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O laudo de avaliação na Lei nº

12.973/2014

Ramon Tomazela Santos


Doutorando e Mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP).
Master of Laws (LL.M.) em Tributação Internacional na Universidade de Viena
(Wirtschaftsuniversität Wien – WU), Áustria. Professor do Mestrado em Direito Tributário
Internacional do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Advogado em São Paulo.

Resumo: O presente artigo examina os aspectos jurídicos relativos ao laudo de avaliação exigido
pela Lei nº 12.973/2014 para a determinação do valor justo dos ativos adquiridos e dos passivos
assumidos em operações de combinação de negócios.
Palavras-chave: Laudo de Avaliação. Participações Societárias. Mais-valia de ativos. Ágio de
Rentabilidade Futura.

Sumário: 1 Introdução – 2 Aspectos gerais do laudo de avaliação após a Lei nº 12.973/2014 –


3 O laudo técnico e o subjetivismo responsável – 4 O conceito de vícios e incorreções – 5 A comprovação
do vício ou da incorreção pelo Fisco – 6 O procedimento de elaboração do laudo técnico – 7 Aspectos
formais do laudo de avaliação

1 Introdução
Como se sabe, no regime jurídico da Lei nº 12.973/2014, o contribuinte que
avaliar investimento de acordo com o método da equivalência patrimonial (“MEP”)
deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição
em:
i) Valor de patrimônio líquido na época da aquisição, apurado segundo o
procedimento estabelecido na legislação em vigor.
ii) Mais ou menos-valia, que corresponde à diferença entre o valor justo dos
ativos líquidos da investida, na proporção da porcentagem da participação
adquirida, e o valor de que trata o item (i) acima.
iii) Ágio por rentabilidade futura (“goodwill”) ou ganho proveniente de com-
pra vantajosa, que corresponde à diferença entre o custo de aquisição do investi-
mento e o somatório dos valores de que tratam os itens (i) e (ii) acima.
Assim, após a edição da Lei nº 12.973/2014, a mensuração e a alocação
do ágio por rentabilidade futura passou a seguir a sistemática do Pronunciamento

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Técnico CPC nº 15 (“Combinação de Negócios”), por meio do qual a sociedade in-


vestidora deve realizar a alocação do preço de aquisição ao valor justo líquido dos
ativos identificáveis adquiridos e dos passivos assumidos, a fim de que apenas o
valor residual seja efetivamente tratado como ágio por rentabilidade futura.
No contexto das alterações promovidas pela Lei nº 12.973/2014, merece
destaque a exigência de laudo de avaliação a ser elaborado por perito independen-
te, que deverá ser protocolado na Secretaria da Receita Federal do Brasil ou ter
o respectivo sumário registrado no Cartório de Registro de Títulos e Documento.
Sem a intenção de esgotar o tema, o presente estudo pretende justamente
examinar os aspectos jurídicos relativos ao laudo de avaliação exigido pela Lei nº
12.973/2014 para a determinação da mais ou menos-valia de ativos nas aqui-
sições de participações societárias, a fim de contribuir para as discussões que
surgem a respeito da elaboração e do conteúdo do laudo de avaliação, dos limites
ao “subjetivismo responsável” do contador, dos conceitos de vício e incorreção
que permitem a desconsideração do laudo de avaliação pelas autoridades fiscais,
do padrão probatório a ser exigido das autoridades fiscais para questionar as pre-
missas estabelecidas e os critérios técnicos utilizados pelo perito independente,
entre outros aspectos.

2 Aspectos gerais do laudo de avaliação após a Lei nº


12.973/2014
Como mencionado acima, após a edição da Lei nº 12.973/2014, a mensura-
ção e a alocação do ágio por rentabilidade futura passaram a seguir a sistemática
do Pronunciamento Técnico CPC nº 15, por meio do qual a sociedade investidora
deve realizar a alocação do preço de aquisição ao valor justo líquido dos ativos
identificáveis adquiridos e dos passivos assumidos. Consequentemente, apenas
o valor residual poderá ser tratado como ágio por rentabilidade futura.
Neste contexto, o parágrafo 5º do artigo 20 do Decreto-Lei nº 1.598/1977,
incluído pela Lei nº 12.973/2014, passou a prever expressamente que o contri-
buinte deve, primeiramente, reconhecer e mensurar a valor justo os ativos identi-
ficáveis adquiridos e os passivos assumidos, para, somente então, reconhecer o
ágio de rentabilidade futura ou o ganho proveniente de compra vantajosa. Veja-se:

§5º. A aquisição de participação societária sujeita à avaliação pelo


valor do patrimônio líquido exige o reconhecimento e a mensuração:
I – primeiramente, dos ativos identificáveis adquiridos e dos passivos
assumidos a valor justo; e
II – posteriormente, do ágio por rentabilidade futura (goodwill) ou do
ganho proveniente de compra vantajosa.

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Edmar Oliveira Andrade Filho critica a redação do texto legal, pois a socie-
dade investidora, ao adquirir a participação societária, não se torna titular dos
ativos e responsável pelos passivos da sociedade adquirida, até que haja a efe-
tiva confusão patrimonial entre as duas pessoas jurídicas. Ao contrário, como as
sociedades possuem personalidades jurídicas distintas e autonomia patrimonial,
não seria o caso de mencionar ativos adquiridos e passivos assumidos, mas
apenas de exigir a preparação de um laudo de avaliação a valor justo dos ativos e
passivos existentes na sociedade adquirida.1
Deixando de lado a impropriedade redacional do texto normativo, o importan-
te é que, após o advento da Lei nº 12.973/2014, a mais ou menos-valia relativa
aos ativos líquidos da sociedade investida deverá ser baseada em laudo elabo-
rado por perito independente, a ser protocolado na Secretaria da Receita Federal
do Brasil ou cujo sumário deverá ser registrado em Cartório de Registro de Títulos
e Documentos, até o último dia útil do 13º mês subsequente ao da aquisição da
participação.2
Esse laudo de avaliação decorre do Purchase Price Allocation realizado para
fins contábeis, na forma do Pronunciamento Técnico CPC nº 15, o qual deverá
tratar somente da mais ou menos-valia dos ativos e passivos da sociedade adqui-
rida, em linha com o caráter residual do ágio por rentabilidade futura (goodwill) no
regime atual.3
A exigência de laudo técnico pretende evitar manipulações no valor do ágio
de rentabilidade futura, que passou a ser apurado de forma residual, com base
na diferença entre o valor do patrimônio líquido da sociedade investida avaliado a
valor justo e o valor pago ou transferido na aquisição do investimento.4
Além disso, é de se reconhecer que a Lei nº 12.973/2014 promove a se-
gurança jurídica ao exigir o laudo de avaliação e estabelecer requisitos formais
específicos, tendo em vista que, no regime anterior, o tema suscitava diversas

1
ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. O Regime Jurídico Tributário da Mais-Valia sobre Investimentos e do Ágio
por Rentabilidade Futura na Vigência da Lei nº 12.973/2014. Direito Tributário, Societário e a Reforma da
Lei das S/A. Vol. IV. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 137. (Coord. Sergio André Rocha).
2
Art. 20, parágrafo 3º, do Decreto-Lei nº 1.598, de 26.12.1977: “O valor de que trata o inciso II do
caput deverá ser baseado em laudo elaborado por perito independente que deverá ser protocolado na
Secretaria da Receita Federal do Brasil ou cujo sumário deverá ser registrado em Cartório de Registro de
Títulos e Documentos, até o último dia útil do 13º (décimo terceiro) mês subsequente ao da aquisição da
participação”.
3
Como aponta Sergio André Rocha: “Uma vez que, no novo regime, o ágio é diferença, agora só é necessário
demonstrar a mais ou menos valia, de modo que não se terá mais demonstrações de rentabilidade
futura para fins de fundamentação do ágio” (ROCHA, Sergio André. As Novas Regras do Ágio e suas
Repercussões Intertemporais. In: ROCHA, Sergio André (Coord.) Direito Tributário, Societário e a Reforma
da Lei das S/A. Vol. IV. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 598).
4
ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. O Regime Jurídico Tributário da Mais-Valia sobre Investimentos e do Ágio
por Rentabilidade Futura na Vigência da Lei nº 12.973/2014. In: ROCHA, Sergio André (Coord.) Direito
Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A. Vol. IV. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 141.

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discussões e litígios justamente pela falta de uma regulamentação mais precisa


em torno do tema.
De fato, no regime anterior, o parágrafo 3º do artigo 20 do Decreto-Lei nº
1.598/1977 apenas dispunha que o lançamento do ágio fundamentado no va-
lor de mercado dos bens ou na perspectiva de rentabilidade futura deveria ser
baseado em “demonstração que o contribuinte arquivará como comprovante da
escrituração”. Assim, o lançamento contábil do ágio precisava estar lastreado em
demonstração a ser arquivada pelo contribuinte, como suporte documental para a
escrituração contábil.
Entretanto, não havia qualquer especificação em relação ao conteúdo da
referida demonstração, de modo que bastaria o arquivamento de documentos
indicando o fundamento econômico do ágio. Na falta de critérios específicos, a
demonstração poderia ser feita por meio de qualquer tipo de documento, como
apresentações, planilhas ou documentos de avaliação.
Daí a lição de Luís Eduardo Schoueri, sob a égide do regime anterior, no
sentido de que “a falta de disciplina legal do tema leva à conclusão de que o
contribuinte tem ampla liberdade na forma como comprovará a fundamentação
adotada”.5
Essa intepretação foi acolhida no Acórdão nº 1102-001.018, de 12.2.2014,
da 2ª Turma Ordinária, da 1ª Câmara, da 1ª Seção do CARF, no qual restou con-
signado que “não há a exigência de que a comprovação se dê por laudo, mas
por qualquer forma de demonstração, contemporânea aos fatos, que indique por
que se decidiu por pagar um sobrepreço”. Em sentido semelhante, no Acórdão nº
1401-001.571, de 2.3.2016, a 1ª Turma Ordinária, da 4ª Câmara, da 1ª Seção do
CARF afirmou que “a lei não exige uma forma para a demonstração do fundamento
econômico do ágio nem exige que sua metodologia seja a mais adequada. O que
importa é saber se o demonstrativo exigido pela lei (que pode ou não ser revestido
na forma de um laudo), de fato, embasou a decisão do comprador. Não interessa
também saber se a empresa era rentável, mas se o comprador, ao pagar o ágio,
acreditava na existência da rentabilidade futura”.
Apenas com a edição da Lei nº 12.973/2014, o legislador passou a exi-
gir laudo técnico elaborado por perito independente, não para a fundamentação
do ágio, mas, sim, para a demonstração de mais ou menos-valia de ativos e
passivos.6

5
SCHOUERI, Luís Eduardo. Ágio em Reorganizações Societárias (Aspectos Tributários). São Paulo: Dialética,
2012. p. 33.
6
ROCHA, Sergio André. As Novas Regras do Ágio e suas Repercussões Intertemporais. In: ROCHA, Sergio
André (Coord.) Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A. Vol. IV. São Paulo: Quartier Latin,
2015. p. 598.

