiam. Suas ideias influenciaram o que seria o Empirismo
Britânico. Para ele, Descartes estava errado ao defender a razão na geração
de ideias (MACIEL,[201-?]d).
As concepções de ideias para Locke apareciam de duas formas, ou
através da sensação ou da reflexão. As provenientes da sensação são
produtos de contato com objetos, já as surgidas pela reflexão, são relativas
a percepções ligadas as sensações. Tais ideias seriam reclassificadas em
simples e complexas (MACIEL, [201-?]d).
Ideias simples não precisam de explicação, pois suas qualidades são pri-
márias e secundárias dos objetos. Por qualidade primária entende-se como
o que apresenta a essência do objeto. Já a secundária concede informações
adicionais como a cor, a textura, sabor de um objeto (MACIEL, [201-?]d).
As ideias simples quando combinadas formam ideias complexas, essas
constituem as substâncias, os modos e as relações. Ao discernir a concor-
dância e a discordância entre as ideias, é concebido o conhecimento. Essa
tese é reformulada por David Hume e se torna a referência para o empirismo
moderno (MACIEL, [201-?]d).
Os filósofos contratualistas deixaram contribuição para a formação do
ideário Liberal. Sobre o termo Liberal, podemos entendê-lo em três aspec-
tos: o político, o ético e o econômico. Sobre o liberalismo político, é possível
compreendê-lo como uma reação ao absolutismo. Os contratualistas, com a
filosofia política que propõem, causam ruptura com o clero e a monarquia
absolutista. Isso porque entendiam que o poder deveria ser exercido sob o
consentimento do povo. Essas questões são desenvolvidas e resultam no
voto e na limitação do poder central (CHAUÍ, 2000).
144 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

O LIBERALISMO E A REAÇÃO DE FRANKFOURT

Ilustração da Relação Estado e Mercado no Neoliberalismo


Disponível em: <http://www.portalconscienciapolitica.com.br/products/liberalismo-economico/>
Acesso em 7 de junho de 2017.

O Liberalismo Ético, está relacionado às liberdades de crença, pensa-


mento e expressão, à criação do Estado Democrático de Direito e à regulação
de ações outrora abusivas, como tortura e penas cruéis (CHAUÍ, 2000).
Já o Liberalismo Econômico tem como seus grandes expoentes Adam
Smith (1723-1790) e David Ricardo (1772-1823). A ideia da autorregula-
ção do mercado, privatização dos meios de produção e livre competição são
a base desse tipo de filosofia (ARANHA; MARTINS, 2009).
A humanidade, após a revolução científica do século XVII, tem o homem
no centro. Os avanços tecnológicos e em variadas áreas do saber permitem
à humanidade expansão em várias áreas do saber. Nesse período, as dis-
ciplinas se emancipam e são criadas áreas distintas do conhecimento. As
ciências da natureza obtêm grande reconhecimento. Augusto Comte, o pai
do positivismo, ao estudar a sociedade, propõe a nomenclatura de Física
Social, para o que mais tarde se chamaria Sociologia, por seu discípulo
Emile Durkheim.
O positivismo de Comte visava o domínio da natureza, da sociedade e
do indivíduo por meio do conhecimento científico. Para ele, os avanços se-
riam possíveis a partir do domínio dessas áreas; seria necessário “saber para
prever e prever para prover” e também na aplicação de seu lema que hoje
se encontra na bandeira do Brasil - “Ordem e Progresso” (CHAUÍ, 2000).
Comte acredita em três estágios de desenvolvimento do homem: o primeiro
seria o teológico; o segundo, o metafísico e o terceiro, o homem positivo, de
u NI D A D E 3 • 145

