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A representação no novo Código Civil

Sílvio de Salvo Venosa

O legislador do novo código deveria ter sido mais claro, embora se reporte, no artigo
721, à aplicação de legislação especial, a qual, no caso, a principal delas protege e
regula o representante comercial (Lei nº 4.886/65). A harmonização dessa nova lei
com os novos dispositivos é complexa.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2003



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A representação no novo Código Civil


Sílvio de Salvo Venosa*

O novo Código Civil introduz no mesmo capítulo, os dispositivos sobre os contratos


de agência e distribuição. Nesses contratos há inúmeros pontos de contato com a
representação comercial. A nova posição legal mais serve para baralhar a questão,
pois o contrato de representação comercial costuma ser identificado pela doutrina e
pela jurisprudência com o de agência e distribuição. O legislador do novo código
deveria ter sido mais claro, embora se reporte, no artigo 721, à aplicação de legislação
especial, a qual, no caso, a principal delas protege e regula o representante comercial
(Lei nº 4.886/65). A harmonização dessa nova lei com os novos dispositivos é
complexa. Assim, o novo código dispõe no artigo 710:

"Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem
vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante
retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a
distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.

Parágrafo único. O proponente pode conferir poderes ao agente para que este o
represente na conclusão dos contratos."

Portanto, conforme a nova lei, a disponibilidade da coisa em mãos do sujeito


caracteriza a diferença entre a agência e a distribuição. Pela lei, se a pessoa tem a
coisa que comercializa consigo será distribuidor; caso contrário, será agente. No mais,
procura a lei unificar os direitos de ambos e, conseqüentemente, aplicam-se ao
representante comercial, no que couber. A primeira conclusão inafastável é no sentido
da aplicação da lei do representante comercial sempre que este for devidamente
registrado, nos termos do artigo 5º da Lei nº 4.886/65, e realiza negócios em razão
dessa profissão habitual. Pouco importa que pratique ele negócios de agência ou de
representação segundo o novo código. Tratando-se de profissão regulamentada,
estando o sujeito inscrito nos Conselhos Regionais dos Representantes Comerciais,
subordinados estes ao Conselho Federal, aplica-se essa lei, que lhe é protetiva e cria,
na verdade, um microssistema jurídico. Subsidiariamente poderá ser aplicado o novo
código.

Há que se levar em conta, contudo, que essa lei atribui os direitos básicos do
representante, que doravante devem ser harmonizados com os dispositivos do novo
Código Civil. Assim, naquilo que o contrato e a lei protetiva forem omissos,
preponderarão as disposições do novo código. Leve-se em conta que os dispositivos
contratuais do código são de direito dispositivo. Quanto ao representante comercial,
não há de se ter preocupação se sua atividade é de agência ou representação de acordo
com o novo código, porque, conforme os princípios da lei específica, para o
representante é irrelevante ter ou não a posse dos bens comercializados.

Questão maior vai se colocar quando o agente e o distribuidor em sentido amplo, sem
a compreensão de representante, pretenderem os mesmos direitos expostos na Lei nº
4.886/65. Não há que se entender que somente os representantes comerciais
devidamente inscritos em sua corporação de ofício tenham direito à aplicação da lei
específica. Eventual transgressão administrativa é irrelevante para a definição dos
direitos e a respectiva natureza jurídica dos contratos. Desempenhando a função de
representante, o sujeito fará jus aos benefícios da lei respectiva, segundo remansosa
jurisprudência, que se lastreia em princípios constitucionais sobre a liberdade do
trabalho. Caberá à jurisprudência definir, pois, se adotada a caracterização de
representante para a relação jurídica, fará jus o sujeito aos direitos respectivos
conforme os artigos 31 e seguintes da lei específica. Essa tendência, que já vinha
sendo adotada, deverá persistir. Nada impede, contudo, que as próprias partes
indiquem no contrato

como aplicável essa lei do representante comercial autônomo. O que será ineficaz, sob
o prisma de direito cogente, é afastar-se contratualmente sua aplicação.