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Outro ponto que suscitava debates, no regime anterior, era a suposta extem-
poraneidade do laudo técnico apresentado pelo contribuinte.
O artigo 20, parágrafo 3º, do Decreto-Lei nº 1.598/1977 não exigia que a
demonstração a ser arquivada para justificar o fundamento do ágio fosse feita de
forma prévia ou concomitante ao seu registro contábil. Porém, na ausência de um
prazo específico, a jurisprudência administrativa, em diversos precedentes, en-
tendeu que o laudo técnico deveria ser anterior ou contemporâneo à aquisição da
participação societária, pois é neste momento que o ágio deve ser desdobrado e
fundamentado. Apenas para fins de ilustração, é possível colacionar as seguintes
decisões:
• Acórdão nº 9101-003.345, de 17.1.2018:

ÁGIO. EXPECTATIVA DE RENTABILIDADE FUTURA. AMORTIZAÇÃO. DE-


DUTIBILIDADE. PROVA. A dedutibilidade da amortização do ágio funda-
do em expectativa de rentabilidade futura se subordina à comprovação
de prévios estudos justificadores dessa expectativa, mediante docu-
mentação hábil e idônea devidamente arquivada como comprovante
da escrituração. [Destaques do autor]

• Acórdão nº 9101-003.007, de 8.8.2017:

ÁGIO. RENTABILIDADE FUTURA. DEMONSTRAÇÃO DO VALOR ECONÔ-


MICO-FINANCEIRO DA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM AQUISIÇÃO.
EFETIVIDADE E CONTEMPORANEIDADE À AQUISIÇÃO. A lei exige que
o lançamento do ágio baseado na perspectiva de rentabilidade futura
seja baseado em demonstração que o contribuinte arquivará como
comprovante da escrituração. Embora não houvesse à época dos fa-
tos a exigência de demonstração na forma de laudo, a produção e
arquivamento de documentação que apresenta de forma objetiva e
precisa a demonstração do valor econômico-financeiro da participação
societária em aquisição a partir das perspectivas de rentabilidade fu-
tura da empresa é ônus da adquirente e constitui requisito indispensá-
vel para a dedução da amortização do ágio correspondente. Não basta
estimá-lo de forma subjetiva, é preciso determiná-lo e demonstrá-lo,
matematicamente, de forma precisa, e arquivar a documentação onde
isso é feito, tudo ao tempo em que é feita a aquisição, nunca a pos-
teriori. [Destaques do autor]

• Acórdão nº 1301-001.788, de 3.3.2014:

CONSTITUIÇÃO DE ÁGIO. IRREGULARIDADE DO LAUDO QUE O FUNDA-


MENTA. GLOSA DA AMORTIZAÇÃO. REGULARIDADE. Em que pese to-
das as discussões pretendidas pela recorrente a respeito da suposta
regularidade da amortização de ágio por ela efetivada, resta incontro-
verso nos autos que o Laudo utilizado para a sua pretendida funda-
mentação econômica fora produzido posteriormente às operações e

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negociações societárias efetivadas, restando pois demonstrado o não


atendimento das exigências legais para a dedutibilidade do ágio por
expectativa de rentabilidade futura, da forma como pretendido. [Des-
taques do autor]

• Acórdão nº 1301-001.637, de 28.8.2014:

ÁGIO. GLOSA DE AMORTIZAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO QUE JUSTIFIQUE


A AQUISIÇÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA PARA FUNDAMENTAR
O ÁGIO COM BASE NA RENTABILIDADE FUTURA. ÔNUS DO SUJEITO
PASSIVO. LAUDO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. A demonstração do
fundamento econômico da mais valia paga deve ser contemporânea
ao reconhecimento do ágio na escrita contábil do contribuinte. Embora
a legislação não estabeleça a forma dessa demonstração, o corolário
é que esta deva existir ao menos na data do registro da aquisição da
participação societária, com vistas ao seu desdobramento contábil.
Trata-se de requisito legal indispensável, à cargo do sujeito passivo
para fruição do benefício fiscal estabelecido. Não tem o Fisco que
demonstrar qual seria o “outro fundamento econômico” para o ágio
pago, mas sim ao contribuinte comprovar, mediante documentação
hábil e idônea, que pagou o ágio baseado na rentabilidade futura pro-
jetada para o investimento. [Destaques do autor]

• Acórdão nº 1103-001.102, de 27.8.2014:

ÁGIO. COMPROVAÇÃO DE SUA FORMAÇÃO. NECESSIDADE. Por oca-


sião da participação societária, o lançamento do ágio deve basear-se
em demonstração que o contribuinte arquivará como comprovante de
escrituração. No caso concreto, inexiste comprovação contemporânea
do pagamento do ágio com base em rentabilidade futura, além do
fato de não haver prova da realização de estudos internos, tendo o
contribuinte anexado uma espécie de relatório, redigido no idioma in-
glês, sem data de elaboração ou assinatura, e desacompanhado dos
elementos que confirmem as premissas adotadas. A prevalecer a tese
da defesa, até mesmo planilhas sem assinatura, portanto, desprovi-
das do requisito de existência da declaração de vontade ali veiculada,
ou informações prestadas por Diretor do próprio investidor, desprovi-
das de lastro probatório mínimo, poderiam ser aceitas, em total des-
conformidade com a legislação de regência. A legislação permite a
amortização do ágio pago, desde que o contribuinte comprove o seu
fundamento econômico com base em elementos de prova confiáveis,
sem mínima margem para dúvidas. [Destaques do autor]

• Acórdão nº 1102-001.104, de 7.5.2014:

A lei exige que o lançamento do ágio com base no valor de mercado


de bens do ativo ou na expectativa de rentabilidade futura seja basea-
do em demonstração que o contribuinte arquivará como comprovante

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da escrituração. Não há a exigência de que a comprovação se dê


por meio de um laudo, contudo, a referida demonstração deve ser
contemporânea aos fatos, e estar lastreada em elementos de prova
coerentes e adequados, que permitam corroborar a justificativa do
fundamento que foi indicado para se pagar o sobrepreço. [Destaques
do autor]

• Acórdão nº 1102-001.182, de 27.8.2014:

ÁGIO. FUNDAMENTO. DEMONSTRAÇÃO CONTEMPORÂNEA AOS FA-


TOS. NECESSIDADE. A lei exige que o lançamento do ágio com base
no valor de mercado ou na expectativa de rentabilidade futura seja
baseado em demonstração que o contribuinte arquivará como com-
provante da escrituração. Não há a exigência de que a comprovação
se dê por laudo, mas por qualquer forma de demonstração, contem-
porânea aos fatos, que indique por que se decidiu por pagar um so-
brepreço. Contudo, não é possível se admitir que laudo elaborado
mais de um ano após os fatos, sem qualquer suporte em documentos
contemporâneos à aquisição de terceiros, sirva para fundamentar o
ágio em uma das modalidades que permitam o benefício fiscal. [Des-
taques do autor]

Esse entendimento parte do pressuposto de que o direito ao registro da


mais ou menos-valia de ativos ou do ágio surge no momento da aquisição de
participação societária na sociedade investida. Porém, isso não implica dizer que
o contribuinte deve produzir a prova da justificação da mais ou menos-valia ou do
ágio de forma prévia ou concomitante à aquisição do investimento, uma vez que,
no período de vigência da Lei nº 9.532/1997, a lei não estabelecia qualquer prazo
para a produção de tal prova. A fixação de um prazo somente surgiu com a edição
da Lei nº 12.973/2014.
De fato, após a edição da Lei nº 12.973/2014, ficou claro que o laudo
técnico deverá ser apresentado “até o último dia útil do 13º (décimo terceiro) mês
subsequente ao da aquisição da participação”, o que, além de afastar as dúvidas
anteriormente existentes, também deve reduzir os litígios em torno do tema.
No mais, diante da ausência de base legal específica no regime da Lei nº
9.532/1997, não há como concordar com os precedentes administrativos que
exigem a existência de prova do fundamento econômico do ágio concomitante ou
anterior à aquisição da participação societária. A rigor, basta que o documento
a ser arquivado pelo contribuinte se reporte aos fatos analisados e verificados

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no momento da aquisição do investimento, estando devidamente embasado na


realidade existente naquela data.7
Essa interpretação foi adotada, por exemplo, no Acórdão nº 1201-001.507,
de 14.9.2016, no qual o CARF acertadamente considerou que a lei não exige a
apresentação de laudo de avaliação anterior à aquisição de participação societá-
ria, sendo suficiente o arquivamento de estudos técnicos internos. Veja-se:

LAUDO DE AVALIAÇÃO. AUSÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE. PRINCÍPIO


DA LEGALIDADE. A legislação fiscal não traz previsão de obrigatorie-
dade de apresentação de laudo de avaliação anterior à operação que
originou o ágio para fins de dedutibilidade. A apresentação de de-
monstrativo de rentabilidade futura, ainda que por meio de estudo
técnico interno, preenche os requisitos previstos em lei, sendo que o
laudo elaborado em período posterior pode servir apenas para ratificar
o estudo anterior.

