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Artigo apresentado no II ENCONTRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS

– ENET promovido pelo Instituto de Direito Tributário de Londrina


de 19 a 21/09/07 (Selecionado pela Comissão Organizadora).

A EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DO IPI

*
Fellipe Cianca Fortes

Sumário: 1. Introdução. 2. Preço do Bem X Valor da Operação. 3. “Valor da Operação” e Base de Cálculo
para o IPI. 4. “Valor da Operação” e Base de Cálculo para o ICMS. 5. A Não-Inclusão do ICMS na Base de
Cálculo do IPI. 6. Conclusão. 7. Bibliografia.

1. Introdução

Atualmente, é crescente a criação de empresas com duplo objeto social: a


industrialização e comercialização de bens. Esta circunstância acarreta influência direta no
campo da tributação, à medida que, quando da ulterior venda, concretiza-se simultaneamente a
hipótese de incidência de dois tributos: (i) o Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI e o (ii)
Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, ambos incidentes sobre a
operação relacionada ao referido bem (saída da chamada “mercadoria”, para fins de ICMS e
saída do “produto industrializado”, para fins de IPI).

À primeira vista, análise superficial da legislação concernente dos impostos pode


levar o intérprete a crer que ambos possuem a mesma base de cálculo, qual seja, o valor da
operação da venda do bem. Contudo, uma característica peculiar deve ser levada em conta: o
ICMS é tributo indireto, determinando a Constituição Federal que seu montante se incorpora à
própria base de cálculo, fenômeno este chamado repercussão econômica – aqui decorrente de
determinação jurídica –, o que enseja a questão: a inclusão do ICMS à sua base imponível (valor
da operação) acarreta a alteração do valor da operação também para fins de IPI? Em outros
termos, o ICMS se inclui na base de cálculo do IPI, quando uma só operação consubstanciar
simultaneamente operação de circulação de mercadoria e de venda de produto industrializado?
É o que se passa a analisar.

2. Preço do Bem X Valor da Operação

A ponderação das questões suscitadas se inicia pela delimitação do conteúdo


semântico das expressões “preço do bem” (mercadoria ou produto industrializado) e “valor da
operação”. De plano, é possível afirmar, com base na legislação vigente, que ambos os conceitos
não se confundem, tendo cada qual natureza, finalidade e alcances próprios.
Com efeito, expõe o art. 131, § 1º, do Regulamento do Imposto Sobre Produtos
Industrializados – RIPI, Decreto nº 4.544/02:
Art. 131. [...]
§ 1º O valor da operação referido nos incisos I, alínea b e II, compreende o preço do produto, acrescido do
valor do frete e das demais despesas acessórias, cobradas ou debitadas pelo contribuinte ao comprador
ou destinatário (Lei nº 4.502, de 1964, art. 14, § 1º Decreto-lei nº 1.593, de 1977, art. 27, e Lei nº 7.798, de
1989. art. 15).

De forma análoga, determina a Lei Complementar nº 87/96, ao tratar do ICMS:

Art. 13. A base de cálculo do imposto é:


I - na saída de mercadoria prevista nos incisos I, III e IV do art. 12, o valor da operação;
II - na hipótese do inciso II do art. 12, o valor da operação, compreendendo mercadoria e serviço;
III - na prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, o preço do
serviço;
§ 1º Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo:
I - o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle;
II - o valor correspondente a:
a) seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos
sob condição;
b) frete, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem e seja cobrado
em separado.

Nota-se, com isso, que o próprio ordenamento impõe a diferenciação entre “preço
do bem” e “valor da operação”, restando, em conseqüência, delimitar o alcance de ambas as
expressões.
[1]
Sobre valor da operação e preço, leciona Aires Barreto :
Geralmente, preço e custo são tidos como equivalentes. Mas, em regra, o custo significa o preço de
produção ou o valor monetário por que a coisa foi adquirida.
Possui, assim, sentido mais estrito, porquanto preço entende-se toda avaliação monetária ou todo valor
pecuniário, atribuído à coisa, sem atenção ao custo originário ou preço de custo.

[2]
Nesse mesmo sentido, conceitua Maria Helena Diniz :
Soma em dinheiro que o comprador paga ao vendedor em troca da coisa adquirida. [...] Além da
pecuniaridade, o preço deverá ter: a) seriedade, indicando firme objetivo de se constituir numa
contraprestação relativamente ao dever do alienante de entregar a coisa vendida, de modo que não
denuncie qualquer simulação absoluta ou relativa; não pode ser fictício nem irrisório; b) certeza, pois deve
ser certo ou determinado para que o comprador possa efetuar o pagamento devidamente. O preço, em
regra, é fixado pelos contratantes no ato de contratar.