modo que a religião, para ele, seria ultrapassada e a plenitude humana seria
o homem positivo (CHAUÍ, 2000).
Com toda efervescência científica do Iluminismo, chegamos ao século
XX com guerras e conflitos marcantes. As duas grandes guerras mundiais (a
primeira, de 1914 a 1918, e a segunda, de 1939 a 1945) marcaram pro-
fundamente as lideranças mundiais. Os prejuízos para a humanidade foram
incalculáveis, de modo que, em 1948, a ONU lança a Declaração Universal
dos Direitos Humanos (ARANHA; MARTINS, 2009).
O rumo seguido pela humanidade já havia sido anunciado por Nietzs-
che, quando apregoa “a morte de Deus”. Obviamente, não é uma morte em
sentido literal, mas a anunciação de que Deus não era mais o paradigma da
verdade e, sim, o homem.
Durante o período dessas guerras, temos a criação da Escola de Frankfurt
que vê em Marx, Nietzsche, Freud e Heidegger referências para a sua Teoria
Crítica, em oposição à teoria tradicional, que está relacionada aos filósofos
do Iluminismo a partir de Descartes. A crítica dessa escola se concentra no
entendimento de que a razão “Iluminada” sobra quando instrumentalizada
para a dominação (ARANHA; MARTINS, 2009).
A Escola de Frankfurt foi fundada em 1923 e estava ligada à Pesquisa
Social; teve como representantes dessa geração Theodor Adorno, Marx
Horkheimer, Herhert Marcuse e Walter Benjamim. Buscaram a origem
da irracionalidade demonstrada nas formas de totalitarismo travestidas
de racionalidade que ficou conhecida como razão instrumental. Essa
racionalidade científica estava atrelada ao positivismo, que visava à
dominação da natureza por meio tecnológico a serviço do capital (CHAUÍ,
2000, p. 199).
O germe do desenvolvimento dessa faceta da razão já se en-
contra em Descartes, e vai sendo aperfeiçoado em seu caminho
até chegar a Marx, que adere, à sua maneira, ao Iluminismo,
acreditando na força da razão para combater o obscurantismo
no conhecimento da natureza, na moral e na política (CHAUÍ,
2000, p. 199).
Os filósofos Kant, Hegel e Marx são preferência no que diz respeito
à chamada Escola de Frankfurt. Para compreendê-los, suas ideias
foram chamadas de “Teoria Crítica da Sociedade”. Nessa conjuntura, os
frankfurtiano da teoria política recorrem ao pensamento crítico de Kant.
Assim, o kantianismo seria o “conteúdo ético do marxismo”, pois é Kant que
146 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

fundamenta a ideia do homem como um fim em si mesmo, “uma finalidade


sem fim”.
Quanto a Hegel, é visto como pensador totalitário, que faz o indivíduo
naufragar na noção de totalidade e de Absoluto, sem considerar que a
“metafísica está longe do sofrimento dos homens”. Em Marx, busca-se a
noção de alienação no sentido em que os indivíduos são desapropriados,
no limite, de sua própria vida, em uma experiência quase alucinatória de
não reconhecimento de seu próprio mundo, mundo que se torna estranho e
alheio a eles mesmo. Ou ainda a noção de fetichismo – mundo de homens
ativos e agentes da história (CHAUÍ, 1986).
A Teoria Crítica (ou as diferentes teorias críticas que podem ser detectadas
na Escola de Frankfut) termina por fazer críticas a noções de Teoria e Práxis,
tão caras ao marxismo e ao ativismo político (CHAUÍ, 1986).
Os membros de Frankfurt, conhecedores de Nietzsche, Freud e Heidegger,
não aderiram a essa forma de razão inocentemente, pois sabiam que a razão
proposta, não elevaria a humanidade no sentido de preservação natural e
da subjetividade humana. Diante dessa condição, duas formas de razão
foram criadas pelos teóricos de Frankfurt para essa forma de conhecimento
nomeada de Teoria Crítica.
A primeira razão é denominada “razão crítica” que interpreta e analisa
os riscos provenientes da “razão instrumental”. A “razão crítica” apregoa a
emancipação da humanidade e não a subserviência à “razão instrumental”
que defende o pensamento técnico-científico na exploração da natureza, da
sociedade e da humanidade (CHAUÍ, 1988).
O totalitarismo da Indústria e a sujeição do homem à condição de
“instrumento” para a obtenção de lucro no sistema capitalista, não abriria
espaço para a formação do pensamento crítico, seria, portanto, unilateral.
Apesar dos capitalistas renunciarem ao discurso de exploração e a voracidade
pela obtenção de mais-valia sobre a mão de obra, na prática, o desejo está
presente em execução.
Esse positivismo apregoa o controle da natureza, do homem e da
sociedade por meio do desenvolvimento tecnológico e da racionalidade. Os
avanços nas diversas áreas do saber seriam instrumentalizadas para esse
fim (CHAUÍ, 2000).
O positivismo, por Augusto Comte, divulgava a linearidade de pensamento;
sua proposta para o estudo do social deveria seguir uma lógica semelhante
u NI D A D E 3 • 147

à das ciências da natureza, tanto que, o que posteriormente chamou-se de


sociologia, recebeu o nome de física social. Esse pensamento não admite
a dialética, segue uma lógica distinta. Portanto, o indivíduo autônomo e
de senso crítico, consciente de sua finalidade, deve ser recuperado. Seu
crescimento no nível individual lhe tornará capaz de resolver o conflito entre
a autonomia da razão e as forças obscuras, impostas pelo ideário positivista
que atua em sua subjetividade e razão (CHAUÍ, 2000, p. 200).