Na mesma linha, é possível citar o Acórdão nº 1302-002.011, de 24.1.2017:

INCORPORAÇÃO DE EMPRESA. DESPESA COM AMORTIZAÇÃO DE


ÁGIO. DEDUTÍVEL. A norma não prevê uma forma para a demonstra-
ção da suposta rentabilidade futura e não dispõe expressamente sob
contemporaneidade com a incorporação.8

Diante disso, percebe-se que a Lei nº 12.973/2014, ao estabelecer o prazo


de 13 meses para o protocolo ou registro do laudo de avaliação, não apenas
alinhou a legislação tributária às novas práticas contábeis, mas também endere-
çou as controvérsias anteriormente existentes a respeito da tempestividade do
demonstrativo comprobatório do ágio por expectativa de rentabilidade futura.
Observe-se que o prazo de 13 meses concedido pela Lei nº 12.973/2014 não
é aleatório, encontrando justificativa nas disposições contidas no Pronunciamento
Técnico CPC nº 15, que trata das operações de combinação de negócios.
De fato, o Pronunciamento Técnico CPC nº 15 prevê um período de men-
suração para a contabilização das operações de combinação de negócios. Nos
termos do item 45 do aludido Pronunciamento Técnico, o adquirente deve efetuar

7
Em sentido semelhante, confira-se o entendimento de Luís Eduardo Schoueri e Roberto Codorniz Leite
Pereira: “[...] revela-se correto o entendimento de que o demonstrativo pode ser feito a qualquer momento
desde que seja fiel às circunstâncias do negócio, respaldando-se em elementos de prova contemporâneos
à operação. O importante é que a demonstração permita aferir qual foi a motivação do adquirente na data
da aquisição da participação societária” (SCHOUERI, Luís Eduardo; PEREIRA, Roberto Codorniz Leite. A
Figura do Laudo nas Operações Societárias com Ágio: do Retrato da Expectativa de Rentabilidade Futura
para o Retrato do Valor Justo. In: MANEIRA, Eduardo; SANTIAGO, Igor Mauler. O Ágio no Direito Tributário
e Societário. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 184).
8
Em sentido semelhante, cabe mencionar o Acórdão nº 1101-000.899, de 11.6.2013, e o Acórdão nº
1102-001.018, de 12.2.2014.

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a contabilização inicial da combinação de negócios, fazendo ajustes de caráter


retrospectivo, caso receba novas informações relativamente aos fatos e circuns-
tâncias existentes na data da aquisição, pelo período de um ano contado a partir
da data da aquisição.
Assim, segundo o Pronunciamento Técnico CPC nº 15, a sociedade adquiren-
te possui o período de um ano para efetuar a mensuração e, assim, apurar o cor-
reto valor da operação de combinação de negócios. Sobre o assunto, é oportuno
transcrever o item 46 do referido Pronunciamento Técnico CPC 15:

46. O período de mensuração é o período que se segue à data da


aquisição, durante o qual o adquirente pode ajustar os valores provi-
sórios reconhecidos para uma combinação de negócios. O período de
mensuração fornece um tempo razoável para que o adquirente obte-
nha as informações necessárias para identificar e mensurar, na data
da aquisição, e de acordo com este Pronunciamento, os seguintes
itens:
(a) os ativos identificáveis adquiridos, os passivos assumidos e qual-
quer participação de não controladores na adquirida;
(b) a contraprestação transferida pelo controle da adquirida (ou outro
montante utilizado na mensuração do ágio por expectativa de rentabi-
lidade futura – goodwill);
(c) no caso de combinação de negócios realizada em estágios, a par-
ticipação detida pelo adquirente na adquirida imediatamente antes da
combinação; e
(d) o ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) ou o ganho
por compra vantajosa.

É justamente por isso que a Lei nº 12.973/2014 passou a prever o prazo de


13 meses para o protocolo ou registro do laudo de avaliação. As regras contábeis
estabelecem que a pessoa jurídica adquirente dispõe de um período de mensura-
ção de 12 meses para efetuar ajustes nos valores provisórios reconhecidos em
uma operação de combinação de negócios. Para fins fiscais, o legislador conce-
deu um mês a mais, após o decurso do prazo contábil de 12 meses, para que o
contribuinte providencie o protocolo do laudo de avaliação perante a Secretaria
da Receita Federal do Brasil ou o registro do respectivo sumário no Cartório de
Registro de Títulos e Documento.
Trata-se, portanto, de uma regra jurídica que busca alinhar a legislação tribu-
tária às novas práticas contábeis. E nem poderia ser diferente, uma vez que antes
do decurso dos 12 meses subsequentes à aquisição da participação societária,
a mensuração da operação de combinação de negócio é provisória segundo as
regras contábeis, não podendo ser atestada em caráter definitivo no laudo de
avaliação.

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Seguindo adiante, é oportuno mencionar que, ao contrário do que ocorre no


regime posterior à Lei nº 12.973/2014, em que se exige a elaboração do laudo
técnico por perito independente, a comprovação exigida no regime anterior, na
vigência dos artigos 7º e 8º da Lei nº 9.532/1997, sequer precisava ser elaborada
por terceiros, pois bastava a existência de uma demonstração que indicasse o fun-
damento econômico pelo qual se decidiu por pagar um sobrepreço na aquisição
da participação societária.
No contexto da Lei nº 12.973/2014, o perito independente pode ser enten-
dido como qualquer profissional habilitado que possua os conhecimentos técnicos
apropriados para a confecção do laudo técnico, bem como um caráter idôneo e im-
parcial, sem interesse no caso concreto. Além disso, o perito deve ser um terceiro
independente, não relacionado às partes envolvidas na transação.
De acordo com o artigo 178, parágrafo 7º, da Instrução Normativa RFB nº
1.700/2017, o sumário do laudo a ser registrado em Cartório de Registro de
Títulos e Documentos deverá conter no mínimo as seguintes informações:
i) Qualificação da adquirente, alienante e adquirida.
ii) Data da aquisição.
iii) Percentual adquirido do capital votante e do capital total.
iv) Principais motivos e descrição da transação, incluindo potenciais
direitos de voto.
v) Discriminação e valor justo dos itens que compõem a contraprestação
total transferida.
vi) Relação individualizada dos ativos identificáveis adquiridos e dos
passivos assumidos com os respectivos valores contábeis e valores
justos.
vii) Identificação e assinatura do perito independente e do responsável
pelo adquirente.
É interessante notar que a necessidade de indicação individualizada dos “ati-
vos identificáveis” e dos “passivos assumidos”, no sumário do laudo de avaliação,
permite que o contribuinte justifique perante as autoridades fiscais eventuais dife-
renças entre o patrimônio líquido da investida e o patrimônio líquido ajustado para
fins de aplicação do “método de avaliação”, segundo o Pronunciamento Técnico
CPC nº 15. Como exemplo, é possível mencionar a hipótese de reconhecimento
de passivo em razão da operação de combinação de negócios, que ocorre quando
a sociedade adquirente, em atendimento às regras contábeis do Pronunciamento
Técnico CPC nº 15, deve reconhecer um passivo contingente anteriormente não
registrado pela sociedade adquirida, o que resulta na redução do valor de patrimô-
nio líquido da sociedade adquirida, com o consequente aumento do valor de ágio
(goodwill) contábil.

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O laudo de avaliação na Lei nº 12.973/2014

Em geral, as empresas preferem protocolar o inteiro teor do laudo perante


a Secretaria da Receita Federal do Brasil, a fim de não tornarem públicas infor-
mações que podem envolver segredos comerciais e estratégias de investimento
relevantes.9
Ainda de acordo com a Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017, a falta
de atendimento aos requisitos acima poderá acarretar as seguintes consequên-
cias para os contribuintes, a depender das particularidades do caso concreto: (i)
impossibilidade de aproveitamento da mais-valia de ativos; (ii) consideração da
menos-valia como integrante do custo dos bens ou direitos sujeitos à realização
em menor prazo; (iii) impossibilidade de aproveitamento do ágio por rentabilidade
futura (goodwill).
Note-se que o laudo técnico deve ser redigido em português, para que produ-
za os efeitos legais pertinentes no ordenamento jurídico brasileiro.10
Conforme mencionado anteriormente, o laudo técnico em questão deve con-
templar apenas o cálculo da mais ou menos-valia dos ativos líquidos da investida.11
Assim, o ágio de rentabilidade futura não deve constar do laudo técnico, em razão
do seu nítido caráter residual, que atualmente resulta de simples cálculo aritmé-
tico, que corresponde à diferença entre o custo de aquisição e os ativos líquidos
avaliados a valor justo, segundo os critérios previstos pelas normas contábeis.12
Outra inovação importante da Lei nº 12.973/2014, ao alterar o artigo 20, pa-
rágrafo 3º, do Decreto-Lei nº 1.598/1977, reside na previsão de prazo específico
para o protocolo do laudo técnico na Secretaria da Receita Federal do Brasil ou o
registro do respectivo sumário em Cartório de Registro de Títulos e Documentos.
Com isso, é possível mitigar as antigas discussões a respeito da intempestividade
de laudos técnicos elaborados após a aquisição da participação societária e a
escrituração do ágio.
Neste ponto, é importante destacar que a exigência de laudo elaborado por
perito independente e protocolado na Secretaria da Receita Federal do Brasil ou
registrado em Cartório de Registro de Títulos e Documentos, até o último dia útil

