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A ilegalidade da dedução dos valores

recolhidos à título de tributos da base


de cálculo da comissão
O presente artigo trata da consolidação, no âmbito do Superior
Tribunal de Justiça, do entendimento de que a comissão paga ao
representante comercial autônomo deve ter como base de cálculo o
valor total das mercadorias.
No dia-a-dia profissional, é comum nos depararmos com situações em que a
empresa representada calcula a comissão de seu representante comercial
autônomo com base no valor líquido da nota fiscal, ou seja, após deduzirem os
valores referentes aos tributos.
Porém, citada prática, apesar de corriqueira, é vedada expressamente pela Lei
nº 4886/65 e pela jurisprudência de nossos tribunais pátrios, conforme veremos
adiante:
Preceitua §4º do artigo 32 da citada lei que:
"Art. 32º - O representante comercial adquire o direito às comissões quando do
pagamento dos pedidos ou propostas.
§ 1º - O pagamento das comissões deverá ser efetuado até o dia 15 do mês
subseqüente ao da liquidação da fatura, acompanhada das respectivas cópias
das notas fiscais.
(...)
 
§ 4º - As comissões deverão ser calculadas pelo valor total das
mercadorias.”
Portanto, tributos como ICMS, ISS e IPI, que já se encontram embutidos no
preço da mercadoria/serviço, não podem ser abatidos da base de cálculo da
comissão uma vez que “a lei não faz distinção, para os fins de cálculo da
comissão do representante, entre o preço líquido da mercadoria — excluídos
os tributos — e aquele pelo qual a mercadoria é efetivamente vendida e que
consta na nota fiscal”.
O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade a apreciar o tema ora
proposto em algumas ocasiões. Aqui destacaremos dois julgados que vêm
servindo como norte para os demais tribunais pátrios, vejamos:
COMERCIAL. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. COMISSÃO. LEI Nº
8.420/1992, ART. 32, § 4º. BASE DE CÁLCULO. IPI. INCLUSÃO. PREÇO
FINAL DO PRODUTO.
1 - Nos termos do artigo 32, § 4º, da Lei nº 8.420, de 8 de maio de de 1992,
que introduziu modificações na Lei n. 4.886, de 9 de dezembro de 1965,
diploma que regula as atividades dos representantes comerciais autônomos,
"as comissões deverão ser calculadas pelo valor total das mercadorias".
2 - A melhor interpretação a ser conferida ao aludido dispositivo é no sentido de
que a comissão deve ser calculada com base no preço da mercadoria no
momento da venda intermediada pelo representante, o que corresponde ao
valor total do produto até essa fase da comercialização.
3 - Sendo o IPI imposto indireto, assim como outros tributos que integram a
composição do preço da mercadoria na saída do estabelecimento industrial e
comportam repasse pela sociedade empresária industrial representada aos
adquirentes, não poderá ser abatido da base de cálculo da respectiva comissão
devida ao representante comercial que intermediou a operação mercantil.
4 - Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 756.115/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão
Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 05/10/2010, DJe
13/02/2012)
Até a publicação da decisão supra transcrita, existia uma certa divergência
jurisprudencial no que diz respeito à inclusão do valor pago a título de IPI na
base de cálculo das comissões pagas aos representantes. Citada divergência
residia no fato de que  enquanto o ICMS está embutido no preço da
mercadoria, o IPI incide sobre esse preço, tanto que aparece em separado na
nota fiscal. De acordo com essa tese, o valor total a que se refere o artigo 32
da Lei 4.886/65 seria a própria base de cálculo do IPI, motivo por que esse
imposto não poderia ser computado nas comissões e que, caso a comissão
incidisse também sobre o valor pago à título de IPI, estaria caracterizado o
enriquecimento sem causa do represente comercial.
Sobre o tema, peço vênia para transcrever trecho do voto do Ministro Luis
Felipe Salomão, o qual restou vencido na ocasião:
“De fato, não obstante o caráter protetivo da norma em comento, não se pode
olvidar a necessidade de se evitar que, em nome dessa proteção, venha a
ocorrer o enriquecimento sem causa do representante, ao receber comissão
sobre tributo a ser recolhido pelo representado. É que, sendo o fato gerador do
IPI a saída da mercadoria do estabelecimento industrial, nos termos do artigo
47, II, do CTN, a sua base de cálculo é o valor da operação de que decorre a
saída da mercadoria, ou seja, o valor da mercadoria, não integrando o seu
preço. Portanto, a comissão deve ser calculada sobre o valor total da
mercadoria, ou seja aquele expresso na nota fiscal, descontado o IPI.” (REsp
756.115/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro
RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 05/10/2010, DJe 13/02/2012)
No entanto, como dito anteriormente, citado entendimento foi afastado pela
maioria dos integrantes da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, a
preferiu seguir o voto divergente do ministro Raul Araújo, para quem o valor
total da mercadoria é aquele pago pelo comprador, independentemente de
incluir impostos, fretes ou seguros. É sobre esse preço final, sem desconto do
IPI, que a Turma considerou que deve incidir a comissão do representante
comercial.
Mais recentemente, citado entendimento foi confirmado pelo Superior Tribunal
de Justiça pelo julgamento do REsp 1162985, de relatoria da Ministra Nancy
Andrighi, o qual restou assim ementado:
CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA.
AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. REPRESENTAÇÃO
COMERCIAL. REDUÇÃO PERCENTUAL. ANUÊNCIA TÁCITA DO
REPRESENTANTE. COMISSÃO. INCIDÊNCIA.
BASE DE CÁLCULO. TRIBUTOS. PREÇO DA MERCADORIA.
1. Discussão sobre a possibilidade de alteração em contrato de representação
comercial, que implique redução da remuneração do representante, quando há
sua anuência tácita.
2. Diante das peculiaridades da hipótese, verifica-se que não houve uma
redução da comissão da representante, em relação à média dos resultados
auferidos nos últimos seis meses de vigência do contrato, o que, de fato, seria
proibido nos termos do art. 32, §7º, da Lei 4.886/65. Desde o início da relação
contratual, a comissão foi paga no patamar de 2,5%, o que leva à conclusão de
que a cláusula que previu o pagamento da comissão de 4%, na realidade,
nunca chegou a viger.
3. O princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão da recorrente, de
exigir retroativamente valores a título da diferença, que sempre foram
dispensados, frustrando uma expectativa legítima, construída e mantida ao
longo de toda a relação contratual pela recorrida.
4. Discussão acerca da inclusão do valor dos tributos na base de cálculo da
comissão do representante comercial.
5. A lei não faz distinção, para os fins de cálculo da comissão do representante,
entre o preço líquido da mercadoria - excluídos os tributos -, e aquele pelo qual
a mercadoria é efetivamente vendida e que consta na nota fiscal.
6. O preço constante na nota fiscal é o que melhor reflete o resultado obtido
pelas partes (representante e representado), sendo justo que sobre ele se
apoie o cálculo da comissão. Precedentes.
7. Recurso especial de ILHÉUS COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA.
desprovido.
8. Recurso especial de SHERWIN WILLIAMS DO BRASIL INDÚSTRIA E
COMÉRCIO LTDA conhecido em parte e, nesta parte, desprovido.
(REsp 1162985/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 18/06/2013, DJe 25/06/2013)
Portanto, a partir do entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça,
é se de entender que a comissão paga aos representantes comerciais
autônomos deve incidir sobre o valor bruto da nota fiscal, ou seja, o valor de
venda da mercadoria ou serviço sem descontos de qualquer espécie.
 
 
 
Lucas Calafiori Catharino de Assis
OAB/SC 32.872

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