AMPLIE O CONHECIMENTO NO AVA


“Ambiente Virtual de Aprendizado”

Aprofunde seus conhecimentos, assistindo:


A seguir, há algumas dicas de filmes (vídeos) que nos falam sobre as
escolas da filosofia contemporânea. Confira em:
https://www.youtube.com/watch?v=pBEj7VWLVS0
https://www.youtube.com/watch?v=lda2v81GzbQ
https://www.youtube.com/watch?v=jkIcl5XDrZk
148 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

RESUMO DO CAPÍTULO 3

 O Contrato Social tem como referência os filósofos Hobbes, Rousseau,


Locke e Montesquieu. O período entre os séculos XVI e XVIII foi de
grande efervescência política. Novos mundos são procurados através
das navegações. Nesse tempo, temos a monarquia e o clero no
poder. Após a Revolução Francesa, o cenário muda e a contribuição
desses filósofos nos serve como base para as configurações dos novos
Estados Nacionais.
 Hobbes é o primeiro a tratar do chamado “Estado de Natureza”.
Ele acreditava que o “homem seria o lobo do homem”, ou seja,
o homem é mau. Por isso, a necessidade de um Contrato Social.
Rousseau também crê na necessidade do Contrato, mas acredita
que a vida comunitária corrompeu o homem, não sendo por natureza
mau, mas, sim, bom. Isso porque ele conseguiu se preservar graças
ao sentimento de solidariedade e de preservação da espécie. Para
Locke, o homem é uma “tábula rasa”, uma folha em branco moldada
pela sociedade.
 Jonh Locke também acredita no Contrato Social, visando dar poder
ao Estado para gerenciar a vida do cidadão e harmonizar a sociedade
concedendo-lhe direitos à segurança e também à liberdade de
pensamento, de crença e de propriedade. Esse pensamento seria a
base para o Liberalismo.
 Adam Smith seria o principal pensador do Liberalismo Econômico
e Locke, do Liberalismo Filosófico. A modernidade traz grande
crescimento tecnológico. Com a Revolução Industrial, o homem
adentra o século XIX e XX como uma peça de um sistema. As guerras
mundiais para a escola de Frankfourt, bem como os conflitos desse
período, instigam a formação da Teoria Crítica, com base em Marx,
Heidegger, Freud e outros pensadores.
u NI D A D E 3 • 149

AUTOATIVIDADE
1 – O que é Estado de Natureza?

2 – O que é o Contratualismo?
150 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

3 – O que é a Teoria Crítica?


Bibliografia comentada

1- ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires.


Filosofando – Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna.
Livro preparado para atender aos acadêmicos de todas as áreas do
conhecimento na disciplina de filosofia. O livro é de fácil compreensão
e trabalha os conceitos principais e básicos da filosofia a partir dos
pilares dessa ciência.

2- CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática.


Rompe com a exposição tradicional da disciplina de filosofia. Apresenta
temas e questões como a felicidade, política e liberdade, levando em
consideração as abordagens de filósofos de cada época.

3- BOFF, Leonardo. Ethos Mundial. Rio de Janeiro: Sextante.


Autor brasileiro de grande renome, conhecido por suas reflexões éticas,
Boff nos apresenta um livro que nos estimula a entender a relação
humana com os grandes problemas que assolam a humanidade.

4- BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo:


Brasiliense.
Brandão discorre acerca de como a educação se configura nos mais
variados âmbitos sociais. O processo de aprender e ensinar, segundo o
autor, está presente em todas as sociedades conhecidas pelo homem,
desde as sociedades consideradas mais primitivas até aquela à qual
conhecemos.
Referências bibliográficas

AHLERT, Alvori. A Eticidade da Educação – O discurso de uma práxis


Solidária/Universal. Ijui, Rio Grande do Sul: Unijuí, 2003.
ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos
ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1985, 11ª reimpressão.
(Introdução crítica de José Augusto Guilhon Albuquerque).

ALVES, Rubem. O Suspiro dos Oprimidos. São Paulo: Paulus, 1999.

______. Por uma Teologia da Libertação. São Paulo: Fonte Editorial,


2012.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando


– Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 2009.

BENNINGTON, Geoffrei. Desconstrução e Ética. In: Paulo Cézar Duque


(Org.). Estrada. Desconstrução e Ética: Ecos de Jacques Derrida. Rio de
Janeiro: Ed: PUC-Rio, 2004, p. 9-32.
BOBBIO, Norberto. O conceito de sociedade civil. Rio de Janeiro: Graal,
1982.