9
BENTO, Sergio. Tratamento Tributário do Ágio. In: VIEIRA, Marcelo Lima et al. (Coord.). Lei 12.973/14 –
Novo Marco Tributário: Padrões Internacionais de Contabilidade. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 131.
10
O art. 224 do Código Civil dispõe que “os documentos redigidos em língua estrangeira serão traduzidos
para o português para ter efeitos legais no País”. O art. 18 do Decreto nº 13.609, de 21.10.1943,
que regulamentou o ofício de tradutor público e intérprete comercial no Brasil, dispõe que: “Art. 18.
Nenhum livro, documento ou papel de qualquer natureza, que for exarado em idioma estrangeiro, produzirá
efeito em repartições da União, dos Estados ou dos Municípios, em qualquer instância, Juízo ou Tribunal
ou entidades mantidas, fiscalizadas ou orientadas pelos poderes públicos, sem ser acompanhado da
respectiva tradução feita na conformidade deste regulamento”.
11
DONIAK JR., Jimir. Laudo da Mais ou Menos-Valia de Ativos. In: ROCHA, Sergio André. Direito Tributário,
Societário e a Reforma da Lei das S/A. Vol. IV. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 281.
12
ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. O Regime Jurídico Tributário da Mais-Valia sobre Investimentos e do Ágio
por Rentabilidade Futura na Vigência da Lei nº 12.973/2014. ROCHA, Sergio André. Direito Tributário,
Societário e a Reforma da Lei das S/A. Vol. IV. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 148.

R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 16, n. 96, p. 67-94, nov./dez. 2018 77
Ramon Tomazela Santos

do 13º (décimo terceiro) mês subsequente ao da aquisição da participação socie-


tária, não se aplica nos casos em que a aquisição das participações societárias
ocorreu até 31 de dezembro de 2013, para as pessoas jurídicas que optaram pela
antecipação dos efeitos da Lei nº 12.973/2014, ou até 31 de dezembro de 2014,
para as pessoas jurídicas não optantes. É o que prevê o parágrafo 5º do artigo 20
da Lei nº 12.973/2014, abaixo reproduzido:

§5º. A vedação prevista no inciso I do §3º não se aplica para partici-


pações societárias adquiridas até 31 de dezembro de 2013, para os
optantes conforme o art. 75, ou até 31 de dezembro de 2014, para
os não optantes.

A salvaguarda prevista no dispositivo legal acima é necessária, tendo em


vista que, no caso de participações societárias adquiridas até 31 de dezembro
de 2014, embora as regras contábeis do Pronunciamento Técnico CPC nº 15 já
exigissem a avaliação a valor justo de ativos e passivos da sociedade adquirida
para a alocação do preço de aquisição, o prazo de 13 (treze) meses para o registro
ou o protocolo do laudo poderia ter escoado antes mesmo da entrada em vigor da
Lei nº 12.973/2014, o que tornaria esse requisito uma obrigação impossível de
ser cumprida pelo contribuinte.
Não obstante a ressalva contida no parágrafo 5º do artigo 20 da Lei nº
12.973/2014 seja abrangente, afastando a exigência de laudo técnico, o contri-
buinte deve manter documentação hábil e idônea para comprovar a alocação do
preço de aquisição e a mais ou menos-valia de ativos, em linha com os novos cri-
térios contábeis. Isso porque, como comentado acima, o artigo 20, parágrafo 3º,
do Decreto-Lei nº 1.598/1977, em sua redação original, já exigia a comprovação
do fundamento econômico do ágio ou do deságio apurado na aquisição de par-
ticipação societária por meio de demonstração a ser arquivada pelo contribuinte
como comprovante da escrituração contábil.
O que muda, no regime de transição para a Lei nº 12.973/2014, é que a
demonstração a ser feita pelo contribuinte deixou de ser a do ágio ou deságio,
passando a alcançar a mais ou menos-valia de ativos. Apenas eventual valor re-
sidual, quando existente, terá a natureza de ágio ou ganho por compra vantajosa.
Assim, embora o parágrafo 5º do artigo 20 da Lei nº 12.973/2014 tenha
dispensado a apresentação de laudo técnico, a mais-valia ou menos-valia de ati-
vos deverá ser comprovada pelo contribuinte, uma vez que a alocação de preço de
aquisição não pode ser feita de forma aleatória pelo contribuinte. É fundamental
que a pessoa jurídica faça prova da vinculação do sobrepreço a determinados
ativos, de modo a permitir, por exemplo, a baixa, amortização, depreciação ou
exaustão do correspondente valor, após os eventos de incorporação, fusão ou

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O laudo de avaliação na Lei nº 12.973/2014

cisão. Não fosse assim, o aproveitamento fiscal da mais-valia não seria viável,
dada a impossibilidade de aferição do valor alocado a cada ativo, bem como do
momento e do prazo a serem observados pela pessoa jurídica na apropriação da
mais-valia alocada a cada ativo.

3 O laudo técnico e o subjetivismo responsável


O conteúdo dos laudos de avaliação pode acarretar controvérsias significa-
tivas entre o Fisco e os contribuintes, principalmente em razão de dúvidas que
podem surgir em relação aos ativos não contabilizados na sociedade investidora
que devem ser reconhecidos no momento da combinação de negócios, bem como
no que tange aos critérios técnicos de avaliação escolhidos pelos profissionais da
área contábil.
Não há dúvida de que a exigência de um laudo de avaliação elaborado por
perito independente permite uma verificação mais precisa dos parâmetros utiliza-
dos na avaliação dos ativos adquiridos e dos passivos assumidos, para fins de
alocação do preço pago pelo contribuinte na aquisição da participação societá-
ria.13 Entretanto, o conteúdo do laudo de avaliação pode suscitar novos tipos de
controvérsias, como pode ocorrer, por exemplo, em relação ao reconhecimento
de ativos que anteriormente não constavam nas demonstrações contábeis da
adquirida (off-balance sheet).14
Nesse contexto, a noção do “subjetivismo responsável” do contador acaba
exercendo certa influência sobre a identificação de ativos líquidos na combinação
de negócios, pois o processo contábil de reconhecimento, mensuração e eviden-
ciação de um fato econômico nas demonstrações financeiras constitui um ato de
interpretação, que se submete a juízo valorativo.15 É o que ensina, com proprieda-
de, Fábio Konder Comparato na seguinte passagem:

A exatidão matemática dos balanços [...] é mera coerência interna


e recíproca de lançamentos em partidas dobradas, simples exatidão
formal. Mas entre a realidade econômica e a sua tradução contábil
interfere, necessariamente, um juízo de valor, uma estimativa axiológi-
ca, cuja imprecisão e contestabilidade jamais poderão ser suprimidas,

13
DONIAK JR., Jimir. Laudo da Mais ou Menos-Valia de Ativos. In: ROCHA, Sergio André. Direito Tributário,
Societário e a Reforma da Lei das S/A. Vol. IV. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 287.
14
O caso mais comum envolve os ativos intangíveis desenvolvidos internamente (e.g., uma marca ou patente
que não foi reconhecida como ativo nas demonstrações contábeis da adquirida, em razão do registro dos
respectivos dispêndios como despesas).
15
Segundo Alessandra Hirano Fuji e Valmor Slomski: “A subjetividade é inerente a todo processo de
mensuração, encontra-se presente em diversos aspectos do processo decisório e não deve constituir
obstáculo para a precificação e o reconhecimento de ativos devido ao problema da objetividade” (FUJI,
Alessandra Hirano; SLOMSKI, Valmor. Revista Contabilidade & Finanças – USP, São Paulo, n. 33, 2003,
p. 42).

R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 16, n. 96, p. 67-94, nov./dez. 2018 79
Ramon Tomazela Santos

porque inerentes ao próprio processo de conhecimento.16 [Destaques


do autor]

A rigor, a noção de “subjetivismo responsável”17 não deve ser confundida


com uma autorização para que o contador adote aleatoriamente o critério contábil
que entender conveniente, sem qualquer racionalidade ou justificativa adequada
para o reconhecimento de ativos. Na verdade, o que pode existir, a depender do
caso concreto, são expectativas e percepções pessoais do contador e da socie-
dade adquirente em relação, por exemplo, à probabilidade de utilização de deter-
minado ativo intangível.
Porém, é certo que há critérios objetivos que balizam e reduzem o espaço
para as percepções pessoais, tais como a existência de consenso profissional
entre especialistas qualificados, a existência de evidências baseadas em docu-
mentos verificáveis, a necessidade de justificação das premissas e dos critérios
adotados, entre outros aspectos.
De qualquer forma, cabe alertar que mesmo o consenso de profissionais
qualificados sobre determinado procedimento não pode ser considerado um mé-
todo de reconhecimento contábil completamente objetivo, pois decorre de um
processo amplo de percepção e julgamento, ainda que realizado por diversos pro-
fissionais.18 Por isso, o importante, para a sustentação do laudo técnico perante
as autoridades fiscais, é que (i) as premissas estabelecidas para o reconheci-
mento do ativo intangível estejam baseadas em critérios que reflitam a realidade
social e econômica e sejam passíveis de justificação no caso concreto; e (ii) o
procedimento mensuração do valor justo do ativo intangível esteja baseado em
critérios técnicos adequados e justificáveis.
Diante disso, pode-se assentar que, como a contabilidade não é uma ciência
exata e objetiva, o processo contábil de reconhecimento, mensuração e eviden-
ciação de ativos líquidos nas operações de combinação de negócios envolve uma
carga de valoração subjetiva, que apenas poderá ser questionada pelo Fisco caso
constatada a existência de vício ou incorreção de caráter relevante.