[3]
De Plácido e Silva é conclusivo:
PREÇO. Do latim pretium, entende-se o valor ou a avaliação pecuniária atribuída a uma coisa, isto é, o
valor dela determinado por uma soma em dinheiro.
Geralmente, preço e custo são tidos como equivalentes. Mas, em regra, o custo significa o preço de
produção ou o valor monetário por que a coisa foi adquirida.
Possui, assim, sentido mais estrito, porquanto preço entende-se toda avaliação monetária ou todo valor
pecuniário, atribuído à coisa, sem atenção ao custo originário ou preço de custo. Representa a soma em
dinheiro, em que se determina o valor da coisa para que sirva de base à operação de que será objeto.
É assim que, nas vendas, é a quantia ou a soma pecuniária a ser paga pelo comprador. Nas locações, é
também a soma em dinheiro a ser paga pelo locatário.
Designa, sempre, um valor expresso em dinheiro. E, relativamente às mercadorias, entende-se em
sentido equivalente a cotação.

Preço, portanto, consiste um parâmetro pecuniário para fins de negociação de


bens, o qual, por se tratar, reitera-se, de parâmetro, pode ou não corresponder ao
respectivo custo. São as partes negociantes que atribuem o preço à coisa, tratando-se, portanto,
de expressão pecuniária voltada ao aspecto pragmático da contratação.

Por sua vez, valor, pelo que se pode definir de acordo com o identificado até o
momento, é critério jurídico, à medida que o ordenamento atribui à negociação efeitos outros que
a mera troca de bens, a exemplo do que ocorre com a tributação, exatamente nos termos desta
investigação; as partes, ao efetuar operações de circulação de mercadoria ou com produtos
industrializados, repercutem no campo tributário, o qual elege uma grandeza econômica para a
incidência dos respectivos tributos, grandeza esta representada pelo valor, consubstanciado pelo
preço do produto acrescido das parcelas legalmente determinadas, dentro dos parâmetros da
competência tributária. Não se nega que, em termos leigos, “valor” é signo ambíguo, usado
indistintamente ora para identificar o preço de determinado bem, ora o custo de aquisição, dentre
inúmeros outros. Contudo, inserido no contexto jurídico, “valor” se referirá a uma grandeza
econômica legalmente qualificada, composto de parcelas monetárias certas e determinadas.

Assim, preço é parâmetro econômico para fins de negociação (empírico-


pragmático), enquanto valor é parâmetro jurídico para fins de tributação, do que é possível se
abstrair: “valor da operação” para fins de IPI e “valor da operação” para fins de ICMS não se
confundem.

3. “Valor da Operação” e Base de Cálculo para o IPI

A Constituição Federal, em seu art. 154, determina a matéria tributável do IPI:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...]


IV - produtos industrializados; [...]

Com fundamento na competência constitucional, determina o art. 47, do Código


Tributário Nacional:

Art. 47. A base de cálculo do imposto é: [...]


II – no caso do inciso II do artigo anterior:
a) o valor da operação de que decorrer a saída de mercadoria;

Nesse mesmo sentido é o anteriormente citado art. 131, § 1º, do RIPI:

Art. 131. [...]


§ 1º O valor da operação referido nos incisos I, alínea b e II, compreende o preço do produto, acrescido do
valor do frete e das demais despesas acessórias, cobradas ou debitadas pelo contribuinte ao comprador
ou destinatário (Lei nº 4.502, de 1964, art. 14, § 1º Decreto-lei nº 1.593, de 1977, art. 27, e Lei nº 7.798, de
1989. art. 15).

Nestes termos, de acordo com as disposições apontadas, tem-se que o IPI incide
sobre as operações com produtos industrializados, cujo valor é formado pelo preço do produto,
acrescido do preço do frete e das demais despesas acessórias. Sob outra abordagem, para fins
de incidência do IPI, portanto, “valor da operação” é o somatório do preço do
produto (valor mercantil negociado), acrescido do valor do frete e das demais despesas
acessórias que circunscrevem o negócio de compra-e-venda.

4. “Valor da Operação” e Base de Cálculo para o ICMS

Conforme ressaltado, o “valor da operação” para o ICMS, à maneira do IPI,


também possui regime jurídico diferenciado.

Com efeito, a Constituição Federal delimita os parâmetros para fins de incidência


do ICMS:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...]
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no
exterior; [...]

À sua vez, determina a Lei Complementar nº 87/96:

Art. 13. A base de cálculo do imposto é:


I - na saída de mercadoria prevista nos incisos I, III e IV do art. 12, o valor da operação;
II - na hipótese do inciso II do art. 12, o valor da operação, compreendendo mercadoria e serviço;
III - na prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, o preço do
serviço;
§ 1º Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo:
I - o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle;
II - o valor correspondente a:
a) seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos
sob condição;
b) frete, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem e seja cobrado
em separado.

Nestes termos, para fins do ICMS, “valor da operação” é o preço da mercadoria


estabelecido entre as partes, acrescido do montante do próprio ICMS, dos seguros, dos juros,
das demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, descontos concedidos sob condição e
frete.

Com isso, resta evidente o ponto fundamental da questão em debate: “valor da


operação” para ICMS é um, e “valor da operação” para IPI é outro, não se confundindo,
possuindo regimes jurídicos diferenciados; o ICMS ingressa o “valor da operação” só e somente
do próprio ICMS, e não do IPI.