BOFF, Leonardo. Ethos Mundial. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.

BOMENY, Helena; FREIRE-MEDEIROS, Bianca. Tempos Modernos, tempos


de sociologia. Editora do Brasil. São Paulo, 2010.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense,
1995.

BUCKINHAM, W. et al. O livro da Filosofia. São Paulo: Globo, 2011.

CHAUÍ, Marilena; et. al. Primeira Filosofia. Lições introdutórias. São Paulo:
Brasiliense, 1986.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1999.


154 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento


político. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

DESCOLA, Philippe. Claude Lévi-Strauss, uma apresentação. [2009]. <http://


www.scielo.br/pdf/ea/v23n67/a19v2367.pdf>. Acesso em 21 mai 2017.

EVANGELISTA, João Emanuel. Teoria Social pós-moderna: Introdução


Crítica. Porto Alegre: Meridional, 2007.

FERNANDES, Florestam. Circuito Fechado: quatro ensaios sobre o “poder


institucional”. São Paulo: HUCITECP. 1976.

GONÇALVES, S. R. A educação na sociedade de classe: possibilidades e


limites. In: GHIRALDELLI Junior, Paulo. Filosofia e História da Educação
Brasileira. Barueri, SP: Manole, 2003.

GRISSAULT, Katy. 50 autores-chave de filosofia... e seus textos


incontornáveis. Petropolís, RJ: Vozes, 2002.

HAMLYN, David Walter. Uma História da Filosofia Ocidental. Rio de Janeiro:


Zahar Editor, 1990.

HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 2003.

HARVEY, David. O Neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Loyola,


2013.

KÜNG, Hans. Projeto de ética mundial. Uma moral ecumênica em vista da


sobrevivência humana. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2001.

LIMONGI, Fernando. Fernando Henrique Cardoso: teoria da


dependência e transição democrática. Novos Estudos. CEBRAP, São
Paulo, n.94, Nov. 2012. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002012000300012> Acesso em
19 jun 2015.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Educação e Sociedade: redenção, reprodução e
transformação. In: ___. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994.
Cap. 2, p. 37-52.
MARINHO, Maria Cristina. De Deus à Diferença: trajetória das matrizes
filosóficas na educação brasileira. Filosofia e Educação. Campinas-SP, v. 4,
nº 1, abril/set. 2012. Disponível em <http://www.fe.unicamp.br/revistas/
ged/rfe/article/view/2987>. Acesso em 01 out 2014.
u NI D A D E 3 • 155

MACIEL, Willyans. Jean Jaques Rousseau. [201-?]b. Disponível em:


<http://www.infoescola.com/filosofia/jean-jacques-rousseau/>. Acesso em
20 mai 2017.

MACIEL, Willyans. Montesquieu. [201-?]c. Disponível em: <http://www.


infoescola.com/filosofia/montesquieu/>. Acesso em 20 mai 2017.

MACIEL, Willyans. John Locke. [201-?]d. Disponível em:<http://www.


infoescola.com/filosofos/john-locke/>. Acesso em 20 mai 2017.

MACIEL, Willyans. Thomas Hobbes. [201-?]a. Disponível em: <http://www.


infoescola.com/biografias/thomas-hobbes/>. Acesso em 20 mai 2017.

MARTINS, Paulo Henrique. A cultura política do patriarcalismo. Estudos de


Sociologia – Revista do programa de pós-graduação em sociologia da UFPE.
Volume I, nº 1, 1995. Disponível em: <http://www.revista.ufpe.br/revsocio/
index.php/revista/article/view/322>. Acesso em 19 jun 2015.

MARTINS, Carlos Eduardo. O pensamento de Ruy Mauro Marini e sua


atualidade para as Ciências Sociais. In: Niemeyer Almeida Filho (Org)
Desenvolvimento e dependência: cátedra Ruy Mauro Marini. Brasília: Ipea,
2013.

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Escala, 2005.

MORELAND, J.P.; CRAIG, William Lane. Filosofia e Cosmovisão Cristã. São


Paulo: Vida Nova, 2005.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Além do Bem e do Mal. São Paulo: Escala,


2005.

______. Friedrich Wilhelm. Genealogia da Moral. São Paulo: Escala,


2005a.

______. A Gaia Ciência. São Paulo: Escala, 2005b.


NISKIER, Arnaldo. Filosofia da Educação – Uma visão Crítica. Rio de
Janeiro: Consultor, 1992.

NUNES, Benedito. A Filosofia contemporânea. São Paulo: Ática, 1991.