16
COMPARATO, Fábio Konder. A Natureza Jurídica do Balanço. Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial,
Rio de Janeiro, Forense, 1977, p. 32.
17
Na lição de Sérgio de Iudícibus: “[...] temos de ter capacidade de exercer um subjetivismo responsável,
aprendermos a lidar com valores [...] e [...] não nos acomodar, apenas, numa falsa noção de objetividade”
(IUDÍCIBUS, Sérgio de. A Contabilidade como Sistema de Informação Empresarial (SIE). Boletim do
Ibracon, São Paulo, 1998, p. 3).
18
Nas palavras de Alessandra Hirano Fuji e Valmor Slomski: “Um consenso profissional de experts
qualificados sobre um procedimento ou mensuração não é resultado de um processo totalmente objetivo,
sendo decorrente de um processo psicossocial de percepção e julgamento, nem sempre suportado por
evidências objetivas” (FUJI, Alessandra Hirano; SLOMSKI, Valmor. Revista Contabilidade & Finanças –
USP, São Paulo, n. 33, 2003, p. 37-38).

80 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 16, n. 96, p. 67-94, nov./dez. 2018
O laudo de avaliação na Lei nº 12.973/2014

4 O conceito de vícios e incorreções


O artigo 22, parágrafo 2º, da Lei nº 12.973/2014 prevê expressamente que
o laudo técnico poderá ser desconsiderado na hipótese em que os seus dados
comprovadamente apresentarem vícios ou incorreções de caráter relevante.19
A Lei nº 12.973/2014 e a Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017 não de-
finem expressamente essas patologias que admitem a desconsideração do laudo
de avaliação preparado pelo contribuinte, o que traz certa insegurança jurídica.
Realmente, a necessidade de clareza e determinação da lei tributária consti-
tui uma exigência do princípio da legalidade, bem como do princípio da segurança
jurídica, que emanam do Estado Democrático de Direito e da própria Separação
dos Poderes, tendo em vista que, quanto maior for o grau de indeterminação no
conteúdo da lei, tanto maior será a margem de atuação e de discricionariedade
conferida ao Poder Executivo e ao Poder Judiciário.20 Isso não significa, obviamen-
te, que os princípios da legalidade e da segurança jurídica exigem a determinação
absoluta e a certeza prévia quanto ao conteúdo dos textos legais, permitindo que
se alcance uma “univocidade de resultados”. Na verdade, o que a segurança jurí-
dica demanda, consoante a abalizada lição de Humberto Ávila, é “a elevada capa-
cidade do cidadão de compreender os sentidos possíveis de um texto normativo,
a partir de núcleos de significação a serem reconstruídos por meio de processos
argumentativos intersubjetivamente controláveis”.21
Nessa linha, Valter de Souza Lobato critica a excessiva abertura conferida ao
Fisco para questionar o laudo técnico apresentado pelo contribuinte, em virtude da
falta de detalhamento em relação ao alcance dos termos “vícios” e “incorreções”
de caráter relevante. Com base no princípio da estrita legalidade, o autor defende
que a lei não poderia inserir uma permissão tão genética no texto normativo,
que representa um cheque em branco para o exercício do poder regulamentar do
Fisco.22
Embora a crítica de Valter de Souza Lobato seja pertinente em relação à falta
de definição dos termos “vícios” e “incorreções”, uma vez que os princípios da le-
galidade e da segurança jurídica exigem a determinibilidade (cognoscibilidade) e a
certeza (relativa) do Direito, cabe ponderar que, mesmo na ausência do artigo 22,

19
Veja-se: “O laudo de que trata o inciso I do §1º será desconsiderado na hipótese em que os dados nele
constantes apresentem comprovadamente vícios ou incorreções de caráter relevante”.
20
TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito Tributário (Steuerrecht). Vol. I. Tradução de Luiz Dória Furquim. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008. p. 245.
21
ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica – Entre Permanência, Mudança e Realização no Direito Tributário.
São Paulo: Malheiros, 2012. p. 129.
22
LOBATO, Valter de Souza. O Novo Regime Jurídico do Ágio na Lei nº 12.973/2014. In: MANEIRA, Eduardo;
SANTIAGO, Igor Mauler. O Ágio no Direito Tributário e Societário. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 106-
107.

R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 16, n. 96, p. 67-94, nov./dez. 2018 81
Ramon Tomazela Santos

parágrafo 2º, da Lei nº 12.973/2014, as autoridades fiscais poderiam desconsi-


derar o laudo de avaliação elaborado pelo perito independente, caso as premissas
e os critérios técnicos utilizados não refletissem a realidade de forma adequada.
Daí se dizer que o legislador, ao editar o dispositivo legal em pauta, preten-
deu estabelecer critérios para nortear a atuação da Administração Tributária na
fiscalização dos laudos de avaliação, com o objetivo de reduzir a quantidade e a
extensão das controvérsias entre o Fisco e o contribuinte em torno do tema.23
Com relação às definições, pode-se dizer, em termos gerais, que o vício
constitui um defeito ou uma imperfeição grave cometida na confecção do laudo
técnico, que o torne escuso, suspeito ou inconfiável para a finalidade a que se
destina. Assim, o vício está diretamente relacionado a manifestações, declara-
ções ou informações inidôneas ou desprovidas de boa-fé, que comprometem a
qualidade do laudo técnico.
Por outro lado, a incorreção mantém relação mais estreita com a violação
de regras técnicas formais ou materiais. Logo, o conceito de incorreção está re-
lacionado à inobservância de critérios técnico-contábeis adequados, à imperícia
do profissional responsável pela avaliação, bem como às inexatidões materiais
eventualmente cometidas na manipulação das informações.
A análise dos dois conceitos acima, utilizados pelo artigo 22 da Lei nº
12.973/2014, é importante para demonstrar que as autoridades fiscais não po-
dem realizar um juízo de valor em relação aos critérios contábeis utilizados pelo pe-
rito, seja porque o investidor e o perito possuem melhores condições para avaliar
a realidade econômica da empresa adquirida, seja porque a simples discordância
subjetiva não constitui hipótese de vício ou incorreção do laudo de avaliação.24
Ora, a lei prevê expressamente que apenas nos casos de vício ou incorreção o
laudo técnico poderá ser desconsiderado, o que, além de depender de prova a
ser produzida pela Administração Tributária, também afasta a possibilidade de
desconsideração do laudo por simples discordância em relação ao “subjetivismo
responsável” do perito independente.
Essa ressalva relativa à necessidade de apresentação de provas pela fis-
calização é relevante, pois não é incomum encontrar autos de infração em que
a autoridade fiscal responsável lança mão de uma série de questionamentos a
respeito do laudo técnico, com o claro objetivo de glosar, a qualquer custo, a
amortização fiscal do ágio, que é assegurada por lei e decorre de efetiva aquisição
de participação societária.

23
DONIAK JR., Jimir. Laudo da Mais ou Menos-Valia de Ativos. In: ROCHA, Sergio André (Coord.). Direito
Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A. Vol. IV. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 287.
24
DONIAK JR., Jimir. Laudo da Mais ou Menos-Valia de Ativos. In: ROCHA, Sergio André (Coord.). Direito
Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A. Vol. IV. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 288.

82 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 16, n. 96, p. 67-94, nov./dez. 2018
O laudo de avaliação na Lei nº 12.973/2014

No regime anterior, a 4ª Câmara, da 1ª Turma Ordinária, da 1ª Seção do


Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), no julgamento do Acórdão
nº 1401-00.584, de 29.6.2011, manteve a glosa de despesas de amortização
de ágio, com base em deficiência na confecção do laudo de avaliação.25 Veja-se:

IRPJ. GLOSA DE AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO. DESPESA DESNECESSÁRIA.


A ausência de comprovação do fato econômico que justificasse a an-
terior aquisição de suas ações, pela pessoa jurídica incorporada, com
ágio elevado, autoriza considerar desnecessária a correspondente
despesa e, por conseguinte, indedutível para fins de apuração do lu-
cro real. [Destaques do autor]

No caso em questão, a turma julgadora considerou que o laudo apresentado


pelo contribuinte para justificar a formação do ágio de rentabilidade futura estava
eivado de vício, por ter sido elaborado com base em informações contábeis que
não foram auditadas.
Por essa razão, é preciso ter cautela com as ressalvas que as empresas de
auditoria geralmente incluem em seus laudos técnicos, afirmando que as infor-
mações contábeis que serviram de base para a avaliação não foram conferidas
ou auditadas. Assim, a inclusão de ressalva acerca da fidelidade e adequação
das informações utilizadas para a elaboração do laudo técnico é um aspecto que
pode vir a ser explorado pelas autoridades fiscais em eventual procedimento de
fiscalização.26
No regime anterior, em que até mesmo uma demonstração elaborada inter-
namente era suficiente para justificar o fundamento econômico do ágio, uma res-
salva elaborada por uma empresa de auditoria independente não deveria, por si
só, invalidar o referido documento e impossibilitar o aproveitamento fiscal do ágio.
Além disso, é preciso examinar com cuidado o tipo de ressalva inserida no
laudo técnico elaborado pelo terceiro independente, pois, muitas vezes, trata-se
de mera cláusula de salvaguarda, a fim de destacar que o escopo do documen-
to não envolve a confirmação das informações financeiras utilizadas como refe-
rência. Esse simples aspecto não deve conduzir à desconsideração completa do
laudo técnico, quando não houver vício, incorreção ou qualquer suspeita quanto à
idoneidade do documento.
No Acórdão nº 1402-000.342, de 15.12.2010, a 2ª Turma Ordinária, da 4ª
Câmara, da 1ª Seção do CARF examinou auto de infração em que a fiscalização

25
Processo nº 19515.003259/2004-72. Embargos de declaração sem efeitos infringentes julgados por
meio do Acórdão nº 1401-000.942, de 06.03.2013.
26
ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. O Regime Jurídico Tributário da Mais-Valia sobre Investimentos e do Ágio
por Rentabilidade Futura na Vigência da Lei nº 12.973/2014. In: ROCHA, Sergio André (Coord.). Direito
Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A. Vol. IV. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 120.