Nessa introdução à nova problemática é importante estabelecer que os contratos de


agência e distribuição podem, em princípio, ser firmados com qualquer pessoa e a esta
situação se dirigem os dispositivos do novo Código Civil, os quais se aplicam,
também, aos representantes comerciais oficiais, no que não conflitar com seu estatuto
específico, o qual garante direitos básicos a esses profissionais. A situação não fica
clara, mormente quando as partes não definem claramente suas obrigações, como já
não estava clara no sistema anterior e qualquer das soluções apresenta dificuldades.
De qualquer modo, em princípio, se o sujeito adquire os bens do produtor ou
fornecedor e os revende, atendendo a cláusulas de exclusividade e de área geográfica,
sua situação será de distribuidor, excluindo-se a possibilidade de ser considerado
representante. As gradações entre um extremo e outro deverão ser definidas no caso
concreto.
Sempre que se examina a comercialização de produtos ou serviços por terceiros,
existirão sempre duas partes, pois o fornecedor de produtos e serviços sempre
atribuirá a outrem essa função. Nesse sentido, alude-se à distribuição como referência
genérica a vários fenômenos. Como regra geral, a empresa concentra sua atividade
principalmente na produção, atribuindo a intermediários a atividade de promover e
vender. Nesse sentido, a própria legislação comercial, consagrada pelo nosso velho
Código Comercial, disciplinava os auxiliares de comércio, os corretores, os
comissionistas e os agentes de comércio. O novo universo da empresa cria novas
formas de comercialização, com a intervenção de terceiros, como a franquia, a
concessão, a representação.

Sob essa égide, a palavra "distribuição" é equívoca, absorvendo vários significados,


técnicos ou não. No conceito há um sentido amplo, de caráter geral, que inclui todas
as formas que uma empresa se utiliza para colocar bens e serviços no mercado,
diretamente, ou por meio de terceiros, mandatários, agentes, representantes etc. Por
outro lado, há um conceito restrito, que é aquele doravante presente no Código Civil,
que diz respeito à relação jurídica que vincula o produtor e o sujeito que coloca seus
produtos no mercado, referindo-se aí expressamente ao contrato de distribuição. Como
já de início apontamos, há confusão terminológica entre os contratos de representação
mercantil, agência e distribuição, que não foi aclarada pelo legislador.

Desse modo, surge assim uma nova família de contratos, para desenvolvimento de
uma antiga função econômica, qual seja, a de colocar no mercado os bens ou serviços
de uma empresa produtora, quando ela não o faz por si mesma. Esses contratos
possuem características comuns, o que contribui, por vezes, para a confusão
terminológica. Assim, pressupõem a existência de empresas e sujeitos independentes
que desempenham atividade em favor dela; há possibilidade de que a empresa celebre
muitos contratos da mesma natureza, com várias pessoas, naturais ou jurídicas. Nesses
contratos há um forte aspecto de colaboração entre as partes e a possibilidade de
exclusividade dentro de determinada área geográfica. São contratos, por natureza, de
duração, com prazo mais ou menos longo. O distribuidor, agente ou representante
deve se submeter a uma séria de diretrizes impostas pelo produtor em prol do bom
andamento do negócio. A regra de exclusividade é importante nesses contratos,
embora possa não se fazer presente. Caberá às partes mantê-la ou não.

Por seu lado, o distribuidor ou qualquer nome ou natureza jurídica que se lhe dê, não
importando qual a modalidade de contrato que lhe permite comercializar bens de
terceiros (distribuição, representação, agência, franquia), obtém uma posição
vantajosa no mercado, pois, em princípio, terá exclusividade sobre determinada região
ou goza de benefícios e vantagens para adquirir bens da empresa produtora.
Geralmente, o nome do produtor já outorga aos intermediários um patamar de ganhos
superior. Sob esse prisma, a moderna empresa cria uma rede de distribuição, nem
sempre juridicamente homogênea, cuja finalidade é cobrir uma cidade, uma região,
um Estado ou Província, um país ou o exterior. Essa distribuição mais ou menos
ampla seria muito custosa e difícil para que o produtor a encetasse com recursos
próprios, além de esbarrar em leis de proteção econômica, que proíbem a cartelização
ou o truste. Inúmeros outros aspectos devem ser estudados em função desses novos
contratos que ora se tipificam no novo Código Civil.

______________

* Juiz aposentado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil - sócio do


escritório Demarest e Almeida Advogados  - Autor de obra completa de Direito Civil
em seis volumes

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