5. A Não-Inclusão do ICMS na Base de Cálculo do IPI

Os argumentos expostos já apontam para a conclusão de que o montante do


ICMS não compõe a base de cálculo do IPI, uma vez que, nos termos da competência
constitucional e do Código Tributário Nacional, o “valor da operação” – instituto jurídico,
constitucional e legalmente delimitado –, para fins de apuração do IPI, versa o preço do produto
industrializado, acrescido do valor do frete e das demais despesas acessórias
que circunscrevem o negócio de compra-e-venda, e nada mais, não se confundindo com “valor
da operação” para fins de ICMS.
Não obstante, poder-se-ia afirmar que o ICMS, por compor o “valor da operação”,
incorpora-se ao preço do bem, sendo, via de conseqüência, passível de tributação pelo IPI. Essa
assertiva, contudo, mostra-se equivocada.

Como já ressaltado, e reiterado diversas vezes, valor de operação para fins de


IPI e “valor da operação” para fins de ICMS são institutos diversos, de modo que o ICMS não
integra o preço do produto – mas sim somente o “valor da operação” para fins de tributação do
ICMS – não podendo sofrer a incidência do IPI. “Preço” é grandeza econômica empírica-
pragmática negociável, diversamente do “valor da operação”.

A partir de então, nada mais equivocado que considerar que o ICMS e o IPI
possuem a mesma base de cálculo. O IPI incide sobre o “valor da operação” com produto
industrializado, e o ICMS incide sobre o “valor da operação” de circulação de mercadoria –
expressões com conteúdos semânticos diversos –, de modo que o montante do ICMS integra
tão-somente a base de cálculo do próprio ICMS, e não do IPI.

Assim, mesmo que o ICMS efetivamente integre o “valor da operação”, o faz


exclusivamente para fins de apuração do ICMS, e nunca do IPI; o produto negociado é
exatamente o mesmo, não sofrendo o preço qualquer variação, mas os “valores das operações”,
são juridicamente institutos diversos, não se podendo confundi-los e outorgar-lhes os mesmos
efeitos.

Portanto, para fins de tributação, “valor da operação” com produtos


industrializados, “valor da operação” de circulação de mercadorias e preço não consubstanciam
um mesmo instituto, não se confundindo, não possuindo os mesmos efeitos, não possuindo os
mesmos alcances e, principalmente, não possuindo o mesmo regime jurídico.
Deste modo, é ilícita a incidência do IPI sobre o ICMS.

6. Conclusão

Por todo o exposto, é nítido que o ICMS não pode compor a base de cálculo do
IPI.

Nos termos do Código Tributário Nacional, a base de cálculo do IPI circunscreve-


se a “valor da operação” com produto industrializado. “Valor da operação”, nos termos da
competência constitucional e validamente delimitado pelo art. 131, § 1º, do Decreto nº 4.544/02, é
o preço do produto industrializado, acrescido do valor do frete e das demais despesas acessórias
que circunscrevem o negócio de compra-e-venda. Preço, por sua vez, é o montante atribuído
pelas partes à negociação do produto industrializado.
Neste contexto, evidencia-se que o montante do ICMS não se incorpora ao valor
da operação para fins de tributação pelo IPI. “Valor da operação” é conceito jurídico, voltando,
neste caso, para delimitação de base de cálculo de tributos, enquanto “preço” é conceito
econômico, voltado ao aspecto pragmático da negociação. O ICMS compõe, portanto, o valor da
operação para fins de ICMS, e não o valor da mercadoria ou do produto industrializado.

Ademais, admitir que o ICMS componha o preço do produto industrializado é


alargar indevidamente a hipótese constitucional e legal do IPI, incorporando montante estranho à
operação com produtos industrializados, em manifesta violação ao art. 47, do Código Tributário
Nacional.
Nesse diapasão, resta evidente a impossibilidade de os valores devidos a título
de ICMS comporem a base de cálculo do IPI.

7. Bibliografia

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. São Paulo: Max
Limonad, 1998.
BOTTALLO, Eduardo Domingos. Fundamentos do IPI (imposto sobre produtos industrializados).
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002.
CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
_____. Introdução ao estudo do imposto sobre produtos industrializados. Revista de Direito
Público, São Paulo, v. 11.
COSTA, Alcides Costa. ICM na constituição e na lei complementar. São Paulo: Resenha
Tributária, 1978.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico: J – P. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 3.
NASCIMENTO, Carlos Valder (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. Rio de
Janeiro: Forense, 1997.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 418. v. III.

Londrina, 19 de setembro de 2007.

Fellipe Cianca Fortes

*
Mestrando em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, especialista em Direito Tributário
pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET, advogado tributarista e professor em cursos de graduação e
pós-graduação lato sensu.
[1]
BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 63.
[2]
DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico: J – P. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 678. v. 3.
[3]
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 418. v. III.

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