R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 16, n. 96, p. 67-94, nov./dez. 2018 83
Ramon Tomazela Santos

glosou a amortização fiscal do ágio sob a acusação de irregularidade na metodolo-


gia de cálculo utilizada pelo contribuinte para a determinação do valor do ágio de
rentabilidade futura.
Ao examinar a questão, a turma julgadora, após avaliar as considerações
apresentadas pelo contribuinte em relação aos critérios de cálculo utilizados, con-
cluiu pela validade do ágio de rentabilidade futura, sob o argumento de que a lei
tributária não determina expressamente a metodologia de avaliação que deve ser
adotada no laudo técnico, tampouco os requisitos que devem ser observados
pelos contribuintes. Veja-se a seguinte passagem do voto condutor proferido pela
Conselheira Albertina Silva Santos de Lima:

Tendo em vista que não há legislação fiscal que determine a metodo-


logia de avaliação a ser adotada e os requisitos que devem ser aten-
didos, levando em conta as planilhas apresentadas pela contribuinte
cuja síntese foi explicitada acima, considerando que apesar de parte
das premissas e de algumas variáveis não terem sido explicitadas,
a fiscalização não infirmou essas premissas e variáveis (por que a
taxa de desconto de 20% não seria adequada? por que a taxa de
perpetuidade não poderia ser 7%? etc), levando em conta ainda as
informações contidas no parecer mencionado que confirma que a me-
todologia adotada no relatório BoozAllen traduz a expectativa de resul-
tados futuros, considero, que o documento apresentado à fiscalização
e arquivado para demonstrar a avaliação da empresa DA, pelo método
do fluxo de caixa descontado corresponde a R$ 106.831.000,00.27
[Destaques do autor]

No mesmo sentido, veja-se trecho do Acórdão nº 1201-00.548, de


03.08.2011, proferido pela 1ª Turma Ordinária, da 2ª Câmara, da 1ª Seção do
CARF:

No meu entender, a Fazenda não conseguiu apenas com sua retórica


descaracterizar as informações trazidas quanto ao Laudo, o que en-
fraquece a tese defendida pela Procuradoria. Poderia ter apresentado
um outro laudo para combater os valores da rentabilidade futura, ou
mesmo descaracterizar todo o trabalho com um laudo de avaliação
especifico e detalhado dos ativos. O que não ocorreu!
[...]
Portanto, afasto o argumento da Fazenda de que estamos diante de
ágio relativo ao fundo de comércio, sendo perfeitamente visível no
parecer técnico trazido nos autos que estamos diante de previsão dos
resultados nos exercícios futuros (prazo de 9 anos), sendo que em
nenhum momento a contribuinte admite a natureza jurídica desse ágio
como fundo de comércio, tratando-se, pelas suas justificativas plausí-

27
Essa decisão foi mantida pela CSRF.

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O laudo de avaliação na Lei nº 12.973/2014

veis e fundadas em laudos técnico como ativo diferido e amortização


de ativo diferido. [Destaques do autor]

Situação semelhante foi analisada no Acórdão nº 1402-001.925, de


3.3.2015, da 2ª Turma Ordinária, da 4ª Câmara, da 1ª Seção do CARF, assim
ementado:

ÁGIO. CONTROVÉRSIA RELACIONADA À EXPECTATIVA DE RENTABILIDA-


DE FUTURA VERSUS AQUISIÇÃO DE CARTEIRA DE CLIENTES E FUNDO
DE COMÉRCIO. AVALIAÇÃO DA PROVA NO CASO CONCRETO. Da aná-
lise da prova depreende-se que, no caso concreto, não foram adqui-
ridos os bens individualmente ou mesmo o conjunto de bens (fundo
de comércio) das sociedades Citifundos e Citiportfolios, mas sim as
próprias sociedades. A autoridade fiscal não impugnou os elementos
indicados no laudo contábil que apurou a expectativa de rentabilidade
futura. Limitou-se a presumir, sem elementos de prova, que a autuada
estava adquirindo a carteira de clientes e o fundo de comércio. No
entanto, quando se examinam os elementos e premissas contidas
no laudo verifica-se que os valores indicados por estes e pagos pela
empresa autuada dizem respeito à expectativa de rentabilidade futura
e não à aquisição de carteira de clientes ou fundo de comércio. [Des-
taques do autor]

O voto vencedor do referido acórdão analisou os laudos elaborados pela


adquirente no momento da aquisição da participação societária, nos quais se
verificou que a avaliação do valor do investimento foi realizada com base na expec-
tativa de resultados futuros da sociedade adquirida, e não com base no fundo de
comércio, como alegado pela fiscalização. O voto vencedor também destacou que
a autoridade fiscal não tinha colacionado qualquer prova para demonstrar a inva-
lidade da fundamentação econômica do ágio. Com base nessas constatações, a
turma julgadora concluiu:

Em resumo, a autoridade fiscal não impugnou os elementos indicados


no laudo contábil que apurou a expectativa de rentabilidade futura.
Limitou-se a presumir, sem elementos de prova, que a autuada estava
adquirindo a carteira de clientes e o fundo de comércio. No entanto,
quando se examinam os elementos e premissas contidas no laudo
verifica-se que os valores indicados por estes e pagos pela empresa
autuada dizem respeito à expectativa de rentabilidade futura e não à
aquisição de carteira de clientes ou fundo de comércio. [Destaques
do autor]

As decisões acima representam importantes precedentes acerca do tema,


pois evidenciam que a fiscalização deve comprovar porque a metodologia de ava-
liação ou as premissas utilizadas no laudo técnico são inadequadas.

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Diante disso, conclui-se que as autoridades fiscais não podem realizar um


juízo de valor em relação ao laudo técnico, para substituir o processo de percepção
e julgamento utilizado pelo profissional técnico pelas suas convicções pessoais.
O alerta acima é importante porque a questão do reconhecimento de ativos
e passivos na combinação de negócios, embora cercada de aspectos técnicos,
também sofre influência do subjetivismo responsável do contador. O laudo deve
ser elaborado com a estrita observância das regras técnicas, bem como com a
indicação detalhada de seus fundamentos e premissas. Porém, o reconhecimento
de ativos depende também da análise pessoal do contador, à luz da atividade
econômica exercida pelo contribuinte.
Por último, ao prever que o laudo técnico poderá ser desconsiderado caso
contenha vícios ou incorreções de caráter relevante, o artigo 22, parágrafo 2º,
da Lei nº 12.973/2014 tem o condão de afastar os argumentos infundados por
vezes levantados pelas autoridades fiscais para questionar a idoneidade da ava-
liação. Um exemplo corriqueiro reside na afirmação de que a empresa de auditoria
independente que preparou o laudo técnico recebeu honorários do contribuinte.
Ora, o fato de o contribuinte arcar com o custo econômico do laudo técnico, sem
qualquer outro elemento para comprovar a existência de patologia, é irrelevante
para atestar a sua idoneidade.

5 A comprovação do vício ou da incorreção pelo Fisco


Como enfatizado acima, as autoridades fiscais não podem realizar um
juízo de valor em relação aos critérios contábeis utilizados pelo perito, uma vez
que o artigo 22, parágrafo 2º, da Lei nº 12.973/2014 é expresso ao prever que
o laudo técnico apenas poderá ser refutado nos casos de vício ou incorreção de
caráter relevante, o que, como visto acima, depende de prova a ser produzida pela
Administração Tributária.
Como decorrência dos princípios do devido processo legal e da motivação
dos atos administrativos, os questionamentos realizados pelas autoridades fis-
cais devem ser devidamente fundamentados e comprovados, mediante (i) apon-
tamento dos elementos específicos do laudo técnico que apresentam vício ou
incorreção (v.g. critérios de avaliação, prazos de vida útil, metodologias, indícios
de fraude, entre outros aspectos), bem como (ii) demonstração da respectiva
relevância (v.g. impacto econômico significativo na alocação residual do ágio de
rentabilidade futura).
De fato, no contexto de um Estado Democrático de Direito, a validade dos
atos administrativos depende da devida exteriorização das razões e dos funda-
mentos que justificam a sua prática, possibilitando-se, assim, o controle de sua
legalidade e legitimidade pelos administrados, pelo Poder Judiciário e pela própria

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O laudo de avaliação na Lei nº 12.973/2014

Administração Pública. Em vista disso, a motivação dos atos administrativos cons-


titui um dever da administração, que não deve ser exercido de modo meramente
formal, mas, sim, de maneira substancial, clara e exaustiva, sob pena de mani-
festa nulidade.28
É importante mencionar que não basta ao Fisco alegar a existência de
vício ou incorreção no laudo técnico elaborado pelo contribuinte, sem se desin-
cumbir do ônus probatório.29 Sabe-se que, na prática tributária, é cada vez mais
comum a lavratura de autos de infração em que a autoridade fiscal exige o crédito
tributário, sem apresentar provas da ocorrência do fato gerador ou da existência
de irregularidades nos atos ou negócios jurídicos praticados pelo contribuinte.
Assim, com base na presunção de legitimidade e veracidade dos atos adminis-
trativos, perpetua-se verdadeira inversão do ônus da prova, pois fica a cargo do
contribuinte demonstrar a correção dos atos ou negócios jurídicos práticos e a
inocorrência do fato gerador da obrigação tributária.
Ocorre que essa visão é equivocada. Marco Aurélio Greco é enfático ao afir-
mar que o auditor fiscal deve apresentar provas para contrapor a qualificação
jurídica trazida pelo contribuinte, bem como para sustentar o novo enquadramento
jurídico sustentado no auto de infração, sendo que, caso não exerça o seu ônus
probatório a contento, deve-se prestigiar a liberdade do contribuinte de organizar
seus negócios.30
A prova da ocorrência de vício ou incorreção compreende o conjunto de fatos
e de informações apto a evidenciar a verdade ou validade da acusação fiscal. A fis-
calização deve comprovar, de forma clara e convincente,31 a existência de “vício”
ou “incorreção” no laudo técnico apresentado pelo contribuinte.
Apenas que fique claro, seria possível classificar as provas, em relação ao
grau de convencimento, da seguinte forma:
• Prova irrefutável, assim considerada uma evidência de caráter máximo
(quase absoluto), como é o caso do exame pericial do DNA (ácido
desoxirribonucleico).