ORSO, J. P.; GONÇALVES, S. R.; MATTOS, V. M. (Orgs.). Educação e lutas
de classes. São Paulo: Expressão Popular, 2008, p. 65-94.
156 • INT RODU Ç Ã O À F I LOS OF I A

PEREIRA, Célia B. S; HERKENHOFF, Maria Beatriz Lima. Ensaios para a


Compreensão da Função da Educação no Sistema Capitalista. SER Social.
Brasília, v.13, n. 29, p. 35-62, jul./dez. 2011.

PEREIRA, Wendell Leonardo. CONSIDERAÇÕES FILOSÓFICAS À ÉTICA


CRISTÃ NA PÓS-MODERNIDADE: Uma Reflexão sobre Relativismo Ético e
a busca pelo Consenso. [2016]. Revista Teologica Doxia. Serra-ES. v.1 n.1.
p.4-13, jul-dez-2016. Disponível em: <soufabra.com.br/revista/index.php/
teologia/article/download/85/83> Acesso em 07 mai 2017.
PORTELLI, H. Gramsci e o bloco histórico. Rio de Janeiro: Paz e Vida,
1977.

PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. São Paulo: Cortez, 2001.

PRADO Jr, Caio. A revolução brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1972.

_____. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2006.

RAJAGOLAPAN, Kanavillil. Jacques Derrida e a corda bamba como caminho


da ética. In: NASCIMENTO, Evandro (Org.). Jacques Derrida: Pensar a
Desconstrução. São Paulo: Estação Liberdade, 2005. p. 119-124.

ROCHA, Silvia Pimenta Velloso, Yo no creoenbrujas, pero que lashay, lashay:


a publicidade, o consumo e a crença descafeinada. Comunicação, Mídia e
Consumo. São Paulo, vol. 4, n. 9, p. 127-137, mar. 2007. Disponível em:
<http://revistas.univerciencia.org/index.php/ comunicacaomidiaeconsumo/
article/viewFile/5029/4653> Acesso em 18 mar 2012.

RODHEN, Luiz. Hermenêutica filosófica: entre Heidegger e Gadamer!.


2011. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/nh/v14n2/a02.pdf>.
Acesso em 31 mai 2017.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. A origem da Desigualdade entre os homens.


São Paulo: Escala, 2005.

SAMPAIO JR, P.S.A, Entre a Nação e a Barbárie: Uma leitura da contribuição


de Caio Prado Jr., Florestan Fernandes e Celso Furtado à crítica do capitalismo
dependente. Tese (Doutorado em Economia Aplicada), Programa de pós-
Graduação em Economia, UNICAMP, 1997. Disponível em: <http://www.
bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls00012 2819> Acesso
em 19 jun 2015.
u NI D A D E 3 • 157

SALATIEL, José Renato. Estruturalismo: quais as origens desse método de


análise. 2008. Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/
filosofia/estruturalismo-quais-as-origens-desse-metodo-de-analise.htm>.
Acesso em 21 mai 2017.
SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica.
São Paulo-SP: Cortez, 1984.

SEIBT, Cezar Luís. Temporalidade e propriedade em Ser e Tempo de


Heidegger. Revista Filosófica Aurora. Curitiba, v. 22, n. 30, p. 247-
266, jan./jun. 2010. Disponível em <www2.pucpr.br/reol/index.php/
rf?dd99=pdf&dd1=3702>. Acesso em 20 mai 2017.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Educação, sujeito e história. São Paulo: Olho
d’água, 2001.
SOUZA, Liliane Pereira. A violência Simbólica na escola: contribuições de
sociólogos franceses ao fenômeno da violência escolar brasileira. LABOR,
Fortaleza-CE, v. 1, nº 7, 2012. Disponível em <http://www.revistalabor.ufc.
br/Artigo/volume7/2_A_violencia_simbolica_na_ escola_-_Liliane_Pereira.
pdf>. Acesso em 06 out 2014.

VASCONCELOS, da Silva. Heidegger e a metafísica da subjetividade: Uma


reflexão sobre a investigação fenomenológica heideggeriana da metafísica
moderna. [2012]. Disponível em: <http://ulissesvasconcelosja.blogspot.
com.br/2012/03/heidegger-e-metafisica-da-subjetividade.html>. Acesso
em 21 mai 2017.

WARBURTON, Nigel. Breve História da Filosofia. Porto Alegre: L&PM


Editores, 2011.

ZILLES, Urbano. Projeto de Uma ética Mundial. Teocomunicação.


Porto Alegre, v. 37, n. 156, p. 223-229, jun. 2007. Disponível
em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/ index.php/teo/article/
viewFile/2703/2054>. Acesso em 18 mar 2012.

Você também pode gostar