28
ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscal – Controle Administrativo do Lançamento Tributário.
4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 106.
29
Segundo Jimir Doniak Jr.: “[...] é insuficiente a desconfiança e a suposição de vício ou incorreção. Eles
devem estar comprovados” (DONIAK JR., Jimir. Laudo da Mais ou Menos-Valia de Ativos. In: ROCHA,
Sergio André (Coord.). Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A. Vol. IV. São Paulo: Quartier
Latin, 2015. p. 287).
30
Nas palavras do autor: “[...] nunca é demais repetir que se o Fisco não atender ao seu duplo ônus da
prova, se não demonstrar a qualificação jurídica pertinente ou se houver um insuperável ‘empate’ como
acima exposto, o critério de decisão do caso deve ser o de prestigiar a liberdade do contribuinte de
organizar seus negócios” (GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. 3. ed. São Paulo: Dialética,
2011. p. 540-541).
31
Sobre o tema dos standards de prova, vide: CLERMONT, Kevin M. Standards of Proof Revisited. Vermont
Law Review, Vermont, v. 33. n. 3, p. 469-487, 2009.

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Ramon Tomazela Santos

• Prova acima de qualquer dúvida razoável, assim entendida uma


evidência capaz de determinar a validade da acusação fiscal, afastando
todas as dúvidas surgidas no caso concreto.
• Prova clara e convincente, que consiste na evidência apta a fundar um
juízo persuasivo firme e dominante em relação ao objeto da prova, ainda
que passível de contestação.
• Prova verossimilhante, evidência capaz de fundar mero juízo de
verossimilhança em relação ao objeto da prova.
Exige-se, assim, a apresentação de prova clara e convincente por parte das
autoridades fiscais acerca da existência de vício ou incorreção no laudo técnico,
justamente por se tratar de situação em que o Fisco pretende refutar a validade de
um documento emitido por terceiro independente com habilitação técnica em área
específica do conhecimento, que faz prova em favor do contribuinte.32
De fato, o padrão probatório exigido do Fisco para comprovar a existência de
vício ou incorreção deve ser elevado, pois o laudo técnico elaborado pelo terceiro
independente faz prova em favor do contribuinte. Por isso, cabe ao Fisco o ônus de
alterar essa posição inicial, mediante a produção de prova clara e convincente que
demonstre cabalmente a existência de vício ou incorreção de caráter relevante.
Isso é assim não por uma opção do intérprete, mas em razão da relação
assimétrica entre o Estado e o contribuinte, da restrição aos direitos de liberdade,
propriedade e auto-organização do contribuinte e dos princípios da presunção de
inocência e do devido processo legal. Trata-se, portanto, de mera decorrência dos
parâmetros constitucionais que orientam a relação jurídico-tributária.
Não basta apenas a suspeita, levantada a partir de meros indícios, tam-
pouco a comprovação baseada em evidência verossimilhante, que não permita
a formação de juízo persuasivo claro e convincente em relação ao “vício” ou à
“incorreção”.
Neste cenário, a questão que se coloca consiste em saber se a autoridade
fiscal deve apresentar outro laudo técnico para refutar aquele apresentado pelo
contribuinte, para apresentar o valor correto do ágio de rentabilidade futura.
O artigo 148 do Código Tributário Nacional (“CTN”) prevê que, quando a base
de cálculo do tributo levar em consideração o valor ou preço de bens, direitos,
serviços ou atos jurídicos, a autoridade fiscal deverá arbitrá-lo sempre que sejam
omissos ou não mereçam fé as declarações ou os documentos expedidos pelo
sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado. Confira-se:

32
Observe-se que não é possível exigir certeza para a prova do vício ou da incorreção, pois a verdade
processual é sempre provável (grau de probabilidade), tendo em vista que o raciocínio a partir das provas
é necessariamente indutivo (para uma análise mais ampla do raciocínio a partir das provas, vide: COSTA,
Pedro Jorge. Dolo Penal e sua Prova. São Paulo: Atlas, 2015. p. 153-199).

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O laudo de avaliação na Lei nº 12.973/2014

Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em


consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos
jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará
aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé
as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos
expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado,
ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, adminis-
trativa ou judicial.

No caso de omissão, o artigo 22, parágrafo 1º, inciso I, da Lei nº 12.973/2014


prevê expressamente que o contribuinte não poderá amortizar o valor do ágio de
rentabilidade futura se o laudo técnico “não for elaborado e tempestivamente pro-
tocolado ou registrado”. Assim, embora o artigo 148 do CTN fale em arbitramento
em caso de omissão, é de se reconhecer que a regra do artigo 22, parágrafo 1º,
inciso I, da Lei nº 12.973/2014 é mais específica, devendo prevalecer no caso
concreto.
A dúvida persiste em relação aos casos em que o laudo técnico elaborado
pelo perito independente contenha vício ou incorreção. Em tais situações, a au-
toridade fiscal fica obrigada a realizar o arbitramento do valor residual do ágio de
rentabilidade futura, ou, ao contrário, seria possível glosar o valor integral do ágio?
Em ambos os casos, a autoridade fiscal, para questionar o laudo técnico apresen-
tado pelo contribuinte, está obrigada a apresentar um laudo técnico substituto, ou
basta comprovação do “vício” ou da “incorreção” no termo de verificação fiscal
que acompanha o auto de infração?
Com relação à primeira indagação, a autoridade fiscal jamais poderá sim-
plesmente glosar o valor total do sobrepreço pago pelo contribuinte, sendo in-
dispensável a indicação fundamentada do montante por ela considerado correto
e da respectiva alocação. Como exemplo, caso a autoridade fiscal questione o
não conhecimento de determinado ativo intangível na combinação de negócios
(v.g. marca ou carteira de cliente), ela deverá demonstrar, em procedimento fis-
cal, o atendimento aos critérios para o reconhecimento do ativo intangível, a vida
útil estimada, o método de avaliação utilizado e o valor estimado, reduzindo, por
consequência, o valor residual do ágio de rentabilidade futura. O que não se pode
admitir é que, por eventual vício ou incorreção do laudo técnico, o valor total do
ágio de rentabilidade futura seja glosado, sem qualquer fundamento. Obviamente,
a situação será diferente se, no exemplo acima, o valor do intangível reconhecido
pela autoridade fiscal consumir integralmente o valor residual do ágio de rentabi-
lidade futura.33

33
Jimir Doniak Jr. parece seguir uma posição distinta, ao afirmar que “[...] seria inviável para a Administração
supor quanto deveria ser realocado do montante antes indicado como goodwill para uma ou mais marcas:

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No que tange à segunda questão, é de se reconhecer que, a rigor, o artigo


148 do CTN não exige que o arbitramento seja feito pela fiscalização mediante
a apresentação de um laudo técnico substituto. Na realidade, esse dispositivo
apenas assegura, ao contribuinte que não concordar com o arbitramento, o direito
a uma avaliação contraditória, seja na via administrativa, seja na via judicial.34
Assim, em caso de eventual lançamento de ofício questionando o laudo téc-
nico que efetuou a alocação do preço de aquisição ao valor justo líquido dos ativos
adquiridos e dos passivos assumidos, o contribuinte tem o direito de requerer a
avaliação contraditória, apresentando justificativas para a sua irresignação. Como
não há um procedimento específico e autônomo para essa avaliação contraditória,
entende-se que ela pode ser feita por meio de diligência do curso do processo
administrativo fiscal federal, nos termos do artigo 16, inciso IV, do Decreto nº
70.235/1972.35
De todo modo, diferentemente da diligência convencional, a avaliação con-
traditória deverá ser realizada por dois peritos, um indicado pela Administração
Tributária, que poderá ser um auditor fiscal, e outro indicado pelo contribuinte.
Em qualquer caso, o contribuinte também terá a seu dispor a avaliação con-
traditória judicial, que poderá ser feita no curso de processo judicial, com a nome-
ação de perito indicado pelo juiz e assistentes técnicos indicados pelas partes,
nos termos do artigo 465 do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).
Não há um procedimento judicial autônomo para a avaliação contraditória, que
geralmente será feita na própria ação judicial em que se discute o mérito do lan-
çamento tributário.
Deixando de lado o artigo 148 do CTN, é preciso pontuar que, no Acórdão
nº 1201-00.548, de 8.8.2011, a 1ª Turma Ordinária, da 2ª Câmara, da 1ª Seção
do CARF cancelou lançamento de ofício em que a autoridade fiscal imputou o
valor total do ágio ao fundo de comércio, sem apresentar qualquer laudo ou docu-
mento para atestar a incorreção do laudo técnico apresentado pelo contribuinte.
Segundo o voto vencedor do conselheiro Rafael Correia Fuso, não se pode admitir
a desconsideração do laudo técnico com base em alegações genéricas, sem a
apresentação de contraprova. Veja-se:

o valor integral, parte dele, qual o montante exato? Bem se vê que não se trata de uma mera troca de
posição de valores, a ser feito sem um conhecimento detido da empresa envolvida e do mercado em que
ela atua. Ao final, a realocação de valores entre itens distintos é, de certa forma, um novo laudo, algo que
a Administração não está autorizada a fazer [...]” (DONIAK JR., Jimir. Laudo da Mais ou Menos-Valia de
Ativos. In: ROCHA, Sergio André (Coord.). Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A. Vol. IV.
São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 292).
34
MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. Vol. III. São Paulo: Atlas, 2005.
p. 146.
35
MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. Vol. III. São Paulo: Atlas, 2005.
p. 147.

90 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 16, n. 96, p. 67-94, nov./dez. 2018
O laudo de avaliação na Lei nº 12.973/2014

No meu entender, a Fazenda não conseguiu apenas com sua retórica


descaracterizar as informações trazidas quanto ao Laudo, o que en-
fraquece a tese defendida pela Procuradoria. Poderia ter apresentado
um [sic] outro laudo para combater os valores da rentabilidade futura,
ou mesmo descaracterizar todo o trabalho com um laudo de avaliação
especifico e detalhado dos ativos. O que não ocorreu! [Destaques do
autor]

No Acórdão nº 1402-001.925, de 3.3.2015, a 2ª Turma Ordinária, da 4ª


Câmara, da 1ª Seção do CARF também deixou claro que a autoridade fiscal não
pode presumir, sem elementos de prova, que o laudo técnico que apurou a ex-
pectativa de rentabilidade futura é incorreto, com o objetivo de sustentar que o
sobrepreço pago pelo contribuinte refere-se à carteira de clientes e ao fundo de
comércio. Veja-se:

A autoridade fiscal não impugnou os elementos indicados no laudo


contábil que apurou a expectativa de rentabilidade futura. Limitou-se a
presumir, sem elementos de prova, que a autuada estava adquirindo
a carteira de clientes e o fundo de comércio. No entanto, quando se
examinam os elementos e premissas contidas no laudo verifica-se
que os valores indicados por estes e pagos pela empresa autuada
dizem respeito à expectativa de rentabilidade futura e não à aquisição
de carteira de clientes ou fundo de comércio.

Esses precedentes são importantes para reforçar a tese defendida acima


no sentido de que cabe à Administração Tributária comprovar, de forma clara e
convincente, sem a menor possibilidade de hesitação por parte dos julgadores, a
existência de vício ou incorreção no laudo técnico apresentado pelo contribuinte.

6 O procedimento de elaboração do laudo técnico


Na prática, para a elaboração do laudo técnico, as empresas especializadas
geralmente realizam os seguintes procedimentos:
• Análise das contas de ativo e passivo registradas nas demonstrações
contábeis da pessoa jurídica adquirida na data-base, para identificação de
eventuais divergências entre o valor justo e o valor contábil, a depender
da natureza dos ativos.
• Estimativa do valor justo dos ativos e passivos da pessoa jurídica, com
base em metodologias de avaliação geralmente aceitas.
• Identificação de potenciais ativos intangíveis da pessoa jurídica adquirida,
a partir da análise do seu modelo de negócio, do seu planejamento de
longo prazo e de outros elementos relevantes, como a capacidade de
controle dos seus benefícios econômicos futuros.

R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 16, n. 96, p. 67-94, nov./dez. 2018 91
Ramon Tomazela Santos

• Avaliação do valor justo e da estimativa da vida útil dos ativos intangíveis,


como base em metodologias de avaliação geralmente aceita, tais como:
• Abordagem de mercado (market approach): estima o valor justo mediante
a comparação com transações recentes envolvendo ativos semelhantes.
• Abordagem da renda (income approach): estima o valor justo dos fluxos
de caixa futuros que o ativo intangível poderá durante a sua vida útil
remanescente.
• Abordagem do custo (cost approach): estima o valor de um ativo
baseando-se no custo atual de aquisição ou de substituição do respectivo
bem.

7 Aspectos formais do laudo de avaliação


Quanto aos aspectos formais, na ausência de requisitos expressos na le-
gislação tributária para a elaboração do laudo técnico, o contribuinte pode seguir,
na medida do possível, as diretrizes fixadas pela Comissão de Valores Mobiliários
(“CVM”) na Instrução CVM nº 361/2002,36 dentre as quais se destacam as
seguintes:
• As informações constantes do laudo de avaliação deverão ser completas,
precisas, atuais, claras e objetivas.
• As informações constantes do laudo de avaliação deverão ser baseadas
nas demonstrações financeiras auditadas da companhia avaliada,
podendo, adicionalmente, ser fundamentadas em informações gerenciais
relativas à companhia avaliada, fornecidas por sua administração ou por
terceiros por ela contratados, e ainda em informações disponíveis ao
público em geral.
• O laudo de avaliação deverá conter as assinaturas e a identificação dos
profissionais responsáveis pela avaliação, bem como do representante
da empresa responsável pelo laudo.
• O laudo de avaliação conterá um Sumário Executivo que contemplará,
resumidamente, pelo menos, as seguintes informações: a) as principais
informações e conclusões do laudo de avaliação; b) os critérios adotados
e as principais premissas utilizadas; c) o método de avaliação escolhido;
d) a taxa de desconto utilizada, se for o caso; e) o valor ou intervalo de
valor apurado em cada uma das metodologias de avaliação utilizadas,
com apresentação de quadro comparativo dos valores apurados; f)
indicação do critério de avaliação, dentre os constantes do laudo, que for

36
ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. O Regime Jurídico Tributário da Mais-Valia sobre Investimentos e do Ágio
por Rentabilidade Futura na Vigência da Lei nº 12.973/2014. In: ROCHA, Sergio André (Coord.). Direito
Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A. Vol. IV. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 151-152.

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O laudo de avaliação na Lei nº 12.973/2014

considerado pelo avaliador como o mais adequado na definição do preço


justo; se for o caso; e g) as razões pelas quais tal critério foi escolhido.
• O laudo de avaliação deverá contemplar as fontes, os fundamentos, as
justificativas das informações e dos dados apresentados, bem como as
planilhas de cálculo e projeções utilizadas na avaliação, com destaque
para as principais premissas utilizadas e as justificativas para cada uma
delas.
• O laudo deverá conter glossário de termos técnicos, indicando o
significado de cada termo técnico, sigla ou índice econômico citado.
Obviamente, os requisitos apontados acima servem apenas como orientação
quanto ao conteúdo do laudo de avaliação, pois, como enfatizado anteriormente,
a legislação tributária não prevê requisitos formais específicos, salvo em relação
à necessidade de protocolo na Secretaria da Receita Federal do Brasil mediante
o envio do seu inteiro teor por meio de processo eletrônico, ou de registro do
sumário em Cartório de Registro de Títulos e Documentos. O importante é que o
laudo de avaliação seja elaborado por profissionais competentes e com qualidade
técnica, de modo a cumprir a sua função de prover informações fidedignas a res-
peito da mais-valia de ativos.

8 Conclusões
As considerações precedentes permitem chegar às seguintes conclusões:
i) Após o advento da Lei nº 12.973/2014, a mais ou menos-valia dos
ativos líquidos da sociedade investida deverá ser baseada em laudo de
avaliação elaborado por perito independente.
ii) Esse laudo de avaliação decorre do Purchase Price Allocation realizado
para fins contábeis, na forma do Pronunciamento Técnico CPC nº 15, o
qual deverá tratar somente da mais ou menos-valia dos ativos e passivos
da sociedade adquirida, em linha com o caráter residual do ágio por
rentabilidade futura.
iii) O laudo de avaliação deve ser protocolado na Secretaria da Receita
Federal do Brasil ou ter o seu respectivo sumário registrado no Cartório
de Registro de Títulos e Documento.
iv) Esse prazo legal busca alinhar a legislação tributária às novas práticas
contábeis, tendo em vista que, no âmbito do Pronunciamento Técnico CPC
nº 15, a pessoa jurídica adquirente dispõe de um período de mensuração
de 12 meses para efetuar ajustes nos valores provisórios reconhecidos
em uma operação de combinação de negócios.
v) O laudo de avaliação deve ser elaborado por perito independente, com
habilitação técnica, idoneidade e imparcialidade.

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Ramon Tomazela Santos

vi) O laudo de avaliação somente poderá ser desconsiderado na hipótese


em que comprovadamente apresentar vícios ou incorreções de caráter
relevante.
vii) O vício constitui um defeito ou uma imperfeição grave cometida na
confecção do laudo técnico, que o torne escuso, suspeito ou inconfiável
para a finalidade a que se destina, ao passo que a incorreção está
relacionada à inobservância de critérios técnico-contábeis adequados,
à imperícia do profissional responsável pela avaliação, bem como às
inexatidões materiais eventualmente cometidas na manipulação das
informações.
viii) Como a lei prevê expressamente que apenas nos casos de vício ou
incorreção o laudo de avaliação poderá ser desconsiderado, entende-
se que as autoridades fiscais não podem realizar um juízo de valor em
relação aos critérios contábeis utilizados pelo perito.
ix) A fiscalização deve comprovar, de forma clara e convincente, a existência
de vício ou incorreção no laudo técnico apresentado pelo contribuinte.
x) Mesmo que o laudo de avaliação seja desconsiderado, a autoridade
fiscal jamais poderá simplesmente glosar o valor total do sobrepreço
pago pelo contribuinte, sendo indispensável a indicação fundamentada
do montante por ela considerado correto e da respectiva alocação.
xi) Por fim, quanto aos aspectos formais, entende-se que, na ausência de
requisitos expressos na legislação tributária para a elaboração do laudo
técnico, o contribuinte pode seguir, na medida do possível, as diretrizes
fixadas pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) na Instrução CVM
nº 361/2002.

Abstract: This article examines the legal requirements related to the appraisal report required by
Law No. 12,973/2014 to determine the fair value of assets acquired and the liabilities assumed in
business combinations.
Keywords: Appraisal Report. Equity Investments. Surplus value of assets. Goodwill.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

SANTOS, Ramon Tomazela. O laudo de avaliação na Lei nº 12.973/2014.


Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 16, n. 96,
p. 67-94, nov./dez. 2